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MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA A ontogénese da noção do corpo, atravessa várias metamorfoses, parte da sensório-motricidade à corporalidade, da acção sobre o mundo exterior e o mundo dos objectos às acções pré-operatórias subordina- das à percepção, desta à exploração do espaço, até atingir uma noção operatória do corpo no espaço objectivo. A inter-relação entre a actividade motora e a noção do corpo, br i- lhantemente descrita em toda a obra de Wallon, é o resultado da rela- ção dialéctica entre a proprioceptividade e exteroceptividade, isto é, a dinâmica integrada entre informações intracorporais e extracorporais, de onde emerge a «adaptação motora ao espaço envolvente». A noção do corpo é a imagem do corpo humano, e humanizado, imagem adquirida, elaborada e organizada no cérebro do indivíduo por meio da sua aprendizagem mediatizada. Em L . Bender e Silver 1956, a noção do corpo «é a gestalt de nós próprios, a matriz biologica- mente determinada pelas leis do desenvolvimento humano. A imagem do corpo não é a soma total das percepções e das experiências, mas a constelação dessas experiências num todo de si próprio». De facto, a noção do corpo (imagem do corpo ou somatognosia no fundo são expressões equivalentes) constitui um dos aspectos relevan- tes para se compreender até que ponto a motricidade influencia a psi- comotricidade, o que é o mesmo que afirmar até que ponto a noção do corpo influencia o desenvolvimento do potencial de aprendizagem de uma criança. A noção do corpo fornece à criança a marca de referência funda- mental para ela agir no mundo exterior de forma coerente e adequada. Quando ela se relaciona com a informação exterior ela está a lidar com condições relativas e não com condições absolutas. Por essa razão necessita possuir um ponto de referência a partir do qual organiza as impressões relativas que recebe, de forma que possa, efectivamente, estabelecer uma organização e construir uma totalidade coerente. Usamos o nosso corpo como um ponto de referência (Kephart 1971). Os objectos estão referidos em relação ao nosso corpo e orien- tados no espaço com referência a ele. Por esse facto, a criança ne- cessita de possuir uma noção do corpo precisa e perfeita, U M ima- gem completa do seu corpo e uma imagem clara da sua posição no espaço. A criança, para poder aprender, necessita de uma noção do corpo interiormente consciencializada dos dois lados do seu corpo e das suas diferenças e posições relativas. Não basta ter aprendido que um lado é direito e o outro é esquerdo, é preciso manter as relações entre ambos de forma controlada e discriminada. Tais relações não são inatas, neces- sitam de ser aprendidas como sistemas funcionais complexos (Luria 1973). Nomear os lados ou os membros do corpo, diferenciá-los intra- corporalmente e extracorporalmente é uma condição de orientação no 212 FACTORES PSICOMOTORES espaço que é vital para a organização perceptiva e para as aprendiza- gens simbólicas mais complexas. Sem a noção do corpo reconhecida na sua lateralidade interna e externa não é possível estabelecer relações correctas com o mundo em redor. Tem de se dar no interior do corpo a consciencialização da noção de direita e de esquerda para as projectar fora do organismo e, consequentemente, para a orientar direccionalmente e espacialmente. Não bastam as impressões visuais e espaciais para nos orientarmos, face às informações do mundo exterior, o campo visual seria circular, mas sem qualquer posição vertical ou invertida. Algo faltaria na cons- ciência, e sem esse dispositivo não haveria condições de comparação nem de orientação no universo. As impressões visuais só assumem sen- tido em referência a um sistema táctilo-quinestésico estabilizado, daí o papel da segurança gravitacional que focámos no factor da equili- bração. E com referência a um modelo postural superiormente orga- nizado e elaborado ao longo da ontogénese que a criança se pode ori- entar visuoespacialmente, daí o papel dos subfactores contidos na BPM. E a noção do corpo que se torna no ponto de origem de todas as rela- ções espaciais que estabelecemos com os objectos do mundo exterior. Para além deste aspecto cuja significação psiconeurológica é deve- ras transcendente em termos de aprendizagem, a noção do corpo é a condição básica para a iniciação de qualquer movimento intencional. Schilder 1935, afirmou: «Quando o conhecimento do nosso corpo é incompleto e imperfeito, todas as acções para as quais este conheci- mento é essencial também serão imperfeitas.» As relações entre a noção do corpo e as praxias são óbvias e ine- quívocas, na medida em que um problema perceptivo tende a criar um problema motor. As funções perceptivas da aprendizagem são insepa- ráveis das funções motoras em termos de organização psiconeuroló- gica. As perturbações aferentes (impressivas) afectam as eferentes (expressivas) consequentemente; as alterações nas sensações levam a distúrbios nas acções. Disgnosias serão dispraxias, razão pela qual a noção do corpo atinge um papel fulcral na organização psicomotora. Schilder 1935 e Bender 1956, demonstraram em trabalhos hoje clássicos que uma imperfeição na noção do corpo se repercute na per- cepção dos objectos exteriores. Schilder assegurou: «Experiências na patologia confirmam claramente que, quando a nossa orientação esquer- da-direita está perdida em relação ao nosso corpo, há também uma perda de orientação em relação ao corpo de outras pessoas. O modelo postural do nosso corpo está conectado com o modelo postural dos corpos dos outros.» Os problemas das crianças com dificuldades de aprendizagem emer- gem frequentemente de uma fraca auto-imagem e, consequentemente, de 213 MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA uma frágil autoconfiança, cujos reflexos em termos de sociabilização e de potencial de aprendizagem são evidentes. Distractibilidade, impulsi- vidade cognitiva, impossibilidade em lidar com estimulação simultânea, problemas de orientação espacial e temporal, ausência da necessidade de precisão ou de perfeição, hiperactividade, ansiedade excessiva, fraca discriminação direita-esquerda, fraca sequencialização das actividades e da linguagem, distorções perceptivas, problemas de conservação, etc, são compreensíveis à luz da impercepção básica do corpo. A noção do corpo é um conceito aprendido que resulta da integra- ção de partes do corpo que participam no movimento e das relações que elas tem de estabelecer entre si e entre os objectos externos. Muito do processamento da informação que consubstancia a aprendizagem tem a ver com a consciencialização interna do corpo, uma certa forma de integração psicomotora sobreposta a uma integração sensorial, que lhe serve de suporte. Uma disfunção da somatognosia ou uma imperfeita consciencializa- ção do espaço ocupado pelo corpo põe em risco todos os processos de aprendizagem, daí a observação e a constatação destes problemas em muitas crianças, quer na vida social e familiar, quer na vida escolar. Uma criança com disfunção somatognósica manifestada por disgno- sia digital, desorientação esquerda-direita, impercepção corporal, dis- metrias, disquinésias, etc, não está suficientemente consciencializada sobre as partes do seu corpo, como as pode mover e o que é que elas podem realizar. Sem desenvolvermos um padrão superior de integração somatognó- sica a aprendizagem simbólica está comprometida e sem mantermos tal padrão a actividade consciente encontra-se em risco. O corpo encarado nesta dimensão é o ponto de origem de todos os movimentos (Kephart 1971) e de todas as intepretações das relações exteriores, movimentos e inter-relações que inexoravelmente ficarão perturbados se a noção do corpo está perturbada. Sherrington 1958, sugeriu a designação de informação perceptiva inicial para o papel que assume a noção do corpo na comparação da informação perceptiva imediata com a informação já armazenada no organismo. E esta informação do corpo queantecede a organização dos sistemas perceptivos mais complexos, que se transforma numa integra- ção psicomotora indispensável ao desenvolvimento das actividades psí- quicas superiores, daí naturalmente o reflexo da desintegração da noção do corpo, tal qual é estudada na BPM, na maioria das crianças com dificuldades de aprendizagem. Um vulnerável autoconceito, um fraco desenvolvimento do sistema táctil, a não diferenciação semântica de partes do corpo, a lenta ou incorrecta nomeação das partes do corpo, as desorientações espaciais e direccionais, as perturbações «gestalticas» nos desenhos, uma per- 214 FACTORES PSICOMOTORES cepção visuoespacial pobre, as dismetrias ou ecopraxias perseverantes e repetitivas, os imperfeitos feedbacks, a fraca comunicação intracor- poral, a impercepção social das expressões, etc, emprestam ao quadro traços de grande significado psiconeurológico, uma vez que são vistos como predictores sérios de dificuldades de aprendizagem (Critchley 1979, Denhoff 1968 e Ayres 1972). Quando a informação psicológica do corpo se liga com a infor- mação motora, as duas informações adquirem significação (intercomu- nicação), significação essa que dá acesso a outras construções mais hierarquizadas e complexas. Tal integração psicomotora está na base da aprendizagem. Primeiro a informação motora, depois a sua ligação com a informação psíquica, e por último a informação psicológica, a noção do corpo como con- ceito superiormente integrado no cérebro. Cérebro, órgão de aprendizagem que se baseia numa hierarquia (Luria 1973), em que as novas aquisições (psíquicas) se juntam às anti- gas (motoras), atingindo uma nova alteração e uma nova propriedade (psicomotricidade). Quando o cérebro adquire um novo sistema fun- cional, não deita fora o antigo e começa a formar um novo. Pelo con- trário, a nova aquisição é construída sobre o sistema preexistente. É este o processo em que se baseia a maturação