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Universidade Federal do Piauí Centro de Educação Aberta e a Distância EDUCAÇÃO, ESTADO E CIDADANIA Ferdinan Francisco do Nascimento Ministério da Educação - MEC Universidade Aberta do Brasil - UAB Universidade Federal do Piauí - UFPI Universidade Aberta do Piauí - UAPI Centro de Educação Aberta e a Distância - CEAD Ferdinan Francisco do Nascimento Educação, Estado e Cidadania Cleidinalva Maria Barbosa Oliveira Elis Rejane Silva Oliveira Samuel Falcão Silva Mariane de Meneses Costa Alves Maria da Penha Feitosa Carmem Lúcia Portela Santos PRESIDENTE DA REPÚBLICA MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO GOVERNADOR DO ESTADO REITOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA DO MEC PRESIDENTE DA CAPES COORDENADORIA GERAL DA UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL DIRETOR DO CENTRO DE EDUCAÇÃO ABERTA A DISTÂNCIA DA UFPI Luiz Inácio Lula da Silva Fernando Haddad Wilson Nunes Martins Luiz de Sousa Santos Júnior Carlos Eduardo Bielshowsky Jorge Almeida Guimarães Celso Costa Gildásio Guedes Fernandes CONSELHO EDITORIAL DA EDUFPI Prof. Dr. Ricardo Alaggio Ribeiro ( Presidente ) Des. Tomaz Gomes Campelo Prof. Dr. José Renato de Araújo Sousa Profª. Drª. Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz Profª. Francisca Maria Soares Mendes Profª. Iracildes Maria de Moura Fé Lima Prof. Dr. João Renór Ferreira de Carvalho COORDENAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO TÉCNICA EM ASSUNTOS EDUCACIONAIS PROJETO GRÁFICO DIAGRAMAÇÃO REVISÃO REVISOR GRÁFICO A responsabilidade pelo conteúdo e imagens desta obra é do autor. O conteúdo desta obra foi licenciado tem- porária e gratuitamente para utilização no âmbito do Sistema Universidade Aberta do Brasil, através da UFPI. O leitor se compromete a utilizar o conteúdo desta obra para aprendizado pessoal, sendo que a re- produção e distribuição ficarão limitadas ao âmbito interno dos cursos. A citação desta obra em trabalhos acadêmicos e/ou profissionais poderá ser feita com indicação da fonte. A cópia deste obra sem autorização expressa ou com intuito de lucro constitui crime contra a propriedade intelectual, com sansões previstas no Código Penal. N244e Nascimento, Ferdinan Francisco do Educação, Estado e Cidadania/ Ferdinan Francisco do Nascimento - Teresina: EDUFPI/UAPI 2010 110 p. ISBN: 978-85-7463-322-0 1- Educaç.ão e Cidadania. 2 - Educação e Estado. 3 - Políti- ca e Educação I. Título C.D.D. - 379 Este texto é destinado a vocês que participam do programa de Educação a Distância da Universidade Aberta do Piauí (UAPI), vinculada ao consórcio formado pela Universidade Federal do Piauí (UFPI), Universidade Estadual do Piauí (UESPI), Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Piauí (IFPI), com apoio do Governo do Estado do Piauí, por meio da Secretaria de Educação e Cultura do Piauí (SEDUC- PI). O texto compõe-se de três unidades, contendo itens e subitens que discorrem sobre Educação, Estado e Cidadania. Na unidade 1 abordamos os conceitos básicos de Estado, bem como seus elementos e o papel da educação dentro do Estado. Na unidade 2 enfatizamos o papel da educação para a construção da cidadania. E na unidade 3 analisamos a educação na perspectiva da nova ordem mundial. UNIDADE 1 EDUCAÇÃO, ESTADO E SOCIEDADE Elementos da Teoria Geral do Estado .............................................11 Conceitos básicos relacionados à democracia ...............................17 O poder na globalização ................................................................. 24 UNIDADE 2 EDUCAÇÃO E CIDADANIA Noções básicas sobre conceitos de cidadania e direitos ................39 Movimentos sociais: lócus de uma educação para a cidadania ..... 42 UNIDADE 3 EDUCAÇÃO, DEMOCRACIA E GLOBALIZAÇÃO Configuração da democracia e da cidadania nos dias atuais .........67 Identidade latino-americana e globalização ...................................78 Educação em direitos humanos e democracia ............................... 87 A participação da população na gestão da educação .....................99 37 09 65 UNIDADE 01 Educação, Estado e Sociedade 11EDUCAÇÃO, ESTADO E CIDADANIA EDUCAÇÃO, ESTADO E SOCIEDADE ELEMENTOS DA TEORIA GERAL DO ESTADO Conceitos de Sociedade Para encontrar uma definição precisa para o conceito de sociedade, Bonavides recorre a alguns autores que melhor definiram tal conceito. Um sociólogo americano define a sociedade como “todo o complexo de relações do homem com seus semelhantes”. Quando Toennies diz que a sociedade é o grupo derivado de um acordo de vontades, de membros que buscam, mediante o vínculo associativo, no interesse comum impossível de obter-se pelos esforços isolados dos indivíduos, esse conceito é irrepreensivelmente mecanicista (BONAVIDES, 2006, p. 57). No modelo mecanicista, o indivíduo é autônomo para mover-se, o que pode conduzi-lo à ascensão ou à queda de posição social, econômica ou profissional. O modelo mecanicista de sociedade tem suas bases nos contratualistas no início da democracia liberal, fundamentado na razão como guia da convivência humana. O contrato social (ou contratualismo) é um acordo entre os membros de uma sociedade, pelo qual reconhecem a autoridade, 12 UNIDADE 01 igualmente sobre todos, de um conjunto de regras, de um regime político ou de um governante. O contrato social parte do pressuposto de que os indivíduos o irão respeitar. Esta ideia está ligada à Teoria da Obediência. As teorias sobre o contrato social se difundiram nos séculos XVI e XVII como forma de explicar ou postular a origem legítima dos governos e, portanto, das obrigações políticas dos governados ou súditos. Outro autor, Del Vecchio (apud BONAVIDES), entende por sociedade como: O conjunto de relações mediante as quais vários indivíduos vivem e atuam solidariamente em ordem a formar uma entidade nova e superior, oferece-nos ele o conceito de sociedade basicamente organicista (2006, p. 57). Del Vecchio dá o seguinte conceito para organicismo: “Reunião de várias partes, que preenche em funções distintas e que, por sua ação combinada, concorrem para manter a vida do todo” (apud BONAVIDES, 2006, p. 58). Então, baseado na teoria organicista, percebe-se que o homem tem uma vocação inata para a vida social, ou seja, ele não pode viver fora da sociedade. Sociedade e comunidade Fazendo uma análise sociológica da sociedade, percebemos que existe uma distinção entre sociedade e comunidade. Segundo o sociólogo Toennies, em Sociedade e Comunidade, “sociedade supõe a ação conjunta e racional dos indivíduos no seio da ordem jurídica e econômica” (apud BONAVIDES, 2006, p. 62). Já a comunidade “implica a existência de formas de vida e organização social onde imperam; são essencialmente solidariedades feitas de vínculos psíquicos entre os componentes do grupo” (Idem, 2006, p. 62). Ela existe para amenizar e doar formas de solidariedades: simpatias, emoções e confiança entre os indivíduos. Na comunidade predomina a solidariedade mecânica, onde os indivíduos se identificam através da família, da religião, da tradição e dos costumes, permanecendo em geral independentes e autônomos em relação à divisão do trabalho social. A consciência coletiva aqui exerce todo seu poder de coerção sobre os indivíduos. 13EDUCAÇÃO, ESTADO E CIDADANIA Na sociedade predomina a solidariedade orgânica, aquela típica das sociedades capitalistas, em que, através da acelerada divisão do trabalho social, os indivíduos se tornam interdependentes. Essa interdependência garante a união social, em lugar dos costumes, das tradições ou das relações sociais estreitas. Nas sociedades capitalistas, a consciência coletiva se afrouxa. Assim, ao mesmo tempo que os indivíduos são mutuamente dependentes, cada qual se especializa numa atividade e tende a desenvolver maiorautonomia pessoal. Como a comunidade antecedeu a sociedade, esta não eliminou a comunidade. Ela ainda existe no interior da sociedade. Estado Para nos aproximarmos de um conceito de Estado, faz-se necessário esclarecer algumas palavras que designam diferentes Solidariedade mecânica: Característica da fase primitiva da organização social que se origina das semelhanças psíquicas e sociais (e, até mesmo, físicas) entre os membros individuais. Para a manutenção dessa igualdade, necessária à sobrevivência do grupo, deve a coerção social, baseada na consciência coletiva (veja CONSCIÊNCIA COLETIVA), ser severa e repressiva. O progresso da divisão do trabalho faz com que a sociedade de solidariedade mecânica se transforme. Solidariedade orgânica: A divisão do trabalho, característica das sociedades mais desenvolvidas, gera um novo tipo de solidariedade, não mais baseado na semelhança entre os componentes (solidariedade mecânica), mas na complementação de partes diversificadas. O encontro de interesses complementares cria um laço social novo, ou seja, um outro tipo de princípio de solidariedade, com moral própria, e que dá origem a uma nova organização social - solidariedade orgânica. Sendo seu fundamento a diversidade, a solidariedade orgânica implica uma maior autonomia, com uma consciência individual mais livre. 