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ESPAÇOS NOTURNOS DE SOCIABILIDADE NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO (1900-1930) Patrícia Alves Silva1 RESUMO O artigo tem como objetivo identificar espaços noturnos de sociabilidade na cidade do Rio de Janeiro (1900-1930), percebendo como o surgimento destes locais também está relacionado ao processo de modernização do espaço citadino, e as condições sociais da população carioca, esses meios de entretenimentos vão surgindo, alguns desaparecendo e outros se desenvolvendo até alcançar o auge e promover novas funções onde os “desocupados” começam a atuar. Juntamente com esses lugares a música e seus diversos estilos vão dando cores e performances, contribuindo para essas mudanças. Essas percepções foram possíveis através das leituras realizadas nos autores: Sidney Chalhoub (2001) com o seu trabalho sobre Botequim em que ponta o ambiente social popular, Luiz Noronha (2003) que apresenta com propriedade o desenrolar cultural de diversos espaços noturnos desde a fama ao declínio. Palavras-chave: Sociabilidade, Modernização, Músicas. Introdução Os espaços noturnos de sociabilidade da cidade do Rio de Janeiro se constituíram reflexos da situação vigente do período de transição do século XIX para o XX, em que as inspirações européias adentravam no Brasil gerando ações como o processo de modernização da cidade, mudanças nas estruturas físicas, mas também das relações dos indivíduos, desde os ambientes construídos pelos negros aos cuidados das tias e os cabarés. O Rio 1900-1930, vai se mostrando um lugar heterogêneo e de complexa habitação, pois ao depender da sua condição social as pessoas eram simplesmente despejadas de suas casas e obrigadas a procurar outro lugar, o que não era diferente no que se dizia respeito a sua condição de trabalho, em que por vezes eram sujeitos a situações precárias, pouco ganhavam, mal conseguiam sustento. Uma vez identificado estes espaços o artigo procurou analisar a relação desses com o contexto do lugar, através das leituras realizadas a partir de autores como Sidney Chalhoub em seu livro Trabalho, Lar e Botequim que vem mostrando minuciosamente a relação do botequim com os trabalhadores que ali frequentavam e como tanto o ambiente, quanto o sujeito era visto pelas pessoas de alta renda. O autor Luiz Noronha em Malandros: 1 Aluna da Universidade do Estado da Bahia – UNEB – Campus X, graduanda do V Semestre do curso de História. Artigo apresentado para o componente curricular de História do Brasil séc. XX, ministrada pela professora Liliane Gomes. Noticias de um submundo distante, trás detalhadamente os inúmeros ambientes de socialização. O despertar para a pesquisa neste tema perpassa pela compreensão de quanto estes ambientes são ricos em detalhes para a compreensão tanto das ações, como das condições de vida dos sujeitos históricos. Rio de Janeiro no final do séc. XIX ao século XX Na efervescência das transformações ocorridas no Brasil no decorrer do final do séc. XIX e no início do séc. XX temos a capital Rio de Janeiro como um espaço privilegiado para as mudanças com inspiração nos moldes europeus. Segundo Noronha (2003) “Na virada daquele século, o Rio era o mais importante centro financeiro, industrial e comercial do país, maior pólo cultural e símbolo da transição pela qual o Brasil estava passando” (p. 35). Os impactos políticos, econômicos e sociais que essa cidade sofreu refletiram em espaços que tem sido desvelado por pesquisas recentes, como os de sociabilidades, estes vão surgindo, alguns desaparecendo e outros se desenvolvendo, muitas vezes perseguidos, ou privilegiados. Esses locais são reflexos da situação vigente, ou seja, estamos falando de um período onde a cidade ganha um grande desenvolvimento urbano, imigrantes, migrantes (pessoas que se deslocaram para a capital em busca de emprego), negros libertos. Para este contexto Noronha diz que: [...] Estes eram filhos da transição da economia escravista para o capitalismo, de operários a trabalhadores menos qualificados, de ambulantes a empregados domésticos, de artistas populares a uma massa crescente de desocupados, gente que simplesmente sobrava no processo. (NORONHA, 2003, p. 33). No que diz respeito a economia, a capital sofria o desenvolvimento capitalista que ainda era incipiente, através também do surgimento lento de algumas industrias. Até a estrutura da cidade causou incômodos ao governo de Rodrigues Alves2 que com o apoio do médico Oswaldo Cruz e o prefeito Pereira Passos3 deram início as obras de saneamento e reforma urbana na cidade, com o objetivo de tornar as ruas mais largas, construção de prédios e a higienização da mesma, milhares de pessoas sem condições financeiras foram expulsas de suas localidades (muitos desses lugares eram os cortiços e acabaram destruídos) para dar margem ao “progresso”. O controle entrou nos espaços de lazer, os quiosques, por exemplo, 2 Rodrigues Alves foi Governador do Rio de Janeiro entre os anos de 1902 a 1906. 