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Apostila Chemin

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PROCESSO PENAL I 
RODRIGO REGNIER CHEMIM GUIMARÃES 
2018/1 
TEORIAS QUE JUSTIFICAM O DIREITO PENAL 
TEORIA DO GARANTISMO PENAL 
Garantias ao cidadão em relação ao poder estatal. Não deve haver crime sem 
prévia previsão em lei, e outras. O direito penal é usado para proteger o réu e a vítima, 
assim como o processo penal. 
Antes da Revolução Francesa a pena era usada para punir. Mais tarde, foram 
criadas teorias relativistas, que pensam a pena não como retribuição, mas como 
prevenção (prevenção geral para toda a população e prevenção especial direcionada a 
pessoa que praticou o delito). Ambas as correntes se dividem em prevenção positiva e 
prevenção negativa. 
- Prevenção especial positiva: trata-se de preservar a vida do sujeito quando 
este for punido. Deve se fazer sempre presente na população a importância de 
preservar determinados bens jurídicos, reforçando valores positivos na convivência 
social; consiste em punir o sujeito para que a pessoa melhore, num sentido de 
ressocialização. 
- Prevenção especial negativa: trata-se de punir como uma forma de exemplo, 
fazendo com que os demais tenham medo de realizar dada conduta. Tal prevenção é 
feita diretamente para a pessoa e adquire um sentido de isolar e neutralizar o sujeito 
através da prisão. 
Dependendo do contexto, se da mais ênfase em uma ou outra justificativa. 
 
TEORIA AGNÓSTICA DA PENA 
Não chega a ser uma teoria abolicionista propriamente dita. Parte-se do princípio 
de que a ideia de punir alguém é inata a qualquer ser humano; com isso, a punição é 
inevitável. O Direito Penal possui como única função ser um instrumento para conter o 
poder punitivo (positivo) e tudo aquilo que expanda tal punição é algo negativo. 
 Para essa teoria, a prevenção é um método falho, pois as pessoas continuam a 
praticar crimes. Para Zaffaroni, a prevenção não atua para uma pessoa específica, mas 
sim em relação a outras pessoas que deixam de praticar determinada conduta por temer 
sua pena. 
 Prescrição retroativa da pena 
Estado de Direito 
Liberal 
Estado de Direito 
Social 
Estado de Direito Democrático 
Proibição de excesso 
Proibição de proteção 
insuficiente 
Proibição de excesso + 
proibição de proteção 
insuficiente 
 
 Durante o Estado de Direito Liberal, vigora a proibição de excesso – é proibido 
exercer o poder de forma excessiva. O Estado Liberal faz com que o detentor de capital 
explore cada vez mais a mão-de-obra do trabalhador, sem a intervenção do Estado em 
relação à economia. Como resultado, a classe mais pobre é explorada exaustivamente. 
 O Estado de Direito Social é pautado na proibição de proteção insuficiente. Cria-
se a ideia de necessidade de proteção estatal a fim de impedir a exploração. O sucesso 
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desse modelo é responsável por promover a criação de ditaduras, achatando as 
minorias. 
 Já no Estado de Direito Democrático, a vontade da maioria prevalece, mas desde 
que sejam preservados os direitos das minorias. Aqui há um aproveitamento dos ideais 
do Estado de Direito Liberal e do Estado de Direito Social, criando-se uma dupla 
personalidade, fazendo tanto que o Estado não se exceda quanto que ele seja efetivo 
na proteção suficiente dos cidadãos. A CF/88 foi criada com essa base. 
 
Doutrina tradicional: 
- Fernando da Costa Tourinho Filho 
- Mirabete 
Doutrina moderna: 
- Aury Lopes Junior (garantismo penal) 
- Pachelli (garantismo penal e funcionalismo) 
- Renato Brasileiro de Lima (teoria agnóstica da pena) 
 
DIREITO MATERIAL PENAL x 
DIREITO PROCESSUAL PENAL 
 
 
A maneira de interpretar uma norma no direito penal material difere-se do método 
de aplicação no processo penal. Para a interpretação, portanto, é essencial identificar 
se a norma é material ou processual. 
Existem, além da doutrina de Jorge de Figueiredo Dias, outros critérios de 
análise (norma processual x norma material), encabeçados pelos seguintes 
doutrinadores: 
 
Luiz Flávio Gomez 
 Regras processuais cujo conteúdo toque em direitos [material] e garantias 
[processual] no cidadão, previstos no art. 5º da CF, possuem conteúdo material. O 
critério de Flávio Gomez possui um erro prático. A ampla defesa, por exemplo, é uma 
garantia, fazendo parte do direito processual, não do direito material. 
 
Aury 
 Toda a regra de processo possui conteúdo material. Portanto, a análise de 
qualquer norma deve levar em consideração o critério material, que consiste na 
ponderação daquilo que for mais benéfico ao réu. 
 
O direito material está preocupado em selecionar condutas e torná-las 
ilícitas, criando sanções. Pertence ao direito material a regra que tutela sobre: 
- a valoração de uma conduta; 
- a punibilidade de uma conduta; 
- excludentes de ilicitude; 
O direito penal só se realiza através do processo, que consiste num ritual 
de sequência pré ordenada de atos. Preocupa-se com a existência ou inexistência 
de atos, tanto fisicamente quanto juridicamente. Para existir juridicamente, é 
necessário que o rito seja orientado por uma autoridade competente. Junto a isso, 
discute-se a validade ou não validade dos atos. 
 Conforme doutrina de Jorge de Figueiredo Dias 
 
 
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 Visualizando as teorias na prática através do exemplo de modificação de rito 
processual penal: 
 
RITO PROCESSUAL ANTIGO RITO PROCESSUAL NOVO 
- MP oferece a denúncia (palavra técnica 
de protocolizar a petição inicial); 
- Juiz decide receber a denúncia; 
- Recebida a denúncia, juiz determina a 
citação do acusado; 
- Interrogatório do réu (primeiro ato de 
instrução); 
- Defesa prévia técnica; 
- Audiência de inquirição de testemunhas 
arroladas pelo MP; 
- Audiência de inquirição de testemunhas 
arroladas pelo advogado de defesa; 
- Diligências; 
- Alegações finais; 
- Sentença; 
 
- MP oferece denúncia; 
- Juiz decide receber a denúncia; 
- Recebida a denúncia, juiz determina a 
citação do réu; 
- Resposta técnica do réu; 
- Possibilidade do juiz absolver 
sumariamente o réu; 
- Audiência de instrução e julgamento 
(única); nela: 
- São ouvidas as testemunhas 
arroladas pelo MP e pela defesa, 
junto à interrogação do réu (após 
as provas testemunhais); 
- Possibilidade de requerer 
diligências complementares; 
- Alegações finais orais; 
- Sentença no ato. 
 
 
 O legislador modifica a regra com o objetivo de aumentar a ampla defesa do réu, 
sendo essa, por consequência, uma norma mais benéfica ao réu. 
Para Luiz Flávio, o novo rito, por tratar de uma garantia constitucional, retroagirá, 
inclusive desconstruindo coisa julgada. Para Aury, por não haver diferença entre norma 
material e norma processual e tendo em vista que o novo rito é mais benéfico ao réu, a 
norma retroagirá. Desse modo, todos os processos existentes seriam desconstruídos, 
de forma que tais critérios são limitados e não funcionam na prática. 
 
PRINCÍPIO DA IMEDIATIDADE E DA IRRETROATIVIDADE: (sucessão de normas no 
tempo) disposto no art. 2º, CCP: “A lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem 
prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior”. 
No processo penal, não se considera se a nova lei é mais ou menos benéfica ao 
réu. Novas normas processuais são aplicadas imediatamente, não prejudicando 
decisões anteriores. 
Até 1993, por exemplo, era possível valorar o direito ao silêncio. Depois disso, o 
juiz não mais poderia relacionar o silêncio com consentimento. O que foi feito até 1993, 
continua válido, não podendo ser refeito. Se, depois disso, o juiz ainda valorasse o 
silêncio, esse ato seria considerado nulo. 
 
» Regra de conteúdo misto ou variável: existem regras que dispõe tanto sobre 
o direito material, quanto sobre o direito processual. O critério de interpretação dessas 
normas foi consolidado pelo STJ. 
 - Manter a unidade do dispositivo:inicialmente, a regra não pode ser dividida, 
tendo em vista que isso daria muito poder ao juiz. 
 - Preferência a parcela de direito penal material: 
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 - O processo penal é mero acessório: analisa-se a parte da norma que trata sobre 
direito penal material, ou seja, o processo penal é considerado um mero acessório. Se 
a norma foi mais benéfica ao réu, ela retroage. Se for menos benéfica em comparação 
a legislação vigente, a norma só passará a valer para novos crimes. 
 
 
 
 
 
 
 
 Exemplo: 
 Antigamente, o réu que não comparecia à audiência, tendo sido citado por edital 
(citação ficta), este seria consequentemente considerado revel. Sua defesa ficaria à 
mercê de um advogado que não o conhecia e, como resultado, seria possível que ele 
fosse condenado e mais tarde preso, sem nunca ter tido conhecimento da existência do 
processo. 
Hoje, essa situação foi modificada e encontra-se no art. 366, CPP: “Se o 
acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos 
o processo e o curso do prazo prescricional [direito material], podendo o juiz determinar 
a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar 
prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312”. 
 Nesse caso, a interrupção do prazo prescricional é 
desfavorável ao réu. Por causa disso, o art. 366 não será 
utilizado no processo que está correndo. 
 