14 UNIDADE 01 fenômenos, diferentes conceitos, diferentes processos e diferentes estruturas. Estes conceitos são: prática, prática política, poder, dominação, estado e sociedade civil. Prática é uma ação que modifica ou que reproduz uma realidade. Essas práticas ocorrem durante todo o percurso histórico de forma contínua, sejam elas conscientes, planejadas, inconscientes e não intencionais. Guareschi (2003) define prática política como uma ação humana intencional que transforma relações sociais. Segundo esse autor, podem existir vários tipos de prática política, dependendo do tipo de relação social. A política não pode ser reduzida ao que diz respeito ao poder público. Ela encontra-se dentro das famílias, das fábricas, das escolas, ou seja, dentro da esfera privada. Embora haja boas razões para se enfocar a esfera pública como palco específico da política, onde se situa o sistema político, e especialmente o estado, o domínio teórico da política é bem mais amplo (GUARESCHI, 2003, p. 125). Não é necessário que haja Estado nem políticos para que a política possa acontecer. Ela é uma característica intrínseca à vida social humana. Por poder entendemos ser a capacidade de produzir uma mudança que é específica de cada prática. Toda prática para que possa ser exercida precisa de certa quantidade de poder. O poder econômico seria a capacidade de transformar a natureza. Poder ideológico, capacidade para formar subjetividades. Poder político, capacidade para formar relações sociais. O poder político precisa de meios para exercer a sua ação. Esses meios, também chamados de meios de produção da política, são as organizações como: o Estado, os partidos, os sindicatos, as associações de bairros, etc. E esse modo de produção será eficiente de acordo com a capacidade de mobilizar as pessoas para ação coletiva, ou seja, de fazer com que as pessoas participem engajadas na luta, nas atividades. Guareschi alerta para a confusão que é feita entre poder e dominação. Segundo ele: Poder é a capacidade para transformar práticas (poder político, capacidade para formar relações sociais); A prática política de gênero: que (re) produz relações de gênero que lutam, como entre homens e mulheres; que (re) produz relações educacionais, como entre professores e alunos, etc. Saiba Mais Há diferentes tipos de práticas: prática econômica – pela sua natureza e valor de uso; prática científica – transforma os conhecimentos em ciência; prática política – transforma tais relações sociais. Saiba Mais 15EDUCAÇÃO, ESTADO E CIDADANIA dominação, porém, é definida como a distribuição desigual do poder. Mesmo numa sociedade igualitária, utópica, haverá política e poder; mas não haverá dominação (GUARESCHI, 2003, p.127). Quando um poder está enraizado em determinado grupo ou pessoa, podemos dizer que este grupo ou pessoa está dominando. Após alguns conceitos definidos, podemos fazer um ensaio sobre o que seja o Estado. Na definição de Max Weber, Estado é o aparelho que monopoliza o uso legítimo da força em um determinado território. Para o autor, o Estado é uma relação de homens dominando homens, mediante a violência, considerada legítima. E para que essa relação exista é necessário que os dominados obedeçam à autoridade dos que têm o poder. Dentro da tradição marxista, o Estado seria a expressão jurídico- política da sociedade burguesa. O seu papel, na sociedade capitalista, seria defender os interesses da classe dominante. Na visão de Durkheim, que sempre foi preocupado com a coesão social, a função do Estado seria realizar e organizar o ideário do indivíduo e assegurar-lhe pleno desenvolvimento moral através da educação pública. Podemos agora destacar a relação entre sociedade civil e Estado: Sociedade civil é um conceito geralmente empregado para designar aquelas instituições que representam aspectos da vida social, que possuem relações estritamente externas com o Estado. Isso quer dizer que elas existem independentemente, e possuem certa autonomia diante do Estado; têm seus próprios mecanismos de reprodução, mas interagem de muitas maneiras com o Estado. Exemplos seriam a família, as igrejas, as fábricas, etc. (GUARESCHI, 2003, p. 130). Esta dicotomia é rejeitada por alguns teóricos, alegando que todos os aspectos da vida social estariam relacionados com o Estado e que as ações deste estão presentes na vida cotidiana das pessoas. Esta teoria do modelo de Estado centrado nas classes subdivide- se em três variantes: a teoria instrumentalista, a teoria estruturalista e a teoria crítico-ideológica. Teorizamos algo para nos proporcionar a compreensão de certos aspectos de uma situação particular, e não para afirmar algo como geral 16 UNIDADE 01 para todas as situações. No caso da teoria sobre o Estado, essas teorias variam de realidades concretas. Essas teorias não se dão de forma aleatória, existem recursos metodológicos na análise do Estado. Para explicar o que é o Estado, como age, trabalhamos com hipóteses, porque comprovar concretamente é difícil. Alguns estudiosos criaram instrumentos metodológicos para entender o Estado. Esses estudos nos comprovam que o Estado é capitalista, dominado pelos capitalistas. O mecanismo de seleção do Estado capitalista se dá através de um amplo conjunto de mecanismos institucionais que sob condições normais desempenham três funções cruciais: a) Função de seleção negativa: os interesses anticapitalistas são excluídos da atividade do Estado; b) Função de seleção positiva: quando as alternativas políticas escolhidas servem aos interesses dos grupos capitalistas específicos; c) Função de seleção disfarçada: mantém a aparência de neutralidade. Para provar o caráter de classe do Estado, a estrutura do Estado é tal que faz com que certas ações dele se tornem impossíveis e outras prováveis, isto é, o Estado sistematicamente coloca discriminações no processo de criação e desenvolvimento de suas políticas. Isso aparece bem claro a partir da apresentação dos assuntos que o Estado coloca à mesa das discussões: alguns pontos são excluídos já da própria agenda. A análise do modelo de Estado centrado no Estado ganha mais relevância nos dias atuais do que o modelo de Estado centrado nas classes. Isso se deve ao fato de o Estado possuir interesses distintos; e do Estado possuir capacidades distintas, devido a suas propriedades organizacionais e seu poder repressivo. Isso dá ao Estado uma espécie Teoria instrumentalista: diz que o Estado é um simples instrumento nas mãos das classes; a teoria estruturalista: dizque o próprio Estado materializa em si, em sua estrutura, a classe e a teoria crítico-ideológica: tenta responder à pergunta: o que é o Estado? Tendo como resposta que o Estado é uma instituição que serve aos interesses da classe dominante, e que aparece de forma dissimulada, se apresentando igual para todos. 17EDUCAÇÃO, ESTADO E CIDADANIA de autonomia, que é fundamentada no poder e nos projetos do mesmo. Uma versão moderada da centralidade do poder vê no Estado um grau de centralização da burocracia e nas classes o interesse de agentes classistas. Já uma versão radical argumenta que fatores centrados no Estado são os determinantes mais importantes das diferenciações nos resultados políticos, as classes têm importância ocasional e secundária. Uma versão intermediária afirma que são os fatores histórico-conjunturais que influenciam e medeiam tanto os fatores de classe como de Estado. Segundo Guareschi (2003), o debate sobre o modelo centrado no Estado está em plena atualidade, e talvez a versão historicizada (intermédia) seja a mais apropriada como orientação de pesquisa, pois deixa a porta aberta às várias possibilidades. Acontece, contudo, que em geral: a) As políticas que o Estado persegue são fortemente matizadas por interesses de classes em seus aspectos instrumentais: os agentes de classe intervêm na formação dessas políticas, diretas e indiretamente; b) As estruturas do Estado incorporam, de fato, mecanismos seletivos específicos de uma determinada classe; estes carregam consigo discriminações de classe, nos processos de formação dessas políticas; c) Os interesses dos administradores do Estado os levam, como regra geral, a cortejar os membros da classe economicamente dominante de tal modo que somente diante de circunstâncias muito excepcionais esses administradores tentariam contrariar o poder e os interesses dessa classe; d) Ocasionalmente, conflitos de classes escolherão como objeto de luta as estruturas de Estado, modelando os conteúdos e formas básicas dessas estruturas e mecanismos. CONCEITOS BÁSICOS RELACIONADOS À DEMOCRACIA Segundo o pensador francês Rousseau, jamais houve e jamais haverá a verdadeira democracia, somente se houvesse um povo de deuses esse povo se governaria democraticamente. Estas afirmações de Rousseau nos levam a perceber que as formas históricas de democracia muitas vezes encontram sustentabilidade em tais palavras. Segundo Bonavides: Partindo do conceito de que ela deve ser o governo do povo, para o povo, verificar-se-á que as formas históricas referentes à prática do sistema democrático tropeçam Jean Jacques Rousseau (Genebra, 28 de junho de 1712 — Ermenonville, 2 de julho de 1778) foi um filósofo suíço, escritor, teórico político e um compositor musical autodidata. Uma das figuras marcantes do Iluminismo francês, Rousseau é também um precursor do romantismo. Saiba Mais 18 UNIDADE 01 por vezes em dificuldades. E essas dificuldades procedem exatamente (...) de não lograrmos alcançar a perfeição, na observância deste regime, o que, de outra parte, não invalida, em absoluto, segundo dizem, a diligência que nos incubiria fazer por praticá-lo, visto tratar-se da melhor e mais sábia forma de organização do poder, conhecida na história política e social de todas as civilizações (BONAVIDES, 2006, p. 286). Outros autores também abordaram sobre a democracia de forma a não aceitá-la como perfeição, mas também não a negando. Respondendo aos quantos fazem objeção ao sistema democrático de governo, o reformista do liberalismo inglês, Lord Russel, dessa maneira se exprimia: “Quando ouço falar que um povo não está bastantemente preparado para a democracia, pergunto se haverá algum homem bastantemente preparado para ser déspota”; Ainda temos a ironia fina do inglês Churchill: “A democracia é a pior de todas as formas imagináveis de governo, com exceção de todas as demais que já experimentaram”; Marnoco e Sousa, jurisconsulto