3 O Engenheiro Pereira Passos foi nomeado prefeito da capital do Rio de Janeiro pelo Governador Rodrigues Alves, entre os anos de 1902 a 1906. eram considerados ambientes que proliferavam sujeiras e por isso eram perseguidos, as divisões sociais são também visíveis, era o botequim como o descanso dos trabalhadores, alguns cabarés e cafés para os ricos. Trata-se de um período de aceleração urbana e desenvolvimento do espaço noturno, a noção de sociabilidade atrelada a ações humanas, é ai que surge a figura do malandro, como o oposto que a sociedade desejava que era o trabalhador, porém muitas vezes esse termo “malandro” era mais uma forma estereotipada da elite tratar a população mais humilde, considerados muitas vezes como vadios. Segundo Chalhoub (2001) os vadios que fossem pegos nos botequins e não provassem sua condição de trabalhadores eram presos, o governo queria pessoas que muitas vezes se sujeitassem a viver indignamente4 em uma sociedade que visava o “progresso”, mas progresso para quem? Como características principais deste malandro Noronha aponta que: [...] Marginal assumido, dando as costas a toda possibilidade de integração para abraçar um estilo de vida regrado por normas próprias, se a rua é o palco da modernidade ele é o protótipo do entertainer, o personagem-espetáculo, o artista do cotidiano, fazendo do jogo da viração uma autêntica forma de arte. Este indivíduo se opunha as normas da sociedade moderna ganhou espaços nos jornais e na literatura, dentre alguns literários podemos citar Lima Barreto em Clara dos Anjos que mostra como este sujeito era visto pela elite carioca, criando personagens que traziam características de preguiçosos, tranbiqueiros e ladrões. Mas o malandro desempenha atividades importantes nos espaços de sociabilidade, pode-se destacar, por exemplo, o fato de que eles protegiam as prostitutas, livrando-as de clientes agressivos, mas em troca queriam regalias. Muitos destes ganharam espaço no desenvolvimento da indústria do entretenimento quando através das músicas como o samba, se tornaram compositores, cantores, dançarinos, dentre outras funções. Nos embalos da branquinha, o descanso e lazer: botequim e quiosque, espaços populares Botequim e quiosque eram lugares de descanso dos trabalhadores, ali paravam ou simplesmente passavam para tomar sua branquinha5, tachado como ambiente de desordeiros e 4 As condições de vida dos trabalhadores eram precárias, desde as moradias que muitas vezes se resumiam em ambientes impróprios a se viver com pouca higiene ou tendo que dividir com várias outras pessoas, como as pousadas e cortiços, mas eram os únicos lugares que “cabiam no bolso”. As próprias situações de trabalho, ganhavam pouco e eram carentes de direitos. Podemos apontar aqui a situação dos imigrantes que de tão menosprezados muitos fugiam para países próximos, ou seus países de origem tinha que intervire impedir a chegada de novos imigrantes para o Brasil. 5 Cachaça. vagabundos, na verdade eram nesses lugares que os trabalhadores se distraiam depois de horas de trabalho. Os quiosques por serem menos desenvolvidos principalmente em estrutura física, só abarcava o dono e poucos consumidores, fazendo com que os demais consumissem e bebessem pelo lado externo do ambiente. Foram constantemente perseguidos durante a administração do prefeito Pereira Passos, muitos acabaram sendo queimados, um dos motivos para essa ação era que além de promoverem a sujeira nas ruas devido ao consumo externo, essa situação também estava relacionada à jornada de trabalho, já que alguns trabalhadores paravam nesses lugares para beberem e distraírem ainda durante o expediente de trabalho. O Botequim apesar das críticas que recebia possuía privilégios, pois eram maiores e poderiam vender além de bebidas e alimentos prontos produtos para alimentação, era uma espécie de “mercadinho”. Além disso, seu dono era um pequeno proprietário por isso passava a ser o primeiro a defender a ordem do local, evitando qualquer conflito que prejudicasse seu ambiente, para isso utilizava muitas vezes das ações dos meganhas (policiais) para controlar qualquer situação de desentendimento. Chalhoub (2001) mostra com propriedade essa relação através de análise de processos criminais. A relação entre o proprietário do botequim e seus fregueses está longe de se caracterizar sempre pela animosidade. A posição do proprietário do botequim é um tanto ambígua: por um lado, sua condição de proprietário fundamenta um antagonismo básico entre eles e seus fregueses, mas, por outro lado, ele fazia parte