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As Ciências Sociais abarcam, grosso modo, 
três especialidades: Antropologia, Ciência 
Política e Sociologia. Tais disciplinas constroem 
e são parte de paradoxos. 
De origem conservadora, ironicamente, 
foram vistas como subversivas em alguns 
momentos da história. No Brasil, foram afasta-
das dos currículos escolares durante a Ditadu-
ra Militar. Retornam ao ensino básico em 2008, 
para deixarem novamente de serem obrigató-
rias em 2017. Entretanto, sua presença intermi-
tente nos currículos não impediu que surgis-
sem pesquisas e construções teóricas signi�ca-
tivas na área.
Este livro digital é resultado da seleção dos 
melhores artigos apresentados como traba-
lhos de conclusão de curso na 1ª edição da 
Especialização em Ciências Sociais da Universi-
dade de Passo Fundo (UPF), a qual é parte do 
compromisso social da UPF com a sua comuni-
dade em prol da construção de um conheci-
mento potente na transformação da realidade. 
UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO 
Bernadete Maria Dalmolin 
Reitora
Edison Alencar Casagranda 
Vice-Reitor de Graduação
Antônio Thomé 
Vice-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação
Rogerio da Silva 
Vice-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários
Cristiano Roberto Cervi 
Vice-Reitor Administrativo
Conselho editorial
Altair Alberto Fávero (UPF)
Alvaro Sanchez Bravo (Universidad de Sevilla)
Andrea Michel Sobottka (UPF)
Andrea Oltramari (Ufrgs)
Antônio Thomé (UPF)
Carlos Alberto Forcelini (UPF)
Carlos Ricardo Rossetto (Univali)
Cesar Augusto Pires (UPF)
Fernando Rosado Spilki (Feevale)
Gionara Tauchen (Furg)
Héctor Ruiz (Uadec)
Helen Treichel (UFFS)
Jaime Morelles Vázquez (Ucol)
Janaína Rigo Santin (UPF)
José C. Otero Gutierrez (UAH)
Kenny Basso (Imed)
Luís Francisco Fianco Dias (UPF)
Luiz Marcelo Darroz (UPF)
Nilo Alberto Scheidmandel (UPF)
Paula Benetti (UPF)
Sandra Hartz (Ufrgs)
Walter Nique (Ufrgs)
UPF Editora
Editora
Janaína Rigo Santin
Revisão
Cristina Azevedo da Silva
Daniela Cardoso
Programação visual
Rubia Bedin Rizzi
Glauco Ludwig Araujo
(Org.)
2019
Copyright do organizador
Ana Paula Pertile
Cristina Azevedo da Silva
Revisão
Rubia Bedin Rizzi
Programação visual e produção da capa
Talita Morais dos Santos 
Foto da capa
Este livro, no todo ou em parte, conforme determinação legal, não pode ser reproduzido por qualquer meio sem 
autorização expressa e por escrito do(s) autor(es). A exatidão das informações, das opiniões e dos conceitos emitidos, 
bem como das imagens, das tabelas, dos quadros e das figuras, é de exclusiva responsabilidade do(s) autor(es).
afiliada à
Associação Brasileira 
das Editoras Universitárias
Campus I, BR 285, Km 292,7, Bairro São José
99052-900, Passo Fundo, RS, Brasil
Telefone: (54) 3316-8374
 
 
 
ISBN 304 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CIP – Dados Internacionais de Catalogação na Publicação 
_______________________________________________________________ 
 
 C569 Ciências sociais em estudo [recurso eletrônico] / organização de 
Glauco Ludwig Araujo. – Passo Fundo: Ed. Universidade de 
Passo Fundo, 2019. 
9.700 kb ; PDF. 
 
Inclui bibliografia. 
Modo de acesso gratuito: <www.upf.br/editora>. 
ISBN 978-85-523-0071-7 (E-book) 
 
1. Ciências sociais. 2. Política pública. 3. Movimentos sociais. 
4. Representações sociais. 5. Mobilidade social. 6. Sociologia do 
conhecimento. I. Araujo, Glauco Ludwig, org. 
 
CDU: 304 
_______________________________________________________________ 
Bibliotecário responsável Luís Diego Dias de S. da Silva - CRB 10/2241 
 
 
 
 
 
 
Sumário
7 Prefácio
Glauco Ludwig Araujo
Capítulo 1
Estado e políticas públicas
12 Apresentação
Cristina Fioreze 
Vinícius Rauber e Souza
18 Análise das condições de paridade de participação 
dos beneficiários de políticas públicas habitacionais – 
subsidiadas com recursos do FAR – de acordo com a 
teoria da justiça social, de Nancy Fraser
Douglas de Almeida Silveira
49 O gênero como político: leitura a partir de um caso jurídico
Élvis Herrmann Bonini
75 Escola e ideologia: a Escola sem Partido, a tese da 
neutralidade e a função do Estado
Leonardo Luiz Lima Goes
105 Reflexões sobre as práticas de acolhimento institucional 
em saúde mental
Fernanda dos Santos Rocha
Capítulo 2
Associativismo e movimentos sociais
131 Apresentação
Ivan Penteado Dourado
136 Escolas ocupadas, estudantes em luta: 31 dias são sufi-
cientes para construir um novo movimento social?
Cristian Anderson Puhl
167 Os sujeitos sociais contemporâneos nas manifestações brasileiras de 2013: 
representações sociais em análise
Neri José Mezadri
Capítulo 3
Representações e mobilidade social
198 Apresentação
Frederico Santos dos Santos
205 O discurso sobre a política pública de cotas nos editoriais dos jornais 
Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo em face do conceito de déficit 
de articulação na modernização brasileira proposto por Jessé Souza
Andressa Bertol Scussel
234 O negro e as condições de produção no subcampo da publicidade: uma 
análise de trajetória
Róbson Peres da Rocha
263 O ritual de eguns no Batuque: dádivas entre mortos e vivos
Talita Morais dos Santos
Capítulo 4 
Produção do conhecimento
285 Apresentação
Janaína de Souza Bujes 
Bernardo Mattes Caprara
292 O desenvolvimento da Epistemologia Feminista e suas ressonâncias nas 
produções acadêmicas brasileiras
Patrícia Ketzer
321 Um breve estudo sobre as sensibilidades do conhecimento social
Pedro Alcides Trindade de Mello
Especial
345 Ensaio fotográf ico “O sagrado no Batuque”
Talita Morais dos Santos
Prefácio
Glauco Ludwig Araujo1
A s Ciências Sociais abarcam, no meio acadêmi-co brasileiro, grosso modo, três especialidades: Antropologia, Ciência Política e Sociologia. A maioria das universidades brasileiras adota um 
modelo de formação mais generalista (englobando as três especialida-
des) na graduação, reservando a especialização para ser desenvolvida 
na pós-graduação. A Universidade de Passo Fundo (UPF) adota uma 
relação singular com essas especialidades. Por um lado, não existe um 
curso específico de graduação em Ciências Sociais, a exemplo de outras 
instituições congêneres. Por outro, incorpora esses conhecimentos em 
disciplinas do chamado “núcleo comum”, oferecidas a todos os cursos 
de graduação da UPF, como uma das maneiras de propiciar aos aca-
dêmicos uma formação mais humana (não voltada apenas a aspectos 
estritamente técnicos de suas respectivas profissões).
1 Mestre em Sociologia (UFRGS), professor da Área de Ciências Sociais (IFCH/UPF) e 
Coordenador da Especialização em Ciências Sociais da UPF – 1ª edição.
8
Glauco Ludwig Araujo (Org.)
Essa experiência vem sendo aperfeiçoada ao longo dos últimos 
anos, por intermédio da Área de Ciências Sociais (ACS), vinculada ao 
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH/UPF), que agrega o 
corpo docente dessas disciplinas. A ACS tem atuação destacada em 
projetos de ensino, pesquisa e extensão – nas atividades administrati-
vas, de qualificação e promoção da universidade. A atenção aos proces-
sos de autoavaliação da instituição levou à conclusão da necessidade 
de ampliação da inserção da ACS na UPF. Uma das iniciativas é a oferta 
da disciplina Tópicos Especiais em Ciências Sociais para alguns cursos 
de graduação, como uma continuidade das disciplinas obrigatórias do 
núcleo comum oferecidas pela área. Outra foi a criação da Especializa-
ção em Ciências Sociais, já encerrando, em 2018, a sua segunda edição. 
A Especialização em Ciências Sociais da UPF é bastante singu-
lar, pois oferece uma formação, ao mesmo tempo, generalista (no âmbi-
to interno das Ciências Sociais) e especializada (no que tange à sua re-
lação com as demais disciplinas). Propicia o estudo das teorias clássicas 
e contemporâneas da Antropologia, da Ciência Política e da Sociologia, 
bem como de seus pressupostos metodológicos. Busca permitir que 
graduados em diferentes campos do conhecimento se aproximem do 
rico potencial teórico-metodológico que as Ciências Sociais oferecem.
