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403093356-ENSAIO-SOBRE-A-MU-SICA-BRASILEIRA-pdf

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Prévia do material em texto

O preço deste I ivro só se tornou 
possível devido à participação do 
INL/MEC que, em regime de co­
edição permitiu o aumento da ti­
ragem e consequente redução do 
custo industrial. 
PREÇO: Cr$ 8,00 
• 
"Mário de Andrade já se foi. Grande alma e grande escri­
tor, ( ... ) ninguém com mais preocupação de construir algo 
de novo e de sólido que Mário de Andrade. Lançou-se em 
especial à elaboração e ao emprêgo de uma li11guagem 
exclusivamente brasileira que deu aos seus poemas e aos 
seus romances um tom nativista muito original, sem nenhu­
ma preocupação nacionalista no sentido clássico do têrmo 
( ... ) a sua morte consagrou-o como a figura mais represen­
tativa do modernismo na sua mais pura essência revolucio­
nária, e uma das maiores figuras das nossas letras de todos 
os tempos." 
Alceu Amoroso Lima. 
OdeANDRAD 
ensaio sôbre 
a música brasi eira 
• . 
DADOS BIOGRÁFICOS DE 
MÁRIO DE ANDRADE 
Mário Raul de Morais Andrade, pai ígrafo e musicólogo 
brasileiro, nasceu em São Paulo em 9 de outubro de 1893. 
Fêz seus estudos secundários com os Irmãos Maristas. Diplo­
mou-se em piano no Conservatório ·oramático e Musical da 
capital paulist_a e .. ali foi professor de Estética e História da 
Música. Estreou em livro, em 1917, com Há uma gôta de 
sangue em cada poema, pequena obra enexpressiva, inspirada 
na Primeira Guerra Mundial, válida contudo pela intenção 
pacifista de que estava imbuída. Em 1922 Mário de Andrade 
participou ativamente da Semana de Arte Moderna, realizada 
em São Paulo e que teria influência decisiva na renovação da 
Literatura e das Artes no Brasil. A partir dêsse momento, 
Mário de Andrade se tornou a principal figura do Movimento 
Modernista. 
Seu primeiro livro de feição moderna, Paulicéia Desvaira• 
da, surgiu naquele ano, provocando vívidas polêmicas. A Es· 
crava que não é Isaura, ensaio em que o autor defende a nova 
estética, veio à luz em 1925. Seguiram-se-lhe Losango Cáqui 
poesia, e·Primeiro Andar, contos. em 1926; Clã do Jabuti, 
poesia, e Amar, Verbo Intransitivo, romance, em 1927. e 
Macunalma, em 1928. 
Por essa altura, Mário de Andrade, a par de sua intensa 
atividade literária, exerceu com grande autoridade a crítica de 
música e artes plásticas na imprensa. Em 1930, ao publicar 
Remate de Males, como que inaugurou nova fase em sua 
poesia, que ganha em profundidade o que perde em pitoresco 
e gratuidade. Nome dos mais respeitados entre os intelEfctuais 
da época, dotado de extraordinária capacidade de trabalho, 
aceitou sucessiva e, por vêzes, simultâneamente cargos de 
grande responsabilidade ligados a problemas culturais. Foi 
membro da Comissão incumbida da reforma da'Escola Nacio­
nal de Música e diretor do recém-criado Departamento de 
Cultura da Prefeitua Municipal de São Paulo, onde criou os 
parques infantis (1935). Deve-se-lhe a .lei que organizou o 
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ao ser­
viço do qual efetuou, em 1936, o tombamento dos monu­
mentos históricos paulistas. Fundou, em 1937, a Sociedade 
de Etnografia e Folclore de São Paulo e foi um dos organiza• 
dores do Primeiro Congresso da Língua Nacional Cantada. 
Lecionou Estética na Universidade do Distrito Federal (1938) 
e trabalhou no projeto da Enciclopédia Brasileira, na qual ida• 
de de alto funcionário do Instituto Nacional do Livro. Espíri­
to fecundo e infatigável, escreveu ainda Belazarte, contos, 
publicado em 1934; O Aleijadinho e Álvares de Azevedo, 
ensaio, 1935; Poesias, 1941; O Baile das Quatro Artes e As­
pectos da Literatura Brasileira, ensaios, 1943; O Empalhador 
de Passarinho, ensaio; e Contos Novos, no qual firmou prest í­
glo como mestre no gênero. Com Lira Paulis'tana e O Carro da 
Miséria, vindos à luz postumamente, e num só volume em 
1947, a poesia de Mário de Andrade impregnou-se de preocu• 
pação social, enriquecendo-se de uma nova dimensão. 
Mário de Andrade faleceu em São Paulo em 25 de feverei­
ro de 1945. 
-�- .. -- --- · 
'1 
l
,, 
l...: 
EDICÃO COMEMORATIVA 
DO 50º ANIVERSÁRIO DA 
SEMANA DE ARTE MODERNA 
1922 -1972 
1972 
ano internacional do livro 
l'K]_; OBRAS DE MÁRIO DE ANDRADE
OBRA IMATURA contendo: 
1 - Há uma Gôta de Sangue em cada Poema {poesia). 
2 - Contos. selecionados do Primeiro Andar. 
3 - A Escrava que não é Isaura (poética). 
POESIAS COMPLETAS. 
1 - Paulicéia Desvairada. 
2 - Losango Cáqui. 
3 - Oã do Jabuti. 
4 - Remate de ·Males. 
5 - O Carro da Miséria. 
6 - A Costela do Gtã Cão. 
7 - Livro Azul. 
8 - Lira Paulistana. 
9 - O Café. 
AMAR, VERBO INTRANSITIVO (Romance). 
MACUNAíMA {rapsódia). 
OS CONTOS DE BELAZARTE. 
ENSAIO SOBRE A MÚSICA BRASILEIRA. 
1 - Ensaio sobre a Música Brasileira. 
2 - A Música e a Canção Populares no Brasil. 
MÚSICA, DOCE MÚSICA. 
1 - Música, doce Música (crítica). 
2 - A Expressão Musical nos Estados Unidos. 
PEQUENA HISTÓRIA DA MÚSICA. 
NAMOROS COM A MEDICINA. 
1 - Terapêutica musical. 
2 - A Mediei.na dos E'scretos. 
ASPECTOS DA LITERATURA BRASILEIRA (ensaios literários). 
1 - Aspectos da Literatura Brasileira. 
2 - Amor e Medo. 
3 - O Movimento Modernista. 
4 - Segundo Momento Pernambucano. 
ASPECTOS DA MÚSICA BRASILEIRA (ensaios Musicais). 
1 - Evolução Social da Música no Brasil. 
2 - Os compositores e a Língua Nacional. 
3 - A pronuncia cantada e o Problema do Nasal, pelos Discos. 
4 - O Samba Rural Paulista. 
5 - Cultura Musical. 
ASPECTOS DAS ARTES PLÁSTICAS NO BRASIL. 
1 - O Aleijaclinho. 
2 - Lasar Segall. 
3 - Do Desenho. 
4 - A Capela de Santo Antônio. 
MÚSICA DE FEITIÇARIA NO BRASIL. 
O BAILE DAS QUATRO ARTES (ensaios). 
1 - O Baile das Quatro Artes. 
2 - Arte lnglêsa. 
OS FILHOS DA CANDINHA (crônica). 
PADRE JESUfNO DO MONTE CARMELO. 
CONTOS NOVOS . 
. DANÇAS DRAMÁTICAS DO BRASIL (folclore). 
MODINHAS IMPERIAIS. 
EMPALHADOR DE PASSARINHO (crítica literária). 
ensaio sôbre 
a música brasileira 
& 
( 
Andrade, Mário de, 1893-1945 
A568e Ensaio sobre a mú:Sica brasileira. 3.ed.
São Paulo, Martins; Brasília, INL, 1972. 
IV, 192 p. ilust. 
Bibliografia. 
1. MUsica brasileira 2. Música folcló-
rica brasiJ.eira 3. Música popular - Brasil
I. Brasil. Instituto Nacional do Livro, co-ed.
II. Título.
CCF /CBL/SP-72-0034 CDD: 780. 981 
781. 781
18. 780.420981
CDU: 78(81)
1ndices para catálogo. sistemático ( CDD): 
1. Brasil Música 780. 981 
2. Brasil
3. Brasil·
Música folclórica 781. 781 
Música popular 780 .420981 
(;'i 
i 
i 
ensaio sôbre 
a música brasi eira 
3.ª edição
LIVRARIA MARTINS EDITORAS.A. 
em convênio com o 
INSTITUTO NACIONAL DO LIVRO/MEC 
1972 
ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 
Capa 
LUISDíAZ 
Supervisão Gráfica 
RODOLPHÓ CERASO 
Direitos para esta edição adquiridos pela LIVRARIA MARTINS 
EDITORA S�A., São Paulo, que se reserva a propriedade artística
e literária desta obra. 
NKL,�tn; ooitoa
SEDE - EDIFÍCIO MÁRIO DE ANDRADE 
RUA ROCHA, 274 - SÃO PAULO 
FILIAIS - RIO DE JANEIRO, SALVADOR 
BELO HORIZONTE, LONDRINA 
SUMARIO 
l<�xpli<'.:ição 
1 -·- ENSAJO �ôTIRE A M(•SICA BRASILEIRA 
Primeira Parte - Ensaio sôbre a Música Brasileiro 
:\1:úsica Brasileira ......................... . 
MúsiC'.U popular e Música artística ......... . 
l?itmo .................................. . 
Melodia 
Polifonia 
· · · · · · · · · · · • " ' ' ' º " ' ' ' " ' ' º ' ' '" " ' ' 
. . . . . . . . . . , . . . . . . . · · · · · . . . . . .
. . .
7 
11 
13 
20 
29 
39 
49 
Instrumentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 
Forma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61 
Segunda Parte - Exposição de Melodias Populares 75 
Notas esclarecedoras da grafia musical . . . . . . . . . . 77 
Música socializada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 
Canto Infantil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 
Cantos de trabnlho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 
Danças . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Danças Dramí1tic:c1.s ....................... . 
Canto Religioso ........................... 
Cantigas Militares ........................ . 
Cantigas de Bebida ......... : ............ . 
C-lieos .................................... . 
Músi<'a Individual ............................ . 
·Estribilhos (solistas ou cora.is) ............. . 
'l'oadas ......................... • ... , . • • • 
90 
100 
10:1 
105 
106 
JOB 
121 
123 
127 
Martelos, Desafios, Chulas ..... ; . . . . . . . . . . 138 
Lundús e Modinhas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112 
Pregões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Í 4:1 
Nota final . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151 
11 - A MúSJCA E A CANÇÃO POPULARES NO BRASIL 153 
J<::xplieação ........... • • • • • • • • • • · · · · · · · · · · · · · · 
A M úsiea e a Canção Populares no Brasil ..... . 
I - Instituições Públicas ............... . 
II - Discografia ...................... . 
III - Bibliografia sôbre a Música dos ame 
ríndios do Brasil .................. . 
J V - Bibliografia sôhre a Música Popular 
Brasileirn 
155 
163 
167 
169 
171 
EXPLICAÇÃO 
O "Ensaio sôb1·e a Música Brasileira/' aparece 
neste vol. VI das Obras Completas de Mario de 
A�dra�e, tal co�á na edição de I. ChiC1;ra�o �&Cia., Sao Paulo,�8.. Um exemplar desta ediçno, 
guardado por Mario de Andrade em pasta destina­
da .a.os trabalhos que comporwm o presente volume, 
traz na· fôlha-de-rosto a seguinte nota, escrita a tin­
ta vermelha: "Deve haver por a/4 um outro exern­
plar de trabalho., muito wnotado, encadernado em 
couro vermelho e com páginas em branco no fim, 
para notas. Foi roub(l;{lo da minha biblioteca, em 
1941, naturalmente por um =igo. M. A. VII-42". 