português do início do século XX, escrevia que: “A melhor justificação do princípio democrático resulta da impossibilidade de encontrar outro que lhe seja superior” (BONAVIDES, 2006, p. 286). Enfim, ao logo da história moderna temos na democracia a melhor forma de participação do povo nas decisões políticas. A ideia de soberania popular que permeia nossa sociedade ganha credibilidade na medida em que o povo é livre para escolher seus representantes. Não importa a significação que se lhe empreste, ela é uma força condutora dos destinos da sociedade contemporânea. São raros os governos, sociedades ou estados que não se proclamem democráticos. Modalidades de democracia a) Democracia direta – A Grécia, mais precisamente Atenas, foi o berço da democracia direta, onde o povo reunido na Ágora – praça pública - discutiam os problemas da cidade, ou seja, exerciam o poder político. “A praça representava o grande recinto da nação: diariamente o povo concorria ao comício, cada cidadão orador, quando preciso. Ali Sir Winston Leonard Spencer Churchill (Woodstock, 30 de novembro de 1874 — Londres, 24 de janeiro de 1965) foi um estadista britânico, escritor, jornalista, orador e historiador, famoso principalmente por sua atuação como primeiro-ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial. Saiba Mais 19EDUCAÇÃO, ESTADO E CIDADANIA eram discutidas todas as questões do Estado, nomeavam-se generais, julgavam-se crimes” (BONAVIDES, 2006, p. 290-291). Porém, a crítica moderna feita à democracia antiga é que apenas os cidadãos podiam participar da vida política da cidade, e os cidadãos representavam apenas uma porcentagem mínima da população da cidade. A maioria dos indivíduos que compunham as cidades era escrava. Então, muitos autores afirmam que na Grécia não houve democracia verdadeira. Como experiência histórica, a democracia direta dos gregos foi a mais bela lição moral de civismo que a civilização clássica legou aos povos ocidentais. b) Democracia indireta (representativa) – Passamos agora da democracia direta à concepção de democracia indireta, a dos tempos modernos, caracterizada pela presença do sistema representativo. No Estado moderno não dá mais para todos os cidadãos se reunirem em uma praça pública e discutirem os problemas da cidade, mesmo porque o Estado moderno já não é o Estado - cidade, mas o Estado - nação, de larga base territorial, sob a égide de um princípio político severamente unificador, que risca sobre todas as instituições sociais o seu traço de visível supremacia. Então, não dá mais para se reunir em praça, pois “até mesmo a imaginação se perturba em supor o tumulto que seria congregar em praça pública toda a massa do eleitorado, todo o corpo de cidadãos, para fazer as leis, para administrar” (BONAVIDES, 2006, p. 293). Além do mais, o homem da democracia grega era completamente diferente do homem da democracia moderna, pelo fato do grego ser integralmente político e o homem moderno ser apenas um acessório político, porque suas garantias políticas são validadas por um sistema jurídico que valida sua condição de sujeito. Podemos entender a democracia indireta, segundo Bonavides, como: A moderna democracia ocidental, de feição tão distinta da antiga democracia, tem por bases principais a soberania popular como fonte de todo poder legítimo, que se traduz através da vontade geral. (...) O sufrágio universal, com pluralidade de candidatos e partidos; a observância constitucional do princípio da distinção de poderes, com separação nítida no regime presidencial e aproximação e colaboração mais estreita no regime parlamentar; a igualdade de todos perante a lei; a manifesta adesão ao princípio da fraternidade social; a 20 UNIDADE 01 representação como base das instituições políticas; a limitação de prerrogativas dos governantes; o Estado de direito, com a prática e proteção das liberdades públicas por parte do Estado e daordem jurídica, abrangendo todas as manifestações de pensamento livre; liberdade de opinião, de associação e de fé religiosa; a temporalidade dos mandatos efetivos; e, por fim, a existência plenamente garantida das minorias políticas, com direitos e possibilidades de representação, bem como das minorias nacionais, onde estas por ventura existirem (2006, p. 295). Estas são as características da democracia indireta, onde o poder é do povo, mas o governo é dos representantes que governam em nome do povo, eleitos de forma democrática através do sufrágio universal por um determinado período denominado de mandato. c) Democracia semidireta – Se na democracia direta o povo participava diretamente na discussão das coisas públicas, e na democracia indireta ele delega poderes para seus representantes legislarem em nome do povo, na democracia semidireta o povo ainda delega tais poderes aos seus representantes, mas este, o povo, acompanha de perto a atuação daqueles que foram eleitos. Este acompanhamento se dá através de mecanismos garantidos constitucionalmente. Determinadas instituições, como o referendum, a iniciativa, o veto e o direito de revogação fazem efetiva a intervenção do povo, lhe garantindo um poder de decisão em última instância. Vale ressaltar que não são todas as constituições federais modernas que garantem essas modalidades de participação efetiva da sociedade nas decisões diretas dos poderes. O Estado de Direito é uma situação jurídica, ou um sistema institucional, no qual cada um é submetido ao respeito do direito, do simples indivíduo até a potência pública. O Estado de direito é assim ligado ao respeito da hierarquia das normas, da separação dos poderes e dos direitos fundamentais. Em outras palavras, o Estado de Direito é aquele no qual os mandatários políticos (na democracia: os eleitos) são submissos às leis promulgadas. 21EDUCAÇÃO, ESTADO E CIDADANIA As constituições pós Segunda Guerra empregaram alternativas de participação indireta através de agremiações que fazem o intercâmbio entre a sociedade civil e o poder, são os partidos políticos. Eles surgiram da necessidade de participação da classe trabalhadora nas decisões políticas. A pressão da camada inferior produziu a necessidade de se criar mecanismos de participação popular nas instâncias de poder com o teor reivindicatório. Eles representam a expressão ideológica das camadas da sociedade, onde nascem para áreas do Estado e suas instituições. Os partidos políticos estão representando a vontade do povo. A confiança que eles têm recebido no exercício de uma missão para a qual todos os povos democráticos hão delegado a parte mais considerável de suas forças, mostra claramente que o século político parece pertencer hoje aos partidos. Deixou de pertencer ao povo como massa numérica na anárquica e duvidosa expressão de seu voto direto e plebiscitário para pertencer ao povo- organização, ao povo-massa, cuja vontade se enraíza e canaliza, pois através dos condutos partidários (BONAVIDES, 2006, p. 297). Porém, há uma descrença generalizada nos partidos políticos que leva ao surgimento de vigilância social, tornando a democracia indireta em semidireta, como é o caso da constituição brasileira de 1988. Ela atua através de institutos garantidos pela legalidade decorrente de um estatuto que fora escrito de forma racional pelos representantes do povo devido à pressão da sociedade civil organizada através dos movimentos sociais. São eles: Referendum – O referendum é um modelo de participação política onde o povo tem o poder de sancionar leis. O parlamento elabora a lei, mas ela só terá validade jurídica e obrigatória depois A democracia do Estado social é a democracia do Estado partidário, que não se confunde com a democracia parlamentar e representativa do Estado liberal. Nela, são os partidos a expressão mais viva do poder. Caracteriza-se como democracia coletivista, social, onde a compreensão dos valores humanos terá de fazer-se sempre com referência a grupos e não a indivíduos (BONAVIDES, 2006, p. 300). Parlamento é a assembleia dos representantes eleitos pelos cidadãos nos regimes democráticos e exercem normalmente o poder legislativo. Saiba Mais 22 UNIDADE 01 da aprovação popular, que se dá através de votação dos cidadãos, que votarão a favor ou contra, por sua aceitação ou por sua rejeição. Segundo Bonavides, o referendum apresenta as seguintes vantagens: Serve de anteparo à onipotência eventual das assembléias parlamentares; torna verdadeiramente legítima pelo assenso popular a obra legislativa dos parlamentos; dá ao eleitor uma arma com que sacudir o “jugo dos partidos”; faz do povo, menos aquele espectador, não raro adormecido ou indiferente às questões públicas, do que um colaborador ativo para a solução dos problemas delicados e da mais alta significação social; promove a educação dos cidadãos; bane das casas legislativas a influência perniciosa das camarilhas políticas; retira dos “bosses” o domínio que exercitam sobre o governo (BONAVIDES, 2006, p. 307). É através do referendum que o Estado é vigiado pela sociedade contra as atitudes nefastas de legisladores corruptos e sem compromisso com a coisa pública. Mas existem os inconvenientes do referendum, pois à medida que o povo tem o poder de decidir ocorre o oposto com as câmaras legislativas e aí elas saem desprestigiadas com a diminuição de seus poderes. O povo também é despreparado para discutir o que é público e isso leva a uma abstenção muito grande e os projetos de leis são aprovados sem um debate mais preciso, além do enfado causado pelo debate popular em torno de questões sem nenhuma importância. Plebiscito – O plebiscito também é uma modalidade de decisão popular ou de consulta direta ao povo. Ele consiste em conceder confiança a um homem com ampla base de sustentação popular. Se no referendum vota-se num texto, no plebiscito