 Regra processual com conteúdo material: art. 313, CPP: “Nos termos do art. 
312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: I - nos crimes 
dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos”. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Situação na qual a norma é processual, mas tem como base o direito material. 
A prisão preventiva tinha como critério a reclusão; as punições por detenção não 
poderiam se sujeitar à prisão preventiva. Atualmente, o critério é a pena máxima 
superior a 4 anos. 
 Conforme os autores de doutrina mais tradicional, se a regra é de processo, 
consequentemente se aplica o princípio da irretroatividade e da imediatidade. Por outro 
lado, a doutrina mais moderna considera o direito material, levando-se em conta o 
mesmo critério do direito penal material, analisando se a regra é mais benéfica ou 
menos benéfica ao réu. Se for menos benéfica, a regra nova passa a valer somente nos 
novos crimes e processos, não sendo aplicada nos processos em curso. Se a nova 
norma for mais benéfica, ela retroage. 
Direito Penal 
Processual 
D.
P. 
Direito Direito 
Penal Penal
 Proces. 
Detenção – semi-aberto ou 
aberto 
Reclusão – fechado 
 
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 Majoritariamente, a jurisprudência se filia à corrente mais moderna. Portanto, nas 
regras processuais com conteúdo material considera-se o direito material, sendo 
necessária a ponderação daquilo que é mais benéfico ao réu. 
 
Art. 1º, CPP: “O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por 
este Código, ressalvados: 
 I - os tratados, as convenções e regras de direito 
internacional; - a audiência de custódia, por exemplo, não 
está positivada no Código ou em qualquer outra legislação 
brasileira. Prevalecem quando o ordenamento jurídico se 
omite em relação a alguma coisa ou quando existe uma 
contradição Brasil-tratado. 
 II - as prerrogativas constitucionais do Presidente da 
República, dos ministros de Estado, nos crimes conexos 
com os do Presidente da República, e dos ministros do 
Supremo Tribunal Federal, nos crimes de 
responsabilidade; - rito especial de processo de 
impeachment; infração mais política do que penal. A 
iniciativa do processo é popular. 
 III - os processos da competência da Justiça Militar; - 
utiliza-se o Código de Processo Penal Militar. 
 IV - os processos da competência do tribunal 
especial; - não existe mais aplicação prática; ideia da 
Constituição de 1937. 
 V - os processos por crimes de imprensa – utiliza-se 
a lei que regulamente ritos especiais; o CPP é aplicado 
subsidiariamente naquilo em que não houver contradição”. 
 O art. 1º do Código de Processo Penal traz consigo 
um dos principais objetivos por trás de sua criação: a 
necessidade de unificar normas processuais penais. 
Existem, porém, situações nas quais o Código não 
prevalecerá. 
Art. 3º, CPP: “A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e 
aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de 
direito”. 
INTERPRETAÇÃO QUANTO AO ALCANCE DA NORMA: 
- DECLARATIVA: (maioria) tipo de norma que é clara, expressa. Exemplo: normas 
que tratam sobre competência. 
- EXTENSIVA: situação em que a regra tutela somente um tema; pode existir na 
prática outra situação muito parecida (ou idêntica) com o tema tutelado pela regra. 
Assim, utiliza-se a regra já existente para interpretar a outra, estendendo o alcance da 
primeira. Exemplo: 
Art. 581, I, CPP: “Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou 
sentença que não receber a denúncia ou queixa”. 
Muitas vezes, o promotor oferece a denúncia a partir das investigações feitas, 
como a utilização do inquérito policial. Pode acontecer do MP não ter obtido informações 
a respeito de um dos réus, apesar de ter conhecimento da participação de outro 
indivíduo. Durante o processo, o MP poderá identificar o segundo réu, realizando o 
RELEMBRANDO O RITO PROCESSUAL 
PENAL: 
- MP oferece denúncia ou a parte 
oferece queixa, quando cabível: deve 
observar as condições da ação para que 
seja protocolada a petição inicial. Devem 
ser observados os pressupostos de 
validade (forma da petição inicial). 
 - Juiz decide receber a denúncia 
(dando início ao rito processual); caso ele 
recusar a denúncia, existe possibilidade de 
imposição de recurso no TJ. 
 - Recebida a denúncia, juiz 
determina a citação do réu; 
 - Resposta técnica do réu; 
 - Possibilidade do juiz absolver 
sumariamente o réu; 
 - Audiência de instrução e 
julgamento (única); nela: 
- São ouvidas as 
testemunhas arroladas pelo MP e 
pela defesa, junto ao 
interrogatório do réu (após as 
provas testemunhais); 
 - Possibilidade de 
requerer diligências complementares; 
 - Alegações finais orais; 
 - Sentença no ato. 
 
 
 
 
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“aditamento à denúncia”, que consiste em adicionar uma petição no processo em curso. 
O aditamento pode ser recebido pelo juiz ou não. 
Apesar de não estar explícito no artigo que cabe recurso à rejeição ao 
aditamento à denúncia, é majoritariamente aceito pela doutrina que o recurso também 
cabe nessa situação, através da ampliação do alcance da norma. 
 
- RESTRITIVA: situação em que ocorre a restrição do alcance da norma, pois o legislador 
disse mais do que deveria ser dito. Exemplo: 
 Art. 312, CPP: “A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da 
ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para 
assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício 
suficiente de autoria”. 
 A “garantia da ordem pública” é uma expressão que pode ser diferentemente 
interpretada por cada doutrinador, podendo inclusive valer-se para qualquer caso, 
contrariando a presunção de inocência. Nesse caso, devem ser harmonizadas tanto a 
garantia da ordem pública quando a presunção de inocência, sendo que esse último 
princípio deve prevalecer. 
 Por causa disso, não são todos os casos que permitem que a prisão preventiva 
seja declarada como garantia de ordem pública, diferentemente do que dispõe Mirabete, 
doutrinador que defende a interpretação extensiva da “garantia da ordem pública”. 
Somado a isso, existe também uma necessidade de confiançaem relação ao próximo, 
às instituições e à própria democracia. 
 Para Auri, a prisão preventiva não pode ser decretada como garantia da ordem 
pública por ser considerada inconstitucional. 
 A jurisprudência dominante entende como razoável que exista uma decisão 
definindo a prisão preventiva motivada pela garantia da ordem pública apenas por uma 
hipótese. É o que acontece quando, no caso concreto, houver um documento probatório 
mostrando que, em liberdade, o sujeito encontra os mesmos estímulos, sendo possível 
que ele volte a cometer crimes. A providência a ser tomada nos casos em que existe 
uma demonstração concreta de que o comportamento será reiterado é a prisão 
preventiva. Entende-se que essa é uma maneira de garantir a ordem pública, ainda que 
o réu seja primário e presumidamente inocente. 
 
 O método utilizado para saber quando a interpretação deve ser extensiva ou 
restritiva não é definido com propriedade pelo Código Penal. O Direito Penal faz uso do 
Código Canônico da Igreja Católica, o qual dispõe que toda vez que existir uma regra 
que regulamenta um direito, tal norma poderá ser interpretada extensivamente. Porém, 
se a regra estiver limitando um direito, a interpretação deve ser restritiva. 
APLICAÇÃO ANALÓGICA 
Na interpretação extensiva, a norma existe e é estendida. No caso da aplicação 
analógica, não existe regra específica, mas sim uma lacuna. Exemplo de utilização de 
aplicação analógica: 
 - Revisão criminal – utilizada quando já existe uma coisa julgada e surge uma 
prova nova, capaz de desconstituir a sentença condenatória. 
Conforme a lei, a ação de revisão criminal necessita de uma prova testemunhal 
pré constituída, devendo ser feita com a presença das partes e do juiz, ou seja, tornando 
possível a judicialidade e contraditório. Porém, não é possível marcar nova audiência, 
por exemplo, tendo em vista que já existe coisa julgada. 
 Para que deixe de existir tal lacuna, o Direito Penal faz uso do processo civil, 
propondo um processo de justificação, no qual serão analisados tão somente os 
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depoimentos, provas testemunhais, sem a valoração destes. O juiz que preside a 
justificação apenas analisa se estiveram presentes as formalidades necessárias pelo 
contraditório. Com isso, a parte poderá anexar na revisão criminal a prova que se torna 
“pré constituída”. 
PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO 
 Para compreender a que o art. 3º se refere com “princípios gerais do Direito” é 
necessário conhecer a evolução histórica do Direito. 
 
 
 
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO 
 
Positivismo exegético 
Após a Revolução Francesa, surge a ideia de que o juiz é um sujeito imparcial. 
Com isso, o juiz não seguiria a vontade do rei, mas sim a vontade popular, que estaria 
refletida na lei. Vende-se o discurso de neutralidade judicial. O juiz torna-se a “boca da 
lei”, pois ele limita-se à lei, não podendo ultrapassá-la. A única forma de interpretação 
admitida nesse contexto era a gramatical. 
 Tal interpretação única, porém, é muito pobre, pois o legislador é incapaz de 
determinar todas as questões casuísticas que podem acontecer na prática. Passa a 
existir uma necessidade de criar-se novas formas de interpretação. 
 
Escola Histórica Savigny (séc. XIX) 
 Cria-se uma nova ferramenta para interpretação do Direito, baseada 
principalmente no direito romano. Busca-se uma forma de contenção que resgate o 
sentido histórico do Direito. 
 Nasce aqui, além da interpretação histórica, uma interpretação sistemática, 
tendo em vista que o séc. XIX foi marcado pela pretensão de construção de verdades 
absolutas. Para tanto, é necessário identificar uma ideia fundante, pensada à priori, e 
um princípio unificador. Uma regra não poderia ser aplicada se nela inexistisse a ideia 
fundante ou o princípio unificador. 
 Abre-se, na verdade, um leque de possibilidades interpretativas: interpretação 
lógica, direito comparado (comparações entre as legislações alemãs). 
 
