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Comunicação e Expressão Márcia Antonia Guedes Molina Márcia Antonia Guedes Molina COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO Educação a Distância SUMÁRIO APRESENTAÇÃO...........................................................................................................4 INTRODUÇÃO ................................................................................................................5 1 COMUNICAÇÃO E LINGUAGEM ...............................................................................7 1.1 PROCESSOS DE COMUNICAÇÃO.....................................................................7 1.2 ELEMENTOS DA COMUNICAÇÃO .....................................................................8 1.2.1 Código e Mensagem....................................................................................8 1.2.2 Referente .....................................................................................................8 1.2.3 Canal de Comunicação ...............................................................................8 1.2.4 Esquema da Comunicação .........................................................................9 1.3 AS FUNÇÕES DA LINGUAGEM..........................................................................9 1.4 ATIVIDADES PROPOSTAS ...............................................................................12 2 TEXTO E TEXTUALIDADE .......................................................................................13 2.1 ATIVIDADES PROPOSTAS ...............................................................................16 2.2 COESÃO .............................................................................................................17 2.3 COERÊNCIA .......................................................................................................17 3 AS SUPERESTRUTURAS TEXTUAIS .....................................................................19 3.1 O TEXTO DESCRITIVO .....................................................................................19 3.1.1 Características do Texto Descritivo...........................................................21 3.2 ATIVIDADES PROPOSTAS ...............................................................................23 3.3 O TEXTO NARRATIVO ......................................................................................24 3.3.1 Características do Texto Narrativo ............................................................25 3.4 ATIVIDADES PROPOSTAS ...............................................................................27 3.5 O TEXTO DISSERTATIVO.................................................................................28 3.5.1 Características da Dissertação..................................................................28 3.5.2 Dissertação Expositiva ..............................................................................29 3.5.3 Dissertação Argumentativa........................................................................29 3.5.4 Organização do Texto Dissertativo ...........................................................30 3.6 ATIVIDADES PROPOSTAS ...............................................................................33 4 A CONSTITUIÇÃO DO TEXTO .................................................................................35 4.1 A INTERTEXTUALIDADE...................................................................................36 4.2 PARÓDIA ............................................................................................................37 4.3 PARÁFRASE.......................................................................................................40 4.4 ESTILIZAÇÃO .....................................................................................................43 4.5 APROPRIAÇÃO..................................................................................................44 4.6 ATIVIDADES PROPOSTAS ...............................................................................46 5 O TEXTO ACADÊMICO.............................................................................................47 5.1 FICHAMENTO.....................................................................................................47 5.2 RESUMO.............................................................................................................52 5.3 A RESENHA........................................................................................................54 5.3.1 Resenha Crítica .........................................................................................55 5.3.2 Resenha Descritiva....................................................................................56 5.3.3 Requisitos básicos para se resenhar ........................................................56 5.4 ATIVIDADES PROPOSTAS ...............................................................................57 6 O TEXTO COMERCIAL .............................................................................................58 6.1 AS CARTAS COMERCIAIS................................................................................58 6.1.1 A composição da Carta Comercial ............................................................59 7 E-MAILS .....................................................................................................................61 7.1 INTERNET...........................................................................................................61 7.2 O E-MAIL PROPRIAMENTE DITO.....................................................................61 7.2.1 E-mails Comerciais....................................................................................63 7.2.2 E-mails Pessoais .......................................................................................64 7.3 ATIVIDADES PROPOSTAS ...............................................................................65 CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................................................66 RESPOSTAS COMENTADAS DAS ATIVIDADES PROPOSTAS..............................67 REFERÊNCIAS .............................................................................................................71 BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA...............................................................................74 4 APRESENTAÇÃO É com satisfação que a Unisa Digital oferece a você, aluno(a), esta apostila de Comunicação e Expressão, parte integrante de um conjunto de materiais de pesquisa voltado ao aprendizado dinâmico e autônomo que a educação a distância exige. O principal objetivo desta apostila é propiciar aos(às) alunos(as) uma apresentação do conteúdo básico da disciplina. A Unisa Digital oferece outras formas de solidificar seu aprendizado, por meio de recursos multidisciplinares, como chats, fóruns, aulas web, material de apoio e e-mail. Para enriquecer o seu aprendizado, você ainda pode contar com a Biblioteca Virtual: www.unisa.br, a Biblioteca Central da Unisa, juntamente às bibliotecas setoriais, que fornecem acervo digital e impresso, bem como acesso a redes de informação e documentação. Nesse contexto, os recursos disponíveis e necessários para apoiá-lo(a) no seu estudo são o suplemento que a Unisa Digital oferece, tornando seu aprendizado eficiente e prazeroso, concorrendo para uma formação completa, na qual o conteúdo aprendido influencia sua vida profissional e pessoal. A Unisa Digital é assim para você: Universidade a qualquer hora e em qualquer lugar! Unisa Digital 5 INTRODUÇÃOUma língua é um lugar donde se vê o mundo e em que se traçam os limites do nosso pensar e sentir. Vergílio Ferreira Caro(a) aluno(a), Nosso objetivo, neste trabalho, é sintetizar alguns conceitos de textos relevantes para auxiliar o processo de produção escrita dos ingressantes no curso superior, favorecendo-lhes, também, uma orientação de como elaborar determinadas superestruturas textuais, por meio de técnicas de escritura e leitura de textos modelares, bem como a competência para a produção de textos acadêmicos, possibilitando-lhes, ainda, uma orientação de como elaborar determinados textos técnicos. O trabalho embasa-se em obras dos mais renomados estudiosos da Linguística, como Jakobson (2001) e Vanoye (1998); dos mais importantes estudiosos da Linguística de Texto, como Fávero (1999), Kock (1997), Guimarães (2004) e Fiorin (2003); e em trabalhos de metodologia do trabalho científico, de autores de reconhecida competência, como Severino (2001) e Lakatos e Marconi (1992). Os conteúdos estão assim organizados: primeiramente, discutiremos a questão de língua e linguagem; depois, os elementos da comunicação e, embasados neles, as funções da linguagem. Partimos, depois, para as noções de texto, textualidade, coesão e coerência, para, em seguida, apresentar as superestruturas textuais tradicionalmente reconhecidas: descrição, narração e dissertação. Num outro capítulo, depois de uma revisão de texto