neurológica, segundo o qual se estrutura a organização psicomotora, em nada diferente da hie- rarquia da experiência e da aprendizagem (Fonseca 1984). As novas aprendizagens como as da leitura e da escrita, portanto simbólicas, têm que se basear em aquisições e informações já integra- das no cérebro, portanto não simbólicas, isto é, psicomotoras, onde a noção do corpo ocupa um lugar extremamente significativo, como aca- bámos de estudar. Antes de se desenvolverem sistemas simbólicos complexos, que dependem da informação visual e auditiva, há que organizar sistemas não simbólicos complexos, que dependem das informações táctilo-qui- nestésicas e vestibulares. As aprendizagens perceptivas, por consequência, são construídas a partir das aprendizagens motoras, o mesmo é dizer que as aprendiza- gens cognitivas são construídas a partir de aprendizagens psicomotoras. Estruturação espácio-temporal a) Considerações gerais O factor da estruturação espácio-temporal está igualmente integrado na segunda unidade funcional do modelo luriano, envolvendo conse- 215 MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA quentemente as regiões posteriores do córtex, que subentendem as fun- ções de análise, processamento e armazenamento da informação. Na BPM, a estruturação espácio-temporal envolve basicamente a integração cortical de dados espaciais, mais referenciados com o sis- tema visual (lobo occipital), e de dados temporais, rítmicos, mais refe- renciados com o sistema auditivo (lobo temporal). Desta forma, a estru- turação espácio-temporal, mais a noção do corpo, completam o estudo dos factores psicomotores da segunda unidade funcional, cujas propri- edades funcionais estão adaptadas à captação, análise, síntese e arma- zenamento de estímulos recebidos pelos analisadores sensoriais, visu- ais e auditivos, que compreendem a translação dialéctica dos dados espácio-temporais. A estruturação espácio-temporal decorre como organização funcio- nal da lateralização e da noção do corpo, uma vez que é necessário desenvolver a consciencialização espacial interna do corpo antes de pro- jectar o referencial somatognósico no espaço exterior. A estruturação espácio-temporal emerge da motricidade, da relação com os objectos localizados no espaço, da posição relativa que ocupa o corpo, enfim, das múltiplas relações integradas da tonicidade, da equilibração, da lateralização e da noção do corpo, confirmando o princípio da hierarquização dos sistemas funcionais e da sua organiza- ção vertical. A integração polissensorial contida principalmente na lateralização e na noção do corpo, tem de se distanciar progressivamente do espaço subjectivo para se projectar no espaço objectivo (Piaget 1956). As relações, posições e direcções espaciais vividas e localizadas ego- centricamente hierarquizam-se em relações e direcções espaciais situa- das objectivamente. Partindo da dimensão intra-espacial, a criança vai ontogeneticamente elaborando uma dimensão extra e interespacial, apro- priando-se obviamente de sistemas espaciais mais complexos e distan- ciados da sua própria localização. A criança localiza-se a si própria antes de se localizar no espaço ou de localizar objectos no espaço. Localiza os objectos em relação a si própria e posteriormente localiza cada objecto sem precisar de os referir corporalmente. Dá-se, consequente- mente, uma projecção da lateralização e da noção do corpo no espaço, isto é, a lateralidade desenvolvida no interior do organismo projecta- -se no exterior e transforma-se em direccionalidade (Kephart 1971). A estruturação espácio-temporal depende, portanto, do grau de inte- gração e de organização dos anteriores factores psicomotores. Sem uma adequada lateralização e sem uma adequada noção do corpo, as ela- borações ou extensões das suas capacidades não podem estabelecer uma adequada estruturação espácio-temporal, e como consequência a organização e estruturação resultam limitadas ou imprecisas, com reflexo evidente em vários aspectos da aprendizagem. 216 FACTORES PSICOMOTORES A estruturação espácio-temporal, é, por outro lado, uma superstru- tura, uma vez que resula da integração de duas estruturações distintas, que têm o seu desenvolvimento próprio. Por um lado, a estrutura espa- cial, e por outro, a estrutura temporal, as duas especificamente rela- cionadas com diferentes modalidades sensoriais, a visual e a auditiva, respectivamente. Ambas apresentam uma primeira fase de organização intraneurossensorial e posteriormente um outro tipo de organização mais complexo, isto é, interneurossensorial, obedecendo exactamente à progressiva organização e hierarquização gnósica que caracteriza a segunda unidade funcional do cérebro, segundo Luria. Tomando como referência estes dados, iremos de seguida abordar as duas estruturações separadamente e posteriormente interrelacioná-las. Abordar a estruturação espacial separadamente da estruturação tem- poral é encarar o conceito de espaço antes do conceito de tempo, o que, segundo Piaget 1964, corresponde à génese da inteligência da criança. Toda a informação relacionada com o espaço tem de ser interpre- tada através do corpo. Pelo corpo (noção do corpo) podemos estimar a quantidade de movimento necessário para explorar o espaço ou con- tactar com qualquer objecto nele localizado ou contido. Pela quanti- dade de movimento podemos estimar a distância percorrida no espaço ou a percorrer para apanhar o objecto. É através da translação do movi- mento no espaço que obtemos conhecimento da distância a que nos encontramos do objecto ou da distância percorrida no espaço. Trans- formamos o conhecimento do corpo em conhecimento do espaço, pri- meiro intuitivamente, depois lógica e conceptualmente. A estruturação espacial é um conceito desenvolvido no próprio cérebro através de actividades neuro, tónico, sensório, perceptivo e psi- comotoras. O espaço é um dado sensorial de segunda ordem, visto que tem de ser monitorizado pelos dados táctilo-quinestésicos. A noção do espaço não é inata, ela resulta de umaconstrução onde o corpo assume o papel de arquitecto. A criança constrói a noção do espaço através da interpretação de uma constelação de dados sensoriais que não tem relação directa com o espaço. Daí os inúmeros problemas que muitas crianças com dificuldades de aprendizagem experimentam em tarefas espaciais, como provam os excelentes estudos de Symmes e Rappa- port 1972, Satz 1973, Witelson 1976, Cratty 1969, Kephart e Dunsing 1965. A criança tem de aprender a interpretar as informações sensoriais em termos de espaço e construir os conceitos espaciais em termos sen- soriais e motores. A criança só pode desenvolver um mundo espacial estável depois de aprender a interpretar as informações vestibulares, pioprioceptivas e exteroceptivas em termos de espaço, isto é, em ter- mos de localização corporal interorizada. A inter-relação dos dados 217 MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA espaciais com os corporais é, efectivamente, o ponto de partida da construção de uma noção espacial estável, sem a qual nenhuma fun- ção mental complexa pode ser atingida. A importância de uma noção espacial estável é vital, na medida em que é por meio do espaço e das relações espaciais que observa- mos as relações entre coisas ou objectos no nosso envolvimento. Podemos observar tais relações na medida em que as podemos locali- zar no espaço e mantê-las nessa relação espacial enquanto as obser- vamos. Se em vez de um mundo espacial estável temos um mundo espacial instável, as observações que fazemos de tais relações não são perfeitas nem adequadas, por isso também não podemos fazer comparações precisas entre vários objectos ou figuras. A percepção da forma, da sua estrutura, composição e constância é, por este facto, igualmente dependente da noção espacial estável, noção essa edifi- cada a partir de dados vestibulares, táctilo-quinestésicos e posturais também estáveis. Sem se manterem estáveis as relações, as observa- ções dos elementos e dos detalhes, não pode operar-se conveniente- mente, surgindo inevitavelmente as desordens perceptivo-espaciais. Sem a preservação de relações não é possível observar semelhanças ou diferenças e sem estes dados o desenvolvimento cognitivo está comprometido. A capacidade para estruturar e organizar o espaço é essencial para qualquer aprendizagem. Basicamente, envolve a elaboração de um con- ceito a partir de dados visuais e táctilo-quinestésicos integrados, que constatam a nossa posição no espaço, espaço esse que constitui o imenso continente da nossa motricidade. Embora o acesso ao espaço seja proporcionado pela motricidade, a visão é o sistema sensorial mais preparado para o estruturar. A motricidade é lenta, e em muitos casos inacessível, para proces- sar informações espaciais, como é característico na génese do espaço dos invisuais. As estimativas espaciais e direccionais feitas pela motri- cidade ou pelo tacto levam muito tempo a ser processadas; por esse facto a visão assume um papel decisivo na estimação rápida e precisa do espaço. Podemos olhar para os objectos no espaço e localizá-los simultaneamente, enquanto a localização táctilo-quinestésica dos mes- mos levaria muito mais tempo, na medida em que teria de ser feita independentemente. O tempo e a precisão seriam naturalmente sacrifi- cados. Em resumo, a visão está filogeneticamente e ontogeneticamente preparada para estruturar, organizar e interpretaar o espaço e as suas dimensões. Dentro das dimensões espaciais que são fundamentais para a estru- turação espacial devemos destacar as seguintes: perspectiva, acomo- dação, convergência, tamanho da imagem, profundidade, movimento aparente, gradiente da textura e invariantes multimodais. 