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O preço deste I ivro só se tornou possível devido à participação do INL/MEC que, em regime de co edição permitiu o aumento da ti ragem e consequente redução do custo industrial. PREÇO: Cr$ 8,00 • "Mário de Andrade já se foi. Grande alma e grande escri tor, ( ... ) ninguém com mais preocupação de construir algo de novo e de sólido que Mário de Andrade. Lançou-se em especial à elaboração e ao emprêgo de uma li11guagem exclusivamente brasileira que deu aos seus poemas e aos seus romances um tom nativista muito original, sem nenhu ma preocupação nacionalista no sentido clássico do têrmo ( ... ) a sua morte consagrou-o como a figura mais represen tativa do modernismo na sua mais pura essência revolucio nária, e uma das maiores figuras das nossas letras de todos os tempos." Alceu Amoroso Lima. OdeANDRAD ensaio sôbre a música brasi eira • . DADOS BIOGRÁFICOS DE MÁRIO DE ANDRADE Mário Raul de Morais Andrade, pai ígrafo e musicólogo brasileiro, nasceu em São Paulo em 9 de outubro de 1893. Fêz seus estudos secundários com os Irmãos Maristas. Diplo mou-se em piano no Conservatório ·oramático e Musical da capital paulist_a e .. ali foi professor de Estética e História da Música. Estreou em livro, em 1917, com Há uma gôta de sangue em cada poema, pequena obra enexpressiva, inspirada na Primeira Guerra Mundial, válida contudo pela intenção pacifista de que estava imbuída. Em 1922 Mário de Andrade participou ativamente da Semana de Arte Moderna, realizada em São Paulo e que teria influência decisiva na renovação da Literatura e das Artes no Brasil. A partir dêsse momento, Mário de Andrade se tornou a principal figura do Movimento Modernista. Seu primeiro livro de feição moderna, Paulicéia Desvaira• da, surgiu naquele ano, provocando vívidas polêmicas. A Es· crava que não é Isaura, ensaio em que o autor defende a nova estética, veio à luz em 1925. Seguiram-se-lhe Losango Cáqui poesia, e·Primeiro Andar, contos. em 1926; Clã do Jabuti, poesia, e Amar, Verbo Intransitivo, romance, em 1927. e Macunalma, em 1928. Por essa altura, Mário de Andrade, a par de sua intensa atividade literária, exerceu com grande autoridade a crítica de música e artes plásticas na imprensa. Em 1930, ao publicar Remate de Males, como que inaugurou nova fase em sua poesia, que ganha em profundidade o que perde em pitoresco e gratuidade. Nome dos mais respeitados entre os intelEfctuais da época, dotado de extraordinária capacidade de trabalho, aceitou sucessiva e, por vêzes, simultâneamente cargos de grande responsabilidade ligados a problemas culturais. Foi membro da Comissão incumbida da reforma da'Escola Nacio nal de Música e diretor do recém-criado Departamento de Cultura da Prefeitua Municipal de São Paulo, onde criou os parques infantis (1935). Deve-se-lhe a .lei que organizou o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ao ser viço do qual efetuou, em 1936, o tombamento dos monu mentos históricos paulistas. Fundou, em 1937, a Sociedade de Etnografia e Folclore de São Paulo e foi um dos organiza• dores do Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada. Lecionou Estética na Universidade do Distrito Federal (1938) e trabalhou no projeto da Enciclopédia Brasileira, na qual ida• de de alto funcionário do Instituto Nacional do Livro. Espíri to fecundo e infatigável, escreveu ainda Belazarte, contos, publicado em 1934; O Aleijadinho e Álvares de Azevedo, ensaio, 1935; Poesias, 1941; O Baile das Quatro Artes e As pectos da Literatura Brasileira, ensaios, 1943; O Empalhador de Passarinho, ensaio; e Contos Novos, no qual firmou prest í glo como mestre no gênero. Com Lira Paulis'tana e O Carro da Miséria, vindos à luz postumamente, e num só volume em 1947, a poesia de Mário de Andrade impregnou-se de preocu• pação social, enriquecendo-se de uma nova dimensão. Mário de Andrade faleceu em São Paulo em 25 de feverei ro de 1945. -�- .. -- --- · '1 l ,, l...: EDICÃO COMEMORATIVA DO 50º ANIVERSÁRIO DA SEMANA DE ARTE MODERNA 1922 -1972 1972 ano internacional do livro l'K]_; OBRAS DE MÁRIO DE ANDRADE OBRA IMATURA contendo: 1 - Há uma Gôta de Sangue em cada Poema {poesia). 2 - Contos. selecionados do Primeiro Andar. 3 - A Escrava que não é Isaura (poética). POESIAS COMPLETAS. 1 - Paulicéia Desvairada. 2 - Losango Cáqui. 3 - Oã do Jabuti. 4 - Remate de ·Males. 5 - O Carro da Miséria. 6 - A Costela do Gtã Cão. 7 - Livro Azul. 8 - Lira Paulistana. 9 - O Café. AMAR, VERBO INTRANSITIVO (Romance). MACUNAíMA {rapsódia). OS CONTOS DE BELAZARTE. ENSAIO SOBRE A MÚSICA BRASILEIRA. 1 - Ensaio sobre a Música Brasileira. 2 - A Música e a Canção Populares no Brasil. MÚSICA, DOCE MÚSICA. 1 - Música, doce Música (crítica). 2 - A Expressão Musical nos Estados Unidos. PEQUENA HISTÓRIA DA MÚSICA. NAMOROS COM A MEDICINA. 1 - Terapêutica musical. 2 - A Mediei.na dos E'scretos. ASPECTOS DA LITERATURA BRASILEIRA (ensaios literários). 1 - Aspectos da Literatura Brasileira. 2 - Amor e Medo. 3 - O Movimento Modernista. 4 - Segundo Momento Pernambucano. ASPECTOS DA MÚSICA BRASILEIRA (ensaios Musicais). 1 - Evolução Social da Música no Brasil. 2 - Os compositores e a Língua Nacional. 3 - A pronuncia cantada e o Problema do Nasal, pelos Discos. 4 - O Samba Rural Paulista. 5 - Cultura Musical. ASPECTOS DAS ARTES PLÁSTICAS NO BRASIL. 1 - O Aleijaclinho. 2 - Lasar Segall. 3 - Do Desenho. 4 - A Capela de Santo Antônio. MÚSICA DE FEITIÇARIA NO BRASIL. O BAILE DAS QUATRO ARTES (ensaios). 1 - O Baile das Quatro Artes. 2 - Arte lnglêsa. OS FILHOS DA CANDINHA (crônica). PADRE JESUfNO DO MONTE CARMELO. CONTOS NOVOS . . DANÇAS DRAMÁTICAS DO BRASIL (folclore). MODINHAS IMPERIAIS. EMPALHADOR DE PASSARINHO (crítica literária). ensaio sôbre a música brasileira & ( Andrade, Mário de, 1893-1945 A568e Ensaio sobre a mú:Sica brasileira. 3.ed. São Paulo, Martins; Brasília, INL, 1972. IV, 192 p. ilust. Bibliografia. 1. MUsica brasileira 2. Música folcló- rica brasiJ.eira 3. Música popular - Brasil I. Brasil. Instituto Nacional do Livro, co-ed. II. Título. CCF /CBL/SP-72-0034 CDD: 780. 981 781. 781 18. 780.420981 CDU: 78(81) 1ndices para catálogo. sistemático ( CDD): 1. Brasil Música 780. 981 2. Brasil 3. Brasil· Música folclórica 781. 781 Música popular 780 .420981 (;'i i i ensaio sôbre a música brasi eira 3.ª edição LIVRARIA MARTINS EDITORAS.A. em convênio com o INSTITUTO NACIONAL DO LIVRO/MEC 1972 ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA Capa LUISDíAZ Supervisão Gráfica RODOLPHÓ CERASO Direitos para esta edição adquiridos pela LIVRARIA MARTINS EDITORA S�A., São Paulo, que se reserva a propriedade artística e literária desta obra. NKL,�tn; ooitoa SEDE - EDIFÍCIO MÁRIO DE ANDRADE RUA ROCHA, 274 - SÃO PAULO FILIAIS - RIO DE JANEIRO, SALVADOR BELO HORIZONTE, LONDRINA SUMARIO l<�xpli<'.:ição 1 -·- ENSAJO �ôTIRE A M(•SICA BRASILEIRA Primeira Parte - Ensaio sôbre a Música Brasileiro :\1:úsica Brasileira ......................... . MúsiC'.U popular e Música artística ......... . l?itmo .................................. . Melodia Polifonia · · · · · · · · · · · • " ' ' ' º " ' ' ' " ' ' º ' ' '" " ' ' . . . . . . . . . . , . . . . . . . · · · · · . . . . . . . . . 7 11 13 20 29 39 49 Instrumentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 Forma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 Segunda Parte - Exposição de Melodias Populares 75 Notas esclarecedoras da grafia musical . . . . . . . . . . 77 Música socializada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 Canto Infantil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 Cantos de trabnlho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 Danças . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Danças Dramí1tic:c1.s ....................... . Canto Religioso ........................... Cantigas Militares ........................ . Cantigas de Bebida ......... : ............ . C-lieos .................................... . Músi<'a Individual ............................ . ·Estribilhos (solistas ou cora.is) ............. . 'l'oadas ......................... • ... , . • • • 90 100 10:1 105 106 JOB 121 123 127 Martelos, Desafios, Chulas ..... ; . . . . . . . . . . 138 Lundús e Modinhas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112 Pregões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Í 4:1 Nota final . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151 11 - A MúSJCA E A CANÇÃO POPULARES NO BRASIL 153 J<::xplieação ........... • • • • • • • • • • · · · · · · · · · · · · · · A M úsiea e a Canção Populares no Brasil ..... . I - Instituições Públicas ............... . II - Discografia ...................... . III - Bibliografia sôbre a Música dos ame ríndios do Brasil .................. . J V - Bibliografia sôhre a Música Popular Brasileirn 155 163 167 169 171 EXPLICAÇÃO O "Ensaio sôb1·e a Música Brasileira/' aparece neste vol. VI das Obras Completas de Mario de A�dra�e, tal co�á na edição de I. ChiC1;ra�o �&Cia., Sao Paulo,�8.. Um exemplar desta ediçno, guardado por Mario de Andrade em pasta destina da .a.os trabalhos que comporwm o presente volume, traz na· fôlha-de-rosto a seguinte nota, escrita a tin ta vermelha: "Deve haver por a/4 um outro exern plar de trabalho., muito wnotado, encadernado em couro vermelho e com páginas em branco no fim, para notas. Foi roub(l;{lo da minha biblioteca, em 1941, naturalmente por um =igo. M. A. VII-42". Essa homenagem, que tem tanto de apaixonada quanto de desastrosa, impediu pois que Mario de Andrade reajustasse o "Ensaio" pará inclusão nas suas Obras Completas e que o editor pudesse agora tentar atualizar de alguma, forma esta nova edição do livro. Sabemos apenas que o "Ensaio" contém. um êrro, várias vêzes mencionado por Mario de Andrade: ,está complet=ente deturpado o ritmo da melodia "Prenda Minha", recolhida por Germana. Bittencourt. Embora sem denunciar a fonte do êrro, Mario de Andrade deixou escrita uma infor mação sôbre o caso, nesta ficha bibliográfica. sôbre o "Ensaio", encontrada num exemplar de "A Música e a Canção Populares no Bra..