O resultadoda criação deste curso foi uma procura bastante ex-
pressiva, desde a sua primeira edição, colocando-o como a especializa-
ção com o maior número de matrículas, dentre todas as oferecidas pela 
UPF, no segundo semestre de 2015. A diversidade do público atingido 
pode ser percebida nas diferentes áreas das quais os acadêmicos que for-
maram a primeira turma eram oriundos na graduação: Ciências Sociais, 
Direito, Filosofia, História, Jornalismo, Letras, Pedagogia, Publicidade 
e Propaganda, Psicologia e Serviço Social. Esses estudantes tiveram a 
oportunidade do aprendizado em sala de aula, com palestras ofertadas, 
e também em duas saídas de campo realizadas: uma para a comunidade 
indígena caingangue de Campo do Meio (Gentil, RS) e outra para o ter-
reiro Egbé Asé Akinelé (bairro Vera Cruz, Passo Fundo, RS).
9
Ciências sociais em estudo
Figura 1 – Saída de campo, Campo do Meio
Fonte: Talita Morais dos Santos.
Figura 2 – Saída de campo, terreiro Egbé Asé Akinelé
Fonte: Talita Morais dos Santos. 
10
Glauco Ludwig Araujo (Org.)
O êxito obtido levou ao oferecimento do curso novamente no 
primeiro semestre de 2017, com grade curricular aperfeiçoada a par-
tir da primeira experiência. Contudo, o sucesso da Especialização em 
Ciências Sociais pode ser também apreciado na presente obra. Ela é 
resultado da seleção dos melhores artigos apresentados como trabalhos 
de conclusão de curso na 1ª edição. Tais trabalhos passaram pela orien-
tação do corpo docente da especialização e foram defendidos perante 
banca examinadora, composta por outros dois professores, que indica-
ram aqueles com potencial para publicação. 
Assim, esses trabalhos foram revisados e readequados para o 
formato livro. Parte dessa adequação foi a divisão dos artigos em capí-
tulos por seções temáticas, contando com a apresentação inicial de pro-
fessores da especialização que orientaram os trabalhos mais destacados 
e/ou compuseram as suas bancas examinadoras. Destaca-se o acrésci-
mo à obra do ensaio fotográfico “O sagrado no Batuque”, de autoria 
de Talita Morais dos Santos, resultado da etnografia descrita no último 
artigo do capítulo 3 e da aproximação da autora com as ferramentas da 
Antropologia Visual.
A ampla abrangência dos assuntos tratados, a diversidade de 
metodologias adotadas e a relevância social dos problemas de pesquisa 
são indicadores fundamentais do aprendizado alcançado e da matu-
ridade intelectual da turma. Nos artigos que compõem este livro, não 
há lugar para a fuga de polêmicas, mas tampouco o oferecimento de 
respostas simples a problemas complexos. Estes textos traduzem a uti-
lização das Ciências Sociais como ferramenta de defesa perante o senso 
comum simplório e reducionista, um “esporte de combate”, na famosa 
expressão de Pierre Bourdieu. Em um cenário de crise de legitimida-
de institucional da nossa área, nada mais oportuno do que reafirmar a 
qualidade da análise social teórico-metodologicamente alicerçada. Boa 
leitura!
Capítulo 1
 Estado e políticas 
públicas
Apresentação
Cristina Fioreze1 
Vinícius Rauber e Souza2
P olíticas públicas são, historicamente, um ramo da ciência política, surgido nos Estados Unidos no início dos anos 1950, com a criação do termo “po-licy science” (ciência de políticas públicas). Ele irá 
romper com as análises centradas apenas nas instituições, abarcando 
os produtos das interações políticas em uma sociedade. O termo irá se 
expandir para a Europa a partir dos anos 1970, em especial com os pro-
cessos de planejamento e análise de políticas setoriais na Alemanha. 
No Brasil, ainda que com o crescimento do interesse da ciência polí-
tica e das relações internacionais nos últimos anos, será incorporado 
especialmente pelas análises de saúde pública nos anos 1980. Assim, é 
considerado um campo eminentemente interdisciplinar, uma vez que 
1 Doutora em Sociologia (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Professora do 
Curso de Serviço Social (Universidade de Passo Fundo).
2 Mestre em Ciências Sociais (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul). 
Professor da Área de Ciências Sociais (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/
Universidade de Passo Fundo).
13
Capítulo 1 - Apresentação
as políticas públicas podem envolver tanto análises de gênero, demo-
cracia e participação social, quanto temas de economia, entre outros.
Desse modo, agrupamos, nesta seção, diferentes temas que ver-
sam sobre o Estado e sua relação com as políticas públicas, abordando 
como elas se constituem, suas consequências, as disputas pelo governo, 
pela implementação de determinadas políticas e como isso afeta a vida 
de determinadas populações. O campo das políticas públicas é tangen-
ciado pela temática da justiça social e, por isso, reflete os debates que ali 
se atravessam. Nesse sentido, também faz parte da agenda das políticas 
públicas a disputa entre redistribuição e reconhecimento, isto é, se para 
alcançar a justiça social são necessárias políticas de igualdade – volta-
das para a redistribuição de bens materiais –, ou se, nos dias atuais, o 
que se requer são políticas da diferença – pautadas no reconhecimento 
das identidades dos distintos grupos sociais. 
O artigo “Análise das condições de paridade de participação 
dos beneficiários de políticas públicas habitacionais – subsidiadas com 
recursos do FAR – de acordo com a teoria da justiça social, de Nancy 
Fraser”, de Douglas de Almeida Silveira, insere-se nesta contenda, va-
lendo-se de uma perspectiva ampla o bastante para abarcar, na análise 
das políticas públicas, tanto a dimensão da redistribuição quanto a do 
reconhecimento. Assim, apoiado na perspectiva teórica de Nancy Fra-
ser, autora norte-americana que compreende que, nos dias atuais, a jus-
tiça social requer tanto redistribuição quanto reconhecimento, o artigo 
analisa o programa habitacional Minha Casa Minha Vida, subsidiado 
com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), que visa 
à concretização do direito à moradia no Brasil. O autor se propõe a in-
vestigar em que medida a política pública estudada é capaz de garantir, 
ao mesmo tempo, tanto a redistribuição econômica quanto o reconhe-
cimento do que os sujeitos necessitam para participarem plenamente 
da interação social. Esquadrinhando leis, decretos e portarias que regu-
lamentam o programa habitacional, o estudo demonstra que, embora 
14
Cristina Fioreze, Vinícius Rauber e Souza
tenha sido projetado para responder a demandas situadas na dimensão 
da redistribuição, por meio do acesso à moradia, o programa também 
apresenta aspectos de promoção do reconhecimento, o que acontece 
na medida em que se presta à remoção de obstáculos à paridade de 
participação de grupos sociais subalternizados, o que é encontrado, 
por exemplo, na definição ampliada de grupo familiar adotada pelo 
programa ou, então, na priorização da destinação de moradias para 
famílias que possuam pessoas com deficiência ou idosos, além do olhar 
prioritário que dirige às mulheres, especialmente àquelas que são che-
fes de família. 
O artigo “O gênero como político: leitura a partir de um caso 
jurídico”, de Élvis Herrmann Bonini, por sua vez, problematiza as rela-
ções entre o gênero das pessoas e o Estado. Nesse sentido, toma como 
ponto de partida a situação paradoxal que se constituiu entre o Estado 
e a transexual Indianara Siqueira, que, mesmo não sendo legalmente 
reconhecida como mulher, foi detida por estar com os seios à mostra. 
Recorrendo a essa situação como referência para a reflexão e, ao mesmo 
tempo, trazendo para a cena todo o contexto de invisibilidade social e 
marginalização que envolve a identidade trans, o autor mostra como o 
Estado opera dentro de um sistema binário, o qual pressupõe a confor-
midade entre gênero e genitália. Sistema este que se mostra deficiente, 
pois quem não se encaixa dentro de tal associação, como Indianara – 
mulher trans que não se submeteu à cirurgia de redesignação de sexo 
–, não encontra lugar, estando impedido do reconhecimento desua 
identidade.
Assim, apoiando-se no referencial de Michel Foucault, Judith 
Butler e Paul B. Preciado, o artigo problematiza o padrão normativo 
com o qual o Estado interfere nos corpos dos sujeitos, levanta a ques-
tão da patologização de gênero e reflete sobre o corpo como instru-
mento de resistência. Nesse sentido, lida com a noção de construção 
dos corpos, passando pela história da sexualidade e trabalhando com 
15
Capítulo 1 - Apresentação
a compreensão do gênero como um processo cuja construção é social e 
histórica. Da mesma forma, desenvolve a ideia de performatividade de 
gênero, de Butler, e trabalha com a noção de gênero inteligível – aquele 
em que há conformidade entre o sexo e o gênero. O autor mostra que, 
ao expor seu corpo em “não conformidade”, Indianara resiste, jogando 
luz para o paradoxo que há na relação que se estabelece entre o gênero 
das pessoas e um Estado que faz o controle dos corpos. Afastando-se 
de um olhar simplista, o artigo apresentado constitui-se em produção 
de relevâncias acadêmica e social, trazendo para o público um olhar 
sensível e competente para um tema complexo, que tem ganhado visi-
bilidade na mídia e na sociedade. 
