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Universidade Federal Fluminense Tolerância ao Kick Descrição e Aplicação de um Novo Critério para Projeto de Assentamento de Revestimento Marina de Oliveira Mieli Niterói 2016 Título do artigo: Descrição e Aplicação de um Novo Critério para Projeto de Assentamento de Revestimento O artigo sugere um novo método para aplicação da margem de tolerância ao kick. Primeiramente é preciso definir este conceito. Tolerância ao kick é definida como o máximo volume de influxo que o poço pode receber e circular, sem fraturar o ponto mais frágil da formação. O ponto mais frágil da formação é normalmente logo abaixo da sapata do último revestimento, portanto, consideremos que a profundidade da sapata é o ponto mais frágil da formação. Tolerância ao kick também pode ser definida como a máxima pressão de poros na próxima profundidade desejada ou o máximo peso de lama que pode ser utilizado sem que a formação seja fraturada. É importante estimar se a pressão no poço pode exceder a pressão de fratura, pois esta condição poderá causar perda de circulação e/ou um underground blowout. O artigo define tolerância ao kick como a máxima pressão de poros, com um determinado volume de influxo, a uma profundidade específica e um peso de fluido, que, se não excedida, permite que poço seja fechado e circulado de forma segura, isto é, sem exceder a pressão de fratura. A tolerância ao kick é expressa em peso equivalente de fluido. Outras definições são utilizadas, como margem de segurança de kick, sendo a diferença entre o peso equivalente de circulação estimado e o máximo peso equivalente de circulação atuando em um determinado ponto quando o poço é fechado ou durante a circulação do kick. E margem de pressão de poros, a diferença entre a tolerância ao kick e a pressão de poros estimada da formação produtora, expressa em peso equivalente de fluido. Figura 1 – Tolerância ao kick como uma função do volume ganho A figura 1 mostra um gráfico de tolerância ao kick em função do volume ganho. Pode-se observar que, quanto mais próximo do fundo e, consequentemente, mais longe da sapata está o influxo, menor é o volume de influxo que pode entrar no poço. Assim como, quanto maior é o volume ganho, menor é a tolerância ao kick, isto é, menor é a máxima pressão de poros permissível. A localização do influxo deve ser analisada, pois se o mesmo estiver entre no poço aberto e o drill collar terá uma altura maior, exercendo maior influência na pressão hidrostática e, consequentemente, maior influência na pressão de superfície e na sapata. Quando o influxo está entre o topo do drill collar e a sapata, o gráfico apresenta uma queda, pois neste momento um mesmo volume de influxo ocupa uma área maior, tendo uma altura menor e menor influência nas pressões. Quando o gás passa da sapata o comportamento do gráfico é constante, pois qualquer mudança na altura do gás será refletida na hidrostática, e qualquer mudança na hidrostática será compensada à mesma proporção na pressão de superfície, não influenciando a pressão na sapata. Tolerância ao kick pode ser afetada por diferentes variáveis, tais como, tamanho do kick, pressão na sapata, pressão da formação, peso de fluido, densidade do influxo e temperatura. Se o poço não pode circular um kick de forma segura, atendendo ao conceito de tolerância ao kick, a descida de um novo revestimento deve ser considerada. Por fatores econômicos, a sapata deve ser assentada à maior profundidade possível, portanto, a seleção das profundidades dos revestimentos é de fundamental importância. A profundidade do revestimento é definida, normalmente, através da análise da pressão de poros e de fratura. A pressão hidrostática do fluido deve ser maior do que a pressão de poros, mas não pode exceder a pressão de fratura. O artigo sugere um novo método, que considera um cenário mais realista, diminuindo custos e mantendo a segurança das operações. Este método foi efetivamente aplicado em seis diferentes poços de águas profundas e cinco poços HPHT. O trabalho utiliza como