�il", onde a incluímos em nota: "Estuda algumas das constân cias e tendências rítmicas, tonais, harmônicas, me- MÁRIO DE ANDRADE ló dicas e formais da música popular cantada do Brasil. Tem um repositório de 122 melodias po pulares, de que um numeroso grupo foi o.olhido diretamente da bôca do.� cantadores. As outras f o- 1·am colhidas de pessoas cultas, mas de garantida autenticidade e bom conhecimento do canto popu lar. Só o documento "Prenda Minhar" é ritmica mente falso, e está ritmicaniente certo na harmo nização que dessa toada .fêz Ernani Braga (Pren da Minha, ed. Ricordi)." Oneyda Alvarenga A DO"N"A ÜLIVfA GUEDES PEN'l'RADO HomE>uagem <lo A11tor L A PARTE Ensaio sôbre a Música Brasileira MÚSICA BRASILEIRA Até ha pouco a música artistica brasileira viveu divorciada da nossa entidade racial. Isso tinha mesmo que suceder. A n _iJ&ão brasileira é anterior _ á nossa r:i.ç�. A propria--1'.!).ús1ca popülar eia-Monarquia não apresenta um!i f�satisfato ria. Os elementos que a vinham fórmando se lem bravam das bandas de alem, muito puros ainda. Eram portugueses e africanos. Inda não eram brasileiros não. Si numa ou noutra peça folclo rica dos meados do seculo pass(tdo já se delineiam os caracteres da música brasileira, é mesmo só com os derradeiros tempos do Imperio que êles princi piam abundando. Era fatal: Os artistas duma raça illdecisa se tornaram indecisos que nem ela. O que importa é saber si a obra dêsses artistas deve de ser contada como valor nacional. Acho incontestavel que sim. Esta verificação até pa rece ociosa mas pro me�o moderno brasileiro sei que não é. Nós, modernos, manifestamos dois defeitos grandes : bastante ignorancia e leviandade sistema- - tisada. Ê comum entre nós a rasteira derrubando da jangada nacional não só as obras e autores pas sados como até os que atualmente empregam a te matica brasileira numa - orquestra europeà ou no quarteto de cordas. Não é brasileiro se fala. , Ê _ que os modernos, ciosos da curiosidade ex--1 · terior de muitos dos documentos populares nossos, confundem o destino dessa coisa séria que é a Musica Brasileira com o prazer deles, coisa dile tante, individualista e sem importancia nacional joaocamillopenna Realce 14 MÁRIO DE ANDRADE nenhuma. O que deveras êles gostam no brasilei rismo que exigem a golpes duma crítica aparente mente defensora do patrimônio nacional, não é a expressão natural e necessaria duma nacionalidade não, em vez é o exotismo, o jamais escutado em música artistica, sensações fortes,_ya.tapá,-.;j_a_ciaré, vitoria-regia. Mas uni elemento importante coincide com es sa falsificação da entidade brasileira: opinião de europeu. ó diletantismo que pede música só nos sa está fortificado. pelo que é bem nosso e consegue o aplauso estrangeiro. Ora por mais respeitoso que a gente seja da crítica europeia carece verifi car duma vez por todas que o sucesso na Europa não tem importancia nenhuma prá Musica Brasi leira. Aliás . a expansão do internaciorialisado Carlos Gomes e a permanencia alem-mar dele pro va que a Europa obedece á genialidade e a cultua. Mas no caso de Vila-Lobos por exemplo é fácil enxergar o coeficiente guassú com que o e�otism.9 concorreu pro sucesso atual do_ artista. H. Pru nieres confessou isso francamente. Ninguem não imagine que estou diminuindo o valor de Vila-Lo bos não. Pelo contrário: quero aumenta-lo. Mesmo antes da JJSeudo-música indigena de agora Vila-Lobos era um grande compositor. A gran deza dele, a não ser pra uns poucos sobretudo Artur Rubinstein e Vera Janacopulos, passava desper. cebida. Mas bastou que fizesse uma obra extrava gando bem do continuado pra conseguir o aplauso. Ora por causa do sucesso dos Qito Batutas ou do chôro de Romeu Silva, por causa do sucesso ar tistico mais individual que nacional de Vila-Lobos, só é brasileira a obra que seguir o passo deles� O valor normativo de sucessos assim é quasi nulo. A ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIBA 15 Europa completada e organisada num estadio de civilisação, . campeia el�mentqs._e!lt1.'.1l:!1!t_Qê_P_!:_a S!3_},ibertar d� __ §ll._:tgElSi:!1ª· Uomo a gente não tem grandeza social nenhuma que nos imponha ao Velho Mun_do, nem filosofica que nem a Asia, nem econonuca que nem a America do Norte, o que a Eu ropa tira da gente são elementos de exposição uni versal: exotismo divertido. Na música, mesmo o� europeus ql!_e__..Yisi:fãm_a_gent_e_J;>erseveram nessa procura do exquisito apimentado. Si escutam um õatuque brabo mmto que bem, estão gosando po rêm si é modinha sem síncopa ou certas ef�sões liricas dos tanguinhos de Marcelo Tupinambá Isso é musica ·italiana! falam de cara enjoada. 'E os que são sabidos se metem criticando e aconselhando , . 'o que e pengo vasto. Numa toada num acalanto num abôio desentocam a cada passo frases fran cesas russas escandinavas. Às vêzes especificam que é R?ssini, que é Boris. UJ Ora o quê que tem a � usica Brasileira com isso ! Si :AII ilk parece com Milch, as palavras deixam de ser uma inglesa outra alemã� . O que a gente pode mas é contastar queambas vieram dum tronco só. Ninguem não lem t,ra de atacar .ª i�alianidade de Rossini porquê tal frase dele conrnide com outra da opera-comica francesa. Um dos conselhos europeus que tenho escuta- do bem é que a gente si quiser fazer música nacio- p '"' \.-. c1,..._ nal tem que campear elementos entre os aboríge- nes pois que só mesmo êstes é que são legitimàmente v,' \.,,, e,; �- Isso é uma puerilidade que inclui ''rv-- 1 ;,», ... ..._ ignor:incia dos p7oblemas sociologicos, etnicos psi- o , "'--1---,";1,-., cologicos e esteticos.Uma arte nacional não se h., M, X' )(_ (1) Tôdas estas afirmativas já foram escutadas por mim de estranhos · , fazeudo inventá rio do que é nosso. ' ··· ( "'- L i "' "- Ir e; v--ll-{ joaocamillopenna Realce joaocamillopenna Realce joaocamillopenna Realce joaocamillopenna Realce joaocamillopenna Realce joaocamillopenna Realce ' 16 MÁRIO DE ANDRADE faz com escôlha discricionaria e diletante dé ele mentos: um . a arte nacional já está feit . a n . a . inco . ns-J 4ciencia do povo. O artista tem só q1!�_1a:r pr9s -- elementos já existentes uma fraiisposição . erudita que_faça da música popular;músicl! !t"rffstfoa,-isto é: imedifameiite-desinteressada. O homem . da na- 1-çaoBra�il lioJe, está-mais âfàstado do ameríndio que do japonês e do hungaro. O elemento amerín dio no populario brasileiro está psicologicamenté assimilado e praticamente já é quasi nulo. Brasil é uma nação com normas sociais, elementos raciais e limites geograficos. O ameríndio não participa dessas coisas e mesmo parando em nossa terra con tinua ameríndio e não brasileiro. O que eviden temente não destroi nenhum dos nossos deveres pra com êle. Só mesmo depois de termos praticado os deveres globais que temos pra com êle ê que podemos -exigir dele a prática do dever brasileiro. J-.t,,•t? 0f..h 1, ....., \-,,-!h-. Si fosse nacional só o que é ameríndio, tam bem os ítalianos não podiam empregar o orgão que é egípcio, o violino que é arabe, o cantochão que é grecoebraico, a polifonia que é nordica, anglosaxo nia flamenga e o diabo. Os franceses não podiam usar a ópera que é italiana e muito menos a forma -de-sonata que é alemã. E como todos os povos da Europa são produto de migrações preistoricas se conclui que não existe arte europea ... Com aplausos inventarios e conselhos dêsses a gente não tem que se amolar. São fruto de igno racia ou de �- Nem aquela nem êste não podem servir pra criterio dum julgamen to normativo. Por isso tudo, Musica Brasileira d_exe--de-signi ficar toda música nacional o cria ão uer tenha quer não tenha caracter triico. O padre Maurício, ( /_' . , '·, _' (,. ' ' /.,.......,_., ,.__,, ,_,.,,_,.,� (! 1 ' \_ " 'f•e>C,r;.-,,\_.' (: "['.- •,,; �,,, t - ·- 1-:NRAIO RÔBRE A MÚSIC!A BRASILEIRA lí J i::Jalduui, Sclrnmnnnfona são músicas brasileiras. Toda opinüio em contrário é perfeitamente covar de, antinacional, anticrítica. E afirmando _assim não faço mais que seguir um criterio universal. As escolas etnicas em mú sica são relativamente recentes. Ninguem não lem bra de tirar do patrimonio italico Gregorio Magno, Marchetto, João Gabrieli ou Palestrina. São ale mães J. S. Bach, Haendel e Mozart, tres csniritos perfeitamente universais corno formação e �té co mo caracter de obra os dois ultimos. A França então se apropria de Lulli, Gretry, Meyerbeer, Cesar Franck, Honnegger e até Gluck que nem fran ceses são. �a obra de José Maurício e mais for temente na de Carlos Gomes, Levy, Glauco Velas (1uez, Miguez, a gente percebe um não-sei-quê in definível, um rúim que não é rúim propriamente, ? um riíim exrzuisito pra me utilisar duma frase ,1e �fanuel Bandeira. Êsse não-sei-quê vago mas geral é uma__J_2rimeira fatalidade de_raça badalan� âo longe. Então na lírica ele N epomuceno, Fran éisco Braga, Henrique Osvaldo, Bárroso Neto e outros, se percebe nm parentesco psicologico bem forte já. Que isso baste prá gente adquirir agora já o criterio legítimo de música nacional que deve· ter uma nacionalidade evolutiva e livre. Mas nesse caso um artista brasileiro .escreven do agora em texto alemão sobre assunto chinês, mú sica da tal chamada de universal faz música brasi leira e é músico brasileiro. Não é não. Por mais sublime que seja, não só a obra não é brasileira como é antinacional. E socialmente o autor dela deixa de nos interessar. Digo mais: por valiosa que a obra seja, devemos repudia-la que nem faz a Russia com Strawinsky e Kandi�sky. joaocamillopenna Realce joaocamillopenna Realce joaocamillopenna Realce Cuvc 'lvi, i , �� J......,.__, �p.,�c\_, e.'