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Murilo Mendes (1)

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1 
 
 
Murilo Mendes 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 2 
 
Murilo Monteiro Mendes, nasceu dia 13 de maio de 1901, em Juiz Fora, Minas Gerais. Aos 9 
anos diz ter tido uma revelação poética ao assistir a passagem do cometa Halley. Em 1917, 
uma nova revelação: fugiu do colégio em Niterói para assistir, no Rio de Janeiro, às 
apresentações do bailarino Nijinski. Muda-se definitivamente para o Rio em 1920. Os anos de 
1924 a 1929 foram dedicados à formação cultural e à luta contra a instabilidade profissional. 
Foi arquivista no Ministério da Fazenda e funcionário do Banco Mercantil. Nesse período 
publica poemas em revistas modernistas como "Verde" e "Revista de Antropofagia". Seu 
primeiro livro, "Poemas", é publicado em 1930. É agraciado com o Prêmio Graça Aranha. 
Converte-se ao catolicismo em 1934. Torna-se inspetor de ensino em 1935. Em 1940, 
conhece Maria da Saudade Cortesão, com quem se casaria em 1947. Com tuberculose, é 
internado em sanatório na região de Petrópolis, em 1934. Em 1946, torna-se escrivão da 4ª 
Vara de Família do Distrito Federal. Cumpre missão cultural na Europa, proferindo diversas 
conferências. Muda-se para a Itália em 1957, onde se torna professor de Cultura Brasileira na 
Universidade de Roma. Foi também professor na Universidade de Pisa. Seus livros são 
publicados por toda a Europa. Em 1972, recebe o prêmio internacional de poesia Etna-
Taormina. Vem ao Brasil pela última vez. Murilo Mendes morre em Lisboa, no dia 13 de 
agosto de 1975. 
 
Murilo Mendes tem uma obra abundante, mas sem perder a qualidade, pois também é 
fascinante. Com imensa liberdade criadora e lírica, arrisca-se até no surrealismo. Começou 
pelo humor da poesia modernista, passando pelo catolicismo, o misticismo, o onírico e mesmo 
o insólito, sempre mantendo a plasticidade imagética. Até atingir uma objetividade que beira 
os fatos históricos, visto que apresenta paisagens carregadas de estilhaços e fragmentos da 
história. Sendo surrealista, precisa ser recomposto pelo leitor, para enfim, sem compreendido 
e querido. 
 
OBRAS: 
 
"Poemas" (1930), "Bumba-meu-poeta" (1930), "História do Brasil" (1933), "Tempo e 
eternidade" - com Jorge de Lima (1935), "A poesia em pânico" (1937), "O Visionário" (1941), 
"As metamorfoses" (1944), "Mundo enigma" e "O discípulo de Emaús" (1945), "Poesia 
liberdade" (1947), "Janela do caos" - França (1949), "Contemplação de Ouro Preto" (1954), 
"Office humain" - França (1954), "Poesias (Obra completa até esta data)" (1959), "Tempo 
espanhol" - Portugal (1959), "Siciliana" - Itália (1959), "Poesie" - Itália (1961), "Finestra del 
caos" - Itália (1961), "Siete poemas inéditos" - Espanha (1961), "Poemas" - Espanha (1962), 
"Antologia Poética" - Portugal (1964), "Le Metamorfosi" - Itália (1964), "Italianíssima (7 
Murilogrami) - Itália 1965), "Poemas inéditos de Murilo Mendes" - Espanha (1965), "A idade do 
serrote" (1968), "Convergência" (1970), "Poesia libertá" - Itália (1971), "Poliedro" (1972), 
"Retratos-relâmpagos, 1ª série" (1973),"Antologia Poética" (1976) e "Poesia Completa e 
Prosa" (1994). 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 3 
Murilo Menino 
Murilo Mendes 
 
 
Eu quero montar o vento em pêlo, 
Força do céu, cavalo poderoso 
Que viaja quando entende, noite e dia. 
 