218 FACTORES PSICOMOTORES A perspectiva fornece as impressões de distância, profundidade, posição e locação. A acomodação fornece a focagem, que é depen- dente de órgãos proprioceptores específicos. A convergência fornece a coordenação dos músculos oculares extrínsecos necessários para a avaliação da distância, da fixação e da locação dos objectos no espaço. O tamanho da imagem fornece a modulação distância-tamanho que é processada na retina, que explica a variação do tamanho da imagem em função do tamanho do objecto e da sua distância, do qual surge a constância do tamanho da imagem ou a constância do tamanho. A pro- fundidade fornece a interpretação dos deslocamentos das imagens nos eixos dos dois olhos, condição indispensável à visão estereoscópica t r i - dimensional que permite a focagem do campo visual em pontos cor- respondentes e simultâneos em ambas as retinas. O movimento apa- rente (motion paralax) refere a relação entre a velocidade aparente e a extensão dos objectos no nosso campo visual de acordo com a dis- tância em que se encontram, fazendo que os objectos mais próximos pareçam deslocar-se mais rapidamente do que os objectos mais afas- tados, que parecem deslocar-se mais lentamente. O gradiente da tex- tura refere a importância dos elementos da superfície e a apreciação da distância que os objectos ocupam simultaneamente no espaço (Gibson 1969). Os invariantes multimodais referem-se ao papel da pos- tura e do sistema vestibular (visual-haptic monitoring of behavior in space — Gibson) e suas correlações gravitacionais como condições básicas ao desenvolvimento da percepção espacial. Todas estas dimensões espaciais são, de facto, determinantes para a estruturação espacial da criança, pois compreendem a sua longa aprendizagem visuomotora, onde as relações corpo-espaço e corpo- -objecto ocupam lugar de destaque. Todas estas dimensões jogam em conjunto e compensam-se mutuamente durante o desenvolvimento da percepção espacial. A génese do espaço da criança, resultante da sua progressiva orga- nização psicomotora, subentende, em paralelo, a apropriação da lingua- gem e da percepção visual. A coordenação óculo-manual, a figura- -fundo, a constância da forma e a orientação e relação espacial (Fon- seca 1983) são indissociáveis do desenvolvimento da linguagem, quer em termos semânticos, quer sintáxicos, pondo em jogo a emergência das qualidades dos objectos que resultam das manipulações e das suas relações espaciais. As fixações em detalhes, contornos, limites, porme- nores, ângulos, alinhamentos, estruturas, deslocamentos, orientações, etc, estão integrados na génese da evolução da linguagem e do desen- volvimento cognitivo. Paillard 1971, destacou o papel da motricidade na estruturação espa- cial, sobretudo no que respeita a orientação do corpo em função do campo gravitacional. Os olhos estão em estreita conexão com o núcleo 219 MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA vestibular, que assume o papel detector dos desvios posturais, daí a enorme importância da postura na estruturação espacial. Leroi-Gourhan 1964, diferencia o espaço itinerante (inerente aos animais terrestres) do espaço radiante (inerente às aves), o primeiro associado às infor- mações proprioceptivas e o segundo às visuais. Na criança, os dois tipos de espaço são integrados lentamente, um após o outro, até serem superiormente guiados por uma organização espacial cada vez mais verbalizada. A criança ascende à estruturação espacial através de um processo de desenvolvimento. Em primeiro lugar localiza os objectos em rela- ção a si própria e só mais tarde desenvolve um sistema de coordena- das objectivas, por meio das quais ela pode manipular numerosos objectos no espaço através de um sistema de direcções fixas (Piaget e Inhelder 1956 e Bower 1974). A estrutura espacial decorre, portanto, também, num processo evo- lutivo. Da localização espacial como projecção da somatognosia passa- -se a uma estruturação espacial como domínio espacial global e total, onde nos orientamos cognitivamente, semioticamente e simbolicamente. A estrutura espacial estável permite a criação de relações com o envolvimento, isto é, a criação de uma estrutura espacial operacional e dinâmica com a qual nos localizamos e orientamos mentalmente, face ao espaçoe face aos objectos, podendo assim descobrir semelhanças e diferenças nos objectos e entre os objectos (Kephart 1971). A estruturação espacial, por outro lado, exige a construção de um sistema euclideano do tipo paradigmático, que envolve as seguintes relações: em cima-em baixo (cuja integração é garantida pela motrici- dade — ex.: flexão das pernas); à frente-atrás (cuja integração é for- necida pela visão — ex.: olhar em frente); e esquerda-direita (noção já não proprioceptiva ou exteroceptiva, mas simbólica, menos óbvia e de mais difícil compreensão). A estruturação espacial integrada na segunda unidade funcional de Luria parte de uma base sensorial intuitiva dos dois lados do corpo para uma integração bilateral da noção do corpo, daí resultando uma assimetria funcional, em que participam as funções intra-hemisféricas e inter-hemisféricas, de onde emerge naturalmente a especialização hemisférica. O corpo, como centro do universo, realiza assim, por meio da estru- turação espacial, uma abstracção da gravidade (Kephart 1971), pois de uma noção de área e de superfície o sistema espacial tem de pro- jectar-se num ponto, com o qual esboça orientações espaciais de nível mais complexo, quer em superfícies de dimensão vertical (motricidade global), quer em superfícies de dimensão horizontal (motricidade fina). O refinamento da noção do corpo arrasta uma abstracção da gravi- dade (única no ser humano) que permite uma consciencialização espa- 220 FACTORES PSICOMí >l (>KI S ciai e um domínio espacial, que estão na base de todas as funções psí quicas superiores. Da projecção vertical gravitacional (cima-baixo) a criança ascende a uma reprojecção horizontal bilateral (esquerda-direita) e, por último, a uma re-reprojecção espacial direccional tridimensional, com a qual se orienta no universo. Os objectos a partir da intercepção de tais gradientes espaciais pas- sam a ser localizados em três dimensões, estabilizando-os no espaço e nas suas características. A noção de fixação do objecto requer a inter- ligação das três dimensões, permitindo agora o acesso a todas as rela- ções e comparações. A expansão do espaço pode ser então dirigida para outras tarefas mais complexas, como seja a manipulação do espaço e dos objectos. Os agrupamentos de propriedades e características, as categorizações, as classificações por tamanho, forma, espessura e cor, a simbolização, etc, permitem lidar com outro «espaço mental», trans- cendendo a experiência imediata, dando lugar à comparação com as experiências anteriores e perspectivando o pensamento abstracto. Em resumo, a evolução do espaço é uma evolução de espaços, como definiu Eliot 1975. A expansão da consciência espacial parte do corpo, passa pela locomoção e pela percepção e chega à sua represen- tação. A aprendizagem do espaço na criança não pode contrariar a pers- pectiva do modelo psiconeurológico de Luria; por esse facto obedece; a uma estrutura hierarquizada (do corporal ao representacional), a uma diminuição progressiva de especificidade sensorial (do intra-espaço táctilo-quinestésico, auditivo e visual a um interespaço que joga com dados espaciais associativos) e a uma progressiva lateralização (do espaço perceptivo do hemisfério direito ao espaço linguístico do hemis- fério esquerdo). E óbvio que o hemisfério direito tem maior relevo no desenvolvi- mento da criança, não só porque se desenvolve em primeiro lugar, como porque actua primeiro nas aprendizagens. O tipo de integração espacial é global, simultâneo e «gestáltico». Em contrapartida, o hemis- fério esquerdo desenvolve-se mais tarde e actua na aprendizagem em último lugar; por esse facto, a sua integração espacial é analítica, sequencial e estruturada. Entre ambos, a mielinização do corpo caloso está certamente em jogo, justificando a transferência funcional inter- -hemisférica das relações espaciais concretas às relações simbólico-ver- bais, como demonstram t ambém os trabalhos de Harris 1975 e Clark 1972. Há efectivamente uma dimensão espacial em tudo o que fazemos o que conhecemos, daí certamente a importância da estruturação espa- cial na observação psicomotora, que na B P M compreende os subfac- lores da organização, estrutura dinâmica e representação topográfica. 221 MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA No que respeita à estruturação temporal, embora inseparável da espacial por isso encarada como a quarta dimensão, as tarefas que inte- gram a BPM, resumem-se a apreciar a estruturação rítmica em termos de memória de curto termo e de reprodução motora. A estruturação temporal envolve a localização do espaço de forma permanente, isto é, não só a localização no espaço euclideano, como também a localização na dimensão do tempo. As relações que cons- truímos com o envolvimento são quatro e não apenas três. A noção de tempo, ainda hoje uma questão filosófica polémica, abrange, segundo McTaggart 1927, o tempo estático (precedente e sub- sequente) e o tempo dinâmico (passado, presente e futuro). A sequên- cia dos acontecimentos e a sua relação temporal são essenciais para estabelecer sistemas de relações, na medida em que a experiência mate- rializa uma corrente e uma fluência de eventos ao longo de uma direc- ção temporal irreversível. Daí que para muitos filósofos o presente não exista, o que existe é o tempo histórico. A noção do tempo é, pois, artificial e abstracta. Este aspecto que traduz a estruturação temporal é de facto a chave para a compreensão dos fenómenos psíquicos no fundo, para a com- preensão de todos os processos de informação humana, quer sensoriais, quer simbólicos ou cognitivos, por isso tão relevante para apreciar o grau de integridade da segunda unidade funcional de Luria. A estruturação temporal é mais elaborada em si que a estrutura- ção espacial, uma vez que transcende a estimulação sensorial imediata. É segundo esta variável fulcral que o cérebro desenvolveu as suas memórias, com as quais responde ao presente e ao futuro através das múltiplas combinações das experiências anteriores. O cérebro elabora sistemas funcionais de acordo com a dimensão do tempo, pois joga com as experiências anteriores, adapta-se às condições presentes e pre- diz e antecipa o futuro. A preservação destes sistemas ilustra a com- plexa organização temporal que o cérebro necessita para preparar as suas actividades. Através da estruturação temporal a criança tem consciência da sua acção, o seu passado conhecido é actualizado, o presente experimen- tado e o futuro desconhecido é antecipado. Esta estrutura de organiza- ção é determinante para todos os processos de aprendizagem. A noção do tempo é uma noção de controlo e de organização, quer ao nível da actividade, quer ao nível da cognitividade. Rechamar dados e utilizá- -los correctamente na actividade é uma condição básica ao processa- mento, armazenamento e utilização da informação. A estruturação temporal condiciona toda a integração sensorial anterior, pois preside a todas as formas de análise de estímulos, des- codificando-os segundo uma ordem, sem a qual a significação não é atingida. 