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Escola de Frankfurt Wilson Roberto Vieira Ferreira 
 2004 Wilson Roberto Vieira Ferreira 
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Escola de Frankfurt: 
A primeira teoria a pensar seriamente a comunicação de massas 
 
Professor Wilson Roberto Vieira Ferreira 
Universidade Anhembi Morumbi 
 
 
 
m 1923 é fundado o Instituto para a Pesquisa Social, o ponto de partida para a escola de 
Frankfurt, surgida na Alemanha em 1925. Tal escola representada por Max Horkheimer, 
Theodor Adorno, Herbert Marcuse, Walter Benjamin, Erich Fromm e Jürgen Habermas, 
sendo o ultimo, desligado de tal influência e seguindo caminho próprio. 
 
 
1. Contexto Histórico 
 
odemos considerar a Escola de Frankfurt como a primeira teoria a pensar com seriedade 
sobre impacto e conseqüências da penetração dos meios de comunicação de massas na 
sociedade. Sua principal ferramenta para entender as interações entre comunicação e 
sociedade é a chamada Teoria Crítica: pensar criticamente os meios de comunicação a partir de 
uma análise filosófica e econômica do capitalismo moderno associando à psicanálise profunda da 
cultura. Ou seja, a Teoria Crítica vai aplicar o legado do marxismo e da psicanálise freudiana nos 
estudos do que eles vão denominar como Indústria Cultural. 
À primeira vista, parece estranha uma teoria da comunicação baseada em conceitos filosóficos, 
econômicos e psicanalíticos. Como perceberemos, a Teoria Crítica é complexa, pois os 
frankfurtianos vão criar a primeira teoria da comunicação a partir do zero. Como um fenômeno 
eminentemente novo, a comunicação ainda não dispunha de nenhuma abordagem cientificamente 
séria. Por isso, vão criar a Teoria Crítica a partir dessas áreas cientificamente consolidadas dentro 
das Ciências Sociais. 
Apesar de na época Hollywood já ser considerada uma indústria e o rádio já se se constituir numa 
mídia bem propagada a partir de grandes redes nos EUA, a comunicação ainda não era um 
fenômeno social a ser levado a sério. O cinema, por exemplo, ainda era considerado uma arte 
menor com forte preconceito e restrições pelo fato de seu público ser formado majoritariamente 
pelas classes sócio-economicamente inferiores. Nos EUA as salas de projeção eram chamadas 
pejorativamente de “nickelodeons”: um níquel dava direito a assistir sessões com até três filmes. O 
rádio ainda era puro entretenimento, ainda muito longe da descoberta da sua vocação jornalística e 
de serviços. 
Esta aparente ingenuidade é destruída com um episódio que vai marcar a história da comunicação 
no século XX: a transmissão radiofônica da obra “Guerra dos Mundos”, baseada no livro de ficção 
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científica de H.G.Wells de 1890. Em 30 de outubro de 1938, a rádio americana CBS, de Nova 
York, dentro do programa “Mercury Theater” dirigido por Orson Wells, transmite a adaptação 
radiofônica daquele livro em que é narrada a invasão da Terra pelos marcianos. O diretor e 
apresentador Orson Wells transforma o livro numa reportagem radiofônica ao vivo, como se um 
estranho objeto caísse em New Jersey (na verdade uma nave alienígena) e o repórter a CBS, no 
local, transmitisse a saída dos marcianos do estranho objeto e, em seguida, o desespero e a 
destruição. A transmissão levou ao pânico milhares de pessoas em toda a costa leste americana. Os 
efeitos de sonoplastia e a narração surrealista e ambígua foram tão convincentes que milhares de 
americanos correram desesperados procurando refúgio, muitos chorando e se despedindo de seus 
amigos. Este episódio comprovou o efeito mobilizador e de persuasão que a comunicação social 
tinha em mãos. E tal poder ficou mais uma vez comprovado com a mobilização e manipulação 
política conseguida pelo regime nazista com a propaganda política através do rádio e cinema. 
 
Como veremos mais adiante, o impacto da propaganda nazi-fascista foi muito importante dentro 
do diagnóstico da mídia contemporânea feito pela Teoria Crítica. Como uma escola formada por 
pensadores de origem intelectual marxista, a ascensão do Partido Nacional Socialista de Hitler ao 
poder, e ainda por vias democráticas, foi vista com perplexidade e desilusão. Foi como se um 
sonho tivesse acabado. 
 
Isso porque, desde o sucesso da Revolução comunista russa de 1917 (bem como a proclamação da 
república na Alemanha guilhermina em novembro de 1918 e a insurreição de Bremen de 1923) o 
ideal de uma Revolução social e política de esquerda na Europa passou a ser não mais uma utopia 
no horizonte político, mas uma realidade que se aproximava. Parecia que as previsão feita por Karl 
Marx no século XIX, de que inexoravelmente o capitalismo cavaria sua própria sepultura com a 
sucessão de crises econômicas provocadas pela própria ganância 
do capital, estava correta. Após a I Guerra Mundial, a Europa 
estava imersa no desemprego e na hiperinflação. Para se ter uma 
idéia, na Alemanha nos anos 20 o dólar chegou a valer 4,5 
trilhões de marcos. Para comprar um simples alimento era 
preciso retirar uma quantidade enorme de dinheiro do banco. 
 
E ainda, em 1929, estoura o crash da Bolsa de Nova York que 
quase levou o capitalismo mundial para o ralo. A busca de lucros 
crescentes levou a uma espiral especulativa de papéis que nada 
tinham de valor, pois a economia real estava paralisada suma 
crise de superprodução sem precedentes. 
 
Parecia uma questão de tempo: as massas desesperadas apoiariam 
inevitavelmente os movimentos revolucionários de esquerda em 
toda a Europa. Porém, em 1933, a direita, concentrada no Partido 
Nacional Socialista, deu a vitória a Hitler em eleição direta, o que 
abriu caminho para a perseguição e destruição das organizações 
dos trabalhadores e seus partidos representativos. 
Surpreendentemente para os intelectuais de esquerda, toda a 
Europa dá uma guinada politicamente às ditaduras: Franco na 
Espanha, Salazar em Portugal, Mussolini na Itália, etc. 
Em meio à crise econômica, 
alemães esperam horas na 
fila por um prato de comida 
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Inexplicavelmente, os trabalhadores desesperados votaram ou apoiaram seus próprios algozes! 
Como explicar tal catástrofe política? 
Para os frankfurtianos duas questões novas estavam colocadas com o fim do otimismo político 
revolucionário: o fator da ideologia como dominação e controle social e o papel novo até então 
desempenhado pelos meios de comunicação, ou seja, o papel da propaganda política 
cientificamente organizada como fator decisivo como mobilizador das massas. 
 
A Teoria Crítica não concordava com um viés apenas político ou econômico como explicação 
para a ascensão do Totalitarismo em toda a Europa. Ela propunha uma nova abordagem sobre a 
natureza da ideologia que era massificada pela propaganda política. Esta nova abordagem 
podemos considerar de ordem metafísica: 
 
“Isso confirma, inclusive, que o domínio totalitário não se impõe à humanidade de 
fora por obra de uns tantos desesperados nem é uma grande desgraça acidental na 
auto-estrada do progresso; o que ocorre, outrossim, é que no âmago da nossa cultura 
amadurecem forças destrutivas”1 
 
Este novo viés de análise vai fazer a escola aproximar-se dos estudos de Freud sobre a Psicanálise 
da Cultura, principalmente na sua obra “A Civilização e seu Descontentamento”: o nazi-fascismo 
explorou elementos sado-masoquistas presentes nas massas, elementos muito profundos no 
psiquismo humano. A história do progresso racional-científico, levado avante pela filosofia do 
Iluminismo2 no século XVIII e colocada em prática pela mercantilização geral do capitalismo, não 
só ignorou essas forças destrutivas como as reforçou através da criação de um mecanismo 
psíquicode indiferença ou, como Adorno definia, a “banalização do mal”. A este processo de 
reduzir o mundo e o próprio homem a coisa, a filosofia marxista chama de “reificação”: 
 
“Quanto a reificação, esta radicaliza, por assim dizer, o fenômeno do caráter fetichista 
das mercadorias. Na reificação se invertem as relações entre o homem e os produtos de 
seu trabalho. O universo da reificação impossibilita que o homem, que transforma a 
natureza e cria produtos, se reconheça em seus objetos, em suas criações. O homem 
‘não se contempla a si mesmo no mundo que ele criou’: são as mercadorias que se 
contemplam a si mesmas num mundo que elas próprias criaram. Movimento segundo 
o princípio da indiferença: indiferença entre coisas e coisas, coisas e homens. Tudo 
tem um preço. A própria força de trabalho é vendida no mercado. O mecanismo de 
conversão do trabalho vivo em trabalho abstrato e quantificado cria um mundo regido 
pela indiferença, no qual tudo se equivale. Indiferença e totalitarismo são, aqui, 
sinônimos”3 
 
Este elemento sádico da indiferença estava presente na mobilização do ódio aos estrangeiros pela 
propaganda nazista, o apoio ao genocídio nos campos de concentração, o estímulo à máquina de 
guerra, a busca incessante por “bodes expiatórios” para serem sacrificados e humilhados em praça 
pública. 
 
