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n M Plcooo: Clautfu derrlnant. HP 20O. Murúc Plcalro. @ SenOeft4, Parlo/VAGA, Nova lorque, 1981. DI LEO INTERPRETAÇAO DO DESENHO INFANTIL Traduçâo: MARLENE NEVES STREY Psicóloga e Professora de Psicologia do lnstituto de Psicologia da PUC/ RS. ri ir t'. 19. JAN.1gB7..t.-. PORTO ALEGRE / 1985 Ei / I I I Obra publicada, orfuinalmente, em inglâs, sob o título I nterpreti ng Ch i ldren's Dnwi nç (C) 1983, by Joseph H. Di Leo by arrangement with Mark Paterson & Brunner/Mazel 1rc., New York Capa: Mário Rõhnelt Coordenaúo editorial: Paulo Flávio Ledur Composi$o, diagnmqão e arte: AGE - Acsessoria Gráfica e Editorial Ltda, Índices para o Catálogo Sistemático lnterprêt4ÍÍo da Percepção: Criaças: Desenho concepçõeslnfantis:Desenho'r':;'.J:.iT.::' ( Bibliotecária responsáwl r Sonia H. Viei ra C R &Í 01526) Rcrcrvador todor ordlreitosde publicação em língua portuguesa à EDITORA ABTES MÉDICAS SUL LTDA. Rua Goncral Vltorlno, 277 * Fones2í8143 e 2í2728 Porto Alogro - RS - Brasil IMPRESSO NO BRASIL PHINTED IN BRAZIL 17 D576i Di Leo, Joseph H A interpretação do desenho infantil. Trad. de Marlene Nevel Strey. Porto Alêgre, Artes M#icas, 1985. 218p. il. 23cm. t,Crianças - Desenhos 2.Desenho lnfantil - lntsrpretação, 3.Psicologia lnfantil. l.Strey, Marlene Neves trad. ll.t. ,..c.o.D. í55.4 155.28 C.D.U. 159.937-O53.2:74 159.922.74.t4 Sumário Agradecimentos. . . Prefácio 1 -lnterpretaçâo.. 2 - Características formais e estilísticas. 3 - PredomÍnio da cogniçâo: a criança desenha um homem num barco . . ' ' 4 - Predom ínio do afeto: a criança desenha uma casÍr. 6 - O significado projetivo da arte infantil 6-Otodoesuaspartes 7 - CaracterÍsticas globais I - As partes do corpo. I - Como a criança percebe as diferenças sexuais e os papéis na sociedade ocidental 12O 10 - Lateralidade e seus efeitos nos desenhos 138 1 1 - Desenhos da árvore e traços de personalidade . . 157 12 - Desordens emocionais refletidas nos desenhos 165 tB -Armadithas... 184 14 - O papel das artes na educação para a paz 196 16_Reftexões.... lgg Apêndice 205 Bibliografia. 2O7 lirdice de nomes. 212 lhdiceremissivo... 214 7 I 11 22 34 44 60 76 83 102 lu- ll. na !, rl- lE. lnterpretação Que eu possa ver e falar de coisas invisíveis ao olhar humano. John Milton Dados importantes e sinais irrelevantes I nterpretar : descobrir o signif icado. Na busca de significados, o pesquisador pode trilhar, satisfatoriamente, mais do que um caminho. O mais satisfatório, para uma mente cientificamente oríentada, sãq, os fatos significativos, que podem ser submetidos a uma análise estatística e tes- tados na sua confiabilidade e validade. No estudo de desenhos, este método é usado para estabelecer o grau em que um dado encontrado se relaciona com os significa- dos atribuídos a ele. Está a ênfase nas mãos relacionada a tendências agressivas? O consentimento geral em responder-se afirmativamente pode ser justificável, quando o item é encontrado num considerável número de pessoas agressivas, outra abordagem confiável ao investigador consiste num profundo estudo longitudinal de poucas pessoas que exibam grandes mãos continuamente em seus desenhos ao longo do tempo, sendo a agressâo um traço marcante de seu comporta- mento. Esta abordagem clínica será mais convincente se, no decorrerdo tratamen- to, se revelar concomitante redução do tamanho das mãos nos desenhos e do com- portamento agressivo. Na combinaçâo das duas abordagens, pouco a pouco dados importantes ad- quirem maior validade dentro de uma percepçâo global, confirmatória. Tal inter- 11 pretação global é mais provável de ocorrer aos clínicos e é responsável pela difusão do uso de desenhos no diagnóstico e na terapia. Por enquanto, limitar-meci a uma simples enumeração do que será tratado com maior profundidade ao longo do livro, a saber: no atual estado de nosso conhe' cimento, a interpretaçâo da arte infantil não consegue ainda excluir a subietivídade humana; apenas por si só, as evidências estatísticas são limitadas no seu alcance, e insuficientemente conclusivas, para excluir pontos de vista conflitantes' Pode-se incluir, na interpretaçâo, a tendência geral, indicada pelos estudos estatísticos, mas o conhecimento de crianças pode ser alcançado apenas estudan' do-as individualmente, já que nunca duas crianças são iguais. O desenho é uma das formas de se estabelecer um rapport rápido, fácil e agradável com a criança. Entre os clínicos, Winnicott é especialmente notável pelo seu Squiggle Game liogo dos rabiscos), no qual ele explora ao máximo a primeira e crucial entrevista terapêutica, engajando a criança numa troca de desenhos, recipro' camente sugeridos e completados. A criança tem papel ativo na sua própria análise. Conforme o discernimento do analista, o§ desenhos podem ser mostrados aos pais. Aqueles que já usaram desenhos no seu trabalho com crianças sabem quão espanta' dos podem ficar os pais quando vêem, em termos gráficos, como seus filhos os per' cebem e vêem a si mesmos na relação com a família. O elemento subjetividade é inerente à interpretação individual. Assim como duas crianças não sâo iguais, também dois profissionais nâo são iguais. Minha ex' periência, em mais de três décadas, tem dissipado qualquer noção de interpretação dogmática. O leitor, por exemplo, pode examinar o material que apresento neste li' vro sob uma luz diferente e discordar ou ver além da minha interpretaçâo. De qualquer maneira, apesar dos questionamentos, existe o valor potencial dos desenhos para aqueles que trabalham com crianças, com os mental ou emocio' nalmente desajustados de todas as idades ou onde exista uma barreira de lingua- gem. O papel do discurso na interpretaçâo de desenhos Crianças que já falam provavelmente falarão ao desenhar. Seus comentários devem ser levados em consideração, na medida em gue podem esclarecer o que tal' vsz não seja uma evidência clara e visível. I Nos pré-escolares, todavia, a idéia original pode ser desenhar, vamos dizer, um \ gato; mas, à medida que a figura vai sendo feita, pode sofrer uma série de designa' f Cões, tal como sor rotulada de carro ou barco. No dia seguinte, a mesma criança I mortra s€u desenho e insiste em que é uma casa. Nas crianças em idade escolar, se ierpera msior consist6ncia entre a produção gráfica e a palavra falada. Acredito que as crianças podem ser encorajadas a falar sobre o qus estão fâ' zondo ou o quo tonham desenhado, mas de uma forma não'específica. Perguntando ospeclflctmrnta "o que é, isto7", poderemos ser agraciados com uma resposta qus 12 nIb tcnha relaçâo com o desenho. É melhor estar atento ou, quando muito, dizer al' eo nlo-espocíficol "fale-me alguma coisa sobre- isto". . I Oualquer comentário que a criança faça, quando mostra um desenho, pode llr um indício de uma atitude, pensamento ou sentimento. Em relação a isso, re' 0ordo-me que, em torno de 1913, Luquet contava como, desenhando com tinta, al orlanças, acidentalmente, podiam fazer uma mancha' lmperturbáveis, como se a tlvurcm feito intencionalmente, elas podiam denominá-la de cachorro ou um ocea- l1o, ou qualquer outra coisa lPsychodiagnosfics, de Rorschach, publicado em le42l. Em crianças pequenas, a superioridade da fala sobre o desenho, como um firlo de comunicaçâo, é apenas aparente. Ouando a criança começa a desenhar uma llgurr reconhecÍvel, a fala está bem avançada, no sentido de que inumeráveis pala- Vfat íOram adicionadas ao vocabulário, bem como as frases se tornaram mais longas a g9rrtt6s sintaticamente. Mesmo assim, a discrepância entre a fala e o desenho po- dl crlar uma falsa impressão. Melhor que a fala, os desenhos podem expressar suti- Itfrl do intelecto e afetividade, que estão além do poder ou liberdade de expressão UtÍbrl. Mesmo os adultos, com um formidável vocabulário, necessitam centenas de plhvrus para tentar explicar o que uma pintura pode significar. Habilidade literária, apanu, não pode criar uma imagem mental que irá evocar de forma precisa a verda- dllff rparôncia do objeto descrito- a não ser que se seja um John Keats frente a uma Ulnr grqa. A palavra escrita ou falada pode interpretar e comentar uma imagem qg; [tcJa frente ao espectador, mas não consegue substituí-la satisfatoriamente. É nl$o quc se baseia o respeito ao trabalho das crianças por aqueles que podem com- Fllrndl-las o curá'las. Aperar das reservas que se possa ter acerca da relevância dos comentários ver- bflt d1 crianças pequenas, elas devem ser encorajadas a falar, enquanto o examina- deÍ, rvltando sugestionar-se, ouve e anota. Crianças em idade escolar podem contri- lUlt prra a interpretaçâo, fornecendo associaçôes e o contexto. O desenho é uma ltPfüilo possoal, assim como o seu significado. Uma perspectiva do desenvolvimento Uma avaliação válida de qualquer aspecto do comportamento deve levar em aantldtr$ío a idade do sujeito e o nível do desenvolvimento. Esta regra geral se lFllgr, com particular força de convicção, às crianças. É essencial se conhbcer o que ll drvr Gtperar no decorrer do amadurecimento da criança. Um grande número de !Íquht tom trazido à tona conhecimentos importantes e marcos decisivos até o m6mrnto, Teorias de fases ou estágios (Freud, Erikson, Piaget, Gesell) facilitaram Itolla comprcensão do processo do desenvolvimento. Este autor organizou um ma- Fl llnóptlco, no qual as teorias de estágios e os fatos são integrados, assim como :ffillntt umavislo global, desde o nascimento até a adolescência (Di Leo, 1977). 13 ( a Çl FIGURA 2 Aor6anosemelo, dlco, FIGURA3 Desenhada por uma rnonina de 1 1 anoc J. A. desenha seu pai, um má 17 ! obietos de interese e, desse modo, possuí-los pero menos em sua irfrfginaçao, ;á ha vinte ou trinta mil anos atrás. 