Essa homenagem, que tem tanto de apaixonada 
quanto de desastrosa, impediu pois que Mario de 
Andrade reajustasse o "Ensaio" pará inclusão nas 
suas Obras Completas e que o editor pudesse agora 
tentar atualizar de alguma, forma esta nova edição 
do livro. Sabemos apenas que o "Ensaio" contém. 
um êrro, várias vêzes mencionado por Mario de 
Andrade: ,está complet=ente deturpado o ritmo da 
melodia "Prenda Minha", recolhida por Germana. 
Bittencourt. Embora sem denunciar a fonte do 
êrro, Mario de Andrade deixou escrita uma infor­
mação sôbre o caso, nesta ficha bibliográfica. sôbre 
o "Ensaio", encontrada num exemplar de "A
Música e a Canção Populares no Bra..�il", onde a
incluímos em nota: "Estuda algumas das constân­
cias e tendências rítmicas, tonais, harmônicas, me-
MÁRIO DE ANDRADE 
ló dicas e formais da música popular cantada do 
Brasil. Tem um repositório de 122 melodias po­
pulares, de que um numeroso grupo foi o.olhido 
diretamente da bôca do.� cantadores. As outras f o-
1·am colhidas de pessoas cultas, mas de garantida 
autenticidade e bom conhecimento do canto popu­
lar. Só o documento "Prenda Minhar" é ritmica­
mente falso, e está ritmicaniente certo na harmo­
nização que dessa toada .fêz Ernani Braga (Pren­
da Minha, ed. Ricordi)." 
Oneyda Alvarenga 
A DO"N"A ÜLIVfA GUEDES PEN'l'RADO 
HomE>uagem <lo A11tor 
L
A 
PARTE 
Ensaio sôbre a 
Música Brasileira 
MÚSICA BRASILEIRA 
Até ha pouco a música artistica brasileira 
viveu divorciada da nossa entidade racial. Isso 
tinha mesmo que suceder. A n _iJ&ão brasileira é 
anterior _ á nossa r:i.ç�. A propria--1'.!).ús1ca popülar 
eia-Monarquia não apresenta um!i f�satisfato­
ria. Os elementos que a vinham fórmando se lem­
bravam das bandas de alem, muito puros ainda. 
Eram portugueses e africanos. Inda não eram 
brasileiros não. Si numa ou noutra peça folclo­
rica dos meados do seculo pass(tdo já se delineiam 
os caracteres da música brasileira, é mesmo só com 
os derradeiros tempos do Imperio que êles princi­
piam abundando. Era fatal: Os artistas duma 
raça illdecisa se tornaram indecisos que nem ela. 
O que importa é saber si a obra dêsses artistas 
deve de ser contada como valor nacional. Acho 
incontestavel que sim. Esta verificação até pa­
rece ociosa mas pro me�o moderno brasileiro sei 
que não é. 
Nós, modernos, manifestamos dois defeitos 
grandes : bastante ignorancia e leviandade sistema- -
tisada. Ê comum entre nós a rasteira derrubando 
da jangada nacional não só as obras e autores pas­
sados como até os que atualmente empregam a te­
matica brasileira numa - orquestra europeà ou no 
quarteto de cordas. Não é brasileiro se fala. 
, Ê _ que os modernos, ciosos da curiosidade ex--1 · terior de muitos dos documentos populares nossos, 
confundem o destino dessa coisa séria que é a 
Musica Brasileira com o prazer deles, coisa dile­
tante, individualista e sem importancia nacional 
joaocamillopenna
Realce
14 MÁRIO DE ANDRADE 
nenhuma. O que deveras êles gostam no brasilei­
rismo que exigem a golpes duma crítica aparente­
mente defensora do patrimônio nacional, não é a 
expressão natural e necessaria duma nacionalidade 
não, em vez é o exotismo, o jamais escutado em 
música artistica, sensações fortes,_ya.tapá,-.;j_a_ciaré, 
vitoria-regia. 
Mas uni elemento importante coincide com es­
sa falsificação da entidade brasileira: opinião de 
europeu. ó diletantismo que pede música só nos­
sa está fortificado. pelo que é bem nosso e consegue o aplauso estrangeiro. Ora por mais respeitoso 
que a gente seja da crítica europeia carece verifi­
car duma vez por todas que o sucesso na Europa 
não tem importancia nenhuma prá Musica Brasi­
leira. Aliás . a expansão do internaciorialisado 
Carlos Gomes e a permanencia alem-mar dele pro­
va que a Europa obedece á genialidade e a cultua. 
Mas no caso de Vila-Lobos por exemplo é fácil 
enxergar o coeficiente guassú com que o e�otism.9 
concorreu pro sucesso atual do_ artista. H. Pru­
nieres confessou isso francamente. Ninguem não 
imagine que estou diminuindo o valor de Vila-Lo­
bos não. Pelo contrário: quero aumenta-lo. 
Mesmo antes da JJSeudo-música indigena de agora 
Vila-Lobos era um grande compositor. A gran­
deza dele, a não ser pra uns poucos sobretudo Artur 
Rubinstein e Vera Janacopulos, passava desper­. cebida. Mas bastou que fizesse uma obra extrava­
gando bem do continuado pra conseguir o aplauso. 
Ora por causa do sucesso dos Qito Batutas ou 
do chôro de Romeu Silva, por causa do sucesso ar­
tistico mais individual que nacional de Vila-Lobos, 
só é brasileira a obra que seguir o passo deles� O 
valor normativo de sucessos assim é quasi nulo. A
ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIBA 15 
Europa completada e organisada num estadio de 
civilisação, . campeia el�mentqs._e!lt1.'.1l:!1!t_Qê_P_!:_a S!3_},i­bertar d� __ §ll._:tgElSi:!1ª· Uomo a gente não tem gran­deza social nenhuma que nos imponha ao Velho 
Mun_do, nem filosofica que nem a Asia, nem eco­nonuca que nem a America do Norte, o que a Eu­
ropa tira da gente são elementos de exposição uni­
versal: exotismo divertido. Na música, mesmo o� 
europeus ql!_e__..Yisi:fãm_a_gent_e_J;>erseveram nessa 
procura do exquisito apimentado. Si escutam um 
õatuque brabo mmto que bem, estão gosando po­
rêm si é modinha sem síncopa ou certas ef�sões 
liricas dos tanguinhos de Marcelo Tupinambá Isso
é musica ·italiana! falam de cara enjoada. 'E os 
que são sabidos se metem criticando e aconselhando 
, . 'o que e pengo vasto. Numa toada num acalanto 
num abôio desentocam a cada passo frases fran­
cesas russas escandinavas. Às vêzes especificam 
que é R?ssini, que é Boris. UJ Ora o quê que tem a � usica Brasileira com isso ! Si :AII ilk parece com 
Milch, as palavras deixam de ser uma inglesa outra 
alemã� . O que a gente pode mas é contastar queambas vieram dum tronco só. Ninguem não lem­
t,ra de atacar .ª i�alianidade de Rossini porquê tal frase dele conrnide com outra da opera-comica 
francesa. 
Um dos conselhos europeus que tenho escuta-
do bem é que a gente si quiser fazer música nacio- p '"' \.-. c1,..._
nal tem que campear elementos entre os aboríge-
nes pois que só mesmo êstes é que são legitimàmente v,' \.,,, e,;­
�- Isso é uma puerilidade que inclui ''rv-- 1 ;,», ... ..._ 
ignor:incia dos p7oblemas sociologicos, etnicos psi- o , "'--1---,";1,-., cologicos e esteticos.Uma arte nacional não se h., M, X' )(_
(1) Tôdas estas afirmativas já foram escutadas por mim de estranhos · ,
fazeudo inventá rio do que é nosso.
' 
··· (
"'- L
i "' "- Ir e; v--ll-{ 
joaocamillopenna
Realce
joaocamillopenna
Realce
joaocamillopenna
Realce
joaocamillopenna
Realce
joaocamillopenna
Realce
joaocamillopenna
Realce
' 
16 MÁRIO DE ANDRADE 
faz com escôlha discricionaria e diletante dé ele­
mentos: um
. 
a arte nacional já está feit
.
a n
.
a
.
inco
.
ns-J 4ciencia do povo. O artista tem só q1!�_1a:r pr9s 
-- elementos já existentes uma fraiisposição . erudita 
que_faça da música popular;músicl! !t"rffstfoa,-isto 
é: imedifameiite-desinteressada. O homem . da na-
1-çaoBra�il lioJe, está-mais âfàstado do ameríndio 
que do japonês e do hungaro. O elemento amerín­
dio no populario brasileiro está psicologicamenté 
assimilado e praticamente já é quasi nulo. Brasil 
é uma nação com normas sociais, elementos raciais
e limites geograficos. O ameríndio não participa 
dessas coisas e mesmo parando em nossa terra con­
tinua ameríndio e não brasileiro. O que eviden­
temente não destroi nenhum dos nossos deveres 
pra com êle. Só mesmo depois de termos praticado 
os deveres globais que temos pra com êle ê que 
podemos -exigir dele a prática do dever brasileiro.
J-.t,,•t? 
0f..h
1,
....., \-,,-!h-. 
Si fosse nacional só o que é ameríndio, tam­
bem os ítalianos não podiam empregar o orgão que 
é egípcio, o violino que é arabe, o cantochão que é 
grecoebraico, a polifonia que é nordica, anglosaxo­
nia flamenga e o diabo. Os franceses não podiam 
usar a ópera que é italiana e muito menos a forma­
-de-sonata que é alemã. E como todos os povos da 
Europa são produto de migrações preistoricas se 
conclui que não existe arte europea ... 
Com aplausos inventarios e conselhos dêsses
a gente não tem que se amolar. São fruto de igno­
racia ou de �- Nem aquela nem 
êste não podem servir pra criterio dum julgamen­
to normativo. 
Por isso tudo, Musica Brasileira d_exe--de-signi­
ficar toda música nacional o cria ão uer tenha 
quer não tenha caracter triico. O padre Maurício, 
( /_' . , '·, _' (,. 
' '
/.,.......,_., ,.__,, ,_,.,,_,.,� (! 1 ' \_ " 'f•e>C,r;.-,,\_.' (: "['.- •,,; �,,, 
t - ·-
1-:NRAIO RÔBRE A MÚSIC!A BRASILEIRA lí 
J i::Jalduui, Sclrnmnnnfona são músicas brasileiras. 
Toda opinüio em contrário é perfeitamente covar­
de, antinacional, anticrítica. 
E afirmando _assim não faço mais que seguir 
um criterio universal. As escolas etnicas em mú­
sica são relativamente recentes. Ninguem não lem­
bra de tirar do patrimonio italico Gregorio Magno, 
Marchetto, João Gabrieli ou Palestrina. São ale­
mães J. S. Bach, Haendel e Mozart, tres csniritos 
perfeitamente universais corno formação e �té co­
mo caracter de obra os dois ultimos. A França então 
se apropria de Lulli, Gretry, Meyerbeer, Cesar 
Franck, Honnegger e até Gluck que nem fran­
ceses são. �a obra de José Maurício e mais for­
temente na de Carlos Gomes, Levy, Glauco Velas­
(1uez, Miguez, a gente percebe um não-sei-quê in­
definível, um rúim que não é rúim propriamente, 
? um riíim exrzuisito pra me utilisar duma frase 
,1e �fanuel Bandeira. Êsse não-sei-quê vago mas 
geral é uma__J_2rimeira fatalidade de_raça badalan�­
âo longe. Então na lírica ele N epomuceno, Fran­
éisco Braga, Henrique Osvaldo, Bárroso Neto e 
outros, se percebe nm parentesco psicologico bem 
forte já. Que isso baste prá gente adquirir agora 
já o criterio legítimo de música nacional que deve· 
ter uma nacionalidade evolutiva e livre. 
