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Departamento de direito 
TUTELA JURÍDICA DA PORNOGRAFIA DE VINGANÇA: DEFINIÇÃO 
IMPRECISA, ESCASSEZ LEGISLATIVA E INSUFICIÊNCIA DA RESPOSTA 
JURISDICIONAL 
Alunos: Carolina Bouchardet Dias e Gabriel dos Santos 
Orientadora: Adriana Vidal de Oliveira 
 
 
Introdução 
Dentro da teoria dos atos performativos, de J. L. Austin, a linguagem, muito mais que 
meramente descrever a realidade, é um fenômeno performativo que a cria, molda e prescreve. 
Teorias feministas alinhadas ao pós-estruturalismo, em especial as de autoria de Judith Butler, 
trouxeram o conceito de atos performativos de Austin para as performances de gênero como 
fundamentais no processo de naturalização dos papéis sociais atribuídos a homens e mulheres. 
Nesta perspectiva, a pornografia é considerada um ato performativo. Mais ainda, é um 
ato performativo relacionado aos papéis de gênero, operando justamente na essencialização 
dos comportamentos outorgados a ambos os sexos. De fato, tendo como objeto de análise a 
sociedade atual, pode-se afirmar que nossa cultura é "pornificada" - isto é, construída pela 
linguagem pornográfica, pela hipersexualização dos corpos femininos, pelas estruturas de 
poder calcadas na sexualidade e reproduzidas na pornografia1. 
Ainda que se possa duvidar que veicule qualquer mensagem por meio de sua 
representação imagética, a pornografia é linguagem. Isto porque transmite ideias e pontos de 
vista. Sendo linguagem, portanto, não se trata de fenômeno abstrato, independente na sua 
existência, mas sim completamente indissociável da realidade - contextualizada e cultural, 
produzindo efeitos na medida em que é disseminada. 
Se fosse meramente descritiva, não haveria que se falar em efeitos da pornografia 
sobre a realidade, pois a simples reprodução fiel de algo que existe não seria mais que uma 
constatação verdadeira. No entanto, os materiais pornográficos são linguagem parcial repleta 
de ideologia, carga política e concepções favoráveis à manutenção de uma determinada 
estrutura desigual de poder (baseada na sexualidade), bem como da realidade que ela constrói. 
A pornografia tradicional trabalha a favor da normalização de comportamentos e 
pensamentos agressivos dirigidos às mulheres, por meio do condicionamento do prazer dos 
homens e das suas atitudes. Dessa forma, a linguagem usada nesses materiais – 
performativamente – cria uma realidade prejudicial, discriminatória de gênero, na medida em 
que estabelece uma conexão entre a excitação e o estupro, humilhação, tortura e outros 
comportamentos abusivos direcionados às mulheres. 
Nesse processo, o desenvolvimento da internet representa fator crucial, um marco na 
dinâmica de valorização da cultura pornográfica. Como meio difusor e principal fonte de seu 
consumo, apenas reafirma o caráter cultural por ela assumido, ao passo em que viabiliza o 
acesso de uma enorme gama de pessoas a este tipo de conteúdo. A rede torna-se uma 
verdadeira democratizadora da pornografia, e, portanto, dos princípios nela embutidos. 
De fato, a utilização de mídias sociais é tão intrínseca à nossa socialização que é 
impossível deixar de reconhecer que a internet e a tecnologia não determinam as formas de 
sociabilidade de um indivíduo. Quando utilizamos mídias sociais, fazemo-nos presentes 
através de postagens, comentários e outras manifestações em perfis alheios. É tendência cada 
vez maior a exposição de nossas vidas na internet. Nesses termos, a separação entre a vida 
real e a virtual tornou-se praticamente inexistente. 
 
1 A principal tese da feminista Catharine Mackinnon é a de que as estruturas de poder são fundadas sobre a 
sexualidade. 
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Não se discute mais sobre a dicotomia virtual x real, mas sobre online x offline. Esses 
status, em vez de paralelos um ao outro, agora são complementos da forma de socialização de 
um indivíduo. Significa dizer: a tecnologia não criou um mundo social separado, ela afetou a 
vida fora das redes e da internet, fazendo com que as consequências de ações no mundo 
virtual sejam sentidas duramente fora dele. 
Nesse aspecto, a tecnologia intensificou uma das formas de violência de gênero. A 
pornografia de vingança conjuga diferentes formas de violência contra a mulher: a violação de 
sua privacidade; a reiteração do patriarcado, na medida em que o homem se sente proprietário 
da mulher e do exercício de sua sexualidade; e a própria pornografia hegemônica, que 
costuma apresentá-la em posição de submissão e obediência. 
Pornografia e Sociedade pornificada 
A pornografia hegemônica - presente em maior quantidade na internet -, dentro da 
tipologia existente para este gênero de produção gráfica, pode ser classificada como a 
tradicional. Isto é, exibe “materiais gráficos que demonstrem a subalternidade da sexualidade 
feminina e a submissão da mulher, através da presença de comportamentos sexuais abusivos e 
degradantes, que pareçam naturalizar e/ou reforçar a violência em face da mulher”2. Essa 
constatação torna-se preocupante principalmente se se considerar o meio predominante pelo 
qual o material pornográfico é entregue ao público: a internet. 
De fato, "[o] uso generalizado da pornografia na internet é um dos experimentos mais 
rápidos e globais já inconscientemente conduzidos" diz o professor Gary Wilson em palestra 
memorável3. Após sua disponibilização pela internet, a pornografia passou a ser facilmente 
acessível, gratuita, anônima e em quantidades infindáveis, elementos os quais guiam a 
demanda. Soma-se a isto o fato de que a grande maioria dos jovens nela busca a própria 
educação sexual. 
Assim, à medida em que se propaga através do maior instrumento democratizante de 
informação e forma desde o início a sexualidade dos indivíduos, a pornografia edifica a 
própria cultura e não são poucos os exemplos que o evidenciam. O fato de que sites pornô 
recebem mais visitas mensalmente do que Netflix, Amazon e Twitter combinados4; os 
inúmeros estudos constatando a crescente e difusa hiperssexualização de mulheres na mídia5; 
bem como o exponencial aumento no número de fóruns destinados ao compartilhamento de 
experiências no abandono do vício em pornografia (nos quais 90% são homens dos quais a 
maioria menores de 25 anos) são todos rastros de uma cultura pornificada. 
A gravidade deste quadro talvez não fosse tão grande se não se tratasse da pornografia 
tradicional, que serve à manutenção da discriminação de gênero, conforme defendido pelas 
principais teses feministas anti-pornografia. 
 
