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DOUTRINA SOBRE ANULAÇÃO NEGOCIO JURIDICO SIMULADO

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Prévia do material em texto

MARTINS GONSALVES
& ADVOGADOS ASSOCIADOS 
O negócio jurídico simulado é o ato jurídico que mascara os sujeitos envolvidos nas transmissão ou conferência de direitos, que contenha declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira ou cujo instrumento particular seja antedatado ou pós-datado.
A simulação do contrato gera um negócio jurídico nulo ou anulável?
Se existe algo que está intimamente ligado ao direito imobiliário, chama-se contrato. No mundo dos imóveis, todos os dias, centenas de milhares de bens são alienados, doados, dados em pagamento, entre outras formas de transação, sobretudo em uma sociedade extremamente patrimonialista como é o caso, por exemplo, da sociedade brasileira. Outra característica que nos segue é o conhecido “jeitinho brasileiro”, pelo qual se busca dar vazão aos interesses singulares. Dessa maneira, não se importa demasiadamente com a ética ou com os bons costumes, inclusive, escondendo a verdade sobre os fatos ou a intenção. E assim, contraria, por vezes, também as regras gerais do negócio jurídico.
Em que pese, contudo, essa realidade vivenciada por séculos em nosso país, a legislação brasileira não coroa tal situação. Pelo contrário, traz a hipótese legal denominada simulação, conceituada como uma declaração falsa, que visa aparentar um negócio jurídico diverso do efetivamente desejado.
Nesse sentido, quando se trata de negócio jurídico simulado, tem-se um ato cuja aparência é contrária à realidade.
1. Negócio jurídico simulado no Código Civil
A possibilidade de existir um ato jurídico eivado pela simulação não é uma novidade constante apenas pelo Código Civil atual, ao passo que já encontrava espaço no revogado Código Civil de 1916, que assim previa em seu artigo 147:
Art. 147. É anulável o ato jurídico:
I. Por incapacidade relativa do agente (art. 6).
II. Por vício resultante de erro, dolo, coação, simulação ou fraude (art. 86 a 113).
Por outro lado, a atual codificação civilista dispõe o seguinte no artigo 167, in verbis:
Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.
§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;
II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
2. Anulação x nulidade do negócio jurídico
Como se pode verificar da simples leitura dos dois dispositivos elencados acima, ainda que permaneça a previsão legal em nosso ordenamento do contrato simulado, houve uma substancial alteração e que pode gerar equivoco quando da aplicação prática do referido instituto pelo operador do direito.
Isso porque, enquanto no Código Civil de 1916 a simulação era causa de possível anulação do negócio jurídico, o Código Reale dispõe categoricamente que o contrato no qual as partes fingem, encenam, ou seja, simulam um negócio que em verdade não existe, é uma transação nula.
Nesse passo, um olhar mais desatento poderia concluir que não existe grande diferença na forma como as duas legislações tratam o assunto, entretanto, Humberto Teodoro Júnior, explica de forma singular que:
A aplicação dessa regra ao caso da simulação, que passou de causa de anulação (no Código de 1916) para causa de nulidade (no atual), faz com que os negócios simulados ajustados antes da vigência da lei nova continuem sendo tratados como anuláveis e sujeitos ao prazo decadencial fixado pelo Código anterior. A mácula da nulidade somente incidirá sobre os que se formarem após a entrada em vigor do Código de 2002. (THEODORO JÚNIOR. Humberto. Comentários ao novo Código Civil: volume III, tomo I – livro III. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 514/515).
3. Validade dos contratos anteriores ao Código Civil de 2002
Tendo em vista, portanto, que os negócios simulados sob a égide do código revogado podem ser objeto de pedido de anulação, não sendo nulos de pleno direito, abre-se espaço para a discussão acerca da sua aplicabilidade nos negócios jurídicos que perpetuam seus efeitos até os dias atuais.
A par disso, frente a alteração trazida pela nova legislação aplicável, torna-se necessário, assim, citar a regra insculpida no artigo 2.035 do Código Civil vigente no que tange a validade dos negócios concebidos antes da sua entrada em vigor.
Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045 , mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução. Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos.
4. Contratos simulados nulos na jurisprudência
Corroborando o quanto exposto, a jurisprudência dos nossos tribunais tem comungado, desse modo, do mesmo entendimento de que são nulos os contratos simulados cuja celebração se deu no curso da vigência do Código Civil de 2002. Dessa forma, é o que se conclui das ementas transcritas abaixo:
4. 1. Ação anulatória de negócio jurídico – AgInt no REsp 1468433
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL – AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. INSURGÊNCIA DOS AUTORES.
1. “A alegação de simulação em negócios jurídicos celebrados sob a égide do Código Civil de 1916 atrai a incidência do princípio tempus regit actum afastando a aplicação das regras do Código Civil de 2002, para, com base no art. 178, § 9º, V, b, do Código Beviláqua, reconhecer-se a ocorrência de prescrição.” (REsp 1004729/MS, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 20/10/2016, DJe 26/10/2016). No caso em tela, apontou-se invalidade por simulação e fraude contra credores no contrato de compra e venda realizado entre uma das co-proprietárias e terceiro, alegações que, na vigência do CC/1916, estavam submetidas ao prazo decadencial de quatro anos.
2. Agravo interno desprovido.
(STJ – AgInt no REsp: 1468433 GO 2014/0171040-0, Relator: Ministro MARCO BUZZI, Data de Julgamento: 24/10/2017, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 13/11/2017) (grifou-se).
4. 2. Ação declaratória de nulidade do negócio jurídico – AC 03004849320178240068
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA. PRETENDIDO RECONHECIMENTO DE NULIDADE DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL SUPOSTAMENTE SIMULADO. NEGÓCIO CELEBRADO EM 1998. SENTENÇA QUE RECONHECEU A DECADÊNCIA. […] RECURSO DO AUTOR. DECADÊNCIA. NEGÓCIO JURÍDICO CELEBRADO SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. SIMULAÇÃO QUE, PELA LEI ANTERIOR, ERA CAUSA DE ANULABILIDADE – E NÃO DE NULIDADE – DO ATO. PRAZO DECADENCIAL DE QUATRO ANOS OPERADO AINDA SOB A VIGÊNCIA DA LEI DE 1916. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DAS DISPOSIÇÕES CONTIDAS NO CÓDIGO CIVIL DE 2002. PRINCÍPIO DO TEMPUS REGIT ACTUM. INTELIGÊNCIA DA REGRA DE TRANSIÇÃO CONTIDA NO ART. 2.035 DA LEI ATUAL. IRRELEVÂNCIA DA DATA DA EFETIVA CIÊNCIA DO AUTOR ACERCA DA EXISTÊNCIA DO NEGÓCIO. PRAZO DE NATUREZA DECADENCIAL, CONTADO A PARTIR DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO. PRECEDENTES. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
(TJ-SC – AC: 03004849320178240068 Seara 0300484-93.2017.8.24.0068, Relator: Saul Steil, Data de Julgamento: 22/10/2019, Terceira Câmara de Direito Civil). (grifou-se).
5. Prescrição e decadência do ato simulado
Por outro lado, ultrapassada a questão da incidência das regras previstas no Código Beviláqua, tem-se que conquanto o Código Civil de 1916 no art. 178, § 9º, V, b, dispunha que “prescreve” em quatro anos o direito de anular o ato simulado, a jurisprudência e a doutrina convencionaram que o dispositivo, em verdade, tratava de verdadeiro prazo decadencial.
Nesse sentido, salienta-se que não sendo caso sujeito à prescrição, nos quais a data de início de contagem do prazo pressupõe a análise do momentoem que se tomou conhecimento do ato supostamente simulado, o cômputo do prazo para a anulação de negócio realizado, sob a égide da Código Civil de 1916, inicia-se a partir da sua celebração, ao passo que a decadência atinge o próprio direito material.
Assim, decorrido o prazo quadrienal, sem exercício desse direito, fica o negócio convalidado, operando-se a decadência em sua plenitude. O que, por sua vez, não ocorre com os negócios jurídicos simulados cuja perfectibilização tenha ocorrido durante a constância do Código Civil de 2002, porquanto assim dispõe o artigo 169, veja-se:
Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.
Dessa forma, por todo o exposto, resta evidente que para a correta análise e, por consequência, conclusão se determinado negócio jurídico é anulável, permitindo, assim, a sua convalidação, ou se ao invés disso é nulo, tornase imprescindível a prévia atenção para a data na qual foi celebrado.
Até a próxima.
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A SIMULAÇÃO, O DIREITO INTERTEMPORAL E A AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE
Written on 28 February 2018.
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Em tempos de vigência da nova Lei Processual, em que pese ser assunto de moda a formação de incidentes de desconsideração de personalidade jurídica por parte de credores ao perseguirem créditos de seus respectivos devedores, cabe chamar a atenção para outro instrumento um pouco em desuso, o qual seja, a existência de simulação e a ação declaratória de nulidade, meio que a sistemática brasileira prevê para casos de conluios.
A fim de trazer um debate de âmbito de direito material à questão, serve o presente para apontar questão de direito intertemporal na medida em que os diplomas civis de 1916 e 2002 divergem sobre o tratamento do vício em epígrafe, tratado como de cunho social pelo Código de Reale. Em breves linhas, como noção introdutória, a problemática do presente gira em torno da eventual decadência que não mais ocorre nos casos comprovados de simulação, o que castigava as vítimas do conluio formado na vigência do Código de 1916.
Antes de adentrar nos critérios para aplicação da lei no caso concreto com relação ato simulado praticado na vigência do Código Civil de 1916, e que também produz efeitos durante a vigência do Código Civil de 2002, é imprescindível relembrar conceitos de simulação, nulidade e decadência.
1. Simulação
Tem vez a simulação quando o agente pretende, em suma, esconder a realidade de terceiro, podendo o ato ser considerado também fingimento ou mesmo camuflagem da real intenção a qual se destina. O cerne da simulação reside no fato de se criar intencionalmente um cenário que não representa a real intenção das partes que, contratualmente ou em declaração, exteriorizam vontade diferente da que realmente desejam.