Mas nesse caso um artista brasileiro .escreven­
do agora em texto alemão sobre assunto chinês, mú­
sica da tal chamada de universal faz música brasi­
leira e é músico brasileiro. Não é não. Por mais 
sublime que seja, não só a obra não é brasileira 
como é antinacional. E socialmente o autor dela 
deixa de nos interessar. Digo mais: por valiosa 
que a obra seja, devemos repudia-la que nem faz a 
Russia com Strawinsky e Kandi�sky. 
joaocamillopenna
Realce
joaocamillopenna
Realce
joaocamillopenna
Realce
Cuvc 'lvi, 
i , �� 
J......,.__, �p.,�c\_, 
e.'., 
1 
-
11\,.' _ •. \ r-· \(V'"'.,�! ·•_t.J 
MÁRIO DE ANDRADE 
O periodo atual do Brasil, especialmente nas 
artes, é o de nacionalisação. Estamos procurando 
conformar a produção humada do país com a rea­
lidade nacional. E é nessa ordem de ideas que 
justifica-se o conceito de Primitivismo aplicado 
ás orientações de agora. É um engano imaginar 
que o primitivismo brasileiro de hoje é estetico. 
Ele é social. Um poeminho humoristico do Pau
Brasil de Osvaldo de Andrade até é muito menos 
primitivista que um capítulo da Estetica da Vida
de Graça Aranha. Porquê êste capítulo está cheio 
de pregação interessada, cheio de idealismo ritual 
e deformatorio, cheio de magia e de medo. O li­
rismo de Osvaldo de Andrade é uma brincadeira 
desabusada. A deformação empregada pelo pau­
lista não ritualisa nada, só destroi pelo ridículo. 
Nas ideias que expõe não tem idealismo nenhum. 
Não tem· magia. Não se confunde com a prática. 
É arte desinteressada; 
Pois toda arte socialmente primitiva que nem 
a nossa, é arte social, tribal, religiosa, comemora­
tiva. É arte de circunstancia. É interessada. 
Toda arte exclusivamen�C.ª-il_ 9:esintere,ssa­
da não tem cabimenwnuma :!'@_e_primitiva, fase 
ãe_constr.ução. É intrinsecamente individualistã. 
É os efeito;-do individualismo artistieo no geral 
são destrutivos. Ora numa fase primitivistie;a, 
o indl.viduo que não siga o ritmo dela é pedregulho
na botina. Si a gente principia matutando so­
bre o valor intriseco do pedregulho e o conceito 
filosofico de justiça, a pedr!I fica no sapato e a 
gente manqueja. "A pedra tem de ser ;i.Q_gada fora". 1 
É uma injustiça feliz, uma inJustiça justa, fruta \ .. de epoca. ' _ 
• 
VO\, Lrv C·�-, h' �) h C.-1 �,\�� � e.,.� o ve, !_ ,--\ te ( i' ( ,{ 
.. � 1 • 
f..,,.. �'---.\\-� \ Í\ S,l"\,-.... )' ,.,,t..'1"'- c,, 
ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 19 
Q criterio a&Y-ª.l de Musica Brasileira deve ser 
�ª.<?_!il()sgficº_ . mas social. . DeTe�ser Íun criterio 
qe combate. A fôrça nova que voluntariamente 
se disperdiça por Ulll motivo que só pode ser indeco-
1;oso ( co�odidad_e p�opria, covardia ou pretensão)e Ullla força antmac10nal e falsificadora. 
E arara. Porquê, imaginemos com senso-co­
mUlll: Si um artista brasileiro sente em si a fôr­
ça do genio, que nem Beethoven e Dante sentiram 
está claro que deve fazer música nacional. Por� 
quê como genio saberá fatalmente encotrar os ele­
mentos essenciais da nacionalidade (Rameau 
We_ber Wagner Mussorgskir Terá pois Ulll valor 
�omal enorme. Sem perder em nada o valor artís­
tico porquê não tem genio por mai�-naêlonâ1 
(Rabel�is G?Yª :V11itman Ocussai) que não seja 
do patrrmomo universal. E si o artista faz parte 
dos 99 por cento dos artistas e reconhece que não 
é genio, então é que deve mesmo de fazer arte 
nacional. Porquê incorporando-se á escola italia­
na ou francesa será apenas mais Ulll na fornada 
ao passo que na escola iniciante será benemerito 
e necessario. Cesar Cui seria ignorado si não fos­
s� o p_apel dele na formação da escola russa. Tu­rma e de importancia universal mirim. Na es­
cola espanhola o nome dele é imprescindivel. Todo 
artista brasileiro que. no momento atual fizer arte 
brasil�ira é =. ser eficiente com valor h=ano. O que flze:r ai:te mt�rn�cional ou estrangeira, si não 
for gemo, e Ulll mutil, Ulll nulo. E é Ullla reve­
rendissima bêsta. 
Assim: estabelecido o criterio transcendente de 
Mus!ca Brasileira que faz a gente com a coragem 
dos mtegros adotar como nacionais a Missa em Si
l -\.., 
20 MÁRIO DE ANDRADE 
JJeuwl e Salvador Ilosli, temos que reconhecer que 
êsse criterio é pelo menos ineficaz pra julgar as 
obras dos atuais menores de quarenta anos. Isso 
é lógico. Porquê se tratava de estabelecer um cri­
tério geral e transcendente si referindo à entidade 
envolutiva brasileira. Mas um critério assim é ine­
ficaz pra julgar qualquer momento historico. Por­
quê transcende dele. E porquê as tendenciashis­
toricas é que dão a forma que as ideas normativas 
revestem. 
O criterio de música brasileira prá atualidade 
deve de -existir em relação á atualidade. A atua­
lidade brasileira se aplica aferradamente a nacio­
nalisar a nossa manifestação. 0oisa que pode ser 
feita e está sendo sem nenhuma xenofobia nem _im-
J
r, 1 , , cp perialismo. O critério histori,·o atual ela J\.lúsic:a 
Wf "" \ Brasileira é o da manifgatação-musicaLq.uc____s�:i 
.,.-.e,,_.�- V"- feita por brasileiro o'u ind.ivid.uo-na<:;ionalisado,re­' 'e 1 _ - ::t'·"""i- flef_f�as_caractg_ristic11s_.mnsicais_claJaça. 
-ti, -�. · :) -- Onde que estas estão� :N" a música popular.1,;1l�-' 
MüSICA POPULAR E MúSICA ARTISTICA 
Pode-se dizer que o populario musical brasi­
leiro é desconhecido atcS de nós mesmo,. \'ivemos 
afirmando que é riquissinio e .bonito. Estú certo. 
Só que me parece mais rico e bonito do que a gente 
imagina. E sobretudo mais complexo. 
Nós conhecemos algumas zonas. Sobretudo 
a carioca por causa elo ._maxixe impresso e por cau­
sa da predominancia expansiva da Cõrte sobre os 
Estados. Da Baía tambem e do nordeste inda a 
gente conhece alguma roisa. E no geral por in­
termedio da Côrte. Do resto: praticamente nada. 
O que Friedenthal r<'gistrou como de Sta. Catarina 
E�SAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 21 
e Paraná sii.o documentos conhecidos pelo menos 
em todo o centro litoraneo do país. E 1un ou outro 
documento esparso da zona gaúcha, matogrossense, 
goiana, caipira, mostra belezas porêm não basta 
pra dar conhecimento dessas zonas. Luciano Gal­
let está dcmostrando já uma orientação menos re­
gionalista e bem mais 1nteligente com os cadernos 
de Melodias Populares Brasileiras ( ed W ehrs e 
Cia. Rio) porêm os trabalhos dele são de ordem 
positivamente artistica, requerendo do cantor e do 
acompanhador cultura que ultrapassa a meia-fôrça. 
E requer o mesmo dos ouvintes. Si muitos dêsses 
trabalhos são magníficos e si a obra folclorica de 
L. Gallet enriquece a produção artística nacional,
é incontestavel que não apresenta possibilidade ck
expansão e suficiencia de documentos pra se tor­
nar crítica e prática. Do que estamos carecendo
imediatamente é dum harmonisado!'...5imples_mas
crítico também, capaz de se cingir á manifestação
popular e representa-la com integridade e efieien­
cia. Cãrecemos dum '1'1ersot, dum Franz Korbay,
dum Moller, dum Coleridge Taylor, dum Stan­
ford, duma Ester Singleton. Harmonisações du­
ma apresentação crítica e refinada mas facil e
absolutamente adstrita á manifestaçii.o popular.
Um dos pontos que provam a riqueza do nosso 
populario Sl'l' maior do que a gente imagina é o 
ritmo. · Seja porquê os - compositores de maxixes 
e cantigas impressas não sabem grafar o que 
executam, sc;ja porquê dão só a síntese essencial dei­
xando as subtilezas prá invençii.o do cantador, o 
c•.erto é qne uma obra executada difere ás vezes 
'--- totalmente do que está escrito. Do famanado 
22 MÁRIO DE ANDRADE 
Pinião pude verificar pelo menos 4 versões rítmi­
cas diferentes, alem de variantes melodicas no 
geral leves: 1.ª a embolada nord(lStina q:u.e..._sm::yiu 
d�_�pro maxixe vulg11:risado-no--carnay1J,l .fa­
tjQç-ª_; 2.ª a versão impressa dêste (ed Wehrs e 
'Cia.) que é quasi uma chatice; 3.ª a maneira com 
que os Turunas de Mauricea o cantam; 4.ª e a 
variante, próxima dessa última, com que o es­
cutei. muito cantado por pessoas do povo. Se 
compare estas três grafias, das quais só as duas 
últimas são legítimas porquê ninguem não canta 
a rµúsica talequal anda impressa. A terceira gra­
fia é a mais rigorosamente exata. Inda assim si 
a gente indicar um senza rigore pro provimento ... 
PINIÃO (verslo impressa ed. C. Wehrs e Cia, Rio). 
Ih ;J I ww1w I n Jj13 íU j J I j I Ll u W7 
P!Jll. io, plnl.lo,pllll .io,01, plntocor.re11 commedodoga.Tti,o· Parlno =•mo nbl. í: e1,11\GJ1 
�,,� l'E 11 fl trtttr1trzr �=Jf1 
_ BbLte11aa& e To. ou I foi C10.111ermelõ.o! 
Piniüo: pinião, ·phüü.o, 
Oi pinto correu com medo rlo gavião 
Por isso mesmo sabiá cantou 
:m bateu asa r '\'oou 
E foi eomer melão! 
PINIÂO (slnteae poastveJ da verslo pepular). 
f�11 1 iil iwu.riJl r IP) .JJJíJ,ru ice r·ru7 
Plat.&11, p!Jll.io, plnl. io, Oi, pinto correu Mm medodop.,.llo Porh•o •umo ■-..bl .á eut111 
;,,� 2 � I'!'' !t.il trd4U W1r •!I 
lla.1t11 t..u. noa Foi eo,. mhl1111e.lio! 
· Pinião, pinião, pi.nião:
Oi, pinto eorre11 1•nm uiedri {lo gavião
Por isso meamo s:ihift c.rmt,111 
Bateu aea voou 
Foi comê ( r) mcJão ! 
ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 23 
PINIÂO (analise prosodrca da versão popular). 
J:se. 
