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Profª Ludmila. Mannarino Página 60 REPARO TECIDUAL O reparo é o processo esperado após uma lesão em que há uma perda de grande número de células resultante de um processo inflamatório, do infarto tecidual e até mesmo da hemorragia, com o objetivo de restaurar a função normal do tecido afetado. Dependendo de fatores como a natureza e extensão da lesão, o tipo de tecido afetado, além da genética individual e presença de outras doenças, a restauração da função pode ser diminuída, anormal ou até mesmo perdida. Em algumas situações, mesmo um dano tecidual sendo pequeno pode ocorrer uma fibrose extensa e danificar ou não permitir a restauração da função. Para entendermos melhor como o reparo ocorre, devemos relembrar a constituição do tecido, que é de células parenquimatosas (que exercem a função referente ao local, como o hepatócito no fígado) e de um estroma, onde são encontrados os vasos sanguíneos e linfáticos, a inervação e o tecido conjuntivo (conectivo). O tecido conjuntivo é formado por células e pela matriz extracelular, cuja constituição e o padrão funcional podem variar de acordo com o tipo de tecido conjuntivo (fibroso, elástico, cartilaginoso, ósseo e adiposo). Portanto, o reparo depende da interação entre as células, entre estas e a matriz extracelular, e dos mediadores químicos que são secretados pelas células lesadas, inflamatórias e endoteliais, sendo um processo coordenado. Representação da pele, mostrando o parênquima e o estroma. http://es.slideshare.net/luisepacheco/epitelio-dibujos-de-atlas O reparo consiste no preenchimento da área afetada, e pode ocorrer de duas formas: Regeneração. Quando as células parenquimatosas é que são afetadas, e o estroma (principalmente a membrana basal) é mantido íntegro, fazendo com que o reparo ocorra à custa dos tipos celulares perdidos, recuperando a estrutura e função normais. Cicatrização. Quando a estrutura mais afetada é o estroma, o reparo ocorre predominantemente pelo tecido conjuntivo, caracterizando uma regeneração atípica, onde pode ocorrer a formação de cicatriz fibrosa. Profª Ludmila. Mannarino Página 61 Representação da diferença entre regeneração e cicatrização Robins & Cotran - Bases Patológicas das Doenças Além da extensão da área afetada, outro fator determinante em relação à qual tipo de processo vai ocorrer, está relacionado à capacidade de multiplicação celular. Com base nesse critério, as células são classificadas em lábeis, estáveis e permanentes. As lábeis são aquelas cuja multiplicação faz parte de sua fisiologia, e ocorre nos tecidos que se renovam constantemente, como os de revestimento (pele, por exemplo), túbulos seminíferos, hematopoiéticos. Assim, se a membrana basal for mantida íntegra, o processo esperado é a regeneração. As estáveis são as células que param de multiplicar quando atingem a sua diferenciação, mas a capacidade de divisão é mantida, e quando estimuladas são capazes de realizar mitose e repor as células perdidas. Estas são a maioria das células parenquimatosas, incluindo os hepatócitos, as células tubulares renais e as células endoteliais, além das células do tecido conjuntivo. Nas lesões parenquimatosas em que a membrana basal é mantida íntegra, o reparo esperado é a regeneração. As permanentes são células que perdem definitivamente a capacidade de realizar a mitose, e não se dividem mesmo quando estimuladas, e são os neurônios e as musculares estriadas (principalmente as cardíacas). No caso de morte dos neurônios, o espaço será preenchido pelas células gliais (tecido conjuntivo nervoso) e dos músculos cardíacos, por cicatriz fibrosa. Profª Ludmila. Mannarino Página 62 Fases didáticas do reparo De uma forma geral, podemos dividir didaticamente o reparo em fases (baseando-se em uma ferida na pele, com o processo de cicatrização): limpeza, retração, tecido de granulação e reepitelização. Essas etapas são coordenadas e praticamente presentes desde o início do processo, sendo uma mais evidente que a outra, de acordo com a evolução da lesão, e o tecido de granulação é a fase proeminente na cicatrização. Apesar da referencia ser a pele, o processo é basicamente o mesmo em todos os tecidos. 