do mundo dos populares, compartilhando sua visão das coisas e assimilando seu código de conduta (CHALHOUB, 2001, p. 265). Se em alguns momentos os donos dos botequins vão expulsar seus fregueses para que continuem seus conflitos na rua mantendo assim a ordem, em outros estes mesmos vão abrigar sujeitos em ocasião de perigo, principalmente contra os meganhas ou outros agressores, pois é válido ressaltar que nem sempre para a população pobre confiava na polícia, já que esta em diversos momentos forjava situações para incriminá-los. O botequim servia também como refúgio para pessoas que se sentiam em perigo, o autor mostra que [...] Receoso de ser assaltado, disparou tiros contra o grupo e se refugiou num botequim das redondezas. E mesmo Maria, perseguida implacavelmente por um ex- amásio muito ciumento, correu para um botequim e se colocou sob a proteção dos homens que lá estavam (CHALHOUB, 2001, p. 265). É neste cenário de sociabilidade que se desenrola situações de proteções como as que já foram citadas, mas também de conflitos entre “raças e nacionalidade”, conflitos com meganhas como forma de resistência, pois eram eles que levavam para as cadeias os “vadios” “desordeiros”, em muitos momentos como, um argumento de defesa do sujeito aprisionado era de que se tratava de um trabalhador. Sobre o meganha Chalhoub explica que para a população este “[...] meganha, estava nas ruas e nos botequins da cidade para reprimir os homens pobres, e não para arbitrar seus conflitos” (2001, p. 282). Percebemos então que a população humilde de alguma forma é militante e não passiva sobre o lugar e condições que estava sendo colocada nessa metrópole. Frequentavam os botequins, se divertiam, discutiam, brigavam, muitas vezes mostravam que não confiava na polícia e que, por isso, muitas vezes a enfrentavam. Desenvolvimento dos espaços noturnos: cabarés, cafés-concerto A reforma do prefeito Pereira Passos trouxe para o Rio de Janeiro a energia elétrica, esta contribuiu para inúmeros elementos, entre eles o aumento das casas noturnas, o lazer através do rádio, consequentemente a difusão musical nesses lugares que acolhiam diversos cantores de diferentes localidades, até mesmo estrangeiros que vinham apresentar suas canções, o que contribuiu para o crescimento artístico de muitas pessoas. A Lapa era um bairro que refletia essas transformações, tendo em seu espaço vários cabarés, cafés, boates e prostíbulos. Noronha afirma que: Espalhados às dezenas, os cafés-cantantes, ou cafés-concerto, do Rio eram assim: um salão para as mesas, um balcão de mármore, um senhor no caixa; um piano velho num canto; e um palco tosco, sem bastidores, no qual poderiam se apresentar uma gorda tocadora de castanholas, uma mulata dançarina de maxixe ou a cançonetista, sempre acompanhadas pelo mesmo piano surrado. Neles, nunca se viam famílias. Em seu salão, bebia-se, conversava-se em alto e bom som, fumava-se muito, circulava-se bastante. Em alguns era comum a presença consentida de prostitutas, para atrair a clientela masculina e estimular o consumo. Bebiam-se principalmente cerveja e vinho, alguns arriscavam champanhe ou licores, raros eram os que pediam uísque. No mais sofisticados se apresentavam também, em números de canto e dança, estrelas internacionais como Jeanne Cayot (que vez por outra arriscava um strip-tease), Jenny Cook, a espanhola Guerreirito, Diana de Liz, Cecile Dubois e brasileiras como Maria Lino e Aurora Rozane (NORONHA, 2003, p. 72). Estes cafés a partir de 1900 se espalharam tomando conta das ruas da capital. Com o passar dos anos foram perdendo prestígios e outros lugares de sociabilidades como o cabaré foram adentrando e conquistando o público. Os estilos musicais acompanham o desenvolvimento dos espaços. Um exemplo a ser dado foi a transição da cançoneta para a modinha, isso ocorreu junto com o surgimento das casas de chope, concorrentes dos cafés. As casas de chope devido aos barulhos que faziam com suas modinhas ficaram taxadas de chopes-berrantes, era um lugar mais simples e seus frequentadores também. Já alguns cafés- concerto criaram um espaço mais europeu, trazendo artistas internacionais, mantendo o som das cançonetas e um público de renda melhor. Porém, a partir dos anos 20 tanto os cafés, quanto as casas de chope vão perdendo público para os cabarés, neste local predominava pessoas de diversas funções sociais. Dentre inúmeras pessoas que faziam parte desse ambiente efervescente que era o Rio de Janeiro, Noronha aponta que os negros ali já estavam e outros negros que vieram em busca de emprego, construíam suas localidades de diversão eram as casas das tias com seus quintais promovendo festas, dentre elas festas ligadas as suas devoções religiosas, acompanhadas e embaladas por sons como o choro, a polca e o