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Curso de Graduação Online | UNISUAM PEDAGOGIA Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem UN ID AD E 2 Na unidade 1, você pôde conhecer os estudos do desenvolvimento e a importância da psicologia do desenvolvimento para os educadores. Agora, você está pronto para o estudo de um dos pontos mais importantes sobre as teorias do desenvolvimento e da aprendizagem, as relações estabelecidas entre elas e os principais aspectos tratados pelos teóricos Piaget e Vygotsky sobre o desenvolvimento humano. Fonte: Finnelle Recruitment Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Graduação | UNISUAM 2 Teorias do Desenvolvimento Humano T1 Diante disso, dividimos esta unidade em quatro tópicos para facilitar o seu aprendizado: T1 - Teoria Psicogenética de Piaget T2 - Provas Operatórias de Jean Piaget T3 - O sociointeracionismo de Vygotsky T4 - Linguagem e Construção do Conhecimento Ao final desta unidade, você será capaz de: • Analisar a posição de Piaget no estudo da linguagem e do pensamento infantil; • Identificar as representações mentais abordadas por Piaget - imitação, jogo simbólico, imagem mental, desenho e linguagem; • Identificar os principais conceitos da teoria de Vygotsky; • Descrever a posição de Vygotsky em relação ao desenvolvimento da linguagem e do pensamento infantil. Podemos começar? Teoria Psicogenética de Piaget Piaget, em 1950, após ter se dedicado ao trabalho experimental com crianças, numa tentativa de entender a evolução da inteligência humana, publicou estudos aplicando esses resultados da pesquisa psicológica à Epistemologia Genética. A Epistemologia Genética preocupa-se em explicar a ordem de sucessão das diferentes capacidades cognitivas e que herdamos estruturas biológicas que vão amadurecendo em contato com o meio ambiente. 3 Unidade 02 Teorias do Desenvolvimento Humano 2 Na introdução do livro Epistemologia Genética, Piaget afi rma que: o conhecimento não pode ser concebido como algo predeterminado nem nas estruturas internas do sujeito e nem nas características preexistentes do objeto (PIAGET, 1970, p.1). Com essas afi rmações, o autor deixa claro que os processos de aprendizagem não devem ser pesquisados sob condições controladas rigidamente, porque esses processos “resultam de uma construção efetiva e contínua” (PIAGET, 1970, p. 1). A Epistemologia Genética estava preocupada em explicar a ordem de sucessão das diferentes capacidades cognitivas, uma vez que o conhecimento não se dá por meio de estruturas pré-formadas. Essa era a ideia central de Piaget: estudar o “sujeito epistêmico”, isto é, estudar os processos de pensamento presentes desde a infância inicial até a idade adulta. O método Epistemologia Genética levou Piaget a abandonar os aspectos quantitativos e a inovar com o estudo dos aspectos qualitativos da inteligência. Não interessava a ele saber quem tem mais inteligência, mas sim de que forma o sujeito usa a sua capacidade mental. Para Piaget, tudo se inicia com os refl exos, que todo ser humano traz ao nascer. Sua pergunta básica era: de que forma o ser humano, que nasce somente com os refl exos, chega à adolescência usando uma capacidade mental em que é capaz de traçar hipóteses, fazer deduções, projetar, pensar abstratamente? Para você entender melhor, fi caria mais ou menos assim: • O que ocorre do nascimento até o sujeito se transformar em adulto em nível intelectual? • Como se aprende? • Como o sujeito desenvolve seu pensamento? Enfi m, Piaget estava em busca do sujeito epistêmico. A inteligência é herdada? Essa foi outra questão que mobilizou os pesquisadores da época, inclusive Piaget. No texto de Clara Regina Rappaport, intitulado Modelo Piagetiano, vamos encontrar que, para Piaget, herdamos estruturas biológicas “que com a estimulação do meio se transformarão em estruturas mentais” (RAPPAPORT, 1981, p. 54). O indivíduo herda uma série de estruturas biológicas sensoriais e neurológicas que predispõem ao surgimento de certas estruturas mentais. Portanto, a inteligência não a herdamos. Herdamos um organismo que vai amadurecer em contato Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Graduação | UNISUAM 4 com o meio ambiente. Desta interação organismo-ambiente resultarão determinadas estruturas cognitivas que vão funcionar de modo semelhante durante toda a vida do sujeito. Este modo de funcionamento, que constitui para Piaget nossa herança biológica (Flaveli, 1975), permanece essencialmente constante durante toda a vida. Por conseguinte, existe um paralelismo entre o biológico e o mental, na medida em que todo organismo dispõe de certas propriedades para se adaptar ao meio ambiente, e o funcionamento mental seria apenas um dos aspectos deste relacionamento (RAPPAPORT, 1981, p. 55). O conhecimento, na sua origem, não vem dos objetos, nem do sujeito, mas da interação entre ambos. O sujeito desempenha um papel ativo, agindo sobre o objeto, transformando-o, até ele ser incorporado às estruturas mentais. Um esquema sendo formado fi cará para toda a vida do sujeito. Todos nós, portadores de capacidades mentais altamente elaboradas, continuamos a usar a sucção. Vários esquemas formam uma estrutura mental. Essa estrutura se organiza por meio de atos menos elaborados aos mais elaborados. Como se desenvolve a inteligência? Piaget buscou na Biologia conceitos que pudessem explicar o desenvolvimento intelectual do sujeito. Um dos interesses centrais da Biologia é a explicação da adaptação e o desenvolvimento das estruturas biológicas. Ele transfere dois aspectos da evolução biológica à sua teoria do desenvolvimento intelectual. Um é o ajustamento contínuo de antigas estruturas a novas funções; e o outro é o desenvolvimento de novas estruturas para preencher, sob circunstâncias diferentes, funções antigas. De acordo com Piaget (1973), a inteligência é a capacidade de o sujeito se adaptar ao meio com efi ciência e originalidade. Para cada nível e idade, Piaget identifi cou determinadas estruturas e a maneira como cada uma se adapta às exigências ambientais, e como modifi ca o que o ambiente exige. Você saberia dizer o que, no comportamento, corresponde à estrutura biológica que muda e se adapta? Se estiver atento (a) ao que estamos estudando, deve ter percebido que a resposta já foi dada anteriormente: o esquema, que pode ser simples ou global. Vejamos melhor o que é um esquema! 5 Unidade 02 Teorias do Desenvolvimento Humano esquemas Piaget (1973) foi buscar na Biologia a explicação para esquemas. Assim como a célula é a menor parte do corpo, o esquema pode ser considerado a menor parte da estrutura mental. Na biologia, temos a estrutura biológica que muda e se adapta, enquanto no nível mental temos o esquema. Piaget (1973) apresenta esquemas como as sequências do comportamento a que se referem, e são de significativa importância, tendo em vista que a criança só estará apta a executar determinada tarefa se tiver o esquema adequado a essa tarefa desenvolvida. Quando nos referimos ao desenvolvimento sensório-motor, temos os esquemas de sugar, de olhar, de pegar etc. Qual o papel dos esquemas no desenvolvimento cognitivo (inteligência)? Nos anos intermediários da infância temos os esquemas, que se referem a estratégias por meio das quais a criança vai verifi car se dois conjuntos de elementos são numericamente equivalentes, esquemas operatórios. Na adolescência os esquemas envolvem a operação da operação, quando os adolescentes usam sua capacidade intelectual e seus esquemas para responder a situações confl itivas e que os esquemas anteriores não dão conta. É importante observar que quando a criança executa uma sequência organizada de comportamentos (como já visto anteriormente) significa que a assimilação gerou uma estrutura cognitiva específica, uma disposição organizacional em nível mental. Para que uma sequência de comportamentos seja considerada um esquema, deve possuir certascaracterísticas, que, por sua vez, abrangem sequências de comportamento que diferem amplamente em grandeza e complexidade. O que há de comum, então, nos esquemas? A sequência de comportamento que os constitui, que é uma totalidade organizada, com coesão, passível de repetição. Sintetizando Esquemas referem-se a classes de ações totais, distintas entre si, mas que têm características comuns. Os esquemas cognitivos não são ensinados. São construídos ao longo da vida do sujeito por meio da sua ação sobre o objeto. Fonte: Blog Kombo Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Graduação | UNISUAM 6 Se exigirmos da criança uma aprendizagem acima das possibilidades