Como exemplo meramente ilustrativo, imagina-se que determinada pessoa deve quantia considerável para credores e pretende resguardar seu patrimônio contra eventuais expropriações em caso de inadimplência. Casado este com seu cônjuge finge o divórcio e, na partilha o devedor cede uma casa e um automóvel para o suposto divorciando.
Apesar de “divorciados”, devedor e cônjuge vivem como se casados fossem com convívio familiar, como se o divórcio não tivesse sido realizado. Neste caso ficou evidente que a declaração exteriorizada pelo casal não representa a real vontade, mas sim foi um ato criado simplesmente para ludibriar credores.
O que se verifica na simulação é a diferença da vontade que realmente se tem da que se declara. O Desembargador aposentado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, Itamar Gaino cita Michel Dagot[1]  em sua obra específica sobre o tema simulação que aborda essa questão do cenário criado para ludibriar terceiro que, assim como no caso do divórcio, tem condão de ostentar dupla significação.
Pela leitura inicial do conceito fica claro que o ponto controvertido no vício da simulação é a discrepância da vontade dos agentes com a declaração exteriorizada em atos jurídicos, atingindo diretamente terceiros.
Assim pode-se concluir que existem grandes diferenças entre simulação, fraude contra credores – exige a má-fé do comprador ou imprudência, [AdSS1] com a aquisição de um bem sem as cautelas adequadas para tanto -, e fraude à execução – dilapidação do patrimônio capaz de reduzir o agente à insolvência, no curso de demanda executiva -, e essas diferenças tornam-se decisivas para identificar o meio adequado para tornar sem efeito a alienação fraudulenta.
1. Nulidade e anulabilidade
A nulidade é uma espécie de invalidade do negócio jurídico atribuída aos casos mais graves, eis que o ato jurídico nulo possui ineficácia erga omnes e é tido por vício insanável, com exceções extremamente pontuais.
O artigo 145 do Código Civil de 1916[2] consignava que os seguintes atos eram nulos: (i) aquele praticado por pessoa absolutamente incapaz; (ii) aquele cujo objeto fosse ilícito ou impossível; (iii) aquele que não preencher as formas previstas em lei[3][4]; (iv) aquele que não preencher solenidade determinada pela lei como essencial para sua constituição e; (v) aquele que a lei taxativamente declarar nulo.
Já o Código Civil de 2002, em seus artigos 166[5] e 167[6], estabeleceu como nulos os seguintes atos: (i) aquele praticado por pessoa absolutamente incapaz; (ii) aquele cujo objeto for ilícito, impossível ou indeterminado; (iii) aquele cujo o motivo comum foi ilícito; (iv) aquele que não cumprir forma prescrita em lei; (v) aquele que não preencher solenidade determinada pela lei como essencial para sua constituição; (vi) aquele praticado com o intuito de fraudar lei imperativa e;  (vii) aquele simulado.
Embora existam diversas causas de nulidade, somente a Simulação interessa para desenvolvimento do presente artigo, ressaltando que a problemática se dá pelo fato da mudança de tratamento da simulação no tempo, uma vez que o novo ordenamento considera a simulação um vício social, agravando assim sua visão negativa perante a sociedade.
No que concerne à anulabilidade, esta é uma espécie de invalidade do ato jurídico, incidente sobre os casos de menor gravidade, tendo em vista que os casos tidos por graves no Código Civil são passíveis de nulidade.
O Código Civil de 2002, em seu artigo 171, estabelece quais são as hipóteses de anulabilidade do negócio jurídico, a saber: (i) casos expressamente declarados anuláveis na lei; (ii) pela incapacidade relativa do agente e; (iii) por vício decorrente de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores.
Reitera-se que durante a vigência do Código Civil de 1916 a simulação também era causa de anulação, fato que foi alterado pelo Código Civil de 2002, que passou a considerá-la suscetível de nulidade, até mesmo por ser matéria de ordem pública em razão da gravidade e da reprovação social da realização de conluios ou tramas com o objetivo de fraudar.
Após ser anulado o negócio jurídico, as partes retornaram ao estado anterior à celebração do negócio e, não havendo possibilidade de eventual restituição do status quo pela natureza da operação, as partes serão indenizadas com o equivalente[7].
Importante destacar que a anulabilidade do negócio é atingida pelos efeitos da decadência, ou seja, somente pode ser reconhecida se suscitada dentro dos prazos legais e após decurso dos prazos, sem que seja apontada sua ocorrência, será convalidado, ou seja, continuará a produzir seus efeitos.
O prazo decadencial para pretender a anulação de negócio jurídico é de quatro anos em caso de coação, erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo, lesão ou incapacidade relativa ou de dois anos nos casos não previstos em lei, nos termos dos artigos 178[8] e 179[9] do Código Civil de 2002.
Após a breve conceituação da anulabilidade e nulidade, restam nítidas as consequências da aplicação o Código Civil de 1916 ao ato simulado, eis que o referido instrumento normativo o considerava anulável e nãonulo, portanto, ficando eventual credor à época à deriva do decurso do tempo, o que não mais ocorre na vigência do novo diploma em curso[AdSS2] , [HdMP3] vez que o tema é tratado por nulidade, ou seja, nunca produziu efeitos.
1. A ação declaratória de nulidade
Repisa-se no presente tópico a necessidade de distinção entre a simulação e fraude contra credores, pois saber diferenciar os institutos se revela crucial para pleitear a ineficácia de eventual alienação de bens em cada caso concreto.
Para arguição de fraude contra credores, aquela em que o credor precisa comprovar a má-fé do adquirente[AdSS4]  – com a exceção de presunção de pai para filho - o ordenamento jurídico fornece no artigo 161 a possibilidade de ajuizamento da Ação Pauliana. Já para arguição de simulação o caminho a ser seguido passa por ação de cunho ordinário, a qual o credor suporta o ônus de ligar os pontos e comprovar a ilusão formada entre os entes, a fim de ludibriar e assim blindar o patrimônio.
Ademais, além da diferença no que tange à fundamentação legal, é certo que a identificação da ação correspondente à pretensão facilita na estratégia a ser tomada, tanto no que toca à produção de prova documental quanto testemunhal, ao passo que na ação pauliana se busca comprovar a má-fé do adquirente – como exemplo a ausência de pesquisa nos cartórios de distribuição na Comarca do imóvel adquirido-. Na ação declaratória, como esta visa identificar o conluio, a produção fica por conta de depoimentos pessoais e, eventualmente, confronto de datas[AdSS5]  e documentos, sendo que hoje em dia pode também ser comprovada por trocas de e-mails, por exemplo.
Portanto é indispensável levar em consideração, além das questões de caducidade de direito, o tipo do vício suscitado para instruir corretamente a ação, e desta forma garantir a efetiva prestação jurisdicional.
1. Dos critérios para definição do Diploma Legal que deve ser aplicado ao ato simulado praticado durante a vigência do Código Civil de 1916 e que produz efeitos durante a vigência do Código Civil de 2002
O Código Civil de 2002 demonstrou uma maior preocupação ao tratar da simulação pois a considerou um vício grave, que gera efeitos além dos pactuantes, ou seja, seria um vício de ordem pública e, por esse motivo, poderia ser reconhecido de ofício (em razão da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, houve delimitação das hipóteses de reconhecimento de ofício pelo juiz), arguida por qualquer interessado e também pelo Ministério Público a qualquer tempo.
O ato nulo não se convalida com o decurso do tempo, ou seja, não é atingido pela decadência e prescrição.
Superadas tais pontuações, imagina-se o seguinte acontecimento: um ato foi celebrado durante a vigência do Código Civil de 1916, entretanto somente após entrada em vigor do Código Civil de 2002 venha produz efeitos, e neste período o terceiro prejudicado toma conhecimento da existência da simulação.
Considerando o cenário acima, qual seria o instituto que deve ser aplicado: o instrumento normativo vigente durante a celebração do ato jurídico ou o diploma em vigor à época da produção de seus efeitos e do conhecimento do vício pelo terceiro prejudicado?
Se aplicado o Código Civil de 1916 o ato será anulável e, dependendo do decurso do lapso entre a data da celebração do ato jurídico e o conhecimento do vício pelo terceiro, poderá ter ocorrido decadência/prescrição e o ato será convalidado e eficaz. Já se for considerado que as normas previstas no Código Civil de 2002 são as que devem prevalecer, já que vigente à época da produção de efeitos e conhecimento do vício pelo individuo prejudicado, o ato não será alcançado pela decadência e pela prescrição.
Como anteriormente suscitado a mudança do tratamento se deve ao endurecimento da Legislação em relação aos atos simulados, sendo este vício tido hoje como matéria de ordem pública. Ou seja, a legislação em vigência deixa de premiar os jurisdicionados que elaboram negócios visando ludibriar o Estado e outros entes particulares, retirando o benefício da decadência para os casos em que foram entabulados negócios que não refletem a realidade, bem como a vontade real das partes.
A discussão gira em torno do momento em que o negócio é deflagrado, se os efeitos perduram durante o tempo.
A dúvida surge quando da leitura do artigo 2.035 do Código Civil de 2002, uma norma de transição, a qual prevê: ”a validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução”.
Pela leitura da primeira parte do mencionado dispositivo legal, o ato jurídico constituído antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002 estaria subordinado ao determinado no Código Civil de 1916, entendimento adotado pela jurisprudência para as hipóteses comuns[10][11].
A aplicação indiscriminada do Código Civil de 1916 aos casos que produziram efeitos durante o Código Civil de 2002, e somente após a entrada em vigor do mencionado instrumento normativo o terceiro prejudicado tomou conhecimento sobre o vício, poderá causar danos ao terceiro de boa-fé, que terá que se conformar com a convalidação do ato jurídico em caso de ocorrência de decadência/prescrição, mesmo sem ter tido a oportunidade de alegar a ocorrência do vício por falta de conhecimento.
Agora, se for dado foco na segunda parte do artigo 2.035 do Código Civil de 2002, constata-se que o mencionado dispositivo legal estabelece que se o ato produzir efeitos após a entrada em vigor do mencionado Diploma Legal, à ele se subordinam.