1. Limpeza Em consequência da lesão são liberados os mediadores inflamatórios, que desencadeiam a inflamação aguda, com objetivo de circunscrever a área afetada e remover as células mortas e o fator de agressão (quando presente). O exudato fibrinoso resultará na formação da crosta ("casquinha"), pois o fibrinogênio exudado, no tecido, sofre polimerização e forma a fibrina, que em contato com o ar resseca e forma a crosta. Esta crosta, na evolução do reparo, tem como função conter a hemorragia, proteger a ferida de contaminação externa. Caso a inflamação persista, tornando-se crônica por não ter sido realizada a limpeza, o processo de reparo não será concluído. 2. Retração Nessa fase, os miofibroblastos (do tecido conjuntivo) se proliferam e formam um arcabouço de células contráteis, que são responsáveis em reduzir o tamanho da ferida em até 50-70%, por aproximar as bordas da lesão. A aproximação das bordas é de suma importância, pois a reepitelização ocorre das bordas para o centro da lesão, e quanto mais próximas estiverem, menor será a proliferação do tecido conjuntivo. 3. Tecido de granulação Esse tecido é transitório no processo de reparo tecidual, sedo característico do processo de cicatrização, e responsável por preencher a área lesionada. O tecido de granulação é formado pelo estroma, sendo inicialmente abundante de matriz extracelular edemaciada, e é caracterizado pelo processo de angiogênese (formação de novos vasos). A formação de novos capilares é fundamental, pois a circulação sanguínea é responsável em levar até o local os elementos necessários para que o reparo possa ocorrer. Os capilares recém- formados são frágeis (o que faz com que esse tecido sangre com facilidade), permeáveis em excesso (o que auxilia no acúmulo de água no estroma - edema) e se dirigem para superfície da lesão (o que dá o aspecto granulado do tecido). O predomínio de ácido hialurônico na matriz favorece o aspecto edemaciado do tecido de granulação. Profª Ludmila. Mannarino Página 63 Posteriormente inicia um processo de remodelagem do tecido de granulação, onde o estroma torna-se mais denso. A quantidade de ácido hialurônico diminui e de fibras de colágeno aumentam, os capilares tornam-se menos proeminentes (e vão desaparecendo até manterem-se apenas os normais do tecido) e a reorganização das terminações nervosas também são tardias. Assim, conforme as fibras de colágeno se organizam, ocorre a mudança do aspecto do tecido de um padrão frouxo para um mais compacto. Normalmente, durante a remodelagem, a cobertura da ferida já está completa, pelo processo de reepitelização. 4. Reepitelização O crescimento do epitélio está presente desde o início da lesão, e ocorre da borda da ferida para o centro, inclusive por baixo da crosta, até desloca-la. Quanto mais distantes forem as bordas, mais demorada é a reepitelização. Quando esta fase está completa, o processo de reparo está concluído. Quando as lesões são de pequena extensão, sem comprometimento da membrana basal, em tecidos capazes de repor células parenquimatosas, essa é a fase predominante, e não ocorre a formação de tecido de granulação, tendo em vista o estroma não ter sido afetado, sendo então o processo ás custas de regeneração. Cicatrização por intenção Quando as bordas da ferida estão próximas, a formaçãode tecido de granulação é menos intensa e a reepitelização