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ANÁLISES & TENDÊNCIAS 7ª EDIÇÃO P R I V A T E E Q U I T Y IBGC ANÁLISES & TENDÊNCIAS - 7ª EDIÇÃO 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 i 2 Conselho de administração Presidente do conselho Henrique Luz Conselheiros Armando de Azevedo Henriques Carlos Eduardo Lessa Brandão Claudia Elisa Soares Gabriela Baumgart Iêda Aparecida Patricio Novais Israel Aron Zylberman Leila Abraham Loria Leonardo Wengrover Diretoria Diretor geral Pedro Melo Diretora de Desenvolvimento Adriane de Almeida Diretor de Operações e Relacionamento Reginaldo Ricioli Diretora de Vocalização e Influência Valeria Café Produção e coordenação da publicação Jornalista responsável Yuki Yokoi Projeto gráfico e diagramação Oribá Comunicação Fotos Shutterstock / Divulgação / Arquivo IBGC IBGC Av. das Nações Unidas, 12551 World Trade Center Tower - 21º andar CEP 04578-903 - São Paulo-SP tel.: 55 11 3185 4200 e-mail: ibgc@ibgc.org.br site: www.ibgc.org.br É vedada a reprodução de textos e imagens desta publicação sem autorização prévia, mediante consulta formal e citação de fonte. P R I V A T E E Q U I T Y Pela contribuição na elaboração desta publicação, o IBGC agradece à IBGC ANÁLISES & TENDÊNCIAS - 7ª EDIÇÃO 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 i 3 SUMÁRIO Editorial A função essencial da governança corporativa para a indústria de private equity Passada a crise, virão as oportunidades para o mercado de capitais Private equity e seu valor em momentos de incerteza Conselheiro independente e conselheiro competente: a arte e a ciência na composição dos conselhos de administração Múltiplos modelos de remuneração executiva nos investimentos em participações Harmonização da regulação brasileira à prática internacional A importância da auditoria para a redução de riscos em private equity Integração ESG é tendência que já chegou ao ecossistema do private equity O papel da autorregulação e suas tendências O papel do capitalismo em um momento de crise 04 06 08 10 12 15 18 21 23 25 27 IBGC ANÁLISES & TENDÊNCIAS - 7ª EDIÇÃO4 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 i 4 O s investimentos da indústria de private equity no Brasil somaram R$ 12,8 bilhões em 2019, um aumento de 70% sobre os R$ 7,5 bilhões do ano anterior. Os dados são da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (Abvcap), que também registrou expansão, nesse intervalo, na quantidade de empresas investidas e no valor médio a elas destinado. Essa crescente relevância dos investimentos de private equity no Brasil foi o fator motivacional para que eu viesse a sugerir, ao IBGC, uma publicação que apresentasse os pontos de contato entre esse pujante ecossistema e as melhores práticas de governança corporativa. De um ponto de vista, essa intersecção apresenta-se bastante natural, quando se considera a relação dos fundos com os sócios das empresas investidas, com o desenho de estratégias inovadoras para os negócios, e com o propósito de capturar valor em dimensões não detectadas por processos e métricas correntes. Todavia, de outra parte, é indispensável observar como essa centenária e resiliente atividade vê-se acompanhada, persistentemente, por apreciações controversas. Eloquentemente, uma das propostas do plano de governo da ex-candidata democrata, Elizabeth Warren, à presidência dos EUA, imporia uma taxação tão pesada sobre o ganho de capital dessa atividade que resultaria, para efeitos práticos, na extinção da indústria de private equity1. E ainda nesta linha, muitos se recordarão dos célebres best-sellers que, décadas atrás, atacaram os excessos da indústria, dentre eles Barbarians At The Gate e Den Of Thieves. No Brasil, a consolidação da indústria sobreveio com o advento da legislação reguladora dos FIPs – Fundos de Investimento em Participação e dos FIEEs – Fundos de Participação em Empresas Emergentes, na década de 90. E, também neste país, a atividade é acompanhada por fatos contrastantes e apreciações convencionais; ressaltando, todavia, uma recorrente demanda por práticas consolidadas de governança. Tanto ao nível dos gestores de fundos, para efeito de transparência das análises e decisões de investimento, na estratégia de geração e captura de valor, e no monitoramento de desempenho, como ao nível do complexo e crucial relacionamento com os demais sócios, gestores e partes interessadas nas empresas investidas. Este, precisamente, é o tema que interessa ao IBGC: a camada de governança que perpassa da gestão dos fundos de participação às empresas investidas. Na intimidade da sua genética – os fundos de investimento em participação revelam elementos essenciais. Têm como propósito buscar o “alfa”, ou seja, um desempenho superior à média do mercado; e visam uma remuneração que compense o chamado “risco de iliquidez”, por estarem investidos em ativos cuja conversão em moeda é relativamente mais remota, quando comparada às transações com ações em bolsa, ou com outros ativos mobiliários de fácil conversibilidade. Para estes efeitos, os fundos de participação adotam distintos padrões estratégicos, baseados em diferentes aptidões e preferências. As empresas bem-sucedidas consomem e geram capital em um ciclotimia bastante familiar à investigação acadêmica e às práticas dos agentes de mercado. Quando demandam capital, as empresas têm opções de acesso a fontes diversificadas que, em última instância, competem entre si. Dentre essas fontes, os fundos de private equity (e de venture capital) têm demonstrado um desempenho importante, sobretudo – mas não apenas – nos momentos em que os mercados de capitais estão fechados para os movimentos de ofertas públicas, via bolsa de valores. Aos fundos e gestores mais bem-sucedidos atribui-se o diferencial virtuoso da “persistência de performance”. Editorial GOVERNANÇA CORPORATIVA E PRIVATE EQUITY Um aspecto subsidiário que, intermitentemente, comparece como matéria de disputa, com relação aos fundos de participação (e respectivos gestores), endereça o tema da habilidade de gestão desses fundos; vez que, em sua maioria, adquirem direitos políticos de interferir na governança e na gestão das empresas investidas. A este respeito, inclusive, desenvolveu-se uma disciplina de gestão chamada administração de alto desempenho (high performance management), por emprego da qual os fundos se atribuem uma capacidade diferenciada de obter resultados superiores a uma suposta administração convencional. Quanto a este ponto, a compilação impressionista das evidências demonstra tanto acertos meritórios (desempenhos e ganhos expressivos), quanto eventos catastróficos (destruições de firmas e de valores espetaculares). Na média, há que considerar o período observado e o respectivo universo amostral; mas, dada a resiliência centenária da indústria, não é difícil inferir tanto o prestígio econômico como a relativa importância social da atividade. O reforço da aliança entre o private equity e os líderes e executivos das empresas investidas — o que pode ser feito por meio das ferramentas consolidadas de governança corporativa — tornou-se ainda mais necessário diante da crise sem precedentes desencadeada pela pandemia do novo coronavírus. Como sugere um relatório de março de 2020 da McKinsey2, cabe aos fundos contribuir com toda a sua expertise para que as investidas dos mais variados setores consigam atravessar com segurança a turbulência, com condições de recuperação mais adiante. A presente coletânea abre com um mapeamento dessas ligações possíveis entre a governança corporativa e o ambiente de private equity, valiosa colaboração de Caio Ramalho, coordenador do núcleo de Estudos em Startups, Inovação, Venture Capital e 5IBGC ANÁLISES & TENDÊNCIAS - 7ª EDIÇÃO 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 i 5 Private Equity da FGV. Na sequência, relatos de quem está na linha de frente das relações private equity-empresas. Rosana Passos de Pádua, diretora financeira da holdingCrop Care, investida do Pátria Investimentos, usa uma retrospectiva de graves crises do passado para sugerir um exercício reflexivo sobre o que se pode esperar da economia daqui em diante. O sócio e head de private equity da Vinci Partners, Bruno Zaremba, fala sobre o enorme desafio que representa enfrentar essa crise inédita ao lado de empresas com características tão diversas quanto as que compõem o portfólio da gestora, responsáveis por muitos milhares de empregos. Mas aborda também a importância de poder contar, neste momento, com um toolkit de boas práticas acumulado durante muitos anos. Uma análise sobre a influência dos propalados aspectos ESG (sigla em inglês para fatores ambientais, sociais e de governança) sobre a indústria brasileira de private equity está no artigo de Tatiana Assali. Ela ressalta que a incorporação desses aspectos é facilitada pela própria natureza do private equity, que envolve um relacionamento próximo entre empresas e investidores, além de engajamento, integração ainda na due diligence e investimentos de impacto. Outro ponto importante é o fato de as boas práticas de governança gerarem valor para o momento de desinvestimento, inerente ao mecanismo do private equity. E, como diz o estudo da McKinsey, fatores ESG tornaram-se particularmente relevantes no mundo corporativo em tempos de pandemia — nunca esteve tão em alta a discussão sobre o papel das empresas em relação aos stakeholders. Por sua vez, os advogados do escritório Mattos Filho Marina Procknor, Lucas Rezende e Gabriel Ferreira Batista abordam a bem-vinda modernização do arcabouço regulatório do private equity no Brasil. Detalham, no artigo, as movimentações feitas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) nos últimos anos — mais intensamente desde 2015 — para aprimorar a regulação do setor usando como benchmark práticas já consolidadas internacionalmente. Álvaro