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www.inead.com.br Artigos, Livros e Vídeos CURSO OS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO Material para Estudo Complementar. Selecionamos para você uma série de artigos, vídeos e livros que servirão como material complementar para seus estudos e poderão ser encontradas as referências necessárias para a realização de seu curso. ARTIGOS HISTÓRIA DOS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL Autora: Maria Rosário Longo Mortatti CONCEPÇÕES E METODOLOGIAS DE ALFABETIZAÇÃO : POR QUE É PRECISO IR ALÉM DA DISCUSSÃO SOBRE VELHOS “MÉTODOS”? Autor: Artur Gomes de Morais MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO, MÉTODOS DE ENSINO E CONTEÚDOS DA ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS HISTÓRICAS E DESAFIOS ATUAIS Autora: Isabel Cristina Alves da Silva Frade ALFABETIZAÇÃO: MÉTODO FÔNICO Autores: Fernanda B.Silveira, Ilza G. Seabra, Alessandra R. Trombella e Célia R. Correia O QUE É MÉTODO PAULO FREIRE Autor: Carlos Rodrigues Brandão MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO: DELIMITAÇÃO DE PROCEDIMENTOS E CONSIDERAÇÕES PARA UMA PRÁTICA EFICAZ Autores: Alessandra Gotuzo Sebra; Natália Martins Dias MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO: O QUE DIZ A PROPOSTA PEDAGÓGICA E O QUE SE FAZ NA PRÁTICA DOCENTE Autora: Fatima Aparecida de Souza Francioli MÉTODOS ALFABETIZADORES: REFLEXÔES ACERCA DA PRÁTICA PEDAGÓGICA DE UMA PROFESSORA DE 1ª SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL Autora: Mariana Aparecida Paes Almeida A PRÁTICA DOCENTE E OS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO: DESAFIOS DO ENSINO DA LEITURA E DA ESCRITA PARA CRIANÇAS Autora: Claudia da Silva Silveira ALFABETIZAÇÃO: MÉTODOS E ALGUMAS REFLEXÕES Autores: Cleuzira Custodia Pereira; Geandra Santos Da Vitória; Neice Ferreira Dos Santos; Silvana C. Da Silva Machado VÍDEOS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO Link: https://youtu.be/mAOXxBRaMSY ALFABETIZAÇÃO: MÉTODO SOCIOLINGUÍSTICO - PRÁTICAS SOCIOCONSTRUTIVISTAS Link: https://youtu.be/1j4PT9OpmhA ALFABETIZAÇÃO – MÉTODOS INOVADORES E INCLUSIVOS Link: https://youtu.be/T5KzdoIApmc SISTEMA DE ESCRITA ALFABÉTICA, MÉTODO DAS BOQUINHAS - ALFABETIZAÇÃO MULTISSENSORIAL Link: https://youtu.be/XoUF8UZR3Yk SOLETRAÇÃO - MÉTODO SINTÉTICO - ALFABETIZAÇÃO Link: https://youtu.be/Wz0mu9Ojax0 ALFABETIZAÇÃO PELO MÉTODO LÉA DUPRET - APRESENTAÇÃO. Link: https://youtu.be/a95QF37p7T0 ALFABETIZAÇÃO PELO MÉTODO LÉA DUPRET - AULA 1 Link: https://youtu.be/8kahbQxYxKA MÉTODO DE ALFABETIZAÇÃO LÉA DUPRET - AULA NÚMERO 2 - PRIMEIRA PARTE Link: https://youtu.be/PVJVwAaA9Ms MÉTODO DE ALFABETIZAÇÃO LÉA DUPRET - AULA NÚMERO 2 - SEGUNDA PARTE Link: https://youtu.be/01ub3chm4Gc MÉTODO DE ALFABETIZAÇÃO LÉA DUPRET - AULA NÚMERO 2 - TERCEIRA PARTE Link: https://youtu.be/8gm95LmYXs4 MÉTODO PAULO FREIRE DE ALFABETIZAÇÃO DE ADULTOS Link: https://youtu.be/iwjRzpDlLU0 LIVROS ALFABETIZAÇAO - A QUESTAO DOS METODOS Autor: MAGDA SOARES Link: http://acesse.vc/v2/18603e9ef03 ALFABETIZAÇAO METODO SOCIOLINGUISTICO Autor: MENDONÇ, ONAIDE SCHWARTZ Link: http://acesse.vc/v2/186a6c7a138 ALFABETIZAÇAO - METODO FONICO Autor: SEABRA, ALESSANDRA G, CAPOVILLA, FERNANDO C. Link: http://acesse.vc/v2/186b7915063 ALFABETIZAÇAO FÔNICA Autor: ALESSANDRA GOTUZO SEABRA Link: http://acesse.vc/v2/125G2562G321 https://youtu.be/mAOXxBRaMSY https://youtu.be/1j4PT9OpmhA https://youtu.be/T5KzdoIApmc https://youtu.be/XoUF8UZR3Yk https://youtu.be/Wz0mu9Ojax0 https://youtu.be/a95QF37p7T0 https://youtu.be/8kahbQxYxKA https://youtu.be/PVJVwAaA9Ms https://youtu.be/01ub3chm4Gc https://youtu.be/8gm95LmYXs4 https://youtu.be/iwjRzpDlLU0 http://acesse.vc/v2/18603e9ef03 http://acesse.vc/v2/186a6c7a138 http://acesse.vc/v2/186b7915063 http://www.ciadoslivros.com.br/alfabetizacao-fonica-36146-p57895 HISTÓRIA DOS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO NO BRASIL * Maria Rosário Longo MORTATTI** Ai de mim, ai das crianças abandonadas na escuridão. (Graciliano Ramos) Explicações necessárias A fim de contribuir para o debate a respeito do tema deste evento, apresento nesta conferência uma síntese de alguns dos resultados de pesquisas que venho desenvolvendo, há mais de duas décadas, a respeito da história do ensino de língua e literatura no Brasil e, em particular, a respeito do ensino da leitura e escrita na fase inicial de escolarização de crianças, ou alfabetização, como esse processo passou a ser denominado, entre nós, a partir do início do século XX. Em nosso país, a história da alfabetização tem sua face mais visível na história dos métodos de alfabetização, em torno dos quais, especialmente desde o final do século XIX, vêm-se gerando tensas disputas relacionadas com "antigas" e "novas" explicações para um mesmo problema: a dificuldade de nossas crianças em aprender a ler e a escrever, especialmente na escola pública. Visando a enfrentar esse problema e auxiliar "os novos" a adentrarem no mundo público da cultura letrada, essas disputas em torno dos métodos de alfabetização vêm engendrando uma multiplicidade de tematizações, normatizações e concretizações, caracterizando-se como um importante aspecto dentre os muitos outros envolvidos no complexo movimento histórico de constituição da alfabetização como prática escolar e como objeto de estudo/pesquisa. Dada tal complexidade e considerando tanto os objetivos deste evento quanto as urgências específicas deste momento histórico, optei por fazer delimitações no tema * Conferência proferida durante o Seminário "Alfabetização e letramento em debate", promovido pelo Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação, realizado em Brasília, em 27/04/2006. ** Professora Livre-docente - FFC-UNESP-Marília; coordenadora do Grupo de Pesquisa "História do Ensino de Língua e Literatura no Brasil"; autora de: Leitura, literatura e escola: sobre a formação do gosto (Martins Fontes); Em sobressaltos: formação de professora (Ed. Unicamp); Os sentidos da alfabetização (São Paulo- 1876/1994) (Ed. Unesp); Educação e letramento (Ed. Unesp). 2 proposto para esta conferência, enfatizando, na história dos métodos de alfabetização: a disputa pela hegemonia de determinados métodos na situação paulista, devido ao caráter modelar que se buscou imprimir às iniciativas educacionais desse estado, a partir dos anos de 1890; e o período compreendido entre as décadas finais do século XIX e os dias atuais, uma vez que, a partir da proclamação da República, iniciou-se processo sistemático de escolarização das práticas de leitura e escrita. Apesar de todos os riscos envolvidos na opção por abordar um longo período histórico em tão breve exposição1 e por abordar também um momento histórico ainda presente, mesmo ciente desses riscos, espero, com esta conferência, contribuir para a compreensão de importantes aspectos do passado e do presente da alfabetização em nosso país, e, em decorrência, contribuir, também, para a elaboração de projetos para o futuro, que possam auxiliar nossas crianças a realizarem plenamente seu direito de aprender a ler e escrever. Outro não é, certamente, o objetivo maior e o "fim último" deste evento e de todos os que dele participam. Escola e alfabetização Em nosso país, desde o final do século XIX, especialmente com a proclamação da República, a educação ganhou destaque como uma das utopias da modernidade. A escola, por sua vez, consolidou-se como lugar necessariamente institucionalizado para o preparo das novas gerações, com vistas a atender aos ideais do Estado republicano, pautado pela necessidade de instauração de uma nova ordem política e social; e a universalização da escola assumiu importante papel como instrumento de modernização e progresso do Estado-Nação, como principal propulsora do “esclarecimento das massas iletradas”. No âmbito desses ideais republicanos, saber ler e escrever se tornou instrumento privilegiado de aquisição de saber/esclarecimento e imperativo da modernizaçãoe desenvolvimento social. A leitura e a escrita — que até então eram práticas culturais cuja aprendizagem se encontrava restrita a poucos e ocorria por meio de transmissão assistemática de seus rudimentos no âmbito privado do lar, ou de maneira 1 O que será aqui apresentado de forma sintética se encontra detalhado em dois livros de minha autoria: MORTATTI, M. R. L. Os sentidos da alfabetização: São Paulo – 1876/1994. São Paulo: Ed. UNESP: Brasília: MEC/INEP/COMPED, 2000; e ______. Educação e letramento. São Paulo: Ed. UNESP, 2004. 