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A invenção do direito em Roma

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A invenção do direito em Roma
 Na Antiguidade Clássica, quando práticas da elite romana, ritos e solenidades destinados a resolver conflitos de família, propriedade e circulação de bens encontram-se com ideias em curso no mundo grego e no Mediterrâneo, tais como a noção da lei como expressão da soberania popular, inicia-se o desenvolvimento de uma potente forma de racionalidade nova, que é o direito romano, relevante a ponto de se poder afirmar que a história do Direito de Roma é a história do Direito. 
Os romanos foram a primeira sociedade que isolou a função juridica e seus peritos de outras áreas, como a moral, religião e política, e essa separação, peculiaridade do ocidente, fez com que se desenvolvesse notável tecido ideológico e literatura jurídica, com tendência a reelaborar normas e fazer dessa prática um dos valores principais de nossa civilização. 
A história do Direito está profundamente entrelaçada com a história de Roma, que é também a história das lutas sociais entre o patriciado e a plebe; assim, historiadores do Direito atêm-se às mesmas fases que caracterizam a história política de Roma. A primeira delas, a Realeza, vai da fundação da cidade, por volta de 750 aC, até 510AC, quando, ao expulsar o último rei etrusco, os romanos optam por criar uma nova forma constitucional, diferente das democracias regras, a República, que perdura por quase 500 anos, ao longo dos desenvolve-se mais rapidamente o ius, a ciência do direito. Em 27Ac o senado transfere muitos dos poderes republicanos detidos pelos magistrados e pelas assembleias para Augusto, iniciando aí o chamado Império. Contudo, persiste a noção romana de republica, res publica, a ideia de que o Estado é dos cidadãos, do público, e, portanto, segundo o significado da palavra, político, no qual são os cidadãos que detêm a cidadania ativa – e o povo são os homens soldados, organizados em assembleia.
 Por séculos o poder é detido por uma elite, o que persiste mesmo quando, cerca de 300 aC, institui-se o comício por tribos, cuja organização não dependia da origem familiar, nem da renda e cargo militar, como as centúrias. Por isso, é notável a proposição por esse comício, em 287aC, da Lex Hortensia, a partir da qual todas as decisões da assembleia vinculavam patrícios e plebeus indistintamente, uma vez que a história do direito de Roma é a história de tensão permanente de classes sociais e da paulatina ascensão da plebe a postos de comando.
 A passagem de um primeiro momento, limitado a formas prescritivas e rituais, para a codificação escrita coincide com o momento em que ocorrem revoluções políticas no Mediterrâneo, havendo o encontro da esfera da política com essa tradição pré-existente, e por exigência dos plebeus, os procedimentos e ritos são fixados em lei, a Lei das XII tabuas, ocorrendo então textualmente a separação das normas do Ius e as normas religiosas, Fas. A isso retorna-se mais tarde. Retoma-se agora o fato de que toda a evolução do Direito romano acompanha a evolução política romana, ao longo da qual se podem traçar as fases do desenvolvimento do Direito, que é o Direito civil, o direito arcaico, no qual o processo, então sinônimo das solenidade escritas na Lei das Doze Tábuas, desempenha papel fundamental. Por isso se diz que essa é época em q o processo se dava segundo a lei. Da fundação da cidade, até a época em que se instituiu pretor para tratar de assuntos que envolvessem estrangeiros, chamado pretor peregrino, (242 ac, depois guerras púnicas quando Roma realmente se torna senhora de todo o território em volta do mediterrâneo) distinguem-se fases. Inicialmente se dá a atividade dos pontífices e pretores, magistrados encarregados de administrar a justiça- período do direito antigo ou arcaico. 
O período que vai de 242 ac até época do dominato, quando ocorre a anarquia em Roma, é chamado período do direito clássico ou modelo, em que há grande desenvolvimento da ciência juridica. Nessa época o processo já é diferente, já vigorando a Lei Aebucia, de 140 ac, que instituía o processo por fórmulas- a cada caso novo, partes e pretor constituíam formula nova. É, por isso, conhecido como o período do processo formulário. O Direito é aqui e a atividade dos pretores e dos jurisconsultos, que agora não são só pontífices, e são pessoas destacadas dentro da sociedade romana. Finalmente, há o período que corresponde ao dominatus, 85, chamado dominatus absoluta, que vai de 285 até a queda de Roma ocidental, em 476, chamado período direito pós-clássico, ou tardio. Não está mais em vigor o processo formulário, não ocorre em duas fases; já é processo estatal, que se desenvolve nas basílicas e sob o comando dos imperadores, e é chamado processo extraordinário. Nessa época, o direito é a atividade dos imperadores e jurisconsultos.