�-- __,... �
., 
......-T-.#ÊiJ�ffiJ h; l"J JA 'W 
Pi.til . i.o,p1.111.i.o.p1.111. i.o. 01._ pl.atour.reueom medodoga..1'1. io Porino 
niesm0u.b1.&- eui.td_ Ba. tn o..so. �oõ_ Foi cu . mi 1;1eli,0? - _ f'01 cu.m� m�!io!_ 
Aliás a terceira grafia que indiquei como 
prosodica pode ser atacada por isso. De fato. 
qualquer cantiga está sugeita a um tal ou qual ad
libitum rítmico devido ás proprias condiçõeg da 
dicção. Porém essas fatalidades da dicção rela­
tivamente á música europea são de deveras .fatali­
dades, não têm valor especifico prá invenção ucm 
efeito da peça. Tambem muito documento brn­
sileiro é assim, principalmente os do cent.ro 
mineiro-paulista e os da zona tapuia. Não falo 
dos sulriograndenses porquê inda não cseutei n<:'­
nhum cantador gaúcho, não sei. JUas o mesmo 
não se dá com as danças cariocas e grande número 
de peças nordestinas. Porq11i'• nc�tns zmia6 os 
cantadores se aproveitando dos ,·,dores prosodieos 
da fala brasileira tiram dela elf'HH•ntos específicos 
essenciais e imprescindíveis de 1·i tmo mnsical. E 
de melodia t ambem. Q§_J11a:::iig_�_i111pressns ,Jt,
Sinhô são no geral banalidades rne!ÕcTicas. ExP­
rjitados, são peças soberbas, �l _1_11�l_f!.<!i_a __ �e __ tnms­
figurando ao ritmo-novo. E quanto ú peça nor­
destina ela se ap-;_�ema nrniias feitas com uma 
rítmica tão subtil que se torna q11asi irnpossivel 
grafar toda a realidade dela. J:>rilwipalmente 
porquê não é apenas proso,li,·a. Os nordestino� 
se utilisam uo cauto dum lnisser 11llrr contín110, 
24 MÁRIO DE ANDRADE 
de fetitos surpreendentes e muitissimas vezes de 
natureza exclusivamente musical. Nada tem de 
prosodico. É pura fantasia duma largueza ás ve­
zes malinconica, ás vezes cornica, ás vezes ardente, 
sem aquela tristurinha paciente que aparece na 
zona caipira. 
Porêm afirmando a grandeza do Nordeste 
musical não desconheço o valor das outras zonas. 
.Alguns dos cantos tapuios, os fandangos paulistas 
de beiramar, os cantos gaúchos isentos de qualquer 
hispanoamericanisnio, expostos na segunda parte 
dêste livro mostram os acasos de ensinamento e 
honiteza que deve reservar uma exploração deta­
lhada do populario. 
[ 
Pelo menos duas lições macotas a segunda 
parte dêste livro dá prá gente : o caracter nacional 
generalisado e a destruição do preconceito da 
síncopa. 
Por mais distintos que sejam os documentos 
regionais, êles manifestam aquele imperativo 
! l etnico pelo qual são facilmente reconhecidos por
' 1 nós. Isso me comove bem. Alem de possuírem 
pois a originalidade. que os diferença dos estra-
nhos, possuem a totalidade racial e são todos pà­
tricios. A músfo.a_popula-r-brasi:l:ei;J,�s 
_qQmpleta,.Jnais__toialmente nacional, mais forte 
criação da nossa raça até agm::a. 
,,- -- ..... -----�-"---
Pois é com a observação inteligente do popu­
lario e aproveitamento dele que a música artística 
se desenvolverá. Mas o artista que se mete num 
trabalho dêsses carece alargar as ideas esteticas 
sinão a obra dele será ineficaz ou até prejudicial. 
Nada pior que um preconreito. Nada melhor que 
ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 25 
um preconceito. Tudo depende da eficaeia do 
: ,reconceito. 
Cabe lembrar mais uma vez aqui do quê é feita 
a música brasileira. Embora chegada no povo a 
uma expressão original e etnica, ela provêm de 
fontes estranhas: a arnerindia em porcentagem pe­
quena; ;i. africana em porcentagem bem ma�or; 
a portuguesa em porcentagem vasta. Alem disso 
a influenciaespanhola, sobretudo a hispanoameri­
cana do Atlantico ( Cuba e Montevideo, habanera 
e tango) foi muito importante. A influência 
europea tambem, não só e principalmente pelas 
danças (valsa polca mazurca shottsh) como na 
formação da modinha. (Il De primeiro a modinha 
de salão foi apenas uma aco:rp.odação mais aguada 
da melodia da segunda metade do. sec. XVIII
europeu. Isso continuou até bem tarde como de­
mostram certas peças populares de Carlos Gomes 
e principalmente Francisca Gonzaga. 
Alem dessas influências já digeridas temos 
que contar as atuais. Principalmente as america­
nas do jazz e ao· tango argentino. Os processos 
do jazz estão se infiltrando no maxixe. Em re­
corte infelizmente não sei de que jornal guardo 
um samba macumbeiro, Aruê de Changô de João 
da Gente que é documento curioso por isso. · E 
tanto mais curioso que os processos polifonicos e 
rítmicos de jazz que estão nele não prejudicam 
em nada o carater da....pJ)Ç_a. É um maxixe legíti­
mo. De certo os antepassados coincidem ... 
(ll Album de música nns Reise i1n Brasilitm, Spix e Martius; a peça 
registrada por Langsdorff na Viagem ao redor do mundo; as peças aôbr
_
e 
Marllia de Dirceu no Cancioneiro Português de Cesar das Neves e Gualdi­
no de Campos (vols. 19, 21, 29, 32, 43, 44, 47 e 50; ed. Cesar Campos e
Cia. Porto); modinhas do padre Maurício e outros no Cancioneiro Fl11-
11i.h1,ense de Mello Morais, etc. 
\ 
26 MÁRIO DE ANDRADE 
Bem mais_ deploravel é a expansão da melodia cho­
rona do tango. E infelizmente não é só em tan­
gos argentinos ... de brasileiros que ela se mani­
festa. Tem uma influência evidente do tango em 
certos compositores que prêtendem estar criando 
( 
a ... Canção Brasileira! Estão nada. Se apro­
veitam da facilidade melodica pra andarem por 
· aí tangaicamente gemendo sexualidades panemas.
Está claro que o artista deve selecionar a 
documentação que -vai-ll1!J. servir de estua:o ou de 
báse. Mas por outro lado nao Ueve cair num 
exclusivismo reacionario que é pelo menos inutil. 
A reação contra o que é estrangeiro deve ser feita 
espertalhonamente pela deformação e adaptação 
dele. Não pela repulsa. 
Si de fato o que já é Qaracteristicamente bra­
sileiro deve nos interessar mals, si é preconceito 
útil preferir sempre o que temos de mais caracte­
rístico: é preconceito prejudicial repudiar como 
estrangeiro o documento não apresentando um grau 
objetivamente reconhecivel de brasilidade. A 
marchinha central dos admiraveis Chôros n.0 5 de 
Vila Lobos (Alma Brasileira ed. Vieira Machado, 
Rio) foi criticada por não ser brasileira. Quero 
só saber porquê. · O artista se utilisou dum ritmo 
e dum tema comu_ns, desenvolvidos dum elemento 
anterior <la peça, tema sem caracter imediatamente 
etnico nenhum, tanto podendo ser brasileiro como 
turco ou francês.. Não vai em nada contra a mu­
sicalidade nacional. Portanto é tambem brasileiro 
não só porquê o pode ser como porquê sendo in­
ventado por brasileiro dentro de peça de carcter 
nacional e não levando a música pra nenhuma 
outra raça, é necessariamente brasileiro. 
l 
ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 27 
E nisto que eu queria chegar: o artista não 
deve ser nem exclusivista nem unilateral. 
Si a gente aceita como um brasileiro só o exces­
sivo ca,8cteristico cai num exotismo que é exotico 
até pra nós. O que faz a riqueza das principais 
escolas europeas é justamente um caracter nacio­
nal incontestavel mas na maioria dos casos inde­
finível porêm. 'l;odo o caracteL-ex.Qflssivo � 
. or ser excessivo é objetivo e exterior em vez de 
psicologico, e perigoso. a iga e se torna faci]: 
mente banal. É uma pobreza. É o caso de Grieg 
e do proprio Albeniz que já fatiga regularmente. 
A obra polifonica de Vittoria é bem espanhola 
sem ter nada de espanholismo. E felizente prá 
Espanha que os trabalhos de Pedrell e autores 
como Joaquim Nin, Halfter, Falla estão alargando 
as possibilidades do tatatá rítmico espanhol. 
O exclusivista brasileiro só mostra que é igno­
rante do fato nacional. O que carece é afeiçoar os 
elementos estranhos ou vagos que-nem fizeram Levy 
com o ritmo de haban():ra do "Tango Brasileiro" 
ou Vila-Lobos com a i:nárchinha dos "Chôros n.0 
5" praquê se tornem nacionais dentro da manifes­
tação nacional. Tambem . si a parte central da 
"Berceuse da Saudade" de Lourenço Fernandez 
(op 55 ed Bevilaqua) constituísse uma obra iso­
lada não tinha por onde senti-la brasileiramente. 
Porêm essa parte se torna nec;essariamente brasi­
leira por causa do que a cerca. 
Mas o característico excessivo é defeituoso 
---
apenas quando virado em norma unica de criação 
ou critica. Ele faz parte dos elementos uteis e 
até, na fase em que estamos, deve de entrar com 
28 MÁRIO DE ANDRADE 
frequencia. Porqitê é por meio dele que a .r;entc
poderá com mais firmeza e rapidez determiniir r 
normalisar os caracteres etnicos permanentes da 
musicalidade brasileira. 
Outro perigo tamanho como o exclusivismo é 
unilateralidade. Já escutei de artista nacional que 
_ a · nossa música tem de ser tirada dos indios.
Outros embirrando com guaraní afirmam que a 
verdadeira música nacional é. . . a africana. 
O mais engraçado é que o maior número manifesta 
antipatia por Portugal. Na verdade a música 
portuguesa é ignorada aqui. Conhecemos um ati­
lho de pecinhas assim-assim e conhecemos por de-
' mais o fado gelatinento de coimbra. Nada a gen­
L te sabe de Marcos Portugal, pouquíssimo de Rui 
Coelho {; nada do populario portuga, no entanto 
bem puro e bom. 
Mas por ignorancia ou não, qualquer reação 
contra Portugal me· parece perfeitamente boba. 
Nós não temos que reagir contra Portugal, temos é 
de não nos importarmos com êle. Não tem o mini­
mo desrespeito nesta frase minha. É uma verifi­
cação de ordem estetica. Si a manifestação bra­
sileira diverge da portuguesa muito que bem, �i 
coincide, si é influência, a gente deve aceitar a 
coincidencia e reconhecer a influência. A qual é ,, 
não podia deixar de ser enorme. E reagir contru 
isso endeusando boróro ou bantú é cair num uni­
lateralismo tão antibrasileiro como a lírica de 
( 
Glauco Velasquez. E aliás é pela ponte lusitana 
\ que a nossa musicalidade se tradicionalisa e justi­'---- fica na cultura: europea. Isso é um bem vasto. É
o que evita que a música brasileira se resuma á
curiosidade esporadica e exotica do tamelang ja-
- 3
ENSAIO SÔBRR A MÚSICA BRASll,füHA 29 
vanês, <lo canto achanti, e outros atrativos delicil)­
sos mas passageiros de exposição universal. 
O que a gente deve mas é aproveitar todos os 
elementos que concorrem prá formação permanente 
da nossa musicalidade etnica. Os elementos 
ameríndios servem sim porquê existe no brasileiro 
uma porcentagem forte de sangue guarani. E o 
documento ameríndio propriedade nossa mancha 
agradavelmente de estranheza e de encanto soturno 
a música da gente. Os elementos africanos servem 
francamente si colhidos no Brasil porquê já estão 
afeiçoados á entidade nacional. Os elementos 
onde a gente percebe uma tal ou qual influência 
portuguesa servem da mesma forma. 
O compositor brasileiro tem de __ se basear quer 
como docl11!1entação quer como -ins�cãoriõ-l'õT-
·-cifore:·--Este, em muitas manifestações caracteris­
·ri.qüissimo, demonstra as fontes donde nasceu. O
compositor por isso não pode ser nem exclusivista
nem unilateral. Si exclusivista se arrisca a fazer
da obra dele um fenomeno falso e falsificador. E
sobretudo facilmente fatigante. Si unilateral, o
artista vira antinacional: faz música ameríndia,
africana, portuga ou europea. Não faz música
brasileira não.
RITMO 
Um. livro como êste não comporta discussão 
de problemas .gerais do ritmo. Basta verificar 
que estamos numa fase de predominancia rítmica. 
Neste capítulo o principal problema pra nós é oâa º
síncopa. 