., 1 - 11\,.' _ •. \ r-· \(V'"'.,�! ·•_t.J MÁRIO DE ANDRADE O periodo atual do Brasil, especialmente nas artes, é o de nacionalisação. Estamos procurando conformar a produção humada do país com a rea lidade nacional. E é nessa ordem de ideas que justifica-se o conceito de Primitivismo aplicado ás orientações de agora. É um engano imaginar que o primitivismo brasileiro de hoje é estetico. Ele é social. Um poeminho humoristico do Pau Brasil de Osvaldo de Andrade até é muito menos primitivista que um capítulo da Estetica da Vida de Graça Aranha. Porquê êste capítulo está cheio de pregação interessada, cheio de idealismo ritual e deformatorio, cheio de magia e de medo. O li rismo de Osvaldo de Andrade é uma brincadeira desabusada. A deformação empregada pelo pau lista não ritualisa nada, só destroi pelo ridículo. Nas ideias que expõe não tem idealismo nenhum. Não tem· magia. Não se confunde com a prática. É arte desinteressada; Pois toda arte socialmente primitiva que nem a nossa, é arte social, tribal, religiosa, comemora tiva. É arte de circunstancia. É interessada. Toda arte exclusivamen�C.ª-il_ 9:esintere,ssa da não tem cabimenwnuma :!'@_e_primitiva, fase ãe_constr.ução. É intrinsecamente individualistã. É os efeito;-do individualismo artistieo no geral são destrutivos. Ora numa fase primitivistie;a, o indl.viduo que não siga o ritmo dela é pedregulho na botina. Si a gente principia matutando so bre o valor intriseco do pedregulho e o conceito filosofico de justiça, a pedr!I fica no sapato e a gente manqueja. "A pedra tem de ser ;i.Q_gada fora". 1 É uma injustiça feliz, uma inJustiça justa, fruta \ .. de epoca. ' _ • VO\, Lrv C·�-, h' �) h C.-1 �,\�� � e.,.� o ve, !_ ,--\ te ( i' ( ,{ .. � 1 • f..,,.. �'---.\\-� \ Í\ S,l"\,-.... )' ,.,,t..'1"'- c,, ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 19 Q criterio a&Y-ª.l de Musica Brasileira deve ser �ª.<?_!il()sgficº_ . mas social. . DeTe�ser Íun criterio qe combate. A fôrça nova que voluntariamente se disperdiça por Ulll motivo que só pode ser indeco- 1;oso ( co�odidad_e p�opria, covardia ou pretensão)e Ullla força antmac10nal e falsificadora. E arara. Porquê, imaginemos com senso-co mUlll: Si um artista brasileiro sente em si a fôr ça do genio, que nem Beethoven e Dante sentiram está claro que deve fazer música nacional. Por� quê como genio saberá fatalmente encotrar os ele mentos essenciais da nacionalidade (Rameau We_ber Wagner Mussorgskir Terá pois Ulll valor �omal enorme. Sem perder em nada o valor artís tico porquê não tem genio por mai�-naêlonâ1 (Rabel�is G?Yª :V11itman Ocussai) que não seja do patrrmomo universal. E si o artista faz parte dos 99 por cento dos artistas e reconhece que não é genio, então é que deve mesmo de fazer arte nacional. Porquê incorporando-se á escola italia na ou francesa será apenas mais Ulll na fornada ao passo que na escola iniciante será benemerito e necessario. Cesar Cui seria ignorado si não fos s� o p_apel dele na formação da escola russa. Turma e de importancia universal mirim. Na es cola espanhola o nome dele é imprescindivel. Todo artista brasileiro que. no momento atual fizer arte brasil�ira é =. ser eficiente com valor h=ano. O que flze:r ai:te mt�rn�cional ou estrangeira, si não for gemo, e Ulll mutil, Ulll nulo. E é Ullla reve rendissima bêsta. Assim: estabelecido o criterio transcendente de Mus!ca Brasileira que faz a gente com a coragem dos mtegros adotar como nacionais a Missa em Si l -\.., 20 MÁRIO DE ANDRADE JJeuwl e Salvador Ilosli, temos que reconhecer que êsse criterio é pelo menos ineficaz pra julgar as obras dos atuais menores de quarenta anos. Isso é lógico. Porquê se tratava de estabelecer um cri tério geral e transcendente si referindo à entidade envolutiva brasileira. Mas um critério assim é ine ficaz pra julgar qualquer momento historico. Por quê transcende dele. E porquê as tendenciashis toricas é que dão a forma que as ideas normativas revestem. O criterio de música brasileira prá atualidade deve de -existir em relação á atualidade. A atua lidade brasileira se aplica aferradamente a nacio nalisar a nossa manifestação. 0oisa que pode ser feita e está sendo sem nenhuma xenofobia nem _im- J r, 1 , , cp perialismo. O critério histori,·o atual ela J\.lúsic:a Wf "" \ Brasileira é o da manifgatação-musicaLq.uc____s�:i .,.-.e,,_.�- V"- feita por brasileiro o'u ind.ivid.uo-na<:;ionalisado,re' 'e 1 _ - ::t'·"""i- flef_f�as_caractg_ristic11s_.mnsicais_claJaça. -ti, -�. · :) -- Onde que estas estão� :N" a música popular.1,;1l�-' MüSICA POPULAR E MúSICA ARTISTICA Pode-se dizer que o populario musical brasi leiro é desconhecido atcS de nós mesmo,. \'ivemos afirmando que é riquissinio e .bonito. Estú certo. Só que me parece mais rico e bonito do que a gente imagina. E sobretudo mais complexo. Nós conhecemos algumas zonas. Sobretudo a carioca por causa elo ._maxixe impresso e por cau sa da predominancia expansiva da Cõrte sobre os Estados. Da Baía tambem e do nordeste inda a gente conhece alguma roisa. E no geral por in termedio da Côrte. Do resto: praticamente nada. O que Friedenthal r<'gistrou como de Sta. Catarina E�SAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 21 e Paraná sii.o documentos conhecidos pelo menos em todo o centro litoraneo do país. E 1un ou outro documento esparso da zona gaúcha, matogrossense, goiana, caipira, mostra belezas porêm não basta pra dar conhecimento dessas zonas. Luciano Gal let está dcmostrando já uma orientação menos re gionalista e bem mais 1nteligente com os cadernos de Melodias Populares Brasileiras ( ed W ehrs e Cia. Rio) porêm os trabalhos dele são de ordem positivamente artistica, requerendo do cantor e do acompanhador cultura que ultrapassa a meia-fôrça. E requer o mesmo dos ouvintes. Si muitos dêsses trabalhos são magníficos e si a obra folclorica de L. Gallet enriquece a produção artística nacional, é incontestavel que não apresenta possibilidade ck expansão e suficiencia de documentos pra se tor nar crítica e prática. Do que estamos carecendo imediatamente é dum harmonisado!'...5imples_mas crítico também, capaz de se cingir á manifestação popular e representa-la com integridade e efieien cia. Cãrecemos dum '1'1ersot, dum Franz Korbay, dum Moller, dum Coleridge Taylor, dum Stan ford, duma Ester Singleton. Harmonisações du ma apresentação crítica e refinada mas facil e absolutamente adstrita á manifestaçii.o popular. Um dos pontos que provam a riqueza do nosso populario Sl'l' maior do que a gente imagina é o ritmo. · Seja porquê os - compositores de maxixes e cantigas impressas não sabem grafar o que executam, sc;ja porquê dão só a síntese essencial dei xando as subtilezas prá invençii.o do cantador, o c•.erto é qne uma obra executada difere ás vezes '--- totalmente do que está escrito. Do famanado 22 MÁRIO DE ANDRADE Pinião pude verificar pelo menos 4 versões rítmi cas diferentes, alem de variantes melodicas no geral leves: 1.ª a embolada nord(lStina q:u.e..._sm::yiu d�_�pro maxixe vulg11:risado-no--carnay1J,l .fa tjQç-ª_; 2.ª a versão impressa dêste (ed Wehrs e 'Cia.) que é quasi uma chatice; 3.ª a maneira com que os Turunas de Mauricea o cantam; 4.ª e a variante, próxima dessa última, com que o es cutei. muito cantado por pessoas do povo. Se compare estas três grafias, das quais só as duas últimas são legítimas porquê ninguem não canta a rµúsica talequal anda impressa. A terceira gra fia é a mais rigorosamente exata. Inda assim si a gente indicar um senza rigore pro provimento ... PINIÃO (verslo impressa ed. C. Wehrs e Cia, Rio). Ih ;J I ww1w I n Jj13 íU j J I j I Ll u W7 P!Jll. io, plnl.lo,pllll .io,01, plntocor.re11 commedodoga.Tti,o· Parlno =•mo nbl. í: e1,11\GJ1 �,,� l'E 11 fl trtttr1trzr �=Jf1 _ BbLte11aa& e To. ou I foi C10.111ermelõ.o! Piniüo: pinião, ·phüü.o, Oi pinto correu com medo rlo gavião Por isso mesmo sabiá cantou :m bateu asa r '\'oou E foi eomer melão! PINIÂO (slnteae poastveJ da verslo pepular). f�11 1 iil iwu.riJl r IP) .JJJíJ,ru ice r·ru7 Plat.&11, p!Jll.io, plnl. io, Oi, pinto correu Mm medodop.,.llo Porh•o •umo ■-..bl .á eut111 ;,,� 2 � I'!'' !t.il trd4U W1r •!I lla.1t11 t..u. noa Foi eo,. mhl1111e.lio! · Pinião, pinião, pi.nião: Oi, pinto eorre11 1•nm uiedri {lo gavião Por isso meamo s:ihift c.rmt,111 Bateu aea voou Foi comê ( r) mcJão ! ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 23 PINIÂO (analise prosodrca da versão popular). J:se. �-- __,... � ., ......-T-.#ÊiJ�ffiJ h; l"J JA 'W Pi.til . i.o,p1.111.i.o.p1.111. i.o. 01._ pl.atour.reueom medodoga..1'1. io Porino niesm0u.b1.&- eui.td_ Ba. tn o..so. �oõ_ Foi cu . mi 1;1eli,0? - _ f'01 cu.m� m�!io!_ Aliás a terceira grafia que indiquei como prosodica pode ser atacada por isso. De fato. qualquer cantiga está sugeita a um tal ou qual ad libitum rítmico devido ás proprias condiçõeg da dicção. Porém essas fatalidades da dicção rela tivamente á música europea são de deveras .fatali dades, não têm valor especifico prá invenção ucm efeito da peça. Tambem muito documento brn sileiro é assim, principalmente os do cent.ro mineiro-paulista e os da zona tapuia. Não falo dos sulriograndenses porquê inda não cseutei n<:' nhum cantador gaúcho, não sei. JUas o mesmo não se dá com as danças cariocas e grande número de peças nordestinas. Porq11i'• nc�tns zmia6 os cantadores se aproveitando dos ,·,dores prosodieos da fala brasileira tiram dela elf'HH•ntos específicos essenciais e imprescindíveis de 1·i tmo mnsical. E de melodia t ambem. Q§_J11a:::iig_�_i111pressns ,Jt, Sinhô são no geral banalidades rne!ÕcTicas. ExP rjitados, são peças soberbas, �l _1_11�l_f!.