1 HORKHEIMER, Max e ADORNO, Theodor W., Temas Básicos de Sociologia, São Paulo, Cultrix, 1978, p. 196. 
2 
3 MATOS, Olgária C. F., A Escola de Frankfurt – luzes e sombras do Iluminismo, São Paulo, 
Editora Moderna, 1993 p. 31. 
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Para a Escola de Frankfurt isso tudo não é apenas passado, algo que pudesse se resumir a um 
acidente histórico chamado nazi-fascismo. Esta mesma estratégia estaria presente até hoje na 
moderna indústria cultural, fazendo parte da sua própria essência. Pegue o exemplo dos “realities 
shows” que atualmente povoam as telinhas. Pelo ponto de vista frankfurtiano, programas como o 
Big Brother Brasil, da TV Globo, exploram elementos psíquicos profundos como o sadismo e o 
voyeurismo, ou seja, o prazer perverso de confortavelmente ver pessoas em situações embaraçosas 
e difíceis, torcer contra elas. Para a psicanálise, um prazer perverso, de origem sexual reprimida, 
de ter um poder ilimitado sobre o outro: “ele não sabe que é vigiado por mim, que posso tirá-lo do 
programa a qualquer momento com um simples telefonema ...” A única diferença em relação ao 
trágico passado nazista é que hoje tudo é mero entretenimento, sem conotação política imediata. 
Porém, estas forças destrutivas estariam sendo alimentadas para, a qualquer momento, num 
contexto político crítico, explodirem de forma assustadora e canalizadas para uma finalidade 
política. 
 
Por outro lado, tais programas ainda conteriam um traço masoquista: até 
que ponto estes “realities shows” não seriam um estímulo ao prazer de 
também ser visto, ou seja, a “banalização do mal” de ser constantemente 
vigiado num mundo cada vez mais dominado por monitoramento 
eletrônicos que prometem o fim da privacidade? 
 
Portanto, para a Escola de Frankfurt as explicações sobre o poder 
totalitário da propaganda política nazi-fascista não podiam ser reduzidas 
à mera questão da força persuasiva da comunicação de massa. A força 
ideológica estava enraizada numa questão mais profunda: o próprio 
desdobramento da história cultural do ocidente, o desenvolvimento do 
Iluminismo e a sua realização concreta na lógica do mercado no 
capitalismo. A essa história corresponde uma outra, subterrânea, que tem 
a ver com o impacto no psiquismo humano e a gestação de forças 
destrutivas, ao mesmo tempo reprimidas e, simultaneamente, reforçadas 
por diversos mecanismos sociais. Um deles, os meios de comunicação de 
massas. 
 
A outra novidade detectada, principalmente por Horkheimer, era a 
irresistível hegemonia dos meios de comunicação de massas como uma 
nova agência socializadora. Por agências socializadoras podemos entender como instituições 
sociais que têm a função de preparar os indivíduos ao convívio social, através das introjeção de 
valores morais, éticos, ideológicos, políticos e religiosos. São elas que fazem a mediação entre o 
indivíduo e a sociedade. 
 
Até a emergência dos meios de comunicação de massa (na época o rádio e o cinema), as principais 
agências socializadoras eram Família, Escola e Igreja. Respectivamente, as autoridades decisivas 
com prestígio para socializar os novos indivíduos eram o Pai, o Professor e o Padre. A grande 
novidade considerada pela Teoria Crítica é que os meios de comunicação de massa atropelaram 
estas tradicionais agências socializadoras e passaram a deter a hegemonia ideológica da introjeção 
de valores nas novas gerações. Isso significa que as outras autoridades passaram a ter o poder 
simbólico progressivamente esvaziado. Continuam a existir, porém, como uma referência abstrata: 
Pelo ponto de vista da 
Escola de Frankfurt 
“realities Shows” 
como o Big Brother 
Brasil exploram 
elementos psíquicos 
profundos como o 
sadismo e o 
voyeurismo 
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“De sua relação com o pai, a criança extrai apenas a idéia abstrata de um poder, mais 
poderoso que o pai real, o qual já não corresponde à velha imagem; em suma, uma 
espécie de superpai, tal como foi produzido pelas ideologias totalitárias. Também o pai 
é substituído por poderes coletivos, como o da classe escolar, o da equipe esportiva, do 
clube, finalmente do Estado. Os jovens manifestam tendência a se submeterem a 
qualquer autoridade, não importa o seu conteúdo, contanto que ela ofereça proteção, 
satisfação narcisista, vantagens materiais e a possibilidade de desafogar em outros o 
sadismo no qual encontram respaldo e desorientação inconsciente e o desespero (...)”4 
 
Por qual motivo as tradicionais agências socializadoras se esvaziaram simbolicamente, passando a 
hegemonia da autoridade aos meios de comunicação de massas? Como vimos neste trecho acima, 
para Adorno e Horkheimer a outra chave de compreensão do fenômeno totalitário estava neste 
movimento de submissão de todas as instituições sociais aos meios de comunicação de massas. 
Para nós que já nascemos numa época dominada pela mídia, estes fatos parecem óbvios, mas para 
os componentes da Escola de Frankfurt, nascidos numa sociedade ainda em moldes tradicionais, 
tudo era visto com perplexidade e preocupação. Como veremos mais adiante, a Teoria Crítica 
empreenderá uma verdadeira sociologia da família para entender as conseqüências desta 
transposição do poder e prestígio às autoridades apresentadas pelos meios de comunicação. 
 
Para entender a fundo estas duas novas questões colocadas pelas transformações políticas 
ocorridas nos anos 20 e 30 na Europa (a questão do totalitarismo ideológico e a emergência dos 
meios de comunicação como instituições sociais hegemônicas), a Teoria Crítica vais se 
fundamentar em duas bases intelectuais: a teoria do Fetichismo da Mercadoria de Karl Marx e a 
Psicanálise da Cultura de Sigmund Freud. 
 
 
2. Fundamentos da Teoria Crítica: 
A Teoria do Fetichismo da Mercadoria 
 
 
 
 partir da análise marxista do funcionamento do capital e do mercado, a Teoria Crítica 
empreende uma análise profunda sobre o capitalismo moderno na fase da sociedade de 
consumo. Por isso, parte do elemento mais básico do funcionamento do capitalismo: a 
forma mercadoria, isto é, a instituição da mercadoria como equivalente geral diante da qual todos 
os produtos humanos têm que se espelhar. 
 
Se para nós a mercantilização geral da cultura sob o capitalismo é uma coisa banal, afinal faz parte 
da vida do dia-a-dia, para os frankfurtianosà época era um fato novo. Música, arte, ou seja, a 
mercantilização geral dos produtos do espírito humano era um fato novo, pois a forma mercadoria 
ainda se restringia apenas ao setor econômico. 
 
 
4 ADORNO, T. W. e HORKHEIMER, M., Lezioni di Sociologia, In: CANEVACCI, Massimo, Dialética da Família, 
São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 222. 
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Na sua obra O Capital Marx percebeu que, apesar de o capitalismo ser uma forma de sociedade 
atéia e materialista, seus mecanismos mais profundos ainda têm um caráter religioso: o fetichismo. 
Por fetiche, entende-se um processo de inversão que se opera na consciência dos indivíduos. Nas 
sociedades arcaicas, o homem esculpia no tronco de árvore um totem e passava a adorá-lo. Nesta 
inversão, a criação passava a dominar o criador e assumir características humanas. Marx 
considerava que na sua essência, este mesmo fenômeno se repetia na economia de trocas 
mercantis do capitalismo. Embora produtos humanos, as mercadorias passam a adquirir vida 
própria, a ter preços fixados por uma dinâmica alheia a cada indivíduo, por exemplo. Grosso 
modo, fetichismo da mercadoria seria o fato de que as pessoas sob o capitalismo se conhecem e se 
relacionam através das mercadorias. Com exceção de nossos parentes, todas as outras pessoas com 
quem nos relacionamos são parte do processo de circulação das mercadorias. Podemos conhecer o 
fulano do açougue em frente, mas primeiramente o conhecemos como vendedor da mercadoria 
carne. Lembramos do cicrano da padaria da esquina antes de tudo como o vendedor de pão. 
Quanto a nossos amigos, conhecemos muitos deles porque vendiam ou vendem sua força de 
trabalho na mesma fábrica, banco, escola etc em que vendíamos ou vendemos a nossa força de 
trabalho. Desse modo, se o açougue fechar ou um colega for demitido, as chances de perdemos 
contatos com quem tínhamos relações de amizade são grandes. Por outro lado, se as mercadorias 
são as ligações entre nós, são elas que estabelecem relações entre si. Ela é que tem vida social, não 
nós. Ou seja, as pessoas se relacionam através das mercadorias e as mercadorias através das 
pessoas. É esta inversão que Marx chama de fetichismo, pois no fetichismo religioso as coisas 
ganham movimento próprio e dominam a vida dos seres humanos. 
 
O fetichismo da mercadoria se inicia a partir de uma contradição interna dentro da mercadoria 
entre o valor de uso e o valor de troca. O valor de troca refere-se ao dinheiro a que uma 
mercadoria pode fazer jus no mercado, ou seja, o seu preço de compra e venda, enquanto o valor 
de uso refere-se ao benefício do bem para o consumidor, isto é, seu valor prático ou utilitário 
como mercadoria. Segundo Marx, a grande novidade histórica do capitalismo é a expansão do 
mercado para todos os setores da sociedade e o domínio do valor de troca sobre o valor de uso, já 
que o ciclo econômico capitalista, envolvendo produção, o marketing e o consumo de mercadoria, 
controlará sempre as necessidades das pessoas. 
 
A produção de mercadorias tem como objetivos principais a venda e o lucro e não a produção de 
valores de uso em si. Nos cálculos do produtor, o valor de uso tem somente o papel de satisfazer 
as expectativas do comprador, coisa que deve ser considerada pelo produtor para a realização da 
venda. Assim, num único ato de troca, dois interesses opostos se confrontam: da perspectiva do 
valor de troca seu objetivo se realiza com o ato da venda. Da perspectiva do valor de uso, o 
mesmo ato é apenas o começo do processo de fruição ou do consumo do valor de uso no interior 
da mercadoria. Do ponto de vista do produtor, a realização da venda é o ponto de chegada. Para o 
comprador, o preço a ser pago é um estorvo, um meio obrigatório para a realização do valor de 
uso. 
 