vota-se por um nome. Iniciativa – Este talvez seja o instituto da democracia semidireta que mais atende às exigências populares. O veto e o referendum (...) asseguram ao povo que ele não será submetido a uma legislação que não queira, mas não obrigam juridicamente o parlamento a legislar. Conferem tão somente ao povo o poder de embargar aquelas leis da assembléia parlamentar que se lhe afigurem nocivas, ao passo que a iniciativa popular proporciona ao corpo de cidadãos o exercício de uma verdadeira orientação governamental, consubstanciada na capacidade jurídica de propor formalmente a legislação que no seu parecer 23EDUCAÇÃO, ESTADO E CIDADANIA melhor consulte o interesse público (BONAVIDES, 2006, p. 311). O cidadão tem o poder de fazer com que as leis funcionem, e é frequente a combinação entre o referendum e a iniciativa quando o povo entra em conflito com o parlamento, prevalecendo a decisão da iniciativa. Direito de revogação – Em alguns sistemas constitucionais de democracia semidireta o povo tem o poder de cassar o mandato eletivo de um funcionário ou parlamentar antes do término de seu mandato. O direito de revogação é muito usado na Suíça e nos EUA e a modalidade mais empregada é o “recall”, que é a forma de revogação individual. Com ele, o indivíduo é capacitado a destituir funcionários cujo comportamento, por qualquer motivo, não lhe esteja agradando. Determinado número de cidadãos, em geral a décima parte do corpo de eleitores, formula, em petição assinada, acusações contra o deputado ou magistrado que decaiu da confiança popular, pedindo sua substituição do lugar que ocupa, ou intimando-o a que se demita do exercício de seu mandato. Decorrido certo prazo sem que haja demissão requerida, faz-se votação, à qual, aliás, pode concorrer, ao lado de novos candidatos, a mesma pessoa objeto do procedimento popular. Aprovada a petição, o magistrado ou funcionário tem o seu mandato revogado. Rejeitada, considera- se eleito para o novo período (BONAVIDES,2006, p. 314). Esta modalidade de poder popular funciona principalmente na esfera municipal. O veto - Segundo Maurice Duverger, o silêncio do povo equivale à aceitação, por isso foi criado o veto, que é um instrumento Segundo Nildo Viana, os ‘’partidos políticos" atuais são organizações onde predomina a burocracia na sua estrutura e que se fundamentam na ideologia da representação política, e não no acesso direto do povo às decisões políticas, e possuem como objetivo conquistar o poder político estatal, além de serem expressões políticas de alguma oligarquia" econômica ou tradicional. Petição inicial é a peça processual que instaura o processo jurídico, levando ao Juiz-Estado os fatos constitutivos do direito, também chamada de “causa de pedir”, os fundamentos jurídicos e o pedido. Saiba Mais 24 UNIDADE 01 de participação popular no exercício do poder. Com ele, o povo pode se manifestar contrário a uma medida ou lei, já devidamente elaborada pelos órgãos competentes e em vias de ser posta em execução. O PODER NA GLOBALIZAÇÃO A globalização não muda em nada as desigualdades que existem no mundo. Apesar de aumentar as integrações, as interdependências, aumenta também as contradições em todos os níveis. Tais contradições ou integrações ocorrem desde uma simples tribo até a terra como um todo. Esse entrelaçamento de nações, nacionalidades, etnias, minorias, grupos e classes sociais reproduz diversidades e desigualdades sociais, econômicas, políticas e culturais, em distintas gradações e múltiplos arranjos. Se há algo que se reproduz e acentua, em escala mundial, é o desenvolvimento desigual e combinado das relações e produções materiais e culturais. A não- contemporaneidade, que já é um fato no âmbito da nação, generaliza-se e aprofunda-se no da sociedade global. São vários os universos culturais e materiais, reais e imaginários, que se entrecruzam e superpõem, complementam e divorciam, integram e antagonizam (IANNI, 2003, p. 127). Isso ocorre em todo o mundo, independente de condição socioeconômica ou da religiosidade, pode ser islamismo, orientalismo, fundamentalismo, africanismo, latino-americanismo, budismo, cristianismo, protestantismo. Independente de cor, podem ser bran- Maurice Duverger (5 de junho, 1917, Angoulême, França), cientista político e sociólogo. Saiba Mais A globalização é um dos processos de aprofundamento da integração econômica, social, cultural, política, com o barateamento dos meios de transporte e comunicação dos países do mundo no final do século XX e início do século XXI. É um fenômeno gerado pela necessidade da dinâmica do capitalismo de formar uma aldeia global que permita maiores mercados para os países centrais (ditos desenvolvidos), cujos mercados internos já estão saturados. 25EDUCAÇÃO, ESTADO E CIDADANIA cos, amarelos, negros, aborígines latino-americanos e caribenhos e outros grupos étnicos ou raciais. Independente de profissão, podem ser operários, camponeses, mineiros, empregados, funcionários, supervisores, técnicos, engenheiros, administradores, profissionais liberais, gerentes, proprietários, membros de igrejas, intelectuais, relações artísticas, caciques, líderes carismáticos e outros. Todas estas caracterizações ou determinações, além dos significados sociais específicos de cada situação e lugar, também são simbolizadas ou estigmatizadas ideologicamente. Essas desigualdades e contradições que ocorrem em todo o tipo de sociedade acentuam-se mais em sociedades estratificadas em grupos e classes sociais, que desdobram-se em desigualdades e hierarquias. Tem-se como consequência a má distribuição da produção, em que uma minoria se apropria da parte maior do excedente produzido e para a maioria só restam as migalhas. Assim se produzem e reproduzem padrões e valores socioculturais, signos e símbolos, estereótipos e ideologias que constituem uma parte fundamental do tecido da sociabilidade burguesa, em âmbito local, regional, nacional, continental e mundial. A globalização, ao longo de sua história, tem no seu processo de formação forças que buscam a acomodação para equalizar interesses no sentido de reforçar estruturas de apropriação e dominação econômica. Ao longo dessa história sucedem-se os lemas que denotam o empenho de governantes de alguns países mais fortes em desenhar a face e o destino de outros países, continentes ou mesmo o mundo todo; progresso, evolução, reforma, revolução, industrialização, O processo de globalização diz respeito à forma como os países interagem e aproximam pessoas, ou seja, como se interliga o mundo, levando em consideração aspectos econômicos, sociais, culturais e políticos. Com isso, gerando a fase da expansão capitalista, em que é possível realizar transações financeiras, expandir seu negócio até então restrito ao seu mercado de atuação para mercados distantes e emergentes, sem necessariamente um investimento alto de capital financeiro, pois a comunicação no mundo globalizado permite tal expansão, porém, obtêm-se como consequência o aumento acirrado da concorrência. 26 UNIDADE 01 urbanização, revolução de expectativas, crescimento, desenvolvimento, modernização, racionalização. Muitas vezes acompanhados de governos: liberais, bonapartistas, bismarckianos, fascistas, nazistas, falangistas, nasseristas, populistas, stalinistas e outros. Um lema ambicioso está sintetizado na expressão "nova ordem econômica mundial", geralmente pensada e falada em inglês, com sotaque norte-americano e os ingredientes do neoliberalismo. Em todos os casos, arrogam-se a ilusão de generalizar seus interesses e ideais, acomodar divergências e tensões, instituir as linhas principais da face e destino do mundo (IANNI, 2003, p. 129). A forma como ocorre o processo de globalização leva toda instância da vida social, econômica e cultural da sociedade a criar uma rede de relações que aprofundam a interdependência das nações, povos, classes, grupos, indivíduos. A distância e o isolamento se tornam cada vez mais ilusórios. O mundo todo torna- se um só. O mundo globalizado mantém uma interdependência que não é somente econômica, mas também social, política e de seguridade. Ocorrem em todo o planeta possibilidades e dilemas sobre os quais a sociedade global apenas começa a tomar medidas e as ciências sociais também apenas começam a refletir. A interdependência crescente que se verifica na sociedade de massa também leva ao surgimento dos problemas globais da humanidade, que são as necessidades de enfrentar coletivamente as catástrofes ecológicas, o combate às epidemias, à droga e à violência organizada, etc. O que se percebe é que as decisões com relação aos problemas globais estão concentradas em algumas instituições, organizações, agendas, empresas, corporações, conglomerados. Denominam- se internacionais, multilaterais, multinacionais, transnacionais, mundiais ou globais (IANNI, 2003, p. 130). Os principais centros de comando da economia mundial podem ser elencados em número de quatro, que são: a Organização das Nações Unidas (ONU); as instituições ligadas ao sistema monetário mundial, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional de Impacto da globalização: A globalização afeta todas as áreas da sociedade, principalmente a comunicação, o comércio internacional e a liberdade de movimentação, com diferentes intensidades, dependendo do nível de desenvolvimento e integração das nações ao redor do planeta. Saiba Mais 27EDUCAÇÃO, ESTADO E CIDADANIA Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD); as empresas, corporações e conglomerados multinacionais; e em quarto lugar estão os interesses das classes dominantes em escala nacional global. Primeiro vamos analisar uma espécie de “governo mundial”. Orgãos que poderiam ter o poder de decisão geral, de forma isenta sobre os problemas mundiais, não