Leonardo Luiz Lima Goes aborda, em seu artigo “Escola e ide-
ologia: a Escola sem Partido, a tese da neutralidade e a função do Esta-
do”, o tema da “Escola sem Partido”. Esse movimento, relativamente 
recente no Brasil, materializa-se enquanto proposta de política pública 
no estado do Rio Grande do Sul pelo Projeto de Lei nº 190/2015, de au-
toria do deputado estadual Marcel Van Hatten (Partido Progressista). 
O projeto visa a impedir os professores do ensino médio de abordar 
questões políticas nas escolas, defendendo uma suposta “neutralida-
de”, pela qual o professor seria responsável, sendo que esta passaria 
pela ausência de discurso sobre o político em sala de aula. Nesse sen-
tido, Goes realiza uma revisão sobre o sentido das palavras democra-
cia – especialmente pelas teorias de Norberto Bobbio sobre democracia 
direta, representativa e plana – e cidadania – desenvolvida por Thomas 
H. Marshall. 
Para realizar tal estudo, Goes se utiliza da análise de discurso 
como ferramenta para compreender a ideologia que está por trás do 
projeto e dos discursos favoráveis a ele. Para isso, analisa artigos de 
jornais e sites, discursos do deputado Van Hatten, além de vídeos pu-
blicados no YouTube e publicações no Facebook. Parte fundamental da 
análise é a avaliação minuciosa do próprio Projeto Escola sem Partido. 
16
Cristina Fioreze, Vinícius Rauber e Souza
Com a análise desse material, o autor conclui que um projeto como este 
vai distorcer o sentido do termo democracia, que pressupõe a plurali-
dade de ideias e a liberdade de manifestação.
Finalizando esta seção, Fernanda dos Santos Rocha aborda o 
tema da saúde mental no artigo intitulado “Reflexões sobre as práti-
cas de acolhimento institucional em saúde mental”. O foco da análise 
é nos dispositivos chamados Instituições de Longa Permanência Tera-
pêuticas (ILPTs), que surgem à margem do Sistema Único de Saúde 
(SUS), acolhendo – por meio da internação – pacientes com transtornos 
mentais e idosos. Para isso, Rocha contextualiza historicamente o sur-
gimento dessas instituições, desde o surgimento oficial da psiquiatria, 
com o francês Philippe Pinel, até a reforma psiquiátrica e a consequen-
te desinstitucionalização realizada no Brasil nos últimos trinta anos. A 
base de sua fundamentação teórica é Michel Foucault, especialmente o 
livro A história da loucura, no qual o autor salienta como a psiquiatria 
funcionou como um mecanismo de legitimação do controle social da-
queles considerados indesejados pela sociedade – os loucos –, por meio 
do controle dos corpos pelo internamento. 
Na sequência, a autora aborda os movimentos que questionam a 
psiquiatria ortodoxa no Brasil, como a luta antimanicomial, movimento 
que se inicia nos anos 1970 no país e ganha força no período de redemo-
cratização. A partir dos anos 1990, institucionalizam-se serviços substi-
tutivos aos manicômios (chamados também de hospitais psiquiátricos), 
como os Centros de Atenção Psicossociais (Caps) e os Serviços Residen-
ciais Terapêuticos (SRTs), como políticas públicas previstas pelo SUS. 
Esses dispositivos são abertos, comunitários e territorializados, em con-
traposição aos antigos hospitais, que são instituições fechadas ou totais, 
como definido pelo psicólogo Erving Goffman. No entanto, apesar de 
todo esse processo, muitas instituições ainda privilegiam o caráter ma-
nicomial e fechado de tratamento em saúde mental. É o caso das ILPTs 
que se instalam no município de Tropeço (nome fictício), no interior do 
17
Capítulo 1 - Apresentação
Rio Grande do Sul, objeto de análise do artigo. A autora conclui que es-
sas instituições surgem como uma contraproposta à reforma psiquiátri-
ca, aproveitando-se das brechas da legislação e do pouco investimento 
público em serviços abertos, abrigando as pessoas marginalizadas da 
sociedade, como no processo de surgimento dos manicômios descrito 
por Foucault.
Isso posto, é possível notar que os quatro artigos deste capítulo, 
ao mesmo tempo em que abordam uma diversidade temática – o que 
denota o caráter interdisciplinar da matéria –, lançam um olhar sobre 
o Estado e suas políticas, revelando, de um lado, a pertinência de se 
analisar as relações de poder que se estabelecem na disputa dos dife-
rentes grupos sociais por reconhecimento e legitimidade e, de outro, 
as contradições que permeiam o Estado, ora no papel de garantidor 
de direitos por meio de políticas públicas, ora como violador desses 
mesmos direitos. Considerando a riqueza dos textos apresentados, por 
fim, esperamos que sua leitura seja capaz de suscitar novas reflexões no 
campo das políticas públicas, contribuindo para fazer avançar a cons-
trução do conhecimento nesta área de pesquisa. 
Análise das condições de paridade 
de participação dos beneficiários 
de políticas públicas habitacionais – 
subsidiadas com recursos do FAR – de 
acordo com a teoria da justiça social, de 
Nancy Fraser
Douglas de Almeida Silveira1
O Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) atual-mente serve como fundo subsidiário das políticas de habitação do Programa Minha Casa Minha Vida, faixa I, voltado ao atendimento das populações de 
baixa renda. Apesar disso, a academia pouco tem se mobilizado para 
investigar em que medida o programa está desenhado de modo a as-
segurar o atendimento às necessidades objetivas e subjetivas dos bene-
ficiários. 
1 Especialista em Ciências Sociais e licenciado em Letras (Universidade de Passo 
Fundo).
19
Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas...
Visando a contribuir para preencher esta lacuna, o presente es-
tudo, seguindo a proposição de Fraser e Honneth (2006), objetiva a in-
vestigação dessas políticas públicas de forma a verificar se essas ações 
podem garantir a equidade de interação social no que diz respeito a 
duas de suas características: quanto ao seu caráter de distribuição de 
renda e recursos, bem como quanto à garantia de reconhecimento so-
cial de seus beneficiários. 
O artigo inicia com a contextualização histórica do desenvolvi-
mento do sistema habitacional brasileiro, cobrindo desde as primeiras 
ações normatizadas do Estado no século XX até a criação do FAR. Na 
sequência, são introduzidos os principais aspectos da teoria da justiça 
social, de Nancy Fraser, em que a catedrática de filosofia e ciência po-
lítica norte-americana se propõe a unificar as doutrinas, até então, pa-
ralelas referentes à redistribuição e ao reconhecimento de seus pressu-
postos. Em seguida, são apresentados os procedimentos metodológicos 
da pesquisa realizada, que se trata de uma pesquisa de abordagem qua-
litativa, desenvolvida de forma a aplicar a teoria da justiça social, de 
Fraser, ao caso concreto representado pelo programa habitacional de 
incentivo à produção de imóveis com recurso do FAR. Osprocedimen-
tos utilizados são os de análise documental baseada nos documentos 
de regulamentação do programa: leis e portarias oficiais. Por fim, são 
apresentados os dados e a respectiva análise, de modo a problematizar 
os resultados da pesquisa. 
O contexto histórico e a evolução da política de 
habitação social no Brasil 
O processo de urbanização e produção habitacional brasileiro 
do século XX foi caracteristicamente exclusivo. A priorização das ne-
cessidades do mercado imobiliário regido pelo capital, somando-se 
aos baixos salários da população em geral, e a polarizada desigualda-
20
Douglas de Almeida Silveira
de social, tão característica da sociedade brasileira, foram importantes 
fatores que dificultaram consideravelmente o acesso à moradia para 
grande parte da população (HOLZ; MONTEIRO, 2008).
Uma das primeiras deliberações do Estado brasileiro no que 
concerne à política de habitação social foi a Lei nº 601, de 1850, que 
ficou conhecida como a Lei das Terras, que regulamentava a aquisição 
de terras, determinando que o único meio para a aquisição de proprie-
dades de terra seria a compra. Essa lei acabou deslegitimando a aqui-
sição de terra por uso, posse ou ocupação (HOLZ; MONTEIRO, 2008).
Ainda durante a vigência da Lei das Terras, em 1888, foi assi-
nada a Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil, o que resultou 
em um fenômeno de migração dos escravizados, então libertos, das 
áreas rurais para as urbanas dos grandes centros. Isso fez com que as 
cidades crescessem de forma desestruturada em termos de políticas 
públicas que pudessem garantir as condições mínimas para atendi-
mento das necessidades dessa população que se alojava em áreas não 
regularizadas e, por vezes, impróprias para a moradia, ou em cortiços 
(HOLZ; MONTEIRO, 2008).
Inspiradas no movimento europeu da reforma urbana higienista, 
as cidades brasileiras dão início aos processos de construção de sistemas 
viários e implantação dos sistemas de saneamento básico, visando a 
uma melhor composição paisagística das cidades (atendendo às deman-
das da burguesia do período industrial) (HOLZ; MONTEIRO, 2008). 
Impulsionada pelo desenvolvimento industrial e pelo êxodo 
rural por ele causado, a urbanização no Brasil teve um crescimento 
significativo entre as décadas de 1940 e 1960. Segundo Osório (2004 
apud HOLZ; MONTEIRO, 2008, não paginado), nesse período, “[...] a 
população brasileira passou de 41 milhões para 70 milhões de habitan-
tes, [...] fazendo crescer os assentamentos ilegais, que avançaram sobre 
as cidades, para dar moradia às pessoas de baixa renda”.