2 RIBEIRO, Raísa Duarte da Silva. Discurso de ódio, violência de gênero e pornografia: entre a liberdade de 
expressão e a igualdade. 2016. 180f. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Direito, Universidade Federal 
Fluminense, Niterói, 2016, p. 33. 
3 WILSON, Gary. Palestra “The Great Porn Experiment” proferida para o TEDxGlasgow. Disponível em: 
<https://www.youtube.com/watch?v=wSF82AwSDiU&t=3s>. Acesso em: 30 jul 2017. 
4 Huffington Post. Porn Sites Get More Visitors Each Month Than Netflix, Amazon and Twitter Combined. 
Disponível em: <http://www.huffpostbrasil.com/entry/internet-porn-stats_n_3187682>. Acesso em: 30 jul 
2017. 
5 Em um estudo conduzido pela University at Buffalo, mais de quatro décadas (1967 - 2009) de capas da famosa 
revista Rolling Stone foram analisadas, chegando-se à conclusão de que ambos homens e mulheres são 
retratados de maneira erótica, porém, elas de forma “hiperssexualizada” e com maior frequência. As pesquisas 
também apontaram para uma mudança, ou melhor, um estreitamento dos modos culturalmente aceitáveis de 
feminilidade, o que pode ser preocupante, diante do fato de que imagens sexualizadastem o potencial de 
legitimar ou exacerbar a violência infligida a mulheres, o assédio sexual, os comportamentos misóginos, os 
níveis de insatisfação com o próprio corpo e as disfunções alimentares. O estudo pode ser encontrado em: 
<https://seejane.org/wp-content/uploads/Hatton_Trautner_Sexuality_and_Culture.pdf>. 
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Andrea Dworkin, uma de suas principais expoentes, aponta a subordinação como 
elemento constituinte do próprio conceito de pornografia. De acordo com a autora, a opressão 
funciona através da subordinação, e, mais precisamente, ao se falar da pornografia, através da 
subordinação sexual. Isto é, a desigualdade social pode ter diferentes origens; é o que 
diferencia o racismo da discriminação religiosa, ou da desigualdade de gênero, etc., e a 
origem da desigualdade sofrida pelas mulheres reside no sexo. Dworkin parte da premissa de 
que a subordinação social é composta por quatro elementos: hierarquia, objetificação, 
submissão e violência, todos os quais são usados e sexualizados na construção pornográfica. 
Portanto, sua tese diz que o sexo é o meio utilizado para oprimir as mulheres. Na 
subordinação das mulheres, a desigualdade é sexualizada – é parte da experiência do prazer e 
do desejo: 
“Na pornografia, cada elemento da subordinação é comunicado através do uso 
sexualmente explícito das mulheres: pornografia de fato é o que as mulheres 
são e para o que elas servem e como são usadas em uma sociedade calcada na 
inferioridade das mulheres. (...) O corpo da mulher é materialmente 
subordinado. Sexo é o meio material através do qual a subordinação é 
realizada. Pornografia é a instituição da dominação masculina que sexualiza 
hierarquia, objetificação, submissão, e violência. Como tal, a pornografia cria 
desigualdade, não como um artefato mas como um sistema de realidade 
social; ela cria a necessidade por e os verdadeiros comportamentos que 
constituem desigualdade sexual.”6 (grifou-se) 
 
Portanto, uma vez que retrata, das mais variadas formas, situações de subordinação das 
mulheres7, condicionando o prazer, o pensamento e as atitudes de seus consumidores, a 
pornografia sustenta a desigualdade de gênero na cultura que constitui. Isto porque é 
inconcebível a convivência antitética da subordinação e da igualdade. Para esta ser criada, é 
preciso a queda dos meios que viabilizam aquela, e a pornografia é um deles, na medida em 
que cria desigualdade e a perpetua nas vidas privadas, onde os abusos ocorrem em larga 
escala. Aí reside a seriedade da combinação entre pornografia tradicional e internet como 
meio de sua propagação, da qual é fruto a sociedade pornificada. 
Internet: espaço virtual despido de virtualidade 
O atual estágio avançado no qual se encontra o desenvolvimento da tecnologia chegou 
ao inédito resultado de colocá-la lado a lado da realidade: o mundo online agora se confunde 
 