Ihering 
 Surge a interpretação teleogólica – análise do sentido da norma, o motivo pelo 
qual ela foi criada. 
 
Escola do Direito livre (séc. XIX) 
 Surge a ideia de invocar os princípios gerais do Direito, como um resgate ao 
jusnaturalismo (justiça, liberdade, igualdade, etc.). Boa parte desses princípios 
encontra-se positivados, inclusive na Constituição. A ideia de justiça, porém, é oscilante, 
dependendo da ideologia de cada indivíduo. 
 Por causa disso, os valores pessoais passam a ser utilizados como forma de 
interpretação, tornando as decisões judiciais arbitrárias, 
extremamente abertas. É o que aparece no art. 3º, CPP - 
o suprassumo de ausência de segurança jurídica. 
 
Diante de uma diversidade de métodos 
interpretativos, surgem situações em que o mesmo caso, 
 
PANPRICIPIOLOGISMO À BRASILEIRA 
Fenômeno surgido no Brasil; crença 
de que a doutrina pode criar 
princípios a torto e a direito. 
 
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interpretado por um juiz de uma maneira, terá um resultado diverso se interpretado por 
outro juiz. A mesma regra interpretada com técnicas diversas levará a diferentes 
resultados. 
 
› DISCRICIONARIEDADE DO INTÉRPRETE 
Tentativa de diminuir o poder de decisão do juiz, ampliado pela Escola do Direito livre; 
até onde vai a possibilidade de decisão do intérprete. 
1. Kelsen - Teoria Pura do Direito (séc. XX) – positivismo normativista: 
tentativa de desconectar o Direito da moral. Construção do Direito a partir de um modelo 
científico, sem a utilização da moral. Criação da estrutura piramidal do ordenamento, 
fazendo com que não fosse possível ultrapassar o limite da estrutura normativa. 
Entretanto, ele não foi capaz de afastar a moral por completo, pois: a) não explicou 
totalmente a norma fundamental; b) soluciona o problema das lacunas existentes na 
legislação com “a vontade do juiz”. Em termos de controle do intérprete, a Teoria Pura 
do Direito falhou ao continuar abrindo muito espaço ao juiz. 
 
2. Dworkin (common law) – o juiz deve atuar como se estivesse escrevendo 
um “romance em cadeia”. A metáfora indica que cada capítulo do livro é escrito por um 
autor diferente, sem desconsiderar os capítulos anteriores. Deve ser mantida, portanto, 
coerência e integridade. Desse modo, o juiz deve levar em consideração as decisões 
anteriores (precedentes) em relação ao tema para decidir sua demanda. Além disso, 
sua decisão precisa ser reaplicada quando a mesma particularidade aparecer, ou seja, 
deve ser construída para uma possível aplicação futura. Leva-se em conta, portanto, o 
histórico de precedentes. 
 
3. Robert Alexy – Teoria da Argumentação Jurídica: para ele, a forma de 
interpretação é diferente para casos fáceis e casos difíceis. Casos fáceis não exigem 
um esforço de buscar interpretação em um princípio; a regra é aplicada em subsunção 
ao caso concreto. Em casos difíceis, a regra não basta, sendo necessária a utilização 
de princípios. A própria escolha entre “caso fácil” ou “caso difícil” já é uma 
discricionariedade por si só. 
Entretanto, seu método interpretativo é falho, pois o intérprete pode considerar 
um caso fácil como “difícil” e vice versa. A utilização do princípio orientador pode 
modificar a decisão por completo. 
A colisão entre princípios, segundo Alexy, é solucionada através da 
‘proporcionalidade em sentido estrito’, a qual consiste em uma ponderação, 
considerando qual dos dois possui mais peso. 
Além disso, existe um problema adicional da teoria alemã, se aplicada no Brasil. 
Aqui, devido a uma falha interpretação do doutrinador, criou-se a ideia de que de todo 
princípio surge uma colisão que necessita de proporcionalidade em sentido estrito. Má 
recepção da teoria de Alexy. 
Para Alexy, princípio é “um mandamento de otimização”, tornando a regra o mais 
ótima possível. Esseconceito é responsável por aumentar a discricionariedade do 
intérprete. Princípio não deixa, porém, de ser norma, sendo considerado deontológico 
(dever ser). Nem tudo aquilo que é denominado princípio de fato o é, pois falta 
normatividade, como é o caso do princípio da felicidade – a felicidade é um estado de 
espírito momentâneo e não possui caráter normativo. Art. 156, CPP: ônus da prova. 
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4. Lenio Streck – Crítica Hermenêutica do Direito: Streck realiza uma fusão 
entre o que prega Dworkin e a filosofia de Heidegger e Gadamer. Para ele, o juiz 
deverá suspender seus pré-conceitos, esperando que a lei lhe diga algo. Ele não pode 
impor conceitos nem permitir que a moral direcione sua interpretação. Deve-se ter 
como base que as palavras presentes no texto legal já possuem seu significado 
próprio, suas limitações semânticas. O problema dessa teoria é sua desconsideração 
a respeito da psicologia humana, da psique – nem sempre o sujeito sabe e identifica 
seus pré-conceitos, bem como muitas vezes esquece de suspendê-los. 
 
Existe, ainda, a questão biológica do intérprete. Pesquisa com juízes israelenses 
concluiu que, antes do almoço, havia mais condenações e, se a decisão ocorria após o 
almoço, existiam menos condenações. 
 Deve-se considerar, inclusive, o número excessivo de demandas para decisões. 
 
PRINCÍPIOS DO DIREITO PROCESSUAL PENAL 
 DEVIDO PROCESSO LEGAL 
» Heidegger: (relação sujeito-sujeito) é autor da obra “Ser e Tempo” e inovou no método 
de estudar o ser, através da separação do ser com o ente e sua estruturação com a linguagem. 
Sua filosofia parte do incômodo de se estudar o homem como objeto. Para ele, o homem não é 
um ente, não é a soma de todos os seus órgãos e tecidos, mas sim um ser – há um ser que se 
apresenta independente do ente: “o homem é um ser-no-mundo”. 
Quando nasce, o homem é jogado no mundo pré-existente, em uma determinada facticidade 
conforme o local de seu nascimento; é como descer de um trem em movimento. Dentro dessa 
finitude, não é possível que o homem crie um mundo só seu; ele se adapta ao mundo em que 
se encontra. É o que acontece com a linguagem, que é estruturante em sua relação com o 
mundo – linguagem como condição de possibilidade de compreensão desse mundo e é dada 
de forma compartilhada de seu sentido. Porém, a linguagem é limitada. 
A pré-compreensão difere-se de pré-conceito. A pré-compreensão é a linguagem compartilhada, 
sendo a base do sujeito para entender o mundo – “A linguagem é a casa do ser. Nela habita o 
homem como ente. Os poetas e escritores são os guardiões dessa morada”. O pré-conceito tem 
relação com o íntimo de cada um, não sendo compartilhado ou idêntico. 
 
» Gadamer: foi aluno de Heidegger. Desenvolve a aprofunda o estudo de seu professor 
e de Schleiermacher. Até então, a interpretação hermenêutica, segundo os romanos e a Igreja 
Católica, consistia em a) interpretar; b) para compreender; c) e depois aplicar. Para ele, a 
interpretação não ocorre para compreender, mas sim acontece o oposto: se compreende para 
interpretar. Além disso, ele dizia que esses três momentos aconteciam de forma simultânea e 
invertida. 
Segundo Gadamer, um bom hermeneuta identifica seus pré-conceitos e os suspende (no 
sentido de fazer com que eles não influenciem em sua interpretação) e, ao invés de impor algo 
seu ao texto, deve-se esperar que o texto lhe diga algo. É preciso formular as perguntas para 
se obter as respostas, de forma circular, tal como considerava Schleiermacher. Não é certo 
decidir e depois buscar argumentos para fundamentação – o argumento deve vir antes da 
decisão. 
› Schleiermacher: autor do séc. XIX que estuda a hermenêutica de forma circular. 
 
 
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 Aparece inicialmente na 14ª emenda da Constituição americana, como forma de 
buscar impor as dez emendas anteriores. Passou a ser utilizada nos tribunais a fim de 
obrigar a atuação dos estados-membros no sentido de garantir a manutenção dos 
direitos. Surgem à época três formas de interpretação do princípio, sendo: as radicais, 
as intermediárias e as antagônicas. Para as radicais, o princípio tinha um caráter 
obrigatório, com conteúdo de mandamento. É invocada como cláusula de barreira para 
reprimir retrocessos. 
 No Brasil, tal princípio encontra-se consolidado no art. 5º, LIV, CF: “ninguém será 
privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. 
Para parte da doutrina, observar o princípio do devido processo legal é observar 
os demais. Todos os princípios estão relacionados à Teoria Geral do Processo, que é 
sustentada por três pilares: 
 
PRINCÍPIOS DA JURISDIÇÃO 
PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE 
Remete a ideia de igualdade (dar igual tratamento às partes). Desse modo, o juiz 
deve estar longe das partes e manter entre elas uma equidistância, fornecendo iguais 
oportunidades de manifestação, sem privilegiar uma ou outra. 
O princípio da imparcialidade não se confunde com a neutralidade do juiz – ele, 
porém, deve manter um comportamento de neutralidade. O discurso da neutralidade, 
originado no contexto pós Revolução Francesa e sendo vendido como forma de garantir 
o interesse popular, é considerado hoje uma falácia. Isso porque os sujeitos são 
moldados de forma distinta, cada qual com seus pré-conceitos particulares, de modo 
que a neutralidade é inatingível. 
 Diante da ausência natural de neutralidade, o legislador se antecipa e 
regulamenta na lei determinadas hipóteses que, se verificadas de antemão e de maneira 
genérica, demonstram uma atitude parcial do juiz. Tais situações estão dispostas nos 
arts. 252 a 254, CPP: 
Art. 252, CPP – hipóteses de impedimento (situações nas quais o julgamento, 
se proferido, o ato será inexistente): “O juiz não poderá exercer jurisdição no processo 
em que: 
 I - tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim [parentesco por 
afinidade], em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou 
advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito; 
Os três institutos da Teoria Geral do Processo 
 - Ação: é o direito de invocar a tutela do Estado, conforme a 
pretensão de cada sujeito. 
 - Jurisdição: é um poder (“iuris diction”) de dizer o direito. O 
poder do Estado, porém, para ser exercido, precisa de uma 
provocação (ação). 
 - Processo: é o ritual de verificação da pretensão. É o meio 
através do qual, uma vez exercitado o direito de ação, o Estado 
exercerá jurisdição. Trata-se da materialização do direito de ação. 
 