Gonçalves, sócio do Grupo Stratus e presidente da Câmara de Estruturadores e Empresas da B3, propõe uma reflexão interessante: poderia ser a independência de um conselheiro de administração um conceito mais teórico do que prático? Ele defende que sejam evitadas “fórmulas- coringa” para a formação de um conselho, como a atribuição automática e prolongada da classificação “independente” para um conselheiro. Análises & Tendências – Private Equity inclui também abordagens de temas caros à boa governança corporativa aplicados a essa indústria, como o uso adequado da auditoria para a redução de riscos, tema do artigo de Carlos Asciutti; regulação e autorregulação, sob a visão de Ronaldo Hirata; e políticas e mecanismos de remuneração de executivos, assunto do texto assinado por Sidney Chameh. Análise sobre a atual circunstância mundial está também no artigo de Luciana Antonini Ribeiro, que pondera a respeito da importância do propósito para o novo mundo que surge da pandemia. Todo esse valioso conteúdo, rico em análises retrospectivas e em percepções do que acontece no presente de uma crise de inédita magnitude, pode servir de subsídio para as difíceis decisões que precisarão ser tomadas, a partir de agora. Afinal, o segmento de private equity participa de um número expressivo de empresas que tracionarão a necessária recuperação dos mercados, e que navegarão as megatendências da economia mundial. Neste momento, particularmente, em que as economias mundial e brasileira são duramente danificadas pela megacrise sanitária do Covid-19, caberá aos fundos e agentes de private equity papel substancial na inevitável reestruturação das cadeias produtivas, e nelas, das respectivas empresas subsistentes. A disponibilidade da liquidez remanescente – que demandará busca de oportunidades e de remuneração compatível –, e o repertório de processos e ferramentas mais ágeis comparativamente às demais soluções de mercado, oferecerão um possível protagonismo, no futuro próximo, ao segmento de private equity. O repertório aqui apresentado, a par do mérito intrínseco, também revela, emblematicamente, o interesse do IBGC em adentrar e se aprofundar no relevante universo da indústria de private equity, sempre a partir da clivagem da governança corporativa. Finalmente, como membro indicado pelo IBGC ao “Conselho de Regulação e Melhores Práticas para o Mercado de FIP/FIEE”, da ANBIMA, eu registro com satisfação a recente publicação do “Código ABVCAP | ANBIMA de Regulação e Melhores Práticas para o Mercado de FIP e FIEE”, cujo conteúdo oportuno advém como contribuição valiosa para orientação dos agentes de mercado envolvidos com operações no âmbito da indústria de private equity. Por último, faço um convite a todos os associados, parceiros e agentes de mercado interessados no tema das melhores práticas de governança corporativa no âmbito da indústria de private equity que se juntem, com as suas contribuições, a mais esta iniciativa do IBGC. Votos de uma boa leitura. 1Disponível em https://www.washingtonpost.com/us-policy/2019/07/18/elizabeth-warren- detailed-attack-private-equity-unveils-plan-stop-looting-us-companies/. Em July 18, 2019 at 10:00 a.m. GMT-3. 2Disponível em https://www.mckinsey.com/industries/private-equity-and-principal-investors/ our-insights/private-equity-and-the-new-reality-of-coronavirus. Acesso em 8/4/2020. Emilio Carazzai Sócio sênior da Quadrivium Corporate Advisory. Foi membro e presidente do conselho de administração do IBGC, além de instrutor na área de Cursos do instituto. É conselheiro de administração da Rio Branco Alimentos, GranBio, Terra Santa e Pottencial Seguros. IBGC ANÁLISES & TENDÊNCIAS - 7ª EDIÇÃO6 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 i 6 A FUNÇÃO ESSENCIAL DA GOVERNANÇA CORPORATIVA PARA A INDÚSTRIA DE PRIVATE EQUITY H istoricamente, os investimentos de private equity têm promovido o crescimento e o desenvolvimento econômico de diversos países, por meio da transformação de negócios tradicionais e do consequente impacto positivo sobre o mercado de capitais. Milhares de médias e grandes empresas de capital fechado — especialmente negócios tradicionais e familiares — têm se beneficiado dos investimentos de private equity, que, além do capital financeiro, proveem principalmente valiosos recursos estratégicos às investidas. De fato, o capital inteligente atribuído ao private equity é apontado como promotor de sobrevivência, expansão e sucesso de numerosos negócios ao redor do mundo. Private equity, em definição lato sensu, refere-se à aquisição de participação societária em empresas de capital fechado. Ou seja, diferentemente do empréstimo bancário ou de outras formas de financiamento, ele compartilha os riscos de ganhos (e perdas) com o empresário ao tornar-se seu sócio, ficando, assim, intimamente comprometido com o crescimento forte e sustentável daquele negócio. Por meio de uma análise mais detalhada, percebe-se, então, que os principais objetivos dos investimentos de private equity são gerar e maximizar valor para as partes envolvidas, mitigando riscos desnecessários ao longo desse processo. A geração de valor, de fato, está presente em todos os momentos na indústria private equity — da captação de recursos até a saída dos investimentos. Porém, essa não é uma tarefa simples. Dados sua natureza ilíquida, seu horizonte de longo prazo e uma característica natural de assimetria informacional, os investimentos de private equity têm retornos e riscos diferentes dos ativos tradicionais, como a bolsa de valores, sendo parte de uma classe de ativos alternativos. Ademais, existem diversos pontos de fricção e potenciais conflitos ao longo do tempo advindos da separação de propriedade e controle entre os vários stakeholders envolvidos nos investimentos de private equity. Logo, governança é o fundamento essencial que torna possível toda essa jornada: afinal, envolve transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa. Ea jornada costuma ser longa, o que faz o processo ser ainda mais complexo. Resumidamente, uma organização gestora capta recursos com investidores1, que comprometem2 capital para investimentos em empresas de capital fechado ao longo de um determinado período (usualmente de 5 a 7 anos), sendo remunerados para tal (usualmente taxas de administração e performance3) e podendo utilizar diferentes estruturas legais e tipos de veículos de investimentos, locais e internacionais4. Quando se pensa em governança e private equity, a imediata associação que se faz é com a relação-chave existente entre as organizações gestoras e as empresas de seus portfólios. É no período de monitoramento das empresas após a realização do investimento que as organizações gestoras têm a oportunidade de adicionar valor às investidas. De fato, a maior contribuição do private equity não é o capital financeiro em si, mas sim o conjunto de suporte e melhoria na gestão e na governança das empresas investidas, permitindo que elas se tornem mais eficientes. Entre essas transformações podemos citar a profissionalização da administração, a Caio Ramalho* 7IBGC ANÁLISES & TENDÊNCIAS - 7ª EDIÇÃO 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 i 7 implantação efetiva de conselhos de administração e comitês, a melhoria de relatórios gerenciais e contábeis, a criação de processos e ferramentas de monitoramento, o desenho ou a melhoria de planos de incentivo de executivos, o networking de alto nível, o suporte a fusões ou aquisições, a revisão de orçamentos, a racionalização das estruturas operacionais, a revisão ou a implantação do planejamento estratégico, entre outras. A necessidade da maioria dessas estruturas e processos de governança terá sido discutida muito antes do efetivo investimento. Ao longo do processo de aproximação e de negociações, as partes terão definido direitos de voto e veto, composição do conselho, cláusulas antidiluição, tag along, drag along, first refusal, first offer, direitos de preferência, clawback, earn outs etc. De maneira complementar, o processo de negociação do valuation é algo crítico. Obviamente, o gestor de private equity quer maximizar seus retornos e tem um dever fiduciário com seus investidores, mas ele também sabe que não adianta espremer o empresário, que será seu sócio por muitos anos. É um equilíbrio deliciado e um exercício prático constante de governança. Da mesma forma, no momento da saída o gestor de private equity não pode levar em conta apenas o preço de venda do ativo: deve considerar também se as condições posteriores à venda serão igualmente benéficas para o seu atual sócio e para a perenidade da empresa. As duas principais formas de saída para os investimentos de private equity são a venda para um comprador estratégico (trade sale) e a abertura da capital da empresa na bolsa de valores (IPO). Em ambos os casos, normalmente, o empresário e os executivos costumam continuar no negócio. Logo, o gestor de private equity pode preferir aceitar uma oferta menor para que seu atual sócio fique mais confortável sobre o seu futuro — e o da empresa — ao lado do novo comprador. No caso dos IPOs essa dinâmica é ainda mais visível, uma vez que é esperado que a organização gestora de private equity acesse o mercado de capitais várias vezes ao longo do tempo como opção de saída para seus investimentos. Abrir mão de parte do valor parece um contrassenso em um investimento que busca maximizar retornos, mas a principal razão é que o private equity (assim como o venture capital) é um negócio de pessoas, e que relacionamentos, conhecimento, confiança e reputação são ativos valiosíssimos, enquanto dinheiro, na prática, é uma commodity. Os exemplos citados são apenas alguns, entre vários, propícios para estimular a reflexão sobre a importância da governança na indústria de private equity. Ainda há muito mais casos, como coinvestimentos (especialmente por investidores), poder decisório efetivo em comitê de investimentos, dedicação ao portfólio à luz da captação de novos veículos de investimento, base da taxa de administração (capital comprometido e/ou capital investido), divisão da taxa de performance entre os profissionais e sócios da organização gestora, relação administradores- gestores-investidores, relações com prestadores de serviços e parceiros de negócios, atuação de instituições reguladoras e fiscalizadoras, impactos de estruturas internacionais e veículos-espelhos, entre várias outras situações interessantes. Em cada conexão há um potencial ponto de fricção no qual a governança pode — e deve — atuar. Felizmente, a indústria de private equity tem evoluído ao longo de décadas na criação e no aprimoramento de diversos checks e balances que oferecem mecanismos para a correta observância da governança ao longo de todo o processo. De fato, a indústria de private equity possui um terreno fértil para a atuação de profissionais capacitados no tema governança, especialmente em um cenário de retomada da expansão acelerada dessa classe de ativos. 