1,, Símbolos sâo os mais gerais e efetircs meios de de signíficar uma entidade abstrata, como o gentil pombo represen largamente difundido e aceito. ou um símbolo pode emergir de rflin caloeirão de arquétipos num sonho ou, graficamente, na forma de mandala. pode ser transicional, ligando a brecha entre o mundo interno e a de alguám, tal como o objeto que a criança leva ao berço como cott, 1971). Todas essas formas sâo vistas na arte infantil. Assim como o conteúdo manifesto de um sonho torna-se do relacionado com as associações pessoais da quem sonha, assimassoctaçoes pessoats da quem sonha, assim tCmbém os sím_ bolos, consciente ou inconscientemente desenhados, encontram sigriificado apenas quando vistos no contexto da história pessoal do desenhista. o símboto pode não ter o mesmo significado para diferentês pessoas. um desenho mostrando alguém caindo na água têm um significado especial, se feito por um alcoólatra. o conierloo de um desenho diz argo sobre a pessoa, a naturêza da pessoa diz algo sobre o dese- nho. Um item específico num desenho adquire varidade, quando em relaçüo ao de- senho como um todo. E este, por seu turno, ganha validade, quando considerado como um elemento abrançnte na avaliaçâo díagnóstica. r Nos desenhos, como nos sonhos, a repetição de um tema e seus símbolos é um fenômeno notável. Pode ser a expressâo de um evento importante, traumático, impressivo em qualquer caso, irrompendo através da barreira da repressâo. Esa é outra razb, além da oportunidade de comparação com desenhos ante- riores, por que desenhos em série devem ser obtidos sempre que possívelfos dese- nhos tornam-se documentos permanentes que ílustram, num vislumbre, as mudan- ças que ocorreram após um período de tempo. Jung (1968) enfatiza a diferença básica entre sinal e símbolo. O sinal é con- vencionado pelo homem. sem significado em si mesmo, representa, por consenti- mento comum, um objeto ou instrução, como os sinais de pare ou siga do trânsito. Um símbolo é, basicamente, muito diferente. É um fenômeno espontâ;eo e natural, cujo significado é subjacente à sua forma mais óbvia. Em contraste com o sinal, ele representa mais do que aparenta. Sonhos e pensamentos inconscientes, sentimentos e açÜes sío fontes de símbolos. Eles requerem interpretaçâo no contexto de uma única realidade: a da pessoa que sonha, atua ou desenha.h chave na fechadura é um dos mais comumente interpretados símbolos de relação sexual. Mesmo assim, na Itália, onde a chave á designada macÀo ou fêmea, de acordo com sua parte sólida ptra tmpuirer ou buraco para receber (chiave maschia, chiave femmina), eu duvido quo tch mantagen! inconscientes suriam sempre quê as pessoas retornem para suas cttt!. Em ncnhum outro lugar, o simbolismo alcançou tão grande refinamento qunto nlr trtci vbualr da lhdia e China. Essa arte aspirava transmitir uma aprecia- Çüo dt ldílm oplrltuair c abetratas por meio de atributos f ísicos. t8 a paz, algo , o objeto externa (Winni- quan- Acreditava-se, no princípio, que seria impossível representar o Buda, desde que, com o Nirvana, ele alcançara a extinção. Mais tarde, sentiu'se que a fé requeria alguns estímulos físicos para sua veneraçâo. Então, foi decidido representar "Aque' le-Oue-Conhece" (ou o "Esclarecido") por uma enorme pegada esculpida em pedra, que atestaria sua grandeza. Eventualmente sob a influência de artistas helênicos, o Buda foi dotado de representação antropomórfica. E essa representação era deter- minada por uma minuciosa lista descritiva de 32 marcas saCras Uaksana), pelas quais ele poderia ser identificado. Entre elas, estava a protuberáncia craniana lis.niyl, o místico sorriso de pacífica meditação e a curva entre as sobrancelhas e os oítroi (Arná). Outra notável característica de todas as imagens eram as grandes ore- lhas, coml lóbulos muito alongados. Um repertório de çstos das mãos e dedos ex- pressa proteção, meditação , oração, o ato de ensinar e outras funções do Buda. A mandala (círculo, em sânscrito) aparece freqüentemente na iconografia bu- dista, tanto como recinto sagrado, ao redor do Buda, quanto como uma repre§enta' ção do cosmo. A mandala não é peculiar a qualquer cultura em particular' É encon- trada universalmente para denominar a Totalidade. É o começo de toda a arte re- presentativa. Na vida de cada um de nós, ela marca o moÍTento espantoso, quando, num círculo casualmente desenhado, reconhecemos alguma coisa de nosso meio am- biente, talvez uma cabeça. Fizemos nosso primeiro símbolo. Começamos então a usar deliberadamente a figura para representar O sOl, COmO o fizeram nossos remo- tos antepassados e como o fazem nossas irmãs e irmâos em todo o globo. A univerSalidade do fenÔmeno levou Jung a considerar a mandala como um símbolo arquetípico, refletindo a herança neuropsicológica da humanidade. O uso do espaço com o objetivo de análise, o espaço onde uma pessoa ou árvore possa ser de- senhada) pode ser dividido por uma linha transversal imaginária, em uma parte supe- rior e outra inferior e, por uma linha vertical, em um lado esquerdo e outro direito. * Existe suporte geral para a interpretação de que pequenas figuras desenhadas perto da ou na parte de baixo da folha expressam sentimentos de inadequacão, inseguran- ça e mesmo depressâo, enquanto os que estão na parte de cima suçrem otimismo, talvez narcisismo e fantasia' A colocação no lado direito ou esquerdo da folha é interpretada das formas mais variadas. A começar que se nos depara a determinação se a direita ou esquerda é a de quem vê ou daquilo que é visto. Em seguida, é necessário levar em considera- ção o direcionamento cultural para escrever, da esquerda para a direita ou vice-ver- sa, pois isto pode educar quanto ao lado onde alguém habitualmente começa a es- crêver e talvez a desenhar. A propósito dessa discussão, vamos admitir que o sujeito foi ensinado a escrever da esquerda para a direita e então o direito e esquerdo da folha são os de quem visualiza. 6 De acordo com Buck i'19741, a coloçqçlg d,q.fisura aléq1do 9i19*9iyjtOli-o- np esquerda ocorre em suleitos impulsivos, com prováve! busca de satisfação emocio' 19 Dependendo da fase do desenvolvimento da criança, a presença ou ausência de partes da figura humana pode ter um significado conceptual ou afetivo, tal como nas seguintes instâncias:r Fato: Uma figura feminina mostra a parte interior do corpo através da roupa. lnterpretação: Depende da maturidade do artista. Pré-escolares recorrem co- mumente à técnica do raio-X, pois desenham o que sabem que deve estarali, indiferentes a se na realidade sâo visíveis ou não. É o realismo intelectual das crianças em fase pré-operacional. Os pré-púberes, em idade escolar, desenhan- do transparências, sugerem incapacidade mental ou funcionamento abaixo das expectativas para sua idade. Possivelmente, uma sugestâo de sedução, co- mo na Figura 1, de uma menina de I anos e 11 meses.Sedesenhadaporum adolescente ou adulto, a transparência da parte inferior do corpo da figura humana é indicativa de tendências voyeurísticas. Muitos erros de interpretação ocorrem devido à falta de familiaridade com o que é usual nas várias fases do desenvolvimento. .rr Ênfase nos botôes tem sido notada nos desenhos de pessoas desajustadas, especialmente naquelas cujo comportamento indica dependência materna (Macho- ver, 1949). Na Figura 2, uma menina de 6 anos e meio desenhou seu pai. Os botões são a principal característica do seu vestuário. Admitindo que eles simbolizem dependên- cia, nâo vejo nenhum outro significado, além da ligação usual das meninas de sua idade com seus pais. Oual a criança que é independente aos 6 anos? Mas então temos a Figura 3, na qual uma menina de 11 anos desenhou seu auto-retrato (ela o chamou de "eu", indicando a si mesmaf'Os braços e o pescoço estâo sombreados vigorosamente (ansiedade). Há uma interminável carreira dupla de botões, colocados irrelevantemente num dos lados, e um bolso sobre a área do pei- to. A menina está em tratamento devido a uma desorganizaçío epileptóide. Seu tra- balho escolar é insuficiente para obter aprovação, tanto que resultou na sua transfe- rência para uma classe menos graduada. Ela está consciente de suas deficiências, é totalmente desmotivada e se sente completamente inadequada. Suas dificuldades sâo agravadas por sentimentos de rejeiçâo, oriundos das freqüentes referências de seu pai a ela como sendo "estúpida". Nesta criança pré-adolescente, a exagerada ênfase nos botões, o bolso, o sombreamento e, acíma de tudo, a impressâo geral transmitida por essa estranha figura podem melhor expressar uma personalidade gue é dependente, infantil e inadequada. Esta interpretaçâo é comprovada pelos dados cl Ínicos encontrados. Símbolos O advento de seres humanos civilizados tem sido relacionado com a invenção da escrita, cerca de quatro mil anos atrás. Ainda agora, as pinturas das cavernas de Altamira o Lascaux at€stam a necessidade humana de representar graficamente seus 14 FIGURA 1 De uma menina de I anos e 11 Íneses. Transparên- cía através da saia, desenhada por último, posivel- mente para tornar a f igura mais sedutora, 15 l\ anal. Aqueles cuja figura está longe, na direita, são freqüentemontc p€r!