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 II - ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como 
testemunha [situação na qual o juiz é prova de um crime; o mesmo juiz não pode ser 
prova e julgador, simultaneamente]; 
 III - tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de 
direito, sobre a questão [o mesmo juiz não pode revisar a própria decisão]; 
 IV - ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim em linha reta ou 
colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito”. 
 Art. 253, CPP – hipótese de incompatibilidade (situações nas quais o ato 
praticado pelo juiz será nulo): “Nos juízos coletivos [órgão colegiado], não poderão servir 
no mesmo processo os juízes que forem entre si parentes, consanguíneos ou afins, em 
linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive”. Engloba também cônjuges, embora 
não esteja expresso no artigo. O objetivo é evitar situações em que um juiz poderá 
desejar agradar o outro, combinar voto, etc. 
 Art. 254, CPP – hipótese de suspeição (situações nas quais o ato praticado pelo 
juiz será nulo):“O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por 
qualquer das partes: 
 I - se for amigo íntimo [engloba também o namoro] ou inimigo capital de qualquer 
deles; 
 II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a 
processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia; 
 III - se ele, seu cônjuge, ou parente, consanguíneo, ou afim, até o terceiro grau, 
inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por 
qualquer das partes; 
 IV - se tiver aconselhado qualquer das partes; 
 V - se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes; 
 Vl - se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo”. 
 Não é o fato de ter conhecimento pessoal de alguém que gera suspeição. Deve 
ser analisado caso a caso. Ter alguém como amigo no facebook, por exemplo, não é 
garantia de suspeição. 
 O inciso II protege as situações nas quais o juiz pode estar contaminado com a 
tese de outro processo. É o que acontece, por exemplo, quando a tese se baseia no 
princípio da insignificância, defendendo que a conduta não pode ser considerada 
criminosa. 
 O inciso IV está relacionado a conselhos processuais. Acontece, principalmente, 
em Comarcas de interior. 
 Tanto o inciso III quanto o V buscam vedar situações em que a sentença se dará 
para 
PRINCÍPIO DA INÉRCIA 
Conforme o art. 129, CF: “São funções institucionais do Ministério Público 
promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei”. Em situações 
excepcionais, a vítima poderá promover a ação, desde que a ação não seja pública. 
Entretanto, não existem possibilidades nas quais o juiz poderá iniciar um processo por 
iniciativa própria. 
Antes da Constituição de 1988, existiam situações em que o juiz poderá iniciar 
um processo, baixando uma portaria. Tratava-se dos casos de contravenção penal. 
Atualmente, é pacífico por parte da doutrina que o juiz não pode começar um processo 
por iniciativa própria. A autoprovocação não é permitida. 
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Existem, entretanto, controvérsias sobre a possibilidade do juiz ter iniciativas no 
curso do processo. São elas: 
 O juiz poderia, de ofício, determinar uma medida cautelar pessoal ao réu? 
Conforme a lei, mais precisamente o art. 282, §2º, CPP: “As medidas cautelares 
serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso 
da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante 
requerimento do Ministério Público”. Tanto a doutrina quanto a jurisprudência dominante 
entende que sim, o juiz pode determinar uma medida cautelar pessoal, pois assim diz a 
lei. Isso significa que, para eles, o juiz pode decretar a prisão do réu, por exemplo. Para 
a doutrina mais moderna, o entendimento não é homogêneo. 
 O juiz poderia tomar a iniciativa de determinar a produção de uma prova não 
requerida pela parte nem pelo MP? 
Conforme o dispositivo legal, art. 156, CPP: “A prova da alegação incumbirá a 
quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício (...)”. A doutrina tradicional e 
jurisprudência dominante concordam com o disposto em lei. A produção de prova pode 
ser requerida de ofício pelo juiz. Para a doutrina mais moderna, o entendimento não é 
homogêneo. 
 
 O juiz pode direcionar perguntas a uma testemunha arrolada por uma das partes? 
Segundo o art. 212, CPP: “As perguntas serão formuladas pelas partes 
diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, 
não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida. 
Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar 
a inquirição”. A doutrina tradicional, a jurisprudência e parte da doutrina mais moderna 
acredita que o juiz poderá direcionar perguntas às testemunhas. 
 
A INÉRCIA ABSOLUTA 
Parte da doutrina mais moderna acredita que o juiz deve ser absolutamente 
inerte, não podendo agir de ofício em nenhuma situação. O juiz não poderá tomar 
iniciativa durante o processo; ele precisa ser sempre provocado. O raciocínio desse 
entendimento toma como base o doutrinador italiano Franco Cordeiro. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Franco Cordeiro – possui dois manuais: “Procedura Penale” (Processo Penal) e 
“Guida Alla Procedura Penale” (Guia ao Processo Penal). O Guida não possui tradução para 
nenhuma língua e é uma passagem dessa obra que costuma ser utilizada como argumento 
para parte da doutrina moderna, que acredita na inércia absoluta do juiz. Suas obras são 
também muito trabalhosas para serem lidas. 
Cordeiro propõe uma situação na qual o juiz atua sozinho, sem a existência de partes 
ou do contraditório propriamente dito. Esse juiz, atuando solitário e sem constrangimentos 
externos, poderia criar “quadros mentais paranóicos”, decorrência de um primado das 
hipóteses sobre o fato. 
O quadro mental paranóico consiste num recorte mental momentâneo circunstancial. 
É um possível resultado da situação na qual o juiz acredita, com mais intensidade, na hipótese 
criada do que na realidade fática. 
Dentro desse quadro, o juiz tomará suas iniciativas tendo como base suas hipóteses 
criadas a respeito da demanda, selecionando aquilo que poderá afirmar o que ele já pensa e 
afastando aquilo que contrariaria suas convicções. Trata-se de buscar um conforto mental, 
utilizando-se de provas e afins para mostrar que, afinal de contas, o intérprete tinha razão. 
Os juízes não são paranóicos, coisa que chega a ser defendida pela própria doutrina 
brasileira, que erroneamente aplica os entendimentos de Cordeiro. 
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A inércia nem sempre é uma solução para neutralizar os possíveis quadros 
mentais paranóicos. Para essa doutrina, que é mais radical, o juiz não pode nem mesmo 
utilizar-se de mecanismos que busquem o esclarecimento. Se o juiz tiver dúvida, 
recomenda-se que o réu seja absolvido. 
Tal doutrina desconsidera a psique humana, uma vez que acredita que todas as 
vezes que o juiz estiver em dúvida, a consequência será a absolvição. A ideia de in 
dúbio pro réu nem sempre prevalece na prática. É o que demonstra a expressão 
“beyond a reasonable doubt” (além de uma dúvida razoável), responsável por 
reestruturar todo o entendimento a respeito do princípio. 
O juiz também pode criar quadros mentais parafásicos (relacionada a afazia, 
doença de má compreensão da fala). O quando mental metanóico (relacionada ao 
fenômeno da iluminação; utilizada por Jung) só pode acontecer com esclarecimentos. 
Por causa disso, a intervenção do juiz é necessária em alguns casos. A inércia 
absoluta não é sempre uma solução, pois com a inércia o juiz poderá compreender a 
demanda de modo totalmente distinto do pretendido pelas partes. É o que acontece, por 
exemplo, quando uma palavra é utilizada com outro significado no interior. 
A mudança na forma de compreender por parte do juiz pode (e deve) acontecer 
durante a audiência. A ideia da audiência é proporcionar o diálogo, atrasando o 
processo decisório ao máximo. As perguntas, quando realizadas pelo juiz, potencializam 
o contraditório. 
PRINCÍPIO DA UNIDADE DA JURISDIÇÃO 
O poder é outorgado de uma forma única, composto pelos seguintes elementos: 
- “Notio” ou “cognitio” – poder de tomar conhecimento das questões que são 
apresentadas. 
- “Vocatio” – poder de chamamento, convocação (de provas, testemunhas). Chama-
se aquilo que é necessário para instruir o caso. 
- “Coertio” – condução coercitiva nas situações em que a convocação não foi 
suficiente. A condução é feita quando parte não aparece na audiência, por exemplo. 
- “Juditio” – poder de julgar. 
- “Exercitio” – poder de executarsuas decisões. 
A competência é a limitação do exercício do poder. 
- Competência territorial: diante do tamanho do território nacional, faz-se 
necessária a divisão de espaços geográficos nos quais existirá a jurisdição, espaço esse 
que não corresponde obrigatoriamente à divisão dos municípios ou estados. Dá-se o 
nome de Comarca ou Seção para o espaço geográfico. 
- Competência material: dentro do espaço geográfico divide-se também a matéria 
PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL 
Disposto no art. 5º, XXXVII, CF: “não haverá juízo ou tribunal de exceção”. Juízos 
ou tribunais de exceção são aqueles criados após o fato, ou seja, consiste na construção 
de juízo à posteriori, após a existência do crime. Tal situação já aconteceu em 
momentos pós-guerra. Por esse motivo, foi criado o Tribunal Penal Internacional, do 
qual o Brasil é signatário. 
O princípio do juiz natural também abrange a questão do art. 5º, LIII, CF: 
“ninguém será processado ou sentenciado senão pela autoridade competente”. As 
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regras de competência estão espalhadas no ordenamento brasileiro, estando dispostas 
na Constituição Federal, no Código de Processo Penal, nas Constituições Estaduais, 
nas leis estaduais que organizam a Justiça, nas resoluções do Tribunal. 
Conforme Figueiredo Dias, “juiz natural é um juiz com competência previamente 
estabelecida em lei em relação ao fato que irá julgar”. A criação de competências 
através de resolução mostra que o princípio do juiz natural é mitigado no Brasil. O 
alcance desse princípio é limitado tão somente pelas regras de âmbito constitucional. 
Não há violação do princípio do juiz natural quando se cria regras infraconstitucionais 
ou por resoluções. 
A alteração de regras de competência facilita a manipulação, o que ocorre, 
sobretudo, durante uma ditadura. 
PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ 
Esse princípio dita que o juiz que realiza a instrução deverá ser o mesmo que 
proferir a decisão. Isso significa que, em regra, o juiz não poderá ser alterado durante o 
curso do processo. Porém, existem diversas situações como: morte, promoção, 
aposentadoria, férias, entre outras, as quais fazem com que o juiz seja alterado durante 
o processo. 
O Código de Processo Penal não apresenta regras específicas sobre tais 
situações. Nesse contexto, é emprestado do Código de Processo Civil de 1973 a 
interpretação de que casos como morte, aposentadoria, etc., são exceções ao princípio 
da identidade física. 
Na prática, o princípio está enfraquecido. Quando existem dois juízes numa 
mesma vara, os processos são divididos entre pares e ímpares e um não poderá dar 
prosseguimento a um processo que não é seu. 
 