e textualidade, apresentamos a noção de intertextualidade, compreendendo a paródia, paráfrase, estilização e apropriação, para, então, fazer a discussão de fichamento, resumo e resenha. Na sequência, apresentamos a redação comercial e finalizamos a apostila com orientações de como escrever e-mails. A seleção desses conteúdos deve-se à sua relevância como ponto de partida para os demais textos, embora urge salientarmos que, numa obra simples como a nossa, não temos a pretensão de traçar todas as diretrizes possíveis para o bom desenvolvimento de sua competência escrita. Pelo contrário, apresentamos aqui 6 apenas um roteiro, um caminho inicial que deverá ser percorrido pelo(a) próprio(a) aluno(a), desvendado e ampliado à medida que seu conhecimento sobre a língua for ampliado. Fruto de nossa experiência docente, as lições aqui apresentadas resultam do que foi possível coletar do prazeroso convívio com nossos(as) alunos(as) e da observação do brilhante trabalho de muitos colegas com quem tivemos o prazer de cruzar durante nossa jornada, especialmente, das atividades docentes da minha orientadora de doutorado, Profa. Dra. Leonor Lopes Fávero, umas das maiores estudiosas de Linguística Textual no Brasil; do meu querido professor Hildebrando A. André, com quem tive o prazer de aprender a ensinar redação, e das lições sublineares a mim fornecidas pelo meu amigo, Prof. Leo Rícino, brilhante professor de Língua Portuguesa. Espero que aproveitem o conteúdo, que se dediquem na leitura dos pontos e que façam as atividades aqui propostas com muito empenho. Um abraço cordial e bom trabalho!!! Profa. Márcia A. G. Molina 7 1 COMUNICAÇÃO E LINGUAGEM Caro(a) aluno(a), Muitos autores costumam definir comunicação como “transmissão voluntária de informação” (RIEGEL, 1981, p. 21), então, respondam-me: como se procede, então, essa transmissão? Claro que por meio da linguagem. Émile Benveniste (1977) assevera que a linguagem é um sistema de signos socializados, remetendo-nos à sua função de comunicação. Vale salientar que, para que exista comunicação, as pessoas envolvidas no processo precisam fazer uso de um código comum, quer dizer, devem “falar a mesma língua”. Isso significa que só há comunicação quando um entende o outro. 1.1 PROCESSOS DE COMUNICAÇÃO E agora, o que é comunicação? A comunicação pressupõe sempre a existência de dois polos: aquele que emite a informação e aquele que a recebe – emissor/receptor, locutor/alocutário, ouvinte/leitor etc. O veículo utilizado para a comunicação pode fazer com que esses papéis sejam intercambiáveis ou não. No entanto, é importante frisarmos que, para que haja comunicação, deve haver, pelo menos, dois seres envolvidos, fazendo uso dos elementos da comunicação. As línguas são, de acordo com Vanoye (1998, p. 21), “casos particulares de um fenômeno geral”, ou seja, a linguagem é o todo, todas as formas de comunicação, e comporta vários códigos, como cores, signos, assobios, código Morse etc., já as línguas são um tipo específico de linguagem. 8 1.2 ELEMENTOS DA COMUNICAÇÃO 1.2.1 Código e Mensagem O emissor e o receptor, como já foi dito, devem dispor do mesmo código, ou seja, do mesmo sistema de signos, a fim de que a informação possa ser recebida e decodificada pelo receptor. Essa informação decodificada, caro(a) aluno(a), é a mensagem. 1.2.2 Referente Riegel (1981, p. 22) assevera que os signos do código remetem à realidade tal qual é percebida pelo emissor e pelo receptor. O aspecto específico dessa realidade, que é evocada por um signo do código, é o referente desse signo. O universo referencial, exterior ao código, compreende tudo aquilo que pode ser designado pelos signos e suas combinações: seres, coisas, estados, acontecimentos, idéias, etc. 1.2.3 Canal de Comunicação É necessário um meio físico para que a mensagem possa ser veiculada para o interlocutor, o qual damos o nome de canal de comunicação. Constituem canais de comunicação o ar, um CD, um cabo, um telefone etc. Portanto, referente é aquilo a que se refere no texto. 9 1.2.4 Esquema da Comunicação Preste atenção, agora: A somatória desses elementos resulta no seguinte esquema, que apresenta os elementos indispensáveis para a comunicação: Figura 1 – Esquema da comunicação. 1.3 AS FUNÇÕES DA LINGUAGEM Agora, vamos ver o que são e quais são as funções da linguagem. A linguagem, de acordo com Jakobson (2001, p. 122), tem toda a variedade de suas funções. Antes, porém, propõe que recordemos que o remetente envia uma mensagem a um destinatário. Para que possa ser transmitida, a mensagem requer um contexto (ou referente), apreensível pelo destinatário, e que seja verbal ou passível de verbalização, um código comum (parcial ou totalmente) a ambos – remetente e destinatário –, e, finalmente, um contato, ou seja, um canal físico por meio do qual possa ser veiculada. Cada um desses seis elementos encerra uma função da linguagem diferente, como vemos a seguir: CÓDIGO CONTEXTO EMISSOR RECEPTOR Canal de comunicação MENSAGEM 10 CONTEXTO 1) FUNÇÃO REFERENCIAL CANAL 2) FUNÇÃO FÁTICA EMISSOR MENSAGEM RECEPTOR 3) FUNÇÃO EMOTIVA 4) FUNÇÃO POÉTICA 5) FUNÇÃO CONATIVA CÓDIGO 6) METALINGUAGEM Figura 2 – Funções da linguagem. Apesar de serem seis elementos e, portanto, seis funções da linguagem, normalmente as mensagens comportam mais de uma função, havendo uma predominante, mas não exclusiva. Deve-se ressaltar que a estrutura da mensagem depende dessa função predominante. Assim, a função referencial (também chamada denotativa) está centrada no contexto (referente). Tudo o que se refere aos contextos situacionais ou textuais pertencem a esta função. Ex.: Prefeitura libera a pista expressa da Marginal Pinheiros. (Folha de São Paulo, 16 de janeiro de 2007). Quando a mensagem está centrada no canal,falamos da função fática. Temos, nesse caso, tudo o que serve para, numa comunicação, estabelecer, manter ou encerrar o contato. Ex.: Alô, alô, responde... Responde... Já quando a mensagem prioriza o emissor, revelando sua personalidade, estamos à frente da função emotiva (ou expressiva). 11 Ex.: Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. Entre eles considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. (Carlos Drummond de Andrade) A função poética é aquela em que a prioridade está na própria mensagem, colocando em destaque o lado palpável dos signos (JAKOBSON, 2001). Ex.: Vozes veladas, veludosas vozes, Volúpias dos violões, vozes veladas, Vagam nos velhos vórtices velozes Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas. (Cruz e Souza) Quando ocorre a orientação para o receptor (destinatário), temos a função conativa. Por isso, nessa função, é comum observamos o emprego de verbos no modo imperativo, vocativos e ponto de exclamação. Ex.: Assine uma TV a cabo agora e comece a pagar somente depois do Carnaval. Finalmente, quando é dada especial relevância ao código, estamos à frente da função metalinguística. Ex.: Quando falamos de funções da linguagem, queremos dizer, da possibilidade que tem a língua de, de acordo com a intenção do falante, dar especial destaque a determinados elementos da comunicação. Neste caso, usamos a língua para explicar a própria língua. 12 1.4 ATIVIDADES PROPOSTAS Agora, querido(a) aluno(a), responda às questões abaixo: 1. Quais são os elementos da comunicação? 2. Quais são as funções da linguagem? 3. Complete: a) Quando a prioridade da mensagem está na própria mensagem, temos a função _____________________. b) Quando a mensagem dirige-se a um receptor, enfatizando-o, temos a função _____________________. Espero que tenha entendido bem essa questão. Então, passemos para outro tópico importante. 13 2 TEXTO E TEXTUALIDADE Querido(a) aluno(a), Texto, etimologicamente, quer dizer tecido, ou seja, trata-se de uma trama na qual se devem enredar as palavras. Hoje, o Minidicionário Houaiss da língua portuguesa (HOUAISS, 2003, p. 508) traz a seguinte definição para o termo: “s.m. 1. Conjunto de palavras, frases escritas; 2. Trecho ou fragmento de obra de um autor; 3. qualquer material escrito destinado a ser falado ou lido em voz alta [...].” Já a Linguística do Discurso procura estudar os textos como manifestações linguísticas produzidas por indivíduos concretos em situações concretas, sob determinadas condições de produção (KOCK, 1997, p. 11), entendendo-os numa situação interacionista. Para que melhor possamos compreendê-los nessa perspectiva, analisemos as sequências a seguir: Para calar a boca: Rícino Pra lavar a roupa: Omo Para viagem longa: Jato Para difíceis contas: Calculadora Para o pneu na lona: Jacaré Para a pantalona: Nesga Para pular a onda: Litoral Para lápis ter ponta: Apontador Para o Pará e o Amazonas: Látex Para parar na pamplona: Assis Para trazer à tona: Homem - Rã Para a melhor azeitona: Ibéria Para o presente da noiva: Marzipã Para Adidas o Conga: Nacional Para o outono a folha: Exclusão Para embaixo da sombra: Guarda-Sol Para todas as coisas: Dicionário Para que fiquem prontas: Paciência Para dormir a fronha: Madrigal Para brincar na gangorra: Dois Para fazer uma toca: Bobs Para