3 menos informal, mas ainda precária, nas poucas “escolas” do Império (“aulas régias”) — tornaram-se fundamentos da escola obrigatória, leiga e gratuita e objeto de ensino e aprendizagem escolarizados. Caracterizando-se como tecnicamente ensináveis, as práticas de leitura e escrita passaram, assim, a ser submetidas a ensino organizado, sistemático e intencional, demandando, para isso, a preparação de profissionais especializados. Desse ponto de vista, os processos de ensinar e de aprender a leitura e a escrita na fase inicial de escolarização de crianças se apresentam como um momento de passagem para um mundo novo — para o Estado e para o cidadão —: o mundo público da cultura letrada, que instaura novas formas de relação dos sujeitos entre si, com a natureza, com a história e com o próprio Estado; um mundo novo que instaura, enfim, novos modos e conteúdos de pensar, sentir, querer e agir. No entanto, especialmente desde as últimas duas décadas, as evidências que sustentam originariamente essa associação entre escola e alfabetização vêm sendo questionadas, em decorrência das dificuldades de se concretizarem as promessas e os efeitos pretendidos com a ação da escola sobre o cidadão. Explicada como problema decorrente, ora do método de ensino, ora do aluno, ora do professor, ora do sistema escolar, ora das condições sociais, ora de políticas públicas, a recorrência dessas dificuldades de a escola dar conta de sua tarefa histórica fundamental não é, porém, exclusiva de nossa época. Decorridos mais de cem anos desde a implantação, em nosso país, do modelo republicano de escola, podemos observar que, desde essa época, o que hoje denominamos “fracasso escolar na alfabetização” se vem impondo como problema estratégico a demandar soluções urgentes e vem mobilizando administradores públicos, legisladores do ensino, intelectuais de diferentes áreas de conhecimento, educadores e professores. Desde essa época, observam-se repetidos esforços de mudança, a partir da necessidade de superação daquilo que, em cada momento histórico, considerava-se tradicional nesse ensino e fator responsável pelo seu fracasso. Por quase um século, esses esforços se concentraram, sistemática e oficialmente, na questão dos métodos de ensino da leitura e escrita, e muitas foram as disputas entre os que se consideravam portadores de um novo e revolucionário método de alfabetização e aqueles que continuavam a defender os métodos considerados antigos e tradicionais. A partir das duas últimas décadas, a questão 4 dos métodos passou a ser considerada tradicional, e os antigos e persistentes problemas da alfabetização vêm sendo pensados e praticados predominantemente, no âmbito das políticas públicas, a partir de outros pontos de vista, em especial a compreensão do processo de aprendizagem da criança alfabetizanda, de acordo com a psicogênese da língua escrita. O que é esse “tradicional”? Quando e por quê se engendra um tipo de ensino de leitura e escrita que hoje é acusado de "tradicional"? O que representava para a(s) época(s) em que ocorre seu engendramento? Qual sua relação com a tradição que lhe é anterior? Quanto desse “tradicional” subsiste nas práticas alfabetizadoras, mesmo nas dos professores que querem superá-las? Como se pode explicar sua insistente permanência? Como dialogam entre si a tradição e os repetidos esforços de mudança em alfabetização? A questão dos métodos de alfabetização A fim de contribuir para a compreensão desse processo e para a busca de respostas às questões formuladas acima, tomemos como exemplo a situação paulista. Analisando, com base em fontes documentais, o ocorrido nessa província/estado em relação à questão dos métodos de ensino inicial da leitura e escrita, desde as décadas finais do século XIX, optei por dividir esse período em quatro momentos cruciais, cada um deles caracterizado pela disputa em torno de certas tematizações, normatizações e concretizações relacionadas com o ensino da leitura e escrita e consideradas novas e melhores, em relação ao que, em cada momento, era considerado antigo e tradicional nesse ensino. Em decorrência dessas disputas, tem-se, cada um desses momentos, a fundação de uma nova tradição relativa ao ensino inicial da leitura e escrita. Apresento a seguir cada um desses quatro momentos cruciais com as respectivas disputas pela hegemonia de determinados métodos de alfabetização e, dentre outros múltiplos aspectos neles observáveis, menciono o papel desempenhado pelas cartilhas, que, dada sua condição de instrumento privilegiado de concretização dos métodos e conteúdos de ensino, permanecem no tempo e permitem recuperar aspectos importantes dessa história, contribuindo significativamente para a criação de uma cultura escolar e para a transmissão da(s) tradição (ões).2 2 A esse respeito, sugiro a leitura de: MORTATTI, M. R. L. Cartilha de alfabetização e cultura escolar: um pacto secular. Cadernos CEDES (Cultura escolar: história, práticas e representações), n. 52, p. 41-54, 2000. 5 1o momento- A metodização do ensino da leitura Até o final do Império brasileiro, o ensino carecia de organização, e as poucas escolas existentes eram, na verdade, salas adaptadas, que abrigavam alunos de todas as “séries” e funcionavam em prédios pouco apropriados para esse fim; eram as “aulas régias”, já mencionadas. Em decorrência das precárias condições de funcionamento, nesse tipo de escola o ensino dependia muito mais do empenho de professor e alunos para subsistir. E o material de que se dispunha para o ensino da leitura era também precário, embora, na segunda metade do século XIX, houvesse aqui algum material impresso sob a forma de livros para fins de ensino de leitura, editados ou produzidos na Europa. Habitualmente, porém, iniciava-se o ensino da leitura com as chamadas “cartas de ABC" e depois se liam e se copiavam documentos manuscritos. Para o ensino da leitura, utilizavam-se, nessa época, métodos de marcha sintética (da "parte" para o "todo"): da soletração (alfabético), partindo do nome das letras; fônico (partindo dos sons correspondentes às letras); e da silabação (emissão de sons), partindo das sílabas. Dever-se-ia, assim, iniciar o ensino da leitura com a apresentação das letras e seus nomes (método da soletração/alfabético), ou de seus sons (método fônico), ou das famílias silábicas (método da silabação), sempre de acordo com certa ordem crescente de dificuldade. Posteriormente, reunidas as letras ou os sons em sílabas, ou conhecidas as famílias silábicas, ensinava-se a ler palavras formadas com essas letras e/ou sons e/ou sílabas e, por fim, ensinavam-se frases isoladas ou agrupadas. Quanto à escrita, esta se restringia à caligrafia e ortografia, e seu ensino, à cópia, ditados e formação de frases, enfatizando-se o desenho correto das letras. As primeiras cartilhas brasileiras, produzidas no final do século XIX sobretudo por professores fluminenses e paulistas a partir de sua experiência didática, baseavam-se nos métodos de marcha sintética (de soletração, fônico e de silabação) e circularam em várias províncias/estados do país e por muitas décadas. Em 1876, data que elegi como marco inicial do primeiro momento crucial nessa história, foi publicadaem Portugal a Cartilha Maternal ou Arte da Leitura, escrita pelo poeta português João de Deus. A partir do início da década de 1880, o “método João de Deus” contido nessa cartilha passou a ser divulgado sistemática e programaticamente 6 principalmente nas províncias de São Paulo e do Espírito Santo, por Antonio da Silva Jardim, positivista militante e professor de português da Escola Normal de São Paulo. Diferentemente dos métodos até então habituais, o “método João de Deus” ou “método da palavração” baseava-se nos princípios da moderna lingüística da época e consistia em iniciar o ensino da leitura pela palavra, para depois analisá-la a partir dos valores fonéticos das letras. Por essas razões, Silva Jardim considerava esse método como fase científica e definitiva no ensino da leitura e fator de progresso social. Esse 1o. momento se estende até o início da década de 1890 e nele tem início um disputa entre os defensores do "método João de Deus" e aqueles que continuavam a defender e utilizar os métodos sintéticos: da soletração, fônico e da silabação. Com essa disputa, funda-se uma nova tradição: o ensino da leitura envolve necessariamente uma questão de método, ou seja, enfatiza-se o como ensinar metodicamente, relacionado com o que ensinar; o ensino da leitura e escrita é tratado, então, como uma questão de ordem didática subordinada às questões de ordem lingüística (da época). 