6 DWORKIN, Andrea. Against the Male Flood: Censorship, Pornography and Equality. In: CORNELL, Drucilla. 
Feminism and Pornography.Oxford, UK: Oxford University Press, 2000, p. 32. Traduzido livremente de: “In 
pornography, each element of subordination is conveyed through the sexually explicit usage of women: 
pornography in fact is what women are and what women are for and how women are used in a society premised 
on the inferiority of women. (…) The woman’s body is what is materially subordinated. Sex is the material 
means through which the subordination is accomplished. Pornography is the institution of male dominance that 
sexualizes hierarchy, objectification, submission, and violence. As such, pornography creates inequality, not as 
artefact but as a system of social reality; it creates the necessity for and the actual behavious that constitute sex 
inequality.” 
7 Como exemplo, pode-se citar o estudo de Ana J. Bridges, pesquisadora da Universidade de Arkansas, na qual 
revela estatísticas alarmantes: “A recent content analysis of fifty best-selling adult videos revealed a grim 
“reality” characterized by inequality and violence. Nearly half of the 304 scenes analyzed contained verbal 
aggression, while over 88% showed physical aggression. Seventy percent of aggressive acts were perpetrated by 
men, and 87% of the acts were committed against women. By far the victims’ most common responses were 
pleasure or neutrality. Fewer than 5% of the aggressive acts provoked a negative response from the victim, 
including flinching and requests to stop. This pornographic “reality” was further highlighted by the relative 
infrequency of more positive behaviors, such as verbal compliments, embracing, kissing, or laughter.” 
(BRIDGES, Ana J. Pornography's Effects on Interpersonal Relationships. Disponível em: 
<http://www.socialcostsofpornography.com/Bridges_Pornographys_Effect_on_Interpersonal_Relationships.pdf
>. Acesso em: 30 jul 2017) 
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com o mundo físico. Os efeitos do meio cibernético sobre a concretude aparecem de forma 
tão evidente que o limite entre real e virtual torna-se turvo. Redes sociais passam a ser não 
apenas o palco do espetáculo em que é transformada a vida dos seus usuários, mas também 
local de mobilização social, debates, organização de minorias, difusão de conhecimento, 
democratização de material acadêmico e de cultura. 
Por outro lado, na era da Internet de alta velocidade, os usuários gradativamente vêm 
ficando mais poderosos, capacitados a estarem em qualquer lugar, a qualquer tempo, por meio 
da tecnologia onipresente. O problema surge quando todo esse potencial é canalizado para 
atitudes e propósitos deturpados. Pregação de discursos de ódio; calúnias; difamação; 
racismo; crimes motivados por gênero e orientação sexual; exposição não autorizada de 
material íntimo. Estes são apenas alguns dos crimes que se reproduzem diariamente no meio 
digital8. 
Se por um lado as tecnologias são capazes de auxiliar exponencialmente a vida social, 
intelectual e profissional de uma pessoa, por outro, ela também é capaz de potencializar o que 
há de pior no indivíduo social através da falsa impressão de liberdade e anonimato que a 
internet permite. Desde os ambientes velados à maioria dos usuários, existentes na deep web, 
até os espaços mais comuns e públicos, como o Facebook, abrigam fóruns, sites e publicações 
criados com o específico fim de cometer crimes contra os direitos fundamentais de outros. 
Os impactos dessas manifestações em terreno virtual não seriam tão singulares e 
intensos caso a internet não tivesse participação na constituição da individualidade de cada 
um. Com efeito, um dos principais fenômenos que se verifica neste recente estágio da 
tecnologia é o da existência de uma corporificação na vida online. As pessoas passam a ter 
sua subjetividade construída pelo que elas são na rede, além de construírem a mesma com 
suas subjetividades, reduzindo sobremaneira o espaço entre privacidade e internet. 
Assim, neste recente contexto tecnológico, no qual a realidade é indissociável da vida 
online e com ela se confunde, a privacidade foi ressignificada9, passando a transcender o mero 
direito a ser deixado só. Isto porque suas fortes implicações na liberdade e na dignidade dos 
seus portadores passaram a ser objeto de maior atenção10, apontando para uma interferência 
que vai além da esfera privada. 
A transposição da barreira que dividia o virtual do real faz com que as informações 
pessoais de cada um precisem de uma tutela mais especializada. A vida privada invade e é 
invadida pela internet, espaço onipresente e sem dono, no qual todos têm ingerência. Sendo 
assim, os dados relativos ao indivíduo rogam por proteção como forma de impedir a violação 
dos direitos fundamentais a eles inerentes.Como bem explica Stefano Rodotà, “[u]ma forte 
tutela dos dados sensíveis tornou-se componente essencial da igualdade, para evitar que a 
coleta destas informações específicas possa se transformar em instrumento de discriminação 
da pessoa.”11, arriscando a sociedade da igualdade. 
Da mesma forma, o jurista ensina que a carência de tutela do “corpo eletrônico”, isto 
é, das informações colhidas a respeito dos usuários da internet, põe em jogo a liberdade 
pessoal de cada um. 
 
8 “O Direito em si não consegue acompanhar o frenético avanço proporcionado pelas novas tecnologias, em 
especial a Internet, e é justamente neste ambiente livre e totalmente sem fronteiras que se desenvolveu uma 
nova modalidade de crimes, uma criminalidade virtual, desenvolvida por agentes que se aproveitam da 
possibilidade de anonimato e da ausência de regras na rede mundial de computadores” ( PINHEIRO, Emeline 
Piva. Apud CORRÊA DE OLIVEIRA DOMINGUES DA SILVA, Helena. Tutela constitucional da privacidade ante as 
novas tecnologias: o caso do Revenge Porn. Disponível em: . Acesso em: 22 jun 2017.) 
9 RODOTÀ, Stefano. Discurso de encerramento da 26ª Conferência Internacional dos Garantes para a Proteção 
de Dados Pessoais, pronunciado em 16 de setembro de 2004. 
10 Idem 
11 Idem 
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Já com relação à dignidade, o civilista destaca que nela estão presentes dois dados, um 
individual e outro social: respectivamente, a intimidade e o respeito. Este dá a ideia de relação 
de cada um com todos os demais e aquela, de algo inviolável e inalienável. Sendo assim, a 
dignidade é crucial na determinação da posição de cada um na sociedade12 e a privacidade é 
anterior a ela. “Fala-se, de fato, da privacidade como ‘tutela das escolhas existenciais contra o 
controle público e a estigmatização social’ ou ‘como a solicitação de instrumentos sociais que 
nos protejam do risco de sermos simplificados, objetivados e julgados fora de contexto’” 13. 
Destes genéricos apontamentos já se depreende o estreito elo que une a privacidade 
aos direitos à dignidade, à liberdade e à igualdade. Resta clara a posição daquela como 
pressuposto para a realização destas. Significa dizer: a privacidade ganhou nova 
funcionalidade, desta vez para além da esfera privada. 
Não se trata de meramente impor a atuação negativa do Estado dentro do perímetro de 
direitos fundamentais do indivíduo, respeitando sua autonomia privada. A privacidade, 
manifestando seu vínculo com o direito à dignidade, exige a atuação positiva do Estado no 
sentido de repelir tentativas, por parte até mesmo de particulares, de controle das pessoas e de 
imposição a elas de valores alheios. Nas palavras de Stefano Rodotà, há a 
 
“necessidade de eliminar ou reduzir a ingerência de sujeitos externos na 
esfera privada das pessoas. Não estamos, portanto, diante de uma 
imposição de valores, porém de seu oposto, da possibilidade de 
desenvolver livremente a própria personalidade e de participar de modo 
autônomo na vida política e social. Pretende-se evitar que as escolhas 
de vida sejam condicionadas por pressões públicas e privadas, 
permitindo assim a cada um agir em plena autonomia.” 
 