Com o intuito de garantir tanto a segurança jurídica quanto a proteção do terceiro de boa boa-fé, se deve analisar o caso concreto e verificar se o terceiro detinha conhecimento sobre o vício de simulação, se deixou de alegar o vício por sua própria inércia, se o ato jurídico produziu ou não efeitos durante a vigência do novo Código Civil para então definir qual o instrumento normativo deve incidir sob o caso concreto.
1. Conclusão
Buscou-se no presente trabalho ressaltar ao operador do direito que nem sempre a formação de grupo econômico ou abertura do incidente de desconsideração da personalidade jurídica é a solução para destruir a blindagem concretizada por devedores.
A simulação é muito utilizada na construção de fraudes patrimoniais, e cabe sempre a correta análise para ao ser arguida pelo instrumento jurídico adequado – ação declaratória – com o correto conjunto probatório que a situação merece.
No mais, tendo em vista que muitos atos jurídicos foram celebrados durante a vigência do Código Civil de 1916, mas continuaram a produzir efeitos sob a égide do Código Civil de 2002, após análise de todos os aspectos pertinentes à matéria, a possibilidade de arguir a nulidade e, se necessário, afastar a decadência do ato, deve sempre que possível ser aproveitada ao credor.
A informação acima decorre da análise crítica do artigo 2.035 do Código Civil de 2002, afirmando-se que mesmo que o ato jurídico tendo sido celebrado durante a vigência do Código Civil de 1916, caso produza efeitos durante a vigência do Código Civil de 2002 e o terceiro prejudicado somente tenha conhecimento do vício de simulação durante a égide do novo Codex, não tendo oportunidade de suscitá-lo antes, certamente o Diploma Legal que deverá ser aplicado é o vigente à época da produção dos efeitos e do conhecimento do vício, de modo a evitar que terceiro seja prejudicado indevidamente e o responsável pela simulação seja beneficiado indevidamente.
Assim, com a aplicação do Código Civil de 2002, observadas todas as peculiaridades do caso em concreto inseridas no correto instrumento processual, a simulação será passível de nulidade e não sofrerá com os efeitos da decadência, e tal posicionamento certamente reflete a opinião do legislador ao elevar o status da simulação para vício social, diferindo o entendimentocom relação a outras fraudes patrimoniais.
 
[1] Dagot diz que a simulação aparece como uma manifestação da mentira no domínio jurídico.       Não é a única, mas parece ser a mais importante, tanto pela amplitude do domínio em que se manifesta, quanto pelo caráter de gravidade que se reveste. O simulador não se contenta com a simples mentira, verbal ou escrita. Ele cria a aparência, normalmente para enganar terceiros . A aparência ostenta dupla significação: de um lado, visa dar conhecimento do ato simulado a terceiros; de outro lado, ela tem o significado de criação de uma situação falsa, inexata, no sentido de não corresponder à realidade, podendo atrás dela existir a situação real, mas oculta (Dagot in GAINO, Itamar. A simulação dos negócios jurídicos. Coleção Profº. Agostinho Alvim, coordenação Renan Lotufo, 2ª ed., São Paulo: Saraiva 2012, p. 50).
[2] Art. 145. É nulo o ato jurídico:
I. Quando praticado por pessoa absolutamente incapaz (art. 5).
II. Quando for ilícito, ou impossível, o seu objeto.
III. Quando não revestir a forma prescrita em lei arts. 82 e 130).
IV. Quando for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade.
V. Quando a lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito.
 
[3] Art. 82. A validade do ato jurídico requer agente capaz (art. 145, n.º I), objeto licito e forma prescrita ou não defesa em lei (arts. 129, 130 e 145).
[4] Art. 130. Não vale o ato, que deixar de revestir a forma especial, determinada em lei (art. 82), salvo quando esta comine sanção diferente contra a preterição da forma exigida.
[5] Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;
III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;
IV - não revestir a forma prescrita em lei;
V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;
VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.
[6] Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.
§ 1o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;
II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
§ 2o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.
[7] Art. 182. Anulado o negócio jurídico, restituir-se-ão as partes ao estado em que antes dele se achavam, e, não sendo possível restituí-las, serão indenizadas com o equivalente.
[8] Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado:
I - no caso de coação, do dia em que ela cessar;
II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico;
III - no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade.
[9] Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.
[10] ANULAÇÃO DE ATO JURÍDICO. Compra e venda de bem imóvel realizada sob a égide do Código Civil de 1916.
Alegação de Simulação. Decorrido prazo prescricional de 4 (quatro) anos previsto no art. 178, § 9, b CC/16. Sentença que reconheceu a prescrição e julgou extinta a ação, mantida. TJSP – Apelação Cível nº 0136812-74.2008.8.26.0000; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Privado; Relator: Fábio Quadros; Julgamento: 10/11/2011; Publicação: 01/12/2011
[11] APELAÇÃO CÍVEL. RESCISÃO DE CONTRATO. CONTESTAÇÃO. PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO DA AÇÃO SUSCITADA.
1. A ação de anulação prescreve em quatro anos.
2. No caso, o ato foi realizado em 03 de setembro de 1992 e a ação de anulação proposta em 14/06/2008.
3. Inteligência dos artigos 295, VI, e 269, IV; 219 e seu § 1º; 468 e 469 do CPC; e artigos 178, § 9º, V, letra b e 172, I do Código Civil de 1916.
4. Extinção do processo pelo reconhecimento da prescrição da ação.
5. Recurso Provido.
6. Votação Unânime. TJPI – Apelação Cível nº 0009445-28.2006.8.18.0140; Órgão Julgador: 2ª Câmara Especializada Cível; Relator: José James Gomes Pereira; Julgamento: 26/10/2010; Publicação: 09/11/2010 (http://www.tjpi.jus.br/e-tjpi/consulta_processo.php?num_processo_consulta=200900010004069).
 [AdSS1]Sugestão: se é má-fé, não pode ter sido imprudência, concorda?
 [AdSS2]Sugestão: vez que, o tema é tratado por nulidade, ou seja, nunca produziu efeitos.
 [HdMP3]Na verdade o Código de 1916 tratava a simulação como anulável, é podia produzir efeitos
 [AdSS4]Pode ser presumida se de pai pra filho
 [AdSS5]Eventual documento (troca de e-mails)
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	Peças Processuais
		 
ESTADO DO CEARÁ
MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL
PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA
PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE CRUZ E GIJOCA DE JERICOACOARA
 
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO DA COMARCA DE CRUZ/CE
Ação Declaratória de Nulidade por Simulação de Negócio Jurídico de Compra e Venda c/c Cancelamento de Registro Público
Promovente : Ministério Público Estadual
Promovido : Manoel Haroldo Brandão e esposa, Diocese de Sobral e Patrimônio de São Francisco da Capela de Caiçara
 
 
 
 
 
 
 
 
 
01. O MINISTERIO PUBLICO ESTADUAL, por seus representantes legais, na qualidade de substituto processual, com amparo no artigo 127 “caput” e 129, II e III da Carta Magna Federal, art. 130, II e III da Constituição Estadual, art. 1 o , IV da Lei 7347/85, art. 25, IV, ‘a", art. 27,III da Lei 8625/93, bem como, nos artigos art. 82, I e II do CPC e art. 168 e 167 do CCB, vem, respeitosamente, perante V. Exa., promover
AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE NEGÓCIO JURÍDICO DE COMPRA E VENDA C/C CANCELAMENTO DE REGISTRO PÚBLICO em face de
Sr. MANOEL HAROLDO BRANDÃO e sua esposa Sra. FRANCISCA DAS CHAGAS VASCONCELOS BRANDÃO, brasileiros, casados, ele, portador de Id. N. 783521-SSP/CE, CPF N. 912978188-49, ela, portadora da Id. N. 92002040508 – SSP/CE, CPF N. 426987663-87, residentes e domiciliados na rua Chuí, 203, bairro João XXIII, Fortaleza-CE e
a DIOCESE DE SOBRAL, pessoa jurídica de direito privado, domiciliada na Praça Quirino Rodrigues, 76/4, CEP 62011-260, Cx Postal 106, cidade de Sobral, Ceará, na pessoa de seu representante legal, Bispo Aldo di Cillo Pagotto e o PATRIMÔNIO DE SÃO FRANCISCO DA CAPELA DE CAIÇARA, na pessoa de seu representante legal, Pe. Antônio Eudes Cruz, solteiro, portador da Id. N. 950110047-50 e CPF N. 162.250.358-93, residente e domiciliado na rua Monsenhor Sabino, 103, Centro- Gijoca de Jericoacoara – Ceará,
tendo em vista os fatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos.
•  DOS FATOS CIRCUNSTANCIADOS
02. No litoral do município de Cruz-CE encontra-se um povoado, hoje distrito, inclusive com plano diretor (fls. 115/193 do Procedimento Investigatório - PI05/2003 ), conhecido como PREÁ . Neste, de longeva data, moram nativos, pescadores tradicionais na região que aos poucos e durante o século passado ali encontraram seu lugar de abrigo e morada.
03. Neste lugarejo, com o passar dos anos, foi aumentando o número de habitantes, constituindo-se em populosa e importante parte do Município de Cruz. Os moradores, vários cinquentenários e seus sucessores, aos poucos foram se organizando, vindo por criar entidades civis de representação, sendo uma delas a ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DOS MORADORES DO DISTRITO DO PREÁ.
04. Preocupados com o crescimento e almejando formalizarem suas posses e propriedades, os moradores juntamente com o IDACE – Instituto de Desenvolvimento Agrário do Ceará, representados pelo Sr. Ricardo Durval e o Município de Cruz, representado pelo Sr. César ErosJúnior, formaram um comitê Gestor, conforme ATAS (fls. 44/79 do PI05/2003), visando a regularização fundiária, sendo as atividades subsidiadas pelos cofres do Município de Cruz.
05. Foram realizadas 25 reuniões pelo comitê, todas visando aprovar os limites físicos dos imóveis de cada morador do PREÁ, delimitando áreas, a fim de formalizar as ditas posses e as propriedades.