2o momento – A institucionalização do método analítico A partir de 1890, implementou-se a reforma da instrução pública no estado de São Paulo. Pretendendo servir de modelo para os demais estados, essa reforma se iniciou com a reorganização da Escola Normal de São Paulo e a criação da Escola-Modelo Anexa; em 1896, foi criado o Jardim da Infância nessa escola. Do ponto de vista didático, a base da reforma estava nos novos métodos de ensino, em especial no então novo e revolucionário método analítico para o ensino da leitura, utilizado na Escola-Modelo Anexa (à Normal), onde os normalistas desenvolviam atividades "práticas" e onde os professores dos grupos escolares (criados em 1893) da capital e do interior do estado deveriam buscar seu modelo de ensino. A partir dessa primeira década republicana, professores formados por essa escola normal passaram a defender programaticamente o método analítico para o ensino da leitura e disseminaram-no para outros estados brasileiros, por meio de “missões de professores” paulistas. Especialmente mediante a ocupação de cargos na administração da instrução pública paulista e a produção de instruções normativas, de cartilhas e de artigos em jornais e em revistas pedagógicas, esses professores contribuíram para a 7 institucionalização do método analítico, tornando obrigatória sua utilização nas escolas públicas paulistas. Embora a maioria dos professores das escolas primárias reclamasse da lentidão de resultados desse método, a obrigatoriedade de sua utilização no estado de São Paulo perdurou até se fazerem sentir os efeitos da “autonomia didática” proposta na "Reforma Sampaio Dória" (Lei 1750, de 1920). Diferentemente dos métodos de marcha sintética até então utilizados, o método analítico, sob forte influência da pedagogia norte-americana, baseava-se em princípios didáticos derivados de uma nova concepção — de caráter biopsicofisiológico — da criança, cuja forma de apreensão do mundo era entendida como sincrética. A despeito das disputas sobre as diferentes formas de processuação do método analítico, o ponto em comum entre seus defensores consistia na necessidade de se adaptar o ensino da leitura a essa nova concepção de criança. De acordo com esse método analítico, o ensino da leitura deveria ser iniciado pelo “todo”, para depois se proceder à análise de suas partes constitutivas. No entanto, diferentes se foram tornando os modos de processuação do método, dependendo do que seus defensores consideravam o “todo”: a palavra, ou a sentença, ou a "historieta". O processo baseado na "historieta" foi institucionalizado em São Paulo, mediante a publicação do documento Instrucções praticas para o ensino da leitura pelo methodo analytico – modelos de lições. (Diretoria Geral da Instrução Pública/SP – [1915]). Nesse documento, priorizava-se a "historieta" (conjunto de frases relacionadas entre si por meio de nexos lógicos), como núcleo de sentido e ponto de partida para o ensino da leitura. As cartilhas produzidas no âmbito do 2o. momento na história da alfabetização, especialmente no início do século XX, passaram a se basear programaticamente no método de marcha analítica (processos da palavração e sentenciação), buscando se adequar às instruções oficias, no caso paulista. Iniciou-se, assim, uma acirrada disputa entre partidários do então novo e revolucionário método analítico para o ensino da leitura e os que continuavam a defender e utilizar os tradicionais métodos sintéticos, especialmente o da silabação. Concomitantemente a essa disputa, teve lugar uma outra relativa aos diferentes modos de processuação do método analítico, dentre as quais se destaca a travada entre os professores paulistas e o fluminense João Köpke. 8 Nesse 2o. momento, que se estende até aproximadamente meados dos anos de 1920, a ênfase da discussão sobre métodos continuou incidindo no ensino inicial da leitura, já que o ensino inicial da escrita era entendido como uma questão de caligrafia (vertical ou horizontal) e de tipo de letra a ser usada (manuscrita ou de imprensa, maiúscula ou minúscula), o que demandava especialmente treino, mediante exercícios de cópia e ditado. É também ao longo desse momento, já no final da década de 1910, que o termo “alfabetização” começa a ser utilizado para se referir ao ensino inicial da leitura e da escrita. As disputas ocorridas nesse 2o. momento fundam uma outra nova tradição: no o ensino da leitura envolve enfaticamente questões didáticas, ou seja, o como ensinar, a partir da definição das habilidades visuais, auditivas e motoras da criança a quem ensinar; o ensino da leitura e escrita é tratado, então, como uma questão de ordem didática subordinada às questões de ordem psicológica da criança. 3º momento – A alfabetização sob medida Em decorrência da “autonomia didática” proposta pela "Reforma Sampaio Dória" e de novas urgências políticas e sociais, a partir de meados da década de 1920 aumentaram as resistências dos professores quanto à utilização do método analítico e começaram a se buscar novas propostas de solução para os problemas do ensino e aprendizagem iniciais da leitura e da escrita. Os defensores do método analítico continuaram a utilizá-lo e a propagandear sua eficácia. No entanto, buscando conciliar os dois tipos básicos de métodos de ensino da leitura e escrita (sintéticos e analíticos), em várias tematizações e concretizações das décadas seguintes, passaram-se a utilizar: métodos mistos ou ecléticos (analítico-sintético ou vice-versa), considerados mais rápidos e eficientes. A disputa entre os defensores dos métodos sintéticos e os defensores dos métodos analíticos não cessaram; mas o tom de combate e defesa acirrada que se viu nos momentos anteriores foi-se diluindo gradativamente, à medida que se acentuava a tendência de relativização da importância do 9 método e, mais restritamente, a preferência, nesse âmbito, pelo método global (de contos), defendido mais enfaticamente em outros estados brasileiros.3 Essa tendência de relativização da importância do método decorreu especialmente da disseminação, repercussão e institucionalização das então novas e revolucionárias bases psicológicas da alfabetização contidas no livro Testes ABC para verificação a maturidade necessária ao aprendizado da leitura e escrita (1934), escrito por M. B. Lourenço Filho. Nesse livro, o autor apresenta resultados de pesquisas com alunos de 1o grau (atual 1ª série do ensinofundamental), que realizou com o objetivo de buscar soluções para as dificuldades de nossas crianças no aprendizado da leitura e escrita. Propõe, então, as oito provas que compõem os testes ABC, como forma de medir o nível de maturidade necessária ao aprendizado da leitura e escrita, a fim de classificar os alfabetizandos, visando à organização de classes homogêneas e à racionalização e eficácia da alfabetização. Desse ponto de vista, a importância do método de alfabetização passou a ser relativizada, secundarizada e considerada tradicional. Observa-se, no entanto, embora com outras bases teóricas, a permanência da função instrumental do ensino e aprendizagem da leitura, enfatizando-se a simultaneidade do ensino de ambas, as quais eram entendidas como habilidades visuais, auditivas e motoras. Também a partir dessa época, aproximadamente, as cartilhas passaram a se basear predominantemente em métodos mistos ou ecléticos (analítico-sintético e vice- versa) e começaram a se produzir os manuais do professor acompanhando as cartilhas, assim como se disseminou a idéia e a prática do "período preparatório”. Vai-se, assim, constituindo um ecletismo processual e conceitual em alfabetização, de acordo com o qual a alfabetização (aprendizado da leitura e escrita) envolve obrigatoriamente uma questão de “medida”, e o método de ensino se subordina ao nível de maturidade das crianças em classes homogêneas. A escrita continuou sendo entendida como uma questão de habilidade caligráfica e ortográfica, que devia ser ensinada simultaneamente à habilidade de leitura; o aprendizado de ambas demandava um “período 3 Devo ressaltar que, a partir dos anos de 1930, as iniciativas estaduais (não apenas paulistas) foram-se "federalizando", acompanhando o processo de nacionalização que se seguiu à Revolução de Outubro. 10 preparatório”, que consistia em exercícios de discriminação e coordenação viso-motora e auditivo-motora, posição de corpo e membros, dentre outros. Nesse 3o. momento, que se estende até aproximadamente o final da década de 1970, funda-se uma outra nova tradição no ensino da leitura e da escrita: a alfabetização sob medida, de que resulta o como ensinar subordinado à maturidade da criança a quem se ensina; as questões de ordem didática, portanto, encontram-se subordinadas às de ordem psicológica. 4º momento – Alfabetização: construtivismo e desmetodização A partir do início da década de 1980, essa tradição passou a ser sistematicamente questionada, em decorrência de novas urgências políticas e sociais que se fizeram acompanhar de propostas de mudança na educação, a fim de se enfrentar, particularmente, o fracasso da escola na alfabetização de crianças. Como correlato teórico- metodológico da busca de soluções para esse problema, introduziu-se no Brasil o pensamento construtivista sobre alfabetização, resultante das pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita desenvolvidas pela pesquisadora argentina Emilia Ferreiro e colaboradores. Deslocando o eixo das discussões dos métodos de ensino para o processo de aprendizagem da criança (sujeito cognoscente), o construtivismo se apresenta, não como um método novo, mas como uma “revolução conceitual”, demandando, dentre outros aspectos, abandonarem-se as teorias e práticas tradicionais, desmetodizar-se o processo de alfabetização e se questionar a necessidade das cartilhas. A partir de então, verifica-se, por parte de autoridades educacionais e de pesquisadores acadêmicos, um esforço de convencimento dos alfabetizadores, mediante divulgação massivas de artigos, teses acadêmicas, livros e vídeos, cartilhas, sugestões metodológicas, relatos de experiências bem sucedidas e ações de formação continuada, visando a garantir a institucionalização, para a rede pública de ensino, de certa apropriação do construtivismo. Inicia-se, assim, uma disputa entre os partidários do