ôrú pensati- i vas, capazes de esperar por satisfaçâo intelectual..Machover (1949) conrlderava a I colocaçâo na esquerda como indicativa da personalidade que á auto.orianttda, sm I contraste com as que sâo orientadas pelo meio ambiente, qua tendtm a colocer a 1 figura no lado direito da página. As pessoas melhor ajustadas deunharlo a figura Lbem centrada, não notadamente poguena ou grande. Em seu tratado sobre árvores, Bolander l1g77l, em adiçâo às interpretações que aplica aos desenhos de possoas, assinala inequívoca significação acxual aos la- flos esquerdo e direlto da tolhalkEle considera a esquerda como princíplo feminino; La direita, masculino. A árvore que se inclina para um lado ou outro exprrlSa predo- mináncia da influência do pai ou da mâe, Bolander tambóm interpreta a mctads de ftima da folha como a área do futuro, o prosonto reprôsontado pelo centro 6 a parte he baixo, aquela que abrange o passado. Buck (1974) vê a colocação na esquerda como lndlcativa detendáncias au- tocentradas, impulsivas e emocionais: a colocaçâo na dircita sugere tendáncias con- troladas e uma indicação de buscar rnais a satisfaçto intelectual do que emocional. Apesar de conceder que há evidências para acreditar quô a esquerda sola o lado fe- minino e a direita o masculino, Buck considera isso um ponto duvid$o. Crianças seguras, na fase da latência, livres de ansiedade inibitória, dlo vazão irrestrita à fantasia, tal como nesse desenho de Alfred, um menino de 7 anos e 9 meses (Figura 4). Em desenho imaginativo e elaborado, ele pintou uma animada cena marinha. Um marinheiro está bebendo e soluçando; o outro está gritando "oruo, oruo" (ouro, ouro) ("dlog, dlog" - gold, gold, em inglês), descobrindo uma arca do tesou- ro. Enquanto isso, um peixe-espada está apontando para a parte submersa do cascg. Tudo isso'sob um sol sorridente. Obviamente, essa é uma fantasia expressa livremente, por uma criança bri- lhante. Significados adicionais podem se tornar aparentes se a folha for dividida em duas metades, por uma linha imaginária. No lado direito (masculino), há um sím- bolo masculino, a espada, pronta para penetrar no navio (feminino). Há também um marinheiro embriagado naquele lado. No lado esquerdo (feminino), há outro símbolo feminíno, a arca com o ouro. A percepção do menino dos papáis sexuais foi i nconscientemente retratada. O poder (sol) brilha na direita. As forças do mal, alcoolicmo e agrcrs6o, estão tsmbárn nesse lado. A arca do tesouro é boa; ela está na csquorda. O artista nâo tem escrita eni espelho; ele revertcu â palavra "ot)to" (gold) co- mo scndo um código, .§, í- §- fi§- {'ü-t §-\ ("{, L _5 A\. 14 'r (" I U$ ',i il i t tr Do lt p Ér\ -§/ 20 21 FIGURA 5 Por Kenneth, 12 anos. As linhas eão contínuar e fortemente dêsenhada§' A figura rnostra um ho mem musculoso e de maxilar quadrado' Qualidade da linha Adicionalmente ao conteúdo manifesto e ao simbolismo, os sentimentos en- @ntram expressão nas linhas, uso do espaço, equilrtrio, integração e forma de exe- cução. uma figura desenhada com linhas leves, indecisas e.quebradas fala por uma criança insegura e deprimida. Ao contrário, uma figura vigorosa, contínua e livre- *mente desenhada, é expressão de autoconfiança e sentimentos de segurança. A pri- meira é hesitante, parece pensar à medida que continua o trabalho. A segunda pare- ce executar o que já foi claramente visualizado, pois a mão obedece ao intelecto.* Orientação no espaço crianças peguenas, que nâo tenham ainda aprendido as regras da ,,correta,, oriêntaçâo espacial, podem desenhar a figura humana de cabeça para baixo ou de lado. observei crianças de quatro anos e uma de cinco, onquanto desenhavam suas figuras começando pelos pés, continuando o trabalho ató a cabeça, ou desenhando a figura como so estivesse voando sem peso através do ospaço exterior. Estas pou- cas crianças aparontavam ser sociáveis e alertas. Nâo mostravam nenhum oompor- tamento rugcrindo distúrbio emocional ou de desenvolvimento, ;iarh" "b."*ado dtrnhor com linhas contínuas, foitas rem levantar o ldpis do papol, em tra- brlhor írltor por aÍhnçaa rarllmanE perturbadae, Tem sido notado por outros quo a habilidade .rtíltlcl I drrordtnr rmoclonrlr podcm coexirtir. 22 KL, lr i ú tg iÉt * ;t ',tt CaracterístÍcas formais e estilísticas z3 F!GURA 7 Desenhado dos pés para cima: pás, barriga, tôrax, cabeça, cabelo, olhos, nariz, boca. lC. e lm. - 60 meses, Tracy desenhou sua figura a partir dos pés, invertendo a seqüência usual, escrevendo sou nom6 da direita para a esquerda. Ela está freqüentando o jardim de infância, sem apr6entar problemas. Uti- lizou a mão direita, tanto para desenhar, quanto para escrever, FIGURA6 Por Sandro, 1l anoa lntollgsnts. TÍmHo. Flgura estática. Maxllar peguono. Sinal de parr. Lrnta r cuidado$mente dconhado. proúo bw do láple Miío3 parca,rrntc vlrívrlt. pór lnrúwla ) |ra §i!iút,ú;-L !: :, .,,. 2E .y lnversão da figura é bastante rara, mesmo em crianças. A única explicação que me ocorre, no caso das crianças muito novas, é que isso manifesta a arbitrariedade de muitas de nossas regras. As crianças pequenas queCostumam fazer isSo podem estar revelando original idade. t,- t A mesma inversão por indivíduos mais velhos não pode ser analisada tão / casualmente. Se não o for feito de forma deliberada, como o vemo§ €m Chagall, i sugere dificuldade em relação ao meio ambiente. Pode ser um item altamente signi' ,) ficativo num procedimento abrangente de diagnóstico. Sombreamento x Outro indicativo que tem recebido verificação em numerosos estudos experi' mentais é o s-gp!-ç_q[I]gtto, que seguidamente obscurece a figura fundamental na ,--sua.totalidade ouem'f#{es específicas. Esta característica é interpretada como uma I eJ$ressão"de-ansiedad€. lsto ocorre, de fato, nos desenhos de pessoas cuja ansiedade i é um elemento saliente em seu comportamento. O sombreamento que é usado com intento artístico, a fim de criar uma ilusão de terceira dimensão, não deve ser confundido com o tipo indicado de sombrea- mento que estamos considerando. l ntegração É bastante raro a figura humana ser desenhada de forma desconectada, com as partes do corpo dispersas sobre a folha. lsso adquire maior significado quando ocorre após os anos pré-escolares. Tipicamente, o desenho de uma pessoa é uma fi- gura unitária, um todo integrado desde o princípio, mesmo quando longe de estar completa. Mesmo a figura de girino, com braços e pernas saindo da cabeça, repre' senta uma pessoa completa, cujas partes, apesar de poucas, são aquelas vistas como representaçâo essencial de uma pessoa, em certo estágio particular do desenvolvi- mento infantil. r. Já vi figuras desconectadas em desenhos de duas crianças de quatro anos, uma menina brilhante e um menino. Nenhum deles manifestou qualquer comporta- mento sugerindo desordens emocionais (Figuras 9 e 10). Por outro lado, diversas crianças de cinco anos ou mais, que desenharam figuras desarticuladas, evidenciaram desordens comportamentais (Di Leo, 1973), Fracasso ao integrar a figura é tâo raro quo rsquer atençâo especial' Como uma proieção de desordens da personalidade, sua importância crosco @m a idade da pcrroa. lntegraçâo gradual da figura, ao longo do tempo, tende a coincidir com melhora clínica. ,rf, t/ I ,r.\lr' ..1v'It l^ r..'w It ií?l '1'.i iti iti i: , t FIGURAS Menino, 4 anos e 5 meses. Sua casa foi destruída pelo fogo. 26 27 ,T Dlspersão dê partes do corpo Dernho felto por Tina, uma bÍilhanto s beÍftaiuttda crlança dc FIGURA9 3anose9meser. --\*-"*-rra\4- +r?ffi l';3lrrt+.§Jb&Jr'.trl rnf.ê.üt, Jâ "a rsk{s,-r,},^:.\,,,',i,x *v ?arÕ,;;,L l FlGURA 1O Realizada por JaÍnes, de 4 anos. Dispersão das ca racterÍeticar humanas, Sem a linha deliminatór'ra da cabeça. Nomeou oo olhos, nariz, corpo, laço da gr+ veta. Alorta, amigáv61. Dispos'çlío alegre. Sem pre blemas de comportamento. I \ ht ?IL ',tt \ { \rhtt|usiltrr,lH8r*§rfiúÉ i J tI t { I t #",,,,,u\r..\_--..dt" (rr, '1§ ul 292e FIGURA 9 Dispersão de partes do corpo. Desenho foito por Tina, uma brilhante e bem-ajustada criança de 3anose9meses, eo,t **\**.**q*s- q-,,ffi t'i3tlÊ{ía..ftdlt(i rr*.raâ.{h *,r $ ft1í:r\Í- r,.ir-Ír, ra ê f,v ler+trl r FIGURA 10 Realizada por James, de 4 anos. Dispersão das ca racterísticas humanas, Sem a linha deliminatórh da cabça. Nomeou os olhos, nariz, corpo, laço da gra vata, Alerta, amfuável. Disposição alegre. Sem pro- blemas de comportamento. t4 t I f { II f; 1 ,i $ T \ Iiq § il L t, it \ \ 28 '\***,*o.r-.*"-r-*- ' 2S Simetria e equi!Íbrio Na Figura 11, Brenda, de 10 anos e 7 meses, desenhou, em primeiro lugar, uma figura Íeminina, bem à esquerda do meio da folha e, depois, equilibrou com uma figura masculina, bem afastada do meio, à direita. Além disso, construiu cada f igura simetricarnente, pois tanto à direita como à esquerda de cada uma é idêntica (corn oxcoçâo do nariz). Brenda desenhou cuidadosa e deliberadamento, raramente l6vantando o lápis do papel. Deu-me a impressâo de ter planeiado a organização das íiguras antes de começar a desenhar e não de ter improvisado. â medida que seguia ,ro l81t ís. O eÍeito geral é de rígida imobilidade. E, apesar do sexo de cada figura estar clalornente convencionado, há uma qualidade esquemática e estereotipada nas figu- Íos, que é muito mais evidente ainda no desenho de sua família, que aparece no ca' pítulo sobre as partes do corPo. Oue signiÍicado pode-se atribuir à simetria e ao equilíbrio, quando assumem papéis tâo salientes? Muito simplesmente. podem ser tentativa§ de conseguir-se um efeito estético, quer espontaneamente, quer em deferência à influência dos adultos. Espera-se que levar em consideraçâo a simetria e o equilíbrio não bloqueie a livre expressâo. , Figuras rígidas e estereotipadas ocorrem em desenhos de adolescentes e adul- tos retraídos, como uma projeçâo de defesa contra um meio ambiente percebido co- - mo ameaÇador e opressivo. Extrema preocupação com a simetria e o equilÍbrio é uma característica da Art Brut. O leitor poderá recorrer ao Capítulo 12, Desordens Emocionais Refleti- das nos Desenhos, para discussão e ilustração. Estilo O estilo pode ser definido como uma forma de expressão que é própria de uma pessoa ou período. É pelo estilo que um trabalho é atribuído particularmente a um autor, compositor ou artista. como se ostentasse uma assinatura autêntica. De relance pode-se reconhecer uma obra de Chagall ou Matisse. Mesmo em Picasso, qrro pintou numa variedade de estilos, podese atribuir a obra ao período "azul",ou "rosa", ou "cubista" e, assim, relacioná-la cronologicamente- Na arte infantil, formas individuais de representação podem permitir a distin- çÍo rlo unru glitttrtta cle uma criança da de outra. A emergência de um estilo é con' linlpnlo ll ooÍlo çIau de habilidade técnica, que não é disponível antesda idade es- r:6lrr. O oíltl(, lxxlo sor contido ou exuberante, impressivo ou expressivo. realÍstico 9rr inrngirtnltvo. O oxame de desenhos Íeitos em intervalOs de tempo pode revelar O orlilo qtto oxltrottiit a totttldncia da criança. FIGURA 11 Feita por Brenda, de 1 