 Na concepção originaria, Ius era propriamente ato de forca que a sociedade, mediante seus juízos, entendia como justo, dai a expressão “Ius est”; Fas est reflete o que é permitido. São várias as acepções do que era o Ius: 1) conjunto de prescrições e rituais que ordenavam o comportamento- sentido de direito objetivo, a norma tal como ela é; 2) uma vantagem pessoal, como um status, relacionado, pois, ao direito subjetivo; 3) percepção, especialmente na República como direito objetivo, conjunto de procedimentos que têm como núcleo primeiro o direito civil: Ius é o que está na lei; 4) Ius como surgindo tradição, dos mores, do costume, ou da vontade coletiva, como na Lei das 12 Tabuas A constituição de legislação pública era revelação do direito, mas o Ius não é produto exclusivamente da lei- a lei é uma de suas partes, mas não o todo. 
Havia leis públicas de várias espécies, e a primeira delas a que chamavam de lex, palavra que significava ligação; naquele então, para que houvesse uma lei, era necessária a união de 3 órgãos romanos republicanos: a proposta por magistrados (rogatio), a aprovação em assembleia (iussum) e sanção do senado Tambem a assembleia plebeia votava ordens, em seus plebiscitos; as decisões vindas do senado se chamavam senatus consultus. Não havia hierarquia entre essas fontes de direito, todas funcionavam ao mesmo tempo. Mais tarde, no principado, com Augusto, começa uma edição de leis, que foram chamadas de leis imperiais ou constituições, para diferenciar daquilo que a assembleia popular determinava, das leis ou plebiscitos ou do que o senado deliberava.
 O direito civil dos cidadãos fundamenta-se no costume. Com o encontro da tradição de ordenação com política inicia o desenvolvimento da fonte do direito chamada lei, lex. Ius regula as famílias, advém dos grupos familiares: ius civile, relações entre privados. A lex vem da cidade, da civitas, e constitui aquilo que os romanos chamaram ius publico, ou direito público, a vontade do povo- para os romanos a lei é sempre pública. O Ius é, para os romanos, saber pratico, prudência e a técnica do bom do equitativo. Como ciência, sapiência, diz o que é justo e injusto; como técnica, evita o injusto; como arte, técnica, concebe as regras dirigidas a sua finalidade. É prudência-- e chamavam-se prudentes aqueles que dão os conselhos, chamados de respostas, ou pareceres, inicialmente sacerdotes, depois leigos-- pressupõe a verdade das coisas em seu aspecto valorativo de utilidade para a comunidade, e assegura na sociedade humana as condições de convivência, sendo modificado mediante atividade aplicativa; é, anda, jurisprudência, ciência de produção e interpretação, saber realizável. Liga-se, pois, à produção, interpretação e aplicação do saber jurídico; é ação, salientando-se dois tipos básicos de ação – garantir a propriedade ou as q constituíam as obrigações. O bom, equitativo, ou seja, a igualdade jurídica liga-se campo da ação, da justiça, seu fim último, e a medida iniqua é o que supera o limite da tolerância à desigualdade. Em torno do Ius desenvolve-se a jurisprudência, e os juristas eram, inicialmente, pontífices- orientam a vida dos cidadãos, constroem respostas ou pareceres e dizem qual formulário e melhor adotar; redigem minutas de contratosde testamentos e atuam em nome dos cidadãos. 
O Direito Romano é, entao, a arte de separar, dividir o Direito do não direito. Desde as XII tábuas os juristas põem em ação essa diferença. Forma-se um saber casuístico (resolvido caso a caso), no qual pondera-se a solução mais razoável do pontoo de vista prático, invocando-se situações semelhantes e tendo como fundamento o que é justo, equitativo, e bom para a sociedade segundo as exigências do presente. Essa ciência não se esgota em só uma função e um papel, que a elaboração de uma ordem jurídica informal, construída em torno de figuras de propriedade de contrato, podendo irradiar sua forma sobre categorias de soberania e liberdade que vêm da política, do chamado direito público. Por outro lado, o saber que juristas desenvolveram em torno do Ius, que se chamou jurisprudência, é saber difícil duro, terminologia própria. Só foi acessível de maneira direta a círculo restrito de especialistas. Este estudo inicial em torno da evolução do Direito Romano, e, por extensão. do Direito em geral, põe em relevo uma tensão contínua entre a prática jurídica, a pratica dos ritos, e a ciência que existe em torno dela; o saber que se elabora sobre essa prática de um lado, e, de outro, expressões da soberania popular organizada, da vida política dos romanos. Ressalto, ainda, a possibilidade de entender a origem de vários mecanismos do sistema jurídico moderno, os quais derivam do Direito Romano, como o estado de direito e a própria democracia. 
A invenção do direito em 
Roma
 