Neste confronto, o valor de uso sempre terá que ser submetido ao valor de troca, ou seja, resulta 
numa tendência de que o valor de uso deverá sempre sofrer alterações para se adaptar às 
necessidades da realização do valor de troca (publicidade, marketing, contenção de despesas, etc). 
Historicamente, a realização pura e simples do valor de uso (a satisfação plena do comprador) não 
é o suficiente para a maximização dos lucros. Sempre será necessário incrementar vendas para 
acelerar os ciclos econômicos. Surge aí toda uma construção da imagem do produto através da 
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publicidade onde as mercadorias passarão a adquirir qualidades humanas e os homens se 
transformam em coisas. Para deixar de ser “coisas” têm que adquirir as mercadorias que passarão 
suas qualidades humanas ao comprador. 
 
Motivada pelo valor de troca as mercadorias passam a adquirir qualidades humanas. É a inversão 
fetichista. Vejamos o exemplo abaixo: 
 
Temos aqui em ação o fetichismo da mercadoria. Um 
automóvel tem um valor de uso: meio de transporte. Mas 
para a publicidade ele tem que ser mais do que isso. Para 
as vendas serem maximizadas, ele deve adquirir 
qualidades humanas que deveriam surgir de relações 
humanas reais e não de uma relação mercantil de compra 
e venda. O automóvel promete uma mudança de estilo 
de vida. Se você comprá-lo, junto com ele vêm festas, 
sensualidade, alegria, amigos, etc. Magicamente você irá 
adquirir qualidades humanas contidas numa mercadoria. 
No modo de vida consumista temos uma sociedade 
fetichizada, ou seja, as mercadorias é que começam a dar 
o porquê das relações humanas. Ocorre uma inversão: os 
homens se relacionam porque existem mercadorias entre 
si e não por uma razão criada pelas próprias pessoas. 
 
Um apartamento estilo mediterrâneo vale “um modo de 
viver”; uma calça jeans tem “uma vida jovem e livre”. 
Para você ser uma pessoa sensual não basta construir 
uma personalidade numa relação vivida com os outros. 
Simples ... basta adquirir uma marca “X” de grife. Você 
não precisa ser sensual, basta comprar e ter a sensualidade. 
 
Para a Escola de Frankfurt, umas das chaves de compreensão do poder da comunicação de massas 
sobre os indivíduos é a solidão que a mídia vai encontrar nos receptores. A sociedade fetichizada é 
a sociedade da multidão solitária. Quando as mercadorias passam a mediar e a assumir 
características humanas, a comunicação e a troca entre os indivíduos passam a entrar em crise. É 
por esta linha de raciocínio que a Teoria Crítica vai explicar o esvaziamento das antigas agências 
socializadoras (Família, Escola e Igreja). Estas instituições ainda eram dominadas por vínculos 
face-a-face. Por isso, a mercantilização geral da sociedade promovida pelo capitalismo moderno 
vai substituir estas instituições por outras mais abstratas. Uma delas são os meios de comunicação 
de massas. 
 
2.1. A Estética da Mercadoria 
 
alamos em “instituições mais abstratas”. O que isso quer dizer? Uma outra característica do 
fetichismo da mercadoria é que as qualidades humanas que ela incorpora sempre serão 
abstratas. Em contato com o mundo real, dificilmente elas se realizarão ou, então, a 
realização somente será parcial. 
 
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Marx falava que a mercadoria busca “o milagre da transubstanciação”: a transformação do valor 
de troca em dinheiro. É como se a mercadoria quisesse dar um salto mortal. Mas ela pode quebrar 
o pescoço. Na forma mercadoria, o valor de uso poderá sofrer transformações de tal natureza no 
mercado a ponto de a utilidade transformar-se numa aparência, numa miragem, enganando o 
consumidor. É o aparecimento da estética do valor de uso ou estéticada mercadoria. No 
capitalismo, os interesses do valor de troca se sobrepõem ao de uso (a aceleração do ciclo 
econômico produção-venda-compra, por exemplo). Por exemplo: para o conhaque não ficar 
guardado por muitos anos em tonéis de carvalho (como seria necessário para dar a característica 
coloração amarela que determina a excelência do sabor) e maximizar as vendas, ele é tinto com 
açúcar caramelado, mantendo-se assim sua aparência. É nesta necessidade do capital em manter a 
circulação, produzir mais pelo menor preço e custo que surge uma tecnologia da estética da 
mercadoria, ou seja, a simulação de que a mercadoria contenha um valor de uso pleno. 
 
No exemplo analisado acima fica clara esta estética da mercadoria: transpostas para a realidade as 
qualidades humanas são muito abstratas para serem realizadas. O carro em si não é garantia de que 
estilo de vida, sensualidade e festas se realizarão. Pelo contrário: impostos, licenciamentos e 
multas talvez até inviabilizem essa mudança de vida ... A vida continuará na mesma. É claro que 
essa frustração no máximo se manifesta no plano do mal-estar, ou seja, restringe-se ao plano do 
inconsciente. Como consumidor racional (isto é, dentro daquilo que se espera pelo cumprimento 
do código do consumidor) ficará satisfeito com o produto adquirido. Mas o desejo inconsciente, 
fator último que motivou a compra, ficará insatisfeito. Como demonstram diversos pesquisadores 
que seguem esta linha de pesquisa da Teoria Crítica5, o fenômeno da sociedade de consumo 
baseia-se num jogo onde jamais o desejo (o valor de uso) é satisfeito na plenitude. É uma fantasia 
que se desintegra para que o ciclo do consumo volte a repetir-se. “A frustração é o motor, a razão 
de ser do consumismo, pois se houvesse uma satisfação plena do desejo em cada mercadoria 
oferecida, o consumo nos moldes industriais cessaria”6 
 
Quem já não passou pela seguinte situação: você entra numa loja de roupas de grife num 
shopping. Experimenta a roupa escolhida no provador. Olha para o espelho. Como ela lhe cai 
bem! Paga o produto e volta feliz para casa. Ao chegar, experimenta de novo a roupa diante do 
espelho do quarto. Já não é mais a mesma coisa! Há uma ponta de decepção, mas você deixa pra 
lá. Com o passar do tempo você vai “encostando” aquela roupa até esquecer dela e substituir por 
outra favorita, comprada talvez na mesma loja. 
 
O que você consumiu não foi a roupa em si (o seu valor de uso) mas a aparência. Uma outra 
característica da estética da mercadoria é que o consumido nunca são as mercadorias mas a 
relação. Na verdade, o consumido foi a relação do objeto com o todo dentro da loja: a música 
ambiente “techno” e vibrante, a iluminação, o ambiente “fashion”. Tirado o objeto desta 
ambiência ela se esvazia. A estética da mercadoria opera uma abstração ou separação entre o 
objeto e a sensualidade, entre o objeto real e a sua manifestação. A aparência se autonomiza 
(fetichiza-se) e passa a ter uma existência real. É aqui que a mercadoria quebra o pescoço no salto 
mortal. A superfície, a embalagem e a imagem publicitária são mais importantes que o próprio 
objeto real. 
 
5 Veja Peter HAUG, “A Crítica da Estética da Mercadoria”, In: Ciro Marcondes Filho (org.). A Linguagem da 
Sedução, São Paulo, Perspectiva, 1988. 
6 FERREIRA, Wilson Roberto V. O Caos Semiótico, São Paulo, Editora Terra, 1997, p.11. 
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Essa maneira pela qual a sociedade de consumo elabora os objetos opera uma modificação na 
estrutura de satisfações que a mercadoria pode proporcionar. Diante da promoção publicitária, o 
consumidor vê refletidos suas necessidades e desejos e que somente são possíveis de serem 
realizadas no capitalismo ao nível das aparências. Anseios, esperanças, fantasias, são somente 
possibilidades exploráveis, motivações nas quais os homens podem se prender na compra de 
novas mercadorias. Para a Teoria Crítica, isso tudo tem um custo psicológico: o empobrecimento 
psíquico: 
 
“A extensão historicamente nova da mistificação e estetização do mundo dos bens de 
consumo ao serviço da realização do capitalismo consumista tem como conseqüência 
necessária um ‘deslocamento’ (Freud) das energias libidinosas do mundo de pessoas 
objetificadas para o mundo dos objetos personificados, de fetiches de consumo. Já que 
o universo das relações sociais, como simples relação de troca e dinheiro, está cada 
vez menos sujeito a catéxis, o universo dos objetos personificados, dos bens de 
consumo, torna-se ele próprio o objeto ‘substituto’ das energias libidinosas. A libido 
evapora-se, por assim dizer, da epiderme do bem de consumo humano. Os corpos de 
consumo e suas múltiplas aparências que foram despojadas do humano tornam-se uma 
multiplicidade de ‘focos de sugestão’ para a libido social”7 
 
Aqui, a teoria Crítica faz uma referência ao conceito freudiano de “catéxis”: a capacidade de 
investimento psíquico (investimento da energia psíquica da libido em um objeto – relação com o 
outro – que implique em realidade, possibilidades, duração e estabilidade). O fetichismo da 
mercadoria no consumo inviabiliza essa catéxis quando a promoção publicitária apenas cria “focos 
de sugestão”, ou seja, miragens, sugestões, fragmentos, reminiscências. Em síntese, ganchos onde 
o desejo somente se realiza de forma fragmentada e superficial. O psiquismo regride a “impulsos 
parciais” que conduz ao imediatismo e a compulsão. Surpreendentemente há algo de religioso 
nisso tudo: assim como o fanático na sua euforia religiosa adora apenas o fragmento de Cristo (a 
Cruz, a abstração ou o fetiche de Cristo) não conseguindo apreender o Cristo real, da mesma 
forma a euforia do consumo se reduz no consumo do fragmento (a aparência publicitária) e não do 
produto em si. 
 