do seu estágio de pensamento, para o qual não possui esquema adequado desenvolvido, essa aprendizagem não ocorrerá, o que pode acontecer é você observar uma pseudo-aprendizagem, isto é, um treinamento, repetição automática, sem signifi cado cognitivo e, consequentemente o desprazer no ato de aprender. o que envolve o esquema? Envolve diferentes ações em diferentes circunstâncias, e não somente uma resposta a um estímulo específico. Observamos no decorrer do desenvolvimento da criança que o esquema de sugar, por exemplo, envolve diferentes movimentos: da cabeça, abrir a boca, chupar, engolir; desenvolvendo-se rapidamente nos primeiros meses. Assim, nos deparamos com uma criança, antes de um ano de idade, observando sua mãe preparando a mamadeira, movimentar a boca como no ato de sugar. O mesmo ocorre com os outros esquemas, como o de preensão, que se diferencia de acordo com o objeto. Uma das características do esquema é que pode ser móvel (pode ser aplicado a diferentes objetos), mobilidade essa que aumenta de acordo com a idade e possibilita uma ação instrumental - uso de um meio para obter determinado objetivo; por exemplo: a criança pega um objeto, afasta-o, solta-o a fi m de pegar o que está atrás do objeto. É bom lembrar que os esquemas não incluem somente ações físicas, por exemplo: o esquema de pegar consiste em alcançar, curvar e contrair os dedos, constituindo uma unidade que pode ser identifi cada e repetida; podem também descrever ações cognitivas, por exemplo: conceito de número, leis da lógica. 7 Unidade 02 Teorias do Desenvolvimento Humano Fonte: Pinterest o esQueMA De sugAR envoLve DiFeRentes MoviMentos DesenvoLviMentos Logo nos PRiMeiRos Meses Piaget conceituou processos cognitivos como ações, daí englobar todos os esquemas; como também observou que os esquemas cognitivos derivam dos esquemas sensoriais, graças ao processo de interiorização. Observando o que Piaget entendeu por inteligência e o que definimos como esquema, surge uma pergunta: mas como ocorre a adaptação? Vamos, a seguir, conhecer o processo de adaptação prosseguido da assimilação e acomodação! Adaptação, Assimilação, Acomodação Também é com o auxílio da Biologia que Piaget (1973) vai explicar o processo da adaptação, que envolve processos complementares, tais como: Para entender melhor o processo da adaptação, observe a imagem a seguir. Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Graduação | UNISUAM 8 O organismo precisa assimilar uma nova situação antes de poder acomodar- se a ela. À medida que cresce, a criança aos poucos se torna equilibrada pela aquisição de esquemas sistemáticos, organizados e de amplitude cada vez maiores. Vejamos, a seguir, como se dá o processo de equilibração no desenvolvimento cognitivo! equilibração Piaget (1973) também utiliza o processo de equilibração para poder explicar o desenvolvimento cognitivo. Para o autor, no momento em que o sujeito interage com o meio é instigado a formular novos conhecimentos, fi cando em estado de confl ito (desequilíbrio). Uma criança de 5 anos, por exemplo, pode deter ideias ou informações que não estão organizadas de forma coerente, que em alguns momentos apresentam uma certa lógica (o que para alguns adultos parece ser altamente inteligente) e, no momento seguinte, uma ilógica. Essa incoerência coloca a criança em confl ito consigo mesma; o mesmo ocorre quando a criança está frente a outra criança com ponto de vista diferente. Vejamos um exemplo com a ilustração abaixo: 9 Unidade 02 Teorias do Desenvolvimento Humano O reestabelecimento do equilíbrio nada mais é do que a adaptação à nova situação. Desta forma, Piaget (1973) ressalta que o conhecimento não ocorre somente pela experiência com o objeto nem é resultado de uma programação inata do sujeito, mas sim das ações do sujeito sobre o objeto, frente a desafi os cognitivos ou situações problemáticas. equilibração Majorante Quando o reestabelecimento do equilíbrio não apenas volta ao equilíbrio anterior, mas forma um novo equilíbrio ou um melhor equilíbrio (equilíbrio de nível superior) que funcionará como um novo ponto de partida e, assim, sucessivamente, ocorre a equilibração majorante. Esse processo não ocorre de forma linear, e sim de uma forma espiral, em que uma ação levará a outra por meio de um processo de interação constante. Para que essa equilibração majorante ocorra, Piaget nos mostra que, além da adaptação, faz-se necessária a função de organização. Esta possibilitará a integração de uma estrutura à outra pré-existente, garantindo a totalidade. Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Graduação | UNISUAM 10 Diferentemente das abordagens anteriores a Piaget (1973), a inteligência não é herdada e sim construída, de forma dinâmica, e o desenvolvimento intelectual é um processo de equilibração progressiva, que culmina com a conquista das operações formais. O contato com o ambiente possibilita à criança estar diante de questões que rompem com o seu estado de equilíbrio, estimulando-a a buscar comportamentos mais adaptativos. A partir de conhecimentos adquiridos, novas formas de interação com o ambiente vão surgindo, proporcionando adaptações cada vez mais completas e efi cientes e tornando a criança mais apta a lidar com situações novas. Representações Mentais Abordadas por Piaget Piaget, por ser cognitivista e fazer sua análise do ponto de vista interacionista- construtivista, atribui à linguagem um papel secundário, valorizando as estruturas operatórias do pensamento. Opõe-se ainda, à ideia de que a linguagem seja a responsável pelo pensamento. 11 Unidade 02 Teorias do Desenvolvimento Humano É na ação que a criança desenvolve as estruturas cognitivas superiores à origem da lógica e do pensamento. No fi nal do período sensório-motor, a criança desenvolve a capacidade de representar simbolicamente os objetos, graças à internalização das ações. Logo, a linguagem é estruturada pela lógica. As representações mentais fazem parte do aspecto fi gurativo do pensamento em oposição às operações mentais lógicas, aspecto operatório do pensamento (raciocínio, relações lógicas). Essas representações ocorrem por meio da imitação, do jogo simbólico, da imagem mental, do desenho e da linguagem. Imitação A criança imita as características do objeto pela ação. A base da imitação é o processo de acomodação. A imitação pode ocorrer na presença ou não de modelos (imitação diferida). Jogo simbólico A criança representa diferentes papéis. Há um predomínio da assimilação. O modelo é modifi cado. Depende dos esquemas que a criança já desenvolveu. Nessa atividade, a criança utiliza objetos para representar qualquer coisa que imagina. Fazem parte do jogo simbólico: jogo de faz-de-conta, jogos organizados (com regras), as dramatizações e as brincadeiras. Imagem mental Provém de representações mentais das ações internalizadas. A criança imagina situações, representando um objeto pelo som, pelo tato ou pela descrição. Constroem-se esquemas simbólicos. Desenho A criança tenta representar o real pelo desenho. Este não é uma cópia da realidade. Há um equilíbrio entre assimilação e acomodação. O desenho é construção da criança, envolve não só seu desenvolvimento cognitivo, comotambém afetivo-emocional. Linguagem A criança utiliza a expressão verbal para expressar suas ações e interpretações do mundo. A linguagem é o refl exo do pensamento da criança, e ela é a que melhor expressa a internalização das ações e percepções. Dentre todas as representações mentais, a linguagem é a que melhor expressa a internalização das ações e percepções. Portanto, ela merece um aprofundamento. Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Graduação | UNISUAM 12 Linguagem Você saberia as respostas destas questões: Pensamento e linguagem constituem uma unidade ou são funções distintas? Existe pensamento sem linguagem? A Linguagem desempenha papel ativo no pensamento? Nos diferentes estudos sobre linguagem e pensamento, muitas questões como essas são levantadas. Para pesquisadores, a relação pensamento-linguagem constitui um dos problemas mais complexos. Por um lado, dizem que a linguagem não pode ser empregada sem pensamento; porém, por outro lado, o pensamento puro, sem linguagem, é controvertido1. A partir daí, encontramos duas posições: Diante dessas duas concepções, qual seria a posição de Piaget? A ideia de que a linguagem seja a responsável pelo pensamento não é compartilhada por Piaget. Para ele, é na ação da criança que está a origem da organização simbólica e do desenvolvimento das estruturas cognitivas superiores (estruturas lógicas do pensamento). E a linguagem faz parte de uma organização cognitiva mais geral, embasada na ação e nos mecanismos sensoriais- motores. 