construtivismo e os defensores — quase nunca “confessos”, mas atuantes especialmente no nível das concretizações — dos tradicionais métodos (sobretudo o misto ou eclético), das tradicionais cartilhas e do tradicional diagnóstico do nível de maturidade com fins de classificação dos 11 alfabetizandos, engendrando-se um novo tipo de ecletismo processual e conceitual em alfabetização. Quanto aos métodos e cartilhas de alfabetização, os questionamentos de que foram alvo parecem ter sido satisfatoriamente assimilados, resultando: na produção de cartilhas “construtivistas” ou “sócio-construtivistas” ou “contrutivistas-interacionistas”; na convivência destas com cartilhas tradicionais4 e, mais recentemente, com os livros de alfabetização, nas indicações oficiais e nas estantes dos professores, muitos dos quais alegam tê-las apenas para consulta quando da preparação de suas aulas; e no ensino e aprendizagem do modelo de leitura e escrita veiculado pelas cartilhas, mesmo quando os professores dizem seguir uma “linha construtivista” ou “interacionista” e seus alunos não utilizarem diretamente esse instrumento em sala de aula. De qualquer modo, nesse momento, tornam-se hegemônicos o discurso institucional sobre o construtivismo e as propostas de concretização decorrentes de certas apropriações da teoria construtivista. E tem-se, hoje, a institucionalização, em nível nacional, do construtivismo em alfabetização, verificável, por exemplo, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), dentre tantas outras iniciativas recentes. Nesse 4º momento — ainda em curso —,funda-se uma outra nova tradição: a desmetodização da alfabetização, decorrente da ênfase em quem aprende e o como aprende a língua escrita (lecto-escritura), tendo-se gerado, no nível de muitas das apropriações, um certo silenciamento a respeito das questões de ordem didática e, no limite, tendo-se criado um certo ilusório consenso de que a aprendizagem independe do ensino. É importante ressaltar, no entanto, que, também na década de 1980, observa-se a emergência do pensamento interacionista em alfabetização5, que vai gradativamente ganhando destaque e gerando uma espécie de disputa entre seus defensores e os do construtivismo. Essa “nova” disputa, por sua vez, foi-se diluindo, à medida que certos 4Assim como ocorreu com os métodos de ensino da leitura e escrita, evidentemente a publicação de novas cartilhas não impediu a continuidade de circulação das antigas, muitas das quais continuaram a ser utilizadas por várias décadas, após a publicação de suas primeiras edições, desde aquelas do final do século XIX. 5 O pensamento que denomino "interacionista" baseia-se em uma concepção interacionista de linguagem, de acordo com a qual o texto (discurso) é a unidade de sentido da linguagem e deve ser tomado como objeto de leitura e escrita, estabelecendo-se o texto como conteúdo de ensino, que permite um processo de interlocução real entre professor e alunos e impede o uso de cartilhas para ensinar a ler e escrever. A esse respeito, ver, especialmente: MORTATTI, M. R. L. Uma proposta para o próximo milênio: o pensamento interacionista sobre alfabetização. Presença pedagógica. Belo Horizonte, v. 5, n. 29, p. 22-27, set./out. 1999. 12 aspectos de certa apropriação do interacionismo foram sendo conciliados com certa apropriação do construtivismo; essa conciliação, pelo que posso observar até o momento, foi subsumida no discurso institucional sobre alfabetização. E, dentre a multiplicidade de problemas que enfrentamos hoje a respeito do ensino inicial da leitura e escrita, as dificuldades decorrentes, em especial, da ausência de uma “didática construtivista” vêm abrindo espaço para a tentativa, por parte de alguns pesquisadores, de apresentar "novas" propostas de alfabetização baseadas em antigos métodos, como os de marcha sintética. Devo, ainda, mencionar, pelo menos,dentre essa multiplicidade de aspectos, as discussões e propostas em torno do letramento, entendido ora como complementar à alfabetização, ora como diferente desta e mais desejável, ora como excludentes entre si. Modernidades em alfabetização Ao longo do período histórico abordado nos tópicos anteriores, observa-se a recorrência discursiva da mudança, marcada pela tensão constante entre modernos e antigos, no âmbito da disputa pela hegemonia de determinados métodos de alfabetização. A mudança proposta em cada um dos quatro momentos cruciais exigiu sempre uma operação de diferenciação qualitativa em relação ao que era sentido como passado (recente) em cada um desses momentos, mediante a reconstituição sintética desse passado, a fim de homogeneizá-lo e esvaziá-lo de qualidades e diferenças, identificando-o como portador do antigo — indesejável, decadente e obstáculo ao progresso — , e buscando-se definir o novo — melhor e mais desejável — ora contra, ora independente em relação ao antigo, mas sempre a partir dele. Para viabilizar a mudança, tornou-se, portanto, necessário, em cada um dos quatro momentos cruciais, produzir uma versão do passado e desqualificá-la, como se se tratasse de uma herança incômoda, que impõe resistências à fundação do novo, especialmente quando a filiação decorrente (embora, muitas vezes, não assumida) da tradição atuante no presente (e, em particular, a tradição decorrente de um passado recente, sentido como presente, porque operante no nível das concretizações) ameaça fazer voltarem à cena os mesmos personagens do passado, que seus herdeiros desejam esquecer, rever ou aprimorar. 13 No entanto, se houve desejos de mudanças assim como mudanças efetivas, ao longo dessa história se podem encontrar, também, permanências e semelhanças indicadoras de continuidades entre o quatro momentos cruciais. Dentre essas semelhanças e permanências, podem-se observar, por exemplo, as relacionadas: com a "questão dos métodos", uma vez que, mesmo postulando a mudança dos métodos de alfabetização, no âmbito dessa querela os sujeitos se movimentam em torno de um mesmo eixo — a eficácia da alfabetização é uma questão de métodos —; e com as concretizações impostas pelas cartilhas de alfabetização, que vão sedimentando, concomitantemente a uma cultura escolar, certas concepções de língua/linguagem, alfabetização, métodos e conteúdos desse ensino de leitura e escrita. Ou, ainda, dentre essas semelhanças e permanências, pode-se observar que, mesmo se propondo o deslocamento do eixo das discussões dos métodos de ensino para o nível de maturidade ou o processo de aprendizagem do alfabetizando, justificado por outras tendências em psicologia — como é o caso das resultantes das pesquisas de Lourenço Filho e das desenvolvidas por Ferreiro e colaboradores —, permanece a psicologia como base teórica com função diretora no ensino da leitura e da escrita. Ou se podem observar, também, as semelhanças e filiações entre as várias tendências em psicologia que se apresentam como diferentes entre si, encontrando-se, porém, algumas delas, assentadas em bases epistemológicas comuns. É possível, então, pensar que, no ritmo desse complexo movimento histórico da alfabetização no Brasil, marcado pela questão dos métodos, a despeito das mudanças efetivamente ocorridas, a desejada ruptura com a tradição se processa, muitas vezes, no interior de um quadro de referências tradicional e, por vezes, ao nível das superestruturas, apenas, indicando a continuidade, no tempo, de certos ideais centrados na concepção de educação como esclarecimento — fim não atingido, que permanece como parâmetro primeiro a demandar ajustes e meios cada vez mais eficazes —, em cujo âmbito se vai consolidando o interesse pela alfabetização como área estratégica e cada vez mais autônoma (ainda que limitada) para a objetivação de projetos políticos e sociais decorrentes de urgências de cada época, ao mesmo tempo em que se vão produzindo reflexões e saberes que configuram o movimento de escolarização do ensino e aprendizagem da leitura e escrita e de sua constituição como objeto de estudo/pesquisa, evidenciando a alfabetização 14 como o signo mais complexo da relação problemática entre educação e modernidade. Enquanto suposto e prometido resultado da ação da escola e enquanto rito de iniciação na passagem do mundo privado para o mundo público da cultura e da linguagem, o ensino- aprendizagem da língua escrita na fase inicial de escolarização de crianças se torna índice de medida e testagem da eficiência, da ação modernizadora da educação contra a "barbárie". É possível, enfim, pensar que, sob o signo da modernidade, ou seja, do tempo histórico ao longo do qual se observa o movimento aqui apresentado, coexistem diferentes modernidades, no que se refere à alfabetização, de acordo com o modo como, em cada um dos momentos: produziram-se o sentimento e a consciência do tempo então presente; pretendeu-se, com “a verdade científica e definitiva”, constitutiva da busca incessante daquele sentido moderno da escola e da educação, preencher a lacuna entre seu passado e futuro; e buscaram-se os sentidos do ler e escrever, para se enfrentarem as dificuldades de nossas crianças em adentrar no mundo público da cultura letrada. Considerações