Dessa maneira, a mercadoria não pode satisfazer até o fim o desejo do consumidor, mas, no 
máximo, captura-lo na fugacidade da aparência atraente. A mercadoria não pode ter valor de uso 
em excesso, pois, caso contrário, o nível de durabilidade e satisfação com o produto seria alto e 
durável demais, reduzindo a taxa de consumo ótima para a circulação de bens na economia 
capitalista. 
 
2.2. Fetichismo da técnica 
 
“O segredo real do sucesso (...) é mero reflexo do que é pago no mercado pelo 
produto. O consumidor está realmente idolatrando o dinheiro que pagou pelo seu 
ingresso para o concerto de Toscanini”8 
 
 
7 SCHNEIDER, Michael, Neurose e Classes Sociais, R. de Janeiro, Zahar Editores, 1977, p. 281. 
8 ADORNO, T. The Culture Industry, London, Routledge, 1991, p. 34. 
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s investimentos na estética da mercadoria, na aparência publicitária do produto, se tornam 
tão vultosos que uma situação paradoxal começa a surgir: a publicidade do produto acaba 
se confundindo com o próprio produto. Espera-se uma veneração pelo preço que pagamos 
pelo ingresso do concerto de Toscanini e não pela apresentação em si. No capitalismo moderno, 
onde o marketing e o valor agregado aos produtos são mais importantes que o próprio valor de uso 
da mercadoria, a própria promoção em si passa a ser mais importante. É a publicidade auto-
referencial: o consumidor venera muito mais a técnica promocional do que o valor de uso do 
produto. 
 
Pegue o exemplo do filme Titanic, de James Cameron. 
Primeiro filme a utilizar efeitos digitais, os custos da produção 
(US$ 200 milhões) foram divulgados estrondosamente pela 
mídia. Somados aos making-offs onde era meticulosamente 
explicada a concepção e montagem dos gigantescos cenários (e 
muitas vezes o making-off é melhor que o própriofilme), a 
grandiosidade da produção em si já era publicitária. A mídia 
passou mais tempo falando dos aspectos técnicos do que do 
valor artístico em si do filme. Orgulhosos, os espectadores 
foram capazes de suportar mais de três horas de filme só para 
aferir se o filme justificava tamanho investimento tecnológico 
e financeiro. 
 
É o que Adorno e Horkheimer chamavam de fetichismo da 
técnica. A tecnologia da promoção da aparência do valor de 
troca passa mais atraente do que o produto em si. Por outro 
lado, Adorno considerava a publicidade como o “elixir da 
vida” da mercadoria já que, graças ao fetichismo geral do 
consumo, a mercadoria pode correr o risco de ser intragável: 
 
“A cultura é uma mercadoria paradoxal. Ela é tão 
completamente submetida à lei de troca que não é mais 
trocada. Ela se confunde tão cegamente com o uso que não se 
pode mais usa-la. É por isso que ela se funde com a publicidade. (...) A publicidade é 
seu elixir da vida. Mas como o seu produto reduz incessantemente o prazer que 
promete como mercadoria a uma simples promessa, ele acaba por coincidir com a 
publicidade de que precisa, por ser intragável”9 
 
Pelo fato de a mercadoria prometer mais do que pode cumprir, como vimos no tópico anterior, ela 
se confunde com a própria publicidade. Veja o exemplo famoso das campanhas da Benneton. As 
fotos polêmicas e chocantes do fotógrafo Oliviero Toscani nada comunicam sobre o produto. O 
que é Beneton? Nada a dizer, a não ser atrair toda atenção dos espectadores aos escândalos 
provocados pela própria campanha. É o marketing auto-referencial: nada comunica sobre o valor 
de uso, ela é a própria mensagem publicitária. 
 
 
9 ADORNO, T. e HORKHEIMER, M., Dialética do Esclarecimento, R. de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1985, p. 151. 
O 
O filme Titanic, de James 
Camaron, e as polêmicas fotos 
das campanhas da Beneton: 
exemplos do fetichismo da 
técnica. 
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 2004 Wilson Roberto Vieira Ferreira 
11
Conclusão: fetichismo ou o retorno do Mito 
 
 
Descobrimos, portanto, que a essência da publicidade e da propaganda, na fase do capitalismo 
monopolista, é religiosa. Atribui-se qualidades humanas ou até supra-humanas a objetos e, 
modernamente, a marcas. Elas têm o poder de conferir aos seus proprietários qualidades investidas 
pelos próprios homens ou, magicamente, transformar a vida somente pelo fato de possuí-las. 
 
Para Marx a essência do pensamento mítico, mágico e religioso está na inversão fetichista: o 
homem cria objetos, símbolos e imagens que passam a ganhar vida própria ao serem investidos de 
características humanas ou sobrenaturais. Estes, por sua vez, passam a dominar o próprio homem 
que deverá, por meio de rituais ou sacrifícios, adorá-los para esconjurar a fúria ou o castigo. 
Acredita-se que o capitalismo, por meio da racionalidade das práticas mercantis e da acumulação 
do capital, teria acabado com toda forma de pensamento religioso ou mítico com a sua implacável 
lógica racional. Para Marx, puro engano. Deus baixa à Terra sob a forma de Capital, Mercado e 
Moeda. Tais entidades, criadas pelo próprio homem, passam a escravizá-los ao adquirir vida 
própria: o dinheiro investido magicamente se reproduz com os juros. Fala-se que “dinheiro chama 
dinheiro”. Ou, então, que o “mercado está nervoso”. Em nome do dinheiro ou do Capital o homem 
é capaz de cometer as maiores atrocidades (guerras, assassinatos etc.). Tais entidades dominam os 
homens, obrigando-os a práticas que transcendem o bem e o mal (assim como nos sacrifícios 
rituais pagãos onde era exigido o sacrifício de seres humanos). 
 
Adorno e Horkheimer, no livro Dialética do Iluminismo, retomam este tese de Marx e verificam 
em seu diagnóstico da modernidade o retorno do mito e das formas mágicas e religiosas ao lado do 
avanço técnico e científico da civilização. Encontram uma história secreta entre o avanço do 
Iluminismo com a Modernidade (o desenvolvimento da racionalidade científica e técnica como 
promessa de superação da ignorância e da escassez com Racionalismo e o Iluminismo – 
movimento filosófico dos chamados enciclopedistas franceses no século XVIII) e a explosão da 
violência e crueldade no nazi-fascismo. 
 
Adorno e Horkheimer perceberam em seu diagnóstico que o preço pago pela civilização com o 
desenvolvimento da racionalidade científica e técnica era o “desencantamento do mundo”, ou seja, 
o recalque dos impulsos e das paixões humanas. O que Marx percebera na relação entre o homem 
e o capital (a relação fetichista de dominação) Adorno e Horkheimer perceberam na relação da 
civilização com a Ciência e a Técnica: o sacrifício dos desejos e demandas humanas em nome do 
Progresso e da ordem implacável a Razão. Nesta situação ocorre um acerto de contas entre a 
Natureza e a humanidade: a revolta da natureza dentro do homem com a explosão da violência e 
da crueldade. 
 
Assim como, na atualidade, dentro do ambiente mais tecnologicamente avançando que é a Internet 
prolifera a irracionalidade, ódio e os impulsos mais regressivos da natureza humana (pedofilia, 
perversões, vendas ilegais de armas, racismo etc.), da mesma maneira a máquina de propaganda 
nazi-fascista, utilizando, à época, os recursos tecnológicos mais avançados (mídias de massas 
como cinema e rádio) empreendeu uma campanha essencialmente baseada em elementos míticos, 
mágicos e religiosos. A propaganda nazi-fascista passou a investir em roupas, objetos, símbolos 
poderes sobrenaturais. Tanto é verdade que, até hoje, tais objetos são cultuados por colecionadores 
e simpatizantes nazis. Da cruz à suástica nazista, a essência fetichista está presente. 
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 2004 Wilson Roberto Vieira Ferreira 
12
 
O culto ao super-herói e às celebridades vão marcar a mídia no pós-guerra até os dias atuais. As 
origens estão no revival mítico e mágico da retórica nazi-fascista. Toda a complexa heráldica 
nazista (condecorações, símbolos, brasões que identificavam as diversas ordens, grupos etc.) 
parecia que conferia super-poderes aos seus portadores. É sabido que o alto escalão do Terceiro 
Reich participava de rituais ocultistas secretos e Hitler estava cercado de astrólogos, videntes e 
consultores místicos em geral. É incrível que em plena moderna propaganda do século XX assista-
se a este revival mítico e mágico. Tal retórica foi tão poderosa que, nos EUA, a Marvel Comics e, 
no pós-guerra, toda a Indústria Cultural, passam a celebrar o modelo do super-herói com poderes 
sobrenaturais: Capitão América lutará contra os inimigos nazistas e, depois, toda uma imensa 
galeria de super-heróis dotados de super-poderes provenientes de objetos e símbolos mágicos 
povoará a mentalidade americana na Guerra Fria. 
 
Da mesma forma, na atualidade a heráldica das marcas atualiza este culto fetichista. Vestir uma T-
shirt básica, branca, sem nenhuma identificação de marca, não é a mesma coisa se a mesma T-
shirt tiver a logomarca da badalada “Diesel”. É como se o símbolo atribuísse poderes mágicos ao 
seu portador, tal qual uma varinha de condão: será melhor visto e recebido pelas pessoas, as portas 
das oportunidades se abrirão, tornar-se-á sensual, cativante etc. Repare, por exemplo, na retórica 
de anúncios televisivos como os da Polishop. Os produtos anunciados não são mais objetos úteis à 
bvenda más são promovidos ao nível da magia: eles mudarão a vida do comprador, nada mais será 
o mesmo após conhecer e adquirir o produto... 
 