1 Segundo o dicionário on-line, a palavra controvertido vem do latim controversu, que significa: que é objeto de controvérsia; controvertível; controvertido. Quer saber mais? Clique aqui e veja exemplos de sua aplicação. Endereço do link: http://www.priberam.pt/dlpo/definir Fonte: Doutíssima 13 Unidade 02 Teorias do Desenvolvimento Humano Então, podemos dizer que, para Piaget, o lugar da linguagem é minimizado pela sua interpretação cognitivista, já que é a partir da atividade do sujeito epistêmico2 e secundariamente social que o conhecimento se constitui enfatizando o papel da inteligência operatória nas construções das estruturas cognitivas, a linguagem tem papel insufi ciente nesse processo. É nessa discussão sobre linguagem e pensamento que surge uma questão fundamental: o egocentrismo infantil. Vamos, a seguir, conhecer este assunto! Linguagem e egocentrismo Você já observou que as crianças pequenas (três anos) falam sozinhas, todas ao mesmo tempo, sem nenhuma preocupação de comunicação ou troca uns com os outros? Esse fenômeno é chamamos de Fala Egocêntrica. Segundo Piaget, o egocentrismo ocupa uma posição genética, estruturalmente funcional, intermediária entre o pensamento autístico e o pensamento dirigido. À medida que a criança se desenvolve, seu pensamento vai sendo infl uenciado pela experiência e pela lógica. 2 Já vimos esse termo na Unidade 1, você se lembra? O método da Epistemologia Ge- nética levou Piaget a abandonar os aspectos quantitativos e a inovar com o estudo dos aspectos qualitativos da inteligência. Não interessava a ele saber quem tem mais inte- ligência, mas sim de que forma o sujeito usa a sua capacidade mental. Segundo Piaget, tudo se inicia com os refl exos, que todo ser humano traz ao nascer. A pergunta básica dele era: de que forma o ser humano, que nasce somente com os refl exos, chega à adolescên- cia usando uma capacidade mental em que é capaz de traçar hipóteses, fazer deduções, projetar, pensar abstratamente? Se esse conceito ainda não fi cou claro, volte à nossa primeira unidade! Fonte: NoveMeses.pt CRiAnÇAs CoRRigeM-se A si PRóPRiAs enQuAnto FALAM soZinHAs Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Graduação | UNISUAM 14 Piaget vê o autismo como a forma mais primitiva do pensamento - a lógica da razão aparece relativamente mais tarde - e o pensamento egocêntrico como o elo genético entre ambos. Para ele, as conversas infantis caracterizam-se pela fala egocêntrica e fala socializada. Fala Egocêntrica Fala Socializada A criança fala apenas de si própria, sem interesse por seu interlocutor. N e s te s e n t i d o , n ã o te n t a s e comunicar, não espera resposta e, frequentemente, não se preocupa em saber se alguém está prestando atenção ao que diz. A criança procura efetivamente estabelecer um contato com o outro. Piaget acrescenta, ainda, que a tendência da fala egocêntrica é de atrofi ar-se à medida que a criança se aproxima da idade escolar. Admite, pois, que a fala egocêntrica deriva de uma socialização insuficiente da fa la , sendo seu dest ino o desaparecimento. Fonte: (SOUZA, 1991, p. 70). O egocentrismo infantil é um obstáculo a ser superado para que o pensamento da criança se torne lógico. De acordo com Piaget, o jogo simbólico (característico do pensamento pré-lógico) é o pensamento egocêntrico puro. É por meio do jogo simbólico que: a criança encontra uma maneira de satisfazer seu “eu” por meio de uma transformação do real em função de seus desejos. No jogo simbólico, a criança refaz a própria vida, corrigindo-a e revivendo todos os prazeres ou confl itos, resolvendo-os ou compensando-os, à sua maneira, através da imaginação (SOUZA; KRAMER, 1991, p. 75). Para Piaget a imitação é um esforço de adaptaçäo do sujeito ao real, enquanto no jogo simbólico a criança demonstra uma assimilação deformada da realidade ao eu. 15 Unidade 02 Teorias do Desenvolvimento Humano Neste sentido, a tendência do desenvolvimento cognitivo é a evolução do pensamento em direção a uma adaptação cada vez maior. Essa adaptação é caracterizada pelo pensamento intuitivo ou pré-lógico da primeira infância ao pensamento lógico do adulto (forma mais elaborada da relação inteligente do homem ao mundo). Em síntese, a linguagem, para Piaget, é a tomada de consciência de uma operação mentalmente construída na ação. É a indicadora do pensamento do sujeito. A linguagem envolve signos, e não símbolos. O Pensamento e Suas Características Segundo Piaget (1973), o pensamento, o raciocínio, as estruturas lógicas é que fazem com que o sujeito seja capaz ou não de compreender a linguagem que, por sua vez, vem do exterior (de fora para dentro). É o desenvolvimento da criança que vai determinar que ela internalize ou não o fato externo. Piaget (1973) trabalhou com dois tipos de estrutura de pensamento, a saber: Estrutura Infralógica Estrutura Lógica Altamente s ign i f icante para o desenvolvimento do pensamento. Para a formação dessa estrutura, a criança opera com um único objeto como um todo e é capaz de subdividir o todo nas partes que o compõem ou vice-versa. As noções infralógicas estão relacionadas a espaço, tempo, medida etc. Os conceitos infralógicos evoluem paralelamente aos conceitos lógicos. Aqui, o pensamento opera com um conjunto de objetos e suas relações. Envolve o classifi car, seriar, incluir em classes, trabalhar com as operações. Fonte: (PIAGET, 1973) No estágio pré-operatório, do pensamento intuitivo, as crianças demonstram alguma capacidade para raciocinar de forma concreta. Um exemplo é a criança que, brincando com os blocos lógicos, coloca um triângulo sobre um quadrado e diz: “casa da vovó”. Outro exemplo é quando a criança pergunta quem colocou a lua no céu. As intuições não dispõem de reversibilidade, mobilidade. O pensamento ocorre somente com base na realidade que veem. São ainda caracterizados pelo animismo, finalismos, Fonte: Blog Maria Babona Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Graduação | UNISUAM 16 artifi cialismo. Essas características que fundamentam uma capacidade pré- lógica do pensamento levam ao raciocínio transductivo (capacidade de explicar o fenômeno do particular para o particular). É no estágio operatório-concreto que começa a surgir uma frágil capacidadede raciocínio abstrato. Surgem as estruturas infralógicas. Ocorre, nesse estágio, uma manipulação concreta de objetos em relação à constituição de espaço, de tempo e de medida. Já na proximidade dos 12 anos de idade, no estágio operatório-formal, a criança começa a fazer operações lógico-matemáticas de classifi cação, seriação, multiplicação lógica e numeração, desenvolvendo uma estrutura lógica interna consistente e uma habilidade em solucionar problemas concretos. Na fase da pré-adolescência, a criança é capaz de deduzir, fazer proposições, discutir hipóteses, pensar abstratamente e não trabalhar apenas com o real. O pensamento torna-se muito mais complexo utilizando teorização e refl exão, chegando à estrutura lógica combinatória e proposicional. É a capacidade mental mais evoluída do pensamento humano. A Criança e a Construção da Moralidade Na charge, o inquilino ao qual a Mafalda se refere na história acima é a moral que, segundo o dicionário, é “o conjunto de regras de conduta consideradas como válidas, quer de modo absoluto para qualquer tempo ou lugar, quer para grupo ou pessoa determinada”. Para Piaget, os valores morais são construídos a partir da interação da criança com os diversos ambientes sociais, em um contexto de cooperação. É o outro quem desafi a a criança a justifi car sua forma de pensar, seus pontos de vista em relação a determinado conhecimento. Fonte: Emaze 17 Unidade 02 Teorias do Desenvolvimento Humano CHARge MAFALDA A primeira moral da criança é a obediência ao adulto, e o primeiro critério de bem é a vontade dos pais. Na relação criança/criança, vê-se que as normas surgem da própria criança em conformidade com o contexto social onde está inserida. O desenvolvimento da moral infantil, portanto, ocorre por um processo de maturação que, em contato com o contexto social, fará com que a criança evolua numa linha ascendente da dependência moral à autonomia moral, passando por vários níveis, na busca da equilibração majorante. De acordo com Piaget, são quatro os estágios do desenvolvimento moral pelos quais a criança passa. Vamos conhecer cada um deles! Estágio 1: Anomia É o estágio pré-moral, onde não há regras. As ordens são obedecidas de forma mecânica, característica