 
Quero ouvir a flauta sem fim do Isidoro da flauta, 
Quero que o preto velho Isidoro 
Dê um concerto com minhas primas ao piano, 
Lá no salão azul da baronesa. 
 
 
Quero conhecer a mãe-d'água 
Que no claro do rio penteia os cabelos 
Com um pente de sete cores. 
 
 
Salve salve minha rainha, 
Ó clemente ó piedosa ó doce Virgem Maria, 
? Como pode uma rainha ser também advogada. 
 
 
In: MENDES, Murilo. Poesias, 1925/1955. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1959 
 
 
O homem, a luta e a eternidade 
 
Murilo Mendes 
 
 
Adivinho nos planos da consciência 
dois arcanjos lutando com esferas e pensamentos 
mundo de planetas em fogo 
vertigem 
desequilíbrio de forças, 
matéria em convulsão ardendo pra se definir. 
Ó alma que não conhece todas as suas possibilidades, 
o mundo ainda é pequeno pra te encher. 
Abala as colunas da realidade, 
desperta os ritmos que estão dormindo. 
À guerra! Olha os arcanjos se esfacelando! 
 
 
Um dia a morte devolverá meu corpo, 
minha cabeça devolverá meus pensamentos ruins 
meus olhos verão a luz da perfeição 
e não haverá mais tempo. 
 
 
Publicada na revista "Letras e Artes", publicação do dia 07 de novembro de 1948 - Rio de Janeiro, na seção 
"Páginas da Poesia Moderna". 
 
 
 4 
Canção do exílio 
Murilo Mendes 
 
Minha terra tem macieiras da Califórnia 
onde cantam gaturamos de Veneza. 
Os poetas da minha terra 
são pretos que vivem em torres de ametista, 
os sargentos do exército são monistas, cubistas, 
os filósofos são polacos vendendo a prestações. 
A gente não pode dormir 
com os oradores e os pernilongos. 
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda. 
Eu morro sufocado 
em terra estrangeira. 
Nossas flores são mais bonitas 
nossas frutas mais gostosas 
mas custam cem mil réis a dúzia. 
 
 
Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade 
e ouvir um sabiá com certidão de idade! 
 
 
In: MENDES, Murilo. Poesias, 1925/1955. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1959 
 
 
Reflexão n°.1 
Murilo Mendes 
 
Ninguém sonha duas vezes o mesmo sonho 
Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio 
Nem ama duas vezes a mesma mulher. 
Deus de onde tudo deriva 
E a circulação e o movimento infinito. 
 
 
Ainda não estamos habituados com o mundo 
Nascer é muito comprido. 
 
 
O utopista 
Murilo Mendes 
 
Ele acredita que o chão é duro 
Que todos os homens estão presos 
Que há limites para a poesia 
Que não há sorrisos nas crianças 
Nem amor nas mulheres 
Que só de pão vive o homem 
Que não há um outro mundo. 
 
 
 
 
 
 5 
O filho do século 
Murilo Mendes 
 
Nunca mais andarei de bicicleta 
Nem conversarei no portão 
Com meninas de cabelos cacheados 
Adeus valsa "Danúbio Azul" 
Adeus tardes preguiçosas 
Adeus cheiros do mundo sambas 
Adeus puro amor 
Atirei ao fogo a medalhinha da Virgem 
Não tenho forças para gritar um grande grito 
Cairei no chão do século vinte 
Aguardem-me lá fora 
As multidões famintas justiceiras 
Sujeitos com gases venenosos 
É a hora das barricadas 
É a hora da fuzilamento, da raiva maior 
Os vivos pedem vingança 
Os mortos minerais vegetais pedem vingança 
É a hora do protesto geral 
É a hora dos vôos destruidores 
É a hora das barricadas, dos fuzilamentos 
Fomes desejos ânsias sonhos perdidos, 
Misérias de todos os países uni-vos 
Fogem a galope os anjos-aviões 
Carregando o cálice da esperança 
Tempo espaço firmes porque me abandonastes. 
 