-
,i, 
:30 MÁRIO DE ANDRADE 
A música brasileira tem na síncopa uma das 
constancias dela porêm não uma obrigatoriedade. 
E mesmo a chamada "síncopa" do nosso popula­
rio é um caso subtil e discutivel. Muitas vezes a 
gente chama de síncopao que não o é. 
O conceito de �/vindo nos dicionarios 
nas artinhas e nos Ü�ros-:-sobre ritmica, é tradicio­
nal e não vejo precisãü" de contraria-lo, está certo. 
O que a gente carece verificar é que êsse conceito 
muitas feitas não corresponde aos movimentos 
ritmicos nossos a que chamamos de síncopa. Me 
parece possível afirmar que se - deu um conflito 
grande entre as nossas tendencia e a ritmica já 
organisada e quadrada que Portugal trouxe da 
-l�·,·v mvilisação europea pra ca. Os amerindios e pos-1\fV 1 • _.e"_ • sivehnente os africanos tambem se manifestavam
,.,-F�' � ,.-: numa ritmica provinda diretamente da prosodia, 
à-,'"'-''" ".· .• :J.Õi:ncidind·o pois em muitas manifestaçoes com a\J 0º"''' .. ritmica di§curs1va de Gregoriano. As frases 
0 "' ' musicais dos indigenas de beiram'.ar conserva-
das por Lery num tempo em que a ritmica medida 
inda não estava arraigada no espirito europeu, sob 
o ponto-de-vista ritmico são verdadeiras frases de
cantochão onde até as distinções aparecem. Muitas
das registrações de Spix e Martins também impli­
cam essa inexistencia de ritmo exclusivamente mu­
sical entre os ameríndios do centro e do norte bra­
sileiro. Mesmo nos tempos de agora os livros
scientificos de mais fé musical que nem os de Koch
Grünberg sobre os. indios do extremo-norte, de
Speiser sobre os da bacia amazonica, de Colbac­
chini sobre o oeste brasileiro reforçam essa noção 
duma · · de canto quasi que exclusivamente 
f�logica entre os in 10s. 
ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 31 
Já não é possível verificar a mesma coisa do 
canto africano pelas melodias que jYianuel Quirino 
registrou na Baía porêm no populario brasileiro 
dos lundús e_ dos batuques impressiona a frequen­
c'iaUe-:fráses cüinpôsfii.s pela repefagão sist!ili:\afica 
dum só valor de tempo bem pequeno (semicolcheia). 
Os nossõs·-artistasreconlieciain õêm isso e quando 
pastichavam o africano, corno é o caso de Gomes 
Cardim no "Nossa gente já está livre ... " (Melo­
dias Populares Brasileiras, Luciano Gallet, ed. 
cit.), usavam e abJ.i,sav:am .. dêssr§ __ processos orat_orios 
----
. -••---a--·-,-___ , ___ • d.e ritmqi. Inda mais: em certas peças reconheci­
das· una:nimemente ou tradicionalmente como de 
proveniencia negra como na "Ma Malia" dêste li­
vro essas frases oratorias aparecem e chegam mes­
mo a <;riar recitativos legítimos (Ver minha nota 
-=::,,.__ sobre o "Lundú do Escravo" em Revista de An-
---- tropofagia n.0 5 S. Paulo). 
Ora êsses processos de rítmica oratoria, des­
provida de valores de tempo musfoãlcõntrastavam 
com a musica portuguesa afeiçoada· ao rnensura­
lisrno tradicidional europeu. Se deu pois na mú-
sica brasileira um conflito entre a rítmica direta- 1,_:) ._ •• t'-mente musical dos portugueses e a prosodica das .... . ., 
1 
; 
músicas ameríndias, tambem constante nos africa- ",�, ' · "'· '--· 
nos aqui. E a gente pode mesmo afirmar que uma /cc,; ,,.,).�, 
rítmica mais livre, sem medição isolada musical 
:,._ .�era mais da nossa tendencia, como provam tantos 
documentos já perfeitamente brasileiros que expo- :·-' •·") / 
nho em seguida a êste Ensaio. Muitos dos cocos, \'·'-""·.,,_·.,, desafios, martelos, toadas, embora se sujeitando 
á quadratura melodica, funcionam como verdadei- "' .'-,:; 
ros recitativos. ·',-.;\ 11' ·
r 
:12 MÁRIO DE ANDRADE 
Ora tt essas influências dispares e a es,;e con­
flito inda aparente o · brasileiro se _acomodou, 
fazendo disso um elemento de expressão musical. 
Não se pode falar diante da multiplicidade e cons­
tancia das subtilezas rítmicas do nosso p.Qpulario 
que estas são apenas os desastres dum conflito 
não. E muito menos que são exclusivamente pro­
sodieas porquê muitas feitas elas até contradizem 
com veemencia a prosodia nossa. O brasileiro se 
acomodando com os eleme:r:itos estranhos e se agei-
tando dentro das proprias tendencias adquiriu um 
geito fantasista de ritmar. E.§z do ritmo uma coi­
sa mais variada mais livre e sobretudo um elefüeil­
tQ_de expressão racial. 
I 
É possível que a síncopa, mais provavelmente 
') importada de Portugal que da Africa (como de 
certo hei-de mostrar num livro futuro) tenha aju­
dado a f0'maç_ãJ:ulaíantasia-ritm�ca_d_Q_EEt�ileiro. 
Porêm não é possível descobrir a função dela em 
muitas das manifestações de rítmica prosodica ou 
fantasista do brasileiro. E não é possível porqui> 
si o som da melodia nasce na chamada parte fraca 
do compasso ou do tempo e se prolonga até uma 
acentuação seguinte, êle não haz nenhuma acen­
tuação. "Pelo contrário: o instrumento acompa­
nhante é que acentua conforme a tradição coreo­
grafica e a teoria. Outras feitas a acentuação 
do canto desorienta de fato a acentuação do com­
passo mas o som não se prolonga porêm. Outras 
feitas ainda, que nem no lindíssimo <:oco paraiba­
no do "Capim da Lagoa" a ocorrem-ia de palavraR 
paroxítonas muito acentuadas nas tesis dos tem­
pos melodicos obrigam o cantador a tornar a sila­
ba atona seguinte, verdadeiramente atona, inexis-
1 
1 
l 
ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 33 
tente. Êsse é um geito muto comum do nosso can­
tador cantar embora já esteja reconhecido que na 
nossa prosodia não existam silabas mudas que nem 
;no português ( entre outros H. Parentes Fortes 
em "Do Criterio Atual de Correção Gramatical", 
Baía 1927). Recebi o "Capim da Lagoa" na gra­
fia mais ou menos legitima: 
'
# 
1 11@ C LW'� 
O cap1mda la. • go.• vi. a.do co.meu 
É obvio que a obcessão da síncopa levava al­
gum sincopadeiro a grafar: 
W'\ 1 fjl Ed'p· 
O tr.plm da I& • gouUdo co .ateu 
Ora pela grafia anterior mais sincera e pela 
experien.cia que tenho do nosso canto popular sei 
que trata-se do que a gente podia prosodicamen­
te grafar assim: 
�-# > "'--> > h, 'í1 lf I E W 'F· 
U c.ipim d• la;. go.11 ,1.a'..du cú. m�u 
Sendo que os sons não acentuados são verda­
deiros nenmas liquescentes. prolongando em silabas 
novas quasi nulas o som acentuado anterior. 
Si pois conforme o conceito tradicional da sín­
copa a gente assunta o nosso populario musical 
constata qUft.ll)J.ÜJ.QB movimento.s-chamados-de-sin­
!)_QP.ados _não _sã_o si11co.QQ. São polirritrnia ou são 
ritmos livres de quem aceita as determinações fi­
siologicas clg arsis e -tiifüjí":Pif:i:ênC.i-g:r:iõra -(§u ·1n: 
:fringe PE ()J�º�!��e:ri!� )_,1.d_o_ut:d:na_dinàmicã ra:r::
34 MÁRIO DE ANDRADE 
sa do compasso. Eis três exemplos de ritmo livre 
que nada têm de sincopa: 
:N" otar no terceiro exemplo a diluição caracte­
rística da síncopa em tercina com acentuação cen­
tral, costume frequentíssimo em nosso geito de 
cantar. Quanto ao processo rítmico de Vila-Lo­
bos, muito comum no artista ("Alma Brasileira", 
"Saudades das Selvas Brasileiras" n.0 2, ed. Max 
Eschig; e-um exemplo magistral na pg. 5 da Seres­
ta n.º 4, "Saudades da Minha Vida" ed .. C. Artur 
Napoleão em que a pseudo síncopa ora se dilui em 
tercina ora traz acentuação mais forte no lugar 
ritual da tesis), tambem se manifesta no populario 
como demonstra o "Canto de Xangô" na segunda 
parte. 
Alem dêstes processos em que se dá acentua­
ção do som, tem out:r:os em que a acentuação não 
aparece. Assim na silaba da em varanda do coco 
"Olê Lioné" (2.ª parte). Este caso, muito cor­
rente pode ser considerado como um .... êrro pro­
vindo da fadiga do cantador que não sustentou o 
som da silaba anterior. Mas não é possivel con­
certar o êrro porquê êle se tornou um processo 
da nossa música, um elemento de expressão já per­
feitamente tradicionalisado e não ocasional. Tam-
ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 35 
bem no fandango "Que Moça Bonita" (2.ª parte) 
aparece outra manifestação dêsse processo, inven­
tando a mudança do · binário pra ternario. Em 
vez de dar em semínimas pontuadas os sons das 
silabas trêla em estrêla o que fazia a cantiga per­
manecer binaria, a tradicionalisação do processo 
encurtou os sons criando a introdução dum ritmo 
novo. Ora tem uma diferença enorme entre a 
fadiga que leva os recrutas cantando a "Canção 
do Voluntário Paulista" a reduzir dois compassos 
quaternários em ternários:�m.g em, �114 OI 
J i 1
1UF
,.alor Wmoe�ubllme... o.Jor Comoi, sublime.,, 
com um efeito que saindo provavelmente da fadiga, 
até por vezes torna a peça mais fatigante qne nem 
no fandango citado. 
E é curioso essas liberdades aparecerem até nas 
peças dançadas. Porém a habilidade do cantado1· 
no fim da estrofe ou ela parte faz a acentuação do 
compasso acabar coincidindo ele novo com o passo 
dos dançarinos. Já no "Que Moça Bonita" os 5 
compassos terna.rios podem continuar batidos em 
bina.rio porquê acabam coincidindo com a acentua­
ção dêste quando volta. O mesmo se dá com o 
admiravel "Tenho um Vestido Xovo'' (2.ª parte) 
em que os dois ternarios de cada estrofe e refrão 
figuram como tres binarios pro dançador e no fim 
dá tudo certo. 
Isto mesmo sueecle com certas cantigas apa­
rentemente sincopadas. Em várias da segunda 
parte do livro, especialmente no "Meu Pai Cajuê" 
n g-rnic Yrri1'ir·a <jllr o movimt'nto o qne faz {, se-
. , \· �. I I J ·l " ,1\,.; 1.~-.c...___,_. ,,,ft,L,,-.(\._ .......... .J �C..-, �/V l(',\..,,_._,L,..,) ,:-s l._ \ ... /_,,.,v✓'
(J l ..) / C •� 
;',�e,·{�'- \'·"'"�:'A.�I� •�'i
"' 
&oR�l�,,;�,,i-,,,,�"l ,l,
( . ' ' .. , ., . , \ ') t_.,, �\...("'"rni . '- .,ii"]'A···-� Cu ·· \,._'·'-�--: '- � �-: h ,.:__J,,.., , ..... :.,. guir livremente contanto que dê certo no fim. O 
cantador aceita a medida ritmica justa sob todos 
os pontos-de-vista a que a gente chama de Tempo 
mas despreza a medida injusta (puro IJreconceito , -----�'º" -· J.�---=•-�---·> 
teorico as mais das Lezes) chama_dà....9gnz.p_asso. E 
pela adição de tempos,.!_alequal fi�am os gregos 
-� ..!!�-Elªravilhos:1_ �riação •. ntm,c.si. .. Cfa!�s, e não po'r
subdivfsãõ' que nem fizeram os europeus ocidentais 
com o compasso, o cantador vai seguindo livremen­
te, inventando movimentos essencialmente melodi­
cos (alguns antiprosodicos até) sem nenhum dos 
�ementos dinamogenicos da síncopa e só apareu­
temente sincopados, até que num certo ponto (no 
geral fim da estrofe ou refrão) coincide de novo 
com o metro (no sentido grego da palavra) que 
pra êle não provêm duma teorisação mas é .. d�-es­
sencia puramente fisiologica. Coreografica até. 