comum em bebês que ainda irão construir valores ao longo de seu desenvolvimento. O egocentrismo infantil é predominante e a criança tem a tendência de projetar seus impulsos no mundo exterior. Estágio 2: Heteronomia Caracteriza por uma fase de moralidade heterônoma (cinco a oito anos). A criança desenvolve a aquisição do conceito de normas e regras. Sente-os pela Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Graduação | UNISUAM 18 coerção e imposições do adulto. Analisa os atos de acordo com a consequência imediata e não pela intenção de quem o praticou. Por exemplo, no caso em que uma pessoa quebra muitos pratos sem querer, e uma outra quebra um único prato porque atirou com raiva em outra pessoa. A criança, nessa fase, julga que quem quebrou muitos pratos sem querer é o mais culpado. Estágio 3: Transição para a Autonomia Moral É a fase de transição para a autonomia moral que ocorre entre oito a dez anos. As normas ainda são percebidas como impostas, porém já não manifesta uma obediência rígida às regras e proibições, considera as situações específicas. Estágio 4: Autonomia Moral O quarto estágio á caracterizado pela autonomia moral que ocorre entre a idade de dez a doze anos. Analisa as situações para cumprir os deveres ou as proibições. O julgamento da responsabilidade pelos atos leva mais em consideração a intenção de quem pratica o ato do que a consequência do ato. Será mais grave de acordo com a intenção de quem o praticou. No estudo da constituição da moral, Piaget mostra que a maturação não é o único fator importante, mas também, e, principalmente, o desenvolvimento da cooperação e do respeito pelos outros. Daí ser fundamental, nesta construção da moralidade, a liberdade dada à criança para refletir, questionar, reinterpretar as normas estabelecidas, e não somente cumpri-las incondicionalmente. Na ilustração, ao lado, você consegue notar que a cooperação, o respeito recíproco e a socialização favorecem a autonomia? É a partir dos processos de descentração (do debate) que a criança vai se desprendendo da coerção e das normas impostas pelo meio social e vai sendo capaz de desenvolver uma postura crítica. A ausência de debate, de expressão e de interação não favorece o desenvolvimento da subjetividade crítica necessária à autonomia. É diante da subjetividade crítica que a criança constrói as suas normas de conduta e de pensamento, podendo assim se adaptar à necessidade, buscando a autonomia. 19 Unidade 02 Teorias do Desenvolvimento Humano A Busca pela Autonomia Piaget (1973) aponta alguns cuidados que o educador deve ter, a fi m de propiciar condições para que a criança chegue satisfatoriamente à autonomia. Por exemplo, se o adulto usa recompensas ou castigos acreditando que está contribuindo para a formação moral da criança, engana-se; na verdade, está reforçando a heteronímia (segundo estágio do desenvolvimento moral). As crianças vão apresentar comportamentos de revolta, conformidade (só obedecem), e repetirão o comportamento quando houver nova possibilidade. A possibilidade de a criança construir, por si mesma, regras de conduta pela coordenação de seus pontos de vista, poderá ser desenvolvida por meio de sanções de reciprocidade. As exigências dos adultos devem ser razoáveis e estarem sempre de acordo com o nível de compreensão das crianças. Aqui, mais uma vez, a atitude de cooperação entre adulto e criança é de fundamental importância. Vejamos algumas propostas para que a criança construa sua autonomia: • Excluir temporariamente do grupo; • Deixar a criança experimentar a consequência direta e material do seu ato; • Privar o sujeito de algo que tenha estragado; • Encorajar a criança a reparar o que fez, podendo inclusive ajudá-la, ou qualquer outra exigência que leve à construção moral da criança e não somente à obediência a partir do medo. Lembre-se sempre de que a moralidade infantil é uma construção e reconstrução ativa de regras por parte do sujeito. Fo nt e : T e ra p ia d e C ria n ça Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Graduação | UNISUAM 20 CRiAnÇA FeLiZ PoR ARRuMAR os seus PRóPRios BRinQueDos Sintetizando... A linguagem permite a representação da realidade. De início, essa representação, esse pensamento, ocorre por uma incapacidade de descentração, uma capacidade pré-lógica do pensamento, pouca mobilidade no ato de pensar. Isso caracteriza um tipo de pensamento intuitivo, em que a criança faz suas afi rmações, porém não é capaz de conceituá-las, não justifi ca suas respostas de forma lógica. Posteriormente, conforme os desequilíbrios do pensamento, a criança vai buscando o equilíbrio por meio de novas ações. Isso vai possibilitar a ela que pense de forma mais fl exível e lógica. O desenvolvimento moral é uma construção no interior do indivíduo em interação com outras pessoas. A simples obediência não favorece o desenvolvimento da criança, deve sim, haver uma relação de afeto e de respeito mútuos entre adultos e crianças. Autonomia é indissociavelmente moral e intelectual. Infelizmente as crianças não são encorajadas na escola a pensar de maneira autônoma. Até aqui, conhecemos o que é a Epistemologia Genética e também como se desenvolve a inteligência. Aprendemos ainda alguns conceitos fundamentais da teoria de Piaget, como adaptação, assimilação, acomodação, esquema e equilibração. Agora trataremos dos diferentes estágios de desenvolvimento intelectual e suas características fundamentais, bem como os fatores responsáveis pelo desenvolvimento cognitivo. Jean Piaget coloca como ponto de partida nesse estudo os refl exos, seguindo a linha do desenvolvimento até o pensamento lógico-formal, considerado o estado final de equilíbrio. Piaget (1973) desenvolveu esse estudo, a princípio, observando seus próprios filhos. Das estruturas iniciais do recém-nascido buscou compreender o processo que ocorria na construção das estruturas sucessivas. Assim, chegou ao conceito teórico de estágio ou período, que envolve um conjunto de características próprias a cada momento do processo de desenvolvimento das estruturas cognitivas. As estruturas variam de acordo com o estágio. Cada estágio apresenta características particulares com um repertório de esquemas cognitivos que lhe permite compreender e atuar sobre a realidade. Se observarmos como cada criança reage a determinada situação, podemos determinar sua estrutura de pensamento e, consequentemente, seu estágio de desenvolvimento intelectual. É importante observar que a questão da cronologia (idade dos estágios) não deve ser considerada como fator determinante neste estudo. Prontos para aprender mais sobre Piaget? Então, vamos! 21 Unidade 02 Teorias do Desenvolvimento Humano Períodos de Desenvolvimento Intelectual Piaget (1973) apresenta o desenvolvimento da criança em quatro estágios ou períodos: sensório-motor, pré-operacional, operacional-concreto e operacional-formal. A estas formas de pensar e agir, Piaget denominou estágios ou períodos do desenvolvimento intelectual. Vamos conhecer cada um deles! Sensório-motor A partir de reflexos neurológicos básicos, o bebê começa a construir esquemas de ação para assimilar mentalmente o meio. A inteligência é prática. As noções de espaço e tempo são construídas pela ação. O contato com o meio é direto e imediato, sem representação ou pensamento. Pré-operacional Caracteriza-se, principalmente, pela interiorização de esquemas de ação construídos no estágio anterior (sensório-motor). A criança deste estágio é egocêntrica, centrada em si mesma, e não consegue se colocar, abstratamente, no lugar do outro; não aceita a ideia do acaso e tudo deve ter uma explicação (é fase dos “por quês”); já pode agir por simulação, “como se”; possui percepção global sem discriminar detalhes; deixa-se levar pela aparência sem relacionar fatos. Operacional-concreto A criança desenvolve noções de tempo, espaço, velocidade, ordem, casualidade, ..., já sendo capaz de relacionar diferentes aspectos e abstrair Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Graduação | UNISUAM 22 dados da realidade. Não se limita a uma representação imediata, mas ainda depende do mundo concreto para chegar à abstração. Desenvolve a capacidade de representar uma ação no sentido inverso de uma anterior, anulando a transformação observada (reversibilidade). Operacional-formal A representação agora permite a abstração total. A criança não se limita mais à representação imediata nem somente às relações previamente existentes, mas é capaz de pensar em todas as relações possíveis logicamente, buscando soluções a partir de hipóteses e não apenas pela observação da