beber uma coca: Drops Para ferver uma sopa: Graus Para a luz lá na roça: 220 volts Para vigias em ronda: Café Para limpar a lousa: Apagador Para o beijo da moça: Paladar Para uma voz muito rouca: Hortelã Para a cor roxa: Ataúde Para a galocha: Verlon Para ser moda: Melancia Para abrir a rosa: Temporada 14 Para aumentar a vitrola: Sábado Para a cama de mola: Hóspede Para trancar bem a porta: Cadeado Para que serve a calota: Volkswagen Para quem não acorda: Balde Para a letra torta: Pauta Para parecer mais nova: Avon Para os dias de prova: Amnésia Pra estourar pipoca: Barulho Para quem se afoga: Isopor Para levar na escola: Condução Para os dias de folga: Namorado Para o automóvel que capota: Guincho Para fechar uma aposta: Paraninfo Para quem se comporta: Brinde Para a mulher que aborta: Repouso Para saber a resposta: Vide - o - Verso Para escolher a compota: Jundiaí Para a menina que engorda: Hipofagi Para a comida das orcas: Krill Para o telefone que toca Para a água lá na poça Para a mesa que vai ser posta Para você o que você gosta Diariamente (REIS, 1991). Quando lemos esse texto, num primeiro momento, temos a impressão de que se trata de um amontoado de frases pouco significativas. Contudo, se a inserirmos em seu contexto, passamos a entendê-la como texto. Então, vamos lá: a sequência é uma composição de Nando Reis, gravada por Marisa Monte, intitulada Diariamente. O texto relata os fatos do cotidiano de uma pessoa que vive numa região urbana, possivelmente, na cidade de São Paulo. O mesmo ocorre com a seguinte sequência: Por que você é Flamengo? E meu pai Botafogo? O que significa "Impávido Colosso"? Por que os ossos doem? Enquanto a gente dorme? Por que os dentes caem? Por onde os filhos saem? Por que os dedos murcham? Quando estou no banho? Por que as ruas enchem? Quando está chovendo? Quanto é mil trilhões? Vezes infinito? Quem é Jesus Cristo? Onde estão meus primos? Well, well, well Gabriel? Well, well, well? 15 Por que o fogo queima? Por que a lua é branca? Por que a Terra roda? Por que deitar agora? Por que as cobras matam? Por que o vidro embaça? Por que você se pinta? Por que o tempo passa? Por que que a gente espirra? Por que as unhas crescem? Por que o sangue corre? Por que que a gente morre? Do qué é feita a nuvem? Do que é feita a neve? Como é que se escreve Reveillon? Well, well, well, Gabriel. (DUNGA; TOLLER, 2004). Se não reconhecermos a sequência, inadvertidamente, podemos julgá-la um amontoado de perguntas sem nexo e, portanto, um não texto. Contudo, novamente, temos aqui a letra de uma composição que Paula Toller dedicou a seu filho Gabriel, com as perguntas que ele, costumeiramente, lhe fazia. A música chama- se Oito anos e foi gravada por Adriana Calcanhoto. Agora, preste atenção a este segmento: LA VARIÉTÉ ET LA FANTAISIE DE MA VIE DE TOUS LES JOURS Tous les jours de la semaine, je ne me lève jamais a la même heure et ce n’est jamais la mème chose. Mes jours sont fous, fous, fous! Lorsque je me lève, je ne suis pas pressé... Je vois et je choisis, c’est ça? Qu’il faut faire... Je déjeune chaque jour à un restaurant différent. L’aprés-midi je vais au cinéma, ou pour les courses, ou jouer le bowling, au bien aux shoppings... Je fais de promenade, promenade, promenade... Naturellement, je ne peux pas travailler! Les soirs je m’amuse à quelque show, ou théatre, ou rendez-vous chez un ami... Les personnes ne me retrouvent jamais! (GIRAFAMANIA, 2010). Essa sequência só será texto àqueles que dominam a língua em que foi escrita, o francês; os demais reconhecerão a sequência, mas, como não interagem com ela, não conseguindo depreender-lhe um sentido, será um não texto. Nesse sentido, seguindo os passos de Kock e Travaglia (1990, p. 10), podemos compreender texto como: 16 Além disso, deve ter textualidade: aquilo queconverte uma sequência linguística em texto (KOCK; TRAVAGLIA, 1990, p. 45), isto é, ser todo, coeso e coerente para seus usuários. Vejamos agora, brevemente, o que é coesão e coerência. 2.1 ATIVIDADES PROPOSTAS Vamos ver se você entendeu o que acabamos de explicar. 1. Leia a sequência a seguir e responda: é um texto? Justifique sua resposta. Uma unidade linguística concreta (perceptível pela visão ou audição), que é tomada pelos usuários da língua (falante, escritor/ouvinte, leitor), em uma situação de interação comunicativa, como uma unidade de sentido e preenchendo uma função comunicativa reconhecível e reconhecida, independentemente da sua extensão. 17 2.2 COESÃO Leia com atenção: Fávero (1999, p. 10) assim define coesão: “A coesão, manifestada no nível microtextual, refere-se aos modos como os componentes do universo textual, isto é, as palavras que ouvimos ou vemos, estão ligados entre si dentro de uma sequência.” Podemos dizer, portanto, que coesão é o nome com que designamos as estratégias de ligação utilizadas num texto para torná-lo todo, ou seja, o uso de elementos capazes de estabelecer elos, os quais podem “amarrar” elementos mencionados anteriormente no texto, ocorrendo, então, o que os estudiosos chamam de anáfora. Ex.: Fiz todos os exercícios indicados pela professora, mas minha amiga Carla não os fez (isto é, não fez os exercícios). Podem, também, “amarrar” elementos que serão ainda mencionados no texto, ocorrendo, então, a chamada catáfora. Ex.: Fui ao mercado e comprei todos os itens de que precisava, menos estes: arroz, batata e azeite. Bem utilizar esses elementos auxilia bastante na boa escritura de uma sequência, mas não é só isso. Vejamos, agora, outro elemento responsável pela textualidade, capaz de ajudar na produção textual. 2.3 COERÊNCIA E do que será que trata a noção de coerência? Coerência diz respeito ao sentido do texto. 18 A coerência [...], manisfetada em grande parte macrotextualmente, refere-se aos modos como os componentes do universo textual, isto é, os conceitos e as relações subjacentes ao texto de superfície, se unem numa configuração, de maneira reciprocamente acessível e relevante. Assim a coerência é o resultado de processos cognitivos operantes entre os usuários e não mero traço dos textos. (FÁVERO, 1999, p. 10). Então, a sequência a seguir constituirá texto para quem a entender como um classificado, concorda? Vários são os elementos responsáveis pela coerência. Kock e Travaglia (1990) apontam os seguintes: a) conhecimentos: linguístico, de mundo, partilhado, do mundo em que o texto se inscreve; b) inferências; c) fatores pragmáticos; d) situacionalidade; e) intencionalidade; f) aceitabilidade; g) informatividade; h) focalização; i) intertextualidade; j) relevância. Resta-nos, ainda, especificar que os textos organizam-se numa hierarquia de tipos de subtipos. Guimarães (2004, p. 16) ensina que, se a intenção se volta fundamentalmente para as estruturas internas do texto, fica estabelecida uma tipologia de acordo com a forma de estruturação, sua superestrutura, ou o mundo em que o texto se inscreve. É disso que trataremos a seguir. VENDE-SE Apartamento. 3 dorms. 2 sls. coz. Área serv. Moema. R$210.000. Tratar com o proprietário: (33) 3333-3333. 19 3 AS SUPERESTRUTURAS TEXTUAIS Caro(a) aluno(a), A noção de superestrutura, emprestada de Van Dijk (1983), diz respeito às estruturas globais que caracterizam alguns tipos de textos, independentemente de seu conteúdo. Dessa forma, relativamente ao aspecto estrutural, podemos inscrever os textos em: descritivos, narrativos e dissertativos. Essas superestruturas têm, como afirma Guimarães (2004, p. 65), caráter convencional e são conhecidas e reconhecidas pelos falantes da língua, ou seja, “uma superestrutura é um tipo de esquema abstrato que estabelece a ordem global do texto, e que se compõe de uma série de categorias, cujas possibilidades de combinação se baseiam em regras convencionais.” A autora informa, também, que, embora haja sempre uma estrutura dominante, o texto pode apresentar outras. Por exemplo, um texto predominantemente narrativo pode apresentar trechos descritivos; o predominantemente dissertativo pode trazer, em alguns momentos, trechos que caracterizam a narração e/ou a descrição. O importante para um estudante do curso de Letras é saber identificar no todo trechos dessa ou daquela estrutura, cujas características agora apresentamos. 3.1 O TEXTO DESCRITIVO O que você entende por descrição? Descrever é caracterizar com detalhes objetos, locais, pessoas e situações, apresentando as características deles percebidas por meio dos cinco sentidos. Como é através dos sentidos que estabelecemos contato com o mundo à nossa volta, podemos dizer que essa estrutura textual é a mais primeva, constituindo elementos vitais de nossa sensibilidade. “Visão, tato, audição, paladar, olfato são os sentidos com que percebemos as coisas do mundo que se traduzem em formas, cores, texturas, cheiros, sonoridades a serem descobertas.” (AMARAL; ANTÔNIO, 1991, p. 19). 