<!i_a __ �e __ tnms figurando ao ritmo-novo. E quanto ú peça nor destina ela se ap-;_�ema nrniias feitas com uma rítmica tão subtil que se torna q11asi irnpossivel grafar toda a realidade dela. J:>rilwipalmente porquê não é apenas proso,li,·a. Os nordestino� se utilisam uo cauto dum lnisser 11llrr contín110, 24 MÁRIO DE ANDRADE de fetitos surpreendentes e muitissimas vezes de natureza exclusivamente musical. Nada tem de prosodico. É pura fantasia duma largueza ás ve zes malinconica, ás vezes cornica, ás vezes ardente, sem aquela tristurinha paciente que aparece na zona caipira. Porêm afirmando a grandeza do Nordeste musical não desconheço o valor das outras zonas. .Alguns dos cantos tapuios, os fandangos paulistas de beiramar, os cantos gaúchos isentos de qualquer hispanoamericanisnio, expostos na segunda parte dêste livro mostram os acasos de ensinamento e honiteza que deve reservar uma exploração deta lhada do populario. [ Pelo menos duas lições macotas a segunda parte dêste livro dá prá gente : o caracter nacional generalisado e a destruição do preconceito da síncopa. Por mais distintos que sejam os documentos regionais, êles manifestam aquele imperativo ! l etnico pelo qual são facilmente reconhecidos por ' 1 nós. Isso me comove bem. Alem de possuírem pois a originalidade. que os diferença dos estra- nhos, possuem a totalidade racial e são todos pà tricios. A músfo.a_popula-r-brasi:l:ei;J,�s _qQmpleta,.Jnais__toialmente nacional, mais forte criação da nossa raça até agm::a. ,,- -- ..... -----�-"--- Pois é com a observação inteligente do popu lario e aproveitamento dele que a música artística se desenvolverá. Mas o artista que se mete num trabalho dêsses carece alargar as ideas esteticas sinão a obra dele será ineficaz ou até prejudicial. Nada pior que um preconreito. Nada melhor que ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 25 um preconceito. Tudo depende da eficaeia do : ,reconceito. Cabe lembrar mais uma vez aqui do quê é feita a música brasileira. Embora chegada no povo a uma expressão original e etnica, ela provêm de fontes estranhas: a arnerindia em porcentagem pe quena; ;i. africana em porcentagem bem ma�or; a portuguesa em porcentagem vasta. Alem disso a influenciaespanhola, sobretudo a hispanoameri cana do Atlantico ( Cuba e Montevideo, habanera e tango) foi muito importante. A influência europea tambem, não só e principalmente pelas danças (valsa polca mazurca shottsh) como na formação da modinha. (Il De primeiro a modinha de salão foi apenas uma aco:rp.odação mais aguada da melodia da segunda metade do. sec. XVIII europeu. Isso continuou até bem tarde como de mostram certas peças populares de Carlos Gomes e principalmente Francisca Gonzaga. Alem dessas influências já digeridas temos que contar as atuais. Principalmente as america nas do jazz e ao· tango argentino. Os processos do jazz estão se infiltrando no maxixe. Em re corte infelizmente não sei de que jornal guardo um samba macumbeiro, Aruê de Changô de João da Gente que é documento curioso por isso. · E tanto mais curioso que os processos polifonicos e rítmicos de jazz que estão nele não prejudicam em nada o carater da....pJ)Ç_a. É um maxixe legíti mo. De certo os antepassados coincidem ... (ll Album de música nns Reise i1n Brasilitm, Spix e Martius; a peça registrada por Langsdorff na Viagem ao redor do mundo; as peças aôbr _ e Marllia de Dirceu no Cancioneiro Português de Cesar das Neves e Gualdi no de Campos (vols. 19, 21, 29, 32, 43, 44, 47 e 50; ed. Cesar Campos e Cia. Porto); modinhas do padre Maurício e outros no Cancioneiro Fl11- 11i.h1,ense de Mello Morais, etc. \ 26 MÁRIO DE ANDRADE Bem mais_ deploravel é a expansão da melodia cho rona do tango. E infelizmente não é só em tan gos argentinos ... de brasileiros que ela se mani festa. Tem uma influência evidente do tango em certos compositores que prêtendem estar criando ( a ... Canção Brasileira! Estão nada. Se apro veitam da facilidade melodica pra andarem por · aí tangaicamente gemendo sexualidades panemas. Está claro que o artista deve selecionar a documentação que -vai-ll1!J. servir de estua:o ou de báse. Mas por outro lado nao Ueve cair num exclusivismo reacionario que é pelo menos inutil. A reação contra o que é estrangeiro deve ser feita espertalhonamente pela deformação e adaptação dele. Não pela repulsa. Si de fato o que já é Qaracteristicamente bra sileiro deve nos interessar mals, si é preconceito útil preferir sempre o que temos de mais caracte rístico: é preconceito prejudicial repudiar como estrangeiro o documento não apresentando um grau objetivamente reconhecivel de brasilidade. A marchinha central dos admiraveis Chôros n.0 5 de Vila Lobos (Alma Brasileira ed. Vieira Machado, Rio) foi criticada por não ser brasileira. Quero só saber porquê. · O artista se utilisou dum ritmo e dum tema comu_ns, desenvolvidos dum elemento anterior <la peça, tema sem caracter imediatamente etnico nenhum, tanto podendo ser brasileiro como turco ou francês.. Não vai em nada contra a mu sicalidade nacional. Portanto é tambem brasileiro não só porquê o pode ser como porquê sendo in ventado por brasileiro dentro de peça de carcter nacional e não levando a música pra nenhuma outra raça, é necessariamente brasileiro. l ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 27 E nisto que eu queria chegar: o artista não deve ser nem exclusivista nem unilateral. Si a gente aceita como um brasileiro só o exces sivo ca,8cteristico cai num exotismo que é exotico até pra nós. O que faz a riqueza das principais escolas europeas é justamente um caracter nacio nal incontestavel mas na maioria dos casos inde finível porêm. 'l;odo o caracteL-ex.Qflssivo � . or ser excessivo é objetivo e exterior em vez de psicologico, e perigoso. a iga e se torna faci]: mente banal. É uma pobreza. É o caso de Grieg e do proprio Albeniz que já fatiga regularmente. A obra polifonica de Vittoria é bem espanhola sem ter nada de espanholismo. E felizente prá Espanha que os trabalhos de Pedrell e autores como Joaquim Nin, Halfter, Falla estão alargando as possibilidades do tatatá rítmico espanhol. O exclusivista brasileiro só mostra que é igno rante do fato nacional. O que carece é afeiçoar os elementos estranhos ou vagos que-nem fizeram Levy com o ritmo de haban():ra do "Tango Brasileiro" ou Vila-Lobos com a i:nárchinha dos "Chôros n.0 5" praquê se tornem nacionais dentro da manifes tação nacional. Tambem . si a parte central da "Berceuse da Saudade" de Lourenço Fernandez (op 55 ed Bevilaqua) constituísse uma obra iso lada não tinha por onde senti-la brasileiramente. Porêm essa parte se torna nec;essariamente brasi leira por causa do que a cerca. Mas o característico excessivo é defeituoso --- apenas quando virado em norma unica de criação ou critica. Ele faz parte dos elementos uteis e até, na fase em que estamos, deve de entrar com 28 MÁRIO DE ANDRADE frequencia. Porqitê é por meio dele que a .r;entc poderá com mais firmeza e rapidez determiniir r normalisar os caracteres etnicos permanentes da musicalidade brasileira. Outro perigo tamanho como o exclusivismo é unilateralidade. Já escutei de artista nacional que _ a · nossa música tem de ser tirada dos indios. Outros embirrando com guaraní afirmam que a verdadeira música nacional é. . . a africana. O mais engraçado é que o maior número manifesta antipatia por Portugal. Na verdade a música portuguesa é ignorada aqui. Conhecemos um ati lho de pecinhas assim-assim e conhecemos por de- ' mais o fado gelatinento de coimbra. Nada a gen L te sabe de Marcos Portugal, pouquíssimo de Rui Coelho {; nada do populario portuga, no entanto bem puro e bom. Mas por ignorancia ou não, qualquer reação contra Portugal me· parece perfeitamente boba. Nós não temos que reagir contra Portugal, temos é de não nos importarmos com êle. Não tem o mini mo desrespeito nesta frase minha. É uma verifi cação de ordem estetica. Si a manifestação bra sileira diverge da portuguesa muito que bem, �i coincide, si é influência, a gente deve aceitar a coincidencia e reconhecer a influência. A qual é ,, não podia deixar de ser enorme. E reagir contru isso endeusando boróro ou bantú é cair num uni lateralismo tão antibrasileiro como a lírica de ( Glauco Velasquez. E aliás é pela ponte lusitana \ que a nossa musicalidade se tradicionalisa e justi'---- fica na cultura: europea. Isso é um bem vasto. É o que evita que a música brasileira se resuma á curiosidade esporadica e exotica do tamelang ja- - 3 ENSAIO SÔBRR A MÚSICA BRASll,füHA 29 vanês, <lo canto achanti, e outros atrativos delicil) sos mas passageiros de exposição universal. O que a gente deve mas é aproveitar todos os elementos que concorrem prá formação permanente da nossa musicalidade etnica. Os elementos ameríndios servem sim porquê existe no brasileiro uma porcentagem forte de sangue guarani. E o documento ameríndio propriedade nossa mancha agradavelmente de estranheza e de encanto soturno a música da gente. Os elementos africanos servem francamente si colhidos no Brasil porquê já estão afeiçoados á entidade nacional. Os elementos onde a gente percebe uma tal ou qual influência portuguesa servem da mesma forma. O compositor brasileiro tem de __ se basear quer como docl11!1entação quer como -ins�cãoriõ-l'õT- ·-cifore:·--Este, em muitas manifestações caracteris ·ri.qüissimo, demonstra as fontes donde nasceu. O compositor por isso não pode ser nem exclusivista nem unilateral. Si exclusivista se arrisca a fazer da obra dele um fenomeno falso e falsificador. E sobretudo facilmente fatigante. Si unilateral, o artista vira antinacional: faz música ameríndia, africana, portuga ou europea. Não faz música brasileira não. RITMO Um. livro como êste não comporta discussão de problemas .gerais do ritmo. Basta verificar que estamos numa fase de predominancia rítmica. Neste capítulo o principal problema pra nós é oâa º síncopa. - ,i, :30 MÁRIO DE ANDRADE A música brasileira tem na síncopa uma das constancias dela porêm não uma obrigatoriedade. E mesmo a chamada "síncopa" do nosso popula rio é um caso subtil e discutivel. Muitas vezes a gente chama de síncopao que não o é. O conceito de �/vindo nos dicionarios nas artinhas e nos Ü�ros-:-sobre ritmica, é tradicio nal e não vejo precisãü" de contraria-lo, está certo. O que a gente carece verificar é que êsse conceito muitas feitas não corresponde aos movimentos ritmicos nossos a que chamamos de síncopa. Me parece possível afirmar que se - deu um conflito grande entre as nossas tendencia e a ritmica já organisada e quadrada que Portugal trouxe da -l�·,·v mvilisação europea pra ca. Os amerindios e pos-1\fV 1 • _.e"_ • sivehnente os africanos tambem se manifestavam ,.,-F�' � ,.