Sãoii'[õ:"vfüieiito:S:]Tvres-defêri:ninados IJela fadiga. 
-- --�-···----------São movimentos livres desenvolvidos . da fadiga. 
'sãÕ-moviiiÍEÍntos ]ivr�s-especiffoos -dã mõlezã'âã 
r'prÕsodia brasileira. São ... mov.imenfos.Jiriiê. Il�,9: 
· âceiífüãdo�,Y> · Sãó movimentos livres acentuados
por fantasia musical, virtuosidade pura, ou por 
precisão prosodica. Nada têm com o conceito tra­
dicional da síncopa e com o efeito contratempado 
dela. Criam um compromisso subtil entre o � 
tativo e o canto estrofico. São movimentos livres 
�oxnaram:s_e es�jJicof,,,,,dâ_músi� {l) Nossos eompositores, l�\·ttdos 1wln preconceito da síncopa-a<'-'!11to, têm a mania. de acentua!.J!ld.o_q��l' sincopa. Pois nossa música po­pular já atingiu m'lllto rhaior vo.riedadeesübtileza que isso, deixando muitas feitas de centuar o som apa.r1•tiJo em parte fraca e prolongando uté a tesis seguinte do compasso ou do tempo. Os compositores se tor­naram por isso muito mais pobres e primários que a arte popular, a qual por seu lado se eleva a ponto àl• equiparar com o apogeu da ritmi�J .®g.a--quando os artisla1:1 virtiwsístit·n� dl' !:í ri•tirar:un da ritmw:. tl bu· 1.,•cum tlo 3l'.lrnto. 
_,.... �,_.,. {j -� .r ; ' '-'"-\ ;...,.._A, \.t., C... t.J_,,...,_ N -t. , .,-.( ,. { �.', ' , , , " •- ·� L-.:i 
.· '.\,_.,.__, ' 
1 
\ 
ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 37 
Isso é uma riqueza com possibilidades enormes 
de aproveitamento. Si o compositor brasileiro po­
de empregar a síncopa, constancia nossa, pode 
principalmente empregar movimentos melodicos 
aparen_ti,�e s1ncopadOs,· pO,i:�ni..'â.fü;proyid2_��11-e 
aéento, respeitosos aapfosod� ou musicalmente 
riiiitâsistas, Jivresae remeleixo maxixeiro, movi­
mentos emfim inteiramente pra fora do compasso 
ou do ritmo em que a peça vai. Efeitos que alem 
de requintados podem, que nem no populario, se 
tornar maravilhosamente expressivos e bonitos .. 
Mas isso depende do que o compositor tiver pra 
nos contar ... 
Tal como é empregada na música popular não 
temos que discutir o valor da sincopa. É inutil 
discutir uma fo.rALJ!Ção inconsciente. Em todo ca- 'S,
c 
'�'-' \'·' 
, n 
so afirmo que tal como é real{sado na execução e � 1;-n,�L 
não como está grafado no populario impresso, o c21 ; •, ,., ... -,.
sincopado brasileiro é rico. ,9. que carece_p_QÍlL<i,,' . 1 
que o músico artista assunte b�.!]1 .. ª. re_l!füla_d_e }l.a -· , __ � 
·execução pop11Ja.:r.f_ 1J,,l, .. e.seJ1,J!_QlY1J .... Mais uma fei-
tã"1embrÕ ·vilà�Lobos. É principalmente na obra 
dele que a gente encontra já uma variedade maior· 
de sincopado. E sobretudo o desenvolvimento da 
manifestação popular. Isso me parece importan-
te. Si de fato agora que é periodo de formação � 
devemos empregar com frequencia e abuso o ele- L /, 1 mento direto fornecido pelo folclore, carece que ' '! )'í 
a gente não esqueça que música artistica não é e+- f,_, 1, ,,._ il
fenome_l!Q,,.P.QPUlar po_r:êm-aêsenvolvimento_dêsfe. e," \ r '.'
"\
'., 
1
j
:
O compositor tem pra empregar não só o sinco- . , ' / 
pado rico que o populario fornece como pode tirar ·'. '9'--s, � !í ·
ilações disso. E nesse caso a síncopa do povo se- d.e,
... 
./ 
tornará uma fonte de riqueza. 
· 
�º \ (,,.(}_:��, .,
: -18 MÁRIO DE ANDRADE 
Si a música astistica se confinar ás manifes­
tações restritas da sfiicõpa do populario impresso 
(sincopa central no primeiro tempo do dois-por­
quatro; antecipações sincopadas em finais de fra­
se; frases com síncopas centrais em todos os tem-· 
pos) teremos uma pobreza abominável. Abominável 
porquê se estereotipa logo, cai no fácil, no conhecido 
e no excessivo característico. Sincopas assim podem 
ser gostosas um tempo, e podem ser necessarias 
pra unanimisar o remeleixo corporal dos dança­
dores mas, ver os intervalos aumentados arabes, 
ver o instrumento regional, ver a harmonisação 
de Grieg: se banalisam com facilidade pela propria 
circunstancia de serem caracteristicas por demais. 
B com a banalidade fadiga vem. 
E será tambem uma pobreza si ,se tornar 
obrigatória. A síncopa é uma das constancias po­
rêm não é constante nem imprescindível não. Pos­
suímos milietas de documentos folcloricos em que 
não tem nem sombra de sincopado. Mesmo a segun­
da parte dêste livro demonstra isso bem. E tem uma 
infinidade de síncopas que não são brasileiras. 
Por bem sincopadas que sejam as "Saudades da 
Cachopa" de Eduardo Souto ( eq_. C. Carlos Gomes, 
S. Paulo), o delicioso compositor popular soube
com inteligencia tornar indelevelmente portuga
êsse maxixe. Na produção paulista abunda:m os
maxixes e cateretês. . . italianos. Em Francisco
Nazareth não raro a recordação europea deforma
as danças e as atraiçoa.
Inda cabe notar aqui a monotonia do nosso 
binario simples. O compositor deverá observar 
certos binarios compostos, influência portuguesa 
que permaneceu na música nordestina. O quater-
ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 39 
nario gaúcho. E as nossas valsas mazurcas e mo­
dinhas. É na rítmica destas manifestações prin­
cipahnente que a gente encontra base nacional por 
onde variar os metros. Em todo caso isso não me 
parece problema importante não. A propria in­
venção :inais livre do criador individual lhe dará 
quando sair do característico popular a variedade 
metrica que o populario não fornece. Sem ca­
recer pra isso de despencar pro minuete da "So­
na tina" de Casella ... 
MELODIA 
O problema importante aqui é o da invengão 
melodica expressiva. O compositor se vê diante 
dum dilema. (Pelo menos êste dilema já me foi 
proposto por dois compositores). É êste: O em­
prêgo da melodica popular ou invenção de temas 
pastichando ela, fazem o autor empobrecer a ex­
pressão. Isso principalmente na música de canto 
em que o compositor devia de respeitar musical­
mente o que as palavras contam. Os grandes ge­
nios desde o início da Polifonia vêm pelejando 
pra tornar a músicapsicologicamente expressiva. 
Todos os tezouros de expressão musical que nos 
deram Lasso, Monteverdi, Carissimi, Gluck,Bee­
thoven, Shumann, Wagner, W olff, Mussorgski, 
Debussy, Strauss, Pizzetti, Honnegger etc. etc. que 
se confinaram mais pro lado da expressão musical 
psicologica, têm que ser abandonados pelo artista 
brasileiro pra que êle possa fazer música nacional. 
Ou o compositor faz música nacional e falsifica ou 
abandona a fôrça expressiva que possui, ou aceita 
esta e ahandona a característica nacional. 
40 MÁRIO DE ANDRADE 
V amos a ver os aspetos mais importantes da 
questão: 
A música popular é psicologicamente inex­
pressiva 1
Á primeira vista parece. Mas parece justa­
mente porquê é a mais sabiamente expressiva de 
.todas as músicas. 
O problema da expressão musical é vasto por 
,demais pra ser discutido aqui. Parece mais acer­
tado afirmar que a música não possui nenhuma 
fôrça direta pra ser psicologicamente expressiva. 
A gente registra os sentimentos por meio ele 
palavras. As artes da palavra são pois as psico­
Iogicas por excelencia. E como os sentimentos se 
refletem no gesto ou determinam os atos as artes 
elo espaço pelo desenho e pela mimesis coreografi­
,ca podem tambem expressar a psicologia com certa 
verdade. Tomo expressar no sentido de contar 
•qual é a psicologia sem que ela seja sabida ele
.antemão.
Pois a música não pode fazer isso. Não pos­
sui nem o valor intelectual direto da palavra nem 
o valor objetivo direto do gesto. Os valores dela
são diretamente dinamogenicos e sÕ. Valores que
criam dentro do corpo estaâos cenestesicos novos.
Estas cenestesias sendo provocadas por um ele­
mento exterior (a música) que é recebido por uma
determinação da vontade (pois a gente quis escu­
tar a -música) são observadas com acuidade parti­
cúlar e interesse pela consciencia. E a conscien­
cia tira delas uma porção de conclusões intelectuais
riue as palavras batisarn. Rstas conclusões só serão
ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 41 
exatas si forem conclusões...fisiologicas. Está cer­
tÕfalãrquê uma música é bonita ou feia porquê 
certos estados cenestésicos agradam ou desagradam 
sem possuirem interesse prático imediato ( fome, 
sêde etc.). O agradavel sem interesse imediato é 
batisado. com o nome de Belo. O desagradavel com 
o nome de Feio .
Inda estará certo a gente chamar uma música 
de molenga, violenta, comoda porquê certas elina-
mogenfo.s fisi12,!g_gicas amolecem o organismo, regu-
larisam o moviménto dele ou o impulsionam. Es­
tas dinamogenias nos levam pra estados psicologi­
cos equiparaveis a outros que já tivemos na vida. 
Isto nos permite chamar um trecho musical de tris­
tonho, gracioso, elegante, apaixona.do etc. etc. Já 
com muito de metafora e bastante de convenção. 
Só até aí chegam as verificações de ordem fisiopsi­
quica. 
M�a_l!lúsicA,,JJOSSll!.lUil,,poder dinamogenic,,. 
rµuito intenso e, por.causa_dele,.fortifica.,e_ac.entua .. 
e_stados-de-alma s0,7Jjf!,gt
L
.ilr'<�a,nl.e/mJJ,.o.. E como ª!l .
dinamogenias dela não têni significado intelectl!!\I, 
·são -místeriosas, o porl<>r sugestivo ,la músiç_a ,;
-formidaveL -
-· -··-ora oquê que a múRica popular faz dêssc va-
lores e poderes 1 É sempre fortemente dinamogP­
nica. É de dinamogenia sempre agradavel porqní•
resulta diretamente, s�enhurna erudição falsi­
ficadora, sem nenhum individualismo exclusivista,
denecessidades gerais humanas inconscientes. E
é sempre expressiva porquê nasce__de necessidade�
e§se:11_ciais, por assim dizer i(téi'.ess� do ser e
vai sendo gradativamente des'j:roj-adnctas aresta�
individualistas dela á medida que se torna de todo,
42 MÁRIO DE ANDRADE 
e anonima. E como o povo é inconsciente, é fata­
lisado, não pode errar e por isso não confunde 
umas artes com as outras, a música popular jamais 
não é a expressão das palavras. N asc;e sempre de 
estados fi��opsi..q:uic.os gerais de q úeapenas Tambení
as palavras nascem. E por isso em vez de ser ex­
pressiva momento por momento, a música popular 
cria ambientes gerais, scientificamente exatos,�re-, 
sultantes fisiologi_cas_d_a gi:a,ça,_ ou. da comodidade, 
<!ª _alegria ou da tristura. 