20 Observemos agora as seguintes sequências: Era um dia abafadiço e aborrecido. A pobre cidade de São Luís do Maranhão parecia entorpecida pelo calor. Quase que se não podia sair à rua: as pedras escaldavam, as vidraças e os lampiões faiscavam ao sol como enormes diamantes, as paredes tinham reverberações de prata polida; as folhas das árvores nem se mexiam; as carroças d’água passavam ruidosamente a todo o instante, abalando os prédios, e os aguadeiros, em mangas de camisa e pernas arregaçadas, invadiam sem cerimônia as casas para encher as banheiras e os potes. Em certos pontos não se encontrava viva alma na rua; tudo estava concentrado, adormecido; só os pretos faziam as compras para o jantar ou andavam no ganho. (AZEVEDO, 1997). Trem das Cores A franja na encosta Cor de laranja Capim rosa chá O mel desses olhos luz Mel de cor ímpar O ouro ainda não bem verde da serra A prata do trem A lua e a estrela Anel de turquesa Os átomos todos dançam Madruga Reluz neblina Crianças cor de romã Entram no vagão O oliva da nuvem chumbo Ficando Pra trás da manhã E a seda azul do papel Que envolve a maçã As casas tão verde e rosa Que vão passando ao nos ver passar Os dois lados da janela E aquela num tom de azul Quase inexistente, azul que não há Azul que é pura memória de algum lugar Teu cabelo preto Explícito objeto Castanhos lábios Ou pra ser exato Lábios cor de açaí E aqui, trem das cores Sábios projetos: Tocar na central E o céu de um azul Celeste celestial (VELOSO, 1990). 21 A primeira sequência, como se pode observar, é um trecho do romance O mulato, de Aluísio Azevedo. Podemos perceber com que precisão o autor descreve a cidade de São Luís do Maranhão; trechos com sinestesias, como “pedras escaldavam, as vidraças e os lampiões faiscavam ao sol como enormes diamantes, as paredes tinham reverberações de prata polida”, favorecem não só a leitura, como também a percepção sensorial do texto. O mesmo acontece com a letra da música Trem das cores, de Caetano Veloso. Em “O mel desses olhos luz/E a seda azul do papel/Que envolve a maçã”, temos a impressão de sentir o gosto tanto do mel, quanto da maçã; de ver o brilho dos olhos e de sentir a maciez do papel de seda.Vejamos então, pormenorizadamente, o que compreende um texto descritivo. 3.1.1 Características do Texto Descritivo Leia o seguinte fragmento (1) da obra Iracema, de José de Alencar: Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas. (ALENCAR, 1990). Agora, atente para o seguinte fragmento (2): Um texto descritivo estará bem produzido quando possibilitar essas sensações; quando o leitor, ao proceder à sua leitura, tiver a sensação de estar vendo, presenciando, sentindo o que se está descrevendo. 22 Iracema saiu do banho; o aljôfar d'água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste. (ALENCAR, 1990). O texto descritivo é predominantemente figurativo, ou seja, construído com termos essencialmente concretos, evocando uma figura, um efeito de realidade. “Os textos figurativos produzem um efeito de realidade e, por isso, representam o mundo, com seus seres, seus acontecimentos.” (PLATÃO; FIORIN, 1997, p. 89). No fragmento 1, temos como exemplos de termos concretos: a morena virgem corria o sertão e as matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando etc. Outra característica do texto descritivo é que ele não traz mudança de situação. É estático, representa o mundo num determinado momento, é recorte. Além disso, naquela instância em que se efetua a descrição, vários fatos simultâneos podem ser apresentados. Assim, Iracema, quando apreendida pelo narrador, apresentava simultaneamente as seguintes características: era virgem, tinha lábios de mel; seus cabelos eram mais negros que a asa da graúna e mais longos que o talhe de palmeira; seu sorriso era doce como o favo da jati; seu hálito era perfumado, era ainda mais rápida que a ema etc. Essas características coocorriam, estavam todas presentes na mesma instância, podendo, inclusive, ser invertidas no texto; por exemplo: seu sorriso era doce como o favo da jati; seu hálito era perfumado, era ainda mais rápida que a ema; era virgem, tinha lábios de mel; seus cabelos eram mais negros que a asa da graúna e mais longos que o talhe de palmeira... Isso porque não existe relação de anterioridade, nem de posterioridade no fragmento. Para que se estabeleça a comparação, retomemos o segundo fragmento: O primeiro fragmento é descritivo e o segundo, narrativo. Como identificar a descrição? 23 Iracema saiu do banho; o aljôfar d'água ainda a roreja, como à doce mangaba que corou em manhã de chuva. Enquanto repousa, empluma das penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata, pousado no galho próximo, o canto agreste. (ALENCAR, 1990). Esse é um fragmento narrativo, pois existe nele uma relação de anterioridade e posterioridade: primeiro a índia saiu do banho, depois pôs-se a repousar. A inversão dos fatos prejudicaria a sequenciação do texto. Podemos perceber também, em ambos os textos, uma diferença no emprego dos tempos verbais: no primeiro, predomina o pretérito imperfeito e, no segundo, o pretérito perfeito. Como a simultaneidade é a característica do texto descritivo, os tempos verbais mais empregados são o presente do indicativo e o pretérito imperfeito do indicativo. Quanto à organização, podemos afirmar que se deve elaborar o texto descritivo espacialmente, isto é, os elementos devem ser descritos de baixo para cima, da esquerda para a direita, de dentro para fora etc., para que o leitor possa, paulatinamente, ir construindo a imagem daquilo que se está tratando. 3.2 ATIVIDADES PROPOSTAS 1. Agora, reúna todas as informações dadas anteriormente a respeito do texto descritivo e leia a seguinte poesia de Manoel Bandeira, observando os traços da descrição e explicitando-as a seguir: Segunda canção do beco Teu corpo moreno É da cor da praia. Deve ter o cheiro Da areia da praia. Deve ter o cheiro Que tem ao mormaço A areia da praia. Teu corpo moreno Deve ter o gosto De fruta de praia. Deve ter o travo, Deve ter a cica Dos cajus da praia. 24 Não sei, não sei, mas Uma coisa me diz Que o teu corpo magro Nunca foi feliz. 3.3 O TEXTO NARRATIVO De acordo com Houaiss (2003, p. 364), “Narração: s.f. [é] exposição oral ou escrita de um fato.” Humberto Eco (1985, p. 21), no Pós-escrito a O nome da rosa, ensina que, [...] para contar é necessário primeiramente construir um mundo, o mais mobiliado possível, até os últimos pormenores. Constrói-se um rio, duas margens, e na margem esquerda coloca-se um pescador, e se esse pescador possui um temperamento agressivo e uma folha penal pouco limpa, pronto: pode-se começar a escrever, traduzindo em palavras o que não pode deixar de acontecer. Essa citação de Eco, mesmo que indiretamente, permite-nos depreender que são cinco os elementos da narração: narrador, personagens, ações, tempo e espaço. Leia, agora, o texto a seguir, de Marina Colassanti: Nunca descuidando do dever Jamais permitiria que seu marido fosse para o trabalho com a roupa mal passada, não dissessem os colegas que era esposa descuidada. Debruçada sobre a tábua, com o olho vigilante, dava caça às dobras, desfazia pregas, aplainando punhos e peitos, afiando o vinco das calças. E a poder de ferro e goma, envolta em vapores, alcançava o ponto máximo de sua arte ao arrancar dos colarinhos liso brilho de celulóide. Impecável, transitava o marido pelo tempo. Que, embora respeitando ternos e camisas, começou subrepticiamente a marcar seu avanço na pele e no rosto. Um dia notou a mulher um leve afrouxar-se das pálpebras. Semanas depois percebeu que, no sorriso, franziam-se fundos os cantos dos olhos. Narrar é, portanto, representar um acontecimento ou uma série de acontecimentos reais ou fictícios num texto. 25 Mas foi só muitos meses mais tarde que a presença de duas fortes pregas descendo dos lados do nariz tornou-se inegável. Sem dizer nada, ela esperou a noite. Tendo finalmente certeza de que o homem dormia o mais pesado dos sonos, pegou um paninho úmido e, silenciosa, ligou o ferro. Observemos que, nesse texto, vislumbramos os seguintes elementos da narração: a) narrador: onisciente – de 3ª pessoa: “Jamais permitiria que seu marido fosse para o trabalho...”; b) personagens: protagonista: a esposa – “Não dissessem os colegas que era esposa descuidada...”; antagonista: o marido – “Impecável transitava o marido pelo tempo”; c) ações: debruçada sobre a tábua; dava caça às dobras; d) tempo: jamais permitiria; um dia notou a mulher; muitos meses mais tarde; e) espaço: na sua casa, em uma determinada cidade. Além desses elementos, a narração apresenta, diferentemente da descrição, transformação. 3.3.1 Características do Texto Narrativo No texto Nunca descuidando do dever, podemos perceber, entre outras, as seguintes características: a) as camisas amassadas ficavam muito bem passadas: “[...] alcançava o ponto máximo de sua arte ao arrancar dos colarinhos liso brilho de celulóide.”;b) o marido foi adquirindo rugas no rosto: “[...] transitava o marido pelo tempo. Que, embora respeitando ternos e camisas, começou subrepticiamente a marcar seu avanço na pele e no rosto.” 