tomam asprovidências necessárias. É o caso da Organização das Nações Unidas (ONU), com as suas diversas ramificações de cunho político, econômico, social e cultural. Ela se apresenta como uma espécie de governo mundial, mas não dispõe das condições jurídico-políticas para agir como tal. Ela é presa aos países mais ricos que têm poder de decisão. Basta lembrar da guerra do Golfo e a invasão do Iraque, em que a sua decisão era de não invasão, mas os Estados Unidos tomaram a decisão final, e aí ocorreu a invasão e a guerra. Uma outra distinção destes centros de tomada de decisões encontramos, além da ONU, nas instituições ligadas ao sistema monetário mundial, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BIRD). Tais instituições financeiras têm sido capazes de induzir, bloquear ou reorientar políticas econômicas nacionais. Elas dispõem de todas as condições para atuar: são legítimas, têm recursos e capacidade de agir em todos os continentes. O sistema econômico mundial funciona de forma nebulosa ao olho do homem comum, mas de fácil interpretação ao ser bem analisado. Funciona na hipótese de uma moda internacional ajustada através do câmbio e não se resume somente ao monetário, mas a um conjunto de relações comerciais e fiscais que são reguladas por um conjunto de orgãos. (...) As relações monetárias internacionais são regidas não apenas por estas normas do fundo, mas também por acordos e consultas entre as nações através de instituições internacionais: o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), o Banco para Liquidações Internacionais (BIS) e outras organizações regionais, bem como a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) (IANNI, 2003, p. 132). Fundo Monetário Internacional (FMI) é uma organização internacional que pretende assegurar o bom funcionamento do sistema financeiro mundial pelo monitoramento das taxas de câmbio e da balança de pagamentos, através de assistência técnica e financeira. Sua sede é em Washington, DC, Estados Unidos da América. Saiba Mais 28 UNIDADE 01 Percebemos que o político e o econômico são indissociáveis para que o sistema funcione. Isso torna os países membros dependentes, ao mesmo tempo que são independentes. Os mercados nacionais de capitais estão, também, em processo de globalização. As ações e decisões estão cada vez mais agilizadas graças ao avanço da tecnologia. Os avanços tecnológicos ocorridos nos anos recentes nos sistemas de telecomunicações e de computação também têm desempenhado um papel fundamental no processo de globalização dos mercados; já melhoraram de forma incomensurável os mecanismos de transmissão dos pagamentos entre países e têm permitido adquirir, analisar e difundir informações com mais rapidez e menos custo (WEST apud IANNI, 2003, p. 133). O mercado mundial é manipulado por forças de instituições que organizam e controlam o sistema monetário internacional. Isso seguindo os princípios do neoliberalismo. Provocam o reforço da ordem econômica internacional vigente, garantindo supremacias, associações e subordinações dos países, uns com relação aos outros, e também das classes sociais, umas com relação às outras, em escala mundial (IANNI, 2003, p. 134-135). As consequências dos programas de ajustamento de economias aos interesses dos poderosos ditados pelo FMI recaem sobre milhões de pessoas dos países devedores, principalmente sobre os menos favorecidos economicamente: [...] A aplicação do programa de ajustamento estrutural, em um grande número de países devedores, favorece a globalização de uma política macroeconômica colocada sob o controle do FMI e do Banco Mundial, que atuam em nome de interesses poderosos, os dos Clubes de Paris e Londres e dos Sete Grandes. Esta nova forma de dominação, que se pode denominar de “colonialismo de mercado'”, subordina povos e governos ao jogo anônimo e às manipulações deliberadas das forças deste mercado, uma situação sem precedente histórico nesta escala (IANNI, 2003, p. 134). A Organização das Nações Unidas (ONU) foi fundada oficialmente a 24 de outubro de 1945, em São Francisco, Califórnia, por 51 países, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial. A primeira Assembleia Geral ocorreu a 10 de janeiro de 1946 (Westminster Central Hall, localizada em Londres). A sua sede atual é na cidade de Nova Iorque. Saiba Mais Neoliberalismo é uma doutrina econômica que defende a absoluta liberdade de mercado e uma restrição à intervenção estatal sobre a economia, só devendo esta ocorrer em setores imprescindíveis e ainda assim num grau mínimo (minarquia). É nesse segundo sentido que o termo é mais usado hoje em dia. Saiba Mais 29EDUCAÇÃO, ESTADO E CIDADANIA Apenas os países ricos têm acesso ao consumismo, devido às políticas ditadas pelo FMI e o Banco Mundial. Mas essa realidade é dissimulada pela política econômica global, que submete as economias nacionais. Um outro centro de comando - não mais e nem menos importante que os outros são as empresas, corporações e conglomerados ditos multinacionais, transnacionais, mundiais, globais ou planetários. Elas formam uma espécie de shopping center global e estão distribuídas no mundo todo. “Tanto assim que certas partes do mundo dão a impressão de uma vasta disneylândia, já que a mercadoria aparece como divertimento, algo lúdico, simulacro fascinante do real impossível” (IANNI, 2003, p.136). A globalização encontra-se em todo lugar Com o mundo globalizado, o que temos é um verdadeiro depósito de mercadorias, organizado por alguns e disperso por todo o mundo. Os homens que dirigem as empresas globais são os primeiros homens na história que possuem a organização, a tecnologia, os recursos e a ideologia para fazer uma tentativa plausível de administrar o mundo como uma unidade integrada (...). A empresa global é a primeira instituição na história humana dedicada ao planejamento centralizado em escala mundial. Uma vez que sua finalidade básica consiste em organizar e integrar a atividade econômica em todo o mundo, de modo a maximizar o lucro global, esta empresa constitui O Banco Mundial é uma agência do sistema das Nações Unidas, fundado a 1 de julho de 1944, por uma conferência de representantes de 44 governos, em Bretton Woods, New Hampshire, EUA, e que tinha como missão inicial financiar a reconstrução dos países devastados durante a Segunda Guerra Mundial. Atualmente, sua missão principal é a luta contra a pobreza através de financiamento e empréstimos aos países em desenvolvimento. Seu funcionamento é garantido por quotizações definidas e reguladas pelos países membros. É composto por 184 países membros. Sede: Washington, DC, EUA. 30 UNIDADE 01 uma estrutura orgânica da qual se espera que cada parte sirva ao todo (IANNI, 2003, p.136). Neste sentido, o homem já não é mais o homem na sua essência, ele se automatiza à medida que é controlado pela máquina, pelo relógio, pelo gerente, etc. A sua vontade não mais lhe pertence, mas pertence ao empresário, ao patrão, e ele trabalha para satisfazer suas necessidades físicas para estar pronto para o trabalho no dia seguinte. O predomínio dos interesses das classes dominantes, tanto em nivel nacional como global, tem sido cada vez mais garantido pela eficácia e expansão da indústria cultural. Nela, a indústria do entretenimento é orquestrada de modo a divertir, distrair e interpretar, com base em informações escassas, fragmentárias, seletivas. Em escala crescente, as audiências mundiais são alcançadas pelas mensagens que criam a ilusão de uma aldeia global, de um vasto simulacro da realidade, da vida social. Tudo que é real se desmancha no simulacro de um video-clip monumental, construído à volta do mundo. Assim se produz e reproduz a multidão de solitários povoando o silêncio de milhões (IANNI, 2003, p.117).Não podemos fugir do mundo da cultura. Estamos contaminados em todas as partes, a ponto de, inconscientemente, embebedarmo-nos acreditando estar no real. Tanto no trabalho como no descanso não fugimos da força da produção cultural. No descanso principalmente, no sentido de não nos voltarmos para a realidade social. A indústria cultural pode ser vista como uma técnica social, por meio da qual trabalham-se mentes e corações. É claro que a sua eficácia é desigual; inclusive é contrabalançada pela criatividade cultural de indivíduos, grupos e classes em diferentes condições de vida e trabalho. Mas é uma expressão inegável da cultura mundial e está presente no modo pelo qual os indivíduos e a coletividade informam-se, divertem- se, ocupam seu tempo livre, pensam os .problemas reais e imaginários. Grande parte dos trabalhadores assalariados de todo o mundo, do campo e da cidade, de todas as etnias, culturas, línguas e religiões, é alcançada pelas mensagens da indústria cultural (IANNI, 2003, p. 138). 