realidade. entendendo Melhor os Períodos de Desenvolvimento intelectual Ao nascer, a criança é dotada do refl exo de sugar. Ao sugar o seio da mãe, forma, mentalmente, o esquema de sugar que se diferencia de acordo com o objeto a ser sugado. Também podemos observar esse esquema de sugar associado a outro esquema, como o de agarrar. Assim, teremos: agarrar para sugar. Esse período, chamado de sensório-motor, se subdivide em outros subperíodos, cada um com suas características específi cas. Quando a criança começa a formar esquemas simbólicos, graças, principalmente, à ação da linguagem (cópia internalizada dos esquemas sensoriais-motores), ela passa para o segundo período, conhecido por pré- operacional. Essa interiorização dos esquemas consiste na representação das ações. De início, os instrumentos que a criança dispõe para conhecer o mundo são os esquemas de ação, caracterizando uma inteligência prática, que vai sendo substituída pela inteligência representativa. A criança, no estágio anterior, ao sentir sede só pede água se a água estiver no seu campo visual. Neste período, pré-operacional, a criança é capaz de pedir água mesmo a água não estando presente (mentalmente já está formada a representação da água). Esquemas conceituais vão se formando, de acordo com os princípios da lógica, porém dependendo ainda de atividades com objeto presente. É o período operacional-concreto. Nele, a criança consegue fazer tudo que não era possível no estágio anterior, pois o egocentrismo desaparece e surgem as possibilidades de operar com conceitos lógicos-matemáticos. Quando a criança não se limita mais a atividades com o objeto presente, ela passa para o período operatório-formal, caracterizado pelo pensamento abstrato, pela operação envolvendo situações hipotéticas de modo lógico, organização de regras, questionamento de valores apresentados pela sociedade. 23 Unidade 02 Teorias do Desenvolvimento Humano Meio Ambiente Piaget observou ainda que a criança interage com seu meio ambiente diferentemente, de acordo com as diversas etapas do desenvolvimento. Para ele, o sujeito herda a capacidade para a aprendizagem, mas o seu desenvolvimento dependerá das condições que o meio oferece. Tendo em vista isso, Piaget (1973) propôs quatro amplos fatores que são relacionados ao desenvolvimento cognitivo: maturação orgânica, experiência física, transmissão social e equilibração. Maturação orgânica Representa a possibilidade neurológica do sujeito quando interage com o meio. Experiência física Representa a experiência com objetos, é indispensável para o desenvolvimento do conhecimento físico, a partir das características do objeto, e do conhecimento lógico-matemático, a partir das coordenações do sujeito sobre o objeto. Transmissão social Representa as possibilidades de acesso ao conhecimento construído pela sociedade. Este fator determina avanços ou atrasos, conforme a inserção do sujeito em contextos culturais mais ou menos ricos. Equilibração Coordena os outros três fatores. É um fator interno que constitui a busca de um novo equilíbrio a partir de uma situação de desequilíbrio. Cada equilíbrio constitui uma nova adaptação. É este fator que faz entender porque as crianças Fonte: Disneybabble Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Graduação | UNISUAM 24 muitas vezes não compreendem e não progridem a partir do trabalho realizado em sala, mas somente tempos depois. Piaget considerou cada um desses fatores e suas interações como condições necessárias para o desenvolvimento cognitivo, e nenhum deles sozinho como suficiente para assegurá-lo. Conclusão Para Piaget, o desenvolvimento intelectual ocorre por meio de uma sucessão de períodos ou estágios evolutivos em que esquemas e reflexos de ação e de conceitos são organizados entre si. Cada uma dessas etapas é responsável por determinada construção, sendo estas sempre contínuas. Dessa forma, todo o conhecimento do sujeito precisa primeiro ser construído nos estágios mais básicos, para, em seguida, ser reconstruído, possibilitando o enriquecimento da compreensão. Esse processo não acontece de modo rápido, uma vez que os períodos ou estágios são construídos vagarosamente a partir da interação do sujeito com o meio. Provas Operatórias de Jean Piaget Antes de falarmos em provas operatórias, devemos relembrar o que estudamos aqui sobre o conhecimento, na visão de Piaget. Vimos que o conhecimento se dá por um processo de construção que ocorre no interior do indivíduo e não uma simples interiorização de informações exteriores, isto é, não são cópias da realidade exterior. Também vimos que, à medida que as estruturas cognitivas vão se construindo, o conhecimento vai se tornando cada vez mais objetivo. É agindo sobre os objetos que o sujeito estrutura e adquire conhecimentos. E onde entram as provas nessa história? T2 Fo nt e : A lle ve nt s. inReCuRsos De PRovAs oPeRAtóRiAs PiAgetiAnAs 25 Unidade 02 Teorias do Desenvolvimento Humano É pelas provas operatórias que, segundo Piaget (1973), compreenderemos como o sujeito opera com as situações vivenciadas no dia a dia, como as situações de aprendizagem propostas mobilizam o surgimento de atividades construtivas por parte da criança e a importância de ouvirmos nosso aluno no sentido de percebermos seu ponto de vista. De início, deve fi car claro que as provas são usadas como recurso. Elas são úteis para melhor analisarmos o desenvolvimento cognitivo. Também diferem de um teste, já que não há respostas certas. Verifi caremos, a seguir, os três tipos de conhecimento destacados por Piaget: físico, lógico-matemático e social. Conheceremos as provas operatórias piagetianas de conservação, classifi cação, seriação e de pensamento formal. Vale ressaltar que não cabe aqui detalhar a aplicação das provas operatórias, apenas serão apresentadas algumas provas operatórias e suas modifi cações. Vamos colocar em prática os conceitos estudados na teoria de Piaget sobre provas operatórias! Os Três Tipos de Conhecimento Para começarmos o tópico, leia o texto a seguir de Carraher (1989, p. 63): Um dia eu vi uma menina de 9 anos dividindo um tablete de chicletes de bola com seu irmão. O irmãozinho, de 5 anos, reclamou: “O seu é maior. Você tem mais. A menina pegou o pedaço dele, espichou bem até fi car mais comprido que o dela. “Olhe agora.” E o menino, todo contente, foi embora: “É, o meu é maior”. A menina havia descoberto um modo de receber e dar o maior pedaço a cada um. Você saberia dizer qual conhecimento foi construído pela menina? Piaget (1973), assim como seus seguidores, demonstrou que nem todos os conhecimentos são da mesma natureza. Para ele, existem três tipos de conhecimento: o físico, o lógico-matemático e o social. Conhecimento Físico No conhecimento físico, por meio do experimento, a criança dissocia uma propriedade do objeto, recentemente descoberta, das demais propriedades. Por exemplo, cor, textura, forma, cheiro, gosto, temperatura etc. Ela descobre essas propriedades por meio da sua ação sobre os objetos e como os objetos reagem a essas ações – observação da ação. Fonte: Instituto Ayrton Senna Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Graduação | UNISUAM 26 Voltemos ao exemplo da menina que dividiu o chiclete com o seu irmão. Aos 9 anos, ela já sabe que esticando o chiclete ele fi cará maior. Isso é conhecimento físico! Apalpar, quebrar, bater, esticar, dobrar, sacudir, morder são atividades importantes para desenvolver o conhecimento físico. Existem atividades em que a ação (deslocamento dos objetos) é a principal e a observação (transformações) é secundária. Tome nota disso! Conhecimento Lógico-Matemático Já o conhecimento lógico-matemático é aquele adquirido por meio das coordenações das ações que o sujeito exerce sobre os objetos. É importante deixar bem claro, aqui, que essa separação entre conhecimento físico e lógico-matemático é puramente didática. Na verdade, o conhecimento físico não pode ser construído sem uma relação lógico-matemática, não é mesmo? Objeto = fonte do conhecimento físico. Sujeito = fonte do conhecimento lógico-matemático. Anote as características do conhecimento lógico-matemático! • Constrói-se a partir das relações que a criança cria entre os objetos. • É unidirecional e irreversível. • Jamais será esquecido. Agora, tente identifi car alguma dessas características na história a seguir. Fo nt e : E n ci cl o p é d ia -C ria n ça 27 Unidade 02 Teorias do Desenvolvimento Humano Dois irmãos, uma menina de 4 anos e um menino de 8 anos, pedem dinheiro aos pais para comprar pipoca. Os pais dão para o menino uma moeda de R$ 1,00; e