21
Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas...
E foi nesse conturbado cenário, em 1964, por força da Lei nº 
4.380, que nascia o Sistema Financeiro de Habitação (SFH), cujo obje-
tivo principal era a captação de recursos para produção de unidades 
habitacionais, especialmente por meio dos recursos das cadernetas 
de poupança e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), 
por meio do Banco Nacional de Habitação (BNH) (HOLZ; MONTEI-
RO, 2008). 
Para atender a demanda, o SFH foi dividido em dois ramos: um, dire-
cionado às classes média e alta, gerido por agentes privados ligados à 
construção civil, e o outro, voltado para a classe de baixa renda, que 
era operado por agências estatais, por meio de Companhias Estaduais 
e Municipais de Habitação. Porém, igual para os dois sistemas foi o au-
tofinanciamento, sendo necessário, portanto, que o adquirente provas-
se sua capacidade de pagamento. Esta forma de financiamento acabou 
por prejudicar as populações com baixa renda, já que não conseguiam 
provar que seus ganhos suportariam o pagamento da dívida. Para além 
disso, tinha como política a remoção das ocupações ilegais para as ha-
bitações sociais. No contexto econômico pelo qual passava o Brasil, nos 
anos 80 e 90, com crises econômicas, arrocho salarial e perda do poder 
aquisitivo, as prestações da relação contratual muitas vezes foram corri-
gidas em desacordo com o aumento salarial, o que gerou uma inadim-
plência acentuada. O resultado é o que SFH beneficiou muito mais as 
classes com renda mais elevada (acima de 8 salários mínimos), do que 
aquelas de baixa renda (abaixo de 3 salários mínimos) (HOLZ; MON-
TEIRO, 2008, não paginado). 
É curioso observar que as décadas de 1970 e 1980, em que as 
linhas que desenhavam o gráfico indicativo das ocupações em áreas ile-
gais atingiam números de pico, coincidem com o colapso do crédito ha-
bitacional e a consequente extinção do BNH. Isso agravou ainda mais 
a dificuldade do assalariado brasileiro, que, por não possuir recursos 
que lhe possibilitassem o financiamento direto no mercado imobiliário 
formal, dependia de subsídios que deveriam ser providos pelo Estado 
(HOLZ; MONTEIRO, 2008).
22
Douglas de Almeida Silveira
As inovações na política habitacional brasileira do 
século XXI
Embora o direito à moradia somente tenha sido incluído for-
malmente como direito constitucional em 2000, mediante publicação 
da Emenda Constitucional nº 26, já havia, anteriormente, menções in-
diretas a essa matéria na Carta Magna: por exemplo, o art. 7º, inciso IV, 
estabelecia a moradia como um dos direitos fundamentais que deveria 
ser suprido pelo salário mínimo. Além disso, já instituía o art. 23, inciso 
K, como competência do Estado: “[...] promover programas de constru-
ção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de sanea-
mento básico” (BRASIL, 1988, não paginado). Porém, essas menções 
apareciam no texto constitucional de forma indireta, ou seja, até então, 
não eram corroboradas pelo Estado, o que abria respaldo para a sua 
não aplicabilidade e questionamento da sua essencialidade (SANTOS, 
2013, não paginado). 
Um dos primeiros passos mais concretos dado visando a rever-
ter a estagnação da política de habitação brasileira foi a apresentação, 
no início do ano de 2000, por Luiz Inácio Lula da Silva (na época presi-
dente do Instituto Cidadania), do Projeto Moradia, que, posteriormen-
te, inspirou a criação do Ministério das Cidades e do Conselho Nacio-
nal das Cidades. O projeto incentivava o desenvolvimento de ações que 
pudessem promover a produção habitacional no país de forma que fos-
se garantida localização em terras regulares urbanizadas, com acessos 
adequados a serviços públicos, bem como acompanhados por progra-
mas de geração de renda e emprego (COSTA, 2014). 
O Sistema Nacional de Habitação (SNH) foi integrado pelos três 
entes federativos, e deveria atuar sob coordenação do Ministério das 
Cidades, criado no primeiro dia do governo Lula. O Conselho Nacional 
das Cidades e os respectivos órgãos envolvidos dos estados e municí-
pios ficariam responsáveis pela gestão dos fundos habitacionais, que 
23
Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas...
deveria lastrear as operações de produção de unidades habitacionais 
para a população de baixa renda. Contava-se ainda com o FGTS como 
fonte de recursos para atendimento das necessidades das classes de 
baixa renda, enquanto que as demandas das classes sociais mais abas-
tadas seriam atendidas pelo Sistema Financeiro Imobiliário (SFI). 
Nesse contexto, o Estatuto das Cidades (Lei Federal 
nº 10.257/2001) teve importância digna de destaque, especialmente no 
que se refere à produção de unidades habitacionais voltadas às popu-
lações de baixa renda, uma vez que o texto da referida lei retomava 
princípios estabelecidos na Constituição de 1988, especialmente no seu 
art. 24, inciso I, que trata do “direito urbanístico”, garantindo a essas 
populações: 
A universalização do acesso a equipamentos, serviços, infraestruturas 
urbanas e um ambiente saudável, assegurando a vida com dignidade, 
qualidade e diversidade cultural e política. O Estatuto da Cidade não 
resolveria nem eliminaria as lutas de classes, mas reconheceria a neces-
sidade de legitimar e legalizar as áreas ocupadas num espaço marcado 
por extremas desigualdadesterritoriais (COSTA, 2014, p. 3). 
Além disso, acompanhando as tendências mundiais estimula-
das pela evolução do conceito de desenvolvimento sustentável, o Es-
tatuto das Cidades introduziu no ordenamento jurídico brasileiro o 
direito às cidades sustentáveis, sofisticando e expandindo o direito à 
moradia, constitucionalmente garantido, de forma a assegurar também 
as questões ligadas à sustentabilidade urbana e à qualidade de vida dos 
habitantes dos centros urbanos:
O conceito de cidades sustentáveis, em síntese, busca o equilíbrio sau-
dável e sustentável, sempre atento à qualidade de vida da população. O 
crescimento das cidades, assim, deve continuamente estar atento aos li-
mites da sustentabilidade ambiental, social e econômica, focando, prin-
cipalmente, na população das urbes, para que esta possa exercer seus 
direitos básicos (JEREISSATI, 2015, não paginado). 
Na sequência, em 2004, o governo petista aprova a Política Na-
cional de Habitação (PNH), que se dividia em: Sistema Nacional de 
24
Douglas de Almeida Silveira
Habitação de Interesse Social (SNHIS), voltado às necessidades das po-
pulações cuja faixa de renda fosse de 0 a 5 salários mínimos; e Sistema 
de Habitação de Mercado, que deveria atender populações cuja faixa 
salarial fosse de 5 a 10 salários mínimos. Fica instituído, em 2005, o 
Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), criado para 
dar suporte ao desenvolvimento, à elaboração e à implementação das 
políticas habitacionais para populações carentes, como: urbanização 
de favelas e realocação de famílias que vivem em áreas de risco. Essas 
ações também contavam com recursos do FGTS e do FAR.
O FAR é um fundo financeiro privado, administrado pela Caixa 
Econômica Federal, criado com a finalidade de distanciar o patrimô-
nio e a contabilidade dos recursos financeiros e imobiliários destinados 
originalmente ao Programa de Arrendamento Residencial (PAR). Foi 
criado em 2001, mediante a promulgação da Lei nº 10.188, de 12 de 
fevereiro, que também instituía a criação do PAR, ao qual o fundo se 
destinava, porém, à medida que o Programa Minha Casa Minha Vida 
foi se estruturando e se fortalecendo, o PAR foi sendo descontinuado. 
O FAR, ainda hoje, tem atuação importante no contexto da con-
cretização do direito à moradia, uma vez que é com recurso deste fundo 
que são produzidas as unidades habitacionais destinadas às famílias de 
baixa renda enquadradas na faixa I do Programa Minha Casa Minha 
Vida. São essas as famílias que recebem o subsídio máximo do gover-
no, sendo exigida, porém, a participação financeira dos beneficiários, 
dispensada nos casos em que as operações realizadas com recurso do 
FAR demandarem reassentamento e remanejamento e/ou substituição 
de unidades habitacionais, desde que essas operações sejam vinculadas 
ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), conforme § 4º do 
art. 2º, do Decreto-Lei nº 7.795, de 24 de agosto de 2012, bem como a 
alínea I do art. 6º, da Portaria Interministerial do Ministério das Cida-
des nº 99, de 30 de março de 2016. Esses casos costumam se concretizar 
nas intervenções realizadas pelos entes públicos em áreas consideradas 
impróprias para moradia. 
25
Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas...
Na sequência, apresentamos algumas considerações a respeito 
da proposição teórica de Nancy Fraser acerca das políticas de redistri-
buição e reconhecimento, que devem nortear a análise desenvolvida 
em seguida.
Reconhecimento x redistribuição: uma perspectiva 
bidimensional 
É claro que ainda é utópico pensar que a distribuição de renda 
está próxima de ser equânime no Brasil, porém é inegável que o vertigi-
noso crescimento econômico do Brasil dos últimos 20 anos promoveu o 
acesso a serviços e, ainda que modestamente, a ascensão econômica de 
parte da população e o acesso a um conjunto de direitos sociais. 