1Investidores típicos de private equity são alocadores de longo prazo, como fundos de pensão, family offices, endowments, fundos soberanos, seguradoras e wealth managers. 2Uma vez que as oportunidades não estão disponíveis imediatamente para investimentos, ao contrário da bolsa de valores, por exemplo, os investidores comprometem-se a aportar os recursos nos veículos de investimento geridos pela organização gestora ao longo do tempo, à medida que esta for encontrando as empresas que serão investidas. 3Na indústria de private equity a taxa de performance é denominada carried interest e o benchmark, ou taxa mínima de retorno a ser superada, é chamado de hurdle rate. 4A limited partnership é uma estrutura legal de veículo de investimento muito comum no exterior, principalmente nos Estados Unidos. Nesse caso, as organizações gestoras são conhecidas como general partners (ou GPs) e os investidores são designados limited partners (ou LPs). No Brasil, os principais tipos são as estruturas CVM, notadamente os Fundos de Investimentos em Participações (FIPs), e as holdings. *Caio Ramalho Professor e coordenador do núcleo de Estudos em Startups, Inovação, Venture Capital e Private Equity da Fundação Getulio Vargas (FGVnest). Organizador e coautor de dois livros sobre Private Equity e Venture Capital no Brasil. É também coordenador da Comissão de Startups e Scale-ups do IBGC. IBGC ANÁLISES & TENDÊNCIAS - 7ª EDIÇÃO8 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 i 8 PASSADA A CRISE, VIRÃO AS OPORTUNIDADES PARA O MERCADO DE CAPITAIS C onsidero muito pertinente parar neste momento para pensar nas perspectivas para o mercado de capitais num mundo pós-pandemia. Mas não posso fazer isso sem antes empreender uma profunda reflexão, uma análise retrospectiva da minha trajetória. Afinal, já trabalho há quase 40 anos no mercado financeiro, tendo passado por banco, empresa multinacional e empresas brasileiras. Durante esse tempo todo de experiência, tive a oportunidade de viver (ou sobreviver a) sob todos os grandes planos econômicos do Brasil — Plano Cruzado, Plano Verão, Plano Bresser, Plano Collor e Plano Real. Também testemunhei diversas mudanças de lideranças políticas do país, com seus respectivos vieses econômicos, suas tentativas e erros. Vi a taxa de juros ultrapassar 100% ao mês, inflação nesse nível também; negociei empréstimos em “hot money”, nos quais as empresas giravam todo o endividamento com prazo de um dia. Passei por planos de estabilização — calculei tablita, quem se lembra disso?! — e pela URV, moeda de conversão que antecedeu o real. Desenvolvi muitas operações financeiras diferenciadas, incluindo derivativos, mas na maioria das vezes tendo um banco na intermediação da operação — embora sempre tenha acreditado que o mercado de capitais seria o caminho mais adequado para garantia de liquidez, oferecendopapéis interessantes para os investidores e sendo uma alternativa viável para as empresas tomarem o capital necessário para o giro de seus negócios ou para financiarem seu crescimento. Essa crença foi se acentuando à medida que a taxa de juros no Brasil começou seu movimento de queda, e isso vale muito mais agora, com a Selic a 3,75% ao ano e com chances de terminar 2020 em 3,25% anuais, como já afirmam alguns economistas de bancos (enquanto a inflação projetada gira em torno de 3%). Existe uma demanda reprimida por papéis no Brasil e no mundo. Isso é fato, principalmente quando analisamos a necessidade de investimentos dos fundos de pensão, das seguradoras e de outros investidores institucionais, além dos investidores individuais. Se colocarmos um zoom nos fundos de pensão, cujo patrimônio acumulado no Brasil gira em torno de R$ 1 trilhão, veremos que muitas dessas entidades de previdência privada (de empresas públicas ou privadas) têm compromissos de longo prazo assumidos com seus assistidos. Os fundos de pensão têm a obrigação de cumprir com suas taxas atuariais anuais, que variam de 3% a 5% (juros reais), e têm grande parte dos seus investimentos alocados em Rosana Passos de Pádua* IBGC ANÁLISES & TENDÊNCIAS - 7ª EDIÇÃO 9IBGC ANÁLISES & TENDÊNCIAS - 7ª EDIÇÃO 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 i 9 títulos públicos de longo prazo que não oferecem cobertura perfeita — uma vez que os fundos de pensão reajustam suas aposentadorias por INPC e os títulos públicos rentabilizam taxa de juros mais IPCA. Para investimentos de tão longo prazo, a diversificação de portfólio e a possibilidade de investir em ativos de baixo risco com rentabilidades atrativas são importantes, o que nos remete ao mercado de capitais. Pode- se afirmar, com bastante segurança, que faltam ativos interessantes para que os investimentos dos fundos de pensão possam ser diversificados com qualidade e segurança. O investidor individual, pessoa física, que recentemente dobrou os investimentos na B3 em resposta à queda acentuada das taxas de juros no Brasil e à baixa oferta de oportunidades de investimentos, está sofrendo com a queda vertiginosa dos preços das ações. Em contrapartida, está aprendendo — de forma dura, é verdade — como esse mercado funciona e possivelmente se tornará um investidor mais especializado para alocar recursos nos momentos de crescimento e seguramente vai gerar liquidez para o mercado de capitais. As empresas, por sua vez, que há tempos deixaram de investir seus resultados no mercado financeiro (ciranda financeira dos tempos de juros estratosféricos), a cada dia mais vêm buscando investir no próprio crescimento, por meio de revisão de processos, inovação, aumento de produtividade e rentabilidade. Vale lembrar que essas empresas que hoje estão investindo se tornarão os alvos preferenciais das empresas de private equity lá adiante — assim, terão potencial para abertura de capital no futuro. Neste exato momento em que escrevo, na última semana de março de 2020, estamos atravessando uma das maiores crises que a humanidade já viveu. A pandemia do novo coronavírus seguramente provocará desaquecimento acentuado em todas as economias do mundo. Ainda é difícil prever a magnitude da desaceleração, mas é certo que não será possível recuperar as perdas nos próximos trimestres. Entretanto, pode-se prever que, passada a crise, haverá um crescimento vigoroso das economias globais, uma retomada da liquidez em larga escala e uma demanda massiva por ativos. Tudo vai depender do impacto demográfico que a pandemia causará em cada país, o que ainda é de difícil mensuração considerando que a situação está apenas no começo. A China foi a origem e já foi o epicentro da crise, mas neste momento o cenário mais grave está na Europa, em especial na Itália e na Espanha. Os Estados Unidos também registram progressão acelerada da epidemia, e o Brasil não fugirá a essa triste realidade. Enquanto escrevo, o país já apresenta uma progressão quase geométrica nos casos de Covid-19, com foco nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Superada a crise, o Brasil também passará por um período de crescimento importante, com demandas por ativos financeiros e não financeiros. Será uma fase bastante propícia para IPOs. As empresas de private equity, particularmente, terão oportunidades singulares em um ambiente de busca por ativos com rentabilidade, taxas de juros reais baixíssimas, excesso de liquidez e muitas empresas preparadas para abertura de capital. Algumas áreas da economia brasileira poderão sofrer menos o impacto durante a crise que ora se instala — um exemplo é o agronegócio, pela necessidade mundial de fornecimento de alimentos e pela excelência na produtividade brasileira, reconhecida nos mercados consumidores internacionais. Não existem muitos ativos desse setor disponíveis no mercado de capitais. Algumas áreas de inovação também poderão ter destaque nesse ambiente, pois existe uma infinidade de empresas em laboratórios de inovação procurando pela demanda ou pela necessidade do *Rosana Passos de Pádua É diretora financeira da holding Crop Care, empresa investida da Pátria Investimentos, e também conselheira da Bevap Bioenergia. Tem MBA em Finanças e Riscos pela Universidade de São Paulo (USP) e em Administração pela Fundação Dom Cabral (FDC). É mestre em Contabilidade e Cinências Atuariais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). mercado, e essas empresas também serão foco para futuros IPOs. Minha experiência me fez aprender que toda crise traz consigo uma enorme gama de oportunidades. Foi assim em 1997, quando os “tigres asiáticos” quebraram, deixando o mundo todo atônito, inclusive com a recuperação que se seguiu à crise. Foi assim quando o mundo testemunhou apavorado o ataque terrorista aos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001 — as torres gêmeas