222 FACTORES PSICOMOTORES A dimensão temporal é tão importante como a dimensão espacial, onde podemos localizar séries de acontecimentos que representam todas as relações com o envolvimento. A dimensão temporal não só fornece a localização dos acontecimentos no tempo, como fornece a preserva- ção das relações entre os acontecimentos. Só podemos apreciar a dimensão temporal com a simultaneidade, isto é, quando o intervalo temporal entre acontecimentos é igual a zero. Uma vez mais, a simultaneidade é aprendida pela motricidade e mais tarde, com o desenvolvimento da lateralização, chega à alternância e sucessão de movimentos, podendo, a partir daí, distinguir experiências simultâneas de experiências sequencializadas. Simultaneidade, sequen- cialização, sincronização, são dimensões temporais de transcendente importância, quer para as funções gnósicas, quer práxicas,uma vez que ambas obedecem ao princípio da coordenação dos sistemas funcionais, cuja relevância é óbvia na aprendizagem. A unidade de extensão da dimensão temporal é o ritmo, que en- volve a consciencialização da igualdade dos intervalos de tempo. U m ritmo constante (cadência), portanto, é uma série de intervalos de tempo iguais, fenómeno este que traduz muitos ritmos biológicos no indiví- duo (circulação, respiração, etc.) e muitos ritmos físicos (rotação da Terra, fases da Lua, estações do ano, etc) . A ritmicidade é uma propriedade fundamental da matéria viva, caracterizada por altas, médias ou longas frequências. Ela é, certa- mente, uma propriedade de toda a actividade da criança, uma espécie de requisito do comportamento humano, pondo em relevo o papel do sistema auditivo nos esquemas mais gerais do pensamento. O ritmo ocorre em várias áreas do comportamento: na motricidade (coordenação de movimentos), na audição (reconhecimento de estímu- los auditivos), na visão (exploração sistemática do envolvimento), nas aprendizagens escolares (leitura, escrita, cálculo). A função do ritmo ultrapassa a dimensão temporal, visto que se insere em todas as mani- festações de comportamento, desde as biológicas e as nervosas às psi- cológicas, daí a sua importância na observação psicomotora. Piaget 1967, estudou a evolução da percepção do tempo e especi- licou-a como mais complexa que a do espaço. No período da inteli- gência sensório-motora é uma simples categoria prática relacionada COm a actividade objectiva da criança e associada às suas necessida- des biológicas. No período das operações concretas, a noção do tempo liansforma-se num esquema geral de pensamento, onde o tempo se Constrói por coordenação de operações como «classificações por ordem «las sucessões dos acontecimentos, por um lado, e por encaixamento • las durações concebidas como intervalos entre os ditos acontecimen- tos por outro lado, de tal maneira que ambos os sistemas são coeren- tes por estarem ligados um ao outro». 223 MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA Fraisse 1957, equacionou a percepção do tempo como representada pela «percepção da sucessão da sua unidade», daí que implique dois aspectos: o qualitativo (ordem de organização) e o quantitativo (inter- valo temporal de duração). A estruturação temporal de base intuitiva tende a transformar-se num dispositivo operacional de enorme importância para as funções de recepção, associação, armazenamento, programação e expressão. A estrutura temporal na BPM compreende a recepção, a memori- zação e a reprodução motora de ritmos', através dela podemos avaliar as funções da segunda unidade funcional de Luria e apreciar a sua estrutura e organização perceptiva. Em resumo, a estruturação temporal e a estruturação espacial, que juntas constituem o quinto factor da BPM, a estruturação espácio-tem- poral, são os fundamentos psicomotores básicos da aprendizagem e da função cognitivia, dado que nos fornecem as bases do pensamento rela- cional, a capacidade de ordenação e de organização, a capacidade de processamento simultâneo e sequencializado da informação, a capaci- dade de retenção e de reauditorização e revisualização, isto é, de recha- mada do passado e de integração do presente e preparação do futuro, as capacidades de representação, estruturação espácio-temporal, a capa- cidade de quantificação e de categorização, etc, isto é, fornece subs- tanciais dados sobre o grau de organização a que se encontra a segunda unidade funcional do cérebro. O espaço só pode definir-se com o tempo, como parte de um pro- cesso que relaciona acontecimentos. O espaço existe na medida em que pode ser estimado em termos da sua relação espácio-temporal com outros acontecimentos. A fusão do espaço com o tempo envolve um processo, e porque um processo, refere uma corrente de acontecimen- tos mais do que uma propriedade particular de acontecimentos, a estru- turação espácio-temporal consubstancia, em certa medida, o potencial de aprendizagem numa criança, pois ela está inevitavelmente inserida na leitura, escrita e no cálculo. A estruturação espácio-temporal é sinónimo de translação entre uma dimensão e a outra. A sequencialização temporal é inseparável da simultaneidade espacial nos processos básicos da aprendizagem, na medida em que põem em jogo as funções inter-hemisféricas (não verbais e verbais) e as funções interneurossensoriais (visão e audi- ção). O reconhecimento de palavras ou de imagens, requer a estrutura- ção espácio-temporal, as duas grandes realidades, espaço e tempo, estão verdadeiramente inter-relacionadas nos processos psicomotores da criança. Traduzir as tarefas do tempo para o espaço (ouvir uma história ou fazer um ditado) e do espaço para o tempo (descrever uma imagem, 224 FACTORES PSICOMOTORI S copiar ou ler) é uma condição necessária às funções mentais superio- res, que caracterizam a segunda unidade funcional do cérebro, segundo Luria 1980. b) Descrição dos subfactores e cotação 1) Organização A organização espacial compreende a capacidade espacial concreta de calcular as distâncias e os ajustamentos dos planos motores neces- sários para os percorrer, pondo em jogo as funções de análise espa- cial, processamento e julgamento da distância e da direcção, planifica- ção motora e verbalização simbólica da experiência. t Para realizar a tarefa, a criança tem de adoptar formas de adapta- ção espacial, contar o número de passos e retê-los, realizar simples operações de cálculo mental (adição e subtracção) e ajustar o compri- mento das passadas à medida que realiza a translação espacial de um ponto da sala para o outro. A prova requer fundamentalmente a participação das áreas parietais e occipitais, áreas 5 e 7, onde se opera a fusão de dados direccionais e espaciais, ao mesmo tempo que intervém uma programação do tama- Observação da organização espacial. Calcular as distâncias e os ajustamentos dos planos motores 225 MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA nho dos passos. A estruturação espacial guiada pelas áreas de integra- ção visual fornece as informações necessárias para os centros motores piramidais e extrapiramidais entrarem em actividade, analisando-se sub- sequentemente o ajustamento das passadas e a sua adaptação espacial fina. O procedimento do subfactor da orientação é o seguinte: sugere-se à criança para andar normalmente de um ponto da sala a outro na distância de 5 m, contando o número de passos em voz alta. Uma vez realizado o primeiro percurso, pede-se à criança para realizar o segundo percurso com mais um passo (crianças em idade pré-primá- ria), ou mais três passos (crianças em idade primária), utilizando para o cálculo o número de passos dados inicialmente. Por último, solicita- -se à criança que realize o terceiro percurso com menos um passo ou três passos, respectivamente, para a criança pré-primária e primária. A cotação a atribuir deverá ser a seguinte: 4, se a criança realiza a tarefa com um controlo correcto nos três percursos, com contagem perfeita do número de passos e com preciso cálculo visuoespacial e concomitante ajustamento inicial e final das passadas; 3, se a criança realiza os três percursos com ligeiro descontrolo final das passadas (alargamento ou encurtamento), mantendo correcta a contagem e o cálculo; 2, se a criança realiza dois dos três percursos com hesitação e con- fusão na contagem e no cálculo; sinais de desorientação espa- cial e dismetria; 1, se a criança realiza um dos três percursos ou se não completa a tarefa, evidenciando nítidos problemas de verbalização da acção, de planificação visuoespacial, de retenção do número das passadas realizadas no primeiro percurso e de ajustamento espa- cial e direccional na tarefa. A cotação deve ser então registada, ao mesmo tempo que se devem assinalar as dismetrias, as confusões e hesitações, as interrupções das tarefas, o grau de interiorização