0 anos e 7 rneses, o t, \\7 t\ ^t9g t, 30 31 -r O estilo do desenho e a qualidade da linha , A criança insegura, entre as ldades de 18 e 24 meses, encara a situaçâo de de- cenhar de forma hesitante, toca o lápis cautelosamente com a ponta dos dedos, evcntualmente tendo coragem de apertá-lo, fazendo poucas linhas, minúsculas e Barcamonte visÍveis, num canto da folha. Ouando mais velha, a criança insegura de- ronha a f igura humana com linhas pequenas, trêmutas e quebradas, criando uma fi- gurô poquona, afastada do centro. Em contraste, a criança segura revela a alegria de viver numa garatuia arroiada o vigorosa, com pressâo forte por todo o comprimento e largura do espaço disponí- vel. Mais tarde, ao desenhar a figura humana, o estar livre de ansiedade sufocante será expresso no tamanho da figura e na impetuosa e boa pressão da linha, que ten- de a ser contínua, sendo a figura posicionada no centro da folha e nâo localizada num canto. Mesmo as primeiras garatujas podem nos comunicar coisas importantes sobre a personalidade da criança. As descrições que tenho feito são típicas, tendo sido observadas por outros e por mim, rigorosamente, em milhares de crianças. Todavia, as observações clínicas acima requerem qualificaçâo, quando se considera os estilos de desenhos peculiares a artistas talentosos. Picasso tende a esboçar suas figuras numa linha contínua que, desenhada sem aparente esforço, se inclina e se curva na medida em que inclui ritmicamente a figura, dotando-a de substância e vitalidade. Daumier, certamente, alcançará um efeito de movimento por muitas linhas peque- nas e ondulantes. Aqui também o resultado é impressivo, embora a técnica seia completamente d iferente. Em minha coleção de desenhos feitos por crianças emocionalmente perturba- das, há espécimes de ambos os estilos: a linha lenta, contínua e ininterrupta e as rá' pida e numerosamente desenhadas - poderia se dizer garatujas - onde, de fato, o desenho não é representativo, apesarda abundância de elaborações circulares, apa- rentemente irrelevantes e redundantes. Assim como nos adultos, o talento artístico, constantemente, tem sido detec- tado no trabalho de crianças cujo comportamento nâo se coaduna com os padrões estipulados. Tem sido aceito que, durante a fase de inspiração que precede à criaçâo do uma obra de arte, o artista está inteiramente fora de contato com a realidade. Em capítulo subseqüente, discutirei a diferença essencial entre criatividade artística o doonça. Gostaria de simplesmente sugerir que a alienação do mundo real, como a maiorin o percebe, pode ser um constituinte da expressâo artística. Paro«:o mo que um artista como Picasso, que faz uma notável linha, desenhan- rlo rom lovnnlnr «r instrumento de escrever da superf ície, exibe nâo apenas a maes- tlla rln Í6rrrra, Ínas uma concepção que está sempre um passo à frente de uma mão olmrllorrlo. Doronlrar com numerosas linhas pequenas e ondulantes pode produzir um rolrllarlo oÍotivo, mas dá a impressão que o artista está trabalhando, não com um t6nlô ;lror;0lrr:obido, nro§, isto sim, num estilo livre e criativo à medida que o tra- balho vnl rnrrrlo Íoito. SfÍo formas admiráveis de expressão artística, ambas certa- monlo válttlnr. 32 Desenhar é um assunto muito pessoal. Cada desenho é o reflexo da personali- dade do indivíduo que o criou. ), I t, i I I iI I I i' i: I t' 1 l' 33 Uma dicotomia separando cogniçío e afeto é justificada apenas como um ex- pediente para facilitar a apresentação do complexo processo em consideraçâo. Tal divisão assume uma dualidade que nâo existe e que é concebível apenas onde a per- ronalidade tenha sido seriamente dissociada por doença mental. Ao dedicar capítulos separados para a consideraçâo do desenho como expres- sÍo de pensamento e sentimentos, nlo o faço com a intenção de compartimentaliza- çío; ambos são aspectos de uma entidade indivisÍvel. Uma tentativa pode ser feita para manter a visão do todo enguanto examinamos a parte - o que nío é uma tare- fa fácil. Todavia, quando relacionada com um estímuto relativamente neutro, a res- po3ta tende a ser predominantemente cognitiva, embora nío inteiramente. E, quando o ostímulo for mais pessoal, a resposta tenderá a mobilizar os sentimentos. com isso em mente, solicitei a um grupo que desenhasse um homem em um barco, como um estímulo neutro. Desde que nenhum deles tinha naufragado antes, cra lmprovível que isso evocasse uma obscura resposta emocional. outro grupo foi rcllcltedo r dcrcnhar uma casa. Este era entendido como um estímulo mais pessoal, quo provrvclmcntc ovocaria uma respo§ta impregnada de elementos afetivos em mrlor grau do quc quando o ostímulo fosse relativamente neutro. Ar rqüâncirr dc desenhos quo se soguem são apresentadas para ilustrar o pro- grcrro do plnumcnto inÍantil, desde o jardim de infância até o segundo ano, mais ou manor dor 6 ror 7 rnos. Foram selecionados como ilustraçâo da execução de "um homcm num brrco". 34 Ouatro estágios podem ser identificados ao longo de um continuum. No pri- meiro, a pessoa está inteiramente contida no interior e visível através do casco. O que existe deve ser mostrado (Figura 12). Na segunda fase, a figura começa a emergir. Primeiro a cabeça, depois a parte superior do corpo aparecem sobre o convés. Mas, ainda de conformidade com a re' gra de que o que existe deve ser mostrado, a parte inferior do corpo também é visí' vel, embora através do casco (Figura 13). A terceira fase é uma tentativa de preservar a integridade do corpo evitando a ilógica transparéncia. Este dilema é resolvido ao se colocar a pessoa inteira no con- vés (Figura 14). Nestas condições, a criança passa a desenhar dentro do pensamento pré-opera- cional de Piaget, ainda vendo o mundo subjetivamente e desenhando um modelo internalizado. A "técnica do raio-X" é apenas um reflexo do egocentrismo infantil. Somente durante a quarta fase o realismo visual se sobrepõe ao realismo inte- lectual. Agora, vemos apenas aquelas partes do corpo que são realmente visíveis, quando uma pessoa está num barco (Figura 15). Esta fase de realismo visual cai den- tro do estágio piagetiano das operações concretas, situado usualmente entre 7 e 8 anos de idade. As Figuras 12, 13, 14 e 15 são de crianças americanas contemporâneas. Em 1887, surgiu em Bolonha o primeiro livro no qual desenhos de crianças reais foram reproduzidos. O autor nâo era nem psicólogo, nem educador, nem pediatra, mas um famoso crítico de arte, fascinado pela arte infantil e donode brilhantes qualidades de intuiçâo e percepçâo. Em seu livro estão interpretações progressivas do tema "homem num barco". Pode-se ver as quatro fases idênticas aos desenhos das crian- ças de hoje (Di Leo, 1970). Um século e quatro mil milhas separam-nos das crianças de C.onrado Ricci, mas o processo mental implícito na solução de problemas de como desenhar um ho' mem num barco continua idêntico. Desenhos e desenvolvimento cognitavo Desenhos representativos começam às vezes entre 3 e 4 anos, com a chance de se descobrir que o que tinha sido mera garatuja pode ser agora feito deliberada' mente para simbolizar alguma coisa do mundo visual. Esta coisa pode provavelmen' to ser uma pessoa representada por uma cabeça. Logo, dois pequenos círculos serâo os olhos e outro a boca. Não demorará muito antes de linhas brotarem da enorme r:abeça e teremos o essencial de uma pessoa reduzida â forma de um girino. Esta pri- moira representação da forma humana tem sido observada sempre nos desenhos in- lantis, estudados agora e no passado. lsso não é uma surpresa, desde que nada é tão vitalmente importante para a criança do que gente. A figura humana persistirá como otema preferido da criança. Ersa prefer€ncia tem sido confirmada por inúmeros investigadores (Di Leo, 1970; (irmdonough. 1926; Harris, 1963; Luquet, 1913; Maitland, 1895; Ricci, 1887). Predomínio da cognição: a criança desenha um homem num barco 35 FIGURA 12 Felta por um menlno de 5 anos e 5 rnosos. Faso l: Pcttoâ dàntro do carco- lr ll FIGURA 13 Feita por um menino de 5 anos e 7 meses Fase ll: A pessoa começa a emergir. \r{ 38 I Fr' I i 8oÊ9, @;(o8 E- 86 d!o o!u P.E ʧaI €..< 3= ngEL s 5$ É. o--,; B sÉÊ ovô lLlroõ FIGURA 15a Menino, 6 anos e 6 meses, do primeiro ano. Fase I I l-l V de transição: mostra apenas a única parte do corpo.gue realmente é visível, quando uma pessoa está num barco. Nâo mostra, no entãnto, a mesma lógica no tratamento da face, que é claramente vi- sível através da barba. 39 :IOURA Íõ ,hnlno, 7 anot c 7 motos, no Egundo ano, Fale V: O rcalhmo vlruol á evldcnts nerte desenho. NÊ. huma port. da poroa ó vlrível atraúr do carco; ram parta algumr do tronco ó vlrível atravát dot roçor. Nto hó trenrpordnclar. O remo, parcial- nrntl tubmlrÍr, atta corrlttmcnto rotratsdo. I I I l 40 41 t n't\ Durante os anos pré-escolares, desenhos espontâneos tendem a ser mais ela- borados com a inclusão de outros itens importantes, notadamente casas, árvores, sol e outros aspectos da natureza. Uniformidade de seqüências ao desenhar, mesmo que não no tempo de seu aparecimento, reflete o progresso metódico do desenvol- vimento cognitivoTFiguras humanas, em particular, são consideradas como valiosos indicadores do crescimento cognitivo e são a base de medida nos procedimentos de Goodenough e Harris. Por volta de 7 ou 8 anos, ocorre uma mudança qualitativa e quantitativa, quando "o realismo intelectual" dá lugar ao "realismo visual" (Luquet), uma mu- dança que encontra corrêspondência no conceito piaçtiano de substituição do estágio pré-conceitual pelo estãgio das operações concretas. Estes termos expressam, em substância, a metamorfose de um pensamento egocêntrico para uma crescente visão objetiva do mundo. Apesar do desenvolvimento cognitivo vir a manifestar seu progresso também nos desenhos da casa e da árvore, nâo lhes confere o mesmo grau de padronização que os desenhos da figura humana. Sâo de valor limitado na medíçâo da maturidade intelectual. Todavia, osdesenhos da casa documentam