 
Na Antiguidade Clássica, quando práticas da elite romana, ritos e solenidades destinados 
a resolver conflitos de
 
família, propriedade e circulação de bens encontram
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se com ideias 
em curso no mundo grego e no Mediterrâneo, tais como a noção da lei como expressão da 
soberania popular, inicia
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se o desenvolvimento de uma potente forma de racionalidade 
nova, que é o dire
ito romano, relevante a ponto de se poder afirmar que a história do 
Direito de Roma é a história do Direito. 
 
Os romanos foram a primeira sociedade que isolou a função juridica e seus peritos de 
outras áreas, como a moral, religião e política, e essa separa
ção, peculiaridade do 
ocidente, fez com que se desenvolvesse notável tecido ideológico e literatura jurídica, com 
tendência a reelaborar normas e fazer dessa prática um dos valores principais de nossa 
civilização. 
 
A história do Direito está profundamente e
ntrelaçada com a história de Roma, que é 
também a história das lutas sociais entre o patriciado e a plebe; assim, historiadores do 
Direito atêm
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se às mesmas fases que caracterizam a história política de Roma. A primeira 
delas, a Realeza, vai da fundação da
 
cidade, por volta de 750 aC, até 510AC, quando, ao 
expulsar o último rei etrusco, os romanos optam por criar uma nova forma constitucional, 
diferente das democracias regras, a República, que perdura por quase 500 anos, ao longo 
dos desenvolve
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damente o ius, a ciência do direito. Em 27Ac o senado 
transfere muitos dos poderes republicanos detidos pelos magistrados e pelas assembleias 
para Augusto, iniciando aí o chamado Império. Contudo, persiste a noção romana de 
republica, res publica, a ideia 
de que o Estado é dos cidadãos, do público, e, portanto, 
segundo o significado da palavra, político, no qual são os cidadãos que detêm a cidadania 
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e o povo são os homens soldados, organizados em assembleia.
 
 
Por séculos o poder é detido por uma elit
e, o que persiste mesmo quando, cerca de 300 
aC, institui
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se o comício por tribos, cuja organização não dependia da origem familiar, nem 
da renda e cargo militar, como as centúrias. Por isso, é notável a proposição por esse 
comício, em 287aC, da Lex Horten
sia, a partir da qual todas as decisões da assembleia 
vinculavam patrícios e plebeus indistintamente, uma vez que a história do direito de Roma 
é a história de tensão permanente de classes sociais e da paulatina ascensão da plebe a 
postos de comando.
 