-: numa ritmica provinda diretamente da prosodia, à-,'"'-''" ".· .• :J.Õi:ncidind·o pois em muitas manifestaçoes com a\J 0º"''' .. ritmica di§curs1va de Gregoriano. As frases 0 "' ' musicais dos indigenas de beiram'.ar conserva- das por Lery num tempo em que a ritmica medida inda não estava arraigada no espirito europeu, sob o ponto-de-vista ritmico são verdadeiras frases de cantochão onde até as distinções aparecem. Muitas das registrações de Spix e Martins também impli cam essa inexistencia de ritmo exclusivamente mu sical entre os ameríndios do centro e do norte bra sileiro. Mesmo nos tempos de agora os livros scientificos de mais fé musical que nem os de Koch Grünberg sobre os. indios do extremo-norte, de Speiser sobre os da bacia amazonica, de Colbac chini sobre o oeste brasileiro reforçam essa noção duma · · de canto quasi que exclusivamente f�logica entre os in 10s. ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 31 Já não é possível verificar a mesma coisa do canto africano pelas melodias que jYianuel Quirino registrou na Baía porêm no populario brasileiro dos lundús e_ dos batuques impressiona a frequen c'iaUe-:fráses cüinpôsfii.s pela repefagão sist!ili:\afica dum só valor de tempo bem pequeno (semicolcheia). Os nossõs·-artistasreconlieciain õêm isso e quando pastichavam o africano, corno é o caso de Gomes Cardim no "Nossa gente já está livre ... " (Melo dias Populares Brasileiras, Luciano Gallet, ed. cit.), usavam e abJ.i,sav:am .. dêssr§ __ processos orat_orios ---- . -••---a--·-,-___ , ___ • d.e ritmqi. Inda mais: em certas peças reconheci das· una:nimemente ou tradicionalmente como de proveniencia negra como na "Ma Malia" dêste li vro essas frases oratorias aparecem e chegam mes mo a <;riar recitativos legítimos (Ver minha nota -=::,,.__ sobre o "Lundú do Escravo" em Revista de An- ---- tropofagia n.0 5 S. Paulo). Ora êsses processos de rítmica oratoria, des provida de valores de tempo musfoãlcõntrastavam com a musica portuguesa afeiçoada· ao rnensura lisrno tradicidional europeu. Se deu pois na mú- sica brasileira um conflito entre a rítmica direta- 1,_:) ._ •• t'-mente musical dos portugueses e a prosodica das .... . ., 1 ; músicas ameríndias, tambem constante nos africa- ",�, ' · "'· '--· nos aqui. E a gente pode mesmo afirmar que uma /cc,; ,,.,).�, rítmica mais livre, sem medição isolada musical :,._ .�era mais da nossa tendencia, como provam tantos documentos já perfeitamente brasileiros que expo- :·-' •·") / nho em seguida a êste Ensaio. Muitos dos cocos, \'·'-""·.,,_·.,, desafios, martelos, toadas, embora se sujeitando á quadratura melodica, funcionam como verdadei- "' .'-,:; ros recitativos. ·',-.;\ 11' · r :12 MÁRIO DE ANDRADE Ora tt essas influências dispares e a es,;e con flito inda aparente o · brasileiro se _acomodou, fazendo disso um elemento de expressão musical. Não se pode falar diante da multiplicidade e cons tancia das subtilezas rítmicas do nosso p.Qpulario que estas são apenas os desastres dum conflito não. E muito menos que são exclusivamente pro sodieas porquê muitas feitas elas até contradizem com veemencia a prosodia nossa. O brasileiro se acomodando com os eleme:r:itos estranhos e se agei- tando dentro das proprias tendencias adquiriu um geito fantasista de ritmar. E.§z do ritmo uma coi sa mais variada mais livre e sobretudo um elefüeil tQ_de expressão racial. I É possível que a síncopa, mais provavelmente ') importada de Portugal que da Africa (como de certo hei-de mostrar num livro futuro) tenha aju dado a f0'maç_ãJ:ulaíantasia-ritm�ca_d_Q_EEt�ileiro. Porêm não é possível descobrir a função dela em muitas das manifestações de rítmica prosodica ou fantasista do brasileiro. E não é possível porqui> si o som da melodia nasce na chamada parte fraca do compasso ou do tempo e se prolonga até uma acentuação seguinte, êle não haz nenhuma acen tuação. "Pelo contrário: o instrumento acompa nhante é que acentua conforme a tradição coreo grafica e a teoria. Outras feitas a acentuação do canto desorienta de fato a acentuação do com passo mas o som não se prolonga porêm. Outras feitas ainda, que nem no lindíssimo <:oco paraiba no do "Capim da Lagoa" a ocorrem-ia de palavraR paroxítonas muito acentuadas nas tesis dos tem pos melodicos obrigam o cantador a tornar a sila ba atona seguinte, verdadeiramente atona, inexis- 1 1 l ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 33 tente. Êsse é um geito muto comum do nosso can tador cantar embora já esteja reconhecido que na nossa prosodia não existam silabas mudas que nem ;no português ( entre outros H. Parentes Fortes em "Do Criterio Atual de Correção Gramatical", Baía 1927). Recebi o "Capim da Lagoa" na gra fia mais ou menos legitima: ' # 1 11@ C LW'� O cap1mda la. • go.• vi. a.do co.meu É obvio que a obcessão da síncopa levava al gum sincopadeiro a grafar: W'\ 1 fjl Ed'p· O tr.plm da I& • gouUdo co .ateu Ora pela grafia anterior mais sincera e pela experien.cia que tenho do nosso canto popular sei que trata-se do que a gente podia prosodicamen te grafar assim: �-# > "'--> > h, 'í1 lf I E W 'F· U c.ipim d• la;. go.11 ,1.a'..du cú. m�u Sendo que os sons não acentuados são verda deiros nenmas liquescentes. prolongando em silabas novas quasi nulas o som acentuado anterior. Si pois conforme o conceito tradicional da sín copa a gente assunta o nosso populario musical constata qUft.ll)J.ÜJ.QB movimento.s-chamados-de-sin !)_QP.ados _não _sã_o si11co.QQ. São polirritrnia ou são ritmos livres de quem aceita as determinações fi siologicas clg arsis e -tiifüjí":Pif:i:ênC.i-g:r:iõra -(§u ·1n: :fringe PE ()J�º�!��e:ri!� )_,1.d_o_ut:d:na_dinàmicã ra:r:: 34 MÁRIO DE ANDRADE sa do compasso. Eis três exemplos de ritmo livre que nada têm de sincopa: :N" otar no terceiro exemplo a diluição caracte rística da síncopa em tercina com acentuação cen tral, costume frequentíssimo em nosso geito de cantar. Quanto ao processo rítmico de Vila-Lo bos, muito comum no artista ("Alma Brasileira", "Saudades das Selvas Brasileiras" n.0 2, ed. Max Eschig; e-um exemplo magistral na pg. 5 da Seres ta n.º 4, "Saudades da Minha Vida" ed .. C. Artur Napoleão em que a pseudo síncopa ora se dilui em tercina ora traz acentuação mais forte no lugar ritual da tesis), tambem se manifesta no populario como demonstra o "Canto de Xangô" na segunda parte. Alem dêstes processos em que se dá acentua ção do som, tem out:r:os em que a acentuação não aparece. Assim na silaba da em varanda do coco "Olê Lioné" (2.ª parte). Este caso, muito cor rente pode ser considerado como um .... êrro pro vindo da fadiga do cantador que não sustentou o som da silaba anterior. Mas não é possivel con certar o êrro porquê êle se tornou um processo da nossa música, um elemento de expressão já per feitamente tradicionalisado e não ocasional. Tam- ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 35 bem no fandango "Que Moça Bonita" (2.ª parte) aparece outra manifestação dêsse processo, inven tando a mudança do · binário pra ternario. Em vez de dar em semínimas pontuadas os sons das silabas trêla em estrêla o que fazia a cantiga per manecer binaria, a tradicionalisação do processo encurtou os sons criando a introdução dum ritmo novo. Ora tem uma diferença enorme entre a fadiga que leva os recrutas cantando a "Canção do Voluntário Paulista" a reduzir dois compassos quaternários em ternários:�m.g em, �114 OI J i 1 1UF ,.alor Wmoe�ubllme... o.Jor Comoi, sublime.,, com um efeito que saindo provavelmente da fadiga, até por vezes torna a peça mais fatigante qne nem no fandango citado. E é curioso essas liberdades aparecerem até nas peças dançadas. Porém a habilidade do cantado1· no fim da estrofe ou ela parte faz a acentuação do compasso acabar coincidindo ele novo com o passo dos dançarinos. Já no "Que Moça Bonita" os 5 compassos terna.rios podem continuar batidos em bina.rio porquê acabam coincidindo com a acentua ção dêste quando volta. O mesmo se dá com o admiravel "Tenho um Vestido Xovo'' (2.ª parte) em que os dois ternarios de cada estrofe e refrão figuram como tres binarios pro dançador e no fim dá tudo certo. Isto mesmo sueecle com certas cantigas apa rentemente sincopadas. Em várias da segunda parte do livro, especialmente no "Meu Pai Cajuê" n g-rnic Yrri1'ir·a <jllr o movimt'nto o qne faz {, se- . , \· �. I I J ·l " ,1\,.; 1.~-.c...___,_. ,,,ft,L,,-.(\._ .......... .J �C..-, �/V l(',\..,,_._,L,..,) ,:-s l._ \ ... /_,,.,v✓' (J l ..) / C •� ;',�e,·{�'- \'·"'"�:'A.�I� •�'i "' &oR�l�,,;�,,i-,,,,�"l ,l, ( . ' ' .. , ., . , \ ') t_.,, �\...("'"rni . '- .,ii"]'A···-� Cu ·· \,._'·'-�--: '- � �-: h ,.:__J,,.., , ..... :.,. guir livremente contanto que dê certo no fim. O cantador aceita a medida ritmica justa sob todos os pontos-de-vista a que a gente chama de Tempo mas despreza a medida injusta (puro IJreconceito , -----�'º" -· J.�---=•-�---·> teorico as mais das Lezes) chama_dà....9gnz.p_asso. E pela adição de tempos,.!_alequal fi�am os gregos -� ..!!�-Elªravilhos:1_ �riação •. ntm,c.si. .. Cfa!�s, e não po'r subdivfsãõ' que nem fizeram os europeus ocidentais com o compasso, o cantador vai seguindo livremen te, inventando movimentos essencialmente melodi cos (alguns antiprosodicos até) sem nenhum dos �ementos dinamogenicos da síncopa e só apareu temente sincopados, até que num certo ponto (no geral fim da estrofe ou refrão) coincide de novo com o metro (no sentido grego da palavra) que pra êle não provêm duma teorisação mas é .. d�-es sencia puramente fisiologica. Coreografica até. Sãoii'[õ:"vfüieiito:S:]Tvres-defêri:ninados IJela fadiga. -- --�-···----------São movimentos livres desenvolvidos . da fadiga. 