de Nova York ruíram e os mercados mundiais entraram em colapso por questões econômicas e pelo fato de ter se instalado naquele momento um novo ambiente de terror no mundo. Foi assim com a crise do crédito subprime nos Estados Unidos em 2008, que levou à quebra do centenário banco Lehman Brothers, fundado em 1850, e desencadeou uma crise econômica similar à provocada pelo crash das bolsas em 1929. De todas as recentes crises as economias se recuperaram. Os países se reergueram, as populações se ajustaram e muitas oportunidades de crescimento, de investimento, de inovação e de criação surgiram. Não será diferente desta vez, e quem sabe teremos, finalmente, a tão esperada arrancada do mercado de capitais brasileiro, com o qual eu venho sonhando há quase 40 anos. 2020 talvez não seja o ano, mas estou convicta que 2021 poderá ser. E que assim, de fato, seja. IBGC ANÁLISES & TENDÊNCIAS - 7ª EDIÇÃO10 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 i 10 N o final de fevereiro, fui convidado pelo IBGC para escrever este artigo, abordando o tema do alinhamento entre empresas investidas e fundos de private equity. Eu tinha um esboço do artigo pronto antes dos eventos recentes relacionados à Covid-19 e à resposta do mundo e do Brasil a essa pandemia. Rapidamente, no entanto, meu esboço se tornou obsoleto. Sem dúvida nenhuma, estamos atravessando um dos momentos mais desafiadores da história, sem paralelos no passado, e com baixíssima visibilidade de futuro. No meio dessa situação, nós na Vinci Partners temos uma carteira de investimentos composta por mais de dez empresas brasileiras, em setores diferentes, sofrendo impactos diversos, e com enorme responsabilidade por gerar milhares de empregos diretos em um ambiente de profunda incerteza. Como gestores de private equity temos responsabilidade perante todos os nossos constituintes: investidores, times de gestão das companhias investidas e sócios. Inicialmente, quando tomamos a decisão de fazer um investimento, temos um alinhamento total dentrodesse grupo em relação a nossos objetivos de médio e longo prazos. Com esses objetivos alinhados alcançamos visibilidade dos retornos potenciais do investimento para os cotistas de nossos fundos, uma proposta de valor clara para nossos sócios e uma rota a ser perseguida pelos nossos executivos. Tipicamente nossos investimentos visam aceleração no ritmo de crescimento das empresas investidas. Procuramos companhias que tenham modelos de negócio sólidos, e nas quais nosso capital e experiência proporcionem uma oportunidade de mudança de patamar no tamanho e rentabilidade desses negócios. Muitas vezes isso implica acelerar a companhia a taxas de crescimento muito altas, e por esse motivo é fundamental que exista um alinhamento muito grande em relação aos objetivos que estamos perseguindo. Provavelmente teremos desvios em relação aos planos originais e nos preocupamos muito com a criação de processos que viabilizem uma correção rápida de rota, quando necessário. Em um contexto normal, nossa relação de gestor com as investidas consiste em aumentar ao máximo a probabilidade de que aquele plano acordado no início do investimento seja alcançado ou superado. Com este fim, depois de um plano estratégico finalizado, implementamos uma série Bruno Zaremba* PRIVATE EQUITY E SEU VALOR EM MOMENTOS DE INCERTEZA Sem dúvida nenhuma, estamos atravessando um dos momentos mais desafiadores da história 11IBGC ANÁLISES & TENDÊNCIAS - 7ª EDIÇÃO 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 i 11 de instâncias de governança que têm como função apoiar o time de gestão no caminho da obtenção dessas metas de médio prazo. Além disso, apoiamos a empresa na busca de capital humano que vai ajudar na execução do plano estratégico que traçamos juntos. Muitas vezes conseguimos atrair executivos com histórico de boa performance que já trabalharam conosco em investimentos anteriores, o que aumenta a probabilidade de sucesso em sua nova empresa. Os fóruns de governança darão suporte na discussão de resultados de curto prazo e alternativas de financiamento (comitê financeiro), no estabelecimento das políticas de remuneração (comitê de gente), apoio ao time de gestão na alocação de capital para crescimento (comitê de expansão/investimento) e no controle de integridade e normas em todas as fases do negócio (auditoria interna). Esses são alguns exemplos de comitês instalados em nossas companhias de portfólio. Formamos ainda um novo conselho de administração em todas as companhias investidas com a nossa participação e muitas vezes também com conselheiros independentes que possuem conhecimento técnico específico para ajudar o time de gestão na solução dos desafios estratégicos. Pela nossa experiência, a interação constante com os times de gestão ajuda na formação de consenso e na resolução de temas complexos. Utilizamos um toolkit de melhores práticas desenvolvido ao longo dos últimos 20 anos, tempo em que o time da Vinci Partners investe em private equity no Brasil. Ele inclui desde melhores práticas durante o ciclo de diligência inicial da oportunidade, até o desinvestimento da companhia. Estamos constantemente retroalimentando nosso toolkit com experiências, erros e acertos de empresas do portfólio, e acreditamos que ele seja uma arma poderosa à disposição de nossos CEOs para que eles aumentem, e muito, sua probabilidade de sucesso. Batizamos esse material como Value from the Core. Todos os passos que tomamos e nossa preocupação no alinhamento das premissas de direção estratégica de nossas empresas geram uma externalidade muito positiva entre todos envolvidos: a confiança. No atual momento de insegurança e incerteza extrema em que vivemos com a pandemia da Covid-19, ter total confiança em quem está gerindo a companhia e em nossos sócios é fundamental para conseguirmos ter a velocidade de tomada de decisão que a atual crise demanda. Dessa forma conseguimos, ainda antes de a crise atingir o Brasil, mobilizar sócios, CEOs, CFOs e demais diretores do nosso portfólio para a complexidade do cenário que teríamos pela frente. Rapidamente comitês de crise foram instalados em todas as companhias investidas. Em seguida pontos de atenção e orientações em comum foram transmitidas por nós para a diretoria das nossas empresas, e agora não só monitoramos a evolução de cada um dos nossos negócios diariamente através desses comitês, como divulgamos melhores práticas de uma ou mais empresas para o resto do portfólio, de forma a melhorar ainda mais nossa capacidade de resposta. Com as práticas de monitoramento testadas e implementadas ao longo de duas décadas, estamos equipados para lidar com a atual crise. Temos confiança estabelecida em nossos parceiros e processos para ganhar velocidade nas decisões e navegar no atual cenário de mercado. Apesar do ineditismo do atual ambiente e a consequente falta de referência para tomada de decisão, acreditamos muito que temos processos e governança estabelecidos que vão nos levar à melhor solução possível para nossos desafios. Entendemos e respeitamos o tamanho da responsabilidade que temos nas mãos. Embora tenhamos que olhar arquivos contábeis, negociar contratos, preparar projeções de curto e longo prazos, no final, a nossa maior responsabilidade é com pessoas: nossos investidores, as famílias dos nossos executivos, sócios, e de todos os funcionários que são empregados por empresas em que investimos. O crescimento que promovemos em nossas companhias usualmente se traduz em maior oportunidade para nossos funcionários, geração de empregos, crescimento e prosperidade. Porém, estamos vivendo um momento histórico, para o qual não existem cartilhas, estudos prévios, contingências preestabelecidas — governos do mundo inteiro estão aprendendo e reagindo no dia a dia. Hoje, um final de semana se tornou longo prazo. Os fundamentos de um dia para o outro mudam completamente conforme governos e empresas se ajustam para responder ao que certamente é um dos maiores desafios da história. Neste momento, o importante é contar com a confiança de nossos sócios, gestores e investidores e ter processos estabelecidos que ajudem, em uma jornada tão desafiadora, a preservar valor para todos. *Bruno Zaremba Sócio e head de Private Equity da Vinci Partners. Atua como conselheiro de companhias do portfólio da Vinci Partners, além de participar do conselho deliberativo da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (Abvcap). É formado em Economia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e alumni da Harvard Business School (OPM 50). 