mais abertamente a passagem do egocentrismo para uma visâo objetiva. Nos estágios iniciais (pré-conceituais) de pensamento, existirão transparêncías, tais como pessoas visÍveis através de paredes, visâo simultánea de três lados de uma casa, total inobservância da perspectiva visual e visão do alto e vista frontal no mes- mo desenho. Todos esses "erros" serão gradualmente banidos, à medida que o rea- lismo visual tomar lugar. Entâo. a criança tentará desenhar coisas como sâo vistas externamente, preferencialmente à visão interna. Objetos distantes serão desenha- dos menores, chaminés que eram obl íquas, por estarem perpendiculares ao teto, serão feitas verticais, a técnica do raio-X será abandonada por ser ilógica e pessoas nâo mais serão vistas através das paredes. Em resumo, o desenho da casa também irá refletir o nível de crescimento in- telectual, mas nâo tão sensivelmente como o desenho de uma pessoa. O DAp de Goodenough/Harris permanece como o mais confiável indicador de maturidade intelectual, dentre os procedimentos que se baseiam em desenhos. Desenvolvimento do desenho em relação aos estágios do desenvolvimento cognitivo de Piaget - Uma visão sinóptica ldcdc qroxlmada Desnho Cognição 0l 12 Rcsposta roflexa aos estímulos visuais, O lópis ó levado â boca; a criança não desenha. Aos 13 meses aparece a primeira garatuja: um ziguozaguo. A criança observa atentamente o movim€nto, deixando a sua marca na superfí- cie. Desenho cinestésico. Círculos aparecem e gradualmente predomi- nam. Após, os cÍrculos se tornam discretos. Num círculo casuâlmente desenhado, a criança vislumbra um objeto. O primeiro símbolo gráfico é Íeito, usualmente, entre 3 e 4 anos. Rea!ismo intelectual Desenha um modelo interno e nâo como é visto realmente. Desenha o que sabe que de- veria estar ali. Mostra pessoas através das pa- redes e através do casco dos barcos. Transpa- rencias. Expressionismo. Subjetivismo. Realismo visual A subjetividade diminui. Desenha o que é realmente visível. Não há mais a técnica do raio-X (transparéncia), As Íiguras humanas são mais realistas, proporcionais, As cores sío mais convencionais. Distingue o direito do es- querdo na figura desenhada. Com o desenvolvimento da faculdade de crí- lica, u maioria perde o interes§e em desenhar. Or lirlonlosos tendem a persevgrar. Estágio *nsório-motor A criança age por reflexos. Pensa pela atividade motora, O movimento gradualmente se torna direcionado a um objetivo, à medida que o controle cortical é gradual- mente estabelecido. A crianÇa cornêça a Íuncio- nar simbolicamente. Lingua- gem e outras formas de co- municaçâo simbólica desem- penham maior papel. A visáo da criança é altamente ego- céntrica. Brincadeiras de faz- de+onta. Estágio pré-operacional lÍa- se intuitiva) Egocentrismo. Visão subieti- va do mundo. Vívida imagi- naçâo. Fantasia. Curiosidade. Criatividade. Focalizado sm apenas uma característica do tempo. Funciona intuitiva- mente e nâo logicamente. Estágio das openç&s con- cretus Pensa logicamente sobre as coisas. Nâo mais dominado por percepçôes imediatas. Conceito de reversibilidade: coisas que eram o mesmo parmanecem o Ínesmo, até quando sua aparência possa ter mudado. Estágio das openções for- rmais Encara sua produçâo critica- mento. Apto para considerar hipôtes€s. Pode pensar sobre idéias e não apenas sobre as- poctos concretos de uma si- tuaÇâo. 7.12 42 43 Apesar da resposta a uma situaÇão relativamente neutra ser predominante- mente cognitiva, nâo pode ser isolada dos elementos afetivos. A pessoa ignora. pelo menos durante a infáncia, que a idéia é impregnada com símbolos inconscientemen- te expressos na produçâo gráfica - daí a artificialidade de se separar partes do que é, na realidade, um todo com aspectos inter-relacionados. Ao escrever, como ao fa- lar, se é limitado pela inabilidade de apresentar o todo simultaneamente. Apenas as artes visuais podem oferecer o todo de uma só vez. O tema náutico como simbolizaçâo do nascimento O desenho infantil de uma pessoa num barco vai sofrendo mudanças e se tor- na mais realístico à medida que a criança amadurece intelectualmente. Acredito que isto fica evidente através dos exemplos e da discussão feita até aqui. Gostaria de sugerir agora que o tema pode ser visto de outro ángulo. Podemos admitir - e não sem abundantes evidências - que a criança está também expressan- do conteúdos inconscientes no tema aparentemente neutro de uma pessoa num barco. À parte do seu conteúdo manifesto, as seqüências nos desenhos sugerem uma representaçâo simbólica do processo do nascimento. O barco representa simbolica- mente a cavidade sexual feminina. A água está relacionada à vida intra-uterina e ao nascimento. Nos desenhos que foram apresentados, a pessoa é primeiramente vista inteira- mente dentro do barco. Gradualmente, à medida que as seqüências progridem, a pessoa emerge. Primeiro aparecem a cabeça e a parte de cima do tronco, depois o resto do corpo, até gue toda a pessoa fica no convés. Estas seqüências sío especial- mente cheias de signif icado, porque ocorrem enquanto a criança é ainda muito um indivíduo, antes que a cultura e o intelecto imponham um retrato lógico e realísti- co. Bender (1981 ) Íaz notar que crianças seriamente problematízadas desenham barcos como símbolos da mãe, dentro de cujo corpo (o casco) elas procuram segu- rança e contentamento. O sol constantemente aparece nesses desenhos e simboliza o pai. Predomínio do afeto: a criança desenha uma casa Afetividade expressa nos desenhos da casa Le dessin d'un enfant c'est un peu de son âma. . . Edouard Claparêde Este aforismo do destacado psicólogo educacional é especialmente aplicável quando a criança é livre para escolher o tema e o modo de pintar. Que significado pode-se derivar de desenhos feitos sem instruções de outra pessoa e por absoluto prazer pessoal ou necessidade? Ao desenhar, a criança parece projetar um desejo ou, talvez, uma tentativa de possuir o objeto; se na realidade não o obtém, pelo menos tem uma imagem do mesmo. Os primeiros homens pintavam animais. Amantes guardam o retrato da pes- soa amade . Claude Lévi-Strauss escreve que a arte é baseada na ilusâo de ser capaz, nío riô «lo conrunicar-se com o ser, mas também possuí-lo através da imagem (Char- llorurior, 1909). Esta visão poderia explicar o fato, freqüentemente notado, de que r:linrrçnr t:iturlinas soguidamente desenham casas de campo. no lugar dos prédios em quo ronlrrrorrto vivom o que vêem constantemente. Também isso poderia explicar por quc r:riorrçnri sflm um lar quo seja seu, vivendo em asilos, que elas desejam que sejam tornpordtiol, tlorortlturhr sou anseio por um lar, símbolo do calor e afeto de que as írurlrlrnrrr o (luo If)oílrlc u virh Íamiliar pode proporcionar. 44 Desenhando para sua própria satisfação, as crianças retratam pessoas, casas, árvores, a grama, o sol. Esses temas sâo vistos nos trabalhos de crianças de todas as terras e culturas e atestam a universalidade básica da mente e dos sentimentos. As crianças pequenas tendem a ignorar ou a transformar a realidade num mundo subje- tivo, rico em fantasia. Os desenhos são representaçôes e não reproduções. Em Spring Snow (neve de primavera), Yukio Mishima afirma que sem imagi- nação não há alternativa senão formar nossa vísâo na realidade que nos cerca. A casa aparece freqüentemente nos desenhos espontâneos Na avaliação da personalidade, o Teste da Casa-Árvore-Pessoa (H-T-P) (Buck, 1948) é uma técnica projetiva comumente usada. O sujeito ésimplesmente solicitado a desenhar as três, na ordem nomeada, reservando o desenho da pessoa para o fim, desde que é o que mais provavelmente estimulará associações conscien- tes. A seleção dos 3 elementos é baseada no seu suposto significado simbólico. A ca- sa é interpretada como representando o desenvolvimento do sujeito, a árvore seu crescimento e a pessoa uma expressão da integraçâo da personalidade. À parte das consideraçôes sobre a validade do instrumento projetivo, é notável que os trêstópi- cos são freqüente e espontaneamente desenhados pelas crianças (Figura 16). As crianças consideram pessoas, casas e árvores como influêncías significativas em suas vidas. Ao desenhá-las, ignoram que estão comunicando mais sobre si mes- mas do que sobre o que desenharam. A Figura 17,Íeita por Maurizio, de 5 anos, que freqüenta o jardim de infáncia em Roma, é uma agradável cena, mostrando uma casa com sua chaminé emitindo abundante fumaça (uma expressão de calor e afeto dentro dela); uma árvore com um grande tronco (vida emocional dominante, típico das crianças); e uma criança com um balâo. A pessoa, no caso a criança, é desenhada maior que a casa e a árvo- re, devido a uma pessoa ser mais significativa. A Figura 18, de Roberta, de 10 anos, que freqüenta o quarto ano, é também um desenho espontâneo. Ela pintou uma menina (ela própria) pulando corda. Po- bremente, um feixe de fumaça surge da chaminé e há um grande buraco no tronco da árvore (simbolizando um evento traumátíco na sua vida?). Ela está sob cuidados, devido a uma séria situação de desmembramento familiar. Esses desenhos estâo entre os numerosos espécimes que ilustram o saliente fa- tor que a entidade árvore assume na vida emocional e mental de uma criança. Diminuiçâo da freqüência da casa em desenhos espontâneos de préadolescentes Casas, animais e aspectos da natureza figuram proeminentemente, ao lado da ligura humana, nos desenhos de crianças em idade escolar. 45 FIGURA 16 Cherry, de 7 anos e 4 meses, desenhou espontanea- mente casa, árvore, pessoa. Tronco grande típico. 48 47 u; oc G ro Í\ .9 É.É f=0 lÀÀ f ,áêa+t íf '.--,l?l&a*t!t::r, FTGURA 19 Desenhada por Judith, sete anos. A casa está em vista frontal, mas a piscina e o caminho estão vis- tos do alto. Como é percebido e não como é real- mente visível. #i r\ I \1 rr ) )), m ffit t* CJs{. Io P ooo' Íâ fE9r ll. o- FIGURA 20 Dassnhado por Jorry, 8 anos. A chaminá e a ant& na sstâo perpendiculares à inclinação do telhado, 2.E assim que a maioria das criarças d6ta idadê e mesmo as mais wlhas desenharão a chaminé, TlouRA2r Chrh, I t .