 
Cantiga de Malazarte 
Murilo Mendes 
 
 
Eu sou o olhar que penetra nas camadas do mundo, 
ando debaixo da pele e sacudo os sonhos. 
Não desprezo nada que tenha visto, 
todas as coisas se gravam pra sempre na minha cachola. 
Toco nas flores, nas almas, nos sons, nos movimentos, 
destelho as casas penduradas na terra, 
tiro os cheiros dos corpos das meninas sonhando. 
Desloco as consciências, 
a rua estala com os meus passos, 
e ando nos quatro cantos da vida. 
Consolo o herói vagabundo, glorifico o soldado vencido, 
não posso amar ninguém porque sou o amor, 
tenho me surpreendido a cumprimentar os gatos 
e a pedir desculpas ao mendigo. 
Sou o espírito que assiste à Criação 
e que bole em todas as almas que encontra. 
Múltiplo, desarticulado, longe como o diabo. 
Nada me fixa nos caminhos do mundo. 
 
 
 
 6 
Pré-história 
Murilo Mendes 
 
 
Mamãe vestida de rendas 
Tocava piano no caos. 
Uma noite abriu as asas 
Cansada de tanto som, 
Equilibrou-se no azul, 
De tonta não mais olhou 
Para mim, para ninguém! 
Cai no álbum de retratos. 
 
 
 
Corte transversal do poema 
Murilo Mendes 
 
A música do espaço pára, a noite se divide em dois pedaços. 
Uma menina grande, morena, que andava na minha cabeça, 
fica com um braço de fora. 
Alguém anda a construir uma escada pros meus sonhos. 
Um anjo cinzento bate as asas 
em torno da lâmpada. 
Meu pensamento desloca uma perna, 
o ouvido esquerdo do céunão ouve a queixa dos namorados. 
Eu sou o olho dum marinheiro morto na Índia, 
um olho andando, com duas pernas. 
O sexo da vizinha espera a noite se dilatar, a força do homem. 
A outra metade da noite foge do mundo, empinando os seios. 
Só tenho o outro lado da energia, 
me dissolvem no tempo que virá, não me lembro mais quem sou. 
 
 
In: MENDES, Murilo. Poesias, 1925/1955. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1959 
 
 
Texto de consulta 
Murilo Mendes 
 
1 
 
A página branca indicará o discurso 
Ou a supressão o discurso? 
 
 
A página branca aumenta a coisa 
Ou ainda diminui o mínimo? 
 
 
O poema é o texto? O poeta? 
O poema é o texto + o poeta? 
O poema é o poeta - o texto? 
 
 
 7 
O texto é o contexto do poeta 
Ou o poeta o contexto do texto? 
 
 
O texto visível é o texto total 
O antetexto o antitexto 
Ou as ruínas do texto? 
O texto abole 
Cria 
Ou restaura? 
 
 
2 
 
 
O texto deriva do operador do texto 
Ou da coletividade — texto? 
 
 
O texto é manipulado 
Pelo operador (ótico) 
Pelo operador (cirurgião) 
Ou pelo ótico-cirurgião? 
 
 
O texto é dado 
Ou dador? 
O texto é objeto concreto 
Abstrato 
Ou concretoabstrato? 
 
 
O texto quando escreve 
Escreve 
Ou foi escrito 
Reescrito? 
 
 
O texto será reescrito 
Pelo tipógrafo / o leitor / o crítico; 
Pela roda do tempo? 
 
 
Sofre o operador: 
O tipógrafo trunca o texto. 
Melhor mandar à oficina 
O texto já truncado. 
 
 
6 
 
 
A palavra cria o real? 
O real cria a palavra? 
Mais difícil de aferrar: 
Realidade ou alucinação? 
 8 
 
 
Ou será a realidade 
Um conjunto de alucinações? 
 