12 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 i 12 Álvaro Gonçalves* Todas as empresas estão (ou deveriam estar) em busca de atrair e manter administradores competentes, diligentes e isentos. O sucesso das companhias deve muito à sua capacidade nessa busca e retenção ao longo do tempo, juntamente com o entrosamento entre os vários participantes e com a dinâmica propulsora que se espera de uma boa administração. Numa decomposição rápida dessas três características fundamentais dos administradores ideais, temos inicialmente a competência. Como se trata de uma inferência de natureza técnica-funcional, ela é passível de aferição através da análise combinada do histórico acadêmico e da carreira profissional, com evidências padronizadas e de acesso fácil ou previsível, nesse sentido mais objetivo. CONSELHEIRO INDEPENDENTE E CONSELHEIRO COMPETENTE: A ARTE E A CIÊNCIA NA COMPOSIÇÃO DOS CONSELHOS DE ADMINISTRAÇÃO Diligência e isenção são também premissas fundamentais de um bom administrador, mas sua mensuração antecipada é mais complexa fora dos extremos. E sendo subjetivas por natureza, tais premissas obrigaram os ‘stakeholders’ a buscar ou aceitar soluções de conforto, cruzando com outras características na falta de melhor juízo. O QUE FAZER? A fórmula-coringa no carteado corporativoé apelar pela atribuição de “independência”. Se for independente, será isento e diligente. Será mesmo a independência original tão eficaz e duradoura, numa função com implicações para o longo prazo? Será mesmo a independência o melhor vetor de isenção? Por quanto tempo? E o que poderia eventualmente causar que essa presunção de independência seja revista? Como e quando reavaliar esse contexto? IBGC ANÁLISES & TENDÊNCIAS - 7ª EDIÇÃO 13 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 i 13 COMPONDO UM CONSELHO EFICAZ (COM AS ATRIBUIÇÕES ADEQUADAS) A composição dos foros de gestão e governança – especialmente os conselhos de administração – é uma das tarefas mais difíceis da administração moderna. Tal desafio torna-se ainda mais complexo em razão da inclusão (a meu ver obsoleta) de matérias societárias ocasionais no conjunto de atribuições e alçadas dos conselhos, incluindo proporções de quórum importadas do estatuto ou do acordo de acionistas para assegurar controle, no conselho, de tais matérias. E assim, conselhos – de natureza fundamentalmente colegiada e idealmente profissional – se contorcem para absorver alinhamentos do foro societário – de natureza fundamentalmente proporcional. Não funciona bem por muito tempo. A eficácia de um bom conselho de administração deve começar com a definição adequada de suas atribuições, preservando sempre sua base de princípios e seus objetivos máximos, que seguem sendo a valorização do patrimônio líquido da companhia e a otimização de seus resultados (aqui definidos em sua amplitude completa, ou seja, resultados econômico-financeiros, mercadológicos, sociais e ambientais). Uma outra forma de ver o desafio da constituição conselho, é focar nesses objetivos clássicos e compor um conjunto de conselheiras e conselheiros comprometidos, que conheçam muito bem o negócio e que tenham experiência na regência das equipes executivas, dentro da dinâmica padronizada das empresas institucionalizadas. Não é uma sugestão para abandonar a saga da independência, mas de reconhecer pragmaticamente que ela pode ser mais teórica do que prática e que, na verdade, a capacidade de influenciar com isenção o atingimento dos objetivos da companhia deve estar acima disso. O COMPROMISSO INEQUÍVOCO COM A EMPRESA Conhecer o negócio é uma tarefa contínua – pois todo negócio tem algum elemento de transição ou evolução. Já o compromisso com a empresa e com seus resultados numa dimensão temporal razoável requer uma atenção permanente. O compromisso do conselheiro com a empresa deve subjugar qualquer dimensão motivacional que surge naturalmente no metabolismo corporativo. E para que isso seja factível, é importante não trazer para esse foro matérias que não sejam de fato da esfera de temas da alta administração – conforme mencionado anteriormente. E é a essa ideia de isenção, que ficam subordinados os conceitos de independência e não vice-versa. Mas não é só isso. Tal compromisso requer um nível mínimo de dedicação de tempo e de estudo analítico (setor, desempenho, tendências), comparações contínuas, além das reuniões regulares com todo o grupo. Sem essa dedicação, o compromisso com a empresa e a eficácia do conselheiro (e do conselho, como colegiado) estarão comprometidos. CUIDADOS COM OS SOFISMAS DA GOVERNANÇA A lista pode ser mais longa, mas para esse artigo selecionei dois aspectos usuais e positivos que também representam sofismas – se forem desenvolvidos sem a devida dosagem, gerando riscos à arquitetura e ao funcionamento eficaz da governança. O primeiro deles é um elemento mais recente, verificado na governança de empresas que disputam a vanguarda em seus setores, e o segundo é mais clássico e enraizado no dia a dia das empresas, mas que pode embutir algumas contradições: IBGC ANÁLISES & TENDÊNCIAS - 7ª EDIÇÃO - FEV/MAR DE 2020 IBGC ANÁLISES & TENDÊNCIAS - 7ª EDIÇÃO14 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 i 14 1) O conselho multi-segmentado e os tokens da vanguarda Os conselhos são reflexos da cultura da empresa e também propositores de novas tendências para o negócio. Essa definição traz consigo um risco alto de interpretação, quando leva à supressão dos objetivos centrais desse colegiado que citei anteriormente e passe a desenvolver uma agenda transitória, exageradamente experimental, refletida em sua escalação. Não podemos entender um órgão cuja função maior é administrar e, ao administrar, promover formação de patrimônio e otimizar resultados, como sendo um mosaico de tendências e alternativas culturais, sem compromisso central com essa função. Uma empresa nunca será inovadora apenas por ter um cientista arrojado no conselho. Nem atenta aos aspectos regulatórios só por ter um jurista conselheiro. Nem atenta à equidade de gênero, por ter melhor balanceamento nisso do que alguma média que se possa comparar. Para parecerem plurais e diversificados, muitos conselhos têm incorporado presenças – que podem não ter nenhuma conexão com o colegiado, com a evolução do negócio e com a função precípua da administração. São os “tokens” indicativos da vanguarda. Positivos – se refletirem um processo muito mais amplo, ou falaciosos – se isolados como iniciativa meramente estética. A receita é simples e perigosa: tenha dois ou três conselheiros que entendam do negócio e da competição. Adicione alguém que possa representar o mundo digital (um ex-diretor de TI desta ou de qualquer outra empresa serve, seja bom conselheiro ou não), alguém que indique a diversidade de gênero (única importância aqui é ser de gênero diferente da maioria dos anteriores; ser bom conselheiro é menos importante), outro que tenha algum cacoete ambiental em seu histórico ou formação, para atribuir um contexto de sustentabilidade (mesmo que não exista nenhum projeto de mínima profundidade a esse respeito na companhia) e, finalmente, alguém novo ou “descolado” o suficiente a ponto de parecer integrar – só por estar presente – a empresa à uma nova geração de consumidores e influenciadores de opinião. A pluralidade é positiva, induz a percepção de vanguarda e do olhar adiante. Mas pode ruir por falta de consistência, se forem desprezados certos fundamentos funcionais da administração em favor de um think tank descompromissado. Se um tema é suficientemente importante para influenciar a composição do conselho, deve então ter um planejamento muito mais abrangente e profundo, em que os projetos sejam propostos e implantados, sendo a adição de um representante no conselho apenas um elemento (talvez não essencial) das várias iniciativas voltadas para essa inserção. Em outro texto, poderíamos discutir quando um tema de vanguarda merece ser conduzido por um consultor externo, por um novo diretor, por um comitê auxiliar do conselho, ou por um conselheiro com estatura em tal tema. A questão que merece ficar aberta para reflexões é que a “tokenização” do conselho não retire profundidade e eficácia do órgão máximo da administração da companhia. 2) O conselheiro independente e o bom conselheiro A solução da equação de isenção de um colegiado, é na maioria das vezes descarregada na existência de um ou mais “conselheiros independentes”. No outro extremo, inflar o contingente independente pode, paradoxalmente, servir à concentração decisória, além de criar algum elemento de compadrio – fortalecendo a quem convida e elege. Inicialmente a definição de independência fazia referência ao acionista controlador - portanto considerando o conselho predominantemente em sua representação em matérias societárias que, como já colocado aqui, devem ser excepcionais e não recorrentes. Essa consideração foi melhorada para englobar a isenção em relação a clientes e fornecedores – óbvia para qualquer administrador. E mais recentemente, tem sido mais frequentes as discussões sobre independência em relação a outros conselheiros e diretores. A rigor,ninguém será independente ou equidistante em caráter permanente. Em tese, situações temporais gradativamente atentam contra a isenção teórica – se unicamente baseada na equidistância original. A conclusão, portanto, está na isenção em sua essência. O bom conselheiro é por natureza um pensador capacitado e independente (seja ele rotulável de independente ou não). Conhece o negócio e os desafios da companhia e, a partir desse conhecimento, interage com o colegiado na busca da melhor solução para a companhia. Um conselheiro independente pode ser bom. Mas um conselheiro bom será sempre independente em suas iniciativas e deliberações. *Álvaro Gonçalves Sócio, diretor-executivo e um dos fundadores do Grupo Stratus. É formado em Engenharia Industrial pelo Centro Universitário FEI, com extensão em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e MBA pelo IMD-International (Suíça). 