Íror, dinhou r ohemlnô r.t. p.r. clÍn , motlÍrndo qur oonrgulu ultnprur um tlgnlílce- t lrro obataoulo ooenlt lrro, (tlttt\ tl FIGURA22 Alfredo, 11 anos, mostra a casa em vista frontal, com o caminho e o relvado vistos de cima, Como conhece e não como realmente são vistos, 51 A escolha do tema expressa os interesses e necessidades da criança. A casa simboliza o lugar onde são buscados afeto e segurança, necessidades básicas que en- contram preenchimento na vida familiar. Animais são seguidamente adicionados co- I mo parte da famÍlia. Árvores, flores e o sol aparecem como expressãoda crescente I necossidade por luz, natureza e um mundo além dos confins do lar. Em meu estudo de dosonhos de casas de crianças citadinas, a esmagadora maioria desenhou casas que slo típicas da vida campestre - casas com telhado inclinado e chaminés, mais do quo os complexos de apartamentos, tipo colméia, em que a maioria das crianças roolmonte vive. Uma investigação conduzida por Morino Abbele (1970) sobre desenhos de crianças Ílorentinas, do primeiro ao quinto ano, revelou tendéncias interessantes. lEla descobriu que entre as idades de 6 e 7 anos a casa aparece em 600/o dos dese- 'nhos ospontáneos, enquanto que aspectos da natureza eram vistos ocasionalmente. EntÍetanto, significativamente, â medida que a criança amadurece, a casa começa a docrescer em freqüência, até que pela idade de 10 ou 1 1 anos a maioria dos dese- nhos retrata uma cena na qual casas aparecem apenas como um item numa compo- siçto maior, que inclui árvores, flores, sol e, freqüentemente, o onipresente mar ita- liano. Esta mudança progressiva é interpretada como expressando uma gradual emancipação dos laços familiares, dominantes nos primeiros anos, à medida que sur- ge a necessidade de aumentar o círculo de interesses e relacionamentos além do lar e da família. Principais características cognitivas nos desenhos infantis da casa A principal divisão entre pensamento pré-operacional e lógico, entre subjeti- vidade e objetividade, entre egocentrismo e altruísmo e, em termos cronológicos, entre antes e depois dos 7 anos, é manifestada graficamente pelas primeiras tentati- vas de representar e as posteriores tentativas de reproduzir. Toscamente, antes dos sete anos, a criança desenha o que sabe que deve estar lá. ignorando como ou se realmente está visível. A realidade interna dará lugar, gra- dualmente, a uma realidade exterior mais prosaica, desprovida de fantasia. A passa- gom da subjetividade para a objetividade não é abrupta; ambas as formas de "ver" podom coexistir bem depois dos sete anos. Tipicamente, as crianças desenharão a chaminé num ângulo reto ao plano do tollrorlo. So for um telhado inclinado, a chaminé ficará oblíqua. Será necessário aintlrr nl1;urn tompo antes que a chaminé seja desenhada verticalmente, ignorando a inclirraçfo (lo toto. Esta correção expressa um avanço no nível do pensamento;de- porrrlo rlo urna oporaçlIo mental que não é ainda acessível à criança que desenha a chornirró or ionlrrrlu rlingonalmente. Mnr orulrarrlo «rs desenhos precedentes podem ser vistos desapaixonadamente .rÍn icun olorrrorrlor (:ognitivos, este (Figura 23), feito por Alfredo, transmite uma impromlhr gprrrl rlo mslorrr:olia que obscureco seus atributos intelectuais. O menino 62 t\ Í rt rÍrrt Po Gg § @ \9 ê 5 Eo E t.r) o o ctE N lü(9Ê r< /l U dosenhou os prédios mais distantes menores que o carro em primeiro plano, reve- lando um passo maior à frente no desenvolvimento intelectual: a noçâo de perspec- tiva. É interessanto notar que a colocaçâo de objetos mais distantes num plano su- perior ó similar à estratégia empregada pelos artistas chineses, durante os séculos trezo a dozoito. Perspectiva linear na arte aparece no mundo ocidental durante os primórdios da Renascença. O mais impressionante neste desenho é o cemitério com três cruzes. Seu lar ottâvo §o desestruturando. Seus pais haviam se separado e ele estava aguardando co- locaçío Junto a pais substitutos. Creío que as três cruzes simbolizavam as trés pes- roa! que constituíam sua família. Elas estavam perdidas, como se estivessem mor- tas. A casa como um refúgio A figura 24 é desenhada por um menino de 12 anos. Ele está vivendo num centro de tratamento residencial, porque seus pais se separaram e tomaram seus próprios caminhos, sem providenciarem cuidados parentais para o menino. Uma onfermeira levou-o para uma visita a sua casa num fim-de-semana. Sua beliçrância típica cedeu lugar â paz e ao contentamento durante a visita. Devagar e meticulosa- mente. ele desenhou sua casa em quatro secções. Acredito que ele tenha desenhado o que o impressionou e o que ele ansiava por ter. A lámpada de luz na sala de estar simbolizacalor. Há umaTVeuma lâm- pada no quarto, quatro pratos colocados na copa e um asseado banheiro. A figura 25 foi desenhada por uma menina de g anos. O apartamento fica mais cheio de vida, pela presença dos membros da família no quarto de dormir. Brinquedos, quadros e flores, assim como a usual TV, sâo as principais característi- cas projetadas de conotação prazerosa, enquanto que os móveis foram omitidos, com exceção da cama e do fogão. Tudo para brincar, descansar e alímentar, a fim de mantê-los sorrindo. A figura 26 é desenhada por Sean, que dotou sua casa com características fa- ciais. Ela nâo é um objeto inanimado. Na figura 27 , um aparelho de televísão é mostrado, assím como o é na maioria dos desenhos que retratam o interior da casa. Ouando solicitadas a desenhar uma casa, as crianças, invariavelmente, dese- nharâo o exterior. Uma solicitação específica deve ser feita, se se quer obter uma vista interior. Se a casa é percebida como um lar, com todas as suas conotações de calor, proteção, §egurança e amor, as críanças poderâo vitalizá-la com as pessoas significa- tivas em suas vidas. 54 FIGUBA 24 Derenho de Francis, 12 anos. tr FIGURA 26 Casa antropomorfizadapor Sean, de 10 anos de idade. 5756 â It+ F x> §> Õ> ô> d oco C') io õ oo ac c 0t í\ aô§i;§f-'= \ k e) \€ ,Úts Ê u tãlÊ g=.§ ü ãB ;$Ê;Êã € e€! Í.Eo9-9Éô8 EBãJI.EE EEãEEI z ê -e'âo -E i ;ããEEÊf 8Ei9rro H "8[IssE E A casa como um símbolo feminino Ao discutir o simbolismo dos sonhos, s. Freud (1949) atribui simbolismo fe- minino à casa e suas peças, representando o útero, enquanto portas representam a abertura genital. No trabalho com desenhos infantis, tenho encontrado pouco valor nessas interpretações, desde que a maioria de tudo o que tenha a capacidade de con- ter ou colocar dentro ou fora tem o mesmo alegado significado simbólíco (barcos, carros, jarros, potes, bolsos, etc.) A despeito da confusa ubiqüidade dos símbolos sexuais, a associação do útero e abrigo é inegável. Sentimentos inconscientes podem aflorar à superfície, na medi- da em que a criança conscientemente desenhe a casa. Sugestões aos arqu itetos Que inferências podem ser feitas dos desenhos, presumindo-se - com razão - que as crianças estão expressando inconscientemente seus desejos e necessidades? A clara preferência pelas pequenas casas estilo campestre, num lugar com ár- vores e flores, iluminadas por um sorridente sol, deve ser levada em conta, quando do planejamento de residências para famílias. As necessidades de todas as crianças por luz, ar e segurança poderão mais devidamente ser encontradas em apartamen- tos residenciais de dois pisos com jardim, do que nas altas estruturas, tipo colméias, onde milhares de crianças citadinas realmente vivem. Elas são privadas do contato com a natureza e expostas ao risco de contato com estranhos em elevadores e esca- darias, e o céu é visto através das grades das janelas, consideradas necessárias para a segurança. Assim como os arquitetos são sensíveis às necessidades dos desfavorecidos, é gratificante saber que as necessidades das crianças estão recebendo agora muita atençâo. 59 O significado projetivo da arte infantil Desenhos vistos como projeções da personalidade É geralmente reconhecido que os desenhos infantis. especialmente os da fi- gura humana, expressam o nível de maturidade intelectual da criança. Os escores desses desenhos foram cuidadosamente desenvolvidos e padronizados por Goode- nough (1926) e, em maior grau, por Harris (1963, 1970) e grandes correlações posi- tivas foram encontradas com o Stanford-Binet e a Escala Wechsler de lnteligência para Crianças (veja Harris, 1963, para uma sÍntese de correlações). O escore é basi- camente quantitativo e analÍtico, com pontos atribuídos a detalhes e. em menor grau, à estrutura básica. Por muito tempo, a difusão do uso do teste confirmou a afirmaçâo original de Goodenough e Harris de que o método é de aplicaçâo universal e que é uma confiável e válida mensuraçâo das habilidades cognitivas de crianças pequenas e pré-adolescentes. A mesma aceitação nâo foi concedida aos desenhos, quando eram vistos co- mo expressão de projeção inconsciente de aspectos emocionais da personalidade. Seu uso como uma técnica proietiva falhou em satisfazer os padrôes requeridos pa- ra um teste. O método analítico produziu. geralmente, correlações pobres. Como resultadO, os desenhos encontraram a sorte de outras técnicas projetivas, ao serem vistos com cepticismo pela maioria dos investigadores cientificamente orientados. O elemento subjetivo na interpretação de desenhos introduz variáveis praticamente in- controláveis (Di Leo, 1973). Entretanto, ainda agora, apesar da falta de suporte experimental, os clínicos continuam a valorizar os desenhos como meios de estabelecer rapport e como ex' 60 pressões de traços de personalidade e habilidades perceptivas (Winnicott, 1971). Uma volumosa literatura atesta o interesse despertado pela arte infantil como ex. pressão de pensamentos e sentimentos. Até aqui, avaliaçâo e interpretação de senti- mentos não tem conseguido ser mensurada pelos métodos correntemente disponí- veis. É minha convicçâo que cada desenho é um reflexo da