 
7 
 
 
Existe um texto regional / nacional 
Ou todo texto é universal? 
Que relação do texto 
Com os dedos? Com os textos alheios? 
 
 
(...) 
 
 
9 
 
 
Juízo final do texto: 
Serei julgado pela palavra 
Do dador da palavra / do sopro / da chama. 
 
 
O texto-coisa me espia 
Com o olho de outrem. 
 
 
Talvez me condene ao ergástulo. 
 
 
O juízo final 
Começa em mim 
Nos lindes da 
Minha palavra. 
 
 
Roma, 1965 
In: MENDES, Murilo. Convergência, 1963/1966: 1 — convergência; 2 — sintaxe. São Paulo: Duas Cidades, 
1970. 
 
 
Somos todos poetas 
 Murilo Mendes 
 
 
Assisto em mim a um desdobrar de planos. 
as mãos vêem, os olhos ouvem, o cérebro se move, 
A luz desce das origens através dos tempos 
E caminha desde já 
Na frente dos meus sucessores. 
Companheiro, 
Eu sou tu, sou membro do teu corpo e adubo da tua alma. 
Sou todos e sou um, 
 9 
Sou responsável pela lepra do leproso e pela órbita vazia do cego, 
Pelos gritos isolados que não entraram no coro. 
Sou responsável pelas auroras que não se levantam 
E pela angústia que cresce dia a dia. 
 
 
In: A poesia em pânico. Rio de Janeiro, Cooperativa Cultural Guanabara, 1938. 
 
 
As lavadeiras 
Murilo Mendes 
 
 
As lavadeiras no tanque noturno 
Não responderam ao canto da sibila. 
 
 
 
“Lavamos os mortos, 
Lavamos o tabuleiro das idéias antigas 
E os balaústres para repouso do mar... 
Nele encontramos restos de galeras, 
Quem nos desviará do nosso canto obscuro? 
Nele descobrimos o augusto pudor do vento, 
O balanço do corpo do pirata com argolas, 
Nele promovemos a sede do povo 
E excitamos a nossa própria sede...” 
 
 
 
As lavadeiras no tanque branco 
Lavam o espectro da guerra. 
Os braços das lavadeiras 
No abismo noturno 
Vão e vêm. 
 
 
In: Poesia liberdade. Rio de Janeiro, Agir, 1947. 
 
 
Exergo 
Murilo Mendes 
 
Lacerado pelas palavras-bacantes 
Visíveis tácteis audíveis 
Orfeu 
Impede mesmo assim sua diáspora 
Mantendo-lhes o nervo & a ságoma. 
 
 
Orfeu Orftu Orfele 
Orfnós Orfvós Orfeles 
 
 
In: Convergência. São Paulo, Duas Cidades, 1970. 
 
 10 
Estudo Quase Patético 
Murilo Mendes 
 
O vento em ré maior 
Prepara o temporal, 
Desfolha as estátuas, 
Parte as hélices dos anjos. 
Ah! quem é que namora 
As filhas dos açougueiros? 
Sempre que passo 
Diante de um açougue 
Vejo a filha do açougueiro 
De olhos baixos, tão triste. 
 
O temporal arranca os postes do lugar, 
Os peixes pulam na atmosfera, 
A luz elétrica protesta no caos. 
As ondas com trabalho 
Avançam contra o farol, 
Os quatro elementos em itálico 
Anunciam a vinda do Anticristo 
- Um som de piano 
Se mantém na desordem -, 
Em vez do reclamo KODAK 
Se lê JUÍZO FINAL, 
Mas eu não posso esquecer 
As filhas dos açougueiros. 
 
Poema Barroco 
Murilo Mendes 
 
Os cavalos da aurora derrubando pianos 
Avançam furiosamente pelas portas da noite. 
Dormem na penumbra antigos santos com os pés feridos, 
Dormem relógios e cristais de outro tempo, esqueletos de atrizes. 
 