06. Durante as reuniões ficou claro que o Comitê reconhecia a existência de áreas públicas (vagas públicas, fl. 44v do PI05/2003), bem como, a existência de moradores no PREÁ há mais de 50 anos (fls. 46 do PI05/2003), contudo, não se conhecia o real proprietário das terras, objeto de regularização fundiária, e sua dimensões, havendo suspeita que a mesma pertencesse a Igreja (terra do Santo), todavia, a própria Diocese não tinha ciência dos limites das suas propriedades na região, não sabendo ser detentora de terras no Preá, informando o bispo Dom Aldo Pagotto, segundo o Sr. Ricardo Durval, “que a terra inicia no meio da Lagoa da Gijoca e para ter melhores informações temos que chamar alguém que conheça onde são os marcos antigos” (fls. 64 do PI05/2003).
07. Passadas as reuniões, o comitê encontrou que a área total para serem formalizadas as posses e propriedades consistia em 353,5128 hectares, tendo um perímetro de 9097,70 metros, sendo produzido uma planta demonstrando a superfície total e as unidades delimitadas (fls. 38 do PI05/2003) e a relação dos imóveis residenciais do Preá (fls. 231/241 do PI05/2003).
08. Não tendo ainda terminado o trabalho do comitê, sendo agendadas outras reuniões para finalização das atividades, a comunidade do PREÁ teve a surpresa de ser informada que as terras onde habitavam e moravam a 20, 30, 40, 50 anos tinham sido compradas pelo Sr. Manoel Haroldo Brandão e sua esposa, sendo vendedor o Patrimônio de São Francisco da Capela de Caiçara, na pessoa do Pe. Antônio Eudes Cruz, vinculada a Diocese de Sobral, na pessoa do bispo Aldo Pagotto. O interessante é que a área entendida como sendo da Igreja era de 353,5128 hectares, a mesma dimensão encontrada nos trabalhos do Comitê. Destaca-se que a Igreja não sabia as dimensões e a localização exata das terras, não tendo promovido qualquer perícia ou agrimensura para a delimitação do bem imóvel, aceitando como sendo suas as terras delimitadas pelo trabalho do IDACE.
09. A comunidade revoltada com simulação produzida, diligenciou e obteve o contrato de promessa de compra e venda, celebrado no dia 28 de janeiro de 2003, onde o mesmo é assinado pelo o Sr. Manoel Nelson da Silveira, como comerciante, também Prefeito de Cruz-CE, representando o Sr. Manoel Haroldo Brandão e, de outro lado, o representante da Igreja (fls. 37 do PI05/2003). Destaca-se o fato do Sr. Manoel Haroldo ser primo legítimo do Sr, Manoel Nelson da Silveira, Prefeito de Cruz, segundo o mesmo informa (fls. 266 do PI05/2003), o que demonstra que o Sr. Manoel Haroldo Brandão dispôs, inicialmente e no mínimo, de informações privilegiadas. Ressalta-se também que Sr. Manoel Nelson da Silveira manifestava interesse nas reuniões e atividades do comitê, vindo a participar pessoalmente de uma delas (fls. 54 do PI05/2003).
10. Verificando o contrato particular de promessa compra e venda (fls. 37 do PI05/2003), observa-se que o mesmo apenas se refere a um terreno na localidade do Preá, pelo preço de R$ 210.000,00, a ser pago na ato da escritura pública , havendo uma condicionante no mesmo, que sendo o local habitado, com residências construídas de alvenarias e casas de taipa, estes terrenos seriam doados aos seus moradores. (cláusula 3 o , fls. 37 do PI05/2003).
11. Nota-se que o contrato não especifica o tamanho do terreno, a localização exata, os confrontantes e demais informações relevantes para a escrituração pública. Em seguida, foi lavrada a escritura pública de compra e venda (fls. 39 do PI05/2003). Esta exara que as partes efetuaram negócio jurídico de compra e venda do seguinte imóvel, in verbis :
“Um terreno urbano, em que o prometente comprador tem pleno conhecimento de que o imóvel objeto desta transação, existe um a parte habitada, com residências construídas em alvenaria e casas de irretratável, cujos os terrenos serão doados para os referidos moradores, situado na localidade do Preá – Cruz- Ceará. Possuindo uma área total de 353, 5128 (hectares) e perímetro – 9097,70 m. Adquirido no valor de R$ 45.000,00. Na conformidade da liberação da Procuradoria da República. E, assim, possuindo o(s) aludido(s) imóvel(veis), devidamente transcrito(s) no(s) livro(s) no Cartório de Ofício de Notas e de Registros da sede de Acaraú – Ceará, sob o N. 7597, fl. 244 do Livro-3-I, em data de 10 de maio de 1950, acha se, contratado(a) com o(s) outorgado(s) comprador(es) por bem desta escritura e na melhor forma de direito para, lhe(s) vender, como de fato vendido tem pelo(s) outorgante(s) vendedor(es) confessa(m) e declara(m) já haver(em) recebido em moeda corrente pelo que se dá por pago e satisfeito(s) dando ao(s) comprador(es) plena e geral quitação, (...).”
12. Observa-se que na escritura pública foi vendido um imóvel de 353,5128 Hectares de área e 9097,70 metros de perímetro, os mesmos valores encontrados no trabalho do comitê e pelo IDACE (fls. 38 do PI05/2003).
13. TODAVIA, para comprovar a propriedade do imóvel do vendedor e arquivar no registro de imóveis de Cruz-CE, foi mencionada e apresentada a certidão com o registro N. 7597, fls. 244 do Livro 3-L (fls. 36 do PI05/2003). OBSTA, que o referido registro se refere a um imóvel na localidade de CAVALO BRAVO E NÃO NO PREÁ (fls. 36 do PI05/2003), medindo 42 braças, 3 palmos e um polegada, ou sejam, 93,82m de largura e uma légua de fundos, mencionando os limites de confronto, que não se referem a Lagoa da Gijoca, como referido antes pelo bispo, nas palavras do Sr. Ricardo Durval do IDACE (item 06 acima).
14. Pelas informações constantes na certidão e fazendo os cálculos, observa-se que a área total seria de 56,292 hectares (e não os 353,5128 hectares), dimensão bastante aquém da escriturada e registrada nos registros públicos de Cruz-CE (353,5128 hectares). Portanto, o Patrimônio de São Francisco da Capela de Caiçara, que foi registrado jungido ao registro N. 7597 do Cartório de Acaraú, deveria possuir 56,292 Hectares e não se localiza na localidade do Preá, mas em Cavalo Bravo , próximo ao Preá, mas não fazendo parte do mesmo, conforme a certidão referida.
15. Sobre o valor pago, a promessa de compra e venda menciona R$ 210.000,00, já a escritura pública difere do título, dizendo que o imóvel foi adquirido por minguados R$ 45.000,00.
16. O Ministério Público Estadual, instaurando o procedimento investigatório N. 05/2003, a fim de apurar a regularidade da transação, obteve as seguintes informações.
17. Ao requisitar informações ao Cartório de Acaraú, ao tabelião Otávio Felipe Rocha, obteve a primeira informação a pugnar pela irregularidade do negócio jurídico celebrado. Informa o tabelião (fls. 97 do PI05/200) que “terceiro : como aduz o supra citado ofício, a localidade de Preá, NÃO tem registro neste cartório que se possa precisar quais as suas dimensões”. Assim, o cartório não possui registros da localidade do Preá.
18. O Cartório de Acaraú anexou outra certidão com registro de imóvel (fls. 99 do PI05/2003) de propriedade de Igreja, mas também fora da localidade do Preá, estando sito no distrito de Caiçara, próximo ao Preá, mas não fazendo parte do mesmo. Este o que o Cartório Mozart Sales Filho utilizou para lavrar certidão positiva, mas que não fez parte da escritura pública de compra e venda, mesmo porque não compõe a localidade do Preá, mas de Caiçara, como antes mencionado. No negócio de compra e venda o imóvel objeto da transação é o registrado anteriormente sob o número 7597, no Cartório de Acaraú-CE.
19. Prosseguindo nas diligências, o Ministério Público Estadual obteve informações sobre a alta valorização das terras do Preá, palavras do Sr. Prefeito Municipal, Manoel Nelson da Silveira, segundo veicula o jornal O Povo, 21/08/03 (fls. 42 doPI05/2003). Alguns moradores informam que as terras podem valer perto de R$ 10.000.000,00, visto a alta atratividade turística e ausência que qualquer limitação ambiental-administrativa, posto que é área fora do Parque Nacional de Jericoacoara, podendo haver construções sem restrições legais, o que em Unidade de Conservação Ambiental não é possível. E mais, verifica-se que o mesmo imóvel que foi supostamente comprado pelo Sr. Manoel Haroldo Brandão por 45.000,00 (escritura pública), foi no mesmo dia da compra vendido 25,1928 Hectares a um italiano, Sr. BRUNO TONON (fls. 41 do PI05/2003), pelo valor de R$ 25.000,00 e depois, em março de 2003, vendido outra gleba da terras, 6,4761 hectares, ao Sr. JOSÉ NETO SARAIVA FERNANDES (fls. 41/41v do PI05/2003), pelo valor de R$ 10.000,00. Portanto, temos 353,5128 hectares por R$ 45.000,00, mas 25,1928 hectares por 25.000,00 e cerca de 6 hectares por 10.000,00, valores bastantes desproporcionais entre área e preço (!!!). Com cerca de 31 hectares quase se pagou o valor dos R$ 45.000,00 pagos pelos 353,5128 hectares comprados (!!!). Os valores pagos pelos dois compradores seria outro bem maior, segundo declarações de fls. 82 do PI05/2003. Sublinha-se que o Ministério Público Estadual obteve informação de um fiscal do IBAMA de que o local pertencente ao SR. BRUNO TONON, hoje, está sendo construído um empreendimento hoteleiro.