Nesse contexto, acompanhando as tendências mundiais (for-
temente influenciadas pelo fim do comunismo, pela consolidação da 
ideologia de livre mercado), no Brasil, também começaram a emergir 
com mais vigor as demandas por reconhecimento de muitas minorias 
e grupos sociais até então silenciados. Consideramos pertinente, para 
auxiliar na compreensão desses fenômenos, a teoria de Nancy Fraser, 
filósofa norte-americana que se insere no debate entre liberais e comu-
nitaristas, no que se alinha ao pensamento liberal. Filiada à Teoria Críti-
ca, sua obra tem forte viés feminista e a preocupação bastante presente 
com o desenvolvimento das concepções de justiça. 
Segundo Fraser, recentemente, as considerações teóricas acerca 
das forças políticas de redistribuição e reconhecimento, base de susten-
tação do conceito de justiça social, vêm sendo trabalhadas como forças 
distintas e, até mesmo, contrárias. De um lado, situam-se os partidários 
da redistribuição, que, fundamentados em ecos da tradição socialista, 
acreditam na distribuição mais justa de bens e recursos como principal 
meio de se atingir o bem-estar social. De outro, estão os teóricos do re-
conhecimento, que objetivam um mundo de aceitação da diferença, em 
26
Douglas de Almeida Silveira
que o respeito ao indivíduo não seja condicionado à conformidade com 
a norma cultural dominante. 
Os teóricos filiados à redistribuição ou ao reconhecimento assu-
mem concepções diferentes de injustiça e, portanto, pensam diferen-
tes soluções para ela. Também diferem em relação a suas concepções 
acerca das coletividades que estão sujeitas a essas injustiças e assumem 
ideias distintas quanto às diferenças de grupo, e são essas dicotomias 
que, nas respectivas teorias, embasam a ideia de que redistribuição e 
reconhecimento são forças inconciliáveis e por vezes antagônicas. A es-
sas concepções Fraser e Honneth se referem como uma falsa antítese 
(2006, p. 22), conforme poderemos compreender melhor adiante.
Em uma terceira via, é proposta a teoria da filósofa e pensadora 
feminista norte-americana Nancy Fraser. Ela propõe o alargamento do 
conceito de justiça social de forma a integrar redistribuição e reconheci-
mento em um único marco normativo, sustentando que nem esse nem 
aquela seriam suficientes por si só, ou seja, que um conceito de justiça 
social adequado à realidade do nosso tempo deve ser capaz de com-
preender as reivindicações legítimas de igualdade na distribuição de 
recursos bem como de superação das diferenças. 
De acordo com Fraser, existiriam grupos situados no centro do 
espectro conceitual, cujos extremos seriam a redistribuição e o reco-
nhecimento: os quais ela chama de bidimensionalmente subordinados, 
uma vez que sofrem com a má distribuição de recursos e com o reco-
nhecimento que lhes é negado. A autora exemplifica o argumento ci-
tando o grupo de gênero, que, do ponto de vista distributivo, sofre com 
a estrutura da divisão do trabalho, historicamente consolidado o traba-
lho reprodutivo e doméstico a cargo das mulheres, e também, no plano 
econômico, com a diferença de faixas salariais pagas entre empregados 
homens e mulheres. Do ponto de vista do reconhecimento, a diferencia-
ção de status dos gêneros masculino e feminino resta evidente diante do 
histórico patriarcado, da liberdade sexual da marginalização do corpo, 
entre outros. Em suma, a superação das injustiças sofridas com base na 
27
Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas...
diferenciação de gênero não pode se sustentar em políticas de redistri-
buição ou de reconhecimento em separado, havendo, sim, a necessida-
de de integração de ambas. 
Na prática, a bidimensionalidade está sempre presente: 
A efeitos práticos, quase todos os eixos de subordinação do mundo real 
podem ser tratados como bidimensionais. Praticamente todos pressupõem 
tanto uma má distribuição como um reconhecimento errôneo de maneira 
que cada uma destas injustiças tenha certo peso independente sejam quais 
forem suas raízes. Sem dúvida nem todos os eixos de subordinaçãosão 
bidimensionais do mesmo modo ou com o mesmo grau. Alguns como 
classe social, mais inclinados para o extremo da distribuição, outros como 
sexualidade, mais inclinados para o extremo do reconhecimento enquanto 
outros como gênero e “raça” se agrupam no centro desse espectro. A pro-
porção exata do prejuízo econômico e de subordinação de status deve ser 
determinada empiricamente em cada caso. Ainda assim, praticamente em 
todos os casos os danos em questão compreendem tanto a má distribuição 
quanto o reconhecimento errôneo, de maneira que nenhuma dessas injus-
tiças pode ser reparada por completo de forma direta, mas cada uma re-
quer certa atenção prática independente. Portanto como questão prática a 
superação da injustiça em quase todos os casos exige tanto a redistribuição 
quanto o reconhecimento (FRASER; HONNETH, 2006, p. 33). 
Os autores justificam a necessidade de um conceito de bidi-
mensionalidade, afirmando que esse se torna extremamente necessário 
quando deixamos de considerar os eixos de subordinação em sepa-
rado, para considerá-los de forma integrada. Sendo que gênero, raça, 
classe social e sexualidade permeiam os interesses e as identidades de 
todos os indivíduos, logo, ninguém pertenceria somente a uma dessas 
coletividades, podendo um indivíduo ou grupo ser subordinado em 
um desses eixos e dominante em outro.
As implicações da bidimensionalidade para a 
filosofia moral
O alinhamento da redistribuição e do reconhecimento não é tare-
fa nada simples, especialmente nos termos em que Fraser (2007, p. 135) 
se propõe a fazê-lo, ou seja, de forma a evitar a avaliação ética, que 
28
Douglas de Almeida Silveira
considera problemática, uma vez que “[...] está sujeita à disputa sem-
pre que horizontes avaliadores divergentes entram em contato”. Isto é, 
quando se recorre à avaliação ética, especialmente em questões amplas 
que envolvem certas coletividades, sempre existe a possibilidade de 
que os argumentos éticos sejam balizados por visões de mundo parti-
culares deste ou daquele grupo, potencialmente rejeitadas por outros 
grupos: “Em geral, então, se nenhuma outra – não ética – justificação 
está disponível, o não reconhecimento, e, por conseguinte, a injustiça, 
não pode ser evitado” (FRASER, 2007, p. 134). 
O primeiro obstáculo que se apresenta à autora, nessa tentati-
va de alinhamento dessas teorias, é saber se os paradigmas de justiça, 
que, na filosofia moral, geralmente derivam da moralidade, podem dar 
conta das reivindicações por reconhecimento ou se, para isso, seria ne-
cessário recorrer à ética, uma vez que a maioria dos filósofos vincula 
a justiça distributiva com a moralidade kantiana2 e o reconhecimento 
com a ética hegeliana.3 Disso decorre o problema, dado o fato de que 
as normas de justiça são pensadas como universalmente abrangentes, 
enquanto as demandas por reconhecimento se afirmam em âmbitos es-
pecíficos, geralmente individuais ou de grupos, que exigem, por vezes, 
julgamentos sobre o valor das práticas identitária e que, portanto, não 
podem ser universalizados. 
O que Fraser propõe é o rompimento com o modelo de identida-
de, que considera problemático, uma vez que, de acordo com esse mo-
2 Consideramos pertinente introduzir, mesmo que superficialmente, os conceitos 
abordados de forma a contextualizá-los para o leitor leigo. Para Kant, apesar de 
as pessoas terem a obrigação de obedecer à lei maior, ainda lhes cabia assumir 
responsabilidade individual por suas escolhas morais. Ele considerava que o indivíduo 
somente deveria agir de acordo com regras e preceitos que acreditasse universais, ou 
seja, comuns a todos (KELLY et al., 2013, p. 128).
3 Para Hegel, o reconhecimento é uma necessidade inerente do ser humano, 
indispensável para que conquiste a consciência de si, logo, a consciência humana 
dependeria de um processo social interativo. Ou seja, o reconhecimento dependeria 
exclusivamente do encontro de duas mentes, havendo, porém, espaço para somente 
uma visão de mundo, travando-se uma luta para consagrar aquela que triunfa (KELLY 
et al., 2013, p. 157).
29
Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas...
delo, a demanda por reconhecimento é originada na identidade cultu-
ral do grupo. Logo, o não reconhecimento consistiria na depreciação da 
identidade do indivíduo membro do grupo, porém, para Fraser, essa 
concepção é equivocada, uma vez que nega a heterogeneidade interna 
dos grupos e o papel desempenhado pelas instituições sociais e pela 
interação social. 
Por isso Fraser propõe o que chama de modelo de status, em 
que afirma que a exigência por reconhecimento não parte da identida-
de específica do grupo, mas, sim, da capacidade de participação como 
um igual aos demais na vida social. Quando o padrão institucionaliza-
do de valor cultural servir à exclusão ou à depreciação dos membros 
de determinado grupo, comprometendo a sua participação integral na 
interação social, configuram-se o não reconhecimento e a subordina-
ção de status; sendo assim, as políticas de reconhecimento, quando de 
acordo com o modelo de status, devem buscar “[...] desinstitucionalizar 
padrões de valoração cultural que impedem a paridade de participação 
e substitui-los por padrões que a promovam” (FRASER, 2007, p. 109).