exemplo poços perfurados pela PETROBRAS com diferentes limitações. Alguns aspectos, principalmente relacionados a poços de águas profundas, inviabilizam ou restringem alguns projetos, como baixo gradiente de fratura e alta fricção na choke line (CLF). Utilizando-se o método convencional para determinar as profundidades de cada revestimento, as chances de se alcançar a zona de interesse são reduzidas, principalmente devido ao diâmetro do poço, pois, um número maior de revestimentos seria necessário, fazendo com que o poço tenha diâmetros cada vez menores. Para que a tolerância ao kick seja determinada de forma simplificada, algumas considerações iniciais são feitas: (1) o influxo de gás é uma única bolha, (2) o momento do fechamento do poço é o momento mais crítico do controle. Apesar de haver expansão do gás à medida que é circulado até a sapata, geralmente esta expansão não exerce tanta influência quanto o tamanho do kick no fechamento inicial, quando o mesmo está entre o drill collar e o poço aberto. A tabela 1 exemplifica este cenário. Tabela 1 – Comparação entre a condição de fechamento e o gás na sapata Observe que a altura do influxo no momento do fechamento (quando o mesmo está entre o drill collar e o poço aberto) é superior à sua altura no momento em que chega à sapata. Por mais que o gás se expanda, como se pode ver no exemplo, o gás ocupa, agora, mais de 4 vezes seu volume inicial, porém a capacidade do espaço anular entre o drill pipe e o poço aberto é muito superior, fazendo com que a maior altura do kick no fechamento inicial seja compensada por essa expansão. A tolerância ao kick era muito utilizada para se determinar o máximo aumento no peso do fluido. Então, a margem de tolerância ao kick, K, era definida pela diferença entre a tolerância ao kick e o peso do fluido. K = ρtolerância ao kick - ρfluido À medida que o peso do fluido aumenta, a margem de tolerância ao kick diminui. Esta diminuição era considerada um indicador para o assentamento de um novo revestimento. Por exemplo, quando a margem de tolerância ao kick estivesse próxima de 0,5 lbm/gal, um novo revestimento deveria ser assentado. Este critério considera apenas o peso do fluido, que tem como base a pressão de poros da formação. Outros fatores, porém, também influenciam no cálculo para o peso do fluido, tais como: (1) margem de segurança de riser, (2) problemas com a estabilidade do poço e (3) qualquer outra margem de segurança. Considerar apenas o valor de K, não levando em conta outros fatores mencionados, pode fazer com que um revestimento seja assentado muito cedo, ou seja, em profundidades mais rasas do que as realmente necessárias. Chegou-se à conclusão de que a melhor alternativa para evitar este tipo de problema, baseando-se na diferença entre a pressão de poros e a tolerância ao kick estimada. Δρtolerância ao kick = ρtolerância ao kick - ρporos Onde, Δρtolerância ao kick representa a margem de segurança entre a pressão máxima permissível no reservatório, baseada nas cargas no poço aberto e na pressão de poros esperada. A figura 3 mostra o critério de margem de tolerância ao kick, K, sendo aplicado em dois diferentes cenários, uma sonda ancorada e uma sonda de posicionamento dinâmico (DP). Na primeira alternativa, a sonda ancorada, uma margem de segurança de riser não é aplicada, portanto, a única margem de segurança utilizada para o peso de lama foi um overbalance de 0,3 lbm/gal. Como o critério K prevê uma margem de 0,5 lbm/gal, de acordo com a figura, um novo revestimento deveria ser assentado a 2450 m (figura 3b). Utilizando- se o cenário da sonda DP, a continuidade da operação seria inviável, devido à margem de segurança do riser, que faria com queo peso do fluido fosse superior ao mínimo utilizado para a margem K (figura 3c). Figura 3 – Aplicação de K e Δρtolerância ao kick em um cenário de água profunda O exemplo comprova que o critério K pode inviabilizar algumas operações, mesmo quando estas são seguras, pelo fato de se basear apenas no peso do fluido. Pois o peso do fluido, muitas vezes, não está