PRINCÍPIO DA IMPRORROGABILIDADE 
 Os poderes não podem ser exercidos para além dos limites estabelecidos pela 
competência. Para a doutrina, existem exceções: o cumprimento de uma carta 
precatória; conexão entre crimes de Comarcas distintas (conforme as regras de atração 
de foro); 
 Apesar de tal entendimento da doutrina, essas situações não podem ser 
entendidas como exceção ao princípio da improrrogabilidade, pois tanto o cumprimento 
de carta precatória quanto a conexão entre crimes estão dispostas em lei. Assim, não 
podem ser considerados casos excepcionais, uma vez que estão dentro dos limites de 
competência. 
 
PRINCÍPIO DA INDECLINABILIDADE 
 O juiz não pode abrir mão do exercício do poder. Cabe aqui a ressalva do 
impedimento e suspeição do juiz. 
 
PRINCÍPIO DA INDELEGABILIDADE 
 O juiz não poderá delegar poderes a terceiros, salvo situação disposta no art. 83, 
XIV, CF: “os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e 
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atos de mero expediente sem caráter decisório” 
(situação magistrado-servidor). No âmbito do 
processo penal, o encaminhamento de um inquérito 
policial é considerado ato administrativo. O 
magistrado poderá baixar uma portaria, delegando atos administrativos para um 
escrivão. 
Já atos de mero expediente sem caráter decisório são atos jurisdicionais, de 
mero impulso processual. Esses atos também podem ser delegados ao escrivão. 
Além disso, existe a hipótese de julgamentos no caso de foro privilegiado. Se um 
deputado federal comete um crime em Curitiba, este deverá ser julgado em Brasília. 
Nessa situação, as testemunhas não poderiam ser ouvidas em Brasília. Existe aqui um 
exemplo de necessidade de carta precatória. 
Fora essas exceções, o juiz não poderá delegar poderes a terceiros. 
 
PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO 
 O juiz deve se atentar ao que for disposto pelo promotor na denúncia. Se ele não 
decidir conforme o fato narrado, havendo uma correlação fato-decisão, a sentença será 
nula. 
 Na petição inicial, o MP oferece a denúncia, situação na qual o promotor narra 
um fato (causa de pedir) imputado ao réu e apresenta uma classificação jurídica do fato. 
Ao fim, o promotor faz o pedido. O que baliza toda a discussão até a sentença é a causa 
de pedir. No exercício do poder - no momento da decisão - o juiz deverá resguardar uma 
relação entre o fato, trabalhando com a narrativa em sua integralidade. Ele não pode 
proferir um julgamento “ultra” (além), “extra” (fora), “infra” (a quem). O juiz encontra-se, 
portanto, amarrado ao fato que foi trazido na denúncia. 
 Se, por exemplo, o promotor descrever somente um furto, mas testemunhas 
demonstrarem que o crime aconteceu mais vezes, o juiz não poderá decidir conforme a 
palavra das testemunhas. O magistrado, por mais que tenha certeza da repetição do 
crime, deverá decidir conforme o fato descrito pelo promotor. 
 O promotor, diante da alteração dos fatos narrados, deverá tomar a iniciativa de 
se peticionar um aditamento à denúncia – de ofício, sem provocação. O recebimento do 
aditamento provoca um reinicio da discussão, como se o processo estivesse começando 
do zero. Isso porque a correlação se altera. Se o processo chega à sentença sem 
aditamento e as provas demonstram que o ocorrido foi diverso do fato narrado, o 
magistrado deverá provocar o promotor, para que ele avalie a possibilidade de um 
eventual aditamento. Se o promotor mantém o fato narrado na denúncia, pois acredita, 
por exemplo, que as provas foram insuficientes, o juiz poderá fazer uso do art. 28, CPP, 
analogicamente, encaminhando o processo ao procurador-geral, que poderá fazer o 
aditamento ou não. Se ainda assim o aditamento não for feito, o juiz poderá, na 
sentença, absolver o réu pela ausência de provas. 
 O art. 28 trata da possibilidade de discordância entre magistrado e promotor em 
relação ao arquivamento do inquérito policial: “Se o órgão do Ministério Público, ao invés 
de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer 
peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, 
fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá 
a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no 
pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender”. A última 
palavra é do procurador. 
Classificação jurídica é indicar o 
artigo no qual o fato se amolda. 
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 A possibilidade de mudar o fato é chamada de “mutatio libelli”. Até o momento 
anterior a sentença, é possível mudar o fato. Em outras palavras, não existe mutatio 
libelli em grau recursal. 
 O magistrado pode também concordar com os fatos narrados, mas discordar da 
classificação jurídica, acreditando que os artigos de lei não são os que melhores se 
amoldam ao caso concreto. Conforme a máxima “iura novit curia” (presume-se que o 
juiz conheça o direito) e a expressão “narra mihi factum dabo tibi ius” (narra-me o fato 
que tedou o direito), o juiz é capaz de mudar a classificação jurídica, sem mexer no 
fato, no momento da sentença. Essa possibilidade é chamada de “emendatio libelli”, e 
pode ser responsável por um aumento de pena considerável, se comparado com o crime 
posto na denúncia. 
 Para parte da doutrina moderna, o juiz, por causa disso, não poderia fazer 
“emendatio libelli”, pois a alteração da classificação jurídica cabe tão somente ao 
promotor. Apesar dessa crítica, a jurisprudência permite a alteração, tal como a lei dita 
(art. 383, CPP). 
PRINCÍPIOS DA AÇÃO 
 As ações penais são divididas entre ação penal pública e ação penal privada. A 
lei dispõe quais são os crimes de cada ação. 
 Inicialmente, o rei acreditava que a violação da lei o atingia antes de qualquer 
coisa. A vítima estava em segundo lugar. Depois disso, com a criação dos bens jurídicos 
e sua conceituação, a vítima é coisificada – o que é protegido é a vida (coisa), não a 
vítima em si. 
 Conforme projeto de alteração do Código de Processo Penal que tramita no 
Congresso, o objetivo é de retirar por completo as possibilidades de ação penal privada, 
existindo daí somente ações penais públicas. 
 