26 Mas a transformação mais significativa é a que não está explicitada, ou seja, ao perceber o rosto enrugado do marido, a esposa, como um autômato, tem a intenção de passá-lo: “Tendo finalmente certeza de que o homem dormia o mais pesado dos sonos, pegou um paninho úmido e, silenciosa, ligou o ferro.” Além disso, tanto quanto o texto descritivo, o narrativo é figurativo. Lembremo-nos de que esse tipo de texto é construído com palavras concretas, cuja função é representar o mundo. Por meio das figuras empregadas, podemos depreender o real sentido do texto. No caso de Nunca descuidando do dever, figuras como: [...] Jamais permitiria que seu marido fosse para o trabalho com a roupa mal passada, não dissessem os colegas que era esposa descuidada. Debruçada sobre a tábua, com o olho vigilante, dava caça às dobras, desfazia pregas [...]. Permitindo-nos depreender, sublinearmente, uma crítica às mulheres que, nas décadas de 1960 e 1970, viviam apenas e tão somente para o lar, realizando robotizadamente as atividades domésticas. Além da figurativização, na narração, a ordenação é temporal. O texto deve ter uma sequenciação para que o leitor possa acompanhar o desenrolar das ações. Assim, vejamos: Jamais permitiria que seu marido fosse para o trabalho com a roupa mal passada, não dissessem os colegas que era esposa descuidada. Debruçada sobre a tábua, com o olho vigilante, dava caça às dobras, desfazia pregas, aplainando punhos e peitos [...] Um dia notou a mulher um leve afrouxar-se das pálpebras. Semanas depois percebeu que, no sorriso, franziam-se fundos os cantos dos olhos. [...] Mas foi só muitos meses mais tarde que a presença de duas fortes pregas descendo dos lados do nariz tornou-se inegável. Sem dizer nada, ela esperou a noite. Tendo finalmente certeza de que o homem dormia o mais pesado dos sonos, pegou um paninho úmido e, silenciosa, ligou o ferro. A ordenação temporal, nesse texto, ajuda o leitor a ir acompanhando as ações da esposa até o inesperado desfecho e, diferentemente do texto descritivo, a disposição dessas ações não pode ser alterada. 27 Como a ordenação temporal é de extrema relevância no texto narrativo, os tempos verbais básicos são os do subsistema do passado: pretéritos perfeito, mais que perfeito e imperfeito.1 3.4 ATIVIDADES PROPOSTAS 2. Para finalizar, leia atentamente o seguinte texto, buscando visualizar nele os elementos da narração já discutidos. Explique-os a seguir: DESTA ÁGUA NÃO BEBERÁS Carlos Drummond de Andrade - Por que Demétrio não se casa? Era a indagação geral! Demétrio namorava, noivava, não casava. Sete dias antes do casamento, olha aí Demétrio fugindo. As versões eram múltiplas. A noiva é que o despedira. Tiveram uma briga feia. Gênios incompatíveis. Mal secreto. Intrigas. Demétrio continuava a namorar, noivar e não casar. Não lhe faltavam noivas, pois era agradável, tinha status. Quanto mais se desmanchavam seus projetos de casamento, mais apareciam mulheres dispostas ao desafio, exclamando: - A mim ele não deixa na porta do Mosteiro de São Bento. Deixava. E quanto mais deixava, mais seu prestígio crescia. Concluiu- se que era sua maneira de afirmar-se. Então Livaniuska decidiu enfrentá-lo. Noivou com ele e, uma semana antes do casamento, deu-lhe o fora solene. Demétrio quis reagir, explicou à repórter social que ele é que tomara a iniciativa, mas a mentira foi patente. Livaniuska foi contratada como atriz por uma emissora de TV e ficou célebre. Daí por diante ela repetiu a carreira de Demétrio, noivando e desmanchando com inúmeros cavalheiros. No fim de cinco anos, Livaniuska e Demétrio casaram-se para sempre, como era fácil de prever, mas ninguém previu. 1 Geralmente, mas não exclusivamente. Pode-se usar, por exemplo, o presente do indicativo, com valor atemporal, instaurando proximidade e verossimilhança ao texto. 28 3.5 O TEXTO DISSERTATIVO Atente: no Minidicionário Houaiss da língua portuguesa (2003, p. 174), encontramos: “Dissertação: s.f. 1. Exposição oral ou escrita; 2. Monografia. Ensaio [...]”. Mas será que, como superestrutura textual, dissertação é só isso? Vamos ver o que dizem alguns estudiosos do assunto. Magalhães (1980, p. 7) assevera que a dissertação ocorre no plano das ideias, do conhecimento, das abstrações. Trata-se de um trabalho reflexivo que consiste, de maneira geral, em organizar as ideias numa linha de raciocínio. Assim, ensina o autor, “todas as vezes em que nos valemos da linguagem verbal para expor, defender ou contestar idéias, estaremos utilizando o chamado discurso dissertativo.” Platão e Fiorin (1997, p. 252) afirmam que “dissertação é o tipo de texto que analisa interpreta, explica e avalia os dados da realidade” e relacionam algumas de suas características, revisadas a seguir. 3.5.1 Características da Dissertação a) É um texto temático, ou seja, discute um tema, operando, predominantemente, com termos abstratos; b) Mostra mudança de situação, tanto quanto a narração; c) Sua ordenação é lógica; d) O tempo básico empregado na dissertação é o presente do indicativo com valor atemporal, embora se admita o uso do pretérito perfeito e do futuro do presente. Importa esclarecer que há autores que inscrevem os textos dissertativos em dois tipos: expositivos e argumentativos, os quais veremos a seguir. De toda forma, sucintamente, dissertar é defender um ponto de vista, uma opinião. 29 3.5.2 Dissertação Expositiva É aquela cujo propósito é discorrer sobre o assunto num sentido meramente informativo. Assim, pode-se dissertar sobre a pena de morte, a juventude brasileira etc., sem que haja posicionamento sobre o tema. A importância de Música Popular Brasileira A importância da Música Popular Brasileira no cenário de nossa cultura é inegável. Pode-se constatar que a MPB, além de sua relevância como manifestação estética tradutora de nossas múltiplas identidades culturais, apresenta-se como uma das mais poderosas formas de preservação da memória coletiva e como um espaço social privilegiado para as leituras e interpretações do Brasil. (ICCA, 2011). 3.5.3 Dissertação Argumentativa Diferentemente da anterior, na dissertação argumentativa revelam-se reflexões sobre o assunto, a fim de persuadir o receptor, acompanhando a linha de raciocínio do que é exposto, a verificar se o raciocínio verbalizado é correto e, nesse sentido, passível ou não de aceitação. Uma escolha contra a mulher O aborto é freqüentemente apresentado como um problema de ‘direito das mulheres’. É visto como algo desejável para as mulheres, e como um benefício ao qual elas deveriam ter tanto acesso quanto possível. Na verdade, ser ‘pró-vida’ é visto como sendo ‘contra os direitos da mulher’. Se você às vezes pensa desta forma, examine os fatos apresentados aqui. Verá que, na verdade, o aborto prejudica a mulher, ignora os seus direitos, e as abusa e degrada. Qualquer um que se preocupa com a mulher fará bem em conhecer estes fatos. Estudos de mulheres que fizeram aborto, (veja, por exemplo, o livro do Dr. David Reardon, Aborted Women, Silent No More), mostram que o aborto não é uma questão de dar à mulher uma ‘escolha’. É, tragicamente, uma situação em que as mulheres sentiram que não tinham NENHUMA ESCOLHA, sentiram que ninguém se importava com elas e com seu bebê, dando-lhesalternativa alguma a não ser o aborto. A mulher sente-se rejeitada, confusa, com medo, sozinha, incapaz de lidar com a gravidez - e, no meio disto tudo, a sociedade diz-lhe, ‘Nós eliminaremos o seu problema eliminando o seu bebê. Faça um aborto. É seguro, fácil, e uma solução legal’. 30 O fato é que embora o aborto seja legal (nos Estados Unidos), ele NÃO é seguro e fácil, nem respeita a mulher. [...].” (CASTELÕES, 2002, grifo nosso). Podemos perceber, nesse texto, que, por exemplo, no trecho: “na verdade, o aborto prejudica a mulher, ignora os seus direitos, e as abusa e degrada” está expressa a opinião do autor e, para que ela seja mesmo aceita, passa ele a relacionar os motivos que o fazem pensar assim. Em ambos os tipos de dissertação, atente para a sua organização, que veremos a seguir. 3.5.4 Organização do Texto Dissertativo Prezado(a) aluno(a), Como esse tipo de texto deve mostrar uma organização lógica, deve-se apresentar com bastante clareza: a) o assunto; b) a delimitação do assunto; c) o objetivo; d) o tópico frasal; e) o desenvolvimento; f) a conclusão. Já falamos, anteriormente, que a dissertação é um texto temático, portanto, deve discutir um tema. Para que o autor do texto não se perca em informações redundantes ou desnecessárias, é importante que proceda à delimitação dele. Por exemplo: Dissertação Tema: NAMORO Possíveis delimitações do tema: • Namoro na adolescência; • Namoro na melhor idade; • Namoro na escola. 