diretamente relacionado à pressão de poros apenas. Se o peso do fluido for muito superior à pressão de poros por diferentes motivos, K pode apresentar valores negativos e indicar falsas condições inseguras de perfuração. Por outro lado, o critério de Δρtolerância ao kick mostra que, perfurando-se o mesmo poço com uma sonda ancorada, o revestimento deveria ser descido a 4400m, e não a 2450m (figura 3b). E em uma sonda DP, a operação poderia prosseguir, com um novo revestimento assentado apenas a 4500m (figura 3 c). Esta diferença se dá, mais uma vez, porque Δρtolerância ao kick é calculada baseando-se na relação entre a margem de tolerância ao kick e a pressão de poros. A forma com que o gás entra no poço, isto é, se ele está disperso ou se é uma bolha contínua, também influencia no cálculo de tolerância ao kick. A figura 4 faz uma comparação entre dois modelos, um modelo simplificado, em que o gás encontra-se concentrado em uma única bolha e o modelo com duas fases, que se mostra menos conservador em termos de tolerância ao kick. A tolerância ao kick no primeiro exemplo é de 11,9 lbm/gal, quando no exemplo de duas fases, é de 12,3 lbm/gal. Esta grande diferença se dá devido à dispersão do fluido invasor no poço que influencia significativamente seu tempo de chegada à superfície. Figura 4 – Comparação da distribuição do gás A condição de entrada do gás no poço dependerá do índice de produtividade do reservatório. Em outras palavras, quanto menor é o índice de produtividade do reservatório, o gás se acomodará de forma mais dispersa no anular. Como conseqüência desta maior dispersão, menores serão os volumes de influxo, o gás, então, chegará à sapata causando uma menor mudança na pressão hidrostática e maiores valores de tolerância ao kick. Vale ressaltar, porém, que este modelo de duas fases é possível somente em simulações com computadores, pois requer técnicas e cálculos extremamente complexos, além de outras informações como: (1) procedimentos de controle de poços, (2) propriedades do reservatório e (3) taxas de penetração. Todas essas informações simuladas auxiliam na predição da taxa de produção do reservatório. Portanto, em alguns cenários em que os volumes de influxo são muito baixos, a tolerância ao kick é calculada da forma mais simplificada, utilizando-se o modelo de uma fase, por apresentar resultados muito semelhantes em comparação ao modelo de duas fases. EXEMPLOS APLICADOS No final de 1993 o poço PAS-25 foi perfurado na costa norte do Brasil. Além das dificuldades de logística e apesar de todo o planejamento, houve muitas divergências entre os dados reais e esperados e, como conseqüência, o projeto do poço não saiu exatamente como planejado. A figura 5 mostra o desenho do planejamento do poço. Figura 5 – Planejamento do poço PAS-25 Na profundidade de 3200 m, houve a necessidade de se aumentar o peso do fluido de 10,5 para 10,9 lbm/gal devido a problemas de estabilidade do poço. Com isso, houve questionamentos em relação à segurança da continuidade das operações, pois a tolerância ao kick calculada para um volume máximo de 50 bbl de influxo dava uma margem K de -0,02 lbm/gal. Este valor justifica a necessidade de se assentar um novo revestimento. Entretanto, havia uma unidade de mud logging que indicava que a pressão de poros era de 10,2 lbm/gal, o que dava uma Δρtolerância ao kick de 0,68 lbm/gal, utilizando-se o critério de margem de tolerância ao kick, garantindo a segurança da continuidade das operações de perfuração. Uma outra comparação feita foi a tolerância ao kick no modelo de uma fase ou de duas fases. A figura 7 apresenta a tolerância ao kick do poço com 3514 m de profundidade, 10,9 lbm/gal de peso de fluido, 10,6 lbm/gal de pressão de poros e Δρtolerância ao kick de 0,3 lbm/gal. Observe que para volume ganho superior a 20 bbl as curvas começam a apresentar comportamentos diferentes para um modelo de uma fase e de duas fases. Enquanto o modelo de uma fase indica que as operações deveriam ser interrompidas para a descida de um novo revestimento, o outro modelo indica que é