O poeta calça nuvens ornadas de cabeças gregas 
E ajoelha-se ante a imagem de Nossa Senhora das vitórias 
Enquanto os primeiros ruídos de carrocinhas de leiteiros 
Atravessam o céu de açucenas e bronze. 
 
Preciso conhecer os porões da minha miséria, 
Tocar fogo nas ervas que crescem pelo corpo acima, 
Ameaçando tapar meus olhos, meus ouvidos, 
E amordaçar a indefesa e nua castidade. 
É então que viro a bela imagem azul-vermelha: 
Apresentando-me o outro lado coberto de punhais, 
Nossa Senhora das Derrotas, coroada de goivos, 
Aponta seu coração e também pede auxílio. 
 
 
 
 
 
 
 11 
A Esfinge 
Murilo Mendes 
 
Ó Deus 
Eu nasci para ser decifrado por ti. 
Com um pé no limbo, o coração na estrela Vênus e a cabeça na Igreja 
Espero tua resposta desde o princípio do mundo. 
Também tu nasceste para mim: 
Com tua medalha ao peito, para não esquecer minha origem, 
Percorro arfando este deserto. 
A palavra definitiva deverá surdir de teus lábios 
Ao menos no instante 
 
 
 O Exilado 
Murilo Mendes 
 
Meu corpo está cansado de suportar a máquina do mundo. 
Os sentidos em alarme gritam: 
O demônio tem mais poder que Deus. 
Preciso vomitar a vida em sangue 
Com tudo o que amaldiçoei e o que amei. 
Passam ao largo os navios celestes 
E os lírios do campo têm veneno. 
Nem Job na sua desgraça 
Estava despido como eu. 
 
Eu vi a criança negar a graça divina 
Vi o meu retrato de condenado em todos os tempos 
E a multidão me apontando como o falso profeta. 
Espero a tempestade de fogo 
Mais do que um sinal de vida. 
 
 
 
Uma Mulher 
Murilo Mendes 
 
Ela estava no círculo familiar como as outras, 
Folheando um livro de gravuras: 
A noite nos cercava com seus abismos azuis 
E a idéia de quase uma floresta próxima. 
 
Alguém acendeu um candeeiro de petróleo, 
As pessoas presentes recuaram no tempo. 
Ela se levantou para abrir uma vidraça, 
E muito branca, toda vestida de preto, 
Seus movimentos ao mesmo tempo lentos e velozes, 
Fizeram nascer um começo de dançarina ou de gaivota, 
Hélices mexendo, mãos a correr no teclado. 
Quando sentou-se era outra vez a mulher. 
 
 
 
 
 12 
Meditação de Agrigento 
Murilo Mendes 
 
Quem nos domara a força vã, 
quem nos sufocara o instinto 
Para permanecermos 
Em conformidade à linha do céu, 
A estas colunas perenes, 
Ao oculto mar lá embaixo. 
 
Quem nos transformara em folha 
Ou no súbito lagarto 
Que se esgueira sob tuas pedras, 
Templo F, sereno templo F, 
Arquitetura de reserva e paz. 
 
Transformar-se ou não, eis o problema. 
Durar na zona limite da memória, 
Nos limbos da vontade, 
Ou submeter a pedra, cumprir o ofício rude, 
Aprender do lavrador e do soldado. 
 
Qual a forma do poeta? Qual seu rito? 
Qual sua arquitetura? 
 
Mudo, entre capitéis e cactos 
Subsiste o oráculo. 
A manhã doura a pedra e vagos nomes, 
Agrigento me contempla, e vou-me. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Protegido pela Lei do Direito Autoral 
LEI Nº 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998 
Permitido o uso apenas para fins educacionais. 
Este material pode ser redistribuído livremente, desde que não seja alterado, modificado e que 
as informações sejam mantidas.

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