É isso que o compositor tem de fazer tambem. 
É impossível prá música expressar (contar) 
o verso:
"Tanto era bela no seu rosto a morte". 
Mas ela pode criar uma cenestesia relativa ao 
passo do Uruguai. Ambientar musicalmente o 
ouvinte de forma a permitir pela sugestão da dina­
mogenia uma perceptilidade mais vivida, mais ge­
ral, mais fisiopsiquica do poema. 
Pois esta ambientação não implica liberdade 
individual nem muito menos ausencia de caracter 
etnico. Não só dentro de regras e fórmulas estrei­
tas os genios souberám ambientar os poemas que 
musicavam, como nenhum deles depois que a mú­
sica se particularisou em escolas nacionais, deixou 
de ser nacional. O dilema em que se sentem os 
compositores brasileiros vem duma falha de cul­
tura, duma fatalidade de educação e duma igno­
rancia estetica. .A falha de cultura consiste na 
desproporção de interesse que temos pela coisa 
estrangeira e pela coisa nacional. · Essa despro­
porção nos permite sentir na permanencia do nos­
so ser mediocridades como Leoncavallo, Massenet 
ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 43 
ou Max Reger ao passo que uma voz de congo ou 
de catira é um acaso dentro de nós. m .A fata)i: 
dade de educação_ c_onsiste--no estudo -necessario .. e. 
quotiiliano dos grandes geniQ§ .e. _da. cultura eu_roc 
pea.--Issôfaz com que. a gênte adquÍra·as _ nÓrnias . 
· desta e os �geitos d�q_11e).es.. E a ignorancia esfe­
tica é que faz a gente imaginar num dilema que na
realidade não existe, é uma simples manifestação
de vaidade individualista.
Mas comonão·-tenho a minima idea de regeitar
os direitos de expressão individual inda quero es­
clarecer um bocado o emprêgo da melodica popular.
(I) O problema da sinceridade em arte eu já discuti uma feita em arti•
guete de jornal (Diário Nacional, "Ângelo Guida", S. Paulo, 10-XI-1927).
Confesso que o considero perfeitamente desimportante. Mas o artista
afeiçoado pela tradição e cultura ( que não dependeram da escolha dêk
e vêm dos professores e do ramerrão didático) adquiriu um geito natural 
de escrever e de compor. :m-·ae"põfif.não quer mudar êsse geito porquê é 
sincero. . . Isso é bobagem. A sinceridade em arte já principia por ser 
um problema discutibilissimo porém mesmo que· não fôsse, o nosso caso 
continua desimportante. Além da sinceridade do geito, existe a inteligên­
cia que atinge convicções novas. Além da sinceridade do hábito existe a 
sinceridade intelectual. Desde que a gente chega a uma convicção nova, 
dá um exemplo nobre de sinceridade, contrariando o hábito, o geito já 
adquirido pra respeitar a convicção nova. O indivíduo. que está convicto 
de que o Brasil pode e deve ter_ música própria, deve de seguir essa con­
vieção muito embora ela contrarie aquêle hábito antigo pelo qual O indiví­duo inventava temas e músicas via Le.oncavallo-Massenet-Reger. E isso
nem é tão difícil como parece. Com poucos anos de trabalho literário de 
alguns os poetas n�!ES -�parecen_do t_ra_zem_ agoxa _um cu�l;t� t!}F.9.nf_u;ndJ_xeI 
de Bras_il na poesiã dêle_s. - -oüt:rõ -dfa Urii músico inda "êStUdânte me falavi'i" 
llâdlfiCüldãdc-VªaSfa (}úêâentia em continuar o estudo da fuga porquê por 
ter escrito umas poucas obras brasileiras já se acostumara tanto que tudo 
lhe saía brasilefro da invenção. Nos paisea em que a cultura aparece de emprestado que nem os americanos, tanto os indivíduos como a Arte 
nacionalisada, têm de passar por tr&s fases: 1.ª a fase da t�se......naciOJl__Jl,l.� 
_2=�-�•-!ª�e do __ scntimento __ na!'.!i9_nal;_ª.:._1!-_ _ _g_�.!él- ãã. .. -inÕonsciência nacional. · f '\e.._,_,·( i '·'86 -�!l!t�"':última_u.._Artc .culta e .o.in_divíduo culto sentem a"Sinêên.O.iíd8dô 'v") , �JI:lõ.i,��-�Et.!L stncetj.dadc-da-eonvieção coincid_er_Elm. Não_ é riosso '·caso--ahí:d'â. 1 1 Muitos de n6s já estamos sentindo brasileiramente, não tem dúvida, po• .,, °'·' _,_"' �, ·'- ::_ · z. 1 rém o nosso coração se dispersa,nossa .cultura nos atraiçoa, nosso geito l,., �- 1 
nos enfraquece. Mas é nobilissimo, demonstra organisação, demonstra ·-,.- (.·, :.,
caraeter,--.Q_gue põe a vontade como sentinela da_raça e não deixa entrar o_gue é prejudícial. E m��l!l!:n,c, .ª gente_ se sacJ·.i(_i_��;c_por _uma_c_ojs--ª-n!& 
t�ea,_-y:�d_�lQcn-!�.•-�l_e�n���-�1�nefieiarão �-ª que vierem �ep���- i,; , '-' , l � 
,, 
44 MÁRIO DE ANDRADE 
Si de fato o compositor se serve duma melodia 
ou dum motivo folclorico a obra dele deixa de ser 
individualistamente expressiva como base de inspi-
-. ração. E fica o mesmosio_compositor deliberada­
m_e)'l;tEJ :}lmõlcla :finveriçãoaos _ proeessos populares 
nacionais� Isso não tem dúvida. Porêm a base de 
;---., '. . .·. --- ' ... , .. ,.· ,., rnspiraçao tem valor minimo ou nenhum diante 
da obra completa. Basta ver certas harmonisa­
ções artísticas de cantos populares. Bela Bartok, 
Luciano Gallet, Gruenberg, Percy Grainger per­
severam nos seus caracteres individuais, harmoni­
sando coisas alheias. 
Até em música de canto o compositor pode e 
deve se utilisar da melodica popular. E não só 
empregar diretamente a melodia integral que nem 
faz frequentemente Luciano Gallet como a modi­
ficando num ou noutro detalhe (processo comum 
em Vila�Lobos), ou ainda e:rµpregando frases po­
pulares em melodia propria (L. Fernandez na 
"Berceuse da Saudade"). 
Alem disso existem as peculiaridades, as cons­
tancias melodicas nacionais que o artista pode em­
pregar a todo momento pra nacionalisar a invenção. 
As fórmulas melodicas são mais dificieis de espe­
cificar que as rítmicas ou harmonicas não tem 
dúvida. Mas existem porêm e não é possível mais 
imaginar um compositor que não seja um erudito 
da arte dele. 4.ficrnar_que.JJJ;nprngªlllos a sí:ncopa 
oU-a-setima_ahaixa.da_é umapuerilidade. O coní­
:p9sitor-deve-conl:recer�quais ·são .as_nossas.Jenâeíi� 
· éia§ __ Jt_constancias...J11elodicas,..._ Aliás a setima
abaixada é uma tendencia brasileira de que carece
matutar mais sobre a extensão. Isso nos leva pro
hipofrigio e as consequencias harmonicas deri-
4 
ENSAIO HÔBRB A MÚSICA BRASILEIRA 45 
vantes alargam um bocado a obcessão do tonal 
moderno. 
E a riqueza dos modos não para aí não. De 
certas melodias de origem africana achadas no 
Brasil se colhe uma escala hexacordaL§espr<J:vi,ª� 
,de sensivel cujo efeito é interessantíssimo ( ver nos 
Anais do 5.0 Qongresso Brasileiro de Geografia 
I.º vol. as melodias colhidas por Manuel Quirino).
Este fenomeno é bem frequente. Eduardo Prado
no volume sobre o Brasil na Exposição Interna­
cional de 89 (ed. Delagrave, Paris) registra a
observação dum músico francês sobre melodias
nossas desprovidas de sensivel. E mesmo neste
Ensaio vai co:rnoexemplo disso a yersão paraiba­
na do "Mulher Rendeira" em que a sensível é evi­
tada sistematicamente.
A melodica das nossas modinhas principal­
mente, é torturadissima e isso é mna constancia. 
Na cantiga praceana o brasileiro gosta dos saltos 
melodicos audaciosos de setima, de oitava (Fran­
cisca Gonzaga, "Menina Fareira" ·no album de 
A. Friedenthal) e até de nona que nem no lundú
"Yayá, você quer morrer" de Xisto Baía (A Frie­
denthal, "Stimmen der Volker" vol. 6.0; "Papel e
Tinta" n.0 1, S. Paulo). Na 2.ª parte dêste livro é
facil de assuntar isso. e Vila-Lobos na "Modinha"
(Seresta n.º 5, ed. C . .Artur Napoleão) mostra tarn­
bem um exemplo cheio de espirito.
A inquietação da linha melodica aparece at(> 
no canto caboclo embora menos frequentemente. 
Está no "Fotorototó" (L. Gallet "6 Melodias Popu­
lares", ed. cit.) e no "Boiadeiro" (A. Levy,", "Rap­
Rodia Brasileira", ed. L. Levy e Irmão). 
- ---- ---------��--=---
46 MÁRIO DE ANDRADE 
Nossa lírica popular demonstra muitas feitas 
caracter fogueto, serelepe que não tem parada. As 
frases corrupiam, no geral em progressões com uma 
esperteza adoravel. Sem que tenha nenhuma seme­
lhança objetiva, isso nos evoca a alegria das sona­
tas ·e tocatas do sec. XVIII italiano. É lembrar a 
"Galhofeira" (ed. Bevilaqua, Rio) de A. Nepo­
muceno. 
Dessas progressões melodicas e arabescos tor­
turados possuímos uma coleção vastíssima. Lou­
renço Fernandez no actmiravel "Trio Brasileiro" 
( ed. Ricordi, Milão) emprega a simples gradação 
descendente com sons rebatidos: 
Essà-fórmula esquematica é frequente na nossa 
música popular e se manifesta tambem numa infi­
nidade de variações. No "Luar do Sertão", na "Ca­
bocla do Caxangá", no "Apanhei-te Cavaquinho" de 
Ernesto N azaret, nas estrofes de muitas peças reve­
ladas aqui, etc. etc. Nos nossos contrapontos de 
flautas das orquestrinhas e chôros vem muito dis­
so. No "Arrojado" de Ernesto Nazaret (ed. Bevi­
laqua, Rio) a gente percebe logo o caracter flautis­
tico pelo requebro relumiante do arabesco. 
Até nas modas caboclas mais simples aparecem 
com frequencia movimentos dêsses. No arabesco 
tão comum nelas : 
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ENSAIO SÔBRE A �n;�ICA Hl\At-lLEll\.-\ 
já surgem embrionarios o salto melodico de terça e 
os sons rebatidos. As variações são incontaveis. 
Eis como aparece no "Pierrot" de Marcelo Tupi­
nambá ( ed. Campassi e Camin S. Paulo) : 
do "Reboliço" (E. Nazaret, ed. Casa Artur Napo­
leão), que é mesmo um reboliço do apá virado. 
