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UEFS – Universidade Estadual de Feira de Santana DCIS – Departamento de Ciências Sociais Aplicadas Bacharelado em Economia - Disciplina: Fundamentos D. P. P. Profª. Liliane Lopes (Material cedido de autoria do Profº. MSC Agenor Sampaio Neto) interpretação e aplicação do direito 1 problemática da aplicação jurídica · Segundo, Maria Helena Diniz A aplicação do direito decorre de uma competência legal: juiz, tribunal, autoridade administrativa ou particular. Submete-se um caso particular ao império de uma norma jurídica. 2 subsunção · A norma jurídica só se movimenta ante um fato concreto, pela ação do magistrado, que é o intermediário entre a norma e a vida ou o instrumento pelo qual a norma abstrata se transforma numa disposição concreta, regendo uma determinada situação individual. · A aplicação do direito, dessa forma concebida, denomina-se subsunção. · A "subsunção" tem como problema central a qualificação jurídica dos casos sub judice, que apresenta dificuldades, devido a dois fatores: · A falta de informação sobre os fatos do caso (lacuna de conhecimento); · A indeterminação semântica dos conceitos normativos (lacuna de reconhecimento, de incompletude ); 4 integração · A integração da norma jurídica, ou integração do direito, é o preenchimento das lacunas da lei, a fim de que se possa resolver toda e qualquer questão jurídica, para não deixar ninguém em desamparo legal. · A lacuna constitui um estado incompleto do sistema que deve ser colmatado ante o princípio da plenitude do ordenamento jurídico. · O art. 4 º da Lei de Introdução ao Código Civil, possui uma importante missão, pois dá ao magistrado, impedido de furtar-se a uma decisão, a possibilidade de integrar ou preencher a lacuna, de forma que possa chegar a uma solução adequada. Trata-se do fenômeno da integração normativa. · LINDB, Art. 4º: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. 5 correção · Havendo lacuna ou antinomia, o jurista, ante o caráter dinâmico do direito, ao sistematizá-lo, deve apontar critérios para solucioná-las. · O magistrado, ao aplicar as normas jurídicas, criando uma norma individual, deverá interpretá-las, integrá-las e corrigi-las, mantendo-se dentro dos limites marcados pelo direito. 6 interpretação das normas e subsunção · Interpretar é descobrir o sentido e alcance da norma, procurando a significação dos conceitos jurídicos, devido aos motivos como, vaguidade, ambiguidade do texto, imperfeição e falta de terminologia técnica, má redação etc. · É explicar, esclarecer, dar o verdadeiro significado do vocábulo, extrair da norma tudo o que nela se contém, revelando seu sentido apropriado para a vida real e conducente a uma decisão. · A interpretação, acrescenta Miguel Reale, é um momento de intersubjetividade: o ato interpretativo do juiz, procurando captar e trazer a ele o ato de outrem, no sentido de se apoderar de um significado objetivamente válido. O ato interpretativo implicaria uma duplicidade, onde sujeito e objeto estão colocados um diante do outros. 7 TEORIAS SUBJETIVA E OBJETIVA COMO CRITÉRIO HERMENÊUTICO · Desde fins do século XIX até nossos dias, duas teorias da interpretação jurídica se enfrentam, numa grande polêmica relativa ao critério metodológico que o intérprete ou aplicador deve seguir para desvendar o sentido da norma: seria a vontade do legislador ou a da lei a meta da interpretação autêntica? · A Teoria Subjetiva, tendo por prosélitos, dentre outros, Savigny, Windscheid, Regeisberger, Enneccerus, Bierling, Heck, Stammler, Petraschek, Nawiaskysj, entende que a meta da interpretação é estudar a vontade histórico-psicológica do legislador expressa na norma. A interpretação deve procurar compreender o pensamento do legislador (mens legislatoris). · A Teoria Objetiva, tendo como representantes Köhler, Wach, Binding, Schreier, Dahm, Larenz, Radbruch, Sauer e Binder, preconiza que, na interpretação, deve-se ater à vontade da lei, à (mens legis), que, enquanto sentido objetivo, independe do querer subjetivo do legislador, porque após o ato legislativo a lei desliga-se do seu elaborador, adquirindo existência objetiva. · A norma seria uma "vontade" transformada em palavras, uma força objetivada independente do seu autor, por isso, deve-se procurar o sentido imanente no texto e não o que seu prolator teve em mira. 8 críticas · Tércio Sampaio Ferraz Jr. Diz que nenhuma das duas teorias da interpretação resolve, de modo satisfatório, a questão de saber se é a mens legis ou se é a mens legislatoris que deve servir de guia ao intérprete. · A subjetiva favorece, em certa medida, o autoritarismo, por preconizar a preponderância da vontade do legislador. · A objetiva, ao dar posição de destaque à eqüidade do intérprete, deslocando a responsabilidade do legislador, no que atina à criação da norma, para o intérprete, favorece o anarquismo. 