Isto significa que a limitação e tutela das informações pessoais dos usuários da internet 
devem ser garantidas como forma de assegurar o espaço necessário ao desenvolvimento da 
autonomia e do arcabouço valorativo próprio de cada um. “A privacidade é estranha à 
pretensão de impor valores. Não se impõem valores. Colocam-se as premissas para a 
autonomia e para o respeito recíproco”.14 
Caracteres diferenciadores da pornografia de vingança 
Diante de todos esses pressupostos, tomaremos como exemplo de situação na qual a 
deficiência de tutela da privacidade é aberrante a pornografia de vingança. Este é recente 
fenômeno ilícito que vem se multiplicando em todos os lugares do mundo. Trata-se de vídeos, 
fotos, gravações digitais, ou qualquer outro tipo de representação, capturados pelo agressor, 
pela vítima ou por outra pessoa, de cunho sexual e privado, divulgados ou expostos sem o 
consentimento de quaisquer indivíduos neles retratados de forma identificável. 
As fotos e vídeos são, normalmente, repassados a terceiros por um ex-companheiro 
irresignado com o fim do relacionamento, mas a autoria não é a eles limitada. Também podem 
ser perpetradores iniciais hackers, participantes do vídeo ou terceiros, todos animados pelos 
mais variados sentimentos e objetivos, desde ódio e vingança, até a finalidade de lucrar, obter 
alguma gratificação sexual, achar graça, ou mesmo sem qualquer razão em particular. 
O traço particular desta agressão é a extrema potencialização de dano, decorrente do 
meio utilizado para praticá-la, a internet. A capacidade de reprodução do conteúdo em 
progressão geométrica, a perda de controle sobre conteúdo tão íntimo, a perpétua atualidade 
do passado, que dificilmente será completamente eliminado da rede, estes todos são 
 
12 Idem 
13 Idem 
14 Idem 
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elementos, considerados pelo agressor, que intensificam sobremodo o dano infligido à vítima 
retratada. Com a perda da gerência sobre os próprios dados e, portanto, sobre a própria 
intimidade, que passa a estar vulnerável para violação de qualquer um, a privacidade e todos 
os direitos fundamentais dela dependentes são fragilizados, quando não extirpados. 
Com efeito, as lesões cominadas aos alvos desta prática ultrapassam o mero 
aborrecimento, ou uma simples perturbação psicológica. Muito pelo contrário, são verdadeiro 
desmantelamento dos direitos fundamentais da vítima; têm implicações tão fortes na realidade 
que abalam todo o contexto familiar, laboral, afetivo e, diga-se genericamente, até mesmo 
social. 
Não é a mera implicância, não são apenas chistes dirigidos à vítima que esta prática 
enseja, mas verdadeira violência, tanto psicológica quanto, rara mas ainda assim presente, 
física. São insultos em efeito dominó, vindos tanto de anônimos e terceiros como também de 
pessoas próximas. É o descrédito sofrido pela agredida, por motivos moralistas e 
preconceituosos; são ameaças, por não agir conforme o padrão social a ela imposto - e, diga-
se de passagem, perpetuado e reforçado por determinados grupos na internet. São os impactos 
na honra subjetiva e objetiva das vítimas e suas famílias; a necessidade de mudar de 
aparência, se esconder, mudar de domicílio (algumas vezes até mesmo de país), trocar de 
emprego, buscar medicamentos e auxílio para a tortura psicológica e depressão. São o 
assédio, as perseguições, o discurso misógino, o tratamento desrespeitoso provocados pela 
liberação destes materiais que eram destinados única e exclusivamente a uma pessoa, sem 
aval para o seu repasse. 
Assim, resta claro que o liame entre a vida real e a vida virtual, atualmente, é 
praticamente inexistente, se comparado com o quadro fático existente há 20 anos atrás. A 
discussão não mais é sobre virtual e real, mas sobre online e offline, sendo estes dois não uma 
extensão ou paralelos um ao outro. Em verdade, são uma complementação da forma de 
socialização de um indivíduo. Isso se torna claro, por exemplo, na coerção psicológica oculta 
exercida sobre o indivíduo que possui poucos seguidores, ou reduzida visibilidade em sua 
mídia social. “[A]s novas mídias não criam um universo social à parte (...), antes mediam e 
modificam a forma como vivemos nossa vida off-line dentro de um contínuo articulado e 
interdependente.”15 
Todas essas consequências fáticas da internet indicam a gravidade de determinadas 
atitudes tomadas dentro de seu âmbito e demonstram a necessidade de se dedicar mais tempoà regulamentação específica de fatos virtuais - não mais uma contradição em termos. O direito 
não consegue se manter em dia com a tecnologia, e sua readequação faz-se necessária. A 
modernização das leis deve passar a levar em consideração as ressonâncias causadas pelo 
abalo na privacidade em outros direitos fundamentais. Além de que a verdadeira existência 
corporal na rede precisa ser parâmetro nos debates sobre desdobramentos e, 
consequentemente, soluções acerca das ações que tomam lugar neste ambiente. A esta 
conclusão chegou Rodotà, que a expressa com clareza: 
 
“Todo tratamento de cada dado deve ser considerado como referente 
ao corpo em seu conjunto, a uma pessoa que deve ser respeitada na 
sua integridade física e psíquica. Nasce uma nova concepção integral 
da pessoa, a cuja projeção no mundo corresponde o direito ao pleno 
respeito de um corpo que hoje é, ao mesmo tempo, “físico” e 
“eletrônico”. Neste novo mundo a data protection cumpre a função de 
assegurar aquele “habeas data” que os novos tempos exigem, 
 
15 MISKOLCI, Richard apud VALENTE, Mariana Giorgetti; NERIS, Natália; RUIZ, Juliana Pacetta; BULGARELLI, 
Lucas. O Corpo é o Código: estratégias jurídicas de enfrentamento ao revenge porn no Brasil. Internet Lab: São 
Paulo, 2016, pp. 9-10. 
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tornando-o, desta forma, como ocorreu com o habeas corpus, um 
elemento indissociável da civilidade.” 
 
A tipificação da pornografia de vingança na legislação brasileira 
Quase oito décadas já se passaram desde a confecção do código penal. Em 1940, 
dentro de um contexto onde o desenvolvimento da internet era ainda impensável, o legislador 
não teria como prever as mudanças bruscas nas relações sociais por ela proporcionadas - 
muito menos conceber as consequências criminais destes atos. Contudo, o avanço da 
tecnologia prevê alterações na dinâmica social dentro e fora da web - como visto 
anteriormente neste estudo - dando margem ao surgimento de novas demandas, a maioria das 
quais não amparadas pelo código vigente. 
No que diz respeito à pornografia de vingança, além da produção doutrinária limitada 
e não consensual, a jurisprudência, por meio de decisões nas mais variadas direções, 
igualmente revela instabilidade e falta de especialização no assunto. A tutela jurídica entregue 
às vítimas de pornografia de vingança se dá tanto na esfera cível quanto na penal, a depender 
do caso. 
Em área cível, tradicionalmente, a tutela jurisdicional é tratada de acordo com a teoria 
da responsabilidade civil, por meio da qual enfrentam-se as questões do dano moral e o 
material causados à vítima. O grande problema presente na solução prolatada pelos 
magistrados é a aviltante oscilação dos valores arbitrados a título de indenização. A 
manifestação extremamente infeliz dos desembargadores da 16ª Câmara Cível do TJ-MG 
exemplifica esse ambiente intrincado. Trata-se de apelação cível na qual era discutido o 
montante devido a título de indenização. O valor inicialmente arbitrado em primeira instância 
totalizava R$100 mil, o qual foi desonrosamente reduzido para míseros R$5 mil, com a 
repugnante fundamentação: 
 