espacial, a qualidade da marcha e o seu ritmo, etc.2) Estruturação dinâmica A estruturação dinâmica compreende a capacidade de memo- rização sequencial visual (de curto termo) de estruturas espaciais sim- ples. 226 FACTORES PSICOMOTORES Trata-se de uma tarefa que aprecia a capacidade da criança repro- duzir de memória sequências de fósforos em posições e orientações espaciais determinadas. A tarefa envolve, consequentemente, análise visual, memória de curto termo, rechamada sequencial dos fósforos e respectiva reprodu- ção ordenada da esquerda para a direita, pondo em jogo as funções da segunda unidade funcional de Luria. A realização do subfactor da estruturação dinâmica envolve a uti l i - zação de fichas desenhadas com as respectivas estruturas e cinco fós- foros. O procedimento é o seguinte: sugere-se à criança que observe aten- tamente durante 3, 4 ou 5 segundos as fichas respectivas com três, quatro e cinco fósforos, após os quais deverá reproduzir exactamente as mesmas sequências com os fósforos, mantendo sempre a orientação da esquerda para a direita. Deve-se permitir fazer um ensaio com apenas dois fósforos para as crianças de 4-5 anos. Neste caso, apenas são consideradas as três pri- meiras tarefas; a tarefa do ensaio, deve ser respeitada e considerada para cotação, não sendo exigível a orientação da esquerda para a direita. As fichas respectivas são as seguintes: Ficha de ensaio 1 1 1 1 1 4 I I I ! K S O I 6 i/ m 1 1 1 1 1 K S O I 6 i 227 MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA Observação da estruturação dinâmica espacial. Retenção, rechamada e reprodução de sequências espaciais e posicionais de fósfosos A cotação a atribuir deverá ser a seguinte: 4, se a criança em idade escolar realiza correctamente as seis tare- fas ou se a criança em idade pré-primária realiza correctamente a ficha de ensaio mais as três primeiras fichas; 3, se a criança em idade escolar realiza quatro das seis tarefas ou se a criança em idade pré-primária realiza a ficha de ensaio mais as duas primeiras fichas; 2, se a criança em idade escolar realiza três das seis tarefas ou se a criança em idade pré-primária realiza a ficha de ensaio e mais a primeira ficha, revelando dificuldades de memorização e se- quencialização visuoespacial; 1, se a criança em idade escolar realiza duas das seis tarefas ou se a criança em idade pré-primária só realiza a ficha de ensaio, demonstrando dificuldades gnósicas e práxicas significativas. A cotação deve ser registada paralelamente com a qualidade de exe- cução sequencializada, o ritmo de execução, a orientação espacial dos fósforos e o grau de controlo motor evidenciado. 3) Representação topográfica A representação topográfica retrata a capacidade espacial semió- tica e a capacidade de interiorização e realização de uma trajectória espacial apresentada num levantamento topográfico (planta) das coor- denadas espaciais e objectais da sala. 228 FACTORES PSICOMOTORES A tarefa põe em jogo a apreciação da integração espacial global e a capacidade de transferência de dados espaciais representados para dados espaciais agidos. A tarefa deste subfactor psicomotor envolve uma componente visuoespacial, outra componente de transferência dos sistemas visuais para os sistemas proprioceptivos, pondo em jogo a noção do corpo e da lateralização, e por fim a realização de estratégias e reorganizações espaciais através da trajectória efectuada. Em certa medida, envolve uma descodificação visual representada semioticamente (números), uma orientação espacial memorizada e uma transferência de estratégias para a reprodução motora da trajectória, pondo em jogo aptidões espaciais inter-hemisféricas. A realização deste subfactor requer como material apenas uma folha de papel de máquina e um lápis. O procedimento é o seguinte: o observador em conjunto com a criança realiza o levantamento topográfico da sala, reproduzindo o mais exactamente possível as suas proporções espaciais e a localiza- ção semiótica correspondente do mobiliário, devidamente identificado com os respectivos números. Em seguida, deverá posicionar-se na sala e posicionar também a criança, desenhando posteriormente, em ter- mos de ensaio, um trajecto com o lápis, solicitando-lhe, em seguida, a sua realização motora. O ensaio deverá ser assistido e comentado para que a criança reco- nheça exactamente o que lhe é pedido. A especificação do mobiliário com os respectivos números deve ser reconfirmada antes de realizar a tarefa para cotação. Exemplo da reprodução topográfica de uma sala: ( 1 - Porta V 2 - Armário » 3 - Quadro \ 4 - Cadeira onde eslá a criança observada \ 5 - Mesa 6 - Cadeira onde está sentado o observador \ 7 - Cadeira 8 - Quadro Trajecto 4 — 1 — 5 — 3 — 8_ 229 MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA Dada a dificuldade das aptidões espaciais que a tarefa requer, ela não é normalmente realizada nas crianças em idade pré-primária. A cotação a atribuir é a seguinte: 4, se a criança realiza a trajectória de forma perfeita e bem ori- entada, sem manifestar qualquer hesitação ou desorientação espacial, evidenciando uma interiorização espacial excelente; 3, se a criança realiza a trajectória adequadamente, com algumas hesitações, interrupções ou desorientações direccionais; 2, se a criança realiza a trajectória com frequentes hesitações, inter- rupções, desorientações angulares, desproporções espaciais e direccionais óbvias; 1, se a criança não realiza a trajectória. A cotação deve ser indicada na ficha ao mesmo tempo que se podem recolher dados sobre o nível de compreensão auditiva, visuoes- pacial, a sua fluência e formulação ideacional, estratégias espaciais adoptadas, etc. Com este subfactor completa-se o estudo da estruturação espacial, faltando para conclusão do factor da estruturação espácio-temporal a prova de reprodução rítmica. 4) Estruturação rítmica A estruturação rítmica compreende a capacidade de memorização e reprodução motora de estruturas rítmicas. Trata-se de uma tarefa que avalia problemas de percepção auditiva e de memorização de curto termo e a translação dos estímulos auditi- vos para as respostas motoras. A criança deve captar, reter, rechamar e expressar em termos motores (batimentos do lápis na mesa). É, em certa medida, uma adaptação simplificada das provas de Stambak 1965, que nos fornece dados interessantes sobre a audiomo- tricidade, mas igualmente sobre a tonicidade, o controlo emocional e a estruturação espácio-temporal. A fim de evitar o reforço visual, o observador deve realizar os batimentos e as sequências rítmicas com o lápis ou caneta devidamente tapados. A realização da prova requer apenas um lápis para realizar os bati- mentos. O procedimento para este subfactor é o seguinte: sugere-se à criança que ouça com muita atenção a sequência de batimentos apre- sentada pelo observador, devendo em seguida sugerir-lhe que repro- duza exactamente a mesma estrutura e o mesmo número de batimen- tos. 230 FACTORES PSICOMOTORES Um ensaio deve ser tentado e assistido antes de iniciar as tarefas para cotação, podendo ser considerada para o efeito a primeira estru- tura ntmica da ficha da BPM. As estruturas rítmicas são as seguintes: (ensaio) (para cotação) (para cotação) (para cotação) (para cotação) Observação da estruturação rítmica. Retenção, rechamada e reprodução de sequências de batimentos de sons A cotação a atribuir deverá ser a seguinte: 4, se a criança reproduz exactamente todas as estruturas com estru- tura rítmica e o número de batimentos preciso, revelando uma perfeita integração auditivo-motora; 3, se a criança reproduz quatro das cinco estruturas com uma rea- lização adequada quanto à sequência e à ritmicidade, embora com ligeiras hesitações ou descontrolos psicotónicos; 2, se a criança reproduz três das cinco estruturas, revelando irre- gularidades, alterações de ordem e inversões, demonstrando dif i - culdades de integração rítmica; 1, se a criança reproduz duasdas cinco estruturas ou se é incapaz de realizar qualquer delas, revelando nítidas distorções percep- tivo-auditivas. 231 MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA A cotação deve ser registada reservando a área das observações para a eventual detecção de problemas tónico-emocionais ou de atenção selectiva e de processamento auditivo que possam sugerir uma outra observação mais cuidada ao nível do processo auditivo-verbal. Temos assim concluída a observação do factor da estruturação espá- cio-temporal, que completa também a análise psicomotora das funções da segunda unidade funcional de Luria. c) Significação Psiconeurológica A significação psiconeurológica da estruturação espácio-temporal, põe em jogo problemas de percepção visual e auditiva nas suas dimen- sões ontogenéticas. Trata-se objectivamente de dois telerreceptores que envolvem o tra- tamento da informação à distância. As suas propriedades de captação, análise, de síntese e de armazenamento estão ligadas à formação de sistemas funcionais complexos, que estão na génese das funções psi- cológicas e da aprendizagem simbólica. De um lado, a organização da percepção visual, do outro, a organi- zação da percepção auditiva, realizando interacções intermodais de grande importância para o desenvolvimento das pré-aptidões simbóli- cas. A nível da percepção visual estamos a equacionar o tratamento da dimensão espacial, que envolve as relações do espaço sensório-motor com o espaço representativo, pondo em relação a dinâmica figurativo- -operacional, tão importante para as aprendizagens simbólicas da lei- tura, da escrita e do cálculo como para a aprendizagem não simbólica, associada à investigação do espaço, à apreensão das formas, configu- rações, detalhes, pormenores, figuras, etc. A nível da percepção auditiva estamos a tratar da dimensão tempo- ral, que envolve a compreensão da ordem, da duração, da sequencia- lização e das relações de ordem, pondo em jogo as relações de suces- são temporal e de seriação