9 técnicas interpretativas · Para orientar a tarefa do intérprete e do aplicador há várias técnicas ou processos interpretativos: gramatical ou literal, lógico, sistemático, histórico e sociológico ou teleológico. · Tais processos nada mais são do que meios técnicos, lógicos ou não, utilizados para desvendar as várias possibilidades de aplicação da norma. · Pela técnica gramatical, também chamada literal, semântica ou filológica, o hermeneuta busca o sentido literal do texto normativo, tendo por primeira tarefa estabelecer uma definição, ante a indeterminação semântica dos vocábulos normativos, que são, em regra, vagos ou ambíguos, quase nunca apresentando um sentido unívoco. · No emprego do processo lógico, o que se pretende é desvendar o sentido e o alcance da norma, estudando-a por meio de raciocínios lógicos, analisando os períodos da lei e combinando-os entre si, com o escopo de atingir perfeita compatibilidade. (Ex: critérios de validade, territorialidade, irretroatividade e fundamento da norma). · O processo sistemático é o que considera o sistema em que se insere a norma, relacionando-a com outras normas concernentes ao mesmo objeto. O sistema jurídico não se compõe de um único sistema normativo, mas de vários, que constituem um conjunto harmônico e interdependente, embora cada qual esteja fixado em seu lugar próprio. · A técnica interpretativa histórica, oriunda de obras de Savigny e Puchta, entre outros, baseia-se na averiguação dos antecedentes da norma. Refere-se ao histórico do processo legislativo, desde o projeto de lei, sua justificativa ou exposição de motivos, emendas, aprovação e promulgação, ou às circunstâncias fáticas que a precederam e que lhe deram origem, às causas ou necessidades que induziram o órgão a elaborá-la, ou seja, às condições culturais ou psicológicas sob as quais o preceito normativo surgiu (occasio legis). · O processo sociológico ou teleológico objetiva, como quer Ihering, adaptar a finalidade da norma às novas exigências sociais. Adaptação esta prevista pelo art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil. A técnica teleológica procura o fim, a ratio do preceito normativo, para a partir dele determinar o seu sentido. · LICC, Art. 5º: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que a ela se dirige e às exigências do bem comum”. 10 integração e o problema das lacunas · Entende-se por integração do direito a atividade correlata à interpretação jurídica, que implica a colmatação das chamadas lacunas jurídicas, que se apresentam como imperfeições que comprometem a idéia de uma plenitude racional do sistema jurídico. · A integração do Direito é um tema cuja compreensão exige a análise do problema da completude do sistema jurídico. Decerto, para integrar o Direito, toma-se indispensável perquirir se o sistema jurídicoé completo ou incompleto, vale dizer, se ele pode alcançar todos os campos das interações sociais ou se existem condutas humanas não alcançadas pela ordem jurídica. · Hans Kelsen não admite a existência de lacunas no sistema jurídico, considera-o fechado, completo, como um todo ordenado. · Parece melhor aceitar a idéia de que o sistema jurídico figura como uma ordem aberta, porque o legislador não pode prever, tal como se fosse um oráculo divino, a dinâmica das relações sociais. · Decerto, o Direito é um fenômeno histórico-cultural e submetido, portanto, às transformações que ocorrem no campo mutável e dinâmico dos valores e dos fatos que compõem a realidade social. 11 diferentes tipos de lacuna · Conforme Mª Helena, o vocábulo lacuna foi introduzido com um sentido metafórico, para designar os possíveis casos em que o direito objetivo não oferece, em princípio uma solução. · E considerando-se aberto ou incompleto o sistema jurídico, pode-se verificar, assim, a existência de diferentes espécies de lacunas jurídicas, a saber, as lacunas normativas, as lacunas fáticas e as lacunas valorativas. · A Lacuna Normativa se configura toda vez que inexiste um conjunto normativo regulando expressamente um dado campo da interação do comportamento humano em sociedade; · A Lacuna Fática ocorre quando as normas jurídicas deixam de ser cumpridas pelos agentes da realidade social, evidenciando o fenômeno da revolta dos fatos contra o sistema jurídico; · A Lacuna Valorativa se verifica quando a norma jurídica vigente não é valorada como justa pela maioria dos integrantes de uma sociedade humana, não estando em conformidade com os valores socialmente aceitos; 12 meios supletivos de lacunas · Existem os instrumentos de integração do direito, ditos na LINDB, Art. 4º, a saber: a analogia, os costumes, os princípios jurídicos e a equidade. 