15IBGC ANÁLISES & TENDÊNCIAS - 7ª EDIÇÃO 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 i 15 Os termos venture capital (VC) e private equity (PE) normalmente são traduzidos para capital empreendedor, de investimento produtivo, de crescimento ou de risco — esta última a versão que menos aprecio, a ponto de, na época em que presidia a Abvcap1, pedir aos jornalistas que não a usassem. À parte as traduções, o importante é que esse tipo de capital gera empregos e renda e incentiva a arrecadação, que juntos levam ao crescimento sustentável. Num cenário de juro básico no menor nível histórico, cresce o interesse por ativos mais rentáveis, o que impulsiona os chamados investimentos alternativos, como PE, VC, seed money e investimento- anjo. Nessa modalidade os aportes vão, preferencialmente, para empresas de capital fechado e o investimento é normalmente ilíquido, diferentemente da bolsa, em que ações podem ser compradas e vendidas a qualquer tempo. O investimento em participações envolve busca por boas oportunidades, negociação, gestão e desinvestimento. Pela complexidade dos processos e dos prazos mais largos para se obter retorno, esse tipo de investimento está associado a maiores ganhos, mas também a mais incertezas. Para se ter recorrência no retorno, o recomendável é que o investidor busque gestores experientes. Mesmo tendo surgido organizadamente na década de 1940 nos EUA (há exemplos bem anteriores, como as “empreitadas de venture”, nas quais a construção de navios baleeiros ou de ferrovias era cotizada por pessoas abastadas), os investimentos em participações só se desenvolveram na América Latina bem depois. As primeiras experiências no Brasil datam dos anos 1970, mas numa formatação muito diferente da atual2. No molde como conhecemos, a categoria só se consolidou a partir do Plano Real (1994). No mercado nacional, o potencial de crescimento ainda é muito grande. Segundo o relatório “Inside VC 2019”, da Abvcap, os investimentos em PE e VC quase triplicaram nos dois últimos anos, chegando R$ 13,5 bilhões em “estoque para investir”. Nesse contexto, analisar os fatores que podem diminuir os riscos e aumentar retornos é fundamental. Entre esses pontos está um plano de governança corporativa bem elaborado, com especial atenção a remuneração, bonificação e retenção de executivos. MÚLTIPLOS MODELOS DE REMUNERAÇÃO EXECUTIVA NOS INVESTIMENTOS EM PARTICIPAÇÕES Sidney Chameh* IBGC ANÁLISES & TENDÊNCIAS - 7ª EDIÇÃO16 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 i 16 A governança gera valor ao minimizar riscos melhorando controles. Estabelecimento de conselho de administração, descentralização e controle da tomada de decisões, implementação de auditorias e adoção de métrica de geração de caixa e valor no longo prazo são políticas que visam fortalecer a governança. Apesar de ela não ser uma condição prévia para as aplicações dos gestores de participações, quando ocorre um investimento são “negociadas” condições mínimas para que seja implantada ou se intensifique nas investidas. No Brasil, ainda não há muitas empresas que levam a geração de valor em conta para determinar a remuneração executiva. Como mostrou pesquisa de 2017 do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), há diversas práticas para serem adotadas visando aprimorar a remuneração executiva. A relação entre geração de valor/ lucro e remuneração executiva é fundamental para alinhar os interesses dos acionistas aos dos gestores. O conflito de agência entre executivos e acionistas deve ser minimizado pelo uso da boa governança. Ao não adotar critério de remuneração executiva baseado na geração de valor, a empresa fica exposta ao risco de o corpo executivo direcionar o negócio para o caminho que lhe trará o maior benefício — o que pode ser diverso ao interesse da empresa e de seus acionistas. Esse problema pode ser verificado em todos os níveis, mas é minimizado em empresas que contam com investimento de fundos de participações, dada a proximidade entre sócios empreendedores e investidores, o que é praticamente impossível em corporações maiores. Na gestão das empresas investidas por VC — mesmo em negócios em estágio inicial, que não têm política estruturada de remuneração corporativa — o investidor desempenha papel fundamental já a partir do aporte inicial. Com o alinhamento entre remuneração e geração de valor, a tendência é de que a gestão atue em linha com as expectativas dos acionistas, numa dinâmica de ganha-ganha. Reconhecida a importância da remuneração executiva para a geração de valor, surgem as especificidades das soluções de remuneração: elas devem estar em linha com cultura, histórico e estratégia das companhias. Ou seja, não há uma fórmula. Entender o contexto da empresa investida, antes do investimento, é a chave para a escolha das ferramentas de remuneração executiva. Os fundadores precisam, ao mesmo tempo, se manter motivados e motivar os demais integrantes do time de gestão — quase em referência circular, dado que almejam participação no crescimento que ajudam a alcançar. Como é normal em participações, as empresas tendem a receber diferentes rodadas de investimento, os fundadores e executivos têm sua participação reduzida ao longo do processo e, por meio da remuneração, é fundamental que se mantenha o alinhamento de interesses. Assim se mostra que, mesmo que haja redução relativa de participação, a valorização da empresa, do ativo, no longo prazo deve mais que compensar a queda de stake. Mas como chegar ao longo prazo? Via remuneração equilibrada, com salário mensal, bônus semestral/anual por metas e ganho de capital na venda de ações para fundadores e executivos. Esse desenho auxilia a atração e retenção de talentos, inclusive na competição com empresas maiores. Para a superação desse desafio, há ferramentas para o alinhamento de interesses, em geral divididas em Entender o contexto da empresa investida, antes do investimento, é a chave para a escolha das ferramentas de remuneração executiva 17IBGC ANÁLISES & TENDÊNCIAS - 7ª EDIÇÃO 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 i 17 remuneração fixa, variável de curto prazo e variável de longo prazo3. A remuneração fixa, é, em teoria, a mais objetiva. Em empresas apoiadas por fundos de PE/VC (backed), ela tende a ficar na média do mercado e não no topo. Em alguns casos fica até na faixa inicial de remuneração, diante da possibilidade de ganhos expressivos de longo prazo. Na variável de curto prazo, é fundamental manter as métricas de cálculo alinhadas com indicadores de desempenho da empresa. A variável de longo prazo normalmente é o “stock option”, com formas diversas. O rollover de capital, por exemplo, envolve o reinvestimento dos ganhos da gestão com a empresa em participação acionária. Geralmente, o time de gestão deve reinvestir em torno de 50% de sua base salarial no negócio. Um termo — ratchet — utilizado por cerca de 67% dos investidores em suas cláusulas de contrato garante o aumento da participação acionáriados empreendedores de acordo com a performance da empresa, que pode ser medida por indicadores de resultado operacional, múltiplos de valuation ou taxa de retorno interna (TIR) do negócio. Já o sweet equity representa opções de ações emitidas para o time de empreendedores a um valor mais baixo que o avaliado no investimento, de forma que eles possam se beneficiar ainda mais com a performance positiva da empresa4. Por exemplo, se a entrada do fundo de VC ou de PE é negociada a R$ 1 por ação, o acordo de acionistas pode prever a possibilidade de os fundadores e executivos adquirirem ações a 80 centavos. Há também instrumentos que podem ser oferecidos em diferentes momentos e de forma complementar entre eles: phantom shares, ações “exercíveis” apenas em um determinado evento de liquidez ou conversíveis só no momento de saída do fundo (seria como liquidar por diferença entre o preço atribuído às ações e o preço efetivamente obtido pela venda). Um benefício das phantom shares é o fato de que até o momento de as ações serem exercidas por seus controladores elas não diluem a participação acionária dos outros sócios. Esse mecanismo, o preferido dos fundos de PE, tende a ter a opções de conversão apenas no momento de sua saída, já que conferem liquidez por maior tempo à participação do fundo e evitam uma saída inesperada dos detentores das ações. Mesmo o “stock option” sendo um dos pontos discutidos no acordo de investimento, há muita flexibilidade. Os fundos revisam os termos e condições da participação dos empreendedores caso a performance da empresa esteja destoante do esperado, ação que pode ser essencial para adicionar motivação ao time de gestão. Pode-se traçar, portanto, um claro diferencial entre as ferramentas de remuneração executiva para os empreendedores e executivos. Essas estratégias podem se interligar em diversas ocasiões, mas para isso é necessário elaborar um plano que considere essas diferenças e as equilibre para tornar a operação atrativa para os empreendedores e para novos talentos que possam ser contratados para o time executivo. O alinhamento de interesses entre a gestão corporativa (incluídos os fundadores) e os investidores de capital é crucial na jornada do capital empreendedor, para que haja efetiva geração de valor e maximização de retornos. Os modelos apresentados neste artigo devem sempre considerar cultura, localização, costumes e formas de se fazer negócios, alinhando tudo e todos nas boas práticas para maximização de retornos. Gestores de fundos de investimento em participações, por sua especialização, são peças importantes e insubstituíveis para o equilíbrio entre incentivos de remuneração de curto e longo prazos. *Sidney Chameh Sócio-fundador da DGF Investimentos. Tem MBA em Negócios pela Fundação Getulio Vargas (FGV). 1Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital. 2Sob impulso de Brasilpar, CRP e BNDES. 