cronológica e lógica que consubstanciam os processos de informação e de comunicação. A compreensão da ordem, da duração e da ordem-duração tem efectivamente implicações em todos os fenómenos psíquicos, daí a importância e significação psi- coneurológica que se pode obter das tarefas da BPM. A estruturação espacial faz intervir relações topológicas, localiza- ções, orientações, reconhecimentos visuoespaciais, relações projectivas euclideanas, conservação de distância, superfície, volume, velocidade, etc, que estão na base da formulação de muitos conceitos matemáticos. A estruturação temporal faz intervir as relações de ordem e de dura- ção, de atenção interiorizada e de processamento, de armazenamento e 232 FACTORES PSICOMOTORES de rememorização, etc, que estão na base da formulação de muitos conceitos linguísticos. De uma forma simplificada estamos a analisar os distúrbios das re- giões occipitais e temporais: as regiões occipitais, mais associadas aos distúrbios analítico-sintéticos da actividade humana, que caracterizam os estímulos visuais e tácteis que traduzem a informação simultânea; as regiões temporais, mais associadas aos distúrbios da linguagem, que caracterizam os estímulos auditivos que traduzem a informação sequen- cializada. Algumas funções que afectam a informação simultânea estão con- tidas nos subfactores da orientação, da estruturação dinâmica e da representação topográfica, onde convergem aptidões especializadas de análise e síntese visual e de aptidões interneurossensoriais visuotácteis implicadas na percepção espacial. A síntese sensorial, as disgnosias, as impercepções e distorções perceptivas tendem a emergir da disfunção da simultaneidade da informação. Processos de revisualização podem igualmente surgir da perturbação da integração da dimensão espacial. Algumas funções que afectam a informação sequencializada, em contrapartida, estão contidas na estruturação rítmica, onde convergem aptidões de análise e de integração auditiva e, bem assim, de regula- ção aferente da linguagem. A perda do sentido rítmico pode interferir com o poder de discriminação fonético e daí resultarem problemas de percepção linguística. Por outro lado, a integração rítmica joga com o cérebro interno, com o centro de convergência emocional e de indu- ção motora, podendo explicar muitos outros problemas de raiz tónica, postural e somatognósica, pondo em relevo problemas de desintegra- ção sensorial e intersensorial de grande relevância psiconeurológica, uma vez que as aprendizagens da linguagem falada ou escrita põem cm relação tais transferências, isto é, do sequencial ao simultâneo e do simultâneo ao sequencial, cuja conexão, está a cargo do tálamo. A estruturação espácio-temporal está obviamente dependente dos outros dois factores psicomotores que compõem a segunda unidade funcional, mais exactamente a lateralização e a noção do corpo. Uma vez que o ponto de partida de estimação e orientação do espaço e do tempo é o corpo, qualquer disfunção somatognósica tem tendência a reflectir-se na orientação com o espaço e com os objectos. Com uma fraca diferenciação intra e extracorporal, a relação com o espaço é posta em dúvida e a relação com o tempo afectada, daí resultando distor- ções e restrições que têm reflexo em todo o potencial de aprendiza- gem. Distorções na atenção selectiva, no processamento sequencial- lemporal que caracteriza a informação ordenada, na organização do envolvimento interno, nos retrocircuitos que a criança estabelece com a informação recebida, etc, podem muito bem decorrer de uma vul- nerável estruturação espácio-temporal. Daí também muitos problemas 233 MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA de memorização da informação, de investimento motivacional, de flu- tuações de ansiedade, etc. O processo de informação, encontrando-se perturbado por tais efeitos, reflecte-se na atenção, prejudicando-a e desorganizando-a, estabelecendo uma reacção circular de difícil com- pensação, uma vez que pode também interferir com funções de reco- dificação e de reorganização da informação, prejudicando a expressão e a produção de funções psíquicas, que caracterizam o comportamento de muitas crianças com dificuldades de aprendizagem. Com base numa fraca estruturação espácio-temporal, as estratégias necessárias à aprendizagem correm sérios riscos, a consciencialização cognitiva global desintegra-se e, consequentemente, as actividades per- dem a sua intencionalidade. A percepção das relações espaciais e a orientação no espaço são duas das formas mais complexas de reflexão do mundo exterior (Luria 1966), convergindo na recente formação filogenética da região parie- tal inferior (área 39), que liga os analisadores visuais, vestibulares e quinestésicos. Esta região, segundo Luria, tem a seu cargo a síntese visuoespacial, que de certa forma está integrada nos dois subfactores da estruturação espácio-temporal, isto é, a orientação e a representa- ção topográfica. Efectivamente, a percepção espacial é baseada na orientação visual dirigida para os objectos do mundo exterior e mais precisamente para os processos de análise e síntese visual, de onde qualquer destas fun- ções pode ficar afectada por uma pobre estruturação espácio-tempo- ral. A disfunção deste factor psicomotor altera o sistema das coorde- nadas geométricas básicas (Luria 1966), problema que se pode expandir ao sistema da linguagem, uma vez que, em termos evoluti- vos, este sistema tende a ter sobre aquele uma influência organizadora cada vez mais importante. Em termos neuropatológicos, a região parietal inferior está ligada a apraxia espacial, também designada por apractognosia. A apractognosia tem estado normalmente associada a grandes per- turbações da identificação visual e táctil do espaço e dos objectos. Nor- malmente, os pacientes com esta disfunção tendem a perder o sentido de orientação, o sentido de direcção, trocam direcções básicas (viram à esquerda em vez de virarem à direita),não realizam tarefas diárias, não se vestem, não conseguem fazer a cama, etc. Nos testes de orien- tação espacial de imitação de posturas, de orientações laterais, têm grandes dificuldades, não constroem com os fósforos estruturas geo- métricas sugeridas, não realizam orientações contralaterais nem trans- ferem direccionalidades, como as que estão contidas nas tarefas da BPM. Destas disfunções às operações lógico-gramaticais e aritméticas é uma questão de tempo, principalmente quando enfrentamos crianças, uma vez que as disfunções das áreas primárias e secundárias da 234 FACTORES PSICOMOTORES segunda unidade funcional se implicam na formação de sistemas fun- cionais mais hierarquizados. A percepção das estruturas rítmicas, em contrapartida, refere-se a formas de análise e integração auditiva, normalmente relacionada com a região temporal esquerda. Nesta região processam-se as diferencia- ções e as sequências ordenadas de sons e de ritmos, como provaram os estudos de Semernitskaya 1945. Em termos neuropatológicos, a lesão da região temporal esquerda, cai no âmbito da afasia sensorial e da agnosia acústica, afectando basi- camente o núcleo do analisador auditivo. O poder de discernimento das estruturas rítmicas não é atingido pelos indivíduos afectados por aquelas disfunções, o que em certa medida reflecte o que se pretende detectar com o subfactor da estruturação rítmica. Os pacientes com perturbações nas funções de análise e integração rítmica podem reproduzir padrões rítmicos, mas encontram frequente- mente dificuldades em reproduzir séries rítmicas, que no fundo estão contidas nas tarefas do subfactor da BPM. Para além destas dificulda- des, também apresentam dificuldades de decifração do código fonético, o que só por si confere significação psiconeurológica à reprodução de padrões rítmicos. Como é sabido, as aquisições sensório-motoras e a audiomotrici- dade parecem ser muito significativas para as aprendizagens escolares e principalmente para a leitura (Bateman 1966). A não reprodução de estruturas rítmicas dá uma pista para percebermos que a criança com dificuldades não desenvolveu o seu sistema auditivo convenientemente. Raramente utiliza a audição para se orientar com o envolvimento. Só o que tem cor, forma e tamanho é que a atrai, sendo um assíduo espec- tador televisivo porque o que descodifica tem mais a ver com a visão. Ideias, direcções ou recados que se lhe dirijam raramente são capta- dos, assim como admoestações, daí frequentes conflitos e problemas sociais. Tratam-se de crianças não verbais, orientadas concretamente e espacialmente. Planificar ou programar actividades não se encontram ainda automatizadas, daí a sua incessante distractibilidade. Podem uprender a ler, mas as suas dificuldades fonéticas, mais tarde ou mais cedo, vão surgir na redacção ou no ditado. Tudo o que seja sequen- cializar ou organizar é um problema, agem antes de reflectir, respon- dem sem pensar, porque o seu processamento auditivo imediato é fraco c vulnerável. Em suma, a estruturação rítmica oferece inúmeros parâmetros sobre as capacidades da criança captar, processar e armazenar informação nuditiva não simbólica, cuja significação psiconeurológica e implica- ção educacional parecem evidentes. A inatenção ou desatenção auditi- vas podem ilustrar desordens auditivas receptivas, que obviamente interferem com as aprendizagens simbólicas. As impercepções auditi- MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA vas têm as suas relações funcionais com a postura e a coordenação óculo-manual, por isso este factor acusa também uma significação psi- comotora relevante, uma vez que todo o movimento intencional implica duração e sincronização, propriedades estas resultantes da integração rítmica. A visuoespacialidade e a visuomotricida.de, que representam a dimensão espacial deste factor psicomotor, têm a ver com a integra- ção visual mais complexa, normalmente implicada com as funções de reconhecimento perceptivo (Benton 