“[ …] Moral é postura absoluta. É regra de postura de conduta - Não 
se admite sua relativização. Quem tem moral a tem por inteiro. As fotos em 
momento algum foram sensuais. As fotos em posições ginecológicas que 
exibem a mais absoluta intimidade da mulher não são sensuais. Fotos sensuais 
são exibíveis, não agridem e não assustam. Fotos sensuais são aquelas que 
provocam a imaginação de como são as formas femininas. Em avaliação 
menos amarga, mais branda podem ser eróticas. São poses que não se tiram 
fotos. São poses voláteis para consideradas imediata evaporação. São poses 
para um quarto fechado, no escuro, ainda que para um namorado, mas 
verdadeiro. Não para um ex-namorado por um curto período de um ano. Não 
para ex-namorado de um namoro de ano. Não foram fotos tiradas em 
momento íntimo de um casal ainda que namorados. E não vale afirmar quebra 
de confiança. O namoro foi curto e a distância. Passageiro. Nada sério. A 
autora ao se exibir daquela forma sabia de possibilidade da divulgação 
porque estava ela em Uberaba e ele em Uberlândia. Não estavam juntos. As 
fotos viajaram de forma vulnerável na internet em cabos ópticos. E foi a 
autora quem ligou sua webcam que é postada em lugar estratégico no 
monitor do seu computador para o melhor ângulo fotográfico. Quem 
ousa posar daquela forma e naquelas circunstâncias tem um conceito 
moral diferenciado, liberal. Dela não cuida. Irrelevantes para avaliação 
moral as ofertas modernas, virtuais, de exibição do corpo nu. A exposição do 
nu em frente a uma webcam é o mesmo que estar em público. Mas, de 
qualquer forma, e apesar de tudo isso, essas fotos talvez não fossem para 
divulgação. A imagem da autora na sua forma grosseira demonstra não 
ter ela amor-próprio e autoestima. Sexo é fisiológico, é do ser humano e do 
animal. [sic] É prazeroso. Mas ainda assim temos lugar para exercitá-lo. A 
postura da autora, entretanto, fragiliza o conceito genérico de moral, o 
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que pôde ter sido, nesse sentido, avaliado pelo réu. Concorreu ela de forma 
positiva e preponderante. O pudor é relevante e esteve longe.” (Apel. Cív. 
1.0701.09.250262-7/001, Rel. Des. José Marcos Vieira, 16a Câmara Cìvel do 
Tribunal de Justiça de Minas Gerais, j. 11.6.2014 - grifo nosso) 
 
Rejeitando decisões como estas, pode-se pensar sobre a eventual incidência da teoria 
dos punitive damages aos casos de pornografia de vingança. Não se trata de mero 
ressarcimento pelos danos causados à vítima, mas de arbitrar um montante a ser pago de tal 
forma que sirva não apenas como punição ao agressor, mas também como exemplo para o 
meio social das consequências que o ilícito traz. O pagamento arbitrado, portanto, para além 
de uma indenização por danos morais, serve de pena e prevenção contra a prática da 
disseminação não consentida de conteúdo íntimo. 
 Já em âmbito penal, os julgadores prolatam suas decisões enquadrando a pornografia 
de vingança em difamação, injúria, estupro, agressão ou extorsão. Nestes casos, a fim de saber 
qual o diploma legal aplicável, é preciso também diferenciar as vítimas menores de idade, 
cuja proteção tem se endereçado à lei especial - o ECA - das vítimas maiores de dezoito anos, 
que comumente são tuteladas pela imputação de injúria ou difamação ao agressor. 
A guarda proporcionada pelo ECA tem sido reforçada (vide alterações recentes no 
texto da lei) a fim de firmar-se como um instrumento capaz de expurgar condutas 
relacionadas à pedofilia na internet. Assim, ainda que esta lei tenha sido utilizada para os 
casos de pornografia de vingança que envolvam menores, o espírito do estatuto se dispõe em 
prol da questão da pornografia infantil. O artigo 240 aduz de forma clara que “produzir, 
reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito 
ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente” enseja ação pública incondicionada, isto 
é, o titular da ação penal é o Ministério Público e a denúncia pode ocorrer independente do 
pronunciamento do ofendido. Se os mesmos atos fossem praticados em detrimento de uma 
pessoa maior de idade, o procedimento se daria via queixa-crime, ou seja, pela ação penal 
privada, que é movida por iniciativa da própria vítima. A proteção mais rígida prevista pelo 
legislador às crianças e adolescentes se dá em função da obrigação do Estado de busca da sua 
proteção integral, considerando a vulnerabilidade e a necessidade de cuidados e proteção 
especiais. 
No entanto, o ECA falha em proteger a exposição deuma menor de idade na internet 
se, por exemplo, as mídias divulgadas não forem consideradas pornográficas. 
Simbolicamente, em caso julgado pela 4a Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça 
de São Paulo, o ex-namorado da vítima postou fotos dela na internet, em trajes íntimos, sem 
seu consentimento. O réu foi inocentado em segunda instância com base no artigo 386, III, do 
CPP16, ou seja, para o relator, a ação não configuraria infração penal, conforme relata o 
excerto a seguir: 
 
“[...]Por aqui, o que se verifica pela análise das fotografias anexadas aos autos 
(fls. 8 e 24/26), as imagens da menor, ainda que contenham algum conteúdo 
sensual como, aliás, ela própria declinou no depoimento judicial (fls. 153) já que ela 
aparece trajando roupas íntimas, não podem ser consideradas pornográficas a 
ponto de configuração do tipo em discussão. Na verdade, como a lei não define o 
que se deve entender como “pornográfico”, é de rigor concluir, conforme ensina 
Guilherme de Souza Nucci, que como tal devem ser consideradas aquelas cenas 
contendo crianças ou adolescentes em“cenas de sexo explícito” (relações sexuais 
aparentes e visíveis)”, ou em“cenário pornográfico (situações de libidinagem ou 
devassidão)” (Leis penais e processuais penais comentadas, Editora RT, 5ª edição, 
 
16 Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: (...) III - não 
constituir o fato infração penal; (...)” 
Departamento de direito 
pag. 257) [...]” (Apel. 0008771-58.2007.8.26.0539, Rel. Des. Alexandre Almeida, 4a 
Câmara Criminal Extraordinária, Tribunal de Justiça de São Paulo, j. 24/04/14 - grifo 
nosso) 
 