3Segundo pesquisa da KPMG no mercado internacional de participações, 65% dos times de executivos se sentem mais motivados com o recebimento de participação acionária nas empresas em que trabalham; em seguida vêm remuneração variável de curto prazo (bônus) e, por último, base de pagamento fixa. 4O estudo da KPMG também verificou que tipicamente 10% do capital acionário é reservado para o sweet equity. IBGC ANÁLISES & TENDÊNCIAS - 7ª EDIÇÃO18 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 i 18 HARMONIZAÇÃO DA REGULAÇÃO BRASILEIRA À PRÁTICA INTERNACIONAL Gabriel Ferreira Batista, Lucas Rezende e Marina Procknor* É provável que, nos últimos meses, o leitor tenha se deparado com ofertas de produtos financeiros e investimentos diversos e inovadores, por meio de agentes autônomos ou de representantes de gestores e de outras instituições atuantes nos mercados financeiro e de capitais. Esses anúncios de oportunidades de investimento saltam nas telas de computadores e smartphones com uma frequência inédita. Tornaram- se algo tão corriqueiro que já não nos lembramos como tomávamos decisões de investimento na época das taxas de juros de dois dígitos e antes da era dos bancos digitais e das plataformas de distribuição. Trata-se de um fenômeno recente e intenso, decorrente também da expansão do mercado de capitais brasileiro e de um ambiente regulatório que incentiva cada vez mais a desintermediação bancária e a aproximação de fontes alternativas de investimento e financiamento privado dos empreendedores. A queda do juro básico e a necessidade de busca de alternativas de investimento evidenciaram a atratividade e a capacidade da indústria de private equity e venture capital para entregar resultados no longo prazo, inclusive no Brasil. A estruturação e a oferta de fundos de investimento em participações (FIPs) em 2019, a despeito da estagnação do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro nesta década, cresceram de forma contínua, a taxas superiores ao dobro da inflação do período. Apesar de o patrimônio da indústria de fundos no Brasil ter ultrapassado a marca dos R$ 5 trilhões em junho de 2019, conforme dados da Associação Brasileira dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), ainda há muito espaço para a indústria de private 19IBGC ANÁLISES & TENDÊNCIAS - 7ª EDIÇÃO 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 i 19 O aumento do interesse do investidor estrangeiro, de family offices e de pessoas físicas nos mercados de public e private equity e de venture capital é indício importante do potencial da nossa indústria. equity e venture capital crescer. O aumento do interesse do investidor estrangeiro, de family offices e de pessoas físicas nos mercados de public e private equity e de venture capital é indício importante do potencial da nossa indústria. Isso mostra também que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e outros agentes de mercado vêm acertando e atuando de forma consistente na modernização do nosso arcabouço regulatório. Com a Instrução 558, editada pela CVM em 26 de março de 2015, os gestores brasileiros passaram a operar com regras que atendem padrões internacionais de governança, disclosure e compliance. A regra previu clara separação entre as obrigações e as responsabilidades administrativas de administradores fiduciários e gestores de recursos e facilitou às gestoras independentes de FIPs a administração e a oferta de seus próprios fundos. No ano seguinte, a CVM editou a Instrução 578, para modernizar a regulação dos FIPs, oferecendo grande liberdade contratual para as partes negociarem e estabelecerem governança e direitos econômicos entre gestores e investidores — nos moldes dos padrões americano e europeu. Hoje é possível um FIP estabelecer cotas com ou sem direito a voto, direitos e obrigações relacionados à transferência e à cessão de cotas, direitos econômicos distintos aos investidores (como senioridade, subordinação ou preferência) e pagamentos desproporcionais. Além disso, instrumentos como catch up1 , clawback2 e recall3 passaram a ser adotados com normalidade. Em linha com a distinção mais clara entre as atividades de administração e gestão, a Instrução 578 desobrigou a inclusão de cláusula de solidariedade no contrato de gestão, garantindo maior segurança jurídica para os prestadores de serviço desse mercado. Destaque também à Instrução 579, que equiparou as regras contábeis dos FIPs aos padrões internacionais de contabilidade, o International Financial Reporting Standards (IFRS). É perceptível também como o regulador brasileiro está cada vez mais inteirado do funcionamento do mercado de participações privadas e usa como benchmark regulatório as práticas de mercado das jurisdições em que esse segmento é mais desenvolvido. A Secretaria de Previdência do Ministério da Economia, o Conselho Monetário Nacional (CMN) e a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) recentemente reformaram suas regras de investimento aplicáveis aos investidoresinstitucionais previdenciários, um dos principais players do mercado de participações privadas. Entre essas novas regras, destaque para a incorporação regulatória do waterfall4 e do skin in the game5, mecanismos que visam o alinhamento de interesses entre os proprietários do capital e os agentes que investem o capital em seu benefício (gestor) — e, portanto, mitigadores do conflito principal-agente. IBGC ANÁLISES & TENDÊNCIAS - 7ª EDIÇÃO20 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 i 20 relação ao capital por eles subscrito e a segregação da responsabilidade civil dos prestadores de serviço em relação a suas obrigações contratuais e regulatórias — lugares-comuns nas estruturas de investimento do mundo todo. Essas novidades, entre outras, ampliaram enormemente a liberdade de contratação dos agentes de mercado. É inegável que o Brasil vive um momento de transformação do setor de private equity e venture capital. Pode-se esperar que essa convergência regulatória em relação à regulação internacional, incluindo a adoção de mecanismos típicos de mercado na regulamentação e o aumento da liberdade contratual, permita estruturas de FIPs cada vez mais dinâmicas e inovadoras, capazes de acessar um número crescente de investidores. E podemos dizer que os reflexos dessa política de incentivo à indústria de private equity já está surtindo efeito também no público em geral, haja vista as recentes ofertas públicas de fundos de investimento em participações de infraestrutura (os FIP-IE) listadas em bolsa de valores, sendo já uma tendência para 2020 a ampliação desses produtos. Esses fatores, aliados ao ciclo econômico positivo que se espera ver nos próximos anos e à queda da taxa básica de juros da economia americana — movimento do Federal Reserve, que não se via desde a crise do subprime6 —, pode ensejar um boom sem precedentes do setor de participações privadas brasileiro. A expectativa é alta, e a manutenção desse avanço só depende do contínuo apoio dos reguladores, especialmente pela tão esperada regulamentação da CVM sobre a Declaração de Direitos da Liberdade Econômica no que se refere aos fundos de investimento. Vale ressaltar que esses arranjos já eram permitidos na regulamentação anterior e tratados como boas práticas de mercado, até mesmo incentivados pela autorregulação — vide o Guia de Venture Capital e Private Equity publicado pela Associação Brasileira de Venture Capital e Private Equity (Abvcap). A inclusão desses mecanismos na regulação estatal dos investidores institucionais, em especial do skin in the game, foi alvo de críticas em virtude dos diversos problemas operacionais gerados na estruturação desses produtos, demonstrando que o regulador ainda não encontrou perfeito equilíbrio entre regulação e excessivo intervencionismo estatal. Ainda assim, essa inclusão evidencia o aprendizado e a maior maturidade dos reguladores dos investidores institucionais sobre as melhores práticas de private equity do mercado internacional. Além da regulação do CMN e da CVM, os FIPs se sujeitam às normas contidas nos códigos de autorregulação aos quais aderirem. Nesse sentido, a autorregulação brasileira atinente a FIPs trabalha de forma bastante principiológica, sendo que as cartilhas editadas pela Abvcap são inspiradas naquelas editadas pela Institutional Limited Partners Association (ILPA), com pouquíssimos elementos de tropicalização. Analogamente, em 2017 foi publicado o primeiro código de stewardship do Brasil, pela Associação dos Investidores no Mercado de Capitais (Amec), fortemente inspirado nas regras editadas pelo Financial Reporting Council (FRC) no Reino Unido. Como coroação das inovações regulatórias, a Lei 13.874, de 20 de setembro de 2019 — que institui a Declaração de Direitos da Liberdade Econômica — permite a criação de patrimônios segregados dentro de um mesmo fundo de investimento e autoriza a limitação da responsabilidade dos cotistas em *Gabriel Ferreira Batista Advogado do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados na área de Fundos de Investimentos e Asset Management. É formado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). *Lucas Rezende Advogado do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados na área de Fundos de Investimentos e Asset Management. É formado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina. *Marina Procknor Sócia do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga Advogados na área de Fundos de Investimentos e Asset Management. É bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), com especialização em Administração de Empresas e mestre em Direito, ambos pela Northwestern University (EUA). 1 Instituto que permite ao gestor, após a restituição aos cotistas de todo o capital inicialmente investido corrigido por determinado indicador (benchmark), remunerar-se por esse indicador antes da distribuição aos cotistas dos valores excedentes. 2 Instituto que obriga o gestor a devolver ao fundo parcela recebida a título de taxa de performance se, num desinvestimento posterior, o indicador de rentabilidade (benchmark) não for atingido. 3 Instituto semelhante ao clawback, mas em relação aos recursos do cotista: o gestor fica autorizado a reter distribuições aos cotistas para constituir reservas e pode chamar os cotistas a aportar recursos no fundo caso seja necessário para fazer frente a alguma contingência. 4 A regulação incorporou a obrigatoriedade de restituição aos cotistas de todo o capital inicialmente investido, corrigido por determinado indicador, previamente ao pagamento ao gestor de qualquer remuneração vinculada a seu desempenho (taxa de performance). É a mecânica usual para pagamento de performance em fundos de private equity no exterior. 5 Trata-se da obrigatoriedade do gestor de aportar recursos no FIP em condições semelhantes aos investidores, de modo que também assume o risco do negócio. 