AÇÃO PENAL PÚBLICA AÇÃO PENAL PRIVADA 
Iniciativa do Estado 
Iniciativa do particular 
(vítima ou herdeiros); 
Denúncia Queixa 
Regra Exceção 
 
AÇÃO PENAL PÚBLICA 
 - Princípio da oficialidade: o Ministério Público tem como função, segundo o 
art. 129, I, CF: “promover, privativamente, a ação penal pública na forma da lei”. Desse 
modo, o MP é o órgão oficial do Estado incumbido dessa função. 
 - Princípio da obrigatoriedade: toda vez que um promotor estiver num caso em 
que estejam preenchidas as condições da ação (exigências para invocar a tutela do 
Estado) e os pressupostos de validade (necessários para estruturar a narrativa do fato) 
ele terá obrigação de dar prosseguimento à demanda. Aqui, a ação não é um direito 
como tratado no Processo Civil, mas também um dever. Uma vez preenchidas as 
condições da ação e os pressupostos de validade, o promotor é obrigado a seguir com 
a ação, não havendo discricionariedade, escolha. 
Esse princípio não se encontra expresso no ordenamento jurídico brasileiro. A 
ideia de obrigatoriedade da ação é emprestada da Constituição Italiana, sendo 
visualizada implicitamente em alguns artigos. Para parte da doutrina, o princípio da 
obrigatoriedade pode ser extraído, por exemplo, do art. 24, CPP: “Nos crimes de ação 
pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público [...]”. 
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Em razão da inércia do promotor, a vítima (ou seus herdeiros) poderá demandar 
uma ação penal privada subsidiaria da pública. Esse é outro exemplo de obrigatoriedade 
implícita, pois aqui, mais uma vez, o promotor é obrigado a agir. 
O exercício da ação não é obrigatório em todos os países. Nos Estados Unidos, 
por exemplo, o promotor escolhe se dará início ao processo ou não. 
O princípio da obrigatoriedade vem sendo criticado, pois a estrutura do Estado 
não é suficiente para dar seguimento a todas as demandas criminais existentes. Essa 
visão pragmática orienta a escolha ao invés da obrigação. Na doutrina, isso é chamado 
de “oportunidade regrada” – o promotor precisa seguir um regramento para realizar a 
escolha. 
Nas infrações penais de menor potencial ofensivo (crimes cuja pena máxima seja 
igual ou inferior a dois anos) vige a possibilidade de transação penal, sendo considerado 
um mecanismo de afastamento da punibilidade. A transação é uma das maneiras de 
não oferecimento da denúncia, havendo aqui, portanto, a mitigação do princípio da 
obrigatoriedade. 
Art. 76 (lei. 9.099/95): “Havendo representação ou tratando-se de crime 
de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, 
o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva 
de direitos ou multas, a ser especificada na proposta”. 
Outro exemplo de mitigação do princípio é a possibilidade de delação premiada, 
que consiste em “conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena 
privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha 
colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal”. 
Art. 4º, §4º (lei 12.850/13): “Nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério 
Público poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador: 
I - não for o líder da organização criminosa; 
II - for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo”. 
 
- Princípio da indisponibilidade: o MP não pode dispor da obtenção da tutela 
jurisdicional. Conforme o art. 42, CPP: “O Ministério Público não poderá desistir da ação 
penal”. Esse princípio não se trata da desistência da ação em si, uma vez que a ação é 
um direito de invocar a tutela do Estado. Ele dispõe, na verdade, sobre a não 
possibilidade de desistir do processo, da obtenção da tutela definitiva – a ação já foi 
iniciada. 
 
AÇÃO PENAL PRIVADA 
 - Princípio da oportunidade: a vítima não é 
obrigada a agir. Se a vítima não exercitar o direito da 
ação no prazo estipulado, haverá um perdão tácito, 
unilateral, pois o pedido de perdão não precisa ser 
aceito. 
 - Princípio da disponibilidade: tendo agido, a vítima não é obrigada a dar 
prosseguimento na demanda, podendo desistir. A vítima poderá perdoar desistindo, 
mas dependerá de aceitação por parte do acusado, que poderá ter interesse em provar 
a sua inocência. Trata-se do poder condicionado a aceitação. 
 Se a vítima abandonar o processo, o efeito será o mesmo do perdão. Ocorrerá 
a sanção da vítima através da perempção (art. 60, CPP), extinguindo-se a punibilidade 
do réu. Desse modo, se a vítima quiser evitar a possibilidade de não aceitação do perdão 
pelo réu, ela poderá deixar de dar seguimento no processo durante trinta dias seguidos. 
Querelante – vítima autora 
da ação. 
Querelado – réu. 
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 Se o ofendido falece durante o processo, existe uma ordem de preferência de 
substituição processual: cônjuge, ascendente, descendente ou irmão (art. 31, CPP). 
 - Princípio da indivisibilidade: pressupõe um crime praticado por mais de uma 
pessoa. Se a vítima desejar oferecer a ação penal, ela deverá oferecer contra todos os 
que praticaram. A ofendida não pode dividir responsabilidade. 
 Se a vítima entrar com uma ação contra um único sujeito, considerará um perdão 
tácito em relação aos demais. Com isso, o perdão concedido será estendido em aos 
demais – quem perdoa um, perdoa todos. 
 Para a doutrina, o princípio da indivisibilidade orienta a ação penal como um 
todo. Já para a jurisprudência, que prevalece, o princípio da indivisibilidade não orienta 
a ação penal, isso porque na ação penal pública o promotor não possui o poder do 
perdão. Quando ele deixa um acusado de fora, o que existe não é perdão, mas sim 
esquecimento. 
 - Princípio da intranscendência: mais relacionado ao Direito Penal do que o 
processo propriamente dito. A denúncia não pode ser posta contra quem não praticou 
o delito, contra quem não há indícios de autoria ou participação. 
PRINCÍPIOS DO PROCESSO 
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO 
Conforme o art. 5º, LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e 
aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios 
e recursos a ela inerentes”. 
O doutrinador Elio Fazzalari é referência em sua compreensão do princípio do 
contraditório e dos princípios do processo em si. Para ele, o procedimento (gênero) é 
uma sequência de atos pré-ordenados que visam um determinado resultado. O 
processo é uma espécie do procedimento – o processo é um procedimento que possui 
contraditório. Desse modo, processo e contraditório se confundem, pois não é possível 
falar de processo sem contraditório, tendoem vista que o contraditório é essência do 
processo. 
O contraditório pode ser compreendido como: a) direito a informação – ser 
informado sobre o que a parte contrária está fazendo; b) direito a reação – direito a 
reagir àquilo que a parte contrária disse, contra-argumentando. Existe também uma 
terceira vertente, mais recente, que compreende o contraditório como direito a não 
surpresa, num sentido de o juiz não poder usar de argumentos que não foram 
previamente debatidos pelas partes. Com esse olhar, a parte não pode ser surpreendida 
com uma tese totalmente nova que não foi trazida durante o debate. 
 
PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA 
 Caminha lado a lado com o princípio do contraditório, sendo inclusive estampado 
no mesmo artigo. A Constituição trabalha esse princípio com um duplo direcionamento: 
a) para os litigantes em processo judicial ou administrativo – litigante remete ao 
conceito de lide. Discute-se se tal conceito também pode ser aplicado no processo 
penal. Essa discussão existe após a Constituição de 1988, de modo que o constituinte 
trata como litigante o sujeito que está interessado no processo. Assim, extraí-se como 
primeira vertente do princípio a ampla defesa da tese. Com isso, é possível falar de uma 
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ampla defesa da tese acusatória ou da tese defensiva, tanto para o Ministério Público, 
tanto para a defesa. 
No rito comum ordinário cada parte pode arrolar até oito testemunhas por fato 
imputado ao réu. O magistrado não poderá limitar esse número, dispondo que ouvirá 
somente três testemunhas, por exemplo, pois assim o juiz estaria cerceando a ampla 
defesa da tese. 
b) para os acusados em geral – aqui, a ampla defesa é analisada no viés do 
acusado, tanto no sentido da autodefesa, quanto no sentido da defesa técnica. A auto 
defesa é uma garantia presente ao longo de todo o processo, consistindo em garantir 
ao réu oportunidades de exercício de autodefesa, o que não se esgota no interrogatório. 
Caso o Estado não forneça tais momentos, o processo será nulo, justamente por não 
respeitar o princípio da ampla defesa. Sendo a autodefesa uma faculdade do réu, ele 
poderá dispensá-la – o exercício da autodefesa é renunciável, cabendo inclusive o 
direito ao silêncio. Durante o curso processual, o réu poderá, através da simples 
manifestação de pessoa física, optar por recorrer a uma decisão condenatória quando 
intimado a respeito desta. Se ele escolher recorrer, a decisão será automaticamente 
reavaliada devido a sua manifestação de vontade, ainda que o advogado da defesa não 
disponha as razões do recurso aos autos, ainda que o advogado não esteja presente 
no momento da intimação. 
Em resumo, a autodefesa é uma opção, pois é possível abrir mão. A defesa 
técnica, por outro lado, transcende o interesse do réu, não podendo ser renunciada. 
Assim, por ser garantia constitucional, é imprescindível a atuação do advogado no 
processo, exercitando uma defesa técnica. Diante disso, nos casos de hipossuficiência 
do réu, o papel da Defensoria Pública é essencial. Quando o réu não indica advogado 
e não pode ser indicado pela Defensoria, o juiz nomeará um defensor dativo. 
O único caso admissível, em que o réu poderá “abrir mão” da defesa técnica, é 
quando o próprio réu é advogado e opta por, ele mesmo, realizar a sua defesa técnica. 
Ainda assim, a defesa técnica continua presente. 
Conforme definição do STF: 
- ausência de defesa técnica equivale a uma nulidade absoluta; 
- deficiência de defesa técnica gera nulidade relativa; 
 
NULIDADE ABSOLUTA NULIDADE RELATIVA 
Exige-se que o ato seja refeito, pois o ato 
nulo não poderá ser aproveitado; 
A depender do vício, o ato poderá ser 
aproveitado, sem a necessidade de 
refazê-lo, ainda que ele não seja perfeito; 
Pode ser reconhecida a qualquer 
momento; 
Precisa ser arguida em momento 
específico (caso contrário, há anuência); 
Solicitada pelas partes ou pelo juiz, sem 
provocação; 
Só a parte interessada na nulidade 
poderá declará-la (como o MP*); 
Presume-se um prejuízo; 
O prejuízo precisa ser demonstrado para 
que a nulidade seja declarada; 
*o MP tem um interesse na lisura do processo, em sua legalidade, transcendendo o interesse das partes; 
 
A ausência de advogado numa audiência é equivalente a ausência da defesa 
técnica, havendo aí nulidade absoluta. Quando a deficiência técnica do advogado é de 
tal grau que equivale a uma ausência, caberá também nulidade absoluta, pois o réu 
igualmente estará tecnicamente indefeso. 
 