para a menina, quatro moedas de R$ 0,25. A menina sai correndo feliz da vida, achando ter recebido mais dinheiro do que o irmão. Você acha que a menina já tem estruturado o pensamento lógico-matemático? Não. Ela pensou que, ao ganhar mais moedas, estaria com mais dinheiro do que o irmão, o que não é verdade. A moeda de R$ 1,00 possui o mesmo valor do que as quatro moedas de R$ 0,25. Ou seja, os dois irmãos teriam ganhado a mesma quantidade de dinheiro para comprar pipoca. Conhecimento social O conhecimento social é adquirido por meio das informações fornecidas pelas pessoas que estão ao redor da criança. É um conhecimento arbitrário e fundamenta-se no consenso social. Esse conhecimento não ocorre de forma unilateral, é fundamental para a adaptação ao meio em que se vive. As atividades que possibilitam esse conhecimento permitem a obtenção de objetivos cognitivos, afetivos, sociais e perceptivos-motores. De acordo com o interesse e a curiosidade da criança, os conteúdos e atividades relacionadas ao conhecimento social vão se desenvolvendo. Quando as atividades escolhidas pela criança são desafi antes, seu pensamento será desenvolvido num clima sem coerção, o que assegurará os objetivos afetivos. Do mesmo modo, em relação aos objetivos cognitivos, a aquisição do conhecimento social ampliará o conhecimento que a criança tem do mundo e suas possibilidades de adaptação. Fo nt e : I n sp ira d o sp e lo au tis m o Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Graduação | UNISUAM 28 Veja o exemplo a seguir: No cantinho da leitura, em uma prateleira ao alcance das crianças, fi cam expostos os livros. Elas escolhem alguns e se sentam no chão para folheá- los ou mesmo levá-los à boca. Uma criança pequena entrega um livro à professora, que pergunta: “Ah, você quer que eu leia?” Os pequenos, então, passam a prestar atenção na leitura feita por ela, que mostra as ilustrações e as comenta (Revista Nova Escola). O que levou a criança pequena a entregar o livro à professora para que ela o lesse? Provavelmente a criança já havia observado alguém de seu meio pegando o livro e lendo, não é mesmo? Isso é conhecimento social. A partir das informações fornecidas pelas pessoas e pelo ambiente social, a criança desenvolve esse conhecimento. Ele ocorre de forma dinâmica e integrada. No conhecimento social, os objetivos sociais também estarão assegurados, já que estas atividades possibilitarão uma integração social. Atividades que estimulem as habilidades perceptivas-motoras também se desenvolverão a partir de temas de conhecimento social, a partir de situações reais vivenciadas pelas crianças. Agora que você já conhece os três tipos de conhecimentos que podem ser trabalhados no desenvolvimento da inteligência da criança, que tal conhecer alguns recursos para colocar em prática os conceitos estudados na teoria de Piaget sobre provas operatórias? Vamos em frente! Recursos para Aplicar Provas Operatórias Piagetianas Como já vimos, as provas operatórias nos permitem conhecer o funcionamento e o desenvolvimento das funções lógicas do sujeito. É por elas que podemos investigar o nível cognitivo em que a criança se encontra e se há diferença em relação à sua idade cronológica. Uma criança com difi culdades de aprendizagem, por exemplo, poderá ter uma idade cognitiva diferente da idade cronológica. Esta criança encontra-se com uma defasagem cognitiva e que pode ser a causa de suas difi culdades de aprendizagem, pois será difícil para a criança entender um conteúdo que está acima da sua capacidade cognitiva. 29 Unidade 02 Teorias do Desenvolvimento Humano Vale lembrar que, ao aplicar as provas, é fundamental não aplicar várias provas de conservação em uma mesma sessão, para que o sujeito não seja contagiado pelas mesmas respostas. Faça uma alternância entre provas de conservação, classificação, seriação e de pensamento formal. Veremos, a seguir, cada uma delas. Provas de Conservação Conservação é definida por Piaget (1973) como a capacidade de perceber que apesar das variações de forma ou arranjo espacial, uma quantidade ou valor não varia se dele não se retira ou adiciona algo.Temos provas de conservação de: matéria, líquidos, pequenos conjuntos discretos de elementos, superfície, volume, peso e comprimento. Observe cada uma delas nas figuras a seguir. Para isso, utilize as setas de avançar e recuar! Conservação da quantidade de matéria Fonte: http://www.psicopedagogiabrasil.com.br/provas_operatoriasfotos.htm Conservação de quantidade de líquidos Fonte: http://www.psicopedagogiabrasil.com.br/provas_operatoriasfotos.htm Conservação de pequenos conjuntos discretos de elementos Fonte: http://www.psicopedagogiabrasil.com.br/provas_operatoriasfotos.htm Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Graduação | UNISUAM 30 Conservação de superfície http://www.psicopedagogiabrasil.com.br/provas_operatoriasfotos.htm Conservação de volume http://www.psicopedagogiabrasil.com.br/provas_operatoriasfotos.htm Conservação de peso http://www.psicopedagogiabrasil.com.br/provas_operatoriasfotos.htm Conservação de comprimento http://www.psicopedagogiabrasil.com.br/provas_operatoriasfotos.htm 31 Unidade 02 Teorias do Desenvolvimento Humano Prova de Classificação Nesse tipo de prova, agrupa-se pela semelhança, pela definição de um critério. Por exemplo, o critério da cor, da forma, do tamanho. Classificação por mudança de critério – Dicotomia http://www.psicopedagogiabrasil.com.br/provas_operatoriasfotos.htm Classificação por inclusão de classes http://www.psicopedagogiabrasil.com.br/provas_operatoriasfotos.htm Classificação por intersecção de classes http://www.psicopedagogiabrasil.com.br/provas_operatoriasfotos.htm Prova de seriação Nesse tipo de prova, agrupa-se segundo as diferenças, segundo a ordenação dos elementos (grandezas crescentes ou decrescentes). Por exemplo, quando há vários palitos de tamanhos diferentes e a criança agrupa-os de acordo com o tamanho de cada um em ordem crescente (do menor ao maior). http://www.psicopedagogiabrasil.com.br/provas_operatoriasfotos.htm Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Graduação | UNISUAM 32 Prova operatória para o Pensamento Formal Prova de combinação de fichas e prova de permutações possíveis com um conjunto determinado. Quer saber mais sobre as provas piagetianas e o diagnóstico psicopedagógico? Leia o terceiro capítulo, intitulado O uso clínico das provas piagetianas como protótipo do diagnóstico psicopedagógico, de Denise da Cruz Gouveia, do livro Psicopedagogia: fundamentos para a construção de um estilo. Para isso, clique aqui e faça o download deste material: http://books.google.com.br/books/about/ Psicopedagogia_Fundamentos_Para_a. html?hl=pt-BR&id=XYcZPaU_NS0C Boa leitura! saiba mais? O Sociointeracionismo de Vygotsky Voltando à nossa infância. Lembra quando você brincava de pique-pega, amarelinha, pula cordas, esconde-esconde? Se olharmos para trás, agora com outro olhar, observaremos o quanto este “brincar” foi importante para a nossa vida. Por meio das brincadeiras, aprendemos a conviver em grupo, a compartilhar nossas vidas, e também coisas, com outras pessoas. Aprendemos a socializar-nos. Foi pensando no desenvolvimento do sujeito como resultado de um processo sócio-histórico que Vygotsky (1998) construiu a sua teoria. Ele procurou compreender como o indivíduo marcado pela história e pela cultura constrói o conhecimento (esta é uma ideia marxista). T3 Fo nt e : P ro je to J im b o ê – G al e ria d e Im ag e n s 33 Unidade 02 Teorias do Desenvolvimento Humano Vygotsky contrapunha-se à psicologia oficial de seu tempo, de que a aprendizagem era uma mera aquisição de informações. Entendia que a aprendizagem não acontecia a partir de uma simples associação de ideias armazenadas na memória, mas era um processo interno, ativo e interpessoal. Estudaremos, neste tópico, os principais conceitos da teoria de Vygotsky (interação, internalização e mediação), bem como os três níveis de desenvolvimento psicológico humano descritos pelo teórico: fi logenético (ou evolutivo, ou ainda natural), ontogenético e histórico-cultural. Também veremos o posicionamento de Vygotsky em relação ao desenvolvimento da linguagem e do pensamento infantil. Vamos seguir em frente! Pressupostos Básicos da teoria de vygotsky A base dos estudos de Vygotsky (1998) é o materialismo histórico-dialético3. O autor enfatizava o processo histórico-social e o papel da linguagem no desenvolvimento do indivíduo. Sua questão central é a aquisição de conhecimentos pela interação do sujeito com o meio. Por isso, a linguagem tem um papel central no desenvolvimento humano. 