Para Fraser, a materialização social da justiça demandaria acor-
dos sociais. Esses acordos seriam necessários para assegurar que todos 
os membros adultos de uma sociedade pudessem interagir de forma 
absolutamente igualitária, ou seja, em paridade de participação. A pa-
ridade participativa somente poderia ser garantida mediante a existên-
cia de duas condições. Primeiramente, a condição objetiva à paridade 
de participação seria a necessidade de a distribuição de recursos estar 
estruturada de forma a garantir a independência dos participantes da 
interação social, excluindo-se quaisquer formas de dependência e de-
sigualdade (FRASER; HONNETH, 2006). A segunda condição seria a 
condição intersubjetiva da paridade de participação (FRASER; HON-
NETH, 2006), caracterizada pela substituição de normas e padrões 
institucionalizados que servem à marginalização e à depreciação de 
grupos e pessoas, impedindo-lhes, dessa forma, da plena paridade de 
participação da interação social. 
30
Douglas de Almeida Silveira
A ideia de paridade de participação é bastante significativa na 
teoria de Fraser, ela pressupõe a reivindicação da universalidade das 
coisas e aparece, pode-se dizer, como que um balizador das políticas 
públicas, vejamos o exemplo citado pela própria autora: 
Exemplos abrangem as leis matrimoniais que excluem a união entre 
pessoas do mesmo sexo por serem ilegítimas e perversas, políticas de 
bem-estar que estigmatizam mães solteiras como exploradores sexual-
mente irresponsáveis e práticas de policiamento tais como a “catego-
rização racial” que associa pessoas de determinada raça com a crimi-
nalidade. Em todos esses casos, a interação é regulada por um padrão 
institucionalizado de valoração cultural que constitui algumas catego-
rias de atores sociais como normativos e outros como deficientes ou 
inferiores: heterossexual é normal, gay é perverso; “famílias chefiadas 
por homens” são corretas, “famílias chefiadas por mulheres” não o são; 
“brancos” obedecem à lei, negros são perigosos. Em todos os casos, o 
resultado é negar a alguns membros da sociedade a condição de parcei-
ros integrais na interação, capazes de participar como iguais aos demais 
(FRASER, 2007, p. 108). 
Concebendo, então, o reconhecimento como uma forma de 
igualdade de status (paridade de participação), o modelo de status des-
loca o reconhecimento do campo da ética para o campo da moralida-
de, uma vez que “[...] libera a força normativa das reivindicações por 
reconhecimento da dependência direta a um específico e substantivo 
horizonte de valor” (FRASER, 2007, p. 110).
Porém, sabemos que nem toda a demanda por reconhecimento 
é, de fato, uma demanda legítima e justificada. Fraser apela,então, à 
paridade de participação como critério que deve servir como lastro na 
avaliação dessas questões, ou seja, 
[...] independentemente de ser uma questão de redistribuição ou de re-
conhecimento, os reivindicantes devem mostrar que os arranjos atuais 
os impedem de participar em condição de igualdade com os outros na 
vida social (FRASER, 2007, p. 125).
31
Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas...
O dualismo perspectivo 
Para Fraser e Honneth (2006, p. 52), dizer que uma sociedade 
se divide em uma estrutura de classes pressupõe reconhecer que esta 
mesma sociedade “[...] institucionaliza mecanismos econômicos que 
negam de forma sistemática a alguns de seus membros os meios e as 
oportunidades de que necessitam para participar da vida social em pé 
de igualdade com os demais”. Do mesmo modo que quando se afirma 
que, em determinada sociedade, vige uma hierarquia de status, pressu-
põe-se admitir que esta mesma sociedade “[...] institucionaliza padrões 
de valor cultural que negam por completo a alguns membros o reco-
nhecimento de que necessitam para participar plenamente da interação 
social” (FRASER; HONNETH, 2006, p. 52).
Dito isso, o status e a classe social representam, respectivamente, 
o reconhecimento errôneo e a má distribuição (FRASER; HONNETH, 
2006). O status representa uma ordem de subordinação intersubjetiva 
resultante dos padrões institucionalizados de valor cultural que impe-
dem a paridade de participação de alguns membros de determinados 
grupos, relacionado a “significados e normas institucionalizados sobre 
a posição dos atores sociais” (FRASER; HONNETH, 2006, p. 53). Já a 
classe social, uma ordem de subordinação objetiva, estaria relaciona-
da à organização econômica, estruturada de forma a negar a alguns 
grupos ou indivíduos a paridade de participação social. Logo, a classe 
social corresponderia à dimensão distributiva, uma vez relacionada aos 
recursos econômicos e à riqueza. O que nos leva à característica fun-
damental que consideramos legitimar a teoria de Nancy Fraser como 
válida para a análise de políticas públicas de inclusão social: ela afirma 
que uma perspectiva verdadeiramente crítica deve revelar as conexões 
ocultas entre a distribuição e o reconhecimento: 
32
Douglas de Almeida Silveira
[...] deve fazer visíveis e criticáveis os subtextos culturais dos processos 
nominalmente econômicos e os subtextos econômicos das práticas no-
minalmente culturais. Ao tratar cada prática como econômica e cultural 
ao mesmo tempo, embora não tenha por que ser em igualdade de pro-
porções, deve avaliar cada uma a partir de duas perspectivas diferentes. 
Deve assumir tanto o ponto de vista da distribuição quanto do reconhe-
cimento sem reduzir nenhuma dessas perspectivas a outra (FRASER; 
HONNETH, 2006, p. 63). 
A esse enfoque Fraser e Honneth chamam dualismo perspecti-
vo. O dualismo perspectivo permite que se possa empregar a perspec-
tiva do reconhecimento para se identificar as dimensões culturais que, 
comumente, possam ser consideradas políticas redistributivas, bem 
como pode ser utilizada a perspectiva de redistribuição para se jogar 
luz sobre as dimensões econômicas daqueles que podem ser considera-
dos problemas de reconhecimento:
Portanto com o dualismo perspectivo, podemos avaliar a justiça de 
qualquer prática social a despeito de que esteja ou não institucional-
mente situada, de dois pontos de vista normativos analiticamente dife-
rentes perguntando: a prática em questão serve para garantir tanto as 
condições objetivas como subjetivas da paridade de participação, ou ao 
contrário disso ela as debilita? (FRASER; HONNETH, 2006, p. 64). 
Conforme essa contextualização, infere-se que a teoria bidi-
mensional possibilita uma avaliação da justiça da prática das políticas 
públicas, que é o nosso objetivo no presente trabalho: verificar de que 
modo as diretrizes que regem o Programa Minha Casa Minha Vida, 
faixa I, produção e aquisição de imóveis com recurso do FAR, respon-
dem à grande questão dos autores: “[...] a prática em questão serve para 
garantir tanto as condições objetivas como as subjetivas da paridade 
de participação ou, ao invés disso, as debilita?” (FRASER; HONNETH, 
2006, p. 64).
33
Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas...
Procedimentos metodológicos 
Para submeter a política de produção de unidades habitacionais 
por meio de recursos do FAR a esse filtro, trabalhamos, como fonte de 
dados, com a regulamentação dessas operações: leis federais e porta-
rias dos ministérios, porém, mantendo-se nesta análise somente as nor-
mativas que deliberam matéria que seja relevante para o beneficiário 
final, filtrando-se ainda dentro do texto dessas normativas somente os 
itens nos quais existem deliberações que modificam o produto final ou 
a vida do beneficiário dessas políticas. 
Assim, do conjunto de normas que regra as operações de pro-
dução de unidades com recurso do FAR, utilizaremos como base a Lei 
nº 11.977, de 07 de julho de 2009, que dispõe sobre o Programa Minha 
Casa Minha Vida, e a regulamentação fundiária de assentamentos lo-
calizados em áreas urbanas, bem como o Decreto-Lei nº 7.499, de 16 de 
junho de 2011, que regulamenta alguns dispositivos da lei, os quais são 
relevantes para nossa análise, e também os Decretos-Lei nº 7.795, de 24 
de agosto de 2012, e nº 7.825, de 11 de outubro de 2012, que alteram o 
Decreto-Lei nº 7.499 (anteriormente mencionado). 
Além disso, as Leis nº 12.418 e nº 12.419, ambas de 09 de junho 
de 2011, que alteram a Lei nº 10.741 – Estatuto do Idoso, que, apesar de 
não configurar regulamentação direta das operações do FAR, tem im-
pacto na distribuição das unidades habitacionais, uma vez que reserva 
percentual delas ao atendimento a beneficiários idosos com especifica-
ções dos imóveis. 
Ainda são parte indispensável desta análise: a Portaria nº 99, de 
30 de março de 2016, que dispõe sobre os parâmetros para a seleção dos 
beneficiários das unidades habitacionais pelo ente público; a Portaria 
nº 146, de 26 de abril de 2016, que apresenta as especificações mínimas 
para elaboração dos projetos de engenharia e arquitetura dos imóveis 
que integram os empreendimentos produzidos com recursos do FAR; 
34
Douglas de Almeida Silveira
e, por fim, a Portaria nº 321, de 14 de julho de 2016, que dispensa do sor-
teio os candidatos a beneficiários enquadrados que possuam membro 
da família vivendo sob sua dependência com microcefalia devidamen-
te comprovada. 