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PRINCÍPIO DA PLENITUDE DE DEFESA 
 É um princípio existente apenas no júri. Disposto no art. 5º, XXXVIII, a), CF: “é 
reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados a 
plenitude de defesa”. Além de existir no júri a ampla defesa por si só, ela dever ir além 
de seu conteúdo, assegurando a plenitude de defesa. 
 O advogado que atua no júri, além de conhecer técnica jurídica, necessita de 
uma capacidade de oratória e didática na expressão das ideais. A mistura de técnica 
com a estrutura das ideias é essencial no júri, onde o julgador é leigo. Exige-se, portanto, 
um cuidado maior. É possível que a defesa proponha teses contraditórias, como, por 
exemplo, o uso simultâneo da tese de negativa de autoria e de legítima defesa, tendo 
em vista que não se exige fundamentação da decisão no júri. Cada jurado pode se 
convencer com qualquer uma das teses. 
 No júri, cabem também as possibilidades de nulidade. Quando o advogado 
possui incapacidade técnica, o júri será nulo, devido à violação do princípio da plenitude 
da defesa. 
 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA 
 Conforme o art. 5º, LVII: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em 
julgado de sentença penal condenatória”. Para parte da doutrina, pelo fato da 
Constituição não tratar expressamente de presunção de inocência, o que há é o 
princípio da não culpabilidade. Esse princípio é extraído do Pacto de São José da Costa 
Rica, o qual não faz menção a trânsito em julgado ou esgotamento de todos os recursos. 
Desse modo, a Constituição vai além da tradição, ampliando seu texto. 
Pacto de São José (Convenção Americana sobre Direitos Humanos) – 
art. 8º, 2: “Toda pessoa acusada de 
delito tem direito a que se presuma 
sua inocência, enquanto não se 
comprove legalmente sua culpa...” 
A sentença de absolvição opera os efeitos 
de coisa julgada material; entretanto, a sentença 
condenatória permite que sempre haja 
possibilidade de interposição de recurso. É o caso, 
por exemplo, da revisão criminal. No processo 
penal, não há uma limitação, a possibilidade não 
se esgota – não existe um prazo para se propor a 
revisão criminal, tampouco o número de vezes que 
ela pode ser proposta. Assim, não é possível falar 
em coisa julgada material no processo penal. 
 Para a expressão sentença definitiva, considera-se o conceito presente na 
Convenção Interamericana, a qual o Brasil é signatário (Decreto 5.919): “Entende-se 
que uma sentença é definitiva se não estiver pendente apelação ordinária contra a 
condenação ou sentença no Estado Sentenciador, e se o prazo previsto para a apelação 
estiver expirado”. Por tratar de direitos humanos, o decreto está acima da legislação 
infralegal, sendo considerada supraordinária. 
 A oscilação do entendimento do STF a respeito faz com que se crie uma 
insegurança jurídica. Atualmente, o Supremo entende que a pena pode ser cumprida 
antes do trânsito em julgado, a partir da condenação em segundo grau. 
 
› Crítica ao entendimento doutrinário 
Coisa julgada – qualidade de 
imutabilidade dos efeitos da 
decisão; 
Coisa julgada formal – o juiz 
que sentenciou o processo não 
pode mudar os efeitos de sua 
própria decisão; aqui, a 
imutabilidade não é plena, mas 
sim relativa. 
Coisa julgadamaterial – 
qualidade de imutabilidade 
absoluta; ninguém é capaz de 
alterar os efeitos da sentença. 
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 Doutrinariamente, a expressão trânsito em julgado é compreendida como 
esgotamento de todos os recursos. Porém, tal entendimento gera um problema: a 
ineficácia do Poder Judiciário, num viés de seletividade do Direito Penal, conforme 
tratado pela Criminologia Crítica. 
A estrutura que detém o poder do país busca mecanismos para se perpetuar no 
poder, se autoprotegendo. Esse sistema revela-se em tal interpretação de trânsito em 
julgado, tendo em vista que o Brasil é um país que possui grande sistema recursal. 
Nesse sentido, os recursos, que de fato são fundamentais para o funcionamento da 
justiça, devem ser limitados. Caso contrário, a garantia de presunção de inocência 
parece favorecer somente a elite, somente aqueles que podem, efetivamente, pagar 
pelos recursos e pelos advogados. 
 
 São decorrências do princípio de presunção de inocência: 
 
• ÔNUS DA PROVA 
 Conforme o art. 156, CPP: “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer (...)”. 
Nesse sentido, o réu não precisa provar que não cometeu o crime, devido ao reflexo do 
princípio de presunção de inocência: basta incutir a dúvida no magistrado. Assim, o 
promotor que é responsável por incumbir o crime ao réu, demonstrando que o ato foi 
doloso, que o réu não agiu em legítima defesa, etc. 
 
• PRINCÍPIO “IN DUBIO PRO REO” 
 Conforme o princípio “favor rei”, o magistrado não poderá condenar nos casos 
de dúvida – beyond a reasonable doubt. 
 
• PRINCÍPIO “NEMO TENETUR SE DETERGERE” 
 Ninguém é obrigado a se auto acusar e de produzir provas contra si. Esse 
princípio também é conhecido como “nemo tenetur se ipsum accusare” e como princípio 
da não auto-incriminação. Ele surge na Inglaterra e, posteriormente, é inserido no resto 
do mundo. Havia uma regra no direito inglês (séc. XVI) que não permitia que o réu 
silenciasse; e, caso mentisse, ele responderia pelo crime. No século XVII, surge a opção 
do silêncio, a fim de que o réu não fosse imputado também por suas mentiras. Nos 
Estados Unidos, o direito ao silêncio também é aplicado e dele são desenvolvidas as 
Regras de Miranda: o Estado é obrigado a informar que o réu tem direito ao silêncio – 
se não for informado, a prisão é ilegal. 
 Não existe uma previsão legal específica. Alguns doutrinadores, porém, 
constroem essa ideia a partir de ideais já existentes na Constituição Federal. São eles: 
presunção de inocência; o direito ao silêncio do preso; a dignidade da pessoa humana. 
Nesse contexto, a produção de provas contra si mesmo, a partir da construção retórica, 
consistiria em ferir a dignidade da pessoa humana. Ele pode também ser invocado a 
partir do pacto de São José da Costa Rica: 
Art. 8º, 2, g): a pessoa acusada tem “o direito de não ser obrigado a depor 
contra si mesma, nem a declarar-se culpada” 
 Assim, seja pela interpretação constitucional ou pelo pacto São José, a doutrina 
e a jurisprudência não discutem a aplicação do princípio no ordenamento brasileiro. 
Discute-se, tão somente, o alcance dele. O garantismo brasileiro é exagerado nesse 
sentido, pois, de certa forma, existe aqui o direito a mentira, de modo que o princípio da 
não auto-incriminação é muito abrangente. 
 O Estado não pode exigir do sujeito um comportamento ativo capaz de gerar 
uma prova contra si mesmo. Ainda assim, o réu pode confessar e entregar provas contra 
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si se assim desejar. Também se relaciona com a não aplicação do exame grafotécnico 
(análise de padrão gráfico). 
 
 PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO 
Originariamente, era sinônimo de princípio da livre apreciação da prova ou 
convicção íntima, surgido como contraponto em relação ao modelo de processo que 
existia na Idade Média, em relação ao qual as provas eram tarifadas – valor previamente 
atribuído pela lei para cada prova. Consistia em uma hierarquia. Passada a Revolução 
Francesa, surge o entendimento de que o juiz é livre para se convencer. 
 A liberdade de convencimento tornava o juiz arbitrário. Num sentido de diminuir 
a discricionariedade do magistrado, no séc. XIX, passa a existir a necessidade de 
motivação de decisões: a noção de persuasão racional. 
 A partir desse momento, a convicção íntima deixa de ser sinônimo de livre 
convencimento e livre apreciação, passando a ser o oposto desses princípios. É a forma 
de o julgador decidir o caso sem a necessidade de fundamentá-lo, como acontece no 
Júri. 
 Atualmente, o princípio do livre convencimento motivado possuí previsão 
constitucional, de modo que a fundamentação é exigida pelo intérprete. Além disso, o 
argumento precisa ser persuasivo, racional e consistente. 
Art. 93, IX, CF: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário 
serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de 
nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às 
próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos 
quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não 
prejudique o interesse público à informação”. 
 Existe, no Brasil, uma má interpretação hermenêutica em relação ao significado 
do princípio da persuasão racional: o Tribunal não é obrigado a enfrentar todas as teses 
das partes se ele estiver convencido em sentido contrário. Esse entendimento é, na 
verdade, uma deturpação do princípio, pois o magistrado deve analisar todas as testes, 
sem analisá-las implicitamente como descartáveis, devendo informar na decisão o 
motivo pelo qual ele considera uma e desconsidera as restantes. 
PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE 
 O princípio encontra-se positivado na Constituição Federal. Conforme indica o 
art. 93, IX: “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos” e o art. 
5º, LX: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa 
da intimidade ou o interesse social o exigirem”. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Teoria dos círculos concêntricos: 
construída pela doutrina alemã. 
A: círculo mais profundo; proteção da 
intimidade. São os segredos, sua forma de 
ver o mundo, a orientação sexual, etc. 
B: círculo intermediário; proteção da vida 
privada. 
C: círculo mais externo; é o menos 
protegido e está relacionada à vida 
pública. 
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 O sigilo poderá existir num processo a fim de proteger a intimidade, situações 
nas quais as provas trazidas aos autos extrapolam no sentido de caracterizar o crime. 
Em ambientes públicos, a esfera da intimidade não é protegida. Segundo o art. 201, §6º, 
CPP: “O juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida 
privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de 
justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos 
a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação”. 
 Sigilo das votações do júri – art. 5º, XXXVIII, b) 
PRINCÍPIO DA CELERIDADE 
 Também chamado de razoável duração do processo, foi inserido no art. 5º da 
Constituição Federal pela Emenda 45/2004: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, 
são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade 
de sua tramitação”. 
 Funciona na prática apenas na situação de réu preso. Os prazos da prisão 
preventiva são construídos pela jurisprudência e possuem oscilações, a depender da 
morosidade do ritmo do processo. A legislação não estipula um período específico de 
prisão cautelar. 
A BUSCA PELA VERDADE 
DOUTRINA MAIS TRADICIONAL 
 Trata como princípio da busca pela verdade real, material ou absoluta. Apesar 
disso, não deve a busca pela verdade ser tratada comoprincípio, isso porque tal busca 
não possui um caráter normativo. 
 No processo civil, vige a verdade formal: na petição inicial, o autor narra um fato 
que, se não contestado pelo réu, é lido como verdadeiro pela simples ausência de 
contestação. Já no processo penal, vige a verdade material: o autor imputa um fato ao 
réu; a ausência de contestação não torna o fato verdadeiro – exige-se a produção 
probatória para verificação do fato. 
 