finais Também nos dias atuais a discussão sobre métodos de alfabetização se faz presente, seja quando se propõe a desmetodização desse processo, seja quando se discutem cartilhas, seja quando se utilizam, mesmo que silenciosamente, determinados métodos considerados tradicionais. Como se viu, porém, não se trata de uma discussão nova, nem tampouco se trata de pensar que, isoladamente, um método possa resolver os problemas da alfabetização. Mas, também como apontei, por se tratar de processo escolarizado, sistemático e intencional, a alfabetização não pode prescindir de método (nem de conteúdos e objetivos, dentre outros aspectos necessários ao desenvolvimento de atividades de ensino escolar). Em outras palavras, a questão dos métodos é tão importante (mas não a única, nem a mais importante) quanto as muitas outras envolvidas nesse processo multifacetado, que vem apresentando como seu maior desafio a busca de soluções para as dificuldades de nossas crianças em aprender a ler e escrever e de nossos professores em ensiná-las. E qualquer discussão sobre métodos de alfabetização que se queira rigorosa e responsável, portanto, não pode desconsiderar o fato de que um método de ensino é apenas um dos 15 aspectos de uma teoria educacional relacionada com uma teoria do conhecimento e com um projeto político e social. Se quisermos mudar ou manter nossa situação presente e projetar outro futuro, em vista do que foi aqui apresentado não podemos desconsiderar a complexidade do problema nem o passado desse ensino, ingenuamente supondo que, em relação a esse passado, possamos, ou efetuar total ruptura, ou, de maneira saudosista, buscar seu total resgate, como se não tivesse havido nenhum avanço científico, de fato, nesse campo de conhecimento. É preciso conhecer aquilo que constitui e já constituiu os modos de pensar, sentir, querer e agir de gerações de professores alfabetizadores (mas não apenas), especialmente para compreendermos o que desse passado insiste em permanecer. Pois é justamente nas permanências, especialmente as silenciadas ou silenciosas, mas operantes, e nos retornos ruidosos e salvacionistas, mas simplistas e apenas travestidos de novo, que se encontram as maiores resistências. E é também de seu conhecimento que se podem engendrar as reais possibilidades de encaminhamento das mudanças necessárias, em defesa do direito de nossas crianças ingressarem no mundo novo da cultura letrada, o qual, embora há mais de um século prometido, vem sendo veladamente proibido a muitas delas, que não conseguem aprendera ler e a escrever; em defesa, enfim, de seu direito de, por meio da conquista da leitura e escrita e sobretudo de seu sentido, não serem submetidas ao dever, apenas, de aprender a, quando muito, codificar e decodificar signos lingüísticos, na ilusão de um dia, quem sabe?, poderem finalmente ler e escrever, se permanecerem na escola e se alguém lhes ensinar, de fato; em defesa de seu direito de, por meio da conquista do sentido da leitura e escrita, serem resgatadas do abandono da escuridão e da solidão e não capitularem frente à proibição de ingressarem no novo mundo prometido. Esse era também um desejo do protagonista de Infância, de Graciliano Ramos, aquele mesmo protagonista que se julgava incapaz de aprender a ler e a escrever, que sofria com suas trocas de “t” e “d”, que foi infernizado por um tal “Ter-te-ão”. Em um dos episódios do livro, o protagonista nos conta o sofrimento por que passou, em decorrência de “uma terrível proibição, relativa à brochura de capa amarela”, intitulada O menino da mata e seu cão Piloto, que a prima considerava coisa do diabo; conta-nos, também, que, a despeito das dificuldades que tinha com a leitura e a escrita na escola e com as letras 16 miúdas do folheto que lia “como quem decifra uma língua desconhecida”, esse romance representava para ele uma clareira de liberdade, que lhe permitia pensar “nas crianças que vencem gigantes e bruxas, vencem o medo da floresta” e o fazia esquecer o “código medonho” que o “atezanava”. Durou pouco, porém, esse desejo; “esmagado” pelo dever, pela culpa e pelo remorso, por fim, cedeu à proibição: Chorei, o folheto caído, inútil. O menino da mata e o cão Piloto morriam. E nada para substituí-los. Imenso desgosto, solidão imensa. Infeliz o menino da mata, eu infeliz, infelizes todos os meninos perseguidos, sujeitos aos cocorotes, aos bichos que ladram à noite. [...] Ai de mim, ai das crianças abandonadas na escuridão.6 6 RAMOS, Graciliano. Infância. 10 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974. p. 228. CONCEPÇÕES E METODOLOGIAS DE ALFABETIZAÇÃO : POR QUE É PRECISO IR ALÉM DA DISCUSSÃO SOBRE VELHOS “MÉTODOS”?1 Artur Gomes de Morais UFPE – Centro de Educação e CEEL - Centro de Estudos em Educação e Linguagem RESUMO O objetivo desse artigo é analisar como certos discursos recentes sobre “métodos de alfabetização” têm pouco contribuído para discutir-se por que a escola pública não tem sido eficiente em alfabetizar os alunos oriundos das camadas populares. Questionando as caracterizações divulgadas na mídia e por estudiosos do que seriam métodos “construtivistas” e “fônicos” de alfabetização, buscamos identificar em que têm consistido as didatizações apoiadas na teoria da psicogênese da escrita e aquelas fundamentadas nos estudos de consciência fonológica, a fim de assinalar suas contribuições e possíveis limites. Apontando uma dificuldade na forma como pesquisadores e estudiosos têm concebido o ensino da escrita alfabética, propomos a urgência de discutirmos metodologias (em lugar de métodos) de alfabetização, mas de fazê-lo num contexto amplo, que leve em conta a formação continuada de professores, a ampliação do ensino fundamental e outros temas afins. palavras-chave: alfabetização, metodologias de alfabetização, didática da alfabetização Introdução O objetivo desse trabalho é examinar como certos discursos divulgados em nossa mídia, já em pleno século XXI, contribuem para “empanar” uma análise mais crítica de nossas dificuldades em alfabetizar. Entendemos que, no cenário atual, alguns discursos tendem a alimentar o debate estéril, por retomarem, de forma parcial e enviesada, velhos chavões sobre o ensino e a aprendizagem da alfabetização, apostando em panacéias como “métodos miraculosos”. Sem assumir uma filiação a partidos científico-pedagógicos, argumentaremos, ainda, que os opositores dos métodos tradicionais, que hoje ocupam a 1 Uma primeira versão desse trabalho foi apresentada no XIII ENDIPE, no Simpósio “Os Discursos e as Narrativas nos Processos Educativos”, sob o título “Discursos recentes sobre alfabetização no Brasil”, em abril de 2006. 2 mídia assumindo a identidade de “construtivistas”, também colaboram para o obscurecimento de certas questões ligadas ao “como alfabetizar com eficácia”, quando adotam uma proposta ortodoxa de didatização da linguagem escrita e da notação alfabética ou negam evidências científicas provenientes de outras perspectivas teóricas. Ao final, defenderemos que a tentativa de tratar o tema, de forma menos limitada, requer, alguns cuidados. Além da distinção entre métodos e metodologias de alfabetização, parece-nos necessário considerar questões mais abrangentes como as condições materiais para o exercício dos ofícios de professor e de aluno, um debate específico sobre a formação do professor alfabetizador e sobre o significado da ampliação do ensino fundamental e do acesso à educação infantil. Essas nos parecem vias para a construção de uma escola pública democrática, porque eficiente na introdução ao mundo dos saberes formais legitimados. Afinal, por que volta à cena a “guerra dos métodos de alfabetização”? De que estão culpando o “construtivismo”? Até a década de 1970, também no Brasil, a guerra entre métodos de ensino ocupou boa parte do debate e das pesquisas no campo da alfabetização (MORTATTI, 2000). Como atestam Soares (1989) e Soares e Maciel (2000), a partir da divulgação da teoria da psicogênese da escrita nossas pesquisas na área se diversificaram: a um progressivo “desinvestimento” no estudo de métodos de ensino, correspondeu um crescente interesse por investigar processos de aprendizagem, interações na sala de aula de alfabetização e outros temas correlatos. Entendemos que a descoberta dos estudos do campo do letramento também contribuiu para que passássemos a examinar, cada vez mais, práticas escolares e extra-escolares de leitura e produção de textos, o que fica patente, por exemplo, ao revisarmos os trabalhos apresentados no GT 10 (Alfabetização, leitura e Escrita) da ANPEd, nos últimos 10 anos. Interpretamos que, mesmo no campo das pesquisas da alfabetização, certo encanto com os fenônemos do letramento levou pesquisadores a investir menos no estudo da aprendizagem da escrita alfabética. Assim como Magda Soares (2003), julgamos adequado identificar as especificidades e inter-relações dos processos de alfabetização e letramento, assim como é preciso ressignificarmos a alfabetização, reconhecendo-a como necessária, como processo 3 sistemático de ensino e não só de aprendizagem da escrita alfabética. Interpretamos que, com a hegemonia