personalídade de seu autor; que ele expressa aspeclos afetivos da personalidade, tanto quanto cogniçâo; que ele fala, no caso de crianças pequenas, mais sobre o artista do que sobre o obje- to retratado; que a metodologia do examinador deve, por necessidade. ser intuitiva, tanto quanto anal ítica. Tendo concedido que desenhos comunicam alguma coisa, acredito que a men- sagem se torna mais aparente quando o produto é visto como um todo. Desafortu- nadamente, apesar das advert6ncias de Machover (1949) e outros de que os dese- nhos sejam vistos de uma forma global, tanto quanto analiticamente, ênfase excessi- va tem sido colocada na busca por símbolos específicos de significados arquetípicos e psicanalíticos. lsto tem conduzido, ponto por ponto. a procedimentos mecânicos (veja o Capítulo 6). Técnicas projetivas nâo podem reunir a segurança e validade dos testes psico- métricos. Nâo obstante, elas continuam instrumentos utilizáveis nas mãos de clíni- cos experientes. Aqueles que se tornaram familiarizados com seu uso não as dispen- sarâo, na medida em que buscarem pistas que testes padronizados nâo conseguem fornecer. Expressão de emoção na arte infantil Grandes artistas e escultores têm eliciado respostas emocionais nos especta- dores, numa variedade de maneiras: pela cor, atitudes corporais, cenas, assim como pela expressão facial. Dotados de profundo conhecimento da natureza humana, po- deres penetrantes de observação e percepção incomuns e habilidade técnica para ex- pressar estes dons na Íorma visual, os mestres comunicam vida e sentimentos. Ti- tian, Velasquez, Rembrandt, Bernini e Van Gogh, entre outros, criaram trabalhos que surpreendem tanto quanto a vida. Tal maestria está muito além da capacidade da maioria das crianças mais bem dotadas. À parte das expressões inconscientes de sentimentos e atitudes que podem imbuir seus desenhos e pinturas, as crianças podem fornecer expressão delíberada, mas esta é limitada à expressío facial. Segundo minha experiência, crianças pequenas são demasiadamente imaturas para explicitamente expressar algum, exceto os mais óbvios, estado de sentimento em seus desenhos. No máximo, eles podem transmitir sentimentos diretos de alegria e infelicidade, hostilidade e medo. Suspeito que as características expressivas de muitos espécimes de minha coleção tenham sido influenciadas por personaçns de histórias em quadrinhos. É apenas na adolescência que podemos, com segurança, es' perar mais estados emocionais sutis, representados conscientemente. 61 oedesenhosqueseguemsãoalgumastentativasdecriançasparadarexpressâo r tcu8 porsonagens. Nas figuras 28 e 29, James, de 11 anos' desenhou uma figura marculina expressando estados de espírito contrastantes. lsto ele alcançou pela orlontrçlo apropriada da boca e dos olhos. Há alguma conexão com o fato de Ja- mrr tcr rido levado a um profissional, devido a ser altamente excitado, enurético o cmocionalmento lábil. Suas unhas estavam bastante roídas' Reduçfo o estereotipia Projeçãoestereotipadaereduzidadaimagemcorporalsenotanosdesenhos de crianças inseguras e deprimidas e nos de adultos psicóticos e regressivos. uma imagem corporal pobre da criança se reflete na figura 31, desenhada por uma menina de 7 anos, cujo pai tinha abandonado a família, mas que, não obstante, pormanece sempre em seus pensamentos. Ela o desenhou primeiro. De boa inteli- g6ncia, ela tinha recém sido promovida ao segundo ano' A f igura 32 é de um menino de 6 anos. Ele foi transferido para um centro re. sidencial de tratamento, devido a maus tratos em sua casa' Nasfiguras32e33,asfigurashumanassãoestereotipadasedébeis.Tenho observado tratamento similar da f iqura humana'numa extensa coleção de desenhos que tenho estudado, feitos por crianças oriundas de lares desfeitos e requerendo sua transferência temporária para uma série de lares, pendentes de colocação junto a pais substitutos, ou, possivelmente, de volta a seus próprios lares reconstruídos' O tratamento reducionista da f iqura humanapor adultos regressivos é descri- to e iluÍrado por Arieti em crativity: The Magic synthesis (1976). Espaço pessoal como funçâo de conÍiança e auto-estima oespaçopessoal,comoumamortecedorentreacriançaeadultosdesconhe. cidos, se manifesta durante o terceiro trimestre do primeiro ano de vida' A criança de oito meses, tipicamente, abraça os oais, quando interpelada por um estranho' piaqet ocupou-se com o espaço como desenvolvimento cognitivo, investigando sua oroqressão, através da maturação de conceitos de distância, profundidade e Derspec- t iva. Lado a lado com este crescente conhecimento de relações espaciais, há o as- pecto social, no qual as necessidades infantis por espaço parecem funcionar como um dispositivo protetor, cuja amplitude está inversamente relacionada ao grau de conf iança e sentimentos positivos experienciados na presença de outra pessoa' A proximidade dos pais contrasta com a distância dos desconhecidos. Estudostêmmostradoqueanecessidadedeespaçoentreparessetornamani- Íesta apenas lá pela idade de cinco anos. Até então, as crianças se associam mais es- pontaneamente com outras da mesma idade' a2 FIGURA 28 ao o \- /\/ 63 _I FIGURA 29 ,h FlGURA30 Desenhado por Anita, 10 anos e 2 meses. Dois joga- dores. "O primeiro está zangado, porque errou a bola. O outro está alegre, porque conseguiu marcar um ponto." 64 65 -à*h'Ê. -/-/'-.'' -,-- -a- \\ ,! ,J í! t-t .. tr !tt,ta li,'t,i ri ,ir -',\ /'.'.*rjl.. /\ \.. ,-(,2( : n\-(\_" / s3:tg (O=ê-o oÉoEÉ IE€e"E ãtrEe:9;r i ^Éà.oóoB-9h E1iã-o'69ut59 ãE Éi É Êi;;Éor óEtoEct Ç 2 e -'- G p ei'i;ii P ÉÊ$ g§ 5 ffl tr t"1flf t iit ffiffi K otn,7 1' ç FIGURA3l Família, por Clara, 7 anoa Embora o pai já n5o moro mab com eles, ela o derenhou primeiro. A ÍÍúo útá malr no f inal, iunto ao irmío mais velho, dornhado por últlmo o menor que ela melma. Treduçlo dar palavrar do derenho: Daddy = papai; AGE: 7 yn - ldedc 7 anor; AGE 18 mor- idade 18 mrr; mommlo . m!ÍÍú.; Aç 12 yrr ' ldade l2 rnor. h / II I f ,,1 AÉEl8'wc4 -«./'/' ,.\ \ N''' 67 68 FIOUBA 33 Ncrtr ttercnho de rua família, Baul, de 7 anos e 6 mlror, vlndo do um lar desfeito, desenhou a si mrlmo longe de reur pais, perto dos cachorros. Trarluçto dar palavras do desenho: mommie = ma müc; Daddy * Pepai; spraying = molhando; Fle wor - flor; wator = água; Two Dogs = Dois Cachor- rol; mo - eu. >^Ur/ ffi ,'Til^? -z* rrr ct{-c 7 ÍT7c T.^r o ftomrfii ê' 68 69 À medida que a criança se aproxima da idade escolar, a necessidade de distân- cia no relacionamento com seus pares está correlacionada com a sua auto-imagem e sentimento de confiança. A auto-estima da criança é decisivamente influenciada pela interação entre as suas forças intrínsecas e as atitudes e comportamento das pessoas signiÍicativas que constituem o mundo da criança. Evidência de auto-estima pode ser observada em desenhos da figura humana. Crianças inseguras tendem a de senhar Íiguras pequenas, em contraste com as figuras grandes e ousadas das crianças seguras (Di Leo, 1973). Stratton, Tekippe e Flick (1973), em um estudo sobre colegiais de ambos os sexos, encontraram que os que tinham elevado autoconceito se aproximavam mais do que os quetinham obtido escores baixos em auto-estima no Tennessee Self-Con- cept Test. Como era esperado, Sommer (1969) e Horowitz, Lewis e Luca (1973) en- contraram que esquizofrênicos escolhem assentos mais distantes das outras pessoas. Correlaçâo entre espaço físico e o desenho da figura humana Bonino, Fonzi e Saglione (1978) criaram uma metodologia para medir asva- riações no espaço f ísico, determinadas pela distância que uma criança coloca quan- do solicitada a sentar com uma outra criança desconhecida da mesma idade. Os su- jeitos eram meninos de 11 anos. Um banco foi providenciado, grande bastante para oferecer amplo espaço entre os dois meninos. Seu assento estava calibrado a f im de que a diÍância interveniente pudesse ser medida. Entre 200, trinta foram selecio- nados como mostrando diferenças claras: 15 escolheram sentar perto do desconheci- do, enquanto 15 tomaram uma distância "segura" do outro. As trinta crianças foram solicitadas a desenhar uma pessoa. Uma interessante e significativa correlaçâo emergiu quando os dois resultados foram comparados. Notou-se que o tamanho da f igura humana estava inversamente relacionado com a distância assumida pelos dois grupos. Aqueles que sentaram perto do desconhecido clesenharam grandes figuras humanas, em contraÍe com as pequenas figuras dese nhadas pelos meninos que sentaram distantes do outro menino. A necessidade de grande separaçâo espacial e figuras humanas pequenas dese nhadas foi interpretada como indicadora de insegurança e baixa autoconfiança. Relaçâo cognitivo-afetiva: Efeito ver-visto Se compararmos a f igura humana desenhada em resposta ao pedido de "dese rrlre uma pessoa" com o de "desenhe sua família". notaremos que a figura sozinha é scguidamente superior, qualitativamente e quantitativamente, à f igura desenhada (:omo parte do grupo familiar. Essa disparidade sugeriu-me que há um efeito ver-vis- to na relação cognitivo-afetiva, contribuindo para a superioridade do produto que rrrsulta quando a criança é simplesmente solicitada a desenhar uma pessoa, já quetal solicitaçá'o tende a eliciar uma resposta predominantemente intelectual: a criança desenha o que conhece e relembra. Por outro lado, a solicitação para desenhar a fa- mília provavelmente eliciará uma respoÍa mesclada de elementos afetivos, resul- tsndo em monor concentraçâo no que é conhecido e maior no que pode ser encon- trodo vrsd-vl's com o§ outros membros da família. Ao clesignar esta relaçâo como cognitivo-afetiva (Di Leo. 1973), tenho reco- mondado que a figura humana sozinha seja usada para a avaliação pelo Teste de Moturidade lntelectual de Goodenough-Harris e não a figura extraída do grupo fa- miliar. As f iguras 34 e 35 ilustram a diferença, quando se compara o paicomo uma f igura sozinha com o pai no desenho da família. A f igura única tem orelhas, pesco- ço, inserçâo