E quem não reconhece logo um patrício no 
requebrado: 
Outra observação importante é que a nossa 
melodica afeiçoa as frases descendentes. No subli­
me "Rasga Coração <·> (Chôros n.0 10 ed. Max 
Eschig, Paris) se pode falar que tud_o desce._ Comexcepção de arpejos e melismas rap1dos solistas e 
da frase estupenda em notas rebatidas no pistão, 
tudo desce impressionantemente <1> . Apropria des­
caída escalar ( de que um exemplo gostoso está no 
"Ramirinho" de E. N azaret, ed C. A. Napoleão) 
inda se especialisa nisso que a maioria das feitas 
vai parar na mediante (V. o Fandango B de Fort?­
lel?ia na 2." Parte). Influência de certo da mama 
('"") de Villa-Lobos. 
(1) Se observe eomo no "Batuque" (A. Nepomuceno, "Série Brasileira"
n.º 4, ed. C. Artur Napoleão) certa frase repetida s_empre pelas cwordas,aprceenta a síncopa obrigatória em todos tempos, vai em progressao po­
rém ascendente. Ê uma frase sem caráter, possuindo a retórica nacional 
mas não possuindo nacionalidade. Uma falsificação nacional. Já porém 
no Intermédio (n.O 2 da mesma peça), certos arabescos em destacado, 
descendentes, ( comps. 15 a 18- 1 são bem mais característicos apesar <le 
não trazerem síncopa. 
48 MÁRIO DE ANDRADE 
de organizar em terças. Embora não seja possível 
generalisar nós temos uma tal ou qual repugnancia 
pela fraqueza crua da tónica. É comum a frase pa­
rar nos outros graus da triade tonal. 
As quedas prá mediante atingem ás vezes uma 
audacia deliciosa que nem por exemplo no refrão 
instrumental do "Tatú subiu no pau" de Eduardo 
Sot!to (ed. C. Carlos Gomes, S. Paulo). É até curio­
so de notar que certas frases europeas que nem: 
� ,. : , lf ; J) n I J 11
em que a gente percebe um modismo bastante por­
tuga, ficam bem mais brasileirás si a queda termi­
nar na mediante: 
Quando eu era piazinho tive um primo fazen­
deiro qúe cantava uma cantiga sorumbatica nada 
feia. Caía sempre na mediante : 
Essa melodia jamais que pude me esquecer 
dela. Ficou bem gravada na minha malinconia pa­
ciente. Quadrava bem nos versos, hoje esquecidos, 
mas que me lembro falavam em quando os meu.�
olhos não se abrirem mais. . . Germano Borba mor­
reu novo. 
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ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA . 49 
Será possivel descobrir ainda outras constan­
cias melodicas porêm isso deixo pros musicos mes­
mo. Os admiraveis Chôros de Vila-Lobos, pra con­
juntos instrumentais de camara (v. Chôros n.0 2, 
ed. C. Artur Napoleão; Chôros n.º 4, ed. Max 
Eschig), todos são verdadeiros mosaicos de cons­
tancias e elementos melodicos brasileiros. 
POLIFONIA 
O problema da Harmonia não existe propria­
mente na música nacional. Simplesmente porquê 
os processos de harmonização sempre ultrapassam 
as .nacionalidades. 
Na infinita maioria dos casos a harmonisação 
acompanhante tem põtrca-ImpoftãnCia namúsica 
....JJ.QJlulã.r. E certo que o emprêgo dos mod0se-das' 
escalas deficientes, sistemas gaelicos, chineses, ame­
ríndios, 11> africanos, cria necessariamente uma am­
biencia harmonica especial mesmo quando as peças 
são monodicas. Em certos casos essa ambiencia 
pode se tornar característica. 
Porêm êsse ,:iaracteré_muito pouco nacionali­
Jlªd.o.r.,porque a música artística não pode se restrin­
gir aos processos harmonicos populares, pobres por 
demais. Tem que ser um desenvolvimento erudito 
deles. Ora êsse desenvolvimento coincidirá fatal­
mente com a harmonia europea. A não ser que a 
gente crie um sistema novo de harmonisar, abando­
nando por completo os processos já existentes na 
Europa. , Carecia abandonar desde as sinfonias 
(l) Entre os índios do extremo norte brasileiro a gente encontra sistemas
pent&tonicos curiosos como fa-mibemol-re-sibemol-la-fa (Koch Grünberg
"Von Roroima zum Orinoco" II,0 vol. ed. Strecker e Schrõder, Estugard).
50 MÁRIO DE ANDR ADE 
e diafonias pitagoricas, desde ·o conceito do acorde 
por superposição de terças, e a gerarquia dos graus 
tonais, desde os cromatismos, alterações, apogiatu­
ras etc. etc. até as nonas, undecimas, decimastercei­
ras, a atonalidade e a pluritonalidade dos contempo­
raneos. Ora isso é um contrassenso porquê uma 
criação dessas, sem base acustica sem base no po­
pulario, seria necessariamente falsa e quando mui­
to individualista. Jamais nacional. 
E aliás seria possivel uma criação assim que 
deixasse de já ser europea t Creio que não porquê 
iria coincidir com a atonalidade e a pluritonalida­
de modernas. 
Alem disso mesmo os modos ou as escalas exo­
ticas, quer aqueles por intermedio dos tons-de­
igreja, quer · êstes pela rebusca do pitoresco 
e do novo, já frequentam a harmonização europea 
abundantissimamente desde o Romantismo e lhe 
levaram uma liberdade e variedade que ninguem 
não tira dela mais. 
A harmonisação europea é vaga e desraçada. 
Muito menos que raciais, certos processos de har­
monisação são individuais. Todas as sistematisa­
ções de harmonisação que nem o cromatismo de 
'Pristão, os acordes alterados franckistas, as nonas 
e undecimas do Debussismo, principiaram com um 
individuo. Porêm como êste individuo tinha valor 
e se afirmou, o processo dele foi aproveitado por 
outros não só do mesmo país como de tôda a parte e 
num átimo o processo perdeu o caracter nacional 
que poderia ter. Haja vista a harmonisação de De­
bussy que fez fortuna até no jazz! E por causa 
de Schoemberg a gente pode falar que a atonali-
ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA· 51 
dade é austríaca! E por causa de Tartini serão 
italianos o maior e o menor modernos 1
É absurdo pretender harmonisação brasileirá 
pois que nem a Alemanha nem à Italia nem a 
França com seculos de formação nacional, jamais 
não tiveram isso e adotaram as quartas e quintas do 
organo talvez latino e as terças e sextas do falso­
bordão talvez celtico. 
Na infinita maioria dos documentos musicais 
do nosso populario persiste o tonalismo harmonico 
europeu herdado de Portugal. Nossa harmo:ilisação 
tem que se sujeitar consequentemente ás leis acusti­
cas gerais e ás normas de harmonisação da escala 
temperada. Os processos de enriquecimento dessa 
concepção harmonica, pluritonalidade, atonalidade, 
quartos-de-tom, já estão se desenvolvendo e siste­
matisando na Europa. E mesmo que um processo 
novo apareça por aqui: é invenção individual, pas­
sivel de se generalisar universalmente. Não poderá 
assumir caracter nacional. 
E si de fato numa ou noutra peça em que 
ocorra uma escala deficiente africana ou amerín­
dia, o maior com intervalo de tom da sensivel prá 
tónica que nos leva pro hipofrigio, ou ainda o tri­
tom da tónica prá subdominante que nos leva pro 
hipolidio (ver na 2.' parte o "Pregão do Cego" e o 
fandango "Não canto por cantá"), si num caso 
dêsses é possivel criar uma ambiencia harmonica 
extriivagando do tonalismo europeu ( coisa aliás em 
que os compositores inda não têm pensado) isso 
será apenas uma ocorrencia episodica. E aliás quer 
a gente tome essas manifestações como modos, quer 
52 MÁRIO DE ANDRADE 
como alterações tudo isso já ocorre na harmonisa­
ção europea tambem ... '1> 
Onde já os processos de simultaneidade so­
nora podem assumir maior caracter nacional é -na 
polifonia. Os contracantos e variações tematicas 
superpostas empregadas pelos nossos flautistas se­
resteiros, os baixos melodicos do violão nas modi­
nhas, a maneira de variar a linha melodica em 
certas peças, tudo, isso desenvolvido pode produzir 
sistemas raciais de conceber a polifonia. E de fato 
já está sendo como a gente vê das "Melodias Po­
pulares" harmonisadas por Luciano Gallet, das 
Serestas, Chôros e Cirandas de Vila-Lobos. Numa 
Sonatina inda inedita desse moço de futuro Mozart 
Camargo Guarnieri, o Andante vem contrapontado 
com eficiencia nacional e magnificamente. 
Em Vila-Lobos a maneira de polifonisar já não 
é mais o emprêgo direto do processo popular mas 
uma ilação vasta dele. Si por vezes neste compo­
sitor o processo se conserva nacionalmente reco­
nhecivel (Seresta n.º 11, "Redondilha" seresta n.° 6, 
"Na Paz do Outono" ed. C. Artur Napoleão), si 
por vezes a genialidade da invenção torna a obra 
impossivel da gente discutir ( o baixo-obstinado da 
"Nesta Rua", Ciranda n.° 11) sempre isso contêm 
o perigo iminente de amolecer, abafar, desvirtuar o
caracter nacional da invenção. E é mesmo o que
sucedeu algumas feitas. A ilação, a generalisação,
(1) Por vêzes no entanto uma ou. outra invenção harmônica se s8rvindo
de pro-cessos já eonsµ.grados consegue fortificar a ambiência nacional do
trecho. Se observe por exemplo o passo magnífico do Trio Brasileiro
(L. Fernandez pg. 16) a que o pedal e o organo imprimem um sabor
húmido de :mato quente, extranhamente verde. E se compare essa in•
venção earacterisante com a harmonisação lamentável do mesmo tema,
absolutamente descaracterisante, feita por Nepomueeno na "Alvorada
na Serra" (comp. U a 20, n.0 1, "Suite Brasileira", ed; cit.). 
ENSAIO SÔBRE A MÚSICA BRASILEIRA 53 
o desenvolvimento dos processos populares tem de
ser feito sempre com muito criterio porquê sinão
a peça pode perder o caracter nacional, como é o
caso do trio "Serrana", aliás esplendido, de Henri­
que Osvaldo ( ed. Ricordi, Milão).
O problema é bem subtil e merece muito pen­
samento, muito raciocinio dos nossos artistas. Nada 
impede por exemplo que os processos de melodia 
acompanhante que os nossos violeiros empregam 
sistematicamente no baixo, passe prás outras vozes 
da polifonia. Esse baixo se m:;tnifesta iis vezes como 
melodia completa e independente, apenas concor­
dando harmonicamente com a melodia da vox prin­
cipalis. É como o conceberam L. Gallet em "Foi 
numa Noite Calmosa" das J\,lelodias Populares Bra­
sileiras ( ed. cit.) e Camargo Guarnieri no Andante 
da Sonatina. Ora são simples elementos melodicos 
de tranzição ou simples floreios episodicos de enri­
quecimento. Estes elementos são bem caracteristi­
cos. E estão muito bem caracterisados na modinha 
"1.1:eu Coração" de Lourenço Fernandez (ed. Bevi­
laqua). Nas Cirandinhas n.º 7 "Todo Mundo. 
Passa" ( ed. C. Artur Napoleão) o caracter infantil 
com que a peça é concebida me parece que não jus­
tificava os elementos dêsse genero, meramente con­
vencionais e descaracterisados que aparecem na 
primeira parte. 
Quanto aos processos já europeus de polifoni­
sação êles são muito perigosos e na maioria das fei­
tas descaracterisam a melodia brasileira. Ou pelo 
menos a revestem muito mascaradamente. É o que 
a gente pode observar no "Sapo Jururú" tratado 
por Vila-Lobos nas Cirandas n/ 4, "O Cravo bri­
gou com a Rosa" (-ed. C. Artur Napoleão) e mais 
li 
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54 MÁRIO DE ANDRADE 
fortemente ainda na "Puxa o Melão" de Luciano 
Gallet (Melodias Populares, ed. cit.) na qual a repe­
tição canonica no acompanhamento, da propria me­
lodia principal, apesar do brasileirismo incontras­
tavel desta, assume o aspecto de mera retorica euro­
pea.

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