do discurso do letramento, muitos estudiosos de lingüística e de didática da língua, em nosso país, passaram a apostar numa aprendizagem espontânea da escrita alfabética, que supostamente resultaria do mero fato das crianças estarem expostas a situações onde se lessem e escrevessem os textos do mundo real. Contrariamente a esta perspectiva, temos defendido (MORAIS & ALBUQUERQUE, 2004; MORAIS, 2005a) que o sistema de notação alfabética constitui em si um domínio cognitivo, um objeto de conhecimento com propriedades que o aprendiz precisa reconstruir mentalmente, a fim de vir a usar, com independência, o conhecimento de relações letra-som, que lhe permitirá ser cada vez mais letrado. Mas, é preciso reconhecer que as acusações que hoje se fazem “ao construtivismo”, como responsável por não alfabetizar nossos alunos das redes públicas, parecem ser também fruto de desconhecimento (ou má fé) dos atuais arautos dos métodos tradicionais. Antes de discutirmos conceitualmente o que se vem disseminando como “construtivismo pedagógico”, em nosso imaginário educacional, cabe fazer algumas observações. Em primeiro lugar, cabelembrar que o fracasso escolar (e o fracasso da alfabetização, em especial) não é, nessas terras, conseqüência da instituição dos Parâmetros Curriculares Nacionais de 1ª. a 4ª séries (BRASIL-MEC-SEF, 1997), há menos de 10 anos. É bom recordar, inclusive, que, após a instituição daquele documento, o MEC decidiu criar o Programa Nacional de Desenvolvimento Profissional Continuado Parâmetros em Ação, que inicialmente tinha a função de divulgar e “explicar” os PCN aos professores e que, felizmente, depois assumiu a tarefa de difundir, nas redes públicas, certa cultura de formação continuada. Se aquele recente documento defende um ensino de língua inspirado em uma vertente do construtivismo, estudos e pesquisas disponíveis (por exemplo, MOURA, 2001; SANTOS, 2004; OLIVEIRA, 2004; ALBUQUERQUE, FERREIRA e MORAIS, 2005) e a experiência dos que freqüentam, enquanto professores de estágio ou investigadores, as nossas salas de aulas das séries iniciais, permitem afirmar com clareza: o que se faz, na maioria das turmas de alfabetização, tanto nas que atendem a crianças como a jovens e adultos, está muito longe do que apregoam os PCN e seus autores. Tendemos a encontrar, ainda, um amplo emprego de métodos tradicionais (sobretudo o silábico), “casado” com 4 práticas de leitura e produção de textos que, de fato, não eram realizadas na escola há algumas décadas, mas que assumem ainda um claro formato “escolar”. Em segundo lugar, é também indicador de ignorância de nossa realidade educacional crer que existem métodos milagrosos ou que os métodos, por si sós, garantiriam o sucesso dos alfabetizandos. Além de desconsiderarem as muitas pesquisas que tratam do tema, e que mostram a complexidade dos fatores que determinam sucesso ou fracasso na alfabetização inicial (cf. Soares & Maciel, 2000), os partidários de métodos fônicos e afins esquecem que as cartilhas antigas, que “ensinavam” apenas as correspondências entre letras e sons, produziram e produzem fracasso no Brasil e em outros países. Vale ressaltar que os estudiosos que a elas nos opomos também tendemos a esquecer que em certos países que há muito tempo têm praticamente toda a população alfabetizada – Cuba, por exemplo –, o emprego de velhos métodos não constituiu obstáculo à inclusão de seus habitantes na galáxia de Gutemberg. Finalmente, cabe não esquecer que as cartilhas sintéticas – fossem silábicas, fônicas ou alfabéticas – “desensinavam” o que é texto e o que são as funções sociais dos gêneros escritos, tal como denunciado em nosso país desde os anos 1980 (SOARES, 1989). Feitas essas ponderações, cabe indagar o que se está chamando, hoje, de “construtivismo”. Uma primeira ressalva, que nos parece obrigatória, mesmo ainda transitando numa esfera teórica, diz respeito ao emprego do termo “construtivismo” no singular. Qualquer exame menos refinado indica que, por trás dessa etiqueta, se amalgamam várias teorias de aprendizagem e desenvolvimento humanos, com princípios explicativos muitas vezes não conciliáveis (cf. COLL, 1996). Se dentro do “guarda-chuva” construtivista tendemos a colocar matrizes teóricas como a piagetiana e a vigotskiana, cabe arranjar lugar, ali também, para a teoria de aprendizagem significativa de Ausubel, para as teorias baseadas no modelo de processamento de informação, para todos os modelos pós- piagetianos e pós-vigotskianos que surgiram dos anos 1970 para cá. Como “elo unificador” das várias teorias mencionadas, teríamos um princípio geral, segundo o qual o indivíduo não aprende somente por acumular informações que lhe são dadas prontas, mas por reorganizá-las em sua mente. É óbvio que as implicações pedagógicas, derivadas de tantas perspectivas teóricas, não foram nem poderiam ser homogêneas. 5 As dificuldades em aplicar à didática da alfabetização os princípios construtivistas de extração piagetiana, que fundamentam a teoria da psicogênese da escrita (FERREIRO & TEBEROSKY, 1979) são antigas em nosso Brasil (cf. MORTATTI, 2000). Afinal, uma teoria de aprendizagem do sujeito individual não pode ser confundida com uma proposta de ensino realizada no coletivo, numa instituição chamada escola. Ante as primeiras divulgações das etapas ou níveis de hipótese demonstrados pela teoria da psicogênese da escrita, passamos a viver dilemas como: “tudo bem, sei que vários de meus alunos estão silábicos ou pré-silábicos e que não compreendem, ainda, como as letras representam os sons. O que faço?” Na realidade, durante mais de uma década, o que predominou na formação inicial e continuada dos professores foi o acesso dos docentes à descrição do percurso evolutivo vivido pelo aprendiz, ao aprender o sistema alfabético e não uma discussão sobre formas de didatizar aquela informação. Quanto a este último ponto, vemos que as respostas não foram uniformes e acreditamos que nunca poderiam sê-lo. Afinal, didática é território de decisões que têm a ver com valores, ideologias, preferências e outras idiossincrasias dos grupos e pessoas. Revendo algumas das propostas didáticas que têm como fundamento aquela corrente teórica (GROSSI/GEEMPA, 1986; MEC-SEF 2001), constatamos que se caracterizam por: a) reconhecer a heterogeneidade dos alunos, quanto ao nível de compreensão sobre o que a escrita alfabética nota e sobre como funciona, sendo esta variabilidade relacionada às oportunidades sociais de reflexão sobre a língua escrita; b) propor intervenções específicas para grupos de alunos diferentes e a interação entre aprendizes com níveis próximos; c) estimular a leitura e produção de textos reais; d) estimular a exploração de certas propriedades do sistema alfabético (ordem, identidade, quantidade das letras, etc.); e) não levar os alunos a, explicitamente, analisar as relações entre segmentos escritos e as “partes faladas” das palavras, isto é não promover a reflexão metafonológica; f) omitir-se quanto à necessidade de ensinar, de modo sistemático, inclusive para os alunos que já alcançaram uma hipótese alfabética, o conjunto de correspondências som-grafia usadas na escrita da língua. Mas não há – e pensamos que nunca deverá haver – consenso sobre qual “a” forma única, miraculosa ou “melhor” de alfabetizar entre os que adotam os pressupostos da psicogênese da escrita. Com isto, parece-nos ainda mais preocupante ver, hoje, a expressão 6 “alfabetização construtivista” ser usada pelos partidários do método fônico como sinônimo do antigo “método global” de alfabetização, numa importação direta e inadequada da guerra entre partidários dos métodos “whole language” e “phonics” em outros países. Interpretamos que as propostas didáticas brasileiras voltadas à alfabetização – e inspiradas nos construtivismos – tendem a conjugar contribuições da teoria da psicogênese da escrita com evidências do campo do letramento e, em alguns casos, com contribuições dos estudos sobre “consciência fonológica”. O produto resultante, em geral pouco tem a ver com métodos “globais” ou sequer com metodologias do tipo “look and say” ou “ideo-visuais”, nas quais o aprendiz é incentivado a memorizar um repertório de palavras. O que sim, observamos, nos últimos anos, tanto nos novos livros didáticos de alfabetização (cf. MORAIS & ALBUQUERQUE, 2005) como na prática de professores alfabetizadores que acompanhamos (ALBUQUERQUE, FERREIRA & MORAIS, 2005) é certa falta de clareza, entre estudiosos e docentes, quanto à necessidade de ensinar, sistematicamente, as propriedades da escrita alfabética e suas convenções. No caso dos novos livros didáticos de alfabetização, substitutos das antigas cartilhas, verificamos que, ao lado de um rico repertório textual e de práticas freqüentes de leitura de gêneros escritos variados, os professores encontram poucas atividades que levem o aluno a compreender como funciona o sistema de notação alfabética e a explorar as relações som-grafia. A pesquisa em pauta(MORAIS, ALBUQUERQUE & FERREIRA, 2005) analisou detalhadamente livros de alfabetização aprovados pelo PNLD 2004, incluindo os mais solicitados ao FNDE naquele mesmo ano. Constatamos que eram escassas as tarefas em que os alunos eram chamados a refletir sobre segmentos gráficos e orais das palavras, a observar as relações entre estes, a analisar rimas e aliterações de palavras semelhantes, a comparar palavras quanto ao tamanho (quantidade de sílabas e de letras) ou mesmo a explorar a diversidade de sons que um mesmo grafema assume em nossa notação escrita. Conscientes dessas limitações, os professores de três municípios pernambucanos, informantes da pesquisa de Araújo (2004), se queixavam dos novos manuais e declaravam buscar complementá-los com atividades extraídas de antigas cartilhas ou tarefas que eles próprios elaboravam. 