Também o fetichismo da propaganda nazi-fascista inaugura a época das celebridades. Através da 
mídia, começa-se a cultuar personalidades famosas não por teres realizado algo importante e 
tangível, mas pelo simples fato de serem, supostamente, possuidores de um dom mágico:são 
famosas por terem poderes que a maioria das pessoas não tem, ou seja, são celebridades porque 
são! Se no passado a personalidade célebre vinha do mundo das realizações concretas (no 
trabalho, na economia, na medicina, na ciência etc.), ao contrário, a celebridade fetiche vive de um 
suposto dom especial, místico, atribuído a si mesma. Porém tal dom sobrenatural resume-se à 
mera estratégia de exposição constante na mídia, criando um efeito recursivo paradoxal: é famosa 
porque é muito fotografada e é fotografada porque é muito famosa. 
 
 
 
3. Freud e a Psicanálise da Cultura 
 
 
 
epois de buscarem em Marx elementos para uma crítica à economia e à sociedade de 
consumo no capitalismo moderno, a Teoria Crítica volta-se a Freud para buscar elementos 
para uma crítica da cultura. Para a Escola de Frankfurt, pensar a cultura é pensar a cultura 
que se tornou mercadoria. 
 
Quando a cultura passou a ser mais um produto mercantilizado pelo mercado universal, muitos 
entendiam esse fato como uma resultante do progresso tecnológico e industrial. Afinal é uma 
opinião ainda corrente que a tendência do progresso é a democratização de acesso aos bens 
D
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13
culturais graças à reprodutibilidade técnica: a imprensa, o disco de vinil, a TV e, atualmente, a 
Internet. Parece ser uma coisa bastante razoável comprar um CD de um show que você não poder 
ver ao vivo. Mas, a Escola de Frankfurt via com desconfiança esse processo de mercantilização da 
cultura a partir da reprodutibilidade técnica. 
 
Como vimos no tópico anterior, se nas mercadorias em geral o valor de troca domina todos os 
processos econômicos de troca a ponto de o valor de uso se tornar ao flexível e moldável até o 
desaparecimento, o que poderá acontecer com as obras culturais do espírito humano? O fato de 
você preferir ouvir Mozart no disco de vinil ao invés do concerto ao vivo ou, modernamente, 
preferir assistir o filme em DVD em casa ao invés de assisti-lo no cinema são muito mais do que 
fato isolados, refletem uma ordem totalitária onde mais uma vez o desejo e o espírito humano são 
atrelados aos ditames do valor de troca. Na reprodutibilidade técnica alguma coisa irá se perder, 
assim como se perde a qualidade sonora de execução musical ao vivo comparado com a cópia em 
vinil. 
 
O primeiro passo para a compreensão desse processo é entender qual a necessidade psíquica do ser 
humano em produzir cultura. Por isso vão buscar em Freud o conceito de sublimação. 
 
Para Freud, o processo de sublimação é o ponto de encontro entre o desenvolvimento do indivíduo 
e a construção da civilização. O processo civilizatório começa a partir do momento em que os 
instintos são induzidos a buscar outros caminhos para a satisfação, que não a imediata. Para a 
psicanálise, a energia vital do psiquismo humana é o instinto, de origem animal, a mais básica 
energia dos seres vivos. Como energia básica (reprodução, fome, sede, medo), ela busca 
gratificação imediata pois a sobrevivência do indivíduo depende dela. Porém, a busca dessa 
felicidade instintiva individual entre em choque com a organização social e as necessidades do 
grupo. É necessário um mecanismo psíquico onde o indivíduo renuncie ou adie a satisfação 
imediata do seu instinto em troca de uma vida social segura: 
 
“Nesse ponto, não podemos deixar de ficar impressionados pela semelhança existente 
entre os processos civilizatórios e o desenvolvimento libidinal do indivíduo. Outros 
instintos são induzidos a deslocar as condições de sua satisfação, a conduzi-las para 
outros caminhos. Na maioria dos casos, esse processo coincide com o da sublimação 
(dos fins instintivos), com que nos achamos familiarizados; noutros, porém, pode 
diferenciar-se dele. A sublimação do instinto constitui um aspecto particularmente 
evidente do desenvolvimento cultural; é ela que torna possível às atividades psíquicas 
superiores, científicas, artísticas ou ideológicas, o desempenho de um papel tão 
importante na vida civilizada. Se nos rendêssemos a uma primeira impressão, diríamos 
que a sublimação constitui uma vicissitude que foi imposta aos instintos de forma total 
pela civilização. Seria prudente refletir um pouco mais sobre isso. Em terceiro lugar, 
finalmente - e isso parece o mais importante de tudo -, é impossível desprezar o ponto 
até o qual a civilização é construída sobre uma renúncia ao instinto, o quanto ela 
pressupõe exatamente a não-satisfação (pela opressão, repressão, ou algum outro 
meio?) de instintos poderosos. Essa 'frustração cultural' domina o grande campo dos 
relacionamentos sociais entre os seres humanos. Como já sabemos, é a causa da 
hostilidade contra a qual todas as civilizações têm de lutar. Também ela fará 
exigências severas à nossa obra científica, e muito teremos a explicar aqui. Não é fácil 
entender como pode ser possível privar de satisfação um instinto. Não se faz isso 
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impunemente. Se a perda não for economicamente compensada, pode-se ficar certo de 
que sérios distúrbios decorrerão disso.”10 
 
Através de um trabalho repressivo, a civilização redireciona a energia instintiva para um alvo não 
sexual. O instinto, deixado por si mesmo, busca uma satisfação imediata, aqui e agora. Para que a 
civilização produza cultura é necessário disciplinar esta energia, redirecionando-a para alvos 
socialmente valorizados. A gratificação imediata é adiada na busca de uma satisfação posterior, 
porém, num grau culturalmente elevado. A energia que empurra a pulsão continua a ser sexual, 
mas o objeto não é mais. É como se o instinto você obrigado, através da civilização, a não mais 
atingir de forma imediata, em linha reta, o objeto de satisfação, mas agora a fazer um movimento 
em espiral, adianto para o futuro o momento da gratificação (veja esquema abaixo). 
 
Objeto InstintoObjeto
Instinto
 
 
 
Peguemos um exemplo concreto. Se estivermos numa sala de aula da faculdade numa bela noite 
quente de verão somos fortemente tentados a cair fora, parar no primeiro bar e abrandar o calor 
com um bom copo de cerveja. A este impulso a civilização responde que você deve ficar ali pela 
necessidade do estudo para, no futuro, a gratificação ser alcançada com um bom emprego e uma 
vida estável. O impulso instintivo inicial tem que ser sublimado para um outro objetivo 
moralmente superior e socialmente valorizado (emprego, reconhecimento profissional, etc). 
 
A religião é um outro exemplo. O instinto da libido é redirecionado para um sentimento “terno”: a 
fé. Através da penitência, as gratificações imediatas deste mundo são substituídas pela promessa 
de uma recompensa moralmente mais elevada num outro mundo. Se desejamos um produto visto 
na vitrine de um shopping, o primeiro impulso é o de pegá-lo sem maiores cerimônias. Mas 
sabemos que temos que adiar a satisfação desse desejo. Primeiramente temos que trabalhar 30 
 
10 FREUD, Sigmund, Civilization and its Discontents, New York, WW Norton & Company, 1969, p. 44. 
Satisfação instintiva Sublimação 
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dias, ou seja, direcionar esta energia do desejo para uma atividade socialmente valorizada (o 
emprego) e, no final, com o salário, comprar o produto. 
 
Como Freud aponta, o processo de controle dos instintos promovido pela cultura e a civilização 
produzem uma frustração cotidiana nos relacionamentos humanos que, no fundo, é a origem da 
hostilidade contra a qual as civilizações têm que lutar. Por isso, para a Teoria Críticao produto 
cultural do espírito humano teria uma ambigüidade fundamental: de um lado seria o retrato da dor 
que a civilização impõe ao indivíduo e, do outro, ao criar um produto moral e estético mais 
elevado formula a promessa de um futuro mais feliz: a harmonia ideal entre indivíduo e 
civilização. 
 
3.1. Dessublimação e Estandartização 
 
or isso, para Adorno, a autêntica obra de arte, como produto exemplar do processo de 
sublimação, conteria este duplo aspecto: de um lado a dor (a lembrança das vicissitudes da 
vida neste mundo) e do outro a utopia de um futuro feliz. A arte conteria este elemento 
crítico de autonomia em relação ao processo de produção material: embora tenha origem na 
civilização, a arte implica numa crítica ao existente por representar uma utopia de um mundo 
diferente. Por isso falava que todo arte é um “retrato da barbárie”. Por exemplo, peguemos o caso 
da música negra: o blues. Suas origens estão na raça negra no período histórico da escravidão, no 
Sul dos EUA. Como o próprio nome que dizer, o blues é uma modalidade musical melancólica, 
triste, por ser a memória da escravidão. Os blues men se reúnem quase como se fosse um ritual 
litúrgico para o passado ser relembrado dentro das dores que a raça negra ainda enfrenta pela 
condição social de excluídos. Mas, ao mesmo tempo, junto com a dor está alegria de compor e 
tocar o blues. É uma celebração, como se quisesse simbolizar a utopia de um futuro mais feliz. 
Sim, ainda há esperança! É como parece simbolizar a alegria do blues man. 
 