31EDUCAÇÃO, ESTADO E CIDADANIA A indústria cultural faz com que o que antes era necessidade hoje seja desejo. Desejo este que cria a sociedade do ter, do possuir, pois o mundo trata as pessoas pela suas posses, pela sua griffe, pela sua etiqueta. A indústria cultural é alimentada pela tecnologia eletrônica, que hoje exerce o papel de intelectual das massas. É lógico que esse intelectual das massas é alimentado por intelectuais da elite. São eles que criam, organizam e elaboram os programas, as artes, as músicas, etc., com imagens, cores, formas, sons, movimentos, falas, ritmos, espaços voltados para embebedar as massas. Resumindo, estes são alguns dos principais centros de comando da socidade global. Eles podem ser paralelos, independentes, convergentes, mas têm o poder de decidir sobre a vida das pessoas. Todas as principais formas de poder global prevalecentes no mundo contemporâneo estão articuladas segundo os princípios da economia de mercado, da apropriação privada, da reprodução ampliada do capital, da acumulação capitalista em escala global. Mas a economia é sempre também política, os fatores da produção, ou as forças produtivas são sempre também sociais. As relações, os processos e as estruturas de apropriação econômica são sempre também de dominação política, envolvendo antagonismos e integração sociais (IANNI, 2003, p. 139). É nessa nova realidade mundial que se forma um modelo de sociedade livre e controlada ao mesmo tempo. Livre pelo modelo liberal de sociedade e controlada pela indústria que mostra esse tipo de liberdade como única, verdadeira e real. Um intelectual é uma pessoa que usa o seu "intelecto" para estudar, refletir ou especular acerca de ideias, de modo que o uso do seu intelecto possua uma relevância social e coletiva. A definição do intelectual é realizada, principalmente, por outros intelectuais e acadêmicos. Estes definem o termo segundo seus próprios posicionamentos intelectuais, fato este que complexifica a definição. Autores como Bobbio, Lévy e Demo, citados na Bibliografia, concordam com um aspecto em comum: o intelectual é definido pelo meio social no qual vive e/ou no qual estabelece sua trajetória social. 32 UNIDADE 01 O neoliberalismo é bem uma expressão de economia política da sociedade global. Forjou-se na luta contra o estatismo, o planejamento, o protecionismo, o socialismo, em defesa da economia de mercado, da liberdade econômica concebida como fundamento da liberdade política, condição de prosperidade coletiva e individual. A Guerra Fria, na qual ocorreu a industrialização do anticomunismo, foi o seu ninho. E a crise dos países do Leste Europeu, inclusive da União Soviética, ou seja, dos regimes de economia planificada, é interpretada como a vitória dos seus ideais, a gloriosa realização das suas verdades (IANNI, 2003, p. 139-140). A diferença do neoliberalismo para o liberalismo clássico é que o liberalismo clássico era voltado para a sociedade nacional, e o neoliberalismo enraíza-se diretamente no mercado mundial, no fluxo de capital, tecnologia, força de trabalho, mercadoria, lucro, mais-valia. Não existe fronteira para esse modelo de mercado. Mas, nada vai contra os princípios do liberalismo clássico de liberdade, igualdade, propriedade e contrato, só que agora tudo está sob o controle das multinacionais, corporações, conglomerados, organizações que estão em poucos lugares e em todos os lugares. O neoliberalismo, através do FMI e do Banco Mundial, tem imposto a governantes de muitos países do Terceiro Mundo a política econômica das gandes corporações, empresas, conglomerados, etc. Essa política econômica baseia-se nos princípios do mercado livre, no jogo das forças de mercado da livre empresa, livre iniciativa, competitividade, produtividade, lucratividade, economias de escala, vantagens comparativas, divisão internacional do trabalho, mão invisível. É baseado no princípio de liberdade, da democracia, do livre comércio que o neoliberalismo se mantém e fundamenta a liberdade política baseada na soberania popular. Seu lema principal está resumido na ideia de que a liberdade econômica é o fundamento da liberdade política. “Entretanto, a função reguladora é sistematicamente exercida pelas instituições mundiais, tais como o FMI, o BIRD, o GATT e, também, por bancos privados de maior envergadura’’ (IANNI, 2003, p. 141) . Não podemos esquecer nem negar a social-democracia que floresce com a sociedade global em vários países continentes. Ela se beneficia bastante do clima criado com a Guerra Fria, a indústria do anticomunismo, o temor da luta de 33EDUCAÇÃO, ESTADO E CIDADANIA classes, o medo da revolução social. A expansão do bloco socialista, soviético ou não-capitalista, impressionou alguns setores sociais nos países dominantes, associados e dependentes (IANNI, 2003, p. 141-142). Na social-democracia, o Estado de bem-estar social mostrou que existe uma forma de distribuição do produto do trabalho coletivo, de forma a atender parcela menos favorecida da população. O trabalhador tem acesso à saúde, à educação, à moradia, a benefícios sociais, baseado no princípio de que o Estado é quem cobra os tributos, mas esses tributos devem ser revertidos como forma de benefício social para a sociedade. Porém, nem o neoliberalismo nem a social-democracia consegue organizar a economia mundial, devido às reivindicações dos diferentes setores da sociedade. A economia mundial é dinâmica, ela se renova a todo o tempo e lugar, até mesmo naqueles países de conomia intocável, pois onde tem ser humano existe questão social. “A dinâmica da produção ampliada do capital frequentemente se impõe sobre a vida social, política e cultural’’ (IANNI, 2003, p. 143). Todas essas condições são favoráveis para o surgimento dos mais variados modelos políticos e de desenvolvimento da sociedade. A social-democracia é uma ideologia que surgiu no fim do século XIX e início do século XX por partidários do marxismo que acreditavam que a transição para uma sociedade socialista poderia ocorrer sem uma revolução, mas por meio de uma evolução democrática. A ideologia social-democrata prega uma gradual reforma legislativa do sistema capitalista a fim de torná-lo mais igualitário, geralmente tendo em meta uma sociedade socialista. Estado de bem-estar social ou Estado-providência (em inglês: Welfare state) é um tipo de organização política e econômica que coloca o Estado (nação) como agente da promoção (protetor e defensor) social e organizador da economia. Nesta orientação, o Estado é o agente regulamentador de toda a vida e saúde social, política e econômica do país em parceria com sindicatos e empresas privadas, em níveis diferentes, de acordo com a nação em questão. 34 UNIDADE 01 Nesse contexto surgem as perspectivas socialistas, como organização de uma sociedade onde predomina uma politica econômica controladaúnica e exclusivamente pelo Estado, e em que a democracia realiza-se simultaneamente como democracia política, social, econômica e cultural. Na globalização as contradições sociais também globalizam-se. O que era desigual no âmbito regional agora é desigual em âmbito mundial. Mas a parte pior recai sobre os países pobres do terceiro mundo. A forma como cresce a produção ampliada do capital, cresce o processo de proletarização, de pauperização. Alcança níveis mais amplos e acentuados a alienação material e espiritual de africanos, asiáticos, caribenhos, latino-americanos. Simultaneamente, as mesmas populações apropriam-se de padrões, valores, ideais, signos, símbolos, formas de pensar e imaginar, com os quais se armam para se defender, resistir, lutar e emancipar-se (IANNI, 2003, p. 144). No capitalismo global subsistem e desenvolvem-se as contradições entre as próprias classes dominantes em todos os níveis – nacional e mundial. Neste ponto, reabre-se o problema da construção da hegemonia. Seria impossível conceber formas de poder global, ou a hipótese de um Estado supranacional, sem levar em conta as condições e possibilidades de construção da hegemonia. Desde logo coloca-se o problema da dificuldade, ou melhor, impossibilidade, de construção de uma hegemonia propriamente global. A primeira dificuldade é que nem o neoliberalismo, nem a social- democracia, nem o socialismo, ou qualquer outra forma de poder, democrático ou autoritário, pode colocar-se como autônomo. Existem os avanços e recuos. O que ocorre nos níveis político, social e cultural não só ocorre em ritmos distintos, mas também de modo desigual, contraditório, desencontrado. A globalização em curso produz e reproduz desigualdades e antagonismos, e isso polariza grupos, classes, etnias, minorias e outros setores das sociedades nacionais e da sociedade global. Outra dificuldade diz respeito às estruturas de poder já constituídas, que tomaram a dianteira na administração do mundo, estarem baseadas em países fortes, predominantes, imperialistas. São países que controlam a economia mundial, manipulando recursos e decisões, canalizando vantagens e favorecimentos. 35EDUCAÇÃO, ESTADO E CIDADANIA Há também na construção da hegemonia, em escala mundial, redução progressiva das diferenças que fundam a alienação de amplos setores da população mundial. As mais diversas formas de organização da vida e trabalho, em todos os países, sempre estiveram atadas a alguma forma de expropriação de excedentes, distribuição desigual do produto do trabalho coletivo, alienação do trabalho e do trabalhador. Também na formação desse controle mundial está o reconhecimento, preservação e florescimento das diversidades, em que todas as categorias sociais, étnica, religiosa e outras sejam garantidas pelas condições institucionais, jurídico-políticas e materiais para preservarem, modificarem ou desenvolverem os seus modos de ser, sentir, pensar, agir, sonhar, imaginar. Por fim, a construção da hegemonia implica também a construção da cidadania, em escala mundial. Isso só pode acontecer se no âmbito de uma sociedade global aberta existir uma espécie de sociedade civil global, isenta das estruturas de dominação que garantem a alienação de muitos por alguns. Somente nesta sociedade pode nascer o cidadão do mundo. Neste caso, a cidadania traz consigo a soberania, traduzindo a essência da hegemonia. Acesse os sites: http://pt.wikipedia.org/wiki/Globaliza http://pt.wikipedia.org/wiki/Cidadania Baseado nos textos lidos na Unidade I produza um texto relacionando Educacão, Estado e Sociedade. Alienação aqui se refere à diminuição da capacidade dos indivíduos em pensar e em agir por si próprio. Saiba Mais 36 UNIDADE 01 Nesta unidade abordamos os elementos da Teoria Geral do Estado, conceitos de Estado e de sociedade, como se processa a relação sociedade e Estado por meio dos processos democráticos, conceitos e formas de democracia, ainda os