7 Acompanhando, durante um ano letivo, as práticas de ensino de nove professoras alfabetizadoras da rede pública municipal de Recife, Albuquerque, Ferreira & Morais (2005) confirmaram esta situação e constataram, ao mesmo tempo, uma grande diversidade nas formas como aquelas docentes tratavam a escrita alfabética no dia-a-dia, com seus alunos. Se algumas mestras realizavam, diariamente, práticas de reflexão sobre o sistema alfabético, aliadas à leitura e produção de textos, outras professoras desenvolviam um ensino que os pesquisadores classificaram de “assistemático”, já que, em menos de metade dos dias observados, os alunos eram levados a refletir sobre palavras, ou unidades menores que as compõem. Confirmava-se, então, nossa hipótese de que, para alguns docentes, não era preciso “ensinar” a escrita alfabética, já que seus alunos poderiam vir a aprendê-la “naturalmente”. O engodo da cruzada em favor da recuperação do “método fônico” Fazendo um esforço para ignorar possíveis interesses comerciais, vemos os brasileiros que lutam em favor da readoção do método fônico de alfabetização apresentarem como armas (ou argumentos principais) o fato daquele método ter sido adotado com êxito pelos países ricos (França, Estados Unidos, por exemplo), de se basear em evidências científicas sobre o papel das habilidades de consciência metafonológica na alfabetização e de que é preciso, de início, garantir o aprendizado da alfabetização em si, para, só depois, investir no ensino que leva à leitura e à produção de textos. Segundo os cavaleiros desta cruzada, o remédio seria substituir o maléfico “método construtivista”, que supostamente seria adotado massivamente em nossas escolas, por uma pílula antiga, palatável e eficiente: o método fônico. Antes de discutirmos as limitações daquele antigo método, no âmbito específico do aprendizado do sistema de escrita alfabética, parece-nos adequado lembrar que nos “países ricos” o acesso à educação infantil está, na pratica, universalizado. Os estudantes, antes da “série” em que se formaliza a instrução em leitura e escrita, já tiveram um bom treinamento no “papel de aprendiz” (PERRENOUD, 1994): além das rotinas da escola e da sala de aula, já foram iniciados em atividades e tarefas escolares que levam à reflexão sobre o sistema alfabético de escrita e já puderam “freqüentar” os modos de produzir e compreender textos 8 escritos. É preciso não esquecer, ainda, que esses estudantes têm uma jornada escolar diária mais longa que a praticada em nossas redes de ensino, que os professores dos tais países ricos trabalham apenas em uma escola e com uma única turma, que as condições materiais de infra-estrutura e salariais são bem diferentes das que encontramos abaixo do equador. Julgamos, por outro lado, necessário lembrar que o “adiamento” da vivência de práticas de leitura de textos – algo que em absoluto é aceito ou recomendado nos países ricos (cf. por exemplo, IRA, 2002) – carece de fundamento científico e ignora as evidências acumuladas desde a década de 1980 sobre o aprendizado da linguagem própria dos textos escritos como um conhecimento de domínio cognitivo específico. Cabe aqui ressaltar dois aspectos: a) como registrado há tempo em diferentes países (cf. WELLS, 1982; REGO, 1986), o aprendizado da “linguagem que se usa ao escrever”, essencial para se atuar como leitor e produtor de textos, acontece mesmo antes do domínio da escrita alfabética, quando as condições sociais o permitem; e b) a iniciação na escrita alfabética através de falsos textos, “preparados especialmente para alfabetizar”, tende a produzir alunos que “traduzem” letras em sons e vice-versa, mas que têm várias limitações na capacidade de produzir e compreender os textos de circulação social. Se nos voltarmos ao âmbito mais estrito do aprendizado do sistema de escrita alfabética, precisamos questionar, em primeiro lugar, o que os novos defensores estão chamando de método fônico. Diferentemente da acepção que este termo tinha algumas décadas atrás (cf. BRASLAVSKY, 1971; MORTATTI, 2000, CHARTIER, 2005), vemos que, atualmente, a expressão “método fônico”, tanto nas declarações de jornalistas como nas dos acadêmicos que o defendem, tem sido tratada como sinônimo de “ensino sistemático das correspondências entre letras e sons”, e que este procedimento didático (ensinar relações grafema – fonema) seria visto como necessariamente ausente nos “métodos construtivistas”. Em alguns casos, num evidente desserviço à população, a mídia chegou a tratar como equivalentes os velhos métodos “silábico” e “fônico” de alfabetização. Se formos exigentes, se recobrarmos a memória, veremos que uma característica fundamental do que se convencionou chamar “método fônico” é a proposta de ensinar os alunos a pronunciar isoladamente as unidades fonológicas mínimas – os fonemas – e a memorizar as letras que as notam (isto é, que os representam graficamente). Os defensores, 9 antigos e atuais do método crêem, portanto, que: a) seria fácil para o aprendiz segmentar as palavras orais em fonemas, pronunciando-os isoladamente; b) tal procedimento constituiria um requisito para a aprendizagem bem-sucedida das relações letra-som e c) para aprender a “codificar” e “decodificar” palavras, seria suficiente um casamento da habilidade de segmentá-las em fonemas (consciência fonológica, numa acepção muito reduzida) com a capacidade de memorizar as letras que a eles correspondem, dominando o seu traçado. Tal como outros métodos tradicionais de alfabetização, a fórmula miraculosa que agora se quer recuperar tem como fundamento uma visão empirista-associacionista de aprendizagem, cujos processos básicos seriam a percepção e a memória. A partir desse antigo marco epistemológico, se revela também adultocêntrica e pouco sensível a questões de desenvolvimento e relativas às propriedades do objeto de conhecimento a ser aprendido pelo sujeito. De que argumentos dispomos para fazer essas críticas? Diferentes estudiosos da consciência fonológica e defensores do método fônico no Brasil e no exterior (cf., por exemplo, CAPOVILLA, CAPOVILLA, 2000; MORAIS, 1996) assumem literalmente que a escrita alfabética seria um “código” e que as crianças, para dominá-lo, precisariam apenas aprender o “princípio alfabético”, isto é “compreender que em nossa escrita as letras representam os sons da fala”. Temos defendido que a escrita alfabética é um sistema notacional e não um código (cf. MORAIS, 2005a) e que o aparentemente simples domínio do tal “princípio alfabético” pressupõe um complexo trabalho cognitivo, que implica compreender as propriedades daquele sistema e distingui- las das que caracterizam outros sistemas simbólicos (como a notação numérica decimal). Apesar da teoria da psicogênese da escrita ter demonstrado que esta é uma tarefa que envolve uma trajetória marcada por estágios ou saltos qualitativos, os estudos correntes sobre consciência fonológica – que tanto inspiram os defensores do que chamam “método fônico” – tendema tratar o aprendizado da escrita alfabética sob uma lógica “de tudo ou nada”: como observam Vernon e Ferreiro (1999), aqueles pesquisadores geralmente rotulam as crianças, dicotomicamente, como “leitoras” ou “não-leitoras” e tratam as escritas infantis que não usam as relações som-grafia convencionalmente como “escritas inventadas” (invented spellings, em inglês), cujo significado não interessa interpretar, já 10 que, numa ótica experimentalista, é a ocorrência ou não de diferenças estatisticamente significativas o que produziria conhecimento científico. Aqueles estudiosos da consciência fonológica e partidários do método fônico também tendem a crer que na mente infantil as unidades da língua oral e escrita (fonemas, letras, sílabas orais e escritas, palavras orais e escritas) estariam disponíveis, tal como na mente dos adultos super-alfabetizados (ver, a esse respeito, a crítica de FERREIRO, 2003). Tendo por base essa equalização entre os conhecimentos metalingüísticos de aprendizes iniciantes e aqueles dos adultos alfabetizados, acreditam que a identificação de segmentos sonoros (os fonemas), seria “a chave miraculosa” para garantir a associação dos mesmos com seus equivalentes segmentos escritos (letras) e, conseqüentemente, para o êxito na alfabetização. Além de desconsiderar o papel da notação escrita, como meio que dá opacidade às complexas e instáveis unidades orais, tornando possível refletir sobre elas, a perspectiva teórica agora criticada não reconhece