da ferida é rápida, caracterizando uma cicatrização de primeira intenção. Cicatrização de primeira intenção http://143.107.206.201/restauradora/laser/Luciana/fibroblasto.html Quando as bordas estão afastadas, a formação do tecido de granulação é mais intensa, para manter o preenchimento do defeito, e a reepitelização é mais lenta, sendo portando um processo de segunda intenção. Cicatrização de segunda intenção Profª Ludmila. Mannarino Página 64 http://143.107.206.201/restauradora/laser/Luciana/fibroblasto.html Tipos de reparo De acordo com o que apresentamos, podemos concluir que, de uma forma geral, o reparo pode ocorrer das seguintes formas: Reparo com regeneração. Quando apenas as células parenquimatosas são afetadas, sem danos na membrana basal, as células são repostas e o tecido retorna a sua arquitetura e função normais. Reparo com certo grau de regeneração. Ocorre comprometimento do estroma, e o processo ocorre dependente do tecido conjuntivo, e mesmo ocorrendo a reposição das células parenquimatosas, a estrutura e função do tecido estão prejudicadas, sendo esta uma regeneração atípica. É o que ocorre no fígado quando a estrutura lobular é afetada (com destruição da membrana basal), os hepatócitos proliferam, mas não conseguem se organizar, então podemos dizer que ocorreu uma cicatrização com regeneração nodular dos hepatócitos (cirrose). Outro exemplo é o que ocorre em revestimento glandular, que durante o processo de reposição de células ocorre o preenchimento com epitélio simples ou pavimentoso. Em ambas as situações ocorrem reposição de células parenquimatosas, mas o tecido não retorna a sua arquitetura e função. Representação do reparo com certo grau de regeneração no fígado (Cirrose) https://www.google.com.br/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwiBzeizq b_OAhWJkJAKHczXAckQjRwIBw&url=http%3A%2F%2Fwww.fisioterapiaparatodos.com%2Fp%2Fsintomas%2Fascite- barriga-d-agua%2F&bvm=bv.129422649,d.Y2I&psig=AFQjCNEwAZ04jH- vNmkwON0AM4Gyz05wdw&ust=1471209612906930 A aproximação das bordas de ferida (sutura), seja acidental ou cirúrgica, tem como objetivo favorecer o processo por primeira intenção. Profª Ludmila. Mannarino Página 65 Reparo com cicatriz fibrosa. Ocorre em processos extensos com reparo de segunda intenção ou em tecidos de células permanentes, em que, durante a remodelagem, as fibras de colágeno ficam retidas no tecido fibroso, e no caso da pele formam uma cicatriz proeminente. Reparo com cicatriz fibrosa https://www.google.com.br/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwjThNG9 pr_OAhWFgJAKHRB7DyEQjRwIBw&url=http%3A%2F%2Fforum.noticiasnaturais.com%2FTopico-rem%25C3%25A9dio- caseiro-para-cicatriz&bvm=bv.129422649,d.Y2I&psig=AFQjCNHUWULikwW_E21R2hCFAyNSL- cZrw&ust=1471208902494767 Fatores que interferem no reparo São condições que interferem no reparo, podendo ser fatores locais ou gerais. Dentre os fatores gerais podemos destacar o estado nutricional, o estresse, a idade e doenças sistêmicas. Estado nutricional. Um bom estado nutricional irá fornecer os nutrientes necessários para defesa contra infecções e produção de um novo tecido. Por exemplo, a síntese de proteínas envolvidas, sejam enzimas, colágeno, anticorpos e hormônios; oferta de vitaminas, como a vitamina C que participa da organização e fortalecimento do colágeno (cuja deficiência causa o escorbuto, com cicatrização defeituosa) e oferta de zinco que é um importante cofator enzimático. Estresse. Sobre esta condição, a produção de corticoides está aumentada, e este hormônio é um modulador de resposta inflamatória e imune, logo, se em excesso, pode prejudicar a produção de mediadores químicos importantes nessas respostas orgânicas. Idade. É sabido que em crianças e adultos jovens o processo é mais rápido devido