3 O método materialista histórico-dialético caracteriza-se pelo movimento do pensamento através da materialidade histórica da vida dos homens em sociedade, isto é, trata-se de descobrir (pelo movimento do pensamento) as leis fundamentais que defi nem a forma organizativa dos homens durante a história da humanidade. (PIRES, 1993). Para saber mais sobre o materialismo histórico-dialético, leia o texto O Materialismo Histórico-Dialético e a Educação, de Marília Freitas de Campos Pires (1997). Link do texto: http://www.scielo.br/pdf/icse/v1n1/06.pdf Fo nt e : B an co d e Im ag e n s Fa n d o m Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Graduação | UNISUAM 34 De acordo com o teórico, o meio social e o histórico são anteriores à existência do sujeito. O homem se torna humano por meio de uma construção social resultante da interação entre sujeito e meio sociocultural, numa dinâmica dialética. É essa interação que leva o homem a apropriar-se de significações. Vygotsky acreditava que até mesmo as nossas atitudes individuais estão impregnadas de trocas com o coletivo, ou seja, mesmo o que tomamos como característica individual foi construída a partir da interação com outros indivíduos. Entenderemos melhor essa relação quando falarmos sobre Zona de Desenvolvimento Proximal. O importante a frisar aqui é que o conhecimento humano se desenvolve pela troca, por meio de processos de interação, internalização e mediação. A seguir, veremos cada um desses processos. Vamos lá! interação O homem para Vygotsky (1998) é um ser que age sobre o mundo, transforma as ações e se transforma: é um ser interativo. Ele adquire conhecimentos pela interação com o meio. O meio é aqui entendido como algo muito amplo, carregado de signifi cados, que envolve cultura, sociedade, ideologias, história e práticas sociais. Para o teórico, não importa a classe social em que o sujeito está inserido ou as culturas mais ou menos desenvolvidas. O que importa são os meios pelos quais a sociedade se organiza, os tipos de tarefas que a criança, em desenvolvimento, enfrenta, e os tipos de instrumentos tanto físicos como mentais que utiliza. formado nos processos de 35 Unidade 02 Teorias do Desenvolvimento Humano Pela interação social, a criança aprende e se desenvolve, cria novas formas de agir no mundo, ampliando suas ferramentas de atuação em contextos culturais complexos. Assim, o sujeito adquire conhecimentos a partir de relações intra e interpessoais e de troca com o meio. internalização A internalização é o modo como o sujeito aprende algo externo. Ela é fundamentada na capacidade de mediação que o indivíduo possui entre as relações sociais e o desenvolvimento das funções mentais superiores4 (pensamentos, linguagem, capacidade de abstração). Vamos nos apropriar de um exemplo para clarifi car esse conceito. Inicialmente, uma criança realiza atos indeterminados. Depois, esses atos são direcionados a algum objeto que ela deseja alcançar e agarrar. Os adultos interpretam esses gestos e pegam o objeto para a criança. Na verdade, a criança alcança o objeto por meio do adulto que interpretou seu gesto. 4 Vygotsky fez uma distinção principal entre funções mentais “inferiores”, naturais, como percepção elementar, memória, atenção e vontade, e as funções “superiores” ou culturais como consciência, linguagem social (racional), leiturae escrita, que são especifi camente humanas e que aparecem gradualmente no curso de uma transformação radical das funções inferiores. DANIELS, Harry. [org.]. Uma introdução a Vygotsky. São Paulo: Loyola, 2002. p. 117 Fo n te : N ae sc o la Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Graduação | UNISUAM 36 Como observado, as crianças, desde o nascimento, estão em contato constante com os adultos. De início, suas respostas são explicadas por processos naturais. À medida que vai ocorrendo a intervenção do adulto, processos psicológicos mais complexos vão se constituindo (processo de interação). Fica claro em Vygotsky (1998) que o desenvolvimento está apoiado no plano das interações e daí sua importância. Diferentemente de Piaget, os movimentos da criança mobilizam o adulto e não o objeto do conhecimento diretamente. Vygotsky (1988, p. 75) diz que: todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual; primeiro, entre pessoas (interpsicológico ou intersubjetivo) e, depois, no interior da criança (intrapsicológico ou intrasubjetivo). Este último, intrapsicológico, ocorre quando os processos vivenciados com o outro se interiorizam no sujeito, transformando-se e constituindo o seu desenvolvimento interno. Você deve fi car atento para perceber que quando Vygotsky fala em plano interno, não quer dizer cópia do externo ou sua reprodução. Durante o processo de internalização ocorrem transformações. Cada sujeito constrói o seu conhecimento a partir de interações. Assim, na teoria de Vygotsky, a socialização leva ao aprendizado e não o contrário. Mediação Podemos chamar de mediação o processo que caracteriza a interação homem/mundo, homem/homem, possibilitando o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Também podemos denominar mediação o processo de interação envolvendo um elemento intermediário numa relação, que deixa de ser direta para se transformar numa relação mediada por esse elemento. Observe o esquema seguinte. 37 Unidade 02 Teorias do Desenvolvimento Humano O esquema nos mostra que o processo simples estímulo (S) - resposta (R) é substituído por um ato complexo, que envolve um elemento mediador (X). Para Vygotsky, são dois os tipos de elementos mediadores: os instrumentos e os signos. Ligado às ideias marxistas (princípios), Vygotsky busca compreender o homem tomando como base o trabalho, a formação da sociedade humana e o surgimento do trabalho. O trabalho permite ao homem transformar a natureza, unindo-os e criando a cultura e a história humana. O instrumento seria o elemento entre o trabalhador e o seu objetivo no trabalho, possibilitando maior transformação da natureza. Ele é um objeto social e mediador entre a relação indivíduo-mundo. Diferentemente dos instrumentos, que são elementos externos ao indivíduo cuja função é modificar os objetos, os signos, também chamados de “instrumentos psicológicos”, por Vygotsky (1988) são voltados para o próprio indivíduo, para o controle de suas ações psicológicas e não das ações concretas, como os instrumentos. Utilizamos vários signos no nosso dia a dia para auxiliar o nosso desempenho nas atividades psicológicas, como por exemplo, fazer anotações, desenhar mapas, dentre outras coisas. Tudo isso para melhorar a nossa capacidade de controlar a ação psicológica e para armazenar informações. Linguagem e Construção do Conhecimento Vygotsky aponta que um dos instrumentos (signos) básicos criados pelo homem é a linguagem. Para ele, a linguagem é o principal mediador do conhecimento, tendo um papel fundamental na interiorização do outro. Ela é, desde o início, social e socializada, valorizada pela troca e compreensão de seu signifi cado, muito mais que sua expressão oral; seja de qualquer forma que se expresse: palavras, gestos, choro, olhares etc. Quando nos relacionamos com os objetos, esses objetos estão carregados de significados, de T4 Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Graduação | UNISUAM 38 acordo com a cultura onde se encontram. Por exemplo: um copo não é apenas um objeto. Tem um signifi cado que é passado pelo outro e uma história que faz desse objeto ser um copo. Segundo Vygotsky (1988), a linguagem permite organizar o objeto em categorias conceituais. Tanto expressa o pensamento como age organizando-o. À medida que lida com o objeto ausente, abstrai e generaliza possibilitando a comunicação entre os homens. É falando que organizamos nosso pensamento. Na medida em que se fala, se compreende. Na medida em que a linguagem acontece, o pensamento se concretiza (compreensão se dá por si). Logo, pensamento e linguagem não são dicotômicos. Quando o sujeito pensa, é como se estivesse dialogando consigo mesmo. Ao observar crianças, percebemos que a fala, de início, acompanha as ações: criança fala brincando. Mais tarde dirige a ação; é quando a fala assume a função planejadora. Em outras palavras, com o passar do tempo, a fala deixa de ser um meio para dirigir o comportamento do outro e passa a ter a função de autodireção. Vygotsky ainda chama atenção para a fala egocêntrica, que para ele é uma forma de transição entre a fala exterior e a interior (posição antagônica a Piaget). Fala egocêntrica A criança se utiliza da fala egocêntrica para acompanhar sua atividade, realizar uma descarga emocional e planejar a atividade. Nesse planejamento, surge o elo com o processo psíquico superior: o pensamento. A fala é interiorizada psicologicamente antes de ser interiorizada fi sicamente. Durante o desenvolvimento da criança a frequência de vocalização da fala egocêntrica diminui; porém, a sua estrutura e a sua função evoluem. Isso indica que o aparente desaparecimento da fala egocêntrica ‘esconde’ o nascimento de uma nova forma de fala, uma fala para si mesmo que não encontra expressão na fala exterior. A decrescente vocalização da fala egocêntrica indica o desenvolvimento de uma abstração do som, a aquisição de uma nova capacidade: a de ‘pensar as palavras’, ao invés de pronunciá-las (VYGOTSKY, 1996, p. 116). O esquema a seguir ilustra o desenvolvimento da fala, de acordo com Vygotsky (1996). 