1979). Aspectos visuoperceptivos (reconhecimento de objectos, análise e síntese visual, dificuldades de discriminação, problemas de figura-fundo, dificuldades de reconheci- mento facial, etc) , aspectos visuoespaciais (problemas de direcção, dis- tância, orientação topográfica, neglet unilateral, etc.) e aspectos visuo- construtivos (problemas de agrupamento e de grafomotricidade, etc.) podem emergir de distúrbios resultantes das disfunções visuotáctilo- quinestésicas que estão em jogo nos subfactores de orientação, estru- turação dinâmica e representação topográfica. Em resumo, a estruturação espácio-temporal fornece, no seu con- junto, imensos dados, cuja implicação educacional psiconeurológica é significativa, na medida em que identifica o estado de maturação das pré-aptidões simbólicas da criança em idade pré-primária, e porque permite detectar sinais de alguma importância para a compreensão e reabilitação dos problemas da criança com dificuldades de aprendiza- gem. Praxia global a) Considerações gerais A praxia global, que constitui o sexto factor psicomotor da BPM, está integrada na terceira unidade funcional do modelo de Luria, cuja função fundamental envolve a organização da actividade consciente e a sua programação, regulação e verificação. Esta unidade funcional está localizada nas regiões anteriores do córtex, mais exactamente nos lobos frontais. A terceira unidade funcional é basicamente composta pela zona motora do córtex (área 4 de Brodmann) e pelas zonas pré-motoras (áreas 6 e 8). A praxia global, por compreender tarefas motoras sequenciais glo- bais, está mais relacionada com a área 6, que, segundo Luria, tem como principal missão a realização e a automatização dos movimentos glo- bais complexos, que se desenrolam num certo período de tempo e que exigem a actividade conjunta de vários grupos musculares. Trata-se de 236 FACTORES PSICOMOfORES uma área ricamente conectada com as estruturas subcorticais, de 0 n C ! e partem inúmeros feixes que constituem os sistemas extrapiramj - S (teleocinéticos), que vão actuar ao nível dos motoneurónios t e r r í i i 1 1 3 1 8 por meio de inúmeras conexões, a sugerir funções de preparação, & % u ~ lação e reaferência extremamente importantes. Luria evoca que a construção de movimentos envolve a p repaT^ a o de componentes posturo-motores e tónico-posturais, que deverfl s e r incorporados em programas de acção. Só depois da preparação, ^ u e requer a chamada dos elementos componentes, os comandos podem s e r enviados à área 4 e daí, pelas vias piramidais, originar os movir* 1 6 1 1 tos necessários. . . A programação está a cargo da área 6 a que se refere essen^ i a " mente à praxia global, área suplementar do córtex motor, que a ^ t u a como uma área secundária que antecipa ou prepara o movimento Pro~ priamente dito. A praxia global para ser desencadeada vai exigir a integração e a interacção da primeira e da segunda unidade funcional do moO^ 0 luriano. Para esse efeito vai rechamar a tonicidade e a equilibra^0, pondo em jogo a combinação minuciosa do tónus da profundidade c ° m o da superfície, eliminando a presença de quaisquer sinergias o n e i ^ ^ 8 e a sincronização de sistemas extrapiramidais, cerebelosos e vestib 1 1 res, que asseguram a estabilidade gravitacional necessária. Reclama P? r outro lado, a coordenação da lateralização, da noção do corpo Q a estruturação espácio-temporal para harmonizar o espaço i n t r a c o r p ° r a com o extracorporal e, por último, a função de decisão, r e g u l a ç ã 0 e verificação para materializar a intenção e atingir o fim, que esteve e* a c~ tamente na sua origem. Através do estudo da praxia global podemos observar, por um l&a0, a perícia postural e, por outro, a macromotricidade (macromotricit^ Carnus 1981), relativas à coordenação dinâmica geral e à general* z a~ ção motora (Kephart 1971), que, segundo este autor, integra a poStM*?' a locomoção, o contacto, a recepção e a propulsão de objectos,i s t^ e ' a integração sistémica dos movimentos do corpo com os m o v i m e í 1 * 0 8 do próprio envolvimento. Ajuriaguerra 1972, refere que a organização práxica decorre a coordenação de três subsistemas fundamentais: o somatograma (coi* cimento integrado do corpo), os engramas (integração cognitiva e e1^®' cional das experiências anteriores) e o opticograma (integração dos ^ s 1 mulos externos que abrangem a função gnósica). O mesmo a U t o r ' refere-se ao opticograma como função voluntária e aos engramas © *J° Nomatograma como automáticos, que surgem sem a interferência a consciência. A consciência quando decide vai servir-se dos siste* 1 1 3 8 funcionais armazenados, recodificando os dispositivos disponíveis P a r a «tingir um certo e determinado objectivo previamente programado- 237 MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA A praxia global insere-se no conceito de neomotricidade, que em termos filogenéticos consubstancia a expansão das zonas mais recen- tes do córtex frontal, demonstrando o progressivo controlo e o atraso da resposta a que as células piramidais gigantes se foram submetendo. O córtex motor (área 4 de Brodmann), ao actuar como efector, neces- sita de recolher informação aferente, a partir da qual se elabora a pro- gramação da acção. A nova motricidade como produto final (output) subentende progressivamente uma organização psicológica cada vez mais complexa nos seus processos. A neomotricidade significa a emer- gência de novos sistemas psicológicos com novas propriedades, do qual resulta um sistema único mais organizado, mais psicologizado. A área motora (área 4) é inerente a todos os vertebrados superiores, mas a expansão e a complexidade estrutural e funcional das áreas secundá- rias frontais é única no ser humano. Novos sistemas se edificaram a partir da motricidade, de onde surgiram funções psicomotoras mais organizadas, que estão contidas na organização práxica. A área 4 dispara o comando depois de se operarem circuitos de retroalimentação entre as áreas 6 e 8 frontais e 5 e 7 parietais. A praxia global envolve muitos níveis hierárquicos, desde a toni- cidade à estruturação espácio-temporal. A o nível inferior, temos a unidade motora, composta pelo motoneurónio medular e pelas múlti- plas fibras musculares. No outro extremo temos o córtex motor (área 4, com a projecção da totalidade do corpo e estreitamente conectada com as áreas sensoriais 1, 2 e 3), de onde partem as células pirami- dais que prolongam os seus axónios para enerver directa ou cruzada- mente os motoneurónios (Eccles e Popper 1977). Toda esta organização hierárquica só dispara, porém, quando se dá uma programação antecipada. Nessa programação o cerebelo vai ter que controlar harmoniosa e automaticamente os movimentos (balísti- cos e fásicos) por meio de sistemas de retroalimentação, que realizam a modulação e a sucessão dos movimentos a f im de permitir que eles atinjam o seu f im com previsão; simultânea e sincronizadamente, vai ter que pré-programar os movimentos antes de serem iniciados. Esta regulação sistémica entre o cerebelo e a área 6 alimenta previamente a área 4, que, por sua vez, entra em actividade, mantendo igualmente sistemas de reaferência com os gânglios da base (núcleo caudado, putamen e globus pallidus, que controlam movimentos lentos e tóni- cos, conforme provaram os trabalhos de Brooks, citado por Evarts 1979). A praxia global é pré-programada pelas áreas associativas pré-mo- toras (área 6), pelo cerebelo e pelos gânglios da base. Só depois o comando motor é disparado pelo sistema piramidal, alimentando para- lelamente o cerebelo, que simultaneamente reactualiza o comando motor em face dos novos dados que lhe são fornecidos pela proprio- 238 FACTORES PSICOMOTORES ceptividade. Este circuito, segundo Eccles 1977, realiza continuamente a retroalimentação que permite a organização práxica, desde os refle- xos miotáticos mais simples até à sobreposição hierarquizada de siste- mas espinais, supra-espinais, cerebelosos e corticais. A pré-programação, no fundo, traduz a intenção que antecede a acção e lhe dá um significado e uma finalidade. A organização prá- xica subentende uma planificação interiorizada, antes da resolução motora propriamente dita. A manutenção da intenção requer a progra- mação (onde a linguagem interior exerce um papel significativo), a análise dos efeitos (onde o mecanismo receptor da acção exerce um papel decisivo) e a auto-regulação (onde o controlo da atenção volun- tária é vital). A praxia global é a expressão da informação do córtex motor, como resultado da recepção de muitas informações sensoriais, tácteis, qui- nestésicas, vestibulares, visuais, etc, ou seja, como resultado integrado dos factores psicomotores já apresentados. A contracção muscular separada desta complexa integração psico- motora rouba significação biopsicossocial à organização práxica, daí que seja inadequado separar a motricidade de toda a estrutura psíquica que a prepara e lhe confere significação. A área motora do córtex cerebral em Evarts 1979, é uma estrutura filogeneticamente mais recente em comparação com os gânglios da base e o cerebelo. Ela só dispara quando tais estruturas mediatizadas pelo tálamo lhe fornecem os dados que ela necessita para a sua fun- ção, dados esses que têm origem fora do cérebro e que constituem a proprioceptividade. Todas as praxias, exigem, consequentemente, uma complexa inte- gração proprioceptiva, cuja função de informação é desencadeada pelos próprios movimentos. O movimento é o resultado de uma informação, ao mesmo tempo que produz, por esse facto, uma nova informação que lhe serve de alimento. Os receptores de longitude e de tensão em permanente modulação (facilitação e inibição) garantem um sistema de controlo de realimentação negativa (servo-mecanismo), cuja função fundamental é assegurar a estabilidade necessária à fluência da acção. E aqui que entra em actividade o sistema gama, com a finalidade de manutenção e regulação da sensibilidade dos fusos neuromusculares, cuja actividade confere ao movimento voluntário a plasticidade e a melodia cinética que o caracterizam. A praxia global encerra em si a unidade de um «pensamento abs- tracto que se traduz numa acção motora concreta» (Evarts 1979). Para a formação do «pensamento abstracto», porém, a proprioceptividade entra em jogo, o que em certa medida prova que os movimentos volun- tários não estão em oposição aos movimentos reflexos, estão sujeitos I I leis da acção reflexa, como há um século afirmava H . Jackson. 