Percebe-se a complexidade da análise proposta neste artigo, 
haja vista o fato de que são inúmeros os artigos, parágrafos e alíneas do 
texto de leis e portarias que fundamentam este estudo, que certamente 
mereceriam uma apreciação mais detalhada. Porém, com objetivos prá-
ticos e dadas as limitações formais deste estudo, chegamos a uma es-
truturação dos dados em cinco grandes grupos divididos por temática. 
São eles: as especificações mínimas dos imóveis, a definição de grupo 
familiar, a prioridade de atendimento, as questões que concernem à 
renda mensal do grupo familiar e os direitos e deveres sobre os bens 
imóveis. 
A essa divisão em categorias – alinhada com a proposição de 
Minayo e Gomes (2007), que versa sobre a metodologia do trabalho 
com categorias na pesquisa científica – chamamos empírica, pois, resul-
tando da verificação minuciosa de todos os itens integrantes desse cor-
pus de normativas (relevantes para a análise que se intenciona realizar), 
ela praticamente se impôs, uma vez que todos os elementos agrupados 
dispõem sobre algumas dessas matérias que encabeçam cada um des-
ses grupos. 
A característica central, comum a todas as categorias apresenta-
das, é que se trata de aspectos das deliberações que, de uma forma ou 
de outra, estão diretamente associadas ao resultado do programa para 
o beneficiário final, critério que se justifica em razão da perspectiva de 
análise a partir da ótica teórica daparidade de participação. 
Esses dados coletados serão apresentados na sequência, bem 
como, adiante, a análise desses dados, visando a estabelecer a sua re-
lação com a ideia de efetivação (ou não) da justiça social por meio do 
programa, de acordo com a perspectiva bidimensional de Fraser. 
35
Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas...
Análise das condições de paridade de participação 
dos beneficiários de políticas públicas de habitação 
subsidiadas com recursos do FAR 
Primeiramente, faz-se pertinente adentrar a estrutura da análise 
que será feita na sequência, quer dizer, partindo do conceito de parida-
de de participação, intenciona-se dimensionar em que medida o pro-
grama pode garantir e/ou debilitar as condições objetivas à paridade 
de participação (ou seja, de distribuição de recursos visando a diminuir 
as desigualdades socioeconômicas) bem como as condições subjetivas 
à paridade de participação (ou seja, as condições que garantem o esta-
belecimento de padrões de valor cultural que possibilitem o respeito 
igualitário a todos os participantes da interação social), conforme con-
ceitos já apresentados anteriormente.4
Analisando o FAR a partir da perspectiva 
bidimensional da justiça social 
Inicialmente, destacamos o fato de que o Programa Minha Casa 
Minha Vida (de agora em diante designado PMCMV), especialmente 
no que diz respeito à faixa I – habitação de interesse social –, mais espe-
cificamente as operações subsidiadas pelo FAR, das quais tratamos até 
o momento de acordo com as proposições de Fraser, pode ser percebido 
como integrante de uma política pública que foi criada com objetivos 
predominantemente distributivos, o que se pode inferir pela própria fi-
nalidade do programa, uma vez que serve especialmente à diminuição 
4 Consideramos relevante informar que a análise que se pretende fazer deve abranger 
somente as implicações do programa quanto à paridade de participação que promove 
àqueles por ele beneficiados, ou seja, enquadrados dentro das normas do programa, 
sem a pretensão de entrar no mérito das implicações acerca da redistribuição e do 
reconhecimento negados àqueles que, por não atenderem este ou aquele critério, 
ficam desenquadrados do programa. 
36
Douglas de Almeida Silveira
do déficit habitacional no país e à melhora da qualidade de vida das 
populações de baixa renda, mediante custeio e/ou subsídio de unida-
des habitacionais a esse público, o que por si só configura uma forma 
de distribuição de renda e recursos. Isso não significa, contudo, que 
não se gerem consequências em termos de reconhecimento, seguindo 
a proposição de Fraser (2007) e Fraser e Honneth (2006). Na sequência, 
será apresentada cada uma das categorias construídas. A partir disso, 
buscamos responder à problemática de pesquisa.
As especificações mínimas do imóvel 
Apesar de as especificações mínimas estarem regulamentadas 
na portaria do Ministério das Cidades, a Lei nº 11.977, de 07 de julho de 
2009, já garantia condições de acessibilidade a todas as áreas de uso co-
mum, disponibilidade de unidades adaptáveis para pessoas com defi-
ciência, idosos ou pessoas com mobilidade reduzida. Além disso, auto-
rizava ainda o custeio no âmbito do PMCMV, de aquisição e instalação 
de equipamentos de energia solar que contribuíssem com a redução do 
consumo de água nas moradias. 
As especificações mínimas dos imóveis produzidos com recur-
sos do FAR estão definidas integralmente na Portaria nº 146, expedida 
pelo Ministério das Cidades em 26 de abril de 2016, que institui, ini-
cialmente, que o empreendimento deve estar incluído em área urbana 
ou em zonas de expansão, de forma a evitar que os empreendimentos 
sejam construídos em áreas muito distantes da área urbana. A portaria 
ainda exige que essas zonas de expansão devem ter sido criadas há pelo 
menos 2 anos da data de contratação do empreendimento, devendo 
este ainda estar articulado junto com a malha viária já existente ou em 
local facilmente integrável à malha viária futura, priorizado o uso por 
pedestres e garantida a acessibilidade por pessoas com deficiência e 
com mobilidade reduzida. 
37
Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas...
O projeto deverá considerar o entorno de forma a superar bar-
reiras físicas naturais ou construídas entre o empreendimento e o res-
tante da cidade, devendo ainda as redes de energia elétrica, iluminação 
pública, abastecimento de água potável e soluções de esgotamento es-
tarem operantes até a data de entrega do empreendimento aos benefi-
ciários. Deverá prever estratégias para a redução do consumo de ener-
gia e, quando possível, viabilizar a utilização de fontes renováveis de 
energia, como a solar e/ou a eólica. Deverá, ainda, prever iluminação 
pública, arborização e mobiliário urbano adequados para os espaços 
livres públicos e de circulação. Além disso, a portaria exige que o em-
preendimento preveja o atendimento à necessidade das famílias com 
crianças em idade escolar, por escolas de educação infantil e de ensino 
fundamental, localizadas preferencialmente em seu entorno. Além dis-
so, deverá constar no projeto a indicação de: vias de acesso ao empre-
endimento, comércio e serviços relevantes e equipamento de saúde e 
educação em seu entorno. 
É também exigência deste documento que todas as unidades 
habitacionais destinadas às pessoas com deficiência(s) ou às famílias 
das quais façam parte essas pessoas sejam adaptadas, respeitando-se 
o tipo de deficiência e observando-se orientação específica mínima for-
necida pelo Ministério das Cidades; sendo que deverão ser destinadas 
a portadores de necessidades especiais, pelo menos, 3% das unidades 
habitacionais produzidas no âmbito do PMCMV em cada município, 
nos casos em que não exista regra/legislação municipal em que conste 
determinação diferente desta. 
A definição do grupo familiar
Nos termos da Lei nº 11.977, para fins de enquadramento no 
PMCMV, caracteriza-se como grupo familiar: “[...] unidade nuclear 
composta por um ou mais indivíduos que contribuem para o seu ren-
dimento ou tem suas despesas por ela atendidas e abrange todas as es-
38
Douglas de Almeida Silveira
pécies reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, incluindo-se 
nestas a família unipessoal” (BRASIL, 2009, não paginado). A definição 
de grupo familiar é bastante ampla, incluindo até mesmo as famílias 
compostas de apenas um membro e, apesar de não constar explicita-
mente no texto de lei, as famílias homoafetivas, sendo que já são reco-
nhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro enquanto famílias.5
A abrangência do conceito de grupo familiar permite a inclusão 
no programa de um maior número de pessoas, dos mais variados gru-
pos familiares, já que delega as delimitações de caráter mais seletivo 
para critérios mais pragmáticos, especialmente aqueles relacionados 
com a necessidade de urgência de atendimento e a renda do grupo fa-
miliar, ou seja, ligados a aspectos que, teoricamente, podem selecionar 
de forma mais confiável aqueles que teriam maior necessidade de aten-
dimento. 
A prioridade de atendimento 
Tanto as leis reguladoras quanto as portarias que regem as con-
tratações efetuadas no âmbito do FAR estabelecem algumas priorida-
des de atendimento e algumas características excepcionais que deverão 
nortear a seleção e a contemplação de beneficiários. São elas: famílias 
residentes em áreas de risco ou naquelas consideradas insalubres, fa-
mílias que tenham sido desabrigadas ou que perderam sua moradia em 
razão de enchentes, alagamentos ou quaisquer demais desastres natu-
rais; famílias com mulheres responsáveis pela unidade familiar. A Lei 
nº 11.977 ainda dispõe que os contratos e registros efetivados no âmbito 
do PMCMV deverão ser formalizados, preferencialmente, no nome da 
mulher. 