institutos da democracia semidireta e a maneira como o poder está distribuído no mundo. UNIDADE 02 Educação e Cidadania 39EDUCAÇÃO, ESTADO E CIDADANIA EDUCAÇÃO E CIDADANIA NOÇÕES BÁSICAS SOBRE CONCEITOS DE CIDADANIA E DIREITOS O termo “cidadania” é muito usado entre os grupos que lidam diretamente e indiretamente com questões sociais. Ele aparece na fala de políticos e intelectuais, militantes políticos, nos meios de comunicação, etc. Nas décadas de 60 e 70, no Brasil, o tema cidadania tinha uma conotação pejorativa. Hoje, a cidadania é assunto de debate de diversas obras sociais que reivindicam saúde, educação, fim da discriminação sexual e racial, etc., além do mais, é um assunto discutido tanto nos países capitalistas como nos países socialistas. Mas a pergunta é: o que é cidadania? Existe cidadania ou cidadanias? Veja o que diz Maria de Lourdes Covre: Para muita gente ser cidadão confunde-se com o direito de votar. Mas quem já teve alguma experiência política - no bairro, escola, igreja, sindicato, etc. -sabe que o ato de votar não garante nenhuma cidadania se não vier acompanhado de determinadas condições de nível econômico, político, social e cultural (COVRE, 1998, p. 8-9). Ser cidadão não é apenas votar; ser cidadão é ter direitos e deveres como manda a Carta dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) de 1948. Sobre a proposta mais profunda de cidadania, Covre comenta: [...] todos os homens são iguais ainda que perante Cidadania (do latim civitas,"cidade") é o conjunto de direitos e deveres aos quais um indivíduo está sujeito em relação à sociedade em que vive. Saiba Mais A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um dos documentos básicos das Nações Unidas e foi assinada em 1948. Nela são enumerados os direitos que todos os seres humanos possuem. Saiba Mais 40 UNIDADE 02 a lei, sem discriminação de raça, credo ou cor. E ainda: a todos cabe o domínio sobre seu corpo e sua vida, o acesso a um salário condizente para promover a própria vida, o direito à educação, à saúde, à habitação, ao lazer. E mais: é direito de todos poder expressar-se livremente, militar em partidos políticos e sindicatos, fomentar movimentos sociais, lutar por seus valores. Enfim, o direito de ter uma vida digna de ser homem (COVRE, 1998, p. 9). Com relação a seus deveres: [...] Ele deve ser o próprio fomentador da existência dos direitos de todos, a ter responsabilidade em conjunto pela coletividade, cumprir normas e propostas elaboradas e decididas coletivamente, fazer parte do governo, direta ou indiretamente, ao votar, ao pressionar através dos movimentos sociais, ao participar das assembléias – no bairro, sindicato, partido ou escola. E mais, pressionar o governo municipal, estadual, federal e mundial (em nível de grandes organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional – FMI) (COVRE, 1998, p. 9). Esses direitos e deveres são difíceis de ser efetivados, porque quem detém o poder faz com que as coisas funcionem de forma a atender a seus interesses e não ao interesse de todos. Quem ainda faz valer os direitos, se souberem usá-la, é a Constituição de cada país. Ela é uma arma nas mãos de todos os cidadãos que serve para encaminhar e conquistar as propostas de igualdade. É através da reivindicação que o indivíduo pode chegar a exercer sua cidadania. Para isso, ele deve saber que tem o direito de reivindicar os direitos. As pessoas devem saber que não são somente receptoras de direitos, são acima de tudo sujeitos dos direitos que lhes cabem. Não devem esperar que as soluções dos problemas venham espontaneamente, mas devem fazer com que as instituições funcionem. A cidadania pode ser dividida em direitos civis, políticos e sociais: Os direitos civis Os direitos civis dizem respeito basicamente ao direito de se dispor do próprio corpo, do direito de ir e vir, de segurança, etc. O direito ao que é natural, que é o direitoao nosso próprio corpo, é muito pouco respeitado Constituição é o conjunto de leis, normas e regras de um país ou de uma instituição. A Constituição regula e organiza o funcionamento do Estado. É a lei máxima que limita poderes e define os direitos e deveres dos cidadãos. Nenhuma outra lei no país pode entrar em conflito com a Constituição. Saiba Mais 41EDUCAÇÃO, ESTADO E CIDADANIA para a maioria da população do mundo. No caso brasileiro, o período da ditadura militar foi um atentado contra a cidadania, com a cassação da liberdade de expressão, de ir e vir, com a tortura e o assassinato de quem ia contra a ordem vigente. Atualmente, temos o esquadrão da morte, somos obrigados a nos recolher cedo, a cercar nossas casas com muros altos, cercas elétricas, ou seja, somos tolhidos no nosso direito de ir e vir. Temos o trabalho escravo em fazendas, principalmente nas regiões Norte e Nordeste. O que torna a análise mais grave é que essas pessoas que são tolhidas em seus direitos civis são pessoas das camadas menos privilegiadas economicamente, advindas da classe trabalhadora, levadas à marginalidade devido ao modelo de produção da vida material, o chamado capitalismo selvagem. A luta pelos direitos civis tem sido bastante intensa. Mas, para que eles sejam respeitados, dependemos da existência dos direitos políticos, que por si dependem de regimes democráticos. Os direitos sociais Os direitos sociais dizem respeito ao atendimento de necessidades básicas como alimentação, habitação, saúde, educação, etc. Isso quer dizer que as pessoas devem ter trabalho e ser bem remuneradas para poder ter acesso a todos esses bens com dignidade. Os direitos políticos Os direitos políticos dizem respeito a ter livre expressão de pensamento político, direito de votar e ser votado, direito à prática religiosa, ao relacionamento com outros homens em sindicatos, partidos, movimentos sociais, escolas, conselhos, associações de bairro, etc. Esses direitos, vinculados uns aos outros, dão sustentação a uma vida digna fazendo com que direitos e deveres sejam respeitados e que tenhamos uma sociedade mais harmônica e saudável. Janett Ramirez é mestre em educação pela PUC-Rio. Membro da equipe de Formação de Promotores Populares da Novamérica e do Comitê Local da Revista Nuevamérica / Novamérica. Saiba Mais 42 UNIDADE 02 MOVIMENTOS SOCIAIS: LÓCUS DE UMA EDUCAÇÃO PARA A CIDADANIA - JANETT RAMIREZ A sociedade brasileira é uma sociedade que vem se modificando muito rapidamente, tornando-se cada vez mais complexa, contraditória e atravessada por ambiguidades de todo tipo. A lei e a incivilidade cotidiana, preconceitos e discriminações, direitos e privilégios, a defesa dos legítimos direitos e o corporativismo, a experiência democrática e práticas autoritárias, a reivindicação de direitos e a prática clientelista fazem do Brasil uma sociedade heterogênea e desigual. No entanto, nesse contexto complexo e nessa dinâmica conflitiva é que se situa a questão da cidadania como problema teórico, histórico, político e como esperança. Ela é construída num espaço sujeito aos imprevistos dos acontecimentos, entre a trama da história, da cultura e da política, assim como num terreno no qual estão presentes uma tradição autoritária e excludente e muitas tentativas, em geral, frustradas de superá-la. É importante assinalar que essa sociedade apresenta também sinais de ‘’uma sociedade civil emergente, com práticas, experiências e acontecimentos que reatualizam a invenção democrática, onde se afirmam e renovam práticas de representação, interlocução e negociação de interesses’’ (TELLES, 1994, p. 93-102). Para compreendermos o processo de construção da cidadania numa sociedade como a brasileira, nos aproximaremos dela a partir das lutas dos movimentos sociais. Partiremos da problematização do próprio conceito de movimento social. Este será analisado no âmbito dos novos movimentos sociais e do movimento popular. O segundo eixo refere- se mais ao processo histórico da construção da cidadania no contexto da sociedade brasileira. Esta aproximação será feita a partir das lutas dos movimentos sociais, com especial ênfase no período de 1970 a 1990. Por último, abordaremos a questão de educar para a cidadania no contexto dos movimentos sociais. Movimentos sociais: uma categoria controvertida Movimento social é uma categoria difícil de se definir conceitualmente e muito controvertida. Tem tido ao longo do tempo diferentes significados. ‘’O termo "movimentos sociais" surgiu por volta Movimento social é uma expressão técnica usada para denominar organizações estruturadas com a finalidade de criar formas de associação entre pessoas e entidades que tenham interesses em comum, para a defesa ou promoção de certos objetivos perante a sociedade. Saiba Mais 43EDUCAÇÃO, ESTADO E CIDADANIA de 1840, com Lorenz Von Stein, na sociologia acadêmica. Com essa categoria pretendia-se estudar os movimentos europeus desse momento: o movimento proletário francês e o comunismo e socialismo emergentes (SCHERER-WARREN, 1989, p. 12). Essa categoria foi desenvolvida, posteriormente, no âmbito do marxismo para representar a organização da classe trabalhadora em sindicatos e partidos que buscavam a transformação das relações capitalistas de produção. Por isso, conforme Doimo, até início dos anos de 1960, falar em ‘movimentos sociais’ significava referir-se à luta do proletariado e acreditar na sua organização racional, isto é, diagnósticos claramente baseados em premissas científicas, metas previamente definidas e regras e normas eficazes para alcançar os objetivos (DOIMO, 1995, p. 39). A partir dos anos de 1970, o termo movimentos sociais começa a designar múltiplas formas espontâneas de participação, organizadas em torno da esfera da cultura e em contestação à lógica capitalista e da racionalidade dominante. São os denominados, atualmente, de novos movimentos sociais (Idem, 1995, p. 37). A mudança de movimentos sociais para novos movimentos sociais é explicada por diferentes autores. Para Cruz (1987), o modelo social Marxismo é o conjunto de ideias filosóficas, econômicas, políticas e sociais elaboradas primariamente por Karl Marx e Friedrich Engels e desenvolvidas mais tarde por outros seguidores. Interpreta a vida social conforme a dinâmica da luta de classes e prevê a transformação das sociedades de acordo com as leis do desenvolvimento histórico de seu sistema produtivo. Saiba Mais Feminismo é um movimento sociopolítico que luta pela igualdade das mulheres em relação aos homens. Já foi definido como uma ideologia que objetiva a igualdade - ou o que seria mais preciso - a igualdade entre os sexos. Contudo, há autoras feministas que procuram demonstrar como a própria concepção de sexo biológico advém de uma compreensão simbólica do mundo que é orientada pela concepção de gênero. Outros estudiosos definem o feminismo como um conjunto de ideias políticas, filosóficas e sociais que procuram promover os direitos e interesses das mulheres na sociedade civil. No entanto, os feminismos, em suas múltiplas formas (como veremos a seguir), estão relacionados a desejos, políticas e interesses de outros grupos civis, não somente de mulheres. 