20. Mesmo sendo área valorizada, o Preá, o Sr. Manoel Haroldo a comprou por R$ 45.000,00, uma simulação comprovada, visto a compra de área fora do Preá, em Cavalo Bravo , e em tamanho de área bem menor. As contradições se alastraram. O contrato particular de promessa de compra e venda menciona o valor de R$ 210.000,00, a escritura pública menciona que foi comprado e pago à vista o valor de R$ 45.000,00. A Igreja fala que recebeu R$ 210.000,00. Só uma certeza, ou o fisco foi lesado ou alguém pagou a menos, o que parece pouco provável.
21. Para afastar as dúvidas, o Ministério Público Estadual procurou tomar declarações do Sr. Manoel Haroldo Brandão, o comprador. De início, observou-se que o mesmo nunca aparecia na localidade, nas audiências públicas, sempre representado pelo advogado João Olivardo, inclusive foi quem representou o comprador nas audiências públicas, defendendo o negócio jurídico como regular.
22. Notificado o advogado João Olivardo (fls. 200 do PI05/2003) para que o mesmo trouxesse o Sr. Manoel Haroldo para ser ouvido na Promotoria de Cruz, o Ministério Público Estadual não obteve êxito, visto a chegada de um pedido de adiamento de audiência em virtude do advogado está, como informava a petição, oficiando no mesmo dia e hora na comarca de Forquilha. Entretanto, o Ministério Público Estadual obteve Certidão de que o referido cliente do advogado estava desacompanhado de causídico e que a demanda era de indenização por danos morais em valor que não obrigava o patrocínio por profissional, posto que causa do Juizado Especial.
23. Procurando obter as declarações, o Ministério Público Estadual deprecou ao PGJ/CE (fls. 257 do PI05/200305/2003), para que o Sr. Manoel Haroldo fosse ouvido em Fortaleza. Intimado (fls.259 do PI05/2003), houve novo pedido de adiamento (fls. 260 do PI05/2003), sendo realizada a audiência no dia seguinte, onde o comprador dissera que comprara o imóvel pelo valor de R$ 210.000,00, mas em prestações, sendo pago R$ 45.000,00 em dinheiro e o restante em prestações que não tinham sido ainda estipuladas, pelo tempo de 5 anos (???). A Igreja dizia que tinha recebido pelo negócio R$ 210.000,00.
24. O Ministério Público Estadual desejando saber o real valor e forma da transação, notificou o Pe. Antônio Eudes Cruz, um dos assinantes da escritura pública de compra e venda, o mesmo informou que foi pago o valor de R$ 210.000,00 e quem havia pago era uma pessoa jurídica, apresentando, inclusive, o COMPROVANTE DE DEPÓSITO FEITO PELA EMPRESA ARTEMISA AQUICULTURA Ltda , empresa comercial, inscrição comercial N. 23.200933719, com sede na Fazenda Cacimbas, S/N, Acaraú-CE, CEP 62580-000, sendo seu representante legal, Sr. LIVINO JOSÉ SILVEIRA SOARES SALES, brasileiro, casado, comerciante, portador da ID. 938494, SSP/PI05/2003, CPF. N. 109.996.473-34, residente e domiciliado na rua Silva Jataí, 724, apto 200, Bairro Varjota, Fortaleza, Ceará, (fls. 276 do PI05/2003, contrato social, fls. 323/330 do PI05/2003), este o VERDADEIRO PAGADOR DAS TERRAS DE CAIÇARA (E NÃO PREÁ) e pelo valor de R$ 210.000,00 e não R$ 45.000,00, como consta na escritura pública de compra e venda.
25. Portanto, estreme de dúvida a total simulação realizada pelas partes. ESCRITURAÇÃO DE IMÓVEL A MAIOR E EM LOCALIDADE DIVERSA DO TÍTULO ANTERIOR QUE LHE DÁ SEQUENCIALIDADE. COMPRA FEITA POR UMA PESSOA INTERPOSTA E EM VALOR DIVERSO DO CONSTANTE NA ESCRITURA PÚBLICA. Tudo no intuito de obter por meio de embustivo coisa alheia, havendo simulação de negócio jurídico para incluir uma pessoa interposta, com parcos recursos financeiros, para aquinhoar as TERRAS VALORIZADAS DO PREÁ, utilizando de título que consta imóvel vendido em dimensões e localização diversa do permitido pelo Direito ao vendedor dispor, por valor registrado a menor, lesando o fisco, bem como, dispondo de mais direito do que o permitido.
26. E mais, O IDACE paralisou os trabalhos do comitê após a compra realizada e informou que não poderia titular terras privadas. Verificando o problema, o comprador, de forma simulada, fez uma doação ao Município de Cruz, gerido pelo Prefeito Manoel Nelson da Silveira, o mesmo que assinou o contrato particular de promessa de compra e venda, lá na condição de comerciante (procurador do Manoel Haroldo), e é primo do comprador Manoel Haroldo Brandão e, possivelmente, parente também do pagador camuflado, Sr. Livino José Silveira Soares Sales.
27. Observa-se, também, que o negócio jurídico simulado celebrado colocou dentro da dimensão da área supostamente comprada aparelhos públicos, como ruas, praças, etc. Ou seja, não houve individualização para preservar o patrimônio público, sendo colocado tudo como “vendido” ao Sr. Manoel Haroldo e doado, parte, ao Município com o encargo de doar aos moradores do local. Uma manobra para procurar atender a cláusula de doação imposta pelo vendedor.
28. Em suma, o Patrimônio de São Francisco da Capela de Caiçara prometeu vender terras que não fizeram parte do contrato e da escrituração, visto o registro anterior do cartório de Acaraú mencionar ser da Igreja terras no Cavalo Bravo e Caiçara e não no Preá. As terras compradas pelo Manoel Haroldo são da mesma área que a encontrada pelo IDACE e bem menor que a possível de venda pela Igreja (registro 7597 da Acaraú). O comprador foi representado pelo Sr. Manoel Nelson da Silveira, este o signatário do contrato de promessa de compra e venda, primo do comprador e após, como Prefeito de Cruz, recebeu 147 hectares de terras em doação pelo comprador. O comprador mentiu ao afirmar que havia pago R$ 45.000,00 em dinheiro e o resto seria pago em parcelas, posto que ficou descoberto que o pagador dos R$ 210.000,00 reais foi a empresa ARTEMISA AQUICULTURA Ltda.
29. Os moradores do Preá residem neste local há décadas, já sendo titulares do direito de propriedade das terras, caso fique comprovado que trata-se de terras particulares, o que parece não se configurar, todavia, a Gerência do Patrimônio da União manifestou-se no sentido de que não tinha condições no momento para prestar a informação requerida nas fls. 269/270 do PI05/2003 (fls. 331 do PI), o que não altera a presente demanda, posto que esta visa declarar nulo negócio jurídico simulado de interesse público e coletivo (Ministério Público é fiscal da lei e dos direitos indisponíveis e Curador do interesse difusos e coletivos), com conseqüente cancelamento do registro público feito (Ministério Público Estadual é Curador dos Registros Públicos).
•  DO DIREITO
•  LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO
30. Dentre os elásticos poderes conferidos pela novel Carta Maior à Instituição do Ministério Público, sublinham-se aqueles previstos no art. 127“caput”, especificamente os referentes a defesa da ordem jurídica, dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
31. Sobre a correta classificação dos interesses (públicos), Renato Alessi fez luminosa cisão sobre o tema, pugnando por não confundir sobre os interesses dos bens gerais, aos quais intitulou interesse público primário e os interesses da Administração, ditos interesses públicos secundários. Aos primeiros, enquadram-se os interesses sociais, da sociedade ou coletividade como um todo . Piero Calamandrei, focaliza a importância ao considerar não só a titularidade do direito, mas quem tem a legítima iniciativa de iniciar a coerção, ínsito na norma, cabendo a ordem jurídica ditá-la.
32. Na República Federativa do Brasil, coube ao MP a posição de instituição essencial à justiça, atuando como dominus litis nas causas cíveis de supremo interesse geral. Resume com maestria o Prof. Hugo Nigro Mazzilli:
“É o Ministério Público essencial à prestação jurisdicional, sim, quando trate de feitos criminais, bem como naqueles feitos cíveis, em que estejam em jogo interesses sociais ou individuais indisponíveis, ou ainda que não indisponíveis, se trate de interesses de grande relevância social, seja pela sua abrangência seja pela sua natureza . Ademais, sua responsabilidade de guardião da ordem jurídica deve ser considerada em face dos Poderes do Estado e não apenas diante do Judiciário”.
33. Arremata o douto jurista :
“Em suma, desde que haja alguma característica de indisponibilidade parcial ou absoluta de um interesse, ou desde que a defesa de qualquer interesse, disponível ou não, convenha à coletividade com um todo, será exigível a iniciativa ou intervenção do Ministério Público junto ao Poder Judiciário.”(destacamos)
34. Não só, a Constituição Federal e as Leis 8625/93, 7347/85 e o CDC estabelecem expressamente a legitimidade do Ministério Público para ingressar com ações civis de interesse coletivo.
35. Por fim, o novel Código Civil, no seu art. 168 dispõe :
“As nulidades dos artigos antecedentes (negócio simulado) podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.” (acrescemos os parênteses)
36. E ainda, como fiscal da lei e Curador dos Registros Públicos e dos Direitos Difusos e Coleitvos (lato sensu), estreme de dúvida a legitimidade ad causam e ad processum do Parquet em demanda como a que retrata esta peça inicial.
•  NEGÓCIO JURÍDICO PRELIMINAR NULO - CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA – AUSÊNCIA DE CONFRONTAÇÕES – LOCALIZAÇÃO IMPRECISA E VAGA – OBJETO DO NEGÓCIO PRELIMINAR INDETERMINADO E INDETERMINÁVEL – NEGÓCIO JURÍDICO PRELIMINAR INVÁLIDO.
37. No contrato particular de promessa de compra e venda (fls. 37 do PI05/2003), as partes, Manoel Haroldo Brandão e Patrimônio de São Francisco da Capela de Caiçara, se comprometem a comprar e vender um terreno na localidade do Preá, no valor de R$ 210.000,00, com a ciência de que a área é ocupada por moradores que possuem imóveis de taipa e alvenaria, sendo este o título para lavratura da escritura pública de compra e venda. Negócio jurídico escriturado com a condição de doação prevista na cláusula 3 o do contrato particular.