dos braços nos ombros, bolsos, número correto de dedos entre as par- tos, que estão faltando no pai do grupo familiar. Desenho da família: sentimentos e relaçôes interpessoais Além das manifestas, existem características nos estilos dos desenhos e con- teúdos que são simbólicas dos sentimentos e atitudes da criança. Estascaracterísti- cas podem ser expressas inconscientemente pela criança ao desenhar o grupo fami- liar. Sua interpretaçâo é um desaf io ao clínico, que acredita que a estrutura superf i' cial é apenas a cobertura de uma realidade maior que jaz abaixo. Omissão de si mesmo no grupo é seguidamente vista em desenhos de crianças que se sentem rejeitadas. Essa omissão tem sido vista por mim em muitos desenhos de crianças adotadas durante a adolescência, guando o interesse em torno da identi- dade faz surgir a inevitável pergunta "quem sou eu?" e "quem §o meus paisverda- deiros?". Compartimentalizaçâo é o termo usado para indicar separaçâo de um membro de outro pela colocação de uma moldura, ondecada um fica encaixado. lsso expres- sa falta de comunicação e sentimentos de isolamento (figura 36). Sentimentos de isolamento também podem ser expressos pela distância, pela necessidade de espaço psicológico, tal qual como quando a criança separa a si mesma dos pais pela coloca- çâo de uma peça de mobília ou aparelho de TV. A mâe cozinhando ou servindo comida simboliza o dar calor e amor. Pinturas da mâe engajada com o aspirador de pó ou limpando sâ'o interpretadascomo sim- bôlicas de um interesse principal pela ordem. O genitor dominante provavelmente será desenhado maior que o outro, sem serem levadas em conta suas reais dimen- sões físicas. O pai olhando TV, fumando, comendo sozinho ou escondendo o rosto atrás do jornal sugere afastamento dos interesses ou atividades familiares (Figura 37). A colocação do sujeito perto ou longe de um dos pais ou irmâos indica preferência ou sent imentos negat ivos. 7071 t FIGURA 34 Pai, desenhado por A. G., de 11 anos e 3 meses. IiI oL - E süE+ fl ={t ::+ $s§s iÊüif 9 EEf;5 ll. l,!F(.í,t- FIGURA 36 Encâpsulaçlío, por Armando, 13 anos. Em ll Com- plesso di Laio, por T. Giani Galino. Einaudi Editore. Traduçâo das palavras do desenho: Sorella = lrmã; Madre = Mãe; P6drg = p6;, 4oútÚ >, lcqgÉ <_ D(3rc r Ep rrcP, J 73 ô ,0_ 5ê=to o .. f 3EE.EtE E niu E 3 8o'9s-.S ;EEE o'= o-o ii E'E Ê :. 3,5 -6o.9 bF CtÊã É: Ê $ur"P É*r a'HÊtcPo^ "EõH = tr s* E _.8 ó§9 .9 ã o oroJ O,E()T! (í, É)I D ií( 74 ,.[}\t 75 Resistência para desenhar a famr'lia tem sido notada em crianças cuia vida no lar é caracterizada por tumulto e violância, e que adquiriram uma imagem intensa- mente negativa da família Desenhos da família como veículo para expressâo de sentimentos O Desenho Cinético da Família (K-F-D) (Burns e Kaufman, 1970) é uma valiosa técnica projetiva para explorar a ação familiar recÍproca. Pode ser obtido após a realização do desenho da famÍlia, feito em resposta à solicitação para a crian- ça desenhar sua família. lsso é importante, porgue sem esse desenho anterior uma oportunidade de ouro estaria perdida,paÍa ver sea criança incluiria a si mesma den- tro do grupo familiar. Após esse desenho ter sido obtido, o K-F-D pode dar segui- mento com a instruçâo específ ica de incluir a si mesmo. Para explorar completamente a situaÉo de desenhar, a ordem de apresenta- ção pode ser: 1 - Desenhe uma pessoa (indicar o sexo desenhado primeiro). 2 - Desenhe o outro sexo. 3 - Desenhe sua família (incluiu a si mesmo? Ouem foiomitido?) 4 - Desenhe sua família, incluindo você, todos fazendo alguma coisa (relacio- namento recíproco entre os membros da família). O todo e suas Partes Em seu estudo pioneiro, Machover (1949) apresentou um método para inter- pretação dos desenhos da figura humana. Na suposição de que os desenhos sejam projoções da imagem corporal, a autora identif icou inúmeros indicadores específ i' cos. Concebidos dentro do arcabouço da teoria psicanalítica, foram atribuídos sig- nificados à maneira como as partes do corpo eram enfatizadas ou omitidas. Mas, apesar das advertências de Machover de que aspectos estruturais e formais do dese nho eram tão significativos quanto o conteúdo, a atençâo dirigida aos detalhes da figura tendia a obscurecer a visâ'o do todo, trazendo à tona listas de verificação de traços, de onde se poderia fazer uma interpretaçâo ponto por ponto. Em muitas instâncias, o signif icado atribuído a indicadores específ icos nâo resistiu ao teste de verif icaçâo experimental (Swenson, 1968). Em seu trabalho clássico sobre os desenhos da f igura humana como expressâ'o do clesenvolvimento cognitivo, Harris (1963), apesar de disposto a reconhecer que oles, indubitavelmente, continham características projetivas, considerava-os de baixa validado para mediçâo do afeto e personalidade. Dotor minarlos, os cl ínicos continuam a valorizar desenhos da pessoa (D-A-P) o rlo llntílio (D A -F e K-F-D) como revelando expressõesda personalidade, ape rar dl incrorlulitiude claqueles que concedem existência apenas ao que pode ser men' lurotltl' A ttproxitnação intuitiva ao intangível (auto-imagem, sentimentos, conflitos' rolaclorrurrronto) rosisltt à quantif icaçâo. Uma aproximação global foge à mensura- çío, dovkkl tt tous oltttnorttos subjetivos inerentes. 78 77 Atomismo e totalidade Atomismo, termo derivado das ciências f ísicas, foi tomado emprestado pelas ciências comportamentais para indicar a açâo de partes individuais. o termo totalidade é largamente usado, tanto pelas ciências naturais, quanto pelas ciências comportamentais, para expressar a visá'o de que um todo integrado é maior do que a soma de suas partes. o termo tem uma etimologia diferente, deven- do sua origem nâo a psicólogos, f ilósofos ou cientistas, mas a Jan christian smuts, um general sul-africano (1870-1950). Ele viu que fatores determinantes na evolução se davam no organismo inteiro e nâo nas suas partes. O conceito, estendido às ciên- cias comportamentais, contribui para a primazia concedida aotodo na avaliaçâo do comportamento e seus produtos. Detalhes conf iar apenas em detalhes específ icos pode ser enganador. A impressâo glo- bal é geralmente o indicador mais válido. Em minha experiência, detalhes têm maior signif icado simbólico, quando aparecem em desenhos de adolescentes e adultos. Na f igura 38, a ausência das mâos pode ser relacionada como falta deconf ian- ça nos contatos sociais ou passividade. As pernas de pauzinhos ea colocaçâo instá-. vel dos pés podem sugerir insegurança. enquanto quea nuvem escura podesimboli- zar ameaça à distáncia. Essas características negativas, todavia. contrastam com a impressâo de alegria transmitida, quando o desenho é visto globalmente. o sol está brilhando sobre uma alegre menina com seu balão. Ela está ladeada por tulipas. o sol, a menina e o balâo têm faces alegres. A artista é uma bem ajustada menina de I anos, que tem muitos amigos. o ano escolar recém terminou e ela foi promovida ao terceiro ano. A famÍlia está intacta e funcionando bem. (lncidentalmente, o sol e o balâo estâo no que se considera, projetivamente, como o lado masculino, o pai.) A impressâo global eíá em harmonia com seu comportamento. lndicadores conflitantes impedem a interpretação e mudam a signif icação de desenhos obscuros. A interpretação deve ser postergada. Desenhos seguidos sâo de sejáveis sem alarmar a família. A f igura 39 é uma cena desenhada espontaneamente por Tina, de 10 anos. Ela é f ilha de pais espanhóis. Fala espanhol e. com alguma dif iculdade, inglês. A impressão geral é a de uma menina colhendo flores num jardim, ladeada por uma casa e uma árvore. A chaminé está fumegando (calor interior) e o sol está bri- lhando sobre o lado esquerdo (lado materno). Mas existem detalhes ameaçadores, tais como: grandes nuvêns, uma delas arrematada em denso negrito; uma árvore fe- chada na copa (autocontrole); tronco sombreado (ansiedade); buraco escuro no tronco (trauma); linha de base (suporte); ela própria tão pequena quanto as flores (auteimagem). A impressão geral pode ser prazerosa, mas dificilmente serena. A criança está no quarto ano devido ao seu problema com a língua inglesa. Nâo se conhece nenhum evento traumático em sua história clínica que explique o c; o C @ () o! oc tr TlouRA 38 Oernhrdr Por Mlchele, I anor' oo o o o ! ao o! Eo ào tr G c oo Ba EE JOoEEc 78 FIGURA40 Derenhada por um menino de 1 1 anos, mostrando como ele quor !€r quando crescer. Machismo' 'â D -- buraco negro no tronco, nem demostra em seu comportamento manifesto algo dife- rente do das meninas de sua idade. Vive com sua família e parece bem ajustada. Não há nenhum problema atualmente. Este desenho deve ser guardado, para possível comparaçâo com outros futuros desenhos da menina. Desenhos são apenas uma parte de uma avaliação abrangente. São auxiliares no diagnóstico e terapia. Uma avaliaçâo global dos desenhos não deve negligenciar o significado dos itens individuais. lsto exige atenção especial, quando existem muitos elementos apontando na mesma direção. Como muitos itens sâ'o requeridos para validacâo, nâo se trata apenas de uma questâo de números, mas de qualidade. Há uma hierarquia de sinais. Alguns são claramente mais incomuns e signif ica- tivos que outros, tais como o retratamento expl ícito da genitália. Na Íigura 40, o pênis impressivo e os enormes músculos dif icilmente podem ser ígnorados, como re- presentando agressividade no menino de 11 anos, que disse que aquilo é o que ele gostaria de ser. Os outros itens - orelhas, tronco - não dizem nada de tão gritante. Na figura 41, umacriança de 5 anos e 6 meses desenhou sua mãe e a si mesma. As f iguras são pequenas, insignif icantes. Ela está morando sozinha com sua mâ'e, o pai abandonou a casa. A criança é brilhante efala claramente. Ouando lhe pedique desenhasse sua família, ela disse: "mas há apenas duas pessoas em minha família. eu e mamâe". As f iguras são instáveis,
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