'sãÕ-moviiiÍEÍntos ]ivr�s-especiffoos -dã mõlezã'âã r'prÕsodia brasileira. São ... mov.imenfos.Jiriiê. Il�,9: · âceiífüãdo�,Y> · Sãó movimentos livres acentuados por fantasia musical, virtuosidade pura, ou por precisão prosodica. Nada têm com o conceito tra dicional da síncopa e com o efeito contratempado dela. Criam um compromisso subtil entre o � tativo e o canto estrofico. São movimentos livres �oxnaram:s_e es�jJicof,,,,,dâ_músi� {l) Nossos eompositores, l�\·ttdos 1wln preconceito da síncopa-a<'-'!11to, têm a mania. de acentua!.J!ld.o_q��l' sincopa. Pois nossa música popular já atingiu m'lllto rhaior vo.riedadeesübtileza que isso, deixando muitas feitas de centuar o som apa.r1•tiJo em parte fraca e prolongando uté a tesis seguinte do compasso ou do tempo. Os compositores se tornaram por isso muito mais pobres e primários que a arte popular, a qual por seu lado se eleva a ponto àl• equiparar com o apogeu da ritmi�J .®g.a--quando os artisla1:1 virtiwsístit·n� dl' !:í ri•tirar:un da ritmw:. tl bu· 1.,•cum tlo 3l'.lrnto. _,.... �,_.,. {j -� .r ; ' '-'"-\ ;...,.._A, \.t., C... t.J_,,...,_ N -t. , .,-.( ,. { �.', ' , , , " •- ·� L-.:i .· '.\,_.,.__, ' 1 \ ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 37 Isso é uma riqueza com possibilidades enormes de aproveitamento. Si o compositor brasileiro po de empregar a síncopa, constancia nossa, pode principalmente empregar movimentos melodicos aparen_ti,�e s1ncopadOs,· pO,i:�ni..'â.fü;proyid2_��11-e aéento, respeitosos aapfosod� ou musicalmente riiiitâsistas, Jivresae remeleixo maxixeiro, movi mentos emfim inteiramente pra fora do compasso ou do ritmo em que a peça vai. Efeitos que alem de requintados podem, que nem no populario, se tornar maravilhosamente expressivos e bonitos .. Mas isso depende do que o compositor tiver pra nos contar ... Tal como é empregada na música popular não temos que discutir o valor da sincopa. É inutil discutir uma fo.rALJ!Ção inconsciente. Em todo ca- 'S, c '�'-' \'·' , n so afirmo que tal como é real{sado na execução e � 1;-n,�L não como está grafado no populario impresso, o c21 ; •, ,., ... -,. sincopado brasileiro é rico. ,9. que carece_p_QÍlL<i,,' . 1 que o músico artista assunte b�.!]1 .. ª. re_l!füla_d_e }l.a -· , __ � ·execução pop11Ja.:r.f_ 1J,,l, .. e.seJ1,J!_QlY1J .... Mais uma fei- tã"1embrÕ ·vilà�Lobos. É principalmente na obra dele que a gente encontra já uma variedade maior· de sincopado. E sobretudo o desenvolvimento da manifestação popular. Isso me parece importan- te. Si de fato agora que é periodo de formação � devemos empregar com frequencia e abuso o ele- L /, 1 mento direto fornecido pelo folclore, carece que ' '! )'í a gente não esqueça que música artistica não é e+- f,_, 1, ,,._ il fenome_l!Q,,.P.QPUlar po_r:êm-aêsenvolvimento_dêsfe. e," \ r '.' "\ '., 1 j : O compositor tem pra empregar não só o sinco- . , ' / pado rico que o populario fornece como pode tirar ·'. '9'--s, � !í · ilações disso. E nesse caso a síncopa do povo se- d.e, ... ./ tornará uma fonte de riqueza. · �º \ (,,.(}_:��, ., : -18 MÁRIO DE ANDRADE Si a música astistica se confinar ás manifes tações restritas da sfiicõpa do populario impresso (sincopa central no primeiro tempo do dois-por quatro; antecipações sincopadas em finais de fra se; frases com síncopas centrais em todos os tem-· pos) teremos uma pobreza abominável. Abominável porquê se estereotipa logo, cai no fácil, no conhecido e no excessivo característico. Sincopas assim podem ser gostosas um tempo, e podem ser necessarias pra unanimisar o remeleixo corporal dos dança dores mas, ver os intervalos aumentados arabes, ver o instrumento regional, ver a harmonisação de Grieg: se banalisam com facilidade pela propria circunstancia de serem caracteristicas por demais. B com a banalidade fadiga vem. E será tambem uma pobreza si ,se tornar obrigatória. A síncopa é uma das constancias po rêm não é constante nem imprescindível não. Pos suímos milietas de documentos folcloricos em que não tem nem sombra de sincopado. Mesmo a segun da parte dêste livro demonstra isso bem. E tem uma infinidade de síncopas que não são brasileiras. Por bem sincopadas que sejam as "Saudades da Cachopa" de Eduardo Souto ( eq_. C. Carlos Gomes, S. Paulo), o delicioso compositor popular soube com inteligencia tornar indelevelmente portuga êsse maxixe. Na produção paulista abunda:m os maxixes e cateretês. . . italianos. Em Francisco Nazareth não raro a recordação europea deforma as danças e as atraiçoa. Inda cabe notar aqui a monotonia do nosso binario simples. O compositor deverá observar certos binarios compostos, influência portuguesa que permaneceu na música nordestina. O quater- ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 39 nario gaúcho. E as nossas valsas mazurcas e mo dinhas. É na rítmica destas manifestações prin cipahnente que a gente encontra base nacional por onde variar os metros. Em todo caso isso não me parece problema importante não. A propria in venção :inais livre do criador individual lhe dará quando sair do característico popular a variedade metrica que o populario não fornece. Sem ca recer pra isso de despencar pro minuete da "So na tina" de Casella ... MELODIA O problema importante aqui é o da invengão melodica expressiva. O compositor se vê diante dum dilema. (Pelo menos êste dilema já me foi proposto por dois compositores). É êste: O em prêgo da melodica popular ou invenção de temas pastichando ela, fazem o autor empobrecer a ex pressão. Isso principalmente na música de canto em que o compositor devia de respeitar musical mente o que as palavras contam. Os grandes ge nios desde o início da Polifonia vêm pelejando pra tornar a músicapsicologicamente expressiva. Todos os tezouros de expressão musical que nos deram Lasso, Monteverdi, Carissimi, Gluck,Bee thoven, Shumann, Wagner, W olff, Mussorgski, Debussy, Strauss, Pizzetti, Honnegger etc. etc. que se confinaram mais pro lado da expressão musical psicologica, têm que ser abandonados pelo artista brasileiro pra que êle possa fazer música nacional. Ou o compositor faz música nacional e falsifica ou abandona a fôrça expressiva que possui, ou aceita esta e ahandona a característica nacional. 40 MÁRIO DE ANDRADE V amos a ver os aspetos mais importantes da questão: A música popular é psicologicamente inex pressiva 1 Á primeira vista parece. Mas parece justa mente porquê é a mais sabiamente expressiva de .todas as músicas. O problema da expressão musical é vasto por ,demais pra ser discutido aqui. Parece mais acer tado afirmar que a música não possui nenhuma fôrça direta pra ser psicologicamente expressiva. A gente registra os sentimentos por meio ele palavras. As artes da palavra são pois as psico Iogicas por excelencia. E como os sentimentos se refletem no gesto ou determinam os atos as artes elo espaço pelo desenho e pela mimesis coreografi ,ca podem tambem expressar a psicologia com certa verdade. Tomo expressar no sentido de contar •qual é a psicologia sem que ela seja sabida ele .antemão. Pois a música não pode fazer isso. Não pos sui nem o valor intelectual direto da palavra nem o valor objetivo direto do gesto. Os valores dela são diretamente dinamogenicos e sÕ. Valores que criam dentro do corpo estaâos cenestesicos novos. Estas cenestesias sendo provocadas por um ele mento exterior (a música) que é recebido por uma determinação da vontade (pois a gente quis escu tar a -música) são observadas com acuidade parti cúlar e interesse pela consciencia. E a conscien cia tira delas uma porção de conclusões intelectuais riue as palavras batisarn. Rstas conclusões só serão ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 41 exatas si forem conclusões...fisiologicas. Está cer tÕfalãrquê uma música é bonita ou feia porquê certos estados cenestésicos agradam ou desagradam sem possuirem interesse prático imediato ( fome, sêde etc.). O agradavel sem interesse imediato é batisado. com o nome de Belo. O desagradavel com o nome de Feio . Inda estará certo a gente chamar uma música de molenga, violenta, comoda porquê certas elina- mogenfo.s fisi12,!g_gicas amolecem o organismo, regu- larisam o moviménto dele ou o impulsionam. Es tas dinamogenias nos levam pra estados psicologi cos equiparaveis a outros que já tivemos na vida. Isto nos permite chamar um trecho musical de tris tonho, gracioso, elegante, apaixona.do etc. etc. Já com muito de metafora e bastante de convenção. Só até aí chegam as verificações de ordem fisiopsi quica. M�a_l!lúsicA,,JJOSSll!.lUil,,poder dinamogenic,,. rµuito intenso e, por.causa_dele,.fortifica.,e_ac.entua .. e_stados-de-alma s0,7Jjf!,gt L .ilr'<�a,nl.e/mJJ,.o.. E como ª!l . dinamogenias dela não têni significado intelectl!!\I, ·são -místeriosas, o porl<>r sugestivo ,la músiç_a ,; -formidaveL - -· -··-ora oquê que a múRica popular faz dêssc va- lores e poderes 1 É sempre fortemente dinamogP nica. É de dinamogenia sempre agradavel porqní• resulta diretamente, s�enhurna erudição falsi ficadora, sem nenhum individualismo exclusivista, denecessidades gerais humanas inconscientes. E é sempre expressiva porquê nasce__de necessidade� e§se:11_ciais, por assim dizer i(téi'.ess� do ser e vai sendo gradativamente des'j:roj-adnctas aresta� individualistas dela á medida que se torna de todo, 42 MÁRIO DE ANDRADE e anonima. E como o povo é inconsciente, é fata lisado, não pode errar e por isso não confunde umas artes com as outras, a música popular jamais não é a expressão das palavras. N asc;e sempre de estados fi��opsi..q:uic.os gerais de q úeapenas Tambení as palavras nascem. E por isso em vez de ser ex pressiva momento por momento, a música popular cria ambientes gerais, scientificamente exatos,�re-, sultantes fisiologi_cas_d_a gi:a,ça,_ ou. da comodidade, <!