Na sua essência a arte teria esse aspecto crítico de autonomia ou transcendência. Para Marcuse a 
arte representaria a “Grande Recusa”, ou seja, com um potencial politicamente crítico ao protestar 
contra a miséria existente e conter forças de transformação deste mundo: 
 
“Como um rito ou não, a arte contém a racionalidade da negação. Em suas condições 
avançadas, ela é a Grande Recusa – o protesto contra o que é. As maneiras pelas quais 
o homem e as coisa são levados a se apresentar,cantar, soar e falar são maneiras de 
refutar, interromper e recriar sua existência real. Mas essas formas de negação rendem 
tributo à sociedade antagônica a que estão ligadas”11 
 
Para a Escola de Frankfurt, o ponto problemático da mercantilização da cultura e da reprodução 
em massa da arte pela indústria cultural está na perda dessa essência sublimatória: ambigüidade, 
autonomia, transcendência e recusa. É o momento em que a arte e cultura em geral se tornam pura 
ideologia ao serem submetidas ao valor de troca. A cultura mercantilizada passa a ser 
dessublimada ou estandartizada. 
 
Voltando ao exemplo citado acima, ao ser mercantilizado o blues perderia a ambigüidade crítica 
própria da sublimação: o aspecto da memória (a lembrança da dor produzida pelas injustiças desse 
 
11 MARCUSE, Herbert, A Ideologia da Sociedade Industrial, R. de Janeiro, Zahar Editores, 1979, p. 75. 
P
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mundo) é eliminado, afinal, a mercadoria deve ser limpa, higienizada de qualquer dissonância, 
“ruído” ou “sujeira” que possam comprometer o consumo feliz. Privada da sua memória ela é 
reduzida a um standard de alegria ou felicidade estereotipada. A música perde o seu conteúdo 
crítico e vira performance, virtuosismo ou pura distração ou passatempo. Como standard, a música 
de massas deve ser rigidamente padronizada para um fácil reconhecimento pelo ouvinte. A 
psicologia da audição musical de massas baseia-se neste mecanismo de reconhecimento e 
aceitação, ao qual Adorno considera uma “regressão da audição”: 
 
“Toda esfera de divisão comercial barata reflete esse duplo desejo. Ela induz ao 
relaxamento porque é padronizada e pré-digerida. Sendo padronizada e pré-digerida 
serve, na psicologia familiar das massas, para poupar-lhe do esforço da participação 
(...) Por outro lado, os estímulos que providencia permitem uma escapadela da 
monotonia do trabalho mecanizado”12 
 
Esvaziada da sua essência crítica de oposição ao mundo existente, a arte torna-se dócil. No caso 
da música, o hit de sucesso torna-se padronizado. Faz parte desse processo de domesticação da 
arte em geral sob a forma de mercadoria. Ao ser padronizado, o mero reconhecimento da estrutura 
musical repetitiva leva a uma aceitação (“isso eu reconheço, faz parte de mim!”). Isso no máximo 
permite uma “escapadela” da rotina maçante do dia-a-dia. Veja, por exemplo, esse depoimento de 
um dos maiores compositores da música pop, Mike Stock, sobre como é tecnicamente esse 
processo de padronização da audição: 
 
“Se você estiver na escala de dó, comece em fá maior e aí finalize em dó. Depois de 
tocar o fá, suba o tom para sol, mas continue marcando o baixo em fá. Isso cria tensão 
– e a música já começa a atrair. Aí você cai para mi menor e depois para lá menor. No 
final, se for o caso, você vai para dó. Uso muito esses acordes. A chave é como ser 
criativo dentro dos limites que eles me impõem”13 
 
Como observado pelo jornalista Álvaro Pereira Júnior14 quem toca instrumento sabe que existem 
cinco milhões de músicas com essa seqüência de acordes. Por ser uma estrutura facilmente 
reconhecida pela audição, a música passa a ter uma recepção distraída, adaptando-se facilmente à 
rotina do dia-a-dia. A “Grande Recusa” da arte é absorvida pelo estado de coisas predominante. É 
o que Marcuse denomina como “dessublimação repressiva”: a energia instintiva por trás dos 
processos sublimatórios da cultura não consegue mais transcender para estágios moral ou 
esteticamente superiores. Como numa espécie de curto-circuito, ela retorna ao mundo do qual 
pretendia transcender transformando os impulsos mais íntimos do cidadão em prazeres que 
promovem a coesão e o contentamento da ordem política e econômica da sociedade. Mais adiante, 
quando analisarmos com mais profundidade o conceito de Indústria Cultural, voltaremos a este 
ponto. 
 
 
 
12 ADORNO, T. “Sobre música popular”, In: COHN, Gabriel (org.) Theodor W. Adorno – Coleção Grandes 
Cientistas Sociais, São Paulo, Ática, 1986, p. 136. 
13 “The power of music - On song”, in: NewScientist.com, 
http://www.newscientist.com/opinion/opinterview.jsp?id=ns24231, 
14 PEREIRA JR, Álvaro, “Gênio do pop revela a fórmula do sucesso”, in: Folha Teen, Folha de São Paulo, 
02/02/2004, p. 4. 
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Conclusão: conseqüências culturais da Dessublimação 
 
 
Vimos que para a psicanálise a cultura é construída a partir do mecanismo psíquico da sublimação. 
Dessa maneira, a cultura se apóia num paradoxo: de um lado, a ordem social exige o represamento 
de Eros, o que resulta, consequentemente, na liberação correlativa da pulsão agressiva e auto-
destrutiva (pulsão de morte, ou seja, o ódio contra a sociedade causada pela imposição do 
adiamento da gratificação). Por outro lado, como o segundo momento do mecanismo da 
sublimação, estas pulsões agressivas e a libido são canalizados para formas indiretas de 
gratificação: para objetos, idéias ou metas moral ou eticamente reconhecidas como positivas ou 
elevadas pela sociedade. A arte, a cultura, a ciência etc., são resultantes de um violento processo 
de repressão psíquica individual mas, ao mesmo tempo, resultam em energias libidinais e 
agressivas que poderão transformar a sociedade. 
 
Na mercantilização geral da cultura através da sociedade de consumo na atual fase avançada do 
capitalismo, a Escola de Frankfurt percebeu uma nova forma de repressão de Eros, tão paradoxal 
como as formas indiretas de gratificação da sublimação tradicional: a dessublimação repressiva: 
 
“Não se trata mais de legitimara impossibilidade da gratificação, mas de usar a própria 
gratificação como fórmula legitimadora. Se essa gratificação repressiva assume, do ponto de 
vista material, a forma de um fluxo crescente de bens e serviços destinados a atender 
amplamente necessidades reais e fictícias, assume, do ponto de vista pulsional, a forma de uma 
liberalização dos controles societários. A gratificação assume, desta perspectiva, o aspecto da 
dessublimação: substituição da satisfação diferida pela satisfação imediata, da satisfação 
indireta pela satisfação direta. Mas como essa dessublimação visa, não promover uma libertação 
real, mas aprisionar mais eficazmente os indivíduos nas malhas da ordem existente, é lícito 
falar-se numa dessublimação repressiva.”15 
 
Se nas formas culturais tradicionais ou arcaicas, o princípio do prazer, violentado pela ordem societária, 
continuava, apesar disso, estava presente como nostalgia da felicidade ou promessa de uma harmonia futura 
(como vimos no exemplo musical do blues), na atualidade a aparente gratificação imediata prometida pela 
sociedade de consumo resulta, a curto prazo, na própria liquidação de Eros pelo princípio de realidade. Se 
não vejamos: sabemos que a emergência histórica da sociedade de consumo se deve à liberalização do 
crédito para todas as classes sociais. 
 
O “milagre do crédito”, somado a uma extensiva maquinaria de propaganda e publicidade que “educou” as 
pessoas para os novos tempos, alterou totalmente o paradigma da velha ordem cultural baseada na 
operosidade e na poupança (ou seja, nas formas clássicas de sublimação). A nova ordem do dia passou a 
ser: compre já, não deixe para depois; use todo o seu limite de crédito; seja feliz e satisfeito aqui e agora! 
Slogans como “Ligue Já!”, “Visa: por que a vida é agora”, ou culto à velocidade e às emoções fortes e 
esportes radicais enaltecem como moralmente bom o imediatismo e as vivências unicamente situadas no 
tempo presente. 
 
Porém, se no campo pulsional há uma evidente liberalização imediata e a negação das formas clássicas de 
sublimação, no campo material as malhas da repressão se apertam e o preço da dessublimação é cobrado: 
os juros altos, a fatura do cartão de crédito que chega em casa, as prestações infinitas com valores 
 
15 ROUANET, 
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crescentes... Maior será exigência de trabalhar mais, acumular empregos, fazer horas extras, ou seja, negar 
a própria liberdade de Eros. 
 
O resultado da dessublimação repressiva é a liberação da pulsão de morte pela própria sociedade. Se, 
outrora, ela era canalizada para o futuro por meio de metas, utopias ou projetos socialmente tidos como 
elevados (por exemplo, operosidade e poupança como valores moralmente positivos que alimentariam 
metas futuras) agora, sem mais perspectivas futuras, já que o imediatismo e o presente são o horizonte das 
ações sociais, ela se manifestará, em primeiro lugar, numa espécie de entropia na própria cultura: o 
surgimento do Niilismo e do Hedonismo. 
 
 
4. Base a Teoria da Comunicação de Massas: 
a sociologia da família 
 
 
omo vimos até aqui, uma das chaves de compreensão da comunicação de massa está na 
generalização da forma mercadoria no entretenimento e a submissão da cultura, arte e do 
próprio psiquismo ao valor de troca. Mas a Teoria Crítica precisa entender qual o 
mecanismo social que possibilitou esta submissão total do espírito humano às necessidades 
mercantis de troca no mundo administrado da economia. A resposta está na crise e posterior 
desmoronamento simbólico da família tradicional (patriarcal). Em outras palavras, a Escola de 
Frankfurt descobre uma relação entre a crise da família tradicional e o início da hegemonia dos 
meios de comunicação de massas sobre os indivíduos. 
 