Não há dúvida de que a publicação indevida gerou danos à moça, mas a forma como o 
ECA tipifica as condutas que envolvem menores é bastante restrita. Conforme já salientado, o 
foco da lei é o problema da pornografia infantil, e essa condicionante acaba por deixar 
desprotegida a vítima de pornografia de vingança menor de idade. Afinal, se o conteúdo das 
fotos não for considerado “pornográfico”, conforme expresso nos artigos 240 e 24117 do 
estatuto, não há respaldo para essas vítimas no âmbito do ECA. 
Nos casos em que se derroga a aplicação do ECA para tipificar a disseminação de 
imagens ou vídeos não autorizados como injúria ou difamação - crimes contra a honra -, a 
tendência é que esses processos corram nos Juizados Especiais, instituídos pela Lei 9.099/95. 
Os crimes contra a honra são considerados infrações penais de menor potencial 
ofensivo, já que a lei comina pena máxima em abstrato de até dois anos. O Juizado Especial 
propõe-se a instaurar a justiça da conciliação e é norteado pelos critérios da oralidade, 
simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que 
possível, a conciliação ou a transação penal18. Em regra, a transação penal é sempre oferecida; 
trata-se de um acordo, entre o suposto agressor e o promotor, segundo o qual o acusado não se 
declara culpado mas aceita cumprir penas mais brandas, alternativas à prisão, para evitar o 
processo judicial. 
Existe, ainda, a possibilidade da composição civil dos danos, ou seja, quando ocorre 
conciliação entre as partes. Havendo composição dos danos, ou seja, a conciliação entre as 
partes, o juiz homologa o acordo por sentença irrecorrível e há a renúncia ao direito de 
representação da vítima contra o agressor em relação àquele fato alegado em audiência 
preliminar no Juizado Especial Criminal - JECrim. 
Destaca-se também a possibilidade de a vítima ser assistida pela Lei Maria da Penha, 
quando configurada violência contra a mulher no âmbito doméstico, familiar ou em qualquer 
relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida. Se a 
difamação ou injúria ocorrerem dentro deste quadro, portanto, aplica-se a Lei 11.340/2006, 
sendo afastada a competência dos Juizados Especiais, uma vez que os delitos não serão mais 
considerados crimes de menor potencial ofensivo por força da norma especial. 
Ultrapassadas as possibilidades de tratamento da pornografia de vingança dentro do 
ECA e dos Juizados Especiais - tanto cíveis quanto criminais - passa-se à problematização do 
seu enquadramento nos tipos usualmente manejados pelos magistrados penalistas em suas 
decisões. 
Com relação à difamação, Rogério Sanches Cunha (2016)19 entende que o tipo não se 
amolda à pornografia de vingança porque o ato de espalhar fotos ou vídeos de alguém não 
 
17 Art. 240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo 
explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente: (...) § 1o Incorre nas mesmas penas quem 
agencia, facilita, recruta, coage, ou de qualquer modo intermedeia a participação de criança ou adolescente 
nas cenas referidas no caput deste artigo, ou ainda quem com esses contracena. (...) § 2o Aumenta-se a pena 
de 1/3 (um terço) se o agente comete o crime: I – no exercício de cargo ou função pública ou a pretexto de 
exercê-la; II – prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade; ou III – 
prevalecendo-se de relações de parentesco consangüíneo ou afim até o terceiro grau, ou por adoção, de tutor, 
curador, preceptor, empregador da vítima ou de quem, a qualquer outro título, tenha autoridade sobre ela, ou 
com seu consentimento. 
Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou 
pornográfica envolvendo criança ou adolescente 
18 Art. 2°, L. 9.099/95. 
19 CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal - parte especial (arts. 121 ao 361) I Rogério Sanches Cunha 
- 8. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPODIVM, 2016, p. 108-110. 
Departamento de direito 
caracteriza a imputação de fato ofensivo, conforme expresso no artigo 139 do código penal20. 
Mesmo que a honra objetiva - isto é, o conceito de que um sujeito goza no meio social - seja 
atingida, não se percebe o completo preenchimento do elemento que denota a difamação, qual 
seja a imputação de fato. 
Já na tutela da honra subjetiva do ofendido, ou seja, da sua autoestima, dignidade e 
decoro, a injúria pode ser o tipo penal correspondente à prática do revenge porn. A 
caracterização se dá pela intenção de vulgarizar a vítima, atribuindo às imagens ou vídeos 
qualidade negativa, entendimento respaldado na seguinte decisão: 
 
PENAL. APELAÇÃO. CRIMES DE INJÚRIA E DE DIFAMAÇÃO. ARTS. 
139 E 140 DO CÓDIGO PENAL. AGENTE QUE POSTA E DIVULGA FOTOS 
ÍNTIMAS DA EX-NAMORADA NA INTERNET. IMAGENS E TEXTOS 
POSTADOS DE MODO A RETRATÁ-LA COMO PROSTITUTA EXPONDO-SE 
PARA ANGARIAR CLIENTES E PROGRAMAS. PROVA PERICIAL QUE 
COMPROVOU A GUARDA NO COMPUTADOR DO AGENTE, DO MATERIAL 
FOTOGRÁFICO E A ORIGEM DAS POSTAGENS, BEM COMO A CRIAÇÃO E 
ADMINISTRAÇÃO DE BLOG COM O NOME DA VÍTIMA. CONDUTA QUE 
VISAVA A DESTRUIR A REPUTAÇÃO E DENEGRIR A DIGNIDADE DA 
VÍTIMA. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. CONDENAÇÃO 
CONFIRMADA. RECURSO NÃO PROVIDO.(Apel. 756.367-3, Rel. Juíza de 
Direito Substituta Lilian Romero. 4ª Vara Criminal da Comarca de Maringá. Tribunal 
de Justiça do Paraná, j. 07/01/11) 
 