44 UNIDADE 02 imperante entre 1945 até finais dos anos de 1960 teve três pontos de rupturas e como resposta a cada uma delas surgiram propostas de auto- organização. A primeira ruptura, de natureza social (crise de família, de relações pais e filhos, perda de fé nas crenças tradicionais), teve como resposta os movimentos feministas e de jovens. O segundo momento de esgotamento da sociedade provocou a ruptura do modelo vigente de Estado (ineficiência administrativa, incapacidade de prestar serviços, deterioração da legitimidade) e estimulou o aparecimento de movimentos de vizinhança e das associações de moradores.Por último, a ruptura do modelo de desenvolvimento (crise econômica, recessão e desemprego, contaminação ambiental, esgotamento de recursos naturais, carreira armamentista etc.) fez surgir os movimentos ecológicos, cooperativistas, pacifistas, etc. Assim, com a revolução pós-industrial, o movimento operário deixa de ser o personagem central da história social e econômica, cede espaço ao campo cultural, que se torna o lugar onde se dão as principais contestações e lutas. Estes novos movimentos são o resultado do questionamento dos valores culturais e morais, das antinomias dos movimentos políticos tradicionais, da explosão dos movimentos que sacudiram a Europa no final do ano de 1960, da desmistificação dos regimes socialistas do leste, da erosão dos esquemas teóricos clássicos marxistas. Eles apresentavam os direitos humanos como bandeira de luta, as ações diretas como meios de atuação e contestavam a política institucional vigente. Importante assinalar que, para Cruz (1987), essa foi uma época otimista que propugnava a possibilidade - através desses movimentos sociais - da transformação social, da construção de uma sociedade radicalmente democrática, da criação de um outro poder com força sociopolítica alternativa à lógica do Estado capitalista. A emergência dos novos movimentos sociais como fato político-social e cultural foi expressão da crise social e de um despertar da cidadania: “[...] se as instituições estão numa encruzilhada, isso se deve à emergência de novas demandas sociais, representadas, antes de mais nada, por esse despertar da cidadania que são os novos movimentos sociais” (p. 98). Para o autor, todos os "novos movimentos sociais" coincidem com necessidades não só básicas como radicais, sendo essas demandas um desafio e uma esperança para a democracia. ‘’Estas necessidades são a busca de autonomia das 45EDUCAÇÃO, ESTADO E CIDADANIA atividades econômicas, a desconcentração do poder, a liberdade como construção cultural de uma nova ordem moral, o respeito ao meio ambiente e a necessidade de democratizar a democracia’’ (CRUZ, 1987, p. 99). Na visão de Touraine (1995), nas últimas décadas deu-se a crise da filosofia do progresso devido às catástrofes, crises econômicas, aumento da miséria, campos de concentração, totalitarismos, etc. Ante estas situações apresentaram-se duas possíveis saídas. A primeira refere-se à eficácia econômica que supõe uma visão de mundo economicista e unitária, marcada pelo neoliberalismo e pelo processo de globalização. A segunda, situada no âmbito de uma política cultural ou ética, refere- se à defesa das identidades. Essa luta pela afirmação das identidades culturais pode, no entanto, conduzir à fragmentação cultural e política ou ao diálogo entre culturas e o reconhecimento da diversidade cultural. Para Touraine, a saída dessa situação passaria pelo esforço para lutar contra esse esfacelamento e para dizer que podemos combinar eficácia e identidade, na condição de se centrar sobre a capacidade que têm os indivíduos, os grupos, as categorias e as coletividades de construírem sua própria experiência. Seja o tema dos direitos do homem ou os temas humanitários (...) mas que são da mesma natureza, o que a gente poderia chamar de capacidade de elaborar um projeto de vida, de ter a liberdade, de ter responsabilidade. É a nova maneira de conceber os movimentos sociais hoje. [...] movimento social é sempre uma reivindicação de liberdade, quer dizer, de capacidade de construir seu próprio projeto de vida, contra o autoritarismo político, contra a miséria econômica, contra a discriminação racial, etc. Os movimentos sociais são hoje a expressão organizada de defesa do sujeito (p. 33-34). Doimo (1995) afirma que é preciso tomar certo cuidado com a utilização do conceito novos movimentos sociais, apesar dele fazer parte do vocabulário dos analistas sociais, porque ele não é aceito unanimemente por todos os estudiosos do tema. Existem diversas posições. Uns contestam, afirmando que o novo não resulta tão novo assim, apresentando demandas que existiram também no passado. Doimo afirma que Touraine não abre mão das organizações racionais e da busca de uma certa unidade que, superior a todos os 46 UNIDADE 02 particularismos, corporativismos ou insensatos, caracteriza o genuíno movimento social: “aquele que capta as tendências centrais da cultura, coloca-se na luta de face com a classe dirigente” (DOIMO, 1995, p. 42). Eles reconhecem como novos só aqueles que respondem às demandas atuais, como os ecológicos e pacifistas. Outros, apesar de coincidir em caracterizar os novos movimentos sociais como diversos, fragmentários e localizados, propõem tentativas práticas de se voltar ao caráter de unidade, buscando manter o velho desejo de um grande sujeito de transformação social como no passado. A autora afirma também que ao nos referirmos aos novos movimentos sociais estamos utilizando uma categoria cunhada por intelectuais europeus para dar conta do perfil de condutas coletivas e das diversas demandas que, após os anos de 1970, passaram a girar em torno da crise do padrão assistencial-previdenciário do welfare state e das transformações da própria sociedade industrial. Landinelli (apud CAMACHO, 1987, p. 216) considera os novos movimentos sociais como uma dinâmica gerada pela sociedade civil que se orienta para a defesa de interesses específicos. Sua ação se dirige para o questionamento - seja de modo fragmentário ou absoluto - das estruturas de dominação prevalecentes e sua vontade implícita de transformar parcial ou radicalmente as condições sociais. Segundo ele, os movimentos sociais não têm que ser necessariamente organizados. Eles podem ser locais, regionais, classistas, pluriclassistas, etc. Após termos nos aproximado do pensamento de alguns autores sobre o conceito de movimentos sociais e novos movimentos sociais, procuraremos ressaltar algumas de suas características. Para Gunder e Fuentes (1989), os novos movimentos sociais caracterizam-se pela sua grande heterogeneidade. Demostram muita variedade e mutabilidade, mas têm em comum a mobilização individual baseada num sentimento de ética e (in)justiça e num poder social baseado na mobilização social contra as privações e exclusões e pela sobrevivência e identidade. Outra característica que pode ser assinalada é a afirmacão de sua autonomia em relação ao poder estatal. Eles se mobilizam e se organizam independentemente do Estado, de suas instituições e dos partidos políticos. Há várias tentativas de classificação desses movimentos. Para alguns, podem ser agrupados em três tipos: os movimentos contra projetos tecnológicos, militares, burocráticos; os movimentos de emancipação - eco-pacifismo, feminismo, direitos humanos; e, em terceiro lugar, 47EDUCAÇÃO, ESTADO E CIDADANIA os movimentos de busca, em que se agrupam múltiplos movimentos culturais em busca de estilos de vida diferentes. Para outros, esses movimentos se agrupam ern dois tipos: os emancipativos ou ofensivos, que oferecem uma perspectiva de mudança social e de liberação de um coletivo importante, e os de resistência, que oferecem traços de oposição e rejeição à sociedade moderna (MARCONDES,1996, p. 28-29). A composição dos movimentos sociais agrupa especialmente membros das novas classes médias que desejam uma participação política e social menos dirigida pelas elites, grupos excluídos que sofrem as consequências do sistema neoliberal e membros das velhas classes médias que se vinculam aos movimentos diante de problemas locais e pontuais que podem afetá-los. Para Gunder e Fuentes (1989), no ocidente predominam os movimentos de classe média; no sul, de classe popular e uma mistura de ambos no Leste Europeu. Alguns autores, como Wolkmer (1993), afirmam que o papel que os novos movimentos sociais estão desenvolvendo
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