A crise da família patriarcal tem sua origem na crise econômica pós primeira guerra mundial e pós 
o crash da Bolsa de Nova York em 1929. Essa crise fez mudar o caráter do capitalismo, passando 
fase concorrencial (onde a pequena burguesia com seus pequenos e médios negócios tirava o 
sustento da família) para a fase monopolista cuja principal característica é, de um lado, o fim da 
livre concorrência e o monopólio das grandes corporações e, do outro, o assalariamento geral da 
pequena burguesia (transformada em “classes médias”). 
 
Em primeiro lugar a família patriarcal caracteriza-se pela prole numerosa. Em uma única casa 
habitavam até três gerações com muitos filhos. O pai, chefe da família, era proprietário de um 
pequeno ou médio negócio (daí a expressão “pequeno burguês”) do qual a família dependia para o 
sustento. Desde jovens os filhos já trabalhavam na empresa familiar visando, um dia, herdá-la. 
Em segundo lugar, esta família caracterizava-se pela autonomia em relação à sociedade. Ela 
dependia de poucos serviços externos. A maioria dos itens de consumo era produzida dentro da 
própria família (manteiga, massas, remédios, sabão, etc). Ao mesmo tempo, a vivência doméstica 
da criança era cada vez mais estendida: alfabetizada dentro de casa só mais tarde iria para a escola. 
De um ponto de vista psicológico, o adiamento dos primeiros contatos da criança com o mundo 
externo garantia a ela forjar as próprias instâncias morais antes de enfrentar o frio mundo das 
relações mercantis. 
 
“Tudo era explicado e demonstrado praticamente ao indivíduo no seio da família, de 
modo mais claro do que em qualquer outra parte (...) Diante do filho o pai tinha 
tendencialmente sempre razão; nele se concretizava o poder e o sucesso. A única 
possibilidade deixada ao filho era a de atribuir ao pai, enquanto forte e poderoso, 
C
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também todas as qualidades que tinham um sinal positivo, transfigurando assim a 
realidade em ideal. Desse modo, a criança – que forjava a partir da força paterna suas 
próprias instâncias morais e, portanto, sua própria consciência - , para aprender 
finalmente a respeitar e amar o que se oferecia ao seu intelecto como efetivamente 
existente, aprendia também as relações burguesas com a autoridade, e não apenas no 
referente à esfera parcial da família”16 
 
A autonomia familiar em relação ao racional mundo exterior, garantia ao filho calor e proteção 
para introjetar a autoridade do pai e formar um ego forte. O pai era uma figura presente, de carne e 
osso, com o qual a família tinha um seguro modo de vida. Além disso, a propriedade hereditária se 
constituía num sólido motivo para a obediência dos herdeiros. Esta é a dialética da família 
patriarcal: de um lado o autoritarismo da ordem paterna, mas, do outro, esta ordem familiar 
garantia um espaço privilegiado (fora das pressões sociais) para a constituição de um ego forte o 
suficiente para, mais tarde, poder enfrentar o mundo frio e cruel das relações mercantis. 
 
A violenta crise econômica dos anos 20 e 30 tornou esta família algo anacrônica. Os pequenos ou 
médios negócios naufragaram no mar da hiperinflação, jogando os pais no mundo da 
proletarização: sem a empresa da família, os pais têm que se tornar assalariados e sair de casa para 
trabalhar. Com isso, o tamanho da família é reduzido drasticamente, reduzindo-se ao seu núcleo: o 
pai, a mãe e poucos filhos. Surge a família nuclear. 
 
As principais características da família nuclear são a perda da autonomia e o esvaziamento 
simbólico da figura paterna. Com os pais trabalhando fora e sem tempo para despender na 
organização familiar, tornam-se dependentes dos serviços externos e descartáveis da seminal 
sociedade de consumo: cuidados com a beleza, saúde, educação dos filhos, consertos domésticos, 
etc. Assim como os filhos não têm mais a empresa familiarpara herdar, paralelamente também 
não têm mais uma sabedoria ou lições de vida para herdar dos pais. Esgotados pelas longas 
jornadas de trabalho desqualificado e sem mais a segurança e confiança dos tempos autônomos da 
família patriarcal (agora, eles sempre precisarão de terceiros para resolver qualquer problema 
interno da família), os pais se convertem numa autoridade progressivamente esvaziada. 
 
“A autoridade familiar, já como autoridade do tabu sexual, vê diminuir a sua 
eficiência, por causa do fato de a família não mais garantir de modo seguro a vida 
material de seus membros e não mais proteger suficientemente o indivíduo contra o 
mundo exterior que pressiona de modo cada vez mais inexorável”17 
 
Os pais tornam-se figuras cada vez menos presentes diante dos filhos, tanto no sentido físico como 
psicológico. A família se atomiza, ou seja, os filhos cada vez mais se vêem solitários em casa. 
Sem mais a figura forte do pai (o ego ideal) para introjetar a autoridade, fundamental na 
constituição do ego, os filhos se voltam para os meios de comunicação de massa para a busca de 
um novo ego ideal. Na época, o rádio e o cinema passam a desempenhar esse papel na primeira 
geração sem pais. Os novos pop stars e heróis produzidos pela indústria cultural tornam-se os 
novos egos ideais substitutos. Na Alemanha dos anos 20 e 30, com a ascensão da propaganda 
 
16 ADORNO, T. & HORKHEIMER, M. “Sociologia da Família”, In: CANEVACCI, M., Op. Cit., pp. 216-217. 
17 IDEM, pp. 218-219. 
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nazista, o Füher, personificado por Hitler, torna-se talvez o primeiro pop star dos meios de 
comunicação de massas. 
 
Mas para a Teoria Crítica não temos aqui uma mera substituição de egos ideais. Há uma séria 
perda. A sociedade atual não será capaz de substituir de modo satisfatório a ação econômica e 
educacional do pai. Enquanto o pai era uma figura concreta e, ao mesmo tempo, um modelo ideal 
de ego, a mídia somente poderá oferecer modelos abstratos de poder e prestígio. O Füher não é 
uma figura de carne e osso, não passa de som e imagem na mídia. Esta relação com esses novos 
egos ideais tem como conseqüência a criação de indivíduos débeis, com o ego fragilizado por um 
movimento psíquico contraditório: por um lado o Füher é um modelo desejável: forte, poderoso, 
decidido, assim como todos nós gostaríamos de ser. Por outro lado, no íntimo o indivíduo sabe 
que jamais poderá ser igual a ele, tornando-se apenas mais um solitário na multidão a adorar o pop 
star. Seu destino será retornar a mesma vida cinzenta de sempre. 
 
Esta identificação com os pop stars que leva o indivíduo à impotência foi muito bem percebida 
por Adorno através do culto às celebridades: 
 
“Só um pode tirar a sorte grande, só um pode tornar-se célebre, e mesmo se todos têm 
a mesma probabilidade, esta é para cada um tão mínima que é melhor riscá-la de vez e 
regozijar-se com a felicidade do outro, que poderia ser ele próprio e que, no entanto 
jamais é. (...) As reportagens detalhadas sobre as viagens tão brilhantes e tão modestas 
do feliz ganhador do concurso organizado pela revista – de preferência uma 
datilógrafa que provavelmente ganhou o concurso graças a suas relações com as 
sumidades locais – refletem a impotência de todos.”18 
 
4.1. Fascismo e a “Correia de Transmissão” 
 
 crise da família patriarcal e o surgimento da família nuclear produzem a chamada 
“multidão solitária”: indivíduos atomizados, isto é, pessoas isoladas e com laços familiares 
fragilizados, sem a presença do ego ideal paterno que é substituído por um ego ideal 
abstrato das celebridades. A conseqüência é um ego fraco e impotente. Mas pessoas fracas só 
podem admirar pessoas fortes representadas pelas celebridades ... e isto não tem mais fim. Este 
círculo vicioso produziria uma relação psicológica de identificação paradoxal: por um lado, o 
amor e a admiração pelas celebridades e, ao mesmo tempo, ressentimento e ódio inconscientes 
porque o indivíduo sabe que jamais será igual ao ídolo. Ele é apenas mais um, perdido numa 
massa sem rosto, mais um a admirar o ídolo. 
 
Esta relação dual amor/ódio pode muito ser bem identificada no caso do assassinato de John 
Lennon em 1980. Seu fã, Mark Chappman, foi o assassino. Em declarações posteriores dadas à 
imprensa ele explicou a motivação do crime: “Eu apenas queria encontrar um modo de ser alguém 
que não sou. De ser amado”19 Como fã, nutria esta relação dual. Como mais um na multidão 
solitária, ele amava não John Lennon real mas a sua celebridade. Para este “Zé ninguém” a 
 
18 ADORNO, T & HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento, pp. 136-137. 
19 “El asesino de Lennon quiere ser libre” in: BBC Mundo, 
http://www.bbc.co.uk/spanish/news/news000926lennon.shtml 
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“celebridade” nada mais significava do que a possibilidade de ser amado e admirado, 
possibilidade escassa numa sociedade de indivíduos atomizados e com relações sociais frouxas. 
 