38. Observa-se que no citado contrato particular, serviu de representante do comprador, com procuração, o Sr. Manoel Nelson da Silveira, como comerciante, Prefeito de Cruz, sendo este o signatário da avença preliminar. Nesta, não existe qualquer referência sobre as dimensões da área, objeto do negócio, a localização é imprecisa e vaga, assim como, inexistentes os confrontantes, dentre outras lacunas
39. Sobre contratos preliminares, o art. 462 do CCB estabelece :
“O contrato preliminar, exceto quanto à forma, deve conter todos os requisitos essenciais ao contrato a ser celebrado.”
40. E sobre contratos de compra e venda, dispõe o art. 481 do mesmo Diploma Legal :
“Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro.
41. Verifica-se, portanto, que o contrato preliminar só se referiu, de forma vaga e imprecisa, a um imóvel no Preá, ferindo o que dispõem os dispositivos legais referidos. E não poderia deixar de ferir o ordenamento jurídico. Seria como partes acertarem comprar uma terreno na Praia do Futuro/Fortaleza pelo valor de tanto reais. Nesta situação, ficaria ao talante de uma delas determinar o que seria o objeto do negócio jurídico. Poderia ser toda a Praia, um terreno de X m2 ou 10X m2.
42. Vemos que neste caso o objeto do negócio não é determinado ou determinável, visto não se falar em dimensões, localização, confrontantes, etc. apenas de um imóvel no Preá onde há moradores de casa de taipa e alvenaria.
43. A validade dos negócios jurídicos ficam subordinadas a requisitos exigidos pela lei. Dispõe o art. 104 do CCB :
“A validade do negócio jurídico requer :
I – omissis;
II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável ;
III- omissis.
44. Assim, a validade do negócio jurídico preliminar de compra e venda é inteiramente afastada. O Contrato Preliminar seria a base para a escritura pública, título que serve de arrimo para o registro, já na fase de escrituração.
45. E mais, sobre a licitude do objeto, verifica-se, como iremos tratar a seguir, que o vendedor não apresentou ou escriturou qualquer registro como sendo proprietário de imóveis no localidade do Preá. Na escrituração, verifica-se apenas registro de propriedade N. 7597, Cartório 2 o Ofício de Acaraú (fls. 36 do PI05/2003), onde se ler imóvel na localidade de Cavalo Bravo (e não Preá), pertencente ao Patrimônio de São Francisco da Capela de Caiçara, este título a base para escritura pública e para o respectivo o registro público imobiliário. Portanto, houve disposição de bem imóvel em que o vendedor não detinha a propriedade. Não cabendo a ninguém dispor de mais direto do que possui (princípio da disponibilidade). Mais iremos abordar mais profundamente o tema a seguir quando falarmos sobre a regularidade da escrituração.
46. E, ainda sobre a validade do instrumento particular de fls. 11 do PI05/2003, reza os artigos 222 e 223 da Lei 6015/73 :
“Art. 222. Em todas as escrituras e em todos os atos relativos a imóveis, bem como nas cartas de sentença e formais de partilha, o tabelião ou escrivão deve fazer referência à matrícula ou ao registro anterior, seu número e cartório .
Art. 223. Ficam sujeitas à obrigação, a que alude o artigo anterior, as partes que, por instrumento particular celebrarem atos relativos a imóveis .”
47. Observa-se que o contrato de fls. 11 do PI05/2003 não traz qualquer referência ao registro anterior, número e cartório, ferindo o artigo 223 c/c 222 da LRP. Sobre estes requisitos manifesta-se o prof. Walter Ceneviva :
“ O registrador conferirá o papel levado a registro (contrato particular de promessa de compra e venda, fls. 11 do PI05/2003), devolvendo-o com exigências se não satisfizer a regra deste artigo (223), suscitando dúvida, se for o caso (art. 198). A exigência compreende a indicação da matrícula, da transcrição ou inscrição (de assentamento anterior à lei atual) ou registro e averbação realizados naquela, bem como, o cartório em que foram feitos.
O artigo é interpretado no quadro sistemático da lei : o assento imobiliário precedente é bem caracterizado para que o registrador o possa vincular ao registro que decorrerá do título apresentado.” (acrescemos os dois primeiros parênteses)
48. O contrato de fls. 11 do PI05/2003, instrumento particular de arrimo para formulação e registro da escritura pública, não traz qualquer referência ou menção ao registro/matrícula/ inscrição do imóvel objeto do negócio jurídico, o que viola, frontalmente, disposição da Lei Notarial. Este fato serve para trazer segurança ao registrador, permitindo a visualização e fiscalização sobre qual é o imóvel, onde fica, qual seu tamanho, confrontantes, onde está registrado, se possui cláusula de inalienabilidade, possui usufruto, é gravado de algum ônus, etc. A apresentação de instrumento sem as especificaçõesexigidas pelo art. 222 c/c art. 223 da Lei 6015/73 impediria o seu registro. Entretanto, mesmo com a exigência legal, houve o registro sem qualquer suscitação de dúvida.
49. Outro ponto que vulnera a licitude do objeto, além do supra referido, é o fato que havia ciência por parte do comprador e vendedor de que existiam moradores de longa data e que a Igreja não tinha informações sobre o que possuía na localidade que envolve o Preá, Caiçara e Cavalo Bravo, vindo a se verificar que a mesma não possuía bens no Preá, mas apenas nas duas outras localidades próximas.
50. O decurso de tempo legal aquisitivo aliado a posse com ânimo de dono, faz surgir a aquisição originária de propriedade pelo USUCAPIÃO. Assim, caso as terras vendidas fossem da Igreja (o que não se verifica nas certidões notariais), as mesmas teriam sido usucapidas, posto que os efeitos da decisão judicial são apenas declaratórios, havendo a aquisição no momento em que os requisitos legais do Usucapião são preenchidos. Iremos abordar a seguir, também, este instituto, demonstrando que a Igreja não tinha ciência da localidade e dimensões da terra e o comprador e seu representante tinham ciência do longo tempo em que moravam, de forma mansa e pacífica, pessoas na localidade do Preá.
51. Tal situação seria o início do negócio jurídico simulado a ser celebrado, visto que a Igreja não dispunha de imóvel na localidade do Preá, mas em Cavalo Bravo e Caiçara, conforme certidões notariais de fls. 229 e 230 do PI05/2003, havendo, portanto, negócio jurídico para disposição de bens que não estavam ingressos no universo patrimonial do vendedor, tudo com intuito de incluir a área valorizada encontrada pelo comitê e o IDACE, que, a princípio, se encontrava sem registro imobiliário, sendo simulação para uma apropriação ilícita daquilo que o vendedor não dispunha.
•  NEGÓCIO JURÍDICO PRINCIPAL DE COMPRA E VENDA NULO - SIMULAÇÃO DA COMPRA E VENDA – NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO – APARELHOS PÚBLICOS NÃO INDIVIDUALIZADOS E PRESERVADOS
52. Como visto acima, o contrato preliminar, promessa de compra e venda de terras, firmado pelo Sr. Manoel Haroldo Brandão e o Patrimônio de São Francisco da Capela de Caiçara/Diocese de Sobral é inteiramente inválido, no mesmo sentido da nulidade se apresenta o negócio jurídico de compra e venda, firmado por escritura pública (fls. 39 do PI05/2003) no Cartório de Cruz.
53. Reportando-se ao antes mencionado, o contratante preliminar (na promessa), comprador, foi representado na avença civil pelo Sr. Manoel Nelson da Silveira, comerciante e, também, Prefeito de Cruz, mediante procuração de fls. 113 do PI05/2003.
54. Observa-se que a escritura pública de compra e venda retrata negócio jurídico com cláusula de encargo, posto que fazer parte do mesmo o ajuste de doação dos terrenos para os moradores do Preá (fls. 07 do PI05/2003).
55. Obsta, que esta, de início, deveria ser adimplida por via de titulação de posse e propriedade pelo IDACE. Entretanto, uma vez havida negociação e o bem imóvel sido passado, supostamente, para o patrimônio de um particular, o IDACE se viu impedido de efetuar as “doações” mencionadas na escritura pública de compra e venda.
56. Procurando resolver o problema, o pseudo comprador (em seguir demonstraremos a simulação) doou parte da terra, cerca de 147 hectares para o Município de Cruz, com o encargo que o mesmo se encarregasse de fazer a doação. Neste negócio jurídico de doação com encargo foi representante da parte donatária o Prefeito Municipal que antes fora procurador do pseudo comprador, Sr. Manoel Haroldo Brandão, seu primo legítimo. Portanto, o Sr. Manoel Nelson da Silveira figurou como procurador do comprador e como representante do donatário, pólos diversos em negócios diversos (???).
57. O Ministério Público Estadual verificando a existência de indícios claros de irregularidades na compra e venda iniciou investigação (PI05/2003).
58. Inicialmente, constatou-se que o comprador é pessoa de pouca fortuna, não possuindo condições financeiras aparentes para pagar o valor de R$ 210.000,00 (declarações das testemunhas Antônio Alício Chagas, fls. 195 do PI05/2003, José Ivan Félix, fls. 81, André Dantas Cabral de Melo, fls. 83 e 84, todas do PI05/2003). In verbis :
“Que sabe que o Haroldo saiu quebrado (sem dinheiro) do litoral e foi para Fortaleza. (...) Que sabe disto porque o Haroldo não tem condições financeiras para comprar as terras; Que a família do Haroldo inclusive comenta isto; Que o Marcelo Brandão vereador, que acha que é sobrinho do Haroldo comentou ao declarante que o Haroldo não possui dinheiro para comprar as terras; Que é comum na região esta informação.” (Declarações de José Ivan Felix, fls. 80/81 do PI05/2003)
“Que o Haroldo é um simples trabalhador rural, que até pouco estava trabalhando para o Prefeito na Barrinha ciscando cajueiro;(...) que sabe que o Haroldo é cunhado do Prefeito e toma conta de umas terras do Prefeito na Barrinha, mas ouviu falar que o mesmo tinha ido para Fortaleza; Que sabe que o Haroldo já tinha sido comerciante, mas tinha falido; Que há uma comentário na Barrinha que o Haroldo estava muito preocupado com a situação em que foi colocado; (...)Que sabe disto porque o Haroldo não condições financeiras para comprar as terras; Que sabe que o Haroldo é visto apenas como um simples trabalhador rural, não tendo dinheiro para compra(r) uma simples bicicleta; Que é comum na região esta informação;” (declarações de André Dantas Cabral, fls. 82/84 do PI05/2003).