ª _alegria ou da tristura. É isso que o compositor tem de fazer tambem. É impossível prá música expressar (contar) o verso: "Tanto era bela no seu rosto a morte". Mas ela pode criar uma cenestesia relativa ao passo do Uruguai. Ambientar musicalmente o ouvinte de forma a permitir pela sugestão da dina mogenia uma perceptilidade mais vivida, mais ge ral, mais fisiopsiquica do poema. Pois esta ambientação não implica liberdade individual nem muito menos ausencia de caracter etnico. Não só dentro de regras e fórmulas estrei tas os genios souberám ambientar os poemas que musicavam, como nenhum deles depois que a mú sica se particularisou em escolas nacionais, deixou de ser nacional. O dilema em que se sentem os compositores brasileiros vem duma falha de cul tura, duma fatalidade de educação e duma igno rancia estetica. .A falha de cultura consiste na desproporção de interesse que temos pela coisa estrangeira e pela coisa nacional. · Essa despro porção nos permite sentir na permanencia do nos so ser mediocridades como Leoncavallo, Massenet ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 43 ou Max Reger ao passo que uma voz de congo ou de catira é um acaso dentro de nós. m .A fata)i: dade de educação_ c_onsiste--no estudo -necessario .. e. quotiiliano dos grandes geniQ§ .e. _da. cultura eu_roc pea.--Issôfaz com que. a gênte adquÍra·as _ nÓrnias . · desta e os �geitos d�q_11e).es.. E a ignorancia esfe tica é que faz a gente imaginar num dilema que na realidade não existe, é uma simples manifestação de vaidade individualista. Mas comonão·-tenho a minima idea de regeitar os direitos de expressão individual inda quero es clarecer um bocado o emprêgo da melodica popular. (I) O problema da sinceridade em arte eu já discuti uma feita em arti• guete de jornal (Diário Nacional, "Ângelo Guida", S. Paulo, 10-XI-1927). Confesso que o considero perfeitamente desimportante. Mas o artista afeiçoado pela tradição e cultura ( que não dependeram da escolha dêk e vêm dos professores e do ramerrão didático) adquiriu um geito natural de escrever e de compor. :m-·ae"põfif.não quer mudar êsse geito porquê é sincero. . . Isso é bobagem. A sinceridade em arte já principia por ser um problema discutibilissimo porém mesmo que· não fôsse, o nosso caso continua desimportante. Além da sinceridade do geito, existe a inteligên cia que atinge convicções novas. Além da sinceridade do hábito existe a sinceridade intelectual. Desde que a gente chega a uma convicção nova, dá um exemplo nobre de sinceridade, contrariando o hábito, o geito já adquirido pra respeitar a convicção nova. O indivíduo. que está convicto de que o Brasil pode e deve ter_ música própria, deve de seguir essa con vieção muito embora ela contrarie aquêle hábito antigo pelo qual O indivíduo inventava temas e músicas via Le.oncavallo-Massenet-Reger. E isso nem é tão difícil como parece. Com poucos anos de trabalho literário de alguns os poetas n�!ES -�parecen_do t_ra_zem_ agoxa _um cu�l;t� t!}F.9.nf_u;ndJ_xeI de Bras_il na poesiã dêle_s. - -oüt:rõ -dfa Urii músico inda "êStUdânte me falavi'i" llâdlfiCüldãdc-VªaSfa (}úêâentia em continuar o estudo da fuga porquê por ter escrito umas poucas obras brasileiras já se acostumara tanto que tudo lhe saía brasilefro da invenção. Nos paisea em que a cultura aparece de emprestado que nem os americanos, tanto os indivíduos como a Arte nacionalisada, têm de passar por tr&s fases: 1.ª a fase da t�se......naciOJl__Jl,l.� _2=�-�•-!ª�e do __ scntimento __ na!'.!i9_nal;_ª.:._1!-_ _ _g_�.!él- ãã. .. -inÕonsciência nacional. · f '\e.._,_,·( i '·'86 -�!l!t�"':última_u.._Artc .culta e .o.in_divíduo culto sentem a"Sinêên.O.iíd8dô 'v") , �JI:lõ.i,��-�Et.!L stncetj.dadc-da-eonvieção coincid_er_Elm. Não_ é riosso '·caso--ahí:d'â. 1 1 Muitos de n6s já estamos sentindo brasileiramente, não tem dúvida, po• .,, °'·' _,_"' �, ·'- ::_ · z. 1 rém o nosso coração se dispersa,nossa .cultura nos atraiçoa, nosso geito l,., �- 1 nos enfraquece. Mas é nobilissimo, demonstra organisação, demonstra ·-,.- (.·, :., caraeter,--.Q_gue põe a vontade como sentinela da_raça e não deixa entrar o_gue é prejudícial. E m��l!l!:n,c, .ª gente_ se sacJ·.i(_i_��;c_por _uma_c_ojs--ª-n!& t�ea,_-y:�d_�lQcn-!�.•-�l_e�n���-�1�nefieiarão �-ª que vierem �ep���- i,; , '-' , l � ,, 44 MÁRIO DE ANDRADE Si de fato o compositor se serve duma melodia ou dum motivo folclorico a obra dele deixa de ser individualistamente expressiva como base de inspi- -. ração. E fica o mesmosio_compositor deliberada m_e)'l;tEJ :}lmõlcla :finveriçãoaos _ proeessos populares nacionais� Isso não tem dúvida. Porêm a base de ;---., '. . .·. --- ' ... , .. ,.· ,., rnspiraçao tem valor minimo ou nenhum diante da obra completa. Basta ver certas harmonisa ções artísticas de cantos populares. Bela Bartok, Luciano Gallet, Gruenberg, Percy Grainger per severam nos seus caracteres individuais, harmoni sando coisas alheias. Até em música de canto o compositor pode e deve se utilisar da melodica popular. E não só empregar diretamente a melodia integral que nem faz frequentemente Luciano Gallet como a modi ficando num ou noutro detalhe (processo comum em Vila�Lobos), ou ainda e:rµpregando frases po pulares em melodia propria (L. Fernandez na "Berceuse da Saudade"). Alem disso existem as peculiaridades, as cons tancias melodicas nacionais que o artista pode em pregar a todo momento pra nacionalisar a invenção. As fórmulas melodicas são mais dificieis de espe cificar que as rítmicas ou harmonicas não tem dúvida. Mas existem porêm e não é possível mais imaginar um compositor que não seja um erudito da arte dele. 4.ficrnar_que.JJJ;nprngªlllos a sí:ncopa oU-a-setima_ahaixa.da_é umapuerilidade. O coní :p9sitor-deve-conl:recer�quais ·são .as_nossas.Jenâeíi� · éia§ __ Jt_constancias...J11elodicas,..._ Aliás a setima abaixada é uma tendencia brasileira de que carece matutar mais sobre a extensão. Isso nos leva pro hipofrigio e as consequencias harmonicas deri- 4 ENSAIO HÔBRB A MÚSICA BRASILEIRA 45 vantes alargam um bocado a obcessão do tonal moderno. E a riqueza dos modos não para aí não. De certas melodias de origem africana achadas no Brasil se colhe uma escala hexacordaL§espr<J:vi,ª� ,de sensivel cujo efeito é interessantíssimo ( ver nos Anais do 5.0 Qongresso Brasileiro de Geografia I.º vol. as melodias colhidas por Manuel Quirino). Este fenomeno é bem frequente. Eduardo Prado no volume sobre o Brasil na Exposição Interna cional de 89 (ed. Delagrave, Paris) registra a observação dum músico francês sobre melodias nossas desprovidas de sensivel. E mesmo neste Ensaio vai co:rnoexemplo disso a yersão paraiba na do "Mulher Rendeira" em que a sensível é evi tada sistematicamente. A melodica das nossas modinhas principal mente, é torturadissima e isso é mna constancia. Na cantiga praceana o brasileiro gosta dos saltos melodicos audaciosos de setima, de oitava (Fran cisca Gonzaga, "Menina Fareira" ·no album de A. Friedenthal) e até de nona que nem no lundú "Yayá, você quer morrer" de Xisto Baía (A Frie denthal, "Stimmen der Volker" vol. 6.0; "Papel e Tinta" n.0 1, S. Paulo). Na 2.ª parte dêste livro é facil de assuntar isso. e Vila-Lobos na "Modinha" (Seresta n.º 5, ed. C . .Artur Napoleão) mostra tarn bem um exemplo cheio de espirito. A inquietação da linha melodica aparece at(> no canto caboclo embora menos frequentemente. Está no "Fotorototó" (L. Gallet "6 Melodias Popu lares", ed. cit.) e no "Boiadeiro" (A. Levy,", "Rap Rodia Brasileira", ed. L. Levy e Irmão). - ---- ---------��--=--- 46 MÁRIO DE ANDRADE Nossa lírica popular demonstra muitas feitas caracter fogueto, serelepe que não tem parada. As frases corrupiam, no geral em progressões com uma esperteza adoravel. Sem que tenha nenhuma seme lhança objetiva, isso nos evoca a alegria das sona tas ·e tocatas do sec. XVIII italiano. É lembrar a "Galhofeira" (ed. Bevilaqua, Rio) de A. Nepo muceno. Dessas progressões melodicas e arabescos tor turados possuímos uma coleção vastíssima. Lou renço Fernandez no actmiravel "Trio Brasileiro" ( ed. Ricordi, Milão) emprega a simples gradação descendente com sons rebatidos: Essà-fórmula esquematica é frequente na nossa música popular e se manifesta tambem numa infi nidade de variações. No "Luar do Sertão", na "Ca bocla do Caxangá", no "Apanhei-te Cavaquinho" de Ernesto N azaret, nas estrofes de muitas peças reve ladas aqui, etc. etc. Nos nossos contrapontos de flautas das orquestrinhas e chôros vem muito dis so. No "Arrojado" de Ernesto Nazaret (ed. Bevi laqua, Rio) a gente percebe logo o caracter flautis tico pelo requebro relumiante do arabesco. Até nas modas caboclas mais simples aparecem com frequencia movimentos dêsses. No arabesco tão comum nelas : J � 1 i ENSAIO SÔBRE A �n;�ICA Hl\At-lLEll\.-\ já surgem embrionarios o salto melodico de terça e os sons rebatidos. As variações são incontaveis. Eis como aparece no "Pierrot" de Marcelo Tupi nambá ( ed. Campassi e Camin S. Paulo) : do "Reboliço" (E. Nazaret, ed. Casa Artur Napo leão), que é mesmo um reboliço do apá virado. E quem não reconhece logo um patrício no requebrado: Outra observação importante é que a nossa melodica afeiçoa as frases descendentes. No subli me "Rasga Coração <·> (Chôros n.0 10 ed. Max Eschig, Paris) se pode falar que tud_o desce._ Comexcepção de arpejos e melismas rap1dos solistas e da frase estupenda em notas rebatidas no pistão, tudo desce impressionantemente <1> . Apropria des caída escalar ( de que um exemplo gostoso está no "Ramirinho" de E. N azaret, ed C. A. Napoleão) inda se especialisa nisso que a maioria das feitas vai parar na mediante (V. o Fandango B de Fort? lel?ia na 2." Parte). Influência de certo da mama ('"") de Villa-Lobos. (1) Se observe eomo no "Batuque" (A. Nepomuceno, "Série Brasileira" n.