A aplicabilidade do tipo penal de lesão corporal é outra que suscita dúvidas quando se 
fala em pornografia de vingança. O artigo 129 do código penal define lesão corporal como a 
ofensa à integridade corporal ou à saúde de outrem. O objeto jurídico aqui, conforme salienta 
Sanches (2016)21, “é a incolumidade pessoal do indivíduo, protegendo-o na sua saúde 
corporal, fisiológica e mental (atividade intelectiva, volitiva ou sentimental)”. Busca-se, com 
esta definição, tutelarnão só a saúde física, que engloba as condições do corpo em relação ao 
vigor físico; mas também a saúde mental, descrita como qualidade de vida emocional e 
cognitiva, e a social, relacionada com a capacidade de o indivíduo interagir com outros e 
conseguir prosperar em ambientes sociais 
Neste sentido, se uma pessoa tem sua intimidade revelada na internet e, em virtude 
dessa exposição, entra em quadro depressivo, por exemplo, há de se falar em lesão corporal 
por parte do autor da divulgação não autorizada, afinal, o distúrbio afetivo foi ocasionado pela 
ação delituosa do agente que, não raro, leva vítimas a porem fim às suas próprias vidas. 
Propostas legislativas que tratam do compartilhamento não autorizado das imagens 
íntimas 
A partir de 2013, inúmeros projetos de lei buscaram tutelar juridicamente as vítimas 
de pornografia de vingança - conforme será visto logo abaixo. Foi o caso emblemático da 
jornalista Rose Leonel que deu início aos primeiros debates dentro desta temática. Sua 
história perpassa o término de um relacionamento e a não aceitação por parte do ex-
companheiro. Após a separação, claramente irresignado e pretendendo abalar violentamente a 
vida da ex-companheira, ele publicou inúmeras fotos de Rose na internet, retratando-a como 
prostituta, além do que divulgou os números do telefone da residência, do trabalho e do 
celular do filho da jornalista. Rose relata ter recebido ligações de todo o país, perdido o 
emprego e amigos. Sua mobilidade foi reduzida devido à impossibilidade de sair às ruas sem 
sofrer humilhações e abusos; a vida dos familiares próximos também foi alvo dos impactos 
 