13 antinomia jurídica · Antinomia é o conflito entre duas normas, dois princípios, ou de uma norma e um princípio geral de direito em sua aplicação prática a um caso particular. É a presença de duas normas conflitantes, sem que se possa saber qual delas deverá ser aplicada ao caso singular. · Preleciona Mª Helena Diniz que, ante a antinomia jurídica o aplicador do direito ficará num dilema, já que terá de escolher, e sua opção por uma das normas conflitantes implicaria a violação da outra. A ordem jurídica prevê uma série de critérios para a solução de antinomias no direito interno, que são: · O Hierárquico · O Cronológico · O de Especialidade 14 critérios para solução de antinomias · O hierárquico (lex superior derrogat legi inferiori), havendo antinomia entre uma norma jurídica superior e uma norma jurídica inferior, prevalece a norma jurídica superior, dentro da concepção piramidal e hierarquizada do sistema jurídico. · Por exemplo, havendo conflito entre a Constituição e uma Lei Ordinária, prevalece a Constituição por ser um diploma normativo de hierarquia superior. · O cronológico (lex posterior derogat legi priori), havendo antinomia entre a norma jurídica anterior e a norma jurídica posterior que verse sobre a mesma matéria, ambas de mesma hierarquia, prevalece a norma jurídica posterior. · Por exemplo, o conflito entre o Código Civil de 1917 e o Código de Defesa de Consumidor de 1990 se resolveu em favor da legislação consumerista. · O de especialidade (lex specialis derogat legi generali), havendo contradição entre uma norma jurídica que regule um tema genericamente e uma norma que regule o mesmo tema do modo específico, sendo ambas de mesma hierarquia, prevalece a norma jurídica especial. · Por exemplo, o conflito entre o Código de Defesa de Consumidor e o Estatuto do Idoso se resolve em favor do segundo diploma legal, que se revela mais específico na tutela das relações dos consumidores de terceira idade, tendo em vista o critério da especialidade. 14.1 CRITÉRIO PARA SOLUÇÃO DE ANTINOMIA PRINCIPIOLÓGICA · Diante da ocorrência de conflitos entre os princípios jurídicos, o intérprete do direito deverá realizar uma ponderação de bens e interesses, como nova técnica hermenêutica capaz de orientar o hermeneuta perante as chamadas antinomias principiológicas. Nessas hipóteses, caberá ao intérprete do direito estabelecer uma relação de prioridade concreta entre os princípios jurídicos em disputa, guiando-se pelo princípio mais geral da proporcionalidade. · Etimologicamente, o vocábulo “proporcionalidade” traduz uma noção de proporção, adequação, medida justa, prudente e apropriada à necessidade exigida pelo caso presente. · De acordo com Luís Barroso, o princípio da proporcionalidade funciona como um parâmetro hermenêutico que orienta como uma norma jurídica deve ser interpretada e aplicada no caso concreto, mormente na hipótese de incidência dos direitos fundamentais que consubstanciam uma vida digna, para a melhor realização dos valores e fins do sistema constitucional. · Sendo assim, o referido princípio ordena que a relação entre o fim que se pretende alcançar e o meio utilizado deve ser adequado, necessário e proporcional, tendo em vista a interpretação e aplicação de um direito potencialmente mais justo e, portanto, socialmente legítimo. 15 HERMENÊUTICA JURÍDICA EM CRISE – LENIO STRECK · A hermenêutica não é uma disciplina acessória que auxilia o jurista na interpretação de textos de leis, doutrinas ou jurisprudências. A hermenêutica é disciplina estruturante. Na verdade, o elemento compreensivo-interpretativo é fundamental em toda experiência jurídica. Não existe nenhuma dimensão do Direito que prescinda da interpretação. · Toda interpretação, por sua vez, é condicionada pelo mergulho que o próprio intérprete faz em sua autocompreensão. Assim, com Gadamer, têm-se a afirmação de que não existe um ponto arquimediano que possibilite ao intérprete do direito se aproximar das questões jurídicas despido de sua estrutura de pré-conceitos. Todavia, cabe a ele, intérprete, no momento em que realiza um projeto interpretativo, suspender seus pré-conceitos em direção ao sentido projetado “objetivamente” pelo texto. O intérprete que se desprende do texto impondo-lhe a sua pré-concepção — ou a sua consciência, como é moda dizer — realiza um assassinato do texto e da pretensão de toda hermenêutica que é a correta interpretação. · Essa aproximação da universalidade da hermenêutica, no modo como posto por Gadamer, dá ao texto de Lenio (Hermenêutica Jurídica em Crise) a possibilidade de se apresentar como um aporte crítico para teses tradicionais — verdadeiros fósseis jurídicos — e que se apresentam, na contemporaneidade, com ar de novas. Um exemplo pode ser anotado nas posturas que tendem a retratar a hermenêutica de forma setorizada apontando e defendendo a existência de uma hermenêutica constitucional, uma hermenêutica dos direitos fundamentais, uma hermenêutica do direito privado e assim por diante. · Todas essas questões juntas possibilitam um novo olhar sobre a questão da hermenêutica jurídica. Representam uma reviravolta porque permite orientar corretamente a visão para os problemas contemporâneos da hermenêutica jurídica, longe das sombras projetadas pelas concepções tradicionais da hermenêutica jurídica. REFERÊNCIAS: · DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. · FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2008. · SOARES, Ricardo Maurício Freire. Curso de Introdução ao Estudo do Direito. Salvador: Editora Jus Podium, 2009. · STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. 11 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, passim.
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