maxixe. Essas casas estavam localizadas na Cidade Nova, onde se reuniam os malandros, pequenos comerciantes, negros. É nesta cidade que também surgiram as gafieiras, chamadas assim pelos ricos, que achavam que naquele ambiente se cometia ações que não se enquadravam no padrão moral e tradicional, elas eram embaladas pelo maxixe, que incomodava, pois, este carregava quando este carregava um peso sensual em sua performance, taxado como o autor aponta de “dança dos habitantes do submundo noturno” (Noronha, 2003, p. 75). O samba: do “submundo” ao mundo industrializado Na mistura de ritmos nas gafieiras surge o samba amaxixado, neste período a indústria do entretenimento começa a se desenvolver, promovendo assim o auge do samba, em comunhão com o carnaval de rua e o Teatro de Revista6. Ocorre também o desenvolvimento profissional de muitos cantores como Chiquinha Gonzaga, com sua música “Ó abre alas”, dentre outros como Noel Rosa. Os sucessos começavam nos palcos teatrais e eram transmitidos através das machinhas cantadas nas ruas. A industrialização musical promoveu mudanças inclusive para os que estavam sobrando no processo de modernização: [...] De qualquer forma, a incipiente indústria do entretenimento carioca, concentrada primeiro nas gafieiras da Cidade Nova e nos cafés-concerto e, mais tarde, nos cabarés, gafieiras e teatros do eixo Lapa-PraçaTiradentes, virou fonte de trabalho para os desocupados da Cidade Nova, das favelas dos Morros do Estácio à Mangueira, de Vila Isabel e dos subúrbios. As portas estavam se abrindo para músicos, cantores, palhaços, dançarinos, e também para garçons, cozinheiros e ajudantes, serventes e auxiliares de palco e leões de chácara (NORONHA, 2003, p. 78). Os negros puderam gravar seus discos, conquistar a carreira musical, a musica popular alcançava os diversos níveis inclusive a população de alta renda. O samba que de início fazia parte de ambientes considerados sem “classe” passa a tomar os espaços e ser até os dias atuais 6 O Teatro de Revista era uma forma de contar história com ritmos dentre eles o maxixe, sua forma era satírica e cômica, baseada em fatos política e da cultura. Chiquinha Gonzaga escreveu inúmeros maxixes, dentre eles o os mais famosos foi o “Forrobodó”, “O Corta Jaca” e “Maxixe da Zeferina”. representante da população não só do Rio de Janeiro, mas de todo Brasil. Quem nunca ouviu dizer que o Brasil é a terra do Samba? Por primeiro foi tocado nos terreiros das tias, para depois torna-se a característica do carnaval. O carnaval também sofreu o processo de higienização no período de Pereira Passos, antes conhecido pelo Entrudo, em que seus adeptos tinham o hábito de jogar bolas cheias de coisas sujas uns nos outros, foi substituído por confetes e outros elementos, que “civilizaria a festa”. O desenvolvimento industrial que levou ao auge diversas canções tem como elemento importantíssimo para essas difusões o rádio, sendo o principal meio de comunicação principalmente dos anos 20 aos 60, tornando-se na década de 30 o veículo mais popular. Considerações Portanto podemos perceber que a exigência de mudanças estruturais e higiênicas durante as reformas no Rio de Janeiro, através dos ideais europeus atingiu espaços culturais e sociais dessa capital heterogênea, e muitos deles como, por exemplo, os quintais das tias, gafieiras, eram formas de manter e as raízes dos negros. Apesar da “violência” que foi o processo de modernização da cidade do Rio de Janeiro, esses espaços de lazer representavam também a os “povos” que ali habitavam, alguns com suas características particulares, outros importando alguns elementos, mas desenvolveram o que hoje conhecemos dessa capital. É possível perceber através da analise desses ambientes como as pessoas agiam, de onde elas falavam, seja expondo seus preconceitos ou se unindo para se defenderem de uma autoridade maior. Seja como for, a população humilde tentava sobreviver nesse cidade e as pessoas de alta renda buscavam cada vez mais ganhar espaços e fazer deles os “melhores”. De qualquer forma podemos ver os reflexos dessas ações, é só olhar os morros, e o Brasil sendo “todo” retratado como o país do samba, lembrando que este estilo musical na cidade do Rio se desenvolve não no seio elitista, mas nos quintais das tias, das negras. Referências Calebre, Lia. A participação do rádio no cotidiano da sociedade brasileira (1923-1960). Disponível em: <http:// www.casaruibarbosa.gov.br/> Acesso em: 05 de julho de 2014. Chalhoub, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da belle époque. 2ª Ed. – Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2001. Noronha, Luiz. Malandros: Notícias de um submundo distante. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003.
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