o intrincado jogo de compreensão entre partes faladas e partes escritas, entre partes e todos escritos, que o aprendiz precisa reconstruir mentalmente (cf. FERREIRO, 1989). As evidências resultantes de diferentes estudos em que analisamos as habilidades de crianças para refletir sobre unidades sonoras de palavras (cf. MORAIS & LIMA, 1989; MORAIS, 2004) demonstram que, de fato, há uma relação entre o nível de compreensão sobre a escrita alfabética alcançado pelo aluno, tal como descrito pela teoria da psicogênese da escrita, e o tipo de habilidades metafonológicas que ele já desenvolveu. Constatamos, por exemplo, que: a) as crianças silábicas que começavam a usar letras com valor sonoro convencional tinham a habilidade de identificar palavras com rimas e aliterações ao nível da sílaba; b) a habilidade de identificar aliterações ao nível do fonema inicial era mais desenvolvida entre os sujeitos que já tinham alcançado uma hipótese alfabética ou silábico- alfabética de escrita. Dois outros tipos de dados merecem um destaque especial: em primeiro lugar, vimos, tal como FREITAS (2004), que algumas crianças apresentavam bom desempenho nas últimas habilidades metafonológicas mencionadas, mas que aquele conhecimento não era suficiente para que compreendessem como a nossa escrita funciona em um nível alfabético. Em segundo lugar, vimos que mesmo os alunos já alfabetizados se saíam muito mal em tarefas nas quais se lhes solicitava que segmentassem palavras em fonemas e contassem o número de “sonzinhos menores” (fonemas) de palavras. Mesmo os 11 alunos que já liam e escreviam convencionalmente tendiam a segmentar palavras em sílabas e, quando acertavam, se valiam de outro recurso: soletrar, dizer os nomes das letras (e não seus fonemas). Estas últimas evidências demonstram que a exigência original dos propositores de métodos fônicos – levar o aprendiz a pronunciar isoladamente cada um dos fonemas de uma palavra – é antinatural, inaceitavelmente complexa para quem não fez um curso de fonética ou fonologia em nível de graduação. Tratá-la como pré-requisito para a alfabetização seria promover exclusão ou, no mínimo, exigir uma sobrecarga cognitiva desnecessária para os aprendizes que conseguissem sobreviver ao método. Ao lado dessa flagrante inadequação, que diz respeito especificamente à aprendizagem do sistema de escrita alfabética, não podemos esquecer que os materiais didáticos de extração fônica, “preparados para alfabetizar”, submetem a criança a textos surrealmente artificiais e limitados, contribuindo para a deformação das competências envolvidas na leitura e na produção de textos. É preciso repensar nossas metodologias de alfabetização, mas também... As questões até aqui enfocadas demonstram que precisamos, sim, discutir metodologias de alfabetização, em lugar de ressuscitar a guerra dos métodos tradicionais de alfabetização. Poderíamos resumir a alternativa que defendemos, retomando quatro pontos da argumentação que estivemos desenvolvendo, ao longo desse texto: 1- Embora o emprego de métodos isoladamente não garanta sucesso ou êxito escolar, os métodos tradicionais, de base empirista, não são remédios miraculosos: foram e continuam sendo promotores de fracasso (ou sucesso) escolar. No caso específico do método fônico, tem-se a exigência de um nível de consciência metafonológica exagerado e antinatural, além de descuidar-se do ensino da linguagem própria dos diferentes textos escritos. 2- As tentativas de didatizar a teoria da psicogênese da escrita tenderam, por um lado, a negligenciar o papel da promoção das habilidades metafonológicas dos aprendizes e, por outro, a não garantir um ensino sistemático das correspondências letra-som. Alguns estudiosos da linguagem e professores de alfabetização demonstram terem 12 passado a acreditar que a simples vivência de práticas freqüentes de leitura de textos levaria o aprendiz a compreender o sistema alfabético e a dominar suas convenções. 3- Se o sistema de escrita alfabético é um objeto de conhecimento em si, é necessário desenvolver metodologias de ensino que levem o aprendiz a, quotidianamente, refletir sobre as propriedades do sistema e, progressivamente, aprender e automatizar suas convenções. A compreensão das propriedades da escrita alfabética requer o desenvolvimento de habilidades fonológicas que a escola deve promover em lugar de esperar que os alunos, sozinhos, as descubram. A promoção da consciência fonológica (e não só fonêmica) pode ser realizada num marco mais amplo de reflexão sobre as propriedades do sistema alfabético, sem assumir o formato de “treino” e deve beneficiar-se, obviamente, da “materialização” que a escrita das palavras (sobre as quais reflete) propicia ao aprendiz. Isto se aplica tanto à alfabetização de crianças como à de jovens e adultos (cf. MORAIS, 2005 b, MORAIS & LEITE, 2005). 4- Não existe nenhuma oposição em alfabetizar e letrar ao mesmo tempo. Para não promover exclusão, o ideal é aliar um ensino sistemático da notação alfabética com a vivência cotidiana de práticas letradas, que permitam ao estudante se apropriar das características e finalidades dos gêneros escritos que circulam socialmente. Entendemos, todavia, que esse conjunto de princípios, não deve ser tratado à margem de considerações mais gerais sobre a profissionalização do docente, de suas condições materiais e simbólicas de trabalho e da implementação de políticas que favoreçam, precocemente, o sucesso escolar das crianças oriundas de meios populares. O próprio significado da discussão de metodologias de alfabetização precisa estar subordinado a esses temas mais amplos, que são fatores de democratização da escola. É necessário reconhecer que muito precisa ser feito no sentido de assumir como política de estado a formação continuada dos professores, em especial a dos que se dedicam à alfabetização. Os esforços feitos nos últimos anos parecem-nos ainda insuficientes para dar conta da gravidade da questão. Acreditamos que é hora de termos políticas federais, estaduais e municipais que garantam a real formação continuada dos professores da educação básica. Para que essas não funcionem como apêndices ou ações descartáveis dos 13 sistemas de ensino, é urgente priorizar a formação dos formadores de professores, em cada âmbito local. Ao lado disso e de uma redefinição das condições deexercício profissional dos docentes, chamamos a atenção para a necessidade de debatermos o significado da ampliação do ensino fundamental para nove anos e da urgência de universalizarmos o acesso à educação infantil. A partir dos debates travados durante a década de 1990, por ocasião da instituição dos Referenciais Curriculares Nacionais para aquela etapa de ensino (BRASIL-MEC, 1998), fica evidente que muitos que influem nos destinos daquela etapa escolar resistem à idéia de ensinar-escolarizar-alfabetizar na pré-escola. Não queremos que crianças pequenas sejam “torturadas” ou “forçadas precocemente” a entrar na ordem da escrita. Mas não encontramos fundamento para negar unicamente aos filhos das camadas populares o direito de, cedo, poderem se familiarizar com a escrita alfabética e, cedo, ganharem autonomia no exercício das práticas que cultivam os cidadãos letrados. Referências Bibliográficas ALBUQUERQUE, E.B.C; FERREIRA, A.T.B.F. & MORAIS, A.G. As práticas cotidianas de alfabetização: o que fazem as professoras? Anais da 28ª. Reunião Anual da ANPED. Disponível em www.anped.org.br/28/textos/gt10/gt101128int.rtf, maio de 2006. FERREIRO, E. A escrita antes das letras. In SINCLAIR, H (org.) Produção de notações na criança. São Paulo: Cortez, 1989. FERREIRO, E. Escrita e oralidade: unidades, níveis de análise e consciência metalingüística. In FERREIRO, E. (org.). Relações de (in)dependência entre oralidade e escrita. Porto Alegre: Artmed, 2003. FERREIRO, E. & TEBEROSKY, A. Los sistemas de escritura en el desarrollo del nino. México: Siglo XXI, 1979. FREITAS, G. C. M. 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Tomando como pressupostos pesquisas sobre a história da alfabetização, dados de algumas práticas reveladas em livros e manuais para o ensino inicial da escrita e por professores, este artigo pretende recuperar o lugar dos métodos de alfabetização, de um ponto de vista histórico e atual. Parte-se do pressuposto de que mesmo quando os métodos não estão em evidência no campo teórico e no campo das políticas, as formas de materializar novas teorias e desafios em ações fazem parte da natureza da pedagogia. Refletir sobre diferentes formas de intervenção/métodos e metodologias nos possibilita aprender algumas lições. No sentido de recuperar princípios, soluções e problemas que os métodos carregam, esse texto se organiza em torno dos seguintes objetivos: a) discutir os métodos de alfabetização, suas especificidades e os conteúdos que contemplam; b) apresentar as interferências e complementações produzidas a partir de métodos gerais de ensino; c) refletir sobre a ampliação dos conteúdos da alfabetização e sua relação com novas metodologias. Palavras-chave: Métodos de Alfabetização, Alfabetização
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