a maior capacidade de proliferação celular, e vai ficando mais lento com o avançar da idade. Doenças sistêmicas. Onde podemos destacar a diabete melito, onde os indivíduos são mais propensos às infecções, além das microangiopatias (que prejudicam a circulação local) e do excesso de glicose nos tecidos (que prejudica a coordenação dos eventos). Profª Ludmila. Mannarino Página 66 Como fatores locais, temos a presença da crosta que só deve ser removida sobre intervenção cuidadosa, pois ela é uma estrutura de proteção contra sangramentos (que prolongam a cicatrização) e infecções. A presença de corpos estranhos e a contaminação por bioagentes (infecção) prolongam a inflamação e também retardam o processo cicatricial. Uma boa vascularização (perfusão) é fundamental para chegada das células inflamatória e nutrientes ao local, dando suporte à inflamação e ao reparo, tanto que feridas com bordas desvitalizadas (consequência de comprometimento vascular) devem ter as células mortas removidas (debridação), para favorecer o reparo. Reparo prejudicado O reparo pode ser prejudicado em qualquer uma de suas etapas, seja na limpeza, no preenchimento e na recuperação da área afetada. As complicações mais comuns no reparo são: Ulceras. Apresentam-se como lesões abertas na pele e mucosas, o que favorece a contaminação por microrganismos, com aspecto circunscrito e profundo, e são formadas em consequência de baixa perfusão no local da lesão, o que retarda o reparo. Como exemplo, temos as úlceras gástricas como complicação de gastrites. Representação de úlcera gástrica https://www.google.com.br/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwjk g4jEqr_OAhWFhZAKHYwUAAMQjRwIBw&url=http%3A%2F%2Fmelhorcomsaude.com%2Ftratamento-natural- ulceras- estomago%2F&bvm=bv.129422649,d.Y2I&psig=AFQjCNGCAov05h4hNp7el1NUekUjqTlfMQ&ust=1471209989257 904 Deiscência. É o rompimento ou abertura da ferida em consequência de uma matriz extracelular frágil e um colágeno ineficiente, o que predispõe à infecção secundária. É uma complicação que pode ocorrer em linhas de sutura e locais em que ocorre estresse mecânico. Deiscência de sutura no abdome https://www.google.com.br/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&sourc e=images&cd=&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwilh9f5rr_OAhXHTJ AKHSBADBQQjRwIBw&url=https%3A%2F%2Fwww.youtube.com% 2Fwatch%3Fv%3DNV6X- mUgCRM&bvm=bv.129422649,d.Y2I&psig=AFQjCNHbQb9mHuyCF 0hG-WGdPNp5xiPrvA&ust=1471210936553544 Profª Ludmila. Mannarino Página 67 Quelóide. São formações resultantes de produção excessiva de colágeno, formando cicatrizes hipertróficas que ultrapassam a área da lesão e que não regridem ou o faz muito lentamente, sendo um reparo ineficiente (as cicatrizes hipertróficas ficam limitadas à área da lesão e regridem com o tempo, diferente do quelóide). É frequente em indivíduos jovens negros ou amarelos. Quelóide em cicatriz pós operatória https://www.google.com.br/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&ved=0ahUKEwjZtZ7Vr7_OAhULkZA KHbZrBfwQjRwIBQ&url=http%3A%2F%2Fwww.vaniadeclair.com%2Fdoc%2Fqueloides_cicatrizes_hipertroficas.pdf&bv m=bv.129422649,d.Y2I&psig=AFQjCNHDXu8e4ECjeIu8-_lEGAr2fuDOlQ&ust=1471211286980660 Adesões (aderências). São conexões fibrosas onde as fibras de colágeno conectam estruturas em cavidades serosas, como o peritônio, fazendo com que os órgãos abdominais percam a motilidade, com nas aderências do intestino, bexiga e ovários. Aderência na cavidade abdominal https://www.google.com.br/url?sa=i&rct=j&q=&esrc=s&source=images&cd=&cad=rja&uact=8&ved=0ahUKEwjm1qPBsL_OAhXEfZAKHejPBVcQjRwIBw&url=http%3A%2F%2Fwww.endometriose.net.br%2Fdor-pelvica%2Faderencias- pelvicas%2F12&bvm=bv.129422649,d.Y2I&psig=AFQjCNFHB3IPnPdVF8DDjW8sKj298pe8EQ&ust=1471211592532412