 
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sagem de um primeiro momento, limitado a formas prescritivas e rituais, para a 
codificação escrita coincide com o momento em que ocorrem revoluções políticas no 
Mediterrâneo, havendo o encontro da esfera da política com essa tradição pré
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existente, 
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xigência dos plebeus, os procedimentos e ritos são fixados em lei, a Lei das XII 
tabuas, ocorrendo então textualmente a separação das normas do Ius e as normas 
religiosas, Fas. A isso retorna
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se agora o fato de que toda a 
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ireito romano acompanha a evolução política romana, ao longo da qual se 
podem traçar as fases do desenvolvimento do Direito, que é o Direito civil, o direito 
arcaico, no qual o processo, então sinônimo das solenidade escritas na Lei das Doze 
Tábuas, desemp
enha papel fundamental. Por isso se diz que essa é época em q o processo 
se dava segundo a lei. Da fundação da cidade, até a época em que se instituiu pretor para 
tratar de assuntos que envolvessem estrangeiros, chamado pretor peregrino, (242 ac, 
depois gu
erras púnicas quando Roma realmente se torna senhora de todo o território em 
volta do mediterrâneo) distinguem
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se fases. Inicialmente se dá a atividade dos pontífices e 
A invenção do direito em Roma 
 Na Antiguidade Clássica, quando práticas da elite romana, ritos e solenidades destinados 
a resolver conflitos de família, propriedade e circulação de bens encontram-se com ideias 
em curso no mundo grego e no Mediterrâneo, tais como a noção da lei como expressão da 
soberania popular, inicia-se o desenvolvimento de uma potente forma de racionalidade 
nova, que é o direito romano, relevante a ponto de se poder afirmar que a história do 
Direito de Roma é a história do Direito. 
Os romanos foram a primeira sociedade que isolou a função juridica e seus peritos de 
outras áreas, como a moral, religião e política, e essa separação, peculiaridade do 
ocidente, fez com que se desenvolvesse notável tecido ideológico e literatura jurídica, com 
tendência a reelaborar normas e fazer dessa prática um dos valores principais de nossa 
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A história do Direito está profundamente entrelaçada com a história de Roma, que é 
também a história das lutas sociais entre o patriciado e a plebe; assim, historiadores do 
Direito atêm-se às mesmas fases que caracterizam a história política de Roma. A primeira 
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expulsar o último rei etrusco, os romanos optam por criar uma nova forma constitucional, 
diferente das democracias regras, a República, que perdura por quase 500 anos, ao longo 
dos desenvolve-se mais rapidamente o ius, a ciência do direito. Em 27Ac o senado 
transfere muitos dos poderes republicanos detidos pelos magistrados e pelas assembleias 
para Augusto, iniciando aí o chamado Império. Contudo, persiste a noção romana de 
republica, res publica, a ideia de que o Estado é dos cidadãos, do público, e, portanto, 
segundo o significado da palavra, político, no qual são os cidadãos que detêm a cidadania 
ativa – e o povo são os homens soldados, organizados em assembleia. 
 Por séculos o poder é detido por uma elite, o que persiste mesmo quando, cerca de 300 
aC, institui-se o comício por tribos, cuja organização não dependia da origem familiar, nem 
da renda e cargo militar, como as centúrias. Por isso, é notável a proposição por esse 
comício, em 287aC, da Lex Hortensia, a partir da qual todas as decisões da assembleia 
vinculavam patrícios e plebeus indistintamente, uma vez que a história do direito de Roma 
é a história de tensão permanente de classes sociais e da paulatina ascensão da plebe a 
postos de comando. 
 A passagem de um primeiro momento, limitado a formas prescritivas e rituais, para a 
codificação escrita coincide com o momento em que ocorrem revoluções políticas no 
Mediterrâneo, havendo o encontro da esfera da política com essa tradiçãopré-existente, 
e por exigência dos plebeus, os procedimentos e ritos são fixados em lei, a Lei das XII 
tabuas, ocorrendo então textualmente a separação das normas do Ius e as normas 
religiosas, Fas. A isso retorna-se mais tarde. Retoma-se agora o fato de que toda a 
evolução do Direito romano acompanha a evolução política romana, ao longo da qual se 
podem traçar as fases do desenvolvimento do Direito, que é o Direito civil, o direito 
arcaico, no qual o processo, então sinônimo das solenidade escritas na Lei das Doze 
Tábuas, desempenha papel fundamental. Por isso se diz que essa é época em q o processo 
se dava segundo a lei. Da fundação da cidade, até a época em que se instituiu pretor para 
tratar de assuntos que envolvessem estrangeiros, chamado pretor peregrino, (242 ac, 
depois guerras púnicas quando Roma realmente se torna senhora de todo o território em 
volta do mediterrâneo) distinguem-se fases. Inicialmente se dá a atividade dos pontífices e

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