31 Escolhida uma delimitação, deve-se propor um objetivo, para que não ocorra fuga do tema. Se resolvêssemos escrever sobre namoro na escola, poderíamos estabelecer como objetivo, por exemplo, mostrar ao leitor que, como a escola é o espaço onde os jovens mais se encontram e se relacionam, é normal e saudável que ali comecem sua vida afetiva. O tópico frasal é aquele sobre o qual incide a essência da informação. Na delimitação anterior, poderíamos estabelecer como possível tópico-frasal: É na adolescência que se começa a conhecer o mundo, a fazer amigos, a descobrir as verdades e a escola é um dos ambientes mais propícios para isso. Então, nada mais comum que ocorram flertes, o “ficar” e até mesmo namoros nesse ambiente. Tendo em mente tanto a delimitação quanto os objetivos e o tópico frasal, cabe ao autor, então, elaborar seu texto dissertativo. Se o seu desejo for produzir um texto argumentativo, esses argumentos podem ser apresentados de diferentes maneiras. Seguindo Platão e Fiorin (1997, p. 286-288), relacionamos três deles: a) argumento de autoridade: citam-se autores ou pessoas de prestígio que tenham reconhecido domínio sobre aquele saber. No caso da delimitação acima (namoro na escola), poderíamos citar, por exemplo, o psicanalista Içami Tiba, autor de várias obras que tratam da adolescência; b) argumento baseado no consenso: neste caso, valer-nos-íamos de opiniões já aceitas pela maioria da população. c) argumento baseado em provas concretas: poderíamos, no caso de nossa proposta, fazer uso de pesquisas que comprovassem que a maioria dos jovens namora na escola e que tal fato tem auxiliado seu desenvolvimento emocional. Para que possamos entender melhor, leiamos Magalhães (1980, p. 16-17), que assim exemplifica o texto dissertativo: Muitas normas, antes apenas do âmbito da Moral, passaram ao campo do Direito pelo fato de o legislador, num momento dado, julgar conveniente atribuir-lhes força coercitiva, impondo uma sanção para sua desobediência. Assim, por exemplo, no passado era altamente 32 meritório o fato de o patrão socorrer seu empregado acidentado. Mas a desobediência a essa regra de moral não provocava qualquer sanção por parte do Estado. Este, entretanto, observando a conveniência de se impor ao patrão a obrigação de socorrer seu serviçal infortunado, criou a norma de Direito, impondo como obrigação jurídica aquilo que não passava de mero dever moral. Outro exemplo: no passado agia com humanidade o patrão que, antes de despedir seu empregado, lhe dava um prazo para procurar nova colocação, e ao romper o contrato de trabalho lhe oferecia uma indenização pelos anos de serviços prestados. Talvez isso constituísse um dever moral ditado pela preocupação de justiça. Mas o descumprimento de tal dever não provocava qualquer sanção por parte do Estado. Parecendo ao legislador conveniente transformar tal preceito de Moral em regra de Direito, impõe ao patrão o dever de dar aviso prévio e de prestar indenização ao empregado despedido. O descumprimento de tal obrigação, hoje, provoca uma sanção por parte do Estado. A regra de Moral transformou-se em regra de Direito. Neste texto, temos, portanto: a) assunto: Direito; b) delimitação: Direito e moral; c) objetivo: mostrar que muitas normas morais transformaram-se em normas jurídicas por razão de conveniência social; d) tópico frasal: “Muitas normas, antes apenas do âmbito da Moral, passaram ao campo do Direito pelo fato de o legislador, num momento dado, julgar conveniente atribuir-lhes força coercitiva, impondo uma sanção para sua desobediência”; e) desenvolvimento (argumentos baseados em provas concretas): 1. o socorro patronal obrigatório ao empregado acidentado; 2. a obrigação jurídica de dar aviso prévio e de prestar indenização ao empregado despedido; f) conclusão: “A regra de Moral transformou-se em regra de Direito.” Além disso, podemos perceber que o texto dissertativo tem algumas características que lhe são peculiares. Vejamos quais são. Primeiramente, como pudemos perceber, trata-se de um texto temático, ou seja, o nosso exemplo discute uma questão jurídica, operando, predominantemente, termos abstratos: 33 Muitas normas, antes apenas do âmbito da Moral, passaram ao campo do Direito pelo fato de o legislador, num momento dado, julgar conveniente atribuir-lhes força coercitiva, impondo uma sanção para sua desobediência. Assim, por exemplo, no passado era altamente meritório o fato de o patrão socorrer seu empregado acidentado. [...] (MAGALHÃES, 1980, p. 16-17, grifo nosso). Mostra, tanto quanto a narração, mudança de situação; neste texto, o autor aponta para fatos que passaram de atitudes morais para deveres impostos pelo Direito: [...] Este, entretanto, observando a conveniência de se impor ao patrão a obrigação de socorrer seu serviçal infortunado, criou a norma de Direito, impondo como obrigação jurídica aquilo que não passava de mero dever moral. [...] O descumprimento de tal obrigação, hoje, provoca uma sanção por parte do Estado. A regra de Moral transformou-se em regra de Direito. (MAGALHÃES, 1980, p. 16-17). Sua ordenação é lógica e, como já apontado, há no texto um tópico frasal, o desenvolvimento e a conclusão. Os tempos verbais empregados nessa dissertação são: pretéritos perfeito e imperfeito do indicativo, quando o autor remete o leitor ao passado, e presente, quando aponta para o resultado da ação pretérita: [...] Outro exemplo: no passado agia com humanidade o patrão que, antes de despedir seu empregado, lhe dava um prazo para procurar nova colocação, e ao romper o contrato de trabalho lhe oferecia uma indenização pelos anos de serviços prestados. Talvez isso constituísse um dever moral ditado pela preocupação de justiça. Mas o descumprimento de tal dever não provocava qualquer sanção por parte do Estado. Parecendo ao legislador conveniente transformar tal preceito de Moral em regra de Direito, impõe ao patrão o dever de dar aviso prévio e de prestar indenização ao empregado despedido. O descumprimento de tal obrigação, hoje, provoca uma sanção por parte do Estado. A regra de Moraltransformou-se em regra de Direito. (MAGALHÃES, 1980, p. 16-17, grifo nosso). 3.6 ATIVIDADES PROPOSTAS 3. Para finalizar, leia atentamente o texto a seguir, buscando visualizar nele os elementos da dissertação já discutidos. Complete o proposto na sequência: 34 Uso de álcool na gravidez traz riscos ao bebê A ingestão de álcool durante a gravidez pode acarretar uma série de problemas na formação do feto. A manifestação mais severa é a Síndrome Alcoólica Fetal (SAF) que causa desde malformações craniofaciais, retardamento no crescimento até a incapacidade de desenvolvimento mental. O fato de um grande número de mulheres beberem socialmente e a maioria das gestações não serem planejadas aumentam o risco de ocorrer a SAF. "Pode haver um desconhecimento do estado gestacional nos primeiros meses. Isso implica muitas vezes a exposição do embrião ao etanol, principalmente no período mais crítico e sensível da gestação", explica Cristiana Corrêa, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Geralmente, a incidência da SAF oscila entre 0,4 a 3,1 casos por 1000 nascimentos. Entre os filhos de mães alcoólatras estima-se que 30% a 40% dos recém nascidos venham a apresentar a doença. Ainda não foi definida a quantidade mínima de álcool ingerida capaz de afetar o feto. As maiores conseqüências da SAF são: restrição no crescimento, com decréscimo inferior a 10% no peso e no comprimento; envolvimento do Sistema Nervoso Central, apresentando, entre outros problemas, disfunção comportamental, hiperatividade, dificuldade de adaptação social, e anomalias faciais. A prevenção da SAF, na opinião de Corrêa, só será possível através de um sistema articulado de intervenção terapêutica na mãe alcoólatra, programas educacionais nas comunidades, identificação precoce da doença e acompanhamento das crianças afetadas pela síndrome. (CASTELÕES, 2002). Assunto: ___________________________________________________ Delimitação: ________________________________________________ Objetivo: __________________________________________________ Tópico frasal: ______________________________________________ 35 4 A CONSTITUIÇÃO DO TEXTO RELEMBRANDO A NOÇÃO DE TEXTO Caro(a) aluno(a), Para que acompanhe bem o conteúdo daqui para frente, vamos nos lembrar das noções de texto e textualidade aprendidas no início deste material. Texto e Textualidade Como vimos, texto, etimologicamente, quer dizer tecido, ou seja, trata-se de uma trama na qual se devem enredar as palavras. Já a Linguística do Discurso procura estudar os textos como “manifestações linguísticas produzidas por indivíduos concretos em situações concretas, sob determinadas condições de produção” (KOCK, 1997, p. 11), entendendo-os numa situação interacionista. Para Val (1999, p. 3), texto (escrito ou falado) é a “unidade linguística comunicativa básica” utilizada pelos falantes de uma língua para se comunicar e será bem compreendido quando comportar três aspectos fundamentais: o pragmático (atuação informacional e comunicativa), o semântico-conceitual (relacionado à compreensão, à cognição, portanto, da coerência) e o formal (de sua organização, ou seja, de sua coesão). Por outro lado, discurso é mais abrangente e, de acordo com a Análise do Discurso de linha francesa, ele é entendido como o espaço em que emergem as significações (BRANDÃO, 2002, p. 35). Mas, o que comporta essa significação? Primeiramente, temos de entender que o discurso de que tratamos se faz na e pela Assim, texto pode ser compreendido como uma unidade de sentido que depende de uma série de fatores, ligados tanto à coerência quanto à coesão. 