239 MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA Em resumo, o movimento voluntário é definido em relação à sua finalidade (o voluntário do movimento voluntário), finalidade que só pode ser desencadeada internamente quando os sistemas vestíbulo- -visual e visuoespinal conferem as necessárias condições de estabili- dade postural, porque só assim o cérebro pode concentrar-se no fim a atingir. Uma vez desintegrada a informação proprioceptiva, o cérebro perde a concentração no fim que lhe é exterior e tem de passar a pro- cessar informação que lhe é interior, diminuindo consequentemente a sua organização práxica. Uma grande parte do movimento voluntário é involuntário e exterior à consciência — afirmação devida a Wilson 1928, citado por Evarts 1979. O córtex motor dos mamíferos e do ser humano filogeneticamente recente está inexoravelmente sujeito à acção reflexa que caracteriza as componentes mais antigas do cérebro. Da mesma forma a praxia glo- bal que estuda a BPM está sujeita à integração tónica e vestibular e que caracteriza essencialmente os factores da tonicidade e da equili- brarão. E sobre os programas internos, reunidos sob a forma de sistemas funcionais complexos (Vygotski 1960 e Luria 1977), que a praxia global expressa os movimentos, reclamando circuitos transcorticais que fazem apelo a todos os dados contidos na primeira e segunda unida- des funcionais. Os movimentos intencionais, isto é, aspraxias, são definidos em Piaget 1975, como «sistemas de movimentos coordenados em função de um resultado e de uma intenção». Trata-se de sistemas de movi- mentos adquiridos, resultantes das coordenações reflexas elevadas a um nível superior de integração. Primeiro, em coordenações internas, que tornam possível que na acção se reúnam muitos movimentos parciais num acto total. Segundo, em coordenações externas, que resultam da coordenação de duas ou mais praxias, que culminam numa nova pra- xia total de ordem superior. Opera-se então a assimilação funcional e reprodutora, transformada em seguida em assimilação recognitiva e, finalmente, generalizadora. A praxia na visão piagetiana é uma inte- gração (esquema) que antecede a função simbólica e que traduz a noção de inteligência (coordenação das acções). A praxia equaciona quatro condições: um projecto, vários engra- mas, ligações projecto-engramas e instrumentos neuromusculares de expressão comandados em função do projecto. De acordo com este modelo, as apraxias são definidas como per- turbações da motricidade voluntária que aparecem na ausência de agnosias e de pertubações da inteligência em indivíduos que não apre- sentam lesões no aparelho de execução. Os trabalhos clássicos de Lipman 1906, Pick 1905 e Déjerine 1914, definiram as seguintes formas clínicas: apraxia ideomotora (incidência 240 FACTORES PSICOMOTORES na realização de gestos elementares), apraxia ideatória ou ideacional (incidência no esquema necessário à realização de actos complexos), apraxia construtiva (incidência na construção visuoespacial) e apraxias específicas (vestuário, buco-facial, marcha, etc) . A ideomotora implica a incapacidade de realização de gestos sim- ples, mas o nível ideacional mantém-se intacto; aqui as dificuldades estão em responder a um comando verbal ou à imitação de gestos. A ideatória implica a incapacidade de realizar e conceber um acto com- plexo, embora os elementos isoladamente possam ser reproduzidos; aqui o problema situa-se na sequencialização das acções, na desintegra- ção das actividades de diferentes segmentos corporais, na organização dos elementos para atingir um fim, isto é, na desintegração espácio- -temporal dos movimentos componentes de uma totalidade. A construtiva retrata a incapacidade em reunir unidades para for- mar totalidades (desenhos, construções, etc); aqui o distúrbio situa-se na execução do programa. Mais recentemente, Heilman 1979, define apraxia como uma «desor- dem nos movimentos aprendidos não causada por acinésia, fraqueza muscular, deaferenciação, tónus postural anormal, movimentos anor- mais, como tremores ou coreia, deteriorização intelectual, pobre com- preensão ou rejeição de cooperação.» As apraxias, nas concepções modernas, segundo Ajuriaguerra e Hécaen 1964, oscilam em ser consideradas como problema superior da organização motora, como problema de uma função simbólica par- ticular e como expressão do domínio motor. Geschwind 1965, evoca que a apraxia resulta da desconexão entre as áreas posteriores e o cór- tex motor associativo, que surge como o centro codificador de engra- mas motores. Asanuma 1975, defende outra hipótese, referindo que as apraxias dependem de lesões parietais, que implicam dificuldades de imitação ou dificuldades em usar objectos intencionalmente, pois segundo aquele mesmo investigador o lobo parietal contém engramas que ajudam a programar o córtex motor associativo este, por sua vez, rngramas que ajudam a programar o córtex motor, de onde, finalmente, partem influxos que enervam os motoneurónios e produzem os movi- mentos. Enquanto o modelo de incapacidade no adulto nos ajuda a perce- her o problema da organização superior do movimento, o modelo de dificuldade na criança surge mais dinâmico e complexo, dadas as impli- cações ontogenéticas. A criança dispráxica apresenta uma disfunção psicomotora nor- malmente caracterizada por perturbações da esfera motora mais cor- llcalizada. Os sinais de incoordenação mais característicos são: as Hêmetrias, que retratam a inadaptação às distâncias e os movimentos exagerados e mal inibidos; as distonias, que identificam os movimen- 241 MANUAL DE OBSERVAÇÃO PSICOMOTORA tos tónicos, involuntários, intermitentes e certas paratonias sem qual- quer significação funcional; as disquinésias, que identificam os movi- mentos anormais que surgem electivamente nas posturas ou nos ges- tos finalizados, normalmente anárquicos e bruscos, característicos das sacudidelas breves e parasitas, e, por último, as dissincronias, que suge- rem inadequada velocidade dos movimentos com dissincronismo e ausência de sinergias a demonstrar desintegração rítmica óbvia, ou seja, a perda de melodia cinética, que, segundo Luria, traduz a realização da praxia. Em resumo, a praxia global da B P M dá-nos indicadores sobre a organização práxica da criança com reflexos nítidos sobre a eficiência, a proficiência e a realização motora. As possibilidades motoras e o estilo motor da criança podem ser avaliados nos vários subfactores. Através da observação da qualidade de execução de um acto motor e das diferentes formas de realização podemos captar sinais sobre a organização psicomotora, ao mesmo tempo que podemos perspectivar as suas repercussões no desenvolvimento motor, afectivo e intelectual (Fonseca 1976 e 1977). As dispraxias combinam problemas práxicos com poblemas da noção do corpo e da estruturação espácio-temporal, que se traduzem, segundo Ajuriaguerra 1974, nas apractognosias somato-espaciais, com óbvio reflexo nas dificuldades de aprendizagem da leitura, escrita e cálculo (Fonseca 1984). As dispraxias ideacionais, ideomotoras e construtivas revelam uma manifestação motora como produto final, mas elas encerram certamente problemas de integração, isto é, revelam-nos como é que o cérebro processa informação sensorial e planifica acções. A dispraxia no seu aspecto global traduz uma disfunção psiconeuro- lógica da organização táctil, vestibular e proprioceptiva, que interfere com a capacidade de planificar acções, com repercussões no compor- tamento sócio-emocional e no potencial de aprendizagem. E dentro destes parâmetros de observação com a preocupação de captar dados dispráxicos que o factor da praxia global se compõe dos seguintes subfactores: coordenação óculo-manual, coordenação óculo- -pedal, dismetria e dissociação. A sua descrição e cotação será analisada em seguida. b) Descrição dos subfactores e cotação 1) Coordenação óculo-manual A coordenação óculo-manual compreende a capacidade de coorde- nar movimentos manuais com referências perceptivo-visuais. 242 FACTORES PSICOMOTORES A situação requer a coordenação apendicular dos membros supe- riores (normalmente a da mão dominante) com as capacidades percep- tivo-visuais de avaliação da distância e de precisão de lançamento. Envolve consequentemente uma praxia global e um planeamento motor, isto é, a avaliação da distância, da altura e características do alvo, a consciencialização quinestésica do lançamento, o peso da bola, a selec- ção de engramas, a capacidade de reprogramação de sequências moto- ras em face da análise dos efeitos, etc. A realização da tarefa requer o seguinte material: uma bola de ténis, um cesto de papéis, uma cadeira e uma fita métrica. O procedimento para a sua realização é o seguinte: sugere-se à criança (na posição de pé) que lance uma bola de ténis para dentro de um cesto de papéis colocado em cima de uma cadeira a uma distância de 1,50 m para crianças em idade pré-primária e de 2,50 m para crianças em idade escolar. Deve-se realizar apenas um ensaio e em seguida quatro lançamentos. Durante os lançamentos devem ser observados vários pormenores: a postura, a orientação de base de sustentação, a qualidade de preen- são da bola, o tipo de lançamento (por cima do ombro ou por baixo, cm lançamento pendular), as dismetrias, a velocidade, a força, o auto- controlo, a melodia cinética, o grau de
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