“Que tem notícias de que o Sr. Manoel Haroldo não possui condições financeiras para comprar terras neste valor; (declarações de Antônio Alício das Chagas, fls. 194/196 do PI05/2003)
“Que ouviu falar que o Aroldo não tinha condições de comprar as terras.” (declarações de Airton Oliveira Sousa . fls.292/293 – Membro do Conselho Administrativo da Paróquia da Gijoca).
59. Após dificuldades para contatar com o Sr. Manoel Haroldo Brandão, o mesmo foi ouvido na sede da PGJ/CE. Informou que fechou seu “mercadinho” na rua Chuí, no Bairro João XXIII, Fortaleza, bairro onde também reside, por motivo de assaltos e que soube por amigos que a Diocese de Sobral queria vender as terras do Preá (fls. 263 do PI05/2003). Aqui cabe uma reflexão, o Sr. Manoel Haroldo, em Fortaleza, soube de algo que os moradores do Preá, e maiores interessados, só foram saber após a suposta venda concretizada ser veiculada nos meios de comunicação. Sendo o comprador primo legítimo do Sr. Manoel Nelson da Silveira, Prefeito de Cruz, e sendo este interessado e pessoa presente na reunião do Comitê formado pelo IDACE, há indícios fortes de que o comprador supostamente teria sido informado por intermédio desta pessoa, que já manifestava algum interesse na área.
60. Mencionamos que o comprador supostamente seria informado, posto que na verdade o mesmo serviu de testa-de-ferro para o negócio de compra e venda. Senão vejamos. O Sr. Manoel Haroldo informou no seu depoimento que comprou as terras pelo valor de R$ 210.000,00, pago “ R$ 45.000,00 à vista, em espécie , e o restante com pagamento em cinco anos, em parcelas mensais, cujo o valor ainda não está definido, porque está dependendo da aprovação de um lotemento que vai ser feito naquela área.; que quem recebeu o dinheiro foi o Pe. Eudes, da paróquia de Jijoca de Jericoacoara ” (depoimento de fls.263/264 do PI05/2003).
61. Aqui nova reflexão, a promessa de compra e venda versava valor de R$ 210.000,00, a escritura 45.000,00, os jornais veiculavam que a Diocese informara que o negócio ficou em torno de 210.000,00, o comprador informa que pagou, em espécie, 45.000,00 diretamente ao Pe. Eudes.
62. Ouvido o Pe. Eudes (Antônio Eudes da Cruz) e o Sr. Airton Oliveira de Sousa, um dos encarregados financeiros dos valores que ingressam no patrimônio da Paróquia de Gijoca de Jericoacoara, se pôde elucidar a SIMULAÇÃO empreendida, nulificando todo o negócio jurídico realizado.
63. Informa o Pe. Eudes que o pagador das terras foi uma pessoa jurídica e que foram pagos R$ 210.000,00 por via de transferência bancária, ficandoR$ 60.000,00 para a Diocese de Sobral e R$ 150.000,00 para a paróquia de Santa Luzia (Paróquia de Gijoca de Jericoacoara). Para comprovar o fato, o Pe. Eudes apresentou o comprovante de transferência bancária (fls. 276 do PI05/2003), onde se vê que o real pagador do negócio foi a empresa ARTEMISA AQUICULTURA Ltda , empresa sediada em Acaraú e de propriedade do Sr. Livino José Silveira Soares Sales, conforme contrato social obtido na Junta Comercial do Ceará (fls. 324/330 do PI05/2003). Destaca-se as datas das ações que envolvem o negócio. A promessa de compra e venda no dia 28/01/2003. A escritura pública de compra e venda no dia 26/02/2003, o pagamento feito pela empresa ARTEMISA no dia 21/02/2003, portanto, dias antes da lavratura da escritura de compra e venda.
64. Os fatos supra comprovam que o Sr. Manoel Haroldo Brandão, parente do Sr. Manoel Nelson da Silveira, mentiu no depoimento que prestou ao Ministério Público Estadual, sendo pessoa interposta no negócio jurídico simulado, posto não deter meios financeiros para realizar a compra, sendo o dinheiro pago pela empresa referida.
65. Em suma, pode-se concluir que o IDACE realizou trabalho de delimitação, servindo este de base para que o Sr. Manoel Nelson da Silveira, a empresa ARTEMISA AQUICULTURA e o Sr. Manoel Haroldo Brandão, verificassem qual seria o tamanho das valiosas terras da localidade do Preá, instando a Diocese de Sobral, via Patrimônio de São Francisco da Capela de Caiçara, para que a mesma vendesse o imóvel que nos registros públicos não acusa como sendo desta, sendo escriturado e registrado imóvel maior e em local diverso do que consta o registro N. 7597 do cartório de Acaraú, mencionado na escritura pública de compra e venda. Ou seja, total NEGÓCIO SIMULADO VISANDO AQUISIÇÃO DAS TERRAS DO PREÁ, área de alto valor, estando, inclusive, sendo construído hotelaria no local, iniciada após o negócio em tela (iremos detalhar a nulidade da escrituração e registro imobiliário a seguir).
66. Sobre o defeito jurídico da simulação, o CCB2002 alterou o CCB1916, passando a ser nulo o negócio jurídico simulado e não mais anulável :
“art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido foi na substância e na forma.”
$1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando :
I- aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem ou transmitem;
II- contiverem declaração, confissão ou cláusula não verdadeira ”
67. Comprova-se o negócio simulado, primeiro, tecendo linhas sobre o que a doutrina manifesta sobre o tema. Diz o prof. Silvio de Salvo Venosa :
“Juridicamente, (simulação) é a prática de ato ou negócio que esconde a real intenção. A intenção dos simuladores e encoberta mediante disfarce, parecendo externamente negócio que não é espelhado pela vontade dos contraentes.(...)
Na simulação, há conluio. Existe processo simulatório; acerto, concerto entre os contraentes para proporcionar aparência exterior de negócio. A simulação implica, portanto, mancomunação.”
68. Afirma Clóvis Beviláqua :
“Diz-se que há simulação quando o ato existe apenas aparentemente, sob a forma, em que o agente faz entrar nas relações da vida. É um ato fictício , que encobre e disfarça uma declaração real da vontade, ou que simula a existência de uma declaração que se não fez. É uma declaração enganosa da vontade, visando produzir efeito diverso do ostensivamente indicado.”
69. Continua o prof. Venosa , se referindo ao art. 102, I do CCB de 1916 e que foi reproduzido no art. 167, parágrafo 1 o , I do CCB 2002 :
“No primeiro inciso, o legislador trata da simulação por interposição de pessoa. O intuito do declarante é atingir, com o negócio jurídico dissimulado, um terceiro, que não o figurante no próprio negócio. O figurante no negócio é o testa-de-ferro, presta-nome ou homem de palha. Há um mise-en-scene em que o figurante, na realidade adquire, extingue ou modifica direitos para terceiro oculto. O testa-de-ferro é apenas titular aparente do direito . (...).”
70. Uma vez que o imóvel constante na escritura pública sob o N. 7597 (Acaraú) não retrata a dimensão e a localidade pretendida pelas partes, posto que sito em Cavalo Bravo e contendo área de cerca de 56 hectares, pode-se afirmar que vendeu imóvel diverso do que foi registrado, visto que na escritura conta imóvel localizado no Preá com área de 353,5128 hectares. Ou seja, as terras do Preá não pertenceriam a Igreja. Neste sentido as testemunhas do PI05/2003 :
“Que acha que as terras do Preá pertencem a União e que as terras de Caiçara é que pertencem a Igreja; Que negócio foi feito com terras que não pertencem a Igreja, visto que são dela os 93 hect que vem de Caiçara até Cavalo Bravo; Que estas informações obteve de pessoas que moram a mais de 40 anos no Preá.” (Declarações de José Ivan Felix, fls. 80/81 do PI05/2003)
“Que a Igreja (tinha) umas terras que tinham sido doadas para ela, mas não correspondiam ao perímetro do Preá; Que os marcos antigos todos confirmam que a dimensão das terras da Igreja só iam até Cavalo Bravo-Cruz-Ce, só que o contrato de compra e venda diz que as terras se limitam com a pancada do mar do Preá; Que dessa forma fica pertencendo ao Manoel Haroldo todas as terras da Praia do Preá, ficando para o comprador 353 hect de terra (todo o Preá), diferente do que a Igreja possuía; (...) Que acha que as terras do Preá pertencem a União e que as terras de Caiçara e Cavalo Bravo é que pertencem a Igreja, nada dentro do Preá;(...) Que o Pe. Eudes sabia do tamanho das terras da Igreja, mesmo assim fechou contrato de compra e venda com terras que não pertenciam a Igreja;” (declarações de André Dantas Cabral, fls. 82/84 do PI05/2003).