20 Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção, de três meses a 
um ano, e multa. 
21 Idem 
Departamento de direito 
dessa agressão, pois todos em Maringá-PR conheciam os anúncios de prostituição; e, por fim, 
Rose chegou ao extremo de ver a convivência com seu filho mais novo restringida, posto que 
este teve que deixar de morar com ela por causa da difusão vexatória. 
A primeira manifestação legislativa dedicada ao problema da exposição não 
consentida de imagens íntimas se deu com o Projeto de Lei 5555/13 - cujo nome homenageia 
Rose Leonel - do deputado federal João Arruda (PMDB-PR). Aprovado pelo plenário da 
Câmara em fevereiro deste ano, o projeto propõe a modificação da Lei Maria da Penha para 
tipificar nova forma de violência doméstica e familiar contra a mulher, qual seja a violação da 
intimidade da mulher pela divulgação na internet de vídeos, áudios, imagens, dados e 
informações pessoais sem expressa autorização. Segundo o autor da proposta, essa violência 
ainda não foi abordada por nenhuma política pública ou legislação. 
Pretende-se a inclusão do termo “direito à comunicação” no rol do art. 3º da lei Maria 
da Penha, que já assegura às mulheres as “condições para o exercício efetivo dos direitos à 
vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à 
justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à 
convivência familiar e comunitária”. 
O PL 5555/2013 pressupõe, ainda, que as medidas protetivas de urgência possam ser 
aplicadas de imediato pelo juiz, assim que se constate a prática de violência doméstica e 
familiar contra a mulher, nos termos do artigo 22 da Lei Maria da Penha. No caso, “o juiz 
ordenará ao provedor de serviço de e-mail, perfil de rede social, de hospedagem de site, de 
hospedagem de blog, de telefonia móvel ou qualquer outro prestador de serviço de 
propagação de informação, que remova, no prazo de vinte e quatro horas, o conteúdo que 
viola a intimidade da mulher”. 
Na justificativa do projeto, João Arruda destaca a importância da Lei nº 11.340/2006 - 
Lei Maria da Penha - ao afirmar que a norma especial representa um marco nas políticas 
públicas de combate à violência física, psicológica, sexual e moral contra as mulheres em 
ambiente familiar. Ressalta que a diretriz em vigor desde 2006 proporciona a reunião de 
condições para que um único juiz aplique todas as medidas pertinentes aos casos de violência 
doméstica contra a mulher, proporcionando maior agilidade no tratamento desse tipo de 
ocorrência. 
O texto foi aprovado com um substitutivo, apresentado pela deputada Laura Carneiro 
(PMDB-RJ) juntamente com a deputada Tia Eron (PRB-BA). Foi acrescido ao projeto de lei o 
crime de exposição pública da intimidade sexual, conceituado como a ofensa à dignidade ou 
ao decoro de outrem, divulgando por intermédio de imagem, vídeo ou qualquer outro meio, 
material que contenha cena de nudez ou de ato sexual de caráter privado. A pena prevista para 
reclusão é de 3 meses a 1 ano, com aumento de um terço à metade se o crime for cometido 
por motivo torpe ou contra pessoa com deficiência. Proposta similar é o PL de número 
5822/2013, da deputada Rosane Ferreira (PV/PR), cuja intenção também é tornar crime a 
violação da intimidade da mulher na internet no âmbito da violência doméstica e familiar. A 
moção da parlamentar paranaense foi apensada ao Projeto de Lei 5555/13. 
Já o PL 6630/2013, de autoria do então deputado Romário Faria, propõe alteração no 
artigo 216-B do código penal, tipificando a conduta de divulgação indevida de material 
íntimo, como fotos ou vídeos com cena de nudez ou ato sexual, sem autorização da vítima. 
Também fica estabelecido que comete crime quem realizar “montagens ou qualquer artifício 
com a imagem de pessoas”, mas a expressão é demasiado aberta, podendo englobar situações 
variadas, além de não ficar claro se essas edições precisam ter cunho sexual. À propositura de 
Romário foi apensado o PL 6713/2013, de autoria da deputada Eliene Lima (PSD/MT); na 
ementa, a deputada visa a criação de uma nova lei para que se possa punir o que ela chama de 
“vingança pornográfica”. 
Departamento de direito 
Em 2015, Romário reapresentou o mesmo argumento de 2013, desta vez no Senado e 
sob o número PL 63/15. Outra proposta bastante semelhante a de Romário é a sob o número 
6831/2013, do deputado Sandes Júnior (PP/GO), que por isso foi apensado ao trabalho do 
senador carioca. A intenção é a mesma: incluir o artigo 216-B no código penal, estabelecendo 
o crime de exposição pública da intimidade física ou sexual. 
O Projeto de Lei sob o número 6.712, de 2013, de autoria do deputado Eliene Lima 
(PSD/MG), não pretende alterar a Lei Maria da Penha ou o Código Penal como os anteriores, 
mas objetiva a punição com um ano de reclusão e 20 salários mínimos “quem publicar as 
chamadas postagens pornográficas de vingança na internet”, sendo indiferente tratar-se de 
imagem de homem ou de mulher. 
O deputado Fábio Trad (PMDB/MS), apresentou o PL 7377/2014, que propõe 
alteração do código penal para estabelecer, no art. 216-B, o crime de violação de privacidade, 
nos seguintes termos: Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou 
divulgar, sem consentimento da vítima, imagem em nudez total, parcial ou em ato sexual ou 
comunicação de conteúdo sexualmente explícito, de modo a revelar sua identidade, 
utilizando-se de qualquer mídia, meio de comunicação ou dispositivo. A pena instituída neste 
PL é mais rígida do que as propostas ora analisadas, prevendo reclusão de dois a seis anos. 
Em 2016, o deputado Carlos Henrique Gaguim (PMB/TO) externou o projeto cujo 
número é PL 4527/16. A intenção do parlamentar era criar o artigo 233-A no código penal, no 
capítulo que trata do ultraje público ao pudor, para tipificar o ato de “divulgar foto ou vídeo 
íntimo de mulher”. Iracema Portela (PP/PI) propôs o PL 3158/15 que também cria o artigo 
233-A no código penal, paraincriminar quem “promove a exposição pública da intimidade 
física ou sexual de alguém”. A proposta ainda prevê causa de aumento de pena caso a vítima 
seja menor de idade ou possuir deficiência mental. 
Acrescentar no artigo sétimo, no final do inciso VI, da Lei Maria da Penha a expressão 
“sem seu expresso consentimento”, essa é a intenção da deputada Carmen Zanotto (PPS/SC) 
com o PL 170/15. A redação atual do inciso VI diz que “há violação doméstica e familiar 
quando “a violação da intimidade da mulher, entendida como a divulgação, por meio da 
internet ou outro meio de propagação de informações, de dados pessoais, vídeos, áudios, 
montagens e fotocomposições da mulher, obtidos no âmbito das relações domésticas, de 
coabitação ou hospitalidade” 
Percebe-se considerável variação no quantum de pena pretendido pelos projetos de lei. 
Conforme assinalado pelo trabalho do InternetLab, consolidado no livro O Corpo é o Código, 
os PLs 6831/13, 6630/13 e 7377/14 preveem pena máxima superior a 3 anos, o que significa 
que não se trata de crimes de menor potencial ofensivo e, portanto não se sujeitariam à lei n. 
9099/95 (Juizados Especiais Criminais), como é o caso dos crimes de injúria e difamação. As 
propostas também alternam entre reclusão e detenção. A pena de reclusão é aplicada a 
condenações mais severas, e o regime pode ser o fechado logo no início do cumprimento, 
havendo possibilidade de progressão para os regimes semi-aberto ou aberto, e o local de 
cumprimento normalmente se dá em presídios de segurança máxima ou média. A detenção é 
mais branda, aplicada para condenações mais leves e não admite que o início do 
cumprimento seja no regime fechado. 
Ainda que perceptíveis as diferenças entre os projetos, estes se coadunam quando 
identificam que a prática ilícita ocorre em detrimento da mulher. A conduta vingativa “é 
praticada por cônjuges ou ex-cônjuges que se valem da condição de coabitação ou de 
hospitalidade para obter tais registros, divulgando-os em redes sociais como forma de 
constrangimento à mulher”, conforme expresso no texto de justificação do do PL 5555/13 e 
do PL 5822/13. 
Se há uma noção uníssona no entendimento dos parlamentares cujos projetos foram 
apresentados, é a de que há ausência de legislação específica para confrontar os atos da 
Departamento de direito 
pornografia de vingança. Há uma dimensão da violência doméstica contra a mulher que ainda 
não foi abordada por nenhuma política pública ou legislação. A argumentação do PL 3158/15 
destaca que a lei Carolina Dieckmann - Lei nº 12.737/2012 - que dispõe sobre a tipificação 
dos crimes informáticos, não é suficiente, ainda que incrimine a divulgação de material 
pessoal, pois restringe-se a cuidar de casos de invasão de dispositivo informático. 
Conclusões 
O ordenamento jurídico vigente não resolve as questões advindas dessa nova realidade 
da internet. Como visto, em esfera cível, a redução dos casos de pornografia de vingança ao 
arbitramento de danos morais abre espaço para decisões contraditórias, aberrantes, sem 
qualquer lógica e insuficientes diante de todo o estrago que a agressão impinge à vida da 
vítima. Este quadro pode suscitar questionamentos sobre a aplicação de danos punitivos aos 
agressores que disseminaram o conteúdo íntimo, solução que ainda merece debates, na tarefa 
de negar sentenças e acórdãos que desacreditam a violência sofrida pelas vítimas por meio da 
fixação de indenizações risíveis. 
Já em âmbito penal, os crimes contra a honra (arts. 138, 139 e 140 do código penal) 
oferecem penas muito brandas e, além disso, não se amoldam completamente às necessidades 
das vítimas de pornografia de vingança. A lei nº 12.737/2013 representa um avanço, sim, 
pois busca a criminalização de crimes cibernéticos, mas não foi pensada para os delitos que 
acontecem no espaço familiar. O Estatuto da Criança e do Adolescente também falha quando 
se fala em pornografia de revanche porque para que se receba a proteção prevista na lei 
especial é preciso que haja cena de sexo ou pornográfica, de forma explícita, e assim muitos 
casos de exposição das vítimas menores de idade não se encaixam no tipo e, por isso, não 
recebem amparo legal. 
A produção legislativa foi fomentada em 2013, mas a maioria dos projetos de lei têm 
redação ampla ou pouco acrescentam à demanda. Fora isso, com exceção do PL 5555/13, 
aprovado na Câmara e enviado ao Senado, todos os outros projetos não vingaram nas casas 
iniciadoras, ou foram arquivados, ou apensados ou ainda nem analisados. Por não existir 
norma clara e criação legislativa suficiente, a doutrina segue sem produzir conteúdo com 
qualidade. Em meio a esse caos, sobra para o magistrado buscar um fundamento jurídico que 
seja mais próximo possível da realidade. A vítima fica desamparada e suscetível a 
interpretações excêntricas e destoantes dos juízes, como no caso da decisão transcrita logo no 
começo do artigo. 
 
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10 - WILSON, Gary. Palestra “The Great Porn Experiment” proferida para o TEDxGlasgow. 
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=wSF82AwSDiU&t=3s>. Acesso em: 30 
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