seguro continuar a perfurar, em outras palavras, o modelo de duas fases indica uma economia de quase 450000,00 dólares e tempo de operação. O outro poço analisado foi o CES-111, com uma lâmina d’água de 1772 m. A figura 6 mostra o desenho do planejamento do poço. Apesar de ser um poço relativamente raso, apresentou alguns desafios, tais como: (1) a influência da temperatura na fricção da choke line (CLF), (2) a análise de tolerância ao kick considerando a CLF, (3) modelo de uma fase e modelo de duas fases para cálculo de tolerância ao kick e (4) a viabilidade de se perfurar a fase de 12 ¼” entre 2140 e 2300 m com margem de segurança de riser. Figura 6 – Planejamento do poço CES-111 A figura 7 apresenta a comparação do efeito da CLF em duas diferentes temperaturas, 60ºC e 4ºC nos dois modelos, modelo de uma fase e modelo de duas fases. Figura 7 – Efeito da temperatura, propriedades do fluido e CLF na tolerância ao kick No exemplo com maior temperatura, a CLF é menor, 158 psi, apresentando maiores resultados para a tolerância ao kick se comparados ao exemplo com maior CLF, 315 psi. Isso ocorre devido à pressão de fechamento através do revestimento (SICP – Shut-In Casing Pressure) de 225 psi. Quando a CLF é superior à pressão de fechamento, a CLF não pode ser drenada por completo, fazendo com que a pressão no fundo do poço e na sapata aumentem, reduzindo a tolerância ao kick. O peso equivalente de pressão de poros esperado neste poço era de 8,8 a 9,0 lbm/gal, portanto, a tolerância ao kick não era uma preocupação para este projeto. Entretanto, é importante analisar a significativa influência da temperatura na CLF e, consequentemente, na tolerância ao kick. A possibilidade de se aplicar a margem de segurança de riser também foi analisada, levando-se em consideração a pressão de poros esperada (8.8 lbm/gal) e o peso de fluido incluindo a margem de riser (9,78 lbm/gal). O peso equivalente de fratura na sapata naquele ponto era de 10,1 lbm/gal. Tomando como exemplo a CLF de 158 psi, de peso equivalente na sapata de 0,43 lbm/gal, o peso equivalente total na sapata seria de 10,21 lbm/gal. Neste cenário, portanto, apenas a circulação do poço através da choke line excederia a pressão de fratura. O que indica que a margem de segurança de riser não pode ser aplicada nestas condições. A diferença de tolerância ao kick também é observada entre os modelos de uma fase e de duas fases. Por exemplo, no modelo de uma fase, o influxo alcançaria a sapata no momento do fechamento se tivesse um volume de 52 bbl, enquanto no modelo de duas fases este volume inicial seria de 15 bbl, além disso, o influxo chegaria no riser se o poço fosse fechado com um volume inicial de mais de 54 bbl. CONCLUSÃO A partir dos poços analisados, pode-se concluir que: (1) determinar as curvas de pressão de poros e gradiente de fratura é crítico para o planejamento e execução da operação; (2) procedimentos específicos de perfuração e de controle de poços devem ser definidos baseados na criticidade do poço; e (3) rigorosos treinamentos devem ser aplicados à equipe. O cálculo de tolerância ao kick vai muito além de um modelo simplificado considerando uma única bolha de influxo e peso de fluido atual. A análise mais complexa e mais detalhada de cada poço pode gerar uma significativa mudança no projeto e diminuição degastos e tempo de operação com o assentamento de revestimentos cada vez mais profundos. A diferença entre o modelo de uma fase e o modelo de duas fases também pode ser crítica para determinar a viabilidade do poço. O uso de simulações de kick complexas para se determinar todo o programa do revestimento nem sempre é possível, pois demanda muito tempo. Por vezes, devem ser utilizado como alternativas para o projeto, tornando-o possível, ou simplesmente mais econômico ou seguro. Referência Bibliográfica: LAGE, A. C. V. M., NAKAGAWA, E. Y., ROCHA, L. A. S. Description and Application of New Criteria for Casing Setting Design. OTC 8464, Offshore Technology Conference, Houston, 1997.
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