“Que as terras são conhecidas pelo declarante desde 1940, não pertenciam a ninguém, nunca tinha aparecido ninguém dizendo que era dono; Que o padre Manoel Valderi de Cruz-CE disse para o declarante que a Igreja não era dona da terra; Que este fato ocorreu entre 25 de dezembro de 1979 a 1 janeiro de 1980;(...); Que dizia o Pe. Valderi que as terras da Igreja era de onde as dunas passavam para o lado sul, que as outras era do domínio da União, terra do povo, segundo dissera o padre; Que foi com base no que o Pe. Valderi disse que as pessoas começaram a fazer as suas moradas; (...) Que o documento reza que a terra vendida foi de 42 braças (1 braça = 10 palmos de terra – 2,2 metros),partindo do caixão da Lagoa da Gijoca; Que as 42 braças da Lagoa da Gijoca não dá para chegar na rua da Caiçara; Que não compreende porque o documento está atingindo toda a área de terra até o travessão do Sr. Otávio Felipe; Que do caixão da Lagoa da Gijoca até o travessão do Sr. Otávio Felipe não dá menos de 500 braças; Que a terra que o documento diz que foi comprada é bem menor do que os documentos registram; Que o documento registrou mais do que era possível; (...) que sabe que as terras que foram doadas para a Igreja não compreende a localidade do Preá, mas vai de Cavalo Bravo até Caiçara; Que sabe que as terras compradas não tem a ver com as terras do Preá, todas se referem a Caiçara e Cavalo Bravo; “(declarações de Antônio Alício das Chagas, fls. 194/196 do PI05/2003)
71. Ante a este fato, há simulação absoluta, sendo o Sr. Manoel Haroldo Brandão interposta pessoa no negócio embustivo, havendo indícios veementes e, corroborados por testemunhas, de que o Sr. Manoel Nelson da Silveira é o verdadeiro interessado no negócio, declarando que foi ele, o Prefeito, o comprador real das terras. In verbis :
“Que pelas informações que tem não foi o Haroldo quem comprou as terras; Que quem comprou as terras foi o Prefeito Manoel Israel;” (Declarações de José Ivan Felix, fls. 80/81 do PI05/2003)
“Que há uma comentário na Barrinha que o Haroldo estava muito preocupado com a situação em que foi colocado; Que acha que o Manoel Haroldo não tem conhecimento de todo o negócio feito; Que acha que o negócio completo foi feito pelo Prefeito Manoel Israel; (...);Que pelas informações que tem não foi o Haroldo quem comprou as terras;Que quem comprou as terras foi o Prefeito Manoel Israel;” (declarações de André Dantas Cabral, fls. 82/84 do PI05/2003).
“Que ninguém acredita que o comprador seja o Sr. Manoel Haroldo, mas o Prefeito;” (declarações de Antônio Alício das Chagas, fls. 194/196 do PI05/2003)
72. Corroborando com a falta de lisura do negócio jurídico simulado feito, as declarações do Pe. Eudes, um dos signatário da escritura pública de compra e venda, são sintomáticas e elucidativas :
“Que tem acompanhado na imprensa todos os artigos porque responde pela paróquia; Que a preocupação do declarante é pela sua imagem , das pessoas poderem achar que ele poderá culpado de alguma coisa; (...) Que nunca conheceu pessoalmente Aroldo, comprador das terras; Que não sabe dizer se Aroldo tem capital para comprar as terras; Que verificou que a transação tinha sido feito de uma forma não muito comum, mas quem coloca o padre na Paróquia é o bispo e que deve obediência e que foi advertido para verificar se a clásula terceira do contrato estava contida na escritura pública antes de assinar o contrato; (...); Que o bispo diz que qualquer coisa era ele quem assumiria, Dom Aldo. (Declarações de Pe. Antônio Eudes da Cruz, fls. 276/277).
73. Assim, a simulação se deu não só por interposta pessoa, como também pela ocultação da verdade na declaração. O prof. Des. Carlos Roberto Gonçalves escreve sobre o tema :
“Negócio simulado, assim, é o que tem aparência contrária a verdade. A simulação é produto do conluio entre os contratantes, visando obter efeito diverso daquele que o negócio aparenta conferir. (...)
O $1 o do art,167 do Código Civil dispõe que haverá simulação : a) por interposta pessoa (relembre-se do exemplo do terceiro, que adquire bem de homem casado e o transfere à concubina deste); b) por ocultação da verdade na declaração ( declaração de valor inferior, na escritura, ao rea l);(...)”
74. O Desembargador Gonçalves retrata exatamente o que ocorreu no negócio simulado em tela. A interposta pessoa foi o Sr. Manoel Haroldo Brandão, servindo de intermediário para o negócio embustivo cujo o real interessado em adquirir as terras valorizadas do Preá, a princípio, demonstra-se ser outro. A ocultação da verdade se deu de várias formas : a) o negócio firmado foi no montante de R$ 210.000,00, sendo pago este valor a Igreja; na escritura pública ficou consignado o valor de 45.000,00, em espécie, passada a quitação total pelo vendedor (fls. 07v do PI05/2003), ferindo lei tributária, posto que sonegado valor do ITBI, visto que pago sobre base de cálculo bem menor, podendo configurar, em tese, crime de sonegação fiscal; b) as terras vendidas não correspondem a localidade do Preá e sim Cavalo Bravo. A Igreja não é proprietária de terras no Preá, havendo um ardil, uma forma obnubilativa e ilícita para que se adquira terras onde o vendedor não pode dispor.
75. Portanto, as ações empreendidas pelas partes diretas e indiretas interessadas no negócio simulado de compra e venda visam (e conseguiram) violar a lei e direito de terceiros, consistindo em negócio jurídico que apresenta defeito de SIMULAÇÃO, sendo nulo de pleno direito, devendo ser assim declarado, produzindo efeitos ex-tunc, retornado a situação patrimonial ao status quo ante, sendo as transações posteriores, de doação e de compra e venda (doação feita ao Município de Cruz e compra e venda feita a Bruno Tonon, que já vendeu para empreendimento hoteleiro, e José Neto Saraiva, fls. 10/11 do PI05/2003), também declaradas nulas de pleno direito, conforme estabelece o art. 167 c/c 166, II, III e VI do CCB2002, visto que atos nulos não são passíveis de confirmação ou convalidação, como expressamente estabelece o art. 169 do CCB.
76. Observa-se que o negócio foi feito de forma tão rápida e enrustida, que não teve o cuidado de verificar que ao se simular a compra de todo o Preá, fez com que, pela escritura pública, o pseudo comprador adquirissem toda uma área e, por conseqüência, também praças, ruas, logradouro públicos, etc. O Município de Cruz que deveria proteger o patrimônio público na verdade corroborou com os atos ilícitos praticados, inclusive, recebendo parte das terras em doação para depois serem doadas para os moradores da localidade do Preá, seguindo o levantamento feito pelo IDACE. Não houve preocupação de preservar o patrimônio público.
•  ESCRITURAÇÃO E REGISTRO INVÁLIDOS - DA ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA - DA ESCRITURAÇÃO INVÁLIDA E NULA – PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, ESPECIFICAÇÃO, DA CONTINUIDADE E DA DISPONIBILIDADE VIOLADOS.
77. Conforme exposto em seção anterior, a escritura pública consta que o imóvel adquirido foi o constante no registro N. 7597 (fls. 36 do PI05/2003) nos registros públicos do Acaraú. Só que o mesmo registro de imóvel feito em Acaraú exara que as dimensões da terras ( em Cavalo Bravo ) é de 56,292 hectares (42 braças, 3 palmos e uma polegada, ou sejam, 93,82m de terra de largura e uma légua de fundos) e não 353,5128 Hectares como escriturado no Cartório de Registro de Imóveis de Cruz, e que se localiza em Cavalo Bravo e não no Preá, registro feito pelo Cartório de Cruz sem qualquer lastro jurídico-registral, registro nulo de pleno direito, conforme iremos demonstrar.
78. Ab initio, a situação apresentada pelo negócio jurídico e posterior escrituração e registro imobiliário fere o princípio da disponibilidade, viga dos registros imobiliários. Sobre este princípio lecionou o prof. Àlvaro de Melo Filho :
“Para concluir deve ser mencionado o princípio da disponibilidade por intermédio do qual se verifica se o imóvel está disponível, se está em condições de ser alienado ou onerado, tanto do ponto de vista físico, como do prisma jurídico. Por exemplo, se alguém era proprietário de um sítio de 5000m2 e alienou 3500m2, não há disponibilidade para o registro de uma escritura de compra e venda de uma área de 2800m2 do mesmo imóvel. Também, se alguém adquire um imóvel, por doação, com causa de inalienabilidade, não poderá dispor dele para venda a qualquer outra pessoa e, se o fizer, o título não poderá ser registrado.
Esse princípio da disponibilidade é conseqüência do princípio de que ninguém pode transferir mais direito do que tem.”
79. E não é só, somando-se a invalidade do contrato preliminar referido na seção acima, observa-se, também, a total nulidade da escrituração e registro deste negócio jurídico imobiliário. E assim vejamos.
80. O artigo 225 da Lei 6015/73 estabelece :
“Os tabeliães, escrivães e juizes farão com que nas escrituras e nos autos judiciais, as partes indiquem, com precisão, os característicos, as confrontações e as localizações dos imóveis, mencionando os nomes dos confrontantes e, ainda, quando se tratar só de terreno, se esse fica do lado par ou do lado ímpar do logradouro, em que quadra e a que distância métrica da edificação ou da esquina mais próxima, exigindo dos interessados certidão do registro imobiliário.
$1 º As mesmas minúcias, com relação à caracterização do imóvel, devem constar nos instrumentos particulares apresentados em cartório para registro.
$2 º Consideram-se irregulares, para efeito de matrícula, os títulos nos quais a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior .”
81. O artigo 225 da LRP traz as linhas de inteligência dos princípios da continuidade e da disponibilidade notarial. Como poderia o tabelião escriturar negócio imobiliário sem estarem precisos os limites do imóvel, tamanho, nome dos confrontantes, valor do negócio, etc. e, o mais importante, o registro anterior, requisitos mínimos para a ação do registrador?
82. Entretanto, foi assim que se escriturou e registrou o negócio de compra e venda objeto desta ação. O contrato preliminar, além das violações demonstradas na seção 01.01 acima, não atende a exigência do parágrafo 1 o do art. 225 da LRP.
83. No que concerne a escritura pública e ao contrato preliminar de promessa de compra e venda, este não menciona o registro anterior, aquela faz referência ao registro 7597, fls. 244 do Cartório de Acaraú (fls. 36 do PI05/2003). Obsta,

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