39 Unidade 02 Teorias do Desenvolvimento Humano O momento de maior signifi cado do desenvolvimento intelectual é quando se observa a fala e a ação se desenvolvendo independentes uma da outra e, de repente, convergem ocorrendo o uso do signifi cado e do signifi cante, próprio somente da espécie humana. O homem difere do animal porque é capaz de pensar em termos de presente, passado e futuro. Assimila, acumula, transmite experiências, projeta ideias, toma decisões, modifi ca. Agora, podemos entender a relação entre pensamento e linguagem na visão de Vygotsky. Ambos, linguagem e pensamento, têm origens distintas. Entretanto, ao longo da evolução, ocorre uma interdependência constante, que se modifi ca e de desenvolve. Perceber essas relações é fundamental para compreender o funcionamento psicológico do sujeito. "O MOMENTO DE MAIOR SIGNIFICADO DO DESENVOLVIMENTO INTELECTUAL É QUANDO SE OBSERVA A FALA E A AÇÃO SE DESENVOLVENDO INDEPENDENTES UMA DA OUTRA..." Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Graduação | UNISUAM 40 Três Níveis de Desenvolvimento Psicológico Humano Vygotsky e Luria (1996) postulam três níveis de desenvolvimento psicológico humano: Nas palavras dos teóricos: Nosso trabalho consistiu em descrever três linhas principais no desenvolvimento do comportamento - evolutiva, histórica e ontogenética - e em demonstrar que o comportamento do homem cultural é produto dessas três linhas de desenvolvimento e só pode ser compreendido e cientifi camente explicado pela análise dos três diferentes caminhos que constituem a história do comportamento humano (VYGOTSKY; LURIA, 1996, p. 51). Quando Vygotsky trata do nível histórico-cultural de desenvolvimento, ele ressalta os aspetos sociais que incidem sobreo desenvolvimento psicológico. Vejamos cada nível de desenvolvimento psicológico humano! nível Filogenético Ao falar sobre o nível fi logenético, a ênfase recai sobre os aspectos biológicos, sobre o desenvolvimento da espécie humana. Valendo-se de pesquisas de ordem fi logenética, Vygotsky e Luria (1996) observaram – por meio de estudos feitos com primatas superiores –, que eles utilizavam instrumentos para conseguir alimentos, o que indicava um primeiro passo na evolução dos processos mentais superiores. Estes processos só atingem o ponto mais alto nos seres humanos. 41 Unidade 02 Teorias do Desenvolvimento Humano Os primatas exprimiam formas de funcionamento intelectual e utilização da linguagem que poderiam ser precursores do desenvolvimento da linguagem humana. Eles apresentavam uma linguagem pré-intelectual (não tem função de signo – sons, gestos, expressões faciais etc.) e um pensamento pré-verbal (inteligência prática - uso de instrumentos para realizar alguma tarefa). nível ontogenético Enquanto o nível filogenético preocupava-se com o desenvolvimento da espécie humana, o nível ontogenético importava-se com o desenvolvimento do indivíduo em si. Ao estudar as relações entre o pensamento e a linguagem no nível ontogenético, Vygotsky aponta que: Mesmo antes de dominar a linguagem, a criança demonstra capacidade de resolver problemas práticos, de utilizar instrumentos e meios para atingir objetivos. É o que o Vygotsky chamou de fase pré-verbal do pensamento. Ela é capaz, por exemplo, de dar a volta no sofá para pegar um brinquedo que caiu atrás dele e que não está à vista. Embora ainda não dominem a linguagem como um sistema simbólico, os pequenos também utilizam manifestações verbais. O choro e o riso têm a função de alívio emocional, mas também servem como meio de contato social e de comunicação. É o que o pesquisador denominou fase pré-intelectual da linguagem. Por volta dos 2 anos de idade, o percurso do pensamento encontra-se com o da linguagem e o cérebro começa a funcionar de uma nova forma. A fala torna-se intelectual. A criança atinge a fase intelectual, em que o desenvolvimento do pensamento e da linguagem se unem, tornando a fala intelectual (função simbólica) e o pensamento verbal, mediado pela linguagem. Isso ocorre graças à inserção da criança no grupo social. (REVISTA NOVA ESCOLA). Veja a representação do esquema na imagem seguinte. Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem Graduação | UNISUAM 42 Assim, para Vygotsky o desenvolvimento do pensamento independe do desenvolvimento da linguagem e vice-versa. nível Histórico-Cultural Em determinado momento da evolução fi logenética, essas duas fases se unem: o pensamento passa a ser verbal e a linguagem, racional (característica humana) e o biológico se torna sócio-histórico. Linguagem Escrita Em Vygotsky (1988) vamos encontrar a escrita como um processo que se inicia muito antes da entrada da criança na escola, antes de ela passar pelo processo de alfabetização propriamente dito. Segundo o teórico, a escrita é cultural. A criança que se desenvolve numa cultura letrada está exposta ao seu uso, adquirindo o conhecimento da escrita ao longo do seu desenvolvimento. Ele pontua o seguinte caminhar da criança: • Rabiscos mecânicos - busca imitar a escrita do adulto. • Marcas topográfi cas - distribui sua escrita no espaço do papel. • Representação pictográfi ca - faz o desenho no lugar da escrita da palavra. • Escrita simbólica - usa formas para representar informações difíceis de serem representadas (abstrações). Ex.: noite - bola preta. • Assimilação dos mecanismos da escrita simbólica - aprendizagem da língua escrita propriamente dita. Esses passos são dados pela criança em um processo coletivo e que depende do contexto onde ela está inserida. Vamos encontrar crianças que não fazem a representação pictográfi ca por não aceitá-la como escrita; ou, aquelas que já grafam letras, mas ainda não compreendem sua função como escrita, utilizando a mesma letra para escrever diferentes nomes. Segundo o teórico, a escrita é cultural. A criança que se desenvolve numa Para saber mais sobre as relações entre pensamento e linguagem, clique abaixo e leia o texto Vygotsky e o Conceito de Pensamento Verbal, de Camila Monroe e Rodrigo Ratier. http://revistaescola.abril.com.br/gestao- escolar/vygotsky-conceito-pensamento- verbal-639053.shtml saiba mais? 43 Unidade 02 Teorias do Desenvolvimento Humano Vygotsky mostra que gestos, desenhos, brinquedos simbólicos contribuem para a aprendizagem da linguagem escrita, já que são sistemas simbólicos que representam a realidade. Para o pesquisador, antes de dominar a escrita, a criança passa por um longo processo de organização da capacidade de simbolizar. O domínio da escrita pressupõe, então, a possibilidade de simbolizar. Conclusão Diferentemente de Piaget, Vygotsky não se preocupou em descrever etapas do desenvolvimento. Isso porque a base de seus estudos não é maturacional e sim sociocultural. Em sua teoria, as funções psicológicas fundamentam-se nas condições objetivas da vida social (por meio da construção de instrumentos e signos), necessariamente histórico-culturais. Ao internalizar as experiências fornecidas pela cultura a criança reconstrói individualmente os modos de ação realizados externamente e aprende a organizar os próprios processos mentais signos externos e começa a se apoiar em recursos internalizados (imagens, representações mentais, conceitos etc.). Até a próxima unidade! Referência BLOG MARIA BABONA. Mês das crianças, mês de brincar: como criar uma brinquedoteca e espaço infantil em casa? [2015]. Disponível em: < https://mariababona.wordpress.com/2015/10/02/ mes-das-criancas-mes-de-brincar/>. Acesso em: 06 fev. 2017. DISNEYBABBLE. Paixão pelos livros desde cedo. [2017]. Disponível em: <http://disneybabble.uol.com.br/br/criar-e- brincar/dentro-de-casa/paix%C3%A3o-pelos-livros-desde- cedo/>. Acesso em: 06 fev. 2017. DOUTÍSSIMA. 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