36 língua, ou seja, as significações serão observadas em sua formação discursiva, somada às suas condições de produção, norteadas pela sua formação ideológica. Dessa forma, a noção de discurso pode ser vista como múltipla e analisá-lo é, de acordo com Foucault (1990, p. 187), “fazer desaparecer e reaparecer as contradições é mostrar o jogo que jogam entre si; é manifestar como pode exprimi-las, dar-lhes corpo, ou emprestar-lhes uma fugidia aparência.” Isso quer dizer que analisar um discurso é buscar esses elementos de dispersão, os diversos discursos que comporta, os textos que com ele dialogam. E há várias maneiras de os textos conversarem entre si e com os discursos, como veremos a seguir. 4.1 A INTERTEXTUALIDADE De acordo com Kristeva (1974, p. 64) “todo texto se constrói como um mosaico de citações. Todo texto é absorção e transformação de um outro texto” , ou seja, como fala Bakhtin (1988), nenhum discurso é neutro, mas sempre formado por outros que lhe foram anteriores no tempo, pois é produzido por um sujeito descentrado, assumindo diferentes vozes sociais, que o tornam um sujeito histórico e ideológico. Fiorin (2003, p. 32) ensina que “a intertextualidade é o processo de incorporação de um texto em outro, seja para reproduzir o sentido incorporado, seja para transformá-lo.” Já Brandão (2002, p. 76) aponta dois tipos de intertextualidade: uma interna, na qual um “discurso se define por sua relação com o discurso do mesmo campo, podendo divergir ou apresentar enunciados semanticamente vizinhos aos que autoriza sua formação discursiva”; e uma externa, “na qual o discurso define uma certa relação com outros campos”. Kock (1986, p. 39) também aponta a possibilidade de se observar a intertextualidade de duas maneiras: em sentido amplo, que ocorre implicitamente, ou seja, a identificação dos textos em diálogo é conseguida por meio de atenta observação por parte do leitor, porque o novo texto mantém alguns aspectos, tanto formais quanto de sentido, dos originais; em sentido estrito, que pode aparecer tanto implicitamente – por meio da divulgação de sua ideologia e retórica – quanto explicitamente – por meio da revelação direta do texto do qual se origina. 37 Paulino, Walty e Cury (1997) indicam oito possibilidades de a intertextualidade se revelar, isto é, por meio de epígrafe, citação, referência, alusão, paráfrase, paródia, pastiche e tradução. Esses autores entendem a sociedade como uma grande rede intertextual e dão ao espaço cultural um lugar de relevância, pois cada produção dialoga necessariamente com outras. Fiorin (2003) e Sant’Anna (1988) apontam diferentes maneiras de a intertextualidade ocorrer. O primeiro identifica três processos: a citação, a alusão e a estilização; o segundo, quatro: a paródia, a paráfrase, a estilização e a apropriação. Como é a proposta de Sant’Anna que mais atende aos nossos propósitos, estudá-la- emos pormenorizadamente a seguir. 4.2 PARÓDIA Todo mundo sabe o que é paródia? Vamos ver o que dizem os estudiosos da Linguística Textual. Fávero (2003, p. 49) vai à etimologia para conceituar o termo: “Paródia significa canto paralelo (de para = ao lado de e ode = canto), incorporando a idéia de uma canção, cantada ao lado de outra, como uma espécie de contracanto.” Sant’Anna (1988, p. 31) completa, asseverando que ela tem uma função catártica, funcionando como contraponto com os momentos de muita dramaticidade. Além disso, a paródia faz uma reapresentação daquilo que havia sido recalcado, sendo uma nova e diferente maneira de ler o convencional, ou seja, é um processo de liberação do discurso, uma tomada de consciência crítica. Parodia-se um texto para negá-lo, já que a linguagem, nesse tipo de produção, é dupla: as vozes que dialogamnos dois discursos se cruzam tanto horizontal (produtor x receptor) quanto verticalmente (texto x contexto) (FÁVERO, 1999, p. 53). Temos, em nossa literatura, muitos exemplos de paródia. Jô Soares, na época de cassação do então presidente Fernando Collor de Melo, utilizando-se da mesma estrutura da nossa Canção do exílio, escreveu: 38 Canção do Exílio às Avessas Jô Soares Minha Dinda tem cascatas Onde canta o curió Não permita Deus que eu tenha De voltar pra Maceió. Minha Dinda tem coqueiros Da Ilha de Marajó As aves, aqui, gorjeiam Não fazem cocoricó. O meu céu tem mais estrelas Minha várzea tem mais cores. Este bosque reduzido deve ter custado horrores. E depois de tanta planta, Orquídea, fruta e cipó, Não permita Deus que eu tenha De voltar pra Maceió. [...] No meio daquelas plantas Eu jamais me sinto só. Não permita Deus que eu tenha De voltar pra Maceió. Pois no meu jardim tem lagos Onde canta o curió E as aves que lá gorjeiam São tão pobres que dão dó. Minha Dinda tem primores De floresta tropical. Tudo ali foi transplantado, Nem parece natural. Olho a jabuticabeira dos tempos da minha avó. Não permita Deus que eu tenha De voltar pra Maceió. Até os lagos das carpas São de água mineral. Da janela do meu quarto Redescubro o Pantanal. Também adoro as palmeiras Onde canta o curió. Não permita Deus que eu tenha De voltar pra Maceió. Finalmente, aqui na Dinda, Sou tratado a pão-de-ló. Só faltava envolver tudo Numa nuvem de ouro em pó. E depois de ser cuidado Pelo PC, com xodó, 39 Não permita Deus que eu tenha De acabar no xilindró. Recordemo-nos do original, de Gonçalves Dias: Canção do Exílio Gonçalves Dias Minha terra tem palmeiras, Onde canta o sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores. Em cismar, sozinho, à noite, Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o sabiá. Minha terra tem primores, Que tais não encontro eu cá; Em cismar – sozinho, à noite – Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o sabiá. Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que desfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu’inda aviste as palmeiras, Onde canta o sabiá. O dialogismo entre os textos é inquestionável, revelando, também, a característica primordial da paródia: temos aqui cantos paralelos aos de Gonçalves Dias, mas, ao mesmo tempo em que fazem com que nossa memória textual retome o original, seu lado humorístico faz com que eles nunca se encontrem, como imagens invertidas num espelho (SANT’ANNA, 1988). Num texto acadêmico, podemos fazer uso da paródia quando, especialmente, partindo de um texto original, inauguramos outro paradigma, uma evolução do primeiro, numa oposição, numa crítica tecida com humor e ironia, expondo sua contraideologia. 40 Ex.: (1) Texto fonte: Salários têm melhores reajustes em 10 anos Balanço divulgado pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos) mostra que, em 2005, 72% dos reajustes salariais foram maiores do que a inflação, melhor desempenho já constatado. (Fonte: adaptação de www.pt.org.br) (2) Texto derivado: Eles conseguem fazer com que seus salários tenham melhores reajustes em 10 anos. Balanço divulgado pelo Dieese (Departamento de Infâmias, Enrolação e Embuste Sem Escrúpulos) mostra que, em 2005, 72% dos reajustes salariais dos políticos foram maiores do que a inflação, maior roubalheira e sem-vergonhice já constatada. Como se pode perceber, embora os dois textos mantenham um diálogo entre si, a paródia subverte o sentido do primeiro, retoma-o para o negar, para o ironizar, caminhando ao seu lado como se fosse sua imagem invertida. Diferente é a paráfrase, como veremos a seguir. 4.3 PARÁFRASE O Dicionário Houaiss da língua portuguesa (HOUAISS, 2001, p. 2127) traz as seguintes conceituações para o termo: Paráfrase: (1) sf. interpretação ou tradução em que o autor procura seguir mais o sentido do texto que sua letra: metáfrase; (2) interpretação, explicação ou nova apresentação de um texto que visa torná-lo mais inteligível ou que sugere novo enfoque para o seu sentido. Sant’Anna (1988, p. 17) afirma que o termo ‘para-phrasis’ (que já no grego significava continuidade ou repetição de uma sentença) pode ser considerado, grosso modo, uma reafirmação, por meio de outras palavras, do mesmo sentido de uma obra escrita, ou seja, pode-se considerar a paráfrase a tradução ou a transcrição de um texto primitivo. 41 Nesse sentido, Derrida (2002, p. 62) ensina que o tradutor deve resgatar, absolver, resolver o texto original e quando “cria” é como um pintor que “copia” seu “modelo”. Por sua vez, Benjamin (1996, p. 108) diz que “a natureza engendra semelhanças”, bastando, para entender isso, pensar-se na mímica. Portanto, diferentemente da paródia, a paráfrase é a frase paralela, ou seja, uma releitura do original. Se, na primeira, temos a ruptura, a crítica sutil; na segunda, ficamos à frente de uma releitura, de uma reprodução. Para que possamos compreendê-la melhor, tomemos como exemplo a mesma Canção do exílio e vamos ver algumas paráfrases elaboradas a partir dela: I – Canção do Exílio (Casimiro de Abreu) Se eu tenho de morrer na flor dos anos Meu Deus! não seja já; Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde, Cantar o sabiá! Dá-me os sítios gentis onde eu brincava. Lá na quadra infantil; Dá que eu veja uma vez o céu da pátria, O céu do meu Brasil! Se eu tenho de morrer na flor dos anos Meu Deus! não seja já! Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde, Cantar o sabiá! Quero ver esse céu da minha terra Tão lindo e tão azul! E a nuvem cor-de-rosa que passava Correndo lá do sul! Quero dormir à sombra dos coqueiros, As folhas por dossel; E ver se apanho a borboleta branca, Que voa no vergel! Quero sentar-me à beira do riacho Das tardes ao cair, E sozinho cismando no crepúsculo Os sonhos do porvir! Se eu tenho de morrer na flor dos anos, 42 Meu Deus! não seja já; Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde, A voz do sabiá! Quero morrer cercado dos perfumes Dum clima tropical, E sentir, expirando, as harmonias Do meu berço natal! As cachoeiras chorarão sentidas Porque cedo morri, E eu sonho no sepulcro os meus amores Na terra onde nasci! Se eu tenho de morrer na flor dos anos, Meu Deus! não seja já; Eu quero ouvir na laranjeira, à tarde, Cantar o sabiá! II – Canção do Exílio (Mário Quintana) Minha terra não tem palmeiras Minha terra não tem palmeiras... E em vez de um mero sabiá, Cantam aves invisíveis Nas palmeiras que não há. III - Canção do Exílio (Mário de Andrade) Não permita Deus que eu morra Sem que volte pra São Paulo Sem que veja a Rua 15 E o progresso de São Paulo André (1988, p. 111) assevera que muitas são as formas como utilizamos a paráfrase no texto acadêmico: a) podemos reproduzir, com outras palavras, o mesmo pensamento do texto, seguindo a ordem do discurso original; b) podemos reproduzir o texto, com outras palavras, mas buscando esclarecer, para os leitores de outro nível (nesse caso, portanto, motivado pelos objetivos), vocábulos ou expressões que julgamos importante elucidar; c) podemos, ao reproduzir o texto,ampliar as informações sobre ele, seu autor, a obra, o estilo etc., na medida em que essas informações sejam cabíveis e relevantes para sua melhor compreensão; 43 d) podemos, finalmente, fazer um decalque, ou seja, seguindo a estrutura do texto original, substituir a ideia inicial por outra que com ela esteja associada. Assim, podem ser produzidos diversos tipos de textos acadêmicos, como fichamentos, resumos e resenhas de textos, como veremos adiante. Vamos agora para outra forma como pode se dar a intertextualidade. 4.4 ESTILIZAÇÃO A palavra ‘estilização’ deriva de estilo que, de acordo com Houaiss (opus cit., p. 1254) significa “o modo pelo qual um indivíduo usa os recursos da língua para expressar, verbalmente ou por escrito, pensamentos, sentimentos, ou para fazer declarações, pronunciamentos etc.” Então, Sant’Anna (1988) define estilização como uma forma de tomar aquele estilo de outrem, estabelecendo um desvio tolerável e produzindo um meio do caminho entre a paródia e a paráfrase. Já para Fiorin (2003), a estilização é a reprodução do conjunto dos procedimentos do ‘discurso de outrem’, isto é, do estilo de outrem. Estilos devem ser entendidos aqui como o conjunto das recorrências formais tanto no plano da expressão quanto no plano do conteúdo (manifestado, é claro) que produzem um efeito de sentido de individualização. Esclarece, ainda, Fiorin que a estilização pode ser polêmica ou contratual. Entendemos que a estilização, em sentido estrito, pode ser uma forma de alusão, já que, ao citar, temos uma menção ao discurso de outrem, de maneira indireta, ou seja, por meio da utilização do estilo do texto de origem. Vamos ver, agora, a estilização que Murilo Mendes elaborou a partir da Canção de Exílio de Gonçalves Dias: Canção do Exílio Minha terra tem macieiras das Califórnia onde cantam gaturamos de Veneza. Os poetas da minha terra 44 são pretos que vivem em torres de ametista, os sargentos do exército são monistas, cubistas, os filósofos são polacos vendendo a prestações. A gente não pode dormir com os oradores e os pernilongos. Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda. Eu morro sufocado em terra estrangeira. Nossas flores são mais bonitas nossas frutas mais gostosas mas custam cem mil réis a dúzia. Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade e ouvir um sabiá com certidão de idade! Quais elementos, no texto acima, nos indicam tratar-se de uma estilização? Ao aludir ao texto de Gonçalves Dias, o autor manteve, em vários momentos, a mesma construção sintática do texto de origem. Ex.: sujeito + verbo transitivo direto + objeto direto (oração principal): Minha terra tem palmeiras Minha terra tem macieiras da Califórnia. Oração subordinada adjetiva: Onde canta o sabiá Onde cantam gaturamos de Veneza. Além disso, é mantido o presente do indicativo e, quanto ao léxico, observamos que o texto de Murilo Mendes insere o cotidiano no esquema da nostalgia e que o efeito poético de distanciamento do modelo que obtém não elide, contudo, a reverência – irônica é verdade – à matriz da saudade nacional, tornando-se, ao mesmo tempo, polêmico e contratual. 4.5 APROPRIAÇÃO Sant’Anna (1988) ensina que essa forma de intertexto é bastante recente na crítica literária e chegou à Literatura por meio das Artes Plásticas, especialmente pelas experiências dadaístas. Também conhecida como assemplage (reunião, 45 agrupamento), é muito próxima da colagem, ou seja, trata-se da reunião de materiais diversos para a composição de algo. Embora recente seu estudo, essa técnica é, de acordo com o autor, antiquíssima, pois usa de um artifício muito conhecido na elaboração artística: o deslocamento, que, por meio do desvio, provoca um estranhamento. A apropriação pode ser de dois tipos: a) de primeiro grau: quando é o próprio objeto que entra em cena; b) de segundo grau: quando ele é representado, traduzido para outro código. O chargista e humorista Caulus fez o sabiá voar dos versos saudosistas para a denúncia ecológica, no grafismo leve e tocante do exílio de sua própria palmeira: Fonte: www.comcienci0a.br/carta/migracoes Em outras palavras, o artista apropriou-se do original e o transpôs para outro código, fazendo surgir, como disse Maserani (1995, p. 94) um novo texto. Nesse sentido, podemos dizer que, ao fazer uso da apropriação, “o artista está querendo 46 desarrumar, inverter, interromper a normalidade cotidiana e chamar a atenção para alguma coisa.” (SANT’ANNA, 1988, p. 45). José Paulo Paes, no melhor estilo do sintetismo antidiscursivo das grandes vanguardas modernistas, fez o resumo da poesia, despojando-a de acessórios: Lá ? Ah ! Sabiá... Papá... Maná... Sofá... Sinhá... Cá ? Bah ! Estudando os quatro elementos revistos, Sant’Anna (1988) uniu-os em dois conjuntos, chegando à seguinte correlação: Paráfrase Paródia Estilização Apropriação (conjunto das similaridades) (conjunto das diferenças) 4.6 ATIVIDADES PROPOSTAS Vamos retomar agora, para que você fixe bem o conteúdo, alguns dos conceitos discutidos: 1. Responda: a) O que é intertextualidade? b) Compare: paródia x paráfrase. Agora, veremos como esses elementos interagem na construção do texto acadêmico. 47 5 O TEXTO ACADÊMICO Caro(a) aluno(a), Os textos produzidos no mundo acadêmico podem ser feitos ora por meio da similaridade, ora da diferença. Veremos como se comportam e como produzir: o fichamento, o resumo e a resenha. Vamos ver, agora, o que compreende cada um deles. 5.1 FICHAMENTO Observem: Para que fichemos qualquer obra, é necessário, antes de tudo, uma leitura atenta daquilo que se deseja fichar. Ruiz (1980, p. 70) aconselha: “Não basta ir às aulas para garantir pleno êxito nos estudos. É preciso ler e, principalmente, ler bem. Quem não sabe ler, não saberá resumir, não saberá tomar apontamentos e, finalmente, não saberá estudar.” Então, para que façamos um bom fichamento, é preciso seguir algumas etapas: a) ler atentamente uma primeira vez o texto na íntegra, grifando as palavras desconhecidas e procurando-as no dicionário; b) ler uma segunda vez, munidos com lápis, para sublinhar os trechos mais importantes. Andrade e Henriques (1992) informam que é importante sublinhar um texto, para: 48 a) assimilá-lo melhor; b) memorizá-lo; c) preparar uma revisão rápida do assunto; d) aplicar em citações; e) resumir, esquematizar ou fichar. De acordo com esses autores, a técnica de sublinhar compreende, depois das leituras sugeridas: a) identificação da ideia-núcleo de cada parágrafo; b) indicação, com uma linha vertical colocada à margem, dos tópicos mais importantes; c) colocação de um ponto de interrogação à margem do texto, para indicar casos de discordância e passagens obscuras; d) leitura do que foi sublinhado para ver se há sentido; e) reconstrução do texto, tomando os trechos sublinhados como base. Os autores também recomendam que: [...] há de se sublinhar o estritamente necessário, evitando-se argumentações, exemplificações, citações etc. (ANDRADE; HENRIQUES, 1992). Depois desse primeiro passo, procede-se, então, ao fichamento. Hoje, com a facilidade do computador, podemos utilizar uma pasta especialmente aberta para salvar esse tipo de documento. Quem não dispõe desse recurso,
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