º 4, ed. C. Artur Napoleão) certa frase repetida s_empre pelas cwordas,aprceenta a síncopa obrigatória em todos tempos, vai em progressao po rém ascendente. Ê uma frase sem caráter, possuindo a retórica nacional mas não possuindo nacionalidade. Uma falsificação nacional. Já porém no Intermédio (n.O 2 da mesma peça), certos arabescos em destacado, descendentes, ( comps. 15 a 18- 1 são bem mais característicos apesar <le não trazerem síncopa. 48 MÁRIO DE ANDRADE de organizar em terças. Embora não seja possível generalisar nós temos uma tal ou qual repugnancia pela fraqueza crua da tónica. É comum a frase pa rar nos outros graus da triade tonal. As quedas prá mediante atingem ás vezes uma audacia deliciosa que nem por exemplo no refrão instrumental do "Tatú subiu no pau" de Eduardo Sot!to (ed. C. Carlos Gomes, S. Paulo). É até curio so de notar que certas frases europeas que nem: � ,. : , lf ; J) n I J 11 em que a gente percebe um modismo bastante por tuga, ficam bem mais brasileirás si a queda termi nar na mediante: Quando eu era piazinho tive um primo fazen deiro qúe cantava uma cantiga sorumbatica nada feia. Caía sempre na mediante : Essa melodia jamais que pude me esquecer dela. Ficou bem gravada na minha malinconia pa ciente. Quadrava bem nos versos, hoje esquecidos, mas que me lembro falavam em quando os meu.� olhos não se abrirem mais. . . Germano Borba mor reu novo. l �· ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA . 49 Será possivel descobrir ainda outras constan cias melodicas porêm isso deixo pros musicos mes mo. Os admiraveis Chôros de Vila-Lobos, pra con juntos instrumentais de camara (v. Chôros n.0 2, ed. C. Artur Napoleão; Chôros n.º 4, ed. Max Eschig), todos são verdadeiros mosaicos de cons tancias e elementos melodicos brasileiros. POLIFONIA O problema da Harmonia não existe propria mente na música nacional. Simplesmente porquê os processos de harmonização sempre ultrapassam as .nacionalidades. Na infinita maioria dos casos a harmonisação acompanhante tem põtrca-ImpoftãnCia namúsica ....JJ.QJlulã.r. E certo que o emprêgo dos mod0se-das' escalas deficientes, sistemas gaelicos, chineses, ame ríndios, 11> africanos, cria necessariamente uma am biencia harmonica especial mesmo quando as peças são monodicas. Em certos casos essa ambiencia pode se tornar característica. Porêm êsse ,:iaracteré_muito pouco nacionali Jlªd.o.r.,porque a música artística não pode se restrin gir aos processos harmonicos populares, pobres por demais. Tem que ser um desenvolvimento erudito deles. Ora êsse desenvolvimento coincidirá fatal mente com a harmonia europea. A não ser que a gente crie um sistema novo de harmonisar, abando nando por completo os processos já existentes na Europa. , Carecia abandonar desde as sinfonias (l) Entre os índios do extremo norte brasileiro a gente encontra sistemas pent&tonicos curiosos como fa-mibemol-re-sibemol-la-fa (Koch Grünberg "Von Roroima zum Orinoco" II,0 vol. ed. Strecker e Schrõder, Estugard). 50 MÁRIO DE ANDR ADE e diafonias pitagoricas, desde ·o conceito do acorde por superposição de terças, e a gerarquia dos graus tonais, desde os cromatismos, alterações, apogiatu ras etc. etc. até as nonas, undecimas, decimastercei ras, a atonalidade e a pluritonalidade dos contempo raneos. Ora isso é um contrassenso porquê uma criação dessas, sem base acustica sem base no po pulario, seria necessariamente falsa e quando mui to individualista. Jamais nacional. E aliás seria possivel uma criação assim que deixasse de já ser europea t Creio que não porquê iria coincidir com a atonalidade e a pluritonalida de modernas. Alem disso mesmo os modos ou as escalas exo ticas, quer aqueles por intermedio dos tons-de igreja, quer · êstes pela rebusca do pitoresco e do novo, já frequentam a harmonização europea abundantissimamente desde o Romantismo e lhe levaram uma liberdade e variedade que ninguem não tira dela mais. A harmonisação europea é vaga e desraçada. Muito menos que raciais, certos processos de har monisação são individuais. Todas as sistematisa ções de harmonisação que nem o cromatismo de 'Pristão, os acordes alterados franckistas, as nonas e undecimas do Debussismo, principiaram com um individuo. Porêm como êste individuo tinha valor e se afirmou, o processo dele foi aproveitado por outros não só do mesmo país como de tôda a parte e num átimo o processo perdeu o caracter nacional que poderia ter. Haja vista a harmonisação de De bussy que fez fortuna até no jazz! E por causa de Schoemberg a gente pode falar que a atonali- ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA· 51 dade é austríaca! E por causa de Tartini serão italianos o maior e o menor modernos 1 É absurdo pretender harmonisação brasileirá pois que nem a Alemanha nem à Italia nem a França com seculos de formação nacional, jamais não tiveram isso e adotaram as quartas e quintas do organo talvez latino e as terças e sextas do falso bordão talvez celtico. Na infinita maioria dos documentos musicais do nosso populario persiste o tonalismo harmonico europeu herdado de Portugal. Nossa harmo:ilisação tem que se sujeitar consequentemente ás leis acusti cas gerais e ás normas de harmonisação da escala temperada. Os processos de enriquecimento dessa concepção harmonica, pluritonalidade, atonalidade, quartos-de-tom, já estão se desenvolvendo e siste matisando na Europa. E mesmo que um processo novo apareça por aqui: é invenção individual, pas sivel de se generalisar universalmente. Não poderá assumir caracter nacional. E si de fato numa ou noutra peça em que ocorra uma escala deficiente africana ou amerín dia, o maior com intervalo de tom da sensivel prá tónica que nos leva pro hipofrigio, ou ainda o tri tom da tónica prá subdominante que nos leva pro hipolidio (ver na 2.' parte o "Pregão do Cego" e o fandango "Não canto por cantá"), si num caso dêsses é possivel criar uma ambiencia harmonica extriivagando do tonalismo europeu ( coisa aliás em que os compositores inda não têm pensado) isso será apenas uma ocorrencia episodica. E aliás quer a gente tome essas manifestações como modos, quer 52 MÁRIO DE ANDRADE como alterações tudo isso já ocorre na harmonisa ção europea tambem ... '1> Onde já os processos de simultaneidade so nora podem assumir maior caracter nacional é -na polifonia. Os contracantos e variações tematicas superpostas empregadas pelos nossos flautistas se resteiros, os baixos melodicos do violão nas modi nhas, a maneira de variar a linha melodica em certas peças, tudo, isso desenvolvido pode produzir sistemas raciais de conceber a polifonia. E de fato já está sendo como a gente vê das "Melodias Po pulares" harmonisadas por Luciano Gallet, das Serestas, Chôros e Cirandas de Vila-Lobos. Numa Sonatina inda inedita desse moço de futuro Mozart Camargo Guarnieri, o Andante vem contrapontado com eficiencia nacional e magnificamente. Em Vila-Lobos a maneira de polifonisar já não é mais o emprêgo direto do processo popular mas uma ilação vasta dele. Si por vezes neste compo sitor o processo se conserva nacionalmente reco nhecivel (Seresta n.º 11, "Redondilha" seresta n.° 6, "Na Paz do Outono" ed. C. Artur Napoleão), si por vezes a genialidade da invenção torna a obra impossivel da gente discutir ( o baixo-obstinado da "Nesta Rua", Ciranda n.° 11) sempre isso contêm o perigo iminente de amolecer, abafar, desvirtuar o caracter nacional da invenção. E é mesmo o que sucedeu algumas feitas. A ilação, a generalisação, (1) Por vêzes no entanto uma ou. outra invenção harmônica se s8rvindo de pro-cessos já eonsµ.grados consegue fortificar a ambiência nacional do trecho. Se observe por exemplo o passo magnífico do Trio Brasileiro (L. Fernandez pg. 16) a que o pedal e o organo imprimem um sabor húmido de :mato quente, extranhamente verde. E se compare essa in• venção earacterisante com a harmonisação lamentável do mesmo tema, absolutamente descaracterisante, feita por Nepomueeno na "Alvorada na Serra" (comp. U a 20, n.0 1, "Suite Brasileira", ed; cit.). ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 53 o desenvolvimento dos processos populares tem de ser feito sempre com muito criterio porquê sinão a peça pode perder o caracter nacional, como é o caso do trio "Serrana", aliás esplendido, de Henri que Osvaldo ( ed. Ricordi, Milão). O problema é bem subtil e merece muito pen samento, muito raciocinio dos nossos artistas. Nada impede por exemplo que os processos de melodia acompanhante que os nossos violeiros empregam sistematicamente no baixo, passe prás outras vozes da polifonia. Esse baixo se m:;tnifesta iis vezes como melodia completa e independente, apenas concor dando harmonicamente com a melodia da vox prin cipalis. É como o conceberam L. Gallet em "Foi numa Noite Calmosa" das J\,lelodias Populares Bra sileiras ( ed. cit.) e Camargo Guarnieri no Andante da Sonatina. Ora são simples elementos melodicos de tranzição ou simples floreios episodicos de enri quecimento. Estes elementos são bem caracteristi cos. E estão muito bem caracterisados na modinha "1.1:eu Coração" de Lourenço Fernandez (ed. Bevi laqua). Nas Cirandinhas n.º 7 "Todo Mundo. Passa" ( ed. C. Artur Napoleão) o caracter infantil com que a peça é concebida me parece que não jus tificava os elementos dêsse genero, meramente con vencionais e descaracterisados que aparecem na primeira parte. Quanto aos processos já europeus de polifoni sação êles são muito perigosos e na maioria das fei tas descaracterisam a melodia brasileira. Ou pelo menos a revestem muito mascaradamente. É o que a gente pode observar no "Sapo Jururú" tratado por Vila-Lobos nas Cirandas n/ 4, "O Cravo bri gou com a Rosa" (-ed. C. Artur Napoleão) e mais li ;li :11 li !, i'l ! 54 MÁRIO DE ANDRADE fortemente ainda na "Puxa o Melão" de Luciano Gallet (Melodias Populares, ed. cit.) na qual a repe tição canonica no acompanhamento, da propria me lodia principal, apesar do brasileirismo incontras tavel desta, assume o aspecto de mera retorica euro pea.
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