Adorno aponta para a perigosa tendência social que este tipo de coisa conduz: a “frieza”. 
Indivíduos mal amados, solitários, numa situação que sabem não poder ser mudada, vão descontar 
a sua dor no outro: 
 
“Aquele que é duro contra si mesmo adquire o direito de sê-lo contra os demais e se 
vinga da dor que não teve a liberdade de demonstrar, que precisou reprimir.”20 
 
Este é o princípio da gestação de uma configuração totalitária nas relações humanas: o fascismo. 
Indivíduos frustrados e ressentidos, dentro de uma situação que, sabem, não pode ser mudada e, 
assim, condenados à resignação, passam a descontar no outro a sua dor. É o início de uma espécie 
de “correia de transmissão” que impulsiona o autoritarismo e indiferença na sociedade. Podemos 
descrever essa dinâmica da seguinte forma: o chefe da empresa admira o Füher exposto 
massivamente pelo rádio e cinema. Frustrado por saber que jamais deixará de ser o que é (mais um 
admirador de Hitler na multidão solitária) desconta sua dor ao destratar e humilhar seu 
subordinado na empresa, um assalariado chefe de família. Este, humilhado e frustrado, volta para 
casa e também desconta na sua esposa com brigas e humilhações. Por sua vez, a esposa se vinga 
nos filhos com arbitrariedades e surras. Os filhos, sem a presença dos pais e, por isso, expostos a 
maior parte do dia aos meios de comunicação de massas, vão idolatrar o Füher pop star. E fecha-
se o ciclo que se retro-alimenta continuamente. Veja o esquema abaixo: 
Füher
Chefe
Pai
Mãe
Filhos
 
 
Aqui retornamos ao tema do sado-masoquismo das massas explorado pelos meios de 
comunicação. A Teoria Crítica faz dessa maneira um diagnóstico sombrio: o nazi-fascismo foi 
muito mais do que um acidente de percurso na História. Na verdade foi o resultado das profundas 
transformações que o capitalismo e a sociedade sofreram dentro do século XX, transformações 
estas que se aglutinaram nos modernos meios de comunicação de massas. Para os frankfurtianos, o 
 
20 ADORNO, T. “Educação após Auschwitz”, in: COHN, Gabriel (org.), Op. Cit., p. 39. 
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fenômeno do sucesso da propaganda nazista diz menos sobre o período histórico naquela época e 
muito mais sobre a própria essência dos meios de comunicação contemporâneos. A exploração do 
sado-masoquismo, a criação da frustração generalizada nos receptores e fetichização dos desejos é 
a essênciada indústria cultural em todas as épocas. 
 
 
5. O conceito de Indústria Cultural 
 
 
 
ara a Escola de Frankfurt, o conceito de “meio de comunicação de massas” é muito 
limitado, pois se restringe a uma idéia ainda democrática sobre a mídia: a reprodução em 
massa conduziria a uma democratização do acesso da cultura para as massas. Já vimos que 
para a Teoria Crítica isso pode ser até real, mas há uma séria perda porque nesse processo a 
cultura transforma-se em algo dessublimado e ideológico. Por isso, precisavam de um conceito 
mais abrangente que incorporasse não somente a mídia no seu sentido tecnológico, mas também a 
própria estrutura de lazer da sociedade. Indústria Cultural, portanto, deve ser considerado muito 
mais do que os meios de comunicação, ou seja, ela é a própria organização sistemática, científica e 
padronizada do tempo livre das pessoas. 
 
Cabe aqui discorrer um pouco sobre estas idéias de “tempo livre” e “lazer”, procurando diferenciá-
las. O surgimento do tempo livre foi uma conquista dos trabalhadores no capitalismo. Como 
descreve a História, o início da Revolução Industrial no século XVIII mostrou o capitalismo em 
toda a sua dureza e crueldade: a inexistência dos direitos trabalhistas ou sindicatos, jornadas 
diárias de mais de 15 horas de trabalho, trabalho infantil, operários morrendo sobre as próprias 
máquinas ... O tempo que restava era somente dedicado à renovação precária das forças para 
voltar ao trabalho no dia seguinte. Inexistia a idéia de tempo livre, ou seja, um tempo fora do julgo 
disciplinar do capital e do patrão, onde a pessoa poderia dispor livremente da própria vida. 
 
Com o avanço do sindicalismo, as revoluções tecnológicas na virada dos séculos XIX para o XX e 
o crescimento da produtividade na sociedade industrial, a jornada de trabalho é reduzida 
drasticamente, chegando à chamada “jornada inglesa” (oito horas diárias de trabalho). É o 
aparecimento do tempo livre para as pessoas. Mas isso trouxe um inesperado problema para a 
disciplina industrial: chefes e patrões perceberam que os empregados se tornavam cada vez mais 
arredios, indisciplinados e contestadores. Após o tempo livre, os trabalhadores voltavam 
renovados: a conquista de um tempo totalmente fora da rotina mecânica da disciplina do trabalho, 
das ordens do chefe e do relógio-ponto, mostrou que havia um outro mundo, onde a pessoa podia 
ser autônoma e dispor livremente do próprio tempo. Não era à toa que os empregados voltassem 
cada vez mais arredios ao mundo do trabalho. O crescimento do tempo livre demonstrava um 
potencial politicamente subversivo ao sistema. 
 
Portanto, era necessário que a disciplina fosse para além do trabalho, deveria também invadir o 
próprio tempo livre para fazer os indivíduos retornarem mais dóceis às linhas de montagem ao 
perceberem a inevitabilidade da ditadura do tempo imposto pelo capital. Herbert Marcuse 
apontava que o mundo do trabalho é dominado pelo chamado “princípio do desempenho” 
(eficácia, produtividade, performance e competitividade) que se opõe ao princípio do prazer do 
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tempo livre. Governada pelo princípio do desempenho, o capitalismo deve impor tal controle ao 
tempo livre evitando, assim, que o indivíduo livre no ócio arrase o “ego da realidade”: 
 
“A partir do dia de trabalho, a alienação e a arregimentação se alastram para o tempo 
livre. O controle básico do tempo de ócio é realizado pela própria duração do tempo de 
trabalho, pela rotina fatigante e mecânica do trabalho alienado, o que requer que o 
lazer seja um relaxamento passivo e uma recuperação de energias para o trabalho. Só 
quando se atingiu o mais recente estágio da civilização industrial, quando o 
crescimento da produtividade ameaça superar os limites fixados pela dominação 
repressiva, a técnica de manipulação das massas criou então uma indústria de 
entretenimentos, a qual controle diretamente o tempo de lazer, ou o Estado chamou a 
si diretamente a execução de tal controle. Não se pode deixar o indivíduo sozinho, 
entregue a si próprio. Pois se tal acontecesse, com o apoio de uma inteligência livre e 
consciente das potencialidades de libertação da realidade da repressão, a energia 
libidinal do indivíduo, gerada pelo id, lançar-se-ia contra as suas cada vez mais 
extrínsecas limitações e esforçar-se-ia por abranger cada vez mais vasta área de 
relações existenciais, assim arrasando o ego da realidade e seus desempenhos 
repressivos”21 
 
Diante desse perigo de no interior do capitalismo surgirem esferas de tempo livre cada vez mais 
amplas, é inventado o “tempo de lazer” administrado e planejado pela Indústria Cultural. As 
origens dessa indústria de entretenimento podem estar localizadas na estratégia das fábricas 
criarem grêmios desportivos, clubes de campo, campeonatos esportivos internos, etc para fazer os 
operários ocuparem produtivamente este tempo de lazer, isto é, um tempo livre filtrado pela 
censura de conteúdo imposta pela cúpula empresarial. Mas isto ainda era muito primário. É na 
sociedade de consumo que esse controle realiza-se de modo mais sutil, na transformação do 
próprio tempo livre em mercadoria a ser adquirida pelo indivíduo. 
 
O tempo livre transformado em “lazer” ou “hobby” pela Indústria Cultural tem um duplo aspecto 
para ser analisado: a transformação do tempo livre em mercadoria e a submissão do tempo ocioso 
do lazer ao princípio do desempenho. 
 
Peguemos o exemplo da praia. Submetida à liberdade organizada, a praia deixa de ser um lugar de 
fruição espontânea do tempo para ser submetida ao fetichismo da mercadoria. Como observou 
Adorno em uma oportunidade22, o bronzeado do corpo de torna um fetiche, um fim em si mesmo. 
Não basta ir apenas à praia, é necessário adquirir um bronzeado ótimo, uma performance ideal 
para que o bronzeado seja o testemunho de que suas férias foram excelentes. Se você voltar ao 
trabalho sem a cor obrigatória pode ficar seguro que algum colega fará uma pergunta mordaz: 
“Mas o quê você fez nas suas férias?”. Isso sem falar dos controles sociais complementares: 
indústria de cosméticos, tratamentos estéticos, consultas dermatológicas, etc. O corpo que deveria 
proporcionar prazer é atrelado a uma disciplina que implica em gastos financeiros e atrelamento 
do indivíduo ao sistema econômico que gostaria de escapar. 
 
 
21 MARCUSE, Herbert, Eros e Civilização, R. de Janeiro, Zahar Editores, 1981, p. 60. 
22 Veja ADORNO, T. “Tiempo Libre”, in: Consignas, Buenos Aires, Amorrortu Editores, 1973 
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Indo mais além, enquanto no mundo do trabalho os processos utilizados para mensuração do 
tempo, divisão e organização geral do trabalho resultam em movimentos monótonos e repetitivos 
(algo semelhante ao trabalho maquinal feito pelo personagem de Charles Chaplin no filme Tempos 
Modernos), o lazer, em muitos aspectos repete este mesmo princípio. Academias de musculação 
onde indivíduos repetem até quase morrer os mesmos movimentos; programas populares de 
perguntas e respostas concorrendo a prêmios milionários onde nos divertimos vendo pessoas 
passando situações análogas as que vivemos no nosso dia-a-dia de trabalho: correndo contra o 
cronômetro para apertar o botão e ganhar a bolada milionária. 
 
A Indústria Cultural elimina a distância entre as imagens e a vida 
cotidiana. Não vemos na TV algo que transcenda (ou sublime) a 
cinzenta vida cotidiana, mas assistimos a banalização e a 
confirmação do que sempre foi. Em programas populares como no 
quadro Topa Tudo por Dinheiro do apresentador Silvio Santos 
mostram-se transeuntes ocasionais que, diante do repórter do

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