DOUTRINA MAIS MODERNA 
Não é possível falar em verdade real, material ou absoluta e, desse modo, o 
processo não pode orientar-se pela verdade da perspectiva da doutrina tradicional. Faz-
se uma crítica a esse discurso, mas a solução não é equivalente para todos os 
doutrinadores: alguns falam em verdade processual, outros em verdade possível, outros 
em verdade judicial, ou em verdade consensuada, ou em verdade analógica. 
Fundamentam seus argumentos conforme: a) análise histórica – a pretensão da 
busca pela verdade absoluta e suas consequências; b) análise filosófica – falar em 
verdade absoluta contraria a filosofia da linguagem. Seus critérios de argumentação 
serão abordados a seguir. 
CRÍTICA HISTÓRICA 
A INFLUÊNCIA DA IGREJA CATÓLICA 
Roma Antiga – Império 
 No ano de 312 d.C., o primeiro imperador converte-se ao cristianismo – 
Constantino. Outro marco importante foi em 380 d.C., situação na qual Teodósio 
converte-se ao cristianismo e, junto a um Decreto, torna a religião católica oficial do 
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Império. Deixar de seguir a religião tornaria o indivíduo herege (aquele que elege uma 
opção diversa e será perseguido). 
 Na época, havia um descontentamento interno, devido à grande expansão do 
império romano. Os povos conquistados deveriam obedecer e pagar tributos. Diante 
disso, as fronteiras encontravam-se instáveis, pelo temor que existia de, em breve, 
tornar-se o próximo conquistado. Por causa disso, no ano de 410, iniciam-se as 
invasões bárbaras, que representam o início da queda do Império. Nesse momento, a 
Igreja já era dominante como exercício de poder religioso. Enquanto a Igreja se mantém, 
pois a estrutura da Igreja Católica espelha-se na estrutura de Roma, o poder laico é 
substituído, dominado pelos bárbaros. Nesse período de transição, surge Agostinho de 
Hipona, importante tanto para Igreja Católica quanto para o Direito. 
 O rei francês Clóvis, como maneira de unificar o reino e também como 
consequência da unificação, ele converte-se ao 
cristianismo. Os reis que estavam ao seu redor 
convertem-se em cascata. 
 
Idade Média 
 O rei possui o poderio bélico que necessita 
do Papa para legitimar-se. Isso porque existia uma 
necessidade de legitimar o poder dos seus 
sucessores, que poderiam ser mais fracos. Dessa 
maneira, o rei não tinha o poder por causa de sua 
força, mas sim porque Deus assim desejava. 
 No contexto de hegemonia da Igreja, surgem 
as Cruzadas, que, por causa de seu alto custo, 
promoveu uma grande corrupção moral. Os padres 
estavam mais interessados em vender indulgências 
do que fazer pregações. Diante dessa insatisfação, 
várias seitas surgem a) contrariando a autoridade da 
Igreja e b) pregando o desapego material. Em 
especial, surge a Seita dos Cátaros, os quais 
possuíam grande conhecimento em teologia e 
debatiam com os padres em praças públicas. 
Geralmente, seus argumentos eram mais concisos 
– os padres não estavam mais preocupados com 
Teologia. 
 No sul da França, os Cátaros, por possuírem 
mais didática, não estarem interessados em patrimônio e terem maior conhecimento em 
teologia, passam a ser seguidos até mesmo pela nobreza. 
 
Inocêncio III 
 Como forma de manter a Igreja no poder, o papa tomou certas providências: 
 - Cruzada albigense – o papa convence os senhores feudais a lutar contra os 
Cátaros, permitindo que, das invasões, o patrimônio conquistado fosse deles. Diante da 
dificuldade de se identificar os Cátaros, foi difundida a seguinte ideia: “Matem todos! 
Deus salvará os seus”. Apesar da força, a ideologia não foi destruída. 
 - Expropriação das culturas – as culturas ditas pagãs são repaginadas e 
tomadas pela Igreja. 
 - Concentração do conhecimento nos limites da Igreja – tendo em vista que 
os Cátaros tinham grande noção de teologia, surge a necessidade de concentrar o 
AGOSTINHO DE HIPONA 
Começa a estudar religião durante o período 
das invasões bárbaras. Nesse momento, 
começa a surgir a ideia de verdade: a 
verdade de Deus é reveladora, devendo ser 
a única a ser aceita. Agostinho, fortemente 
influenciado por Platão (que divide o mundo 
em dois ramos do conhecimento), cria a 
noção de cidade dos homens 
(representando o mundo físico) e cidade de 
Deus (que representava o mundo 
metafísico). 
Se Deus está em tudo e inclusive no 
homem, por que as invasões bárbaras eram 
tão problemáticas? Por que produziam tanta 
destruição? Agostinho conclui que o homem 
não tem consciência de que traz Deus 
dentro de si e, junto a isso, poderia ter 
acesso à verdade única. É por esse motivo 
que os homens roubam, estupram, 
destroem. Agostinho dá uma nova leitura a 
questão da confissão, necessária para que 
a verdade divina se revele. Seu raciocínio foi 
importante, pois é invocado no séc. XIII 
como forma de reorganização do Processo 
Penal. 
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conhecimento apenas nos limites da Igreja. Ninguém poderia saber mais do que o padre 
- quanto mais ignorante, mais manipulado seria o sujeito. 
 - Proíbe-se o acesso às obras de Aristóteles – uma vez que o filósofo contrariava 
as máximas da Igreja, foram proibidos (e queimados) diversos livros. 
 - Processo Penal – convocação do 4º Concílio de Latrão em 1215, a fim de 
reorganizar o papel da Igreja em todo o reino, inclusive estabelecendo regras de Direito 
Penal Canônico. 
A confissão é regrada como algo obrigatório para o cristão, devendo ser feita 
pelo menos uma vez por ano para o padre, uma vez atingida a idade da razão. Assim, 
o padre conseguia manipular aqueles que confessavam. 
 
Inquisições 
 Passam a se estruturar, inclusive em decorrência da permissão legal de tortura, 
a fim de obter a confissão do sujeito (permissão essa que durou cerca de quinhentos 
anos). Manuais de Processo Penal da época reproduziram essa ideia. Ela é inicialmente 
utilizada contra os Cátaros, sendo depois estendidas às demais seitas, sendo voltada, 
posteriormente, para os judeus e para as mulheres. Enfim, contra todos que poderiam 
por em risco a hegemonia da Igreja. 
 A perseguição das mulheres decorre do celibato, convencionado para se manter 
o patrimônio da Igreja. Se fosse sabido que o padre mantinha relações sexuais com 
uma mulher, a culpa seria do demônio, responsável por tentar o padre. Além disso, 
surgia também a noção da bruxa – a mulher que buscava curar doenças com plantas; 
a homossexualidade. 
 
Ciência 
 Pretensão de se encontrar verdades universais e dessacralizadas, ainda que se 
utilizem os mesmos métodos da Igreja. 
CRÍTICA FILOSÓFICA 
Pré-sofistas 
 Após a mitologia grega, buscava-se a essência das coisas (arché), o 
componente que estaria presente em absolutamente tudo. O ápice desse momento 
histórico, de tentativa de identificação do objeto que compõe todas as coisas, foi o 
átomo. Foi nessa época que surgiu a figura de Tales de Mileto. 
 
Sofistas 
● ● ● 
 A história mostra que, para se alcançar uma verdade absoluta, tudo seria válido em nome 
desse fim, inclusive através dos métodos de tortura legitimados. Porém, uma vez legitimada a 
tortura, ainda que apenas para um dado grupo de indivíduos, é incerto o método de identificação 
destes. Além disso, a fim de livrar-se da dor, o sujeito submetido à tortura costuma falar 
exatamente aquilo que o torturador quer ouvir, mesmo que essa não seja a verdade. 
 O problema

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