6 Em consequência, o capital financeiro sofre pressão para buscar retornos em economias em desenvolvimento, correndo riscos mais elevados (BBC News Mundo. “Como a primeira queda nos juros dos EUA desde 2008 afeta o Brasil e outros emergentes”. BBC. 31 jul. 2019. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-49186515. Acesso em: 16 nov. 2019). 21IBGC ANÁLISES & TENDÊNCIAS - 7ª EDIÇÃO 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 i 21 Nas últimas duas décadas, foi evidente a expansão da atuação dos fundos de private equity no Brasil. Além desempenharem um papel de destaque no desenvolvimento das empresas nas quais investem — e, indiretamente, também na economia como um todo —, eles são responsáveis por acelerar o processo de amadurecimento que muitas vezes leva as organizações investidas ao mercado de capitais via Initial Public Offering (IPO). Quase metade das empresas brasileiras que participaram de IPOs nos últimos anos, tanto no mercado nacional quanto em bolsas do exterior, teve como investidor e apoiador um fundo de private equity. A Associação Brasileira de Venture Capital e Private Equity (Abvcap) estima que, anualmente, os fundos de private equity investem de R$ 15 bilhões a R$ 20 bilhões em empresas de capital privado. Dentre os principais objetivos dos gestores quando decidem investir nas empresas, destacam-se a aceleração A IMPORTÂNCIA DA AUDITORIA PARA A REDUÇÃO DE RISCOS EM PRIVATE EQUITY Carlos Asciutti* das melhorias operacionais, que aumentem as linhas de receita e as margens de rentabilidade — sobretudo em decorrência de revisão, implementação e acompanhamento da execução do plano de negócio por parte da administração; e o foco na profissionalização da administração, com ênfase nas políticas de governança corporativa, alinhando os interesses da administração aos dos acionistas. Claramente, esses objetivos estão em linha com o modelo de negócio dos fundos de private equity, qual seja: investir em empresas com potencialde rápido crescimento e participar ativamente de sua administração, visando a melhoria da qualidade de seus processos e entregas, sempre com a perspectiva de levar a investida ao próximo degrau em seu processo de amadurecimento. Os fundos de private equity têm por característica a participação ativa nas administrações das empresas em que investem, por meio da indicação IBGC ANÁLISES & TENDÊNCIAS - 7ª EDIÇÃO22 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 i 22 de representantes para o conselho de administração e também para posições-chave no corpo executivo, como a de diretor financeiro. Em 2018, a consultoria EY, em parceria com a Abvcap, elaborou estudo1 que analisou os resultados dos investimentos feitos por fundos de private equity no período de 2014 a 2017. O trabalho identificou os principais benefícios gerados para as empresas investidas, a saber: — aumento das vendas, com introdução de novos produtos e canais de comercialização e mudança no sistema de precificação; — melhoria nas margens de rentabilidade, com sinergias e eficiência de custos e de despesas gerais e administrativas; — implantação de políticas de governança corporativa, incluindo aprimoramento nos processos e controles internos e estabelecimento de comitês do conselho de administração; — desenvolvimento de políticas de alinhamento de interesse entre os investidores, os acionistas e o corpo executivo. No que se refere à influência dos fundos de private equity nas práticas e políticas de governança corporativa das empresas em que investem, surge como destaque a contratação de auditoria externa — e já a partir do investimento inicial dos fundos. Em muitos casos, em paralelo à contratação da auditoria externa, os fundos implantaram departamentos de auditoria interna nas empresas, com o objetivo precípuo de garantir confiabilidade, credibilidade e transparência para demonstrações financeiras preparadas pela administração, segundo princípios contábeis amplamente aceitos. Durante seu trabalho, o auditor externo leva em consideração o ambiente de controles internos e realiza testes para avaliar a eficácia desses controles. Ao *Carlos Asciutti Sócio e head da área de Transaction Services e Private Equity da Ernst & Young. É bacharel em Administração pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). 1“Como os Fundos de Private Equity Agregam Valor para as Empresas” longo desse caminho, além de emitir seu parecer sobre as demonstrações financeiras, o auditor rotineiramente apresenta aos órgãos de governança das empresas relatórios de recomendações para aprimoramento dos controles internos, como resultado dos trabalhos efetuados. São esses documentos que irão contribuir para o fortalecimento das estruturas de governança da empresa auditada. Por emprestar crédito e contribuir com a necessária fé pública às demonstrações financeiras apresentadas pela administração ao mercado, a auditoria tem sido uma peça basilar no processo de melhoria da governança das empresas. Em conjunto com outras políticas de governança — como o estabelecimento, pelo conselho de administração, de comitês específicos de apoio (auditoria, remuneração e conflitos, entre outros) — está o objetivo dos gestores de maximizar o retorno do investimento de seus cotistas por meio do aumento de valor das empresas investidas. A implantação da área de auditoria interna nas empresas investidas, por sua vez, tem tido papel importante na análise dos principais riscos operacionais e dos controles internos e nas discussões sobre o aperfeiçoamento dos processos adotados pelas empresas, para identificar, controlar e minimizar os referidos riscos. A experiência acumulada ao longo de anos de assessoria a fundos de private equity em seus processos de investimento, melhorias nas empresas e desinvestimentos mostra que uma parcela majoritária das organizações que recebem esse tipo de aporte necessita de aprimoramentos em sua estrutura interna, em especial nas áreas financeira, contábil e de controles internos. Nesse sentido, além da reconhecida expertise dos gestores em estratégias de negócio, financiamento corporativo e de segmentos de indústria, os fundos de private equity têm se preocupado e atuado cada vez mais na implantação e no avanço dos níveis de governança corporativa das empresas em que investem. Seja qual for o caminho que o gestor decida seguir para levar a empresa investida a outro patamar, apresentar uma organização com sólida estrutura de governança corporativa ao mercado tem se tornado um ponto cada vez mais vital. Isso porque o nível de conforto que a governança provoca em processos de fusões e aquisições (M&A) e IPO reflete diretamente no aumento do valor que o mercado atribui às empresas. Além da clara relevância da auditoria nas empresas investidas observada nos processos descritos, destaco, por fim, a sua importância em relação às demonstrações financeiras dos próprios fundos e seus gestores, no sentido de contribuir para um relacionamento mais transparente entre esse público (general partners) e os cotistas (limited partners). No Brasil, por exemplo, é obrigatória a auditoria de fundos de private equity que são constituídos como Fundos de Investimento em Participações (FIPs), com registro na Comissão de Valores Mobiliários (CVM). 23IBGC ANÁLISES & TENDÊNCIAS - 7ª EDIÇÃO 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 i 23 A observância das questões ambientais, sociais e de governança corporativa — conhecidas em conjunto pelas siglas ASG (em português) e ESG (em inglês) — vem se consolidando como uma tendência global, com cada vez mais espaço nos debates da sociedade civil de vários países e também dos seus respectivos ecossistemas corporativos e financeiros. Essa nova dinâmica igualmente influencia as atividades e operações do mercado de private equity, que tipicamente envolve relacionamentos próximos entre empresas e investidores. Atualmente, o grande motivador para a integração dos fatores ESG é a necessidade de entendimento da forma como cada organização interage com seu entorno e com seus stakeholders, independentemente do setor da economia em que atua. Dessa forma, tanto no caso das empresas quanto no das instituições financeiras, a observação dos temas socioambientais e a adequada estruturação da governança corporativa podem indicar uma melhor gestão e até mesmo a disponibilidade de recursos para o investimento em práticas mais pertinentes e no bom relacionamento com os stakeholders. Alguns estudos acadêmicos, a exemplo do trabalho de Waddock & Graves1 (feito ainda no final dos anos 1990), ao se debruçarem sobre essa relação de causalidade encontram correlação positiva entre o olhar para as questões ESG e o retorno das empresas a seus acionistas. Especificamente no que se refere ao mercado global de private equity, o estudo “A Blueprint for Responsible Investment”2, desenvolvido pelo Principles for Responsible Investment (PRI, rede internacional de investidores apoiada pela Organização das Nações Unidas), verificou que cerca de 75% dos signatários afirmam contar com algum critério ESG na gestão de seus produtos nessa classe de ativos. Esse elevado percentual de adesão no universo do private equity demonstra que, para além da gestão de riscos, considerar esse tema no desenvolvimento de produtos e no processo de investimentos pode resultar em um diferencial INTEGRAÇÃO ESG É TENDÊNCIA QUE JÁ CHEGOU AO ECOSSISTEMA DO PRIVATE EQUITY Tatiana Assali* competitivo na captação de recursos. Na situação particular da indústria de private equity, as estratégias mais observadas são: — criação de fundos temáticos, que envolve o desenvolvimento de produtos de nicho que direcionem recursos para setores ou empresas que ofereçam uma contribuição positiva do ponto de vista ESG; — integração, que considera aspectos ESG no processo de due diligence e inclui o monitoramento
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