5 Especialmente após o julgamento, em maio de 2011, pelo Supremo Tribunal Federal, 
da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)4277 e da Arguição de Descumprimento 
de Preceito Fundamental (ADPF) 132, em que foram reconhecidas as uniões estáveis 
entre pessoas do mesmo sexo.
39
Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas...
Fica ainda resguardado na mesma lei o direito de que, nos casos 
de títulos de propriedade de imóveis adquiridos pelo PMCMV com 
recurso do FAR ou do FDS, nas hipóteses de dissolução de união está-
vel, separação ou divórcio, o título da propriedade será registrado no 
nome da mulher ou a ela transferido, independentemente do regime de 
bens aplicável, com exceção dos casos que envolvem recursos do FGTS. 
Porém, nos casos em que haja filhos do casal e a guarda for atribuída 
exclusivamente ao marido, o título da propriedade será registrado em 
seu nome ou a ele transferido. 
Ainda, é permitida, nos casos em que a beneficiária final seja 
mulher chefe de família, no âmbito do PMCMV ou em quaisquer pro-
gramas de regularização fundiária ou de habitação de interesse social 
promovidos por ente público, seja União, estados, Distrito Federal ou 
municípios, em caráter excepcional no direito brasileiro: a assinatura 
de contrato independentemente da outorga do cônjuge, com exceção 
dos casos que envolvam recursos do FGTS. 
As Leis nº 12.418 e nº 12.419, ambas de 09 de junho de 2011, ape-
sar de não estarem diretamente ligadas à regulação das operações do 
FAR, alteram a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, que dispõe sobre 
o Estatuto do Idoso, fixando um percentual de pelo menos 3% das uni-
dades habitacionais a ser disponibilizado para atendimento aos idosos 
e exigindo que essas unidades devem, preferencialmente, situar-se no 
pavimento térreo em casos de edificações prediais. 
Da renda mensal do grupo familiar 
Os contratos de arrendamento residencial celebrados no âmbito 
do PMCMV para operações com recurso do FAR são contratos de alie-
nação fiduciária desses imóveis, ou seja, o beneficiário assina o contrato 
de compra e venda em seu nome, porém, até a quitação da dívida, o 
bem permanece alienado ao fundo. 
40
Douglas de Almeida Silveira
O Decreto-Lei nº 7.499, de 16 de junho de 2011, determina, entre 
diversas outras matérias sobre a questão da renda mensal do grupo fa-
miliar, que é obrigatória a participação financeira dos beneficiários sob 
forma de 120 prestações mensais, essas prestações, atualmente, variam 
entre R$ 80,00 e R$ 180,00, de acordo com a renda do grupo familiar, 
conforme tabela constante na Portaria 99/2016, do Ministério das Cida-
des, exceto nos casos pela lei determinados, como veremos adiante. O 
baixo custo dessas prestações se deve ao fato de que o restante do valor 
que compõe o custo total do imóvel é custeado em forma de subvenção 
econômica pela União. 
Em operações com recursos provenientes do FAR, fica dispen-
sada a participação financeira do beneficiário nos casos em que essas 
operações forem vinculadas ao PAC e implicarem reassentamento, 
remanejamento ou substituição de unidades habitacionais, bem como 
nos casos em que forem demandadas para atendimento de famílias de-
sabrigadas que perderam seu único imóvel por conta de situações de 
emergência ou de calamidade pública. 
O referido decreto institui o valor de renda mensal do grupo fa-
miliar para enquadramento nas operações contratadas com recurso do 
FAR de até R$ 1.600,00 (valor revogado pela Portaria nº 99, do Minis-
tério das Cidades, aumentado para R$ 1.800,00) e institui, ainda, que, 
nos casos descritos no parágrafo anterior, o limite de renda deverá ser 
de até R$ 3.600,00.
Dos direitos e deveres sobre os bens imóveis 
Os contratos de compra e venda, cessão de direitos, promessas 
de cessão de direitos e procurações que tenham por objeto compra e 
venda desses imóveis, quando não precedidas da quitação do valor da 
dívida referente a determinado imóvel, são considerados nulos. 
41
Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas...
A quitação antecipada do valor do imóvel implica o pagamento 
do valor total da dívida contratual bem como a devolução do valor 
de subvenção econômica que lhe fora conferido; não sendo admitida 
a transferência inter-vivos dos imóveis sem a quitação da respectiva 
dívida. 
Além disso, se constatado o desvio de finalidade, ou quaisquer 
irregularidades na ocupação do imóvel que não para a residência do 
beneficiário, caberá à instituição financeira responsável pela opera-
cionalização da contratação declarar a rescisão do contrato bem como 
promover a retomada do imóvel, não havendo qualquer possibilidade 
prevista em lei de transferência, comercialização ou qualquer tipo de 
cessão do imóvel anterior à consolidação da propriedade pelo benefici-
ário, ou seja, decorrido o prazo de 10 anos, durante o qual o beneficiário 
titular do contrato deverá ocupar o imóvel. 
Analisando o FAR pela perspectiva bidimensional da 
justiça social, de Fraser
Uma vez que propusemos uma análise do FAR enquanto políti-
ca pública, precisamos de elementos que nos possibilitem responder o 
questionamento proposto por Fraser: “a prática em questão serve para 
garantir tanto as condições objetivas como as subjetivas da paridade de 
participação ou, ao invés disso, as debilita”? 
Para tal, devemos reconhecer, primeiramente, que a natureza do 
programa tem mais afinidade com a característica objetiva da paridade 
de participação, ou seja, da forma como o programa é constituído, ele 
tende a priorizar elementos de distributividade de recursos materiais 
e econômicos. Dito isso, podemos então identificar em que medida, 
de acordo com as proposições de Fraser, o programa pode promover 
redistribuição e reconhecimento às populações beneficiadas, uma vez 
que, segundo Fraser, mesmo uma política que foi concebida para uma 
42
Douglas de Almeida Silveira
finalidade (ou redistribuição ou reconhecimento) terá implicações em 
ambas as direções, já que redistribuição e reconhecimento são mutua-
mente imbricados. Vejamos, primeiramente, em que medida o progra-
ma pode promover a paridade de participação por meio da redistribui-
ção de recursos. 
A faixa I do PMCMV se caracteriza especialmente por dois fato-
res: primeiro, os imóveis são produzidos exclusivamente com recurso 
do FAR; segundo, esses imóveis visam ao atendimento de necessida-
des das famílias de baixa renda. Em um levantamento realizado pela 
Fundação João Pinheiro (2016), divulgado por meio de um relatório 
no ano de 2016, constatou-se que o déficit habitacional brasileiro está 
concentrado, especialmente, na população cuja renda mensal é de até 
três salários mínimos, atingindo, em 2014, ano base da pesquisa, o alar-
mante número de 83,9% dessa população. Nisto reside, talvez, o mais 
importante papel desempenhado pelo programa, especialmente em re-
lação ao critério objetivo da paridade de participação: a distribuição 
de recursos, uma vez que possibilita o acesso à moradia digna a essas 
populações de baixa renda, que talvez, de outra forma, dele não pode-
riam dispor. 
A destinação de subsídios do governo, que torna possível a rea-
lização do programa, já que é o elemento definitivo na redução de custo 
dos imóveis para o beneficiário final (até mesmo a isenção de custo, 
como vimos anteriormente), também demonstra o caráter redistributi-
vo do programa, uma vez que força o Estado a destinar recursos públi-
cos para o investimento direto na qualidade de vida das populações de 
baixa renda, removendo, em certa medida, os obstáculos burocráticos 
e financeiros que, de outra forma, possivelmente, impediriam o acesso 
à casa própria. 
Outra característica do programa que assegura sua competência 
de redistribuição são as determinações constantes nas especificações 
mínimas dos empreendimentos. Esse mecanismo funciona como um 
43
Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas...
agente refinador do processo de produção desses imóveis, que deve 
afiançar a qualidade dos imóveisentregues, como que expandindo 
também o acesso ao que podemos chamar de direitos acessórios (trata-
mento de esgoto, aparelhos de educação e saúde, iluminação pública, 
saneamento básico, acesso à malha urbana, entre outros), de forma bas-
tante alinhada, por exemplo, com o conceito de cidade sustentável do 
Estatuto da Cidades, servem como uma garantia que visa a certificar-se 
de que a aplicação de recursos públicos do FAR também possa garantir 
o atendimento de necessidades básicas de saúde e educação e melhorar 
a qualidade de vida dos habitantes locais. 
Em se tratando dos aspectos do programa que servem ao agen-
ciamento da paridade de participação por meio de ações que promo-
vam o reconhecimento, consideramos pertinente lembrar que, para 
Fraser, o conceito de reconhecimento não está relacionado à repara-
ção de identidades individuais ou de grupos que por ventura sejam 
lesadas, mas, sim, à remoção dos obstáculos que impeçam a paridade 
de participação por parte desses grupos, requerendo a substituição de 
padrões de valores a eles associados nos casos em que esses padrões 
forem depreciativos a esses grupos e indivíduos. 
Nesse sentido, podemos perceber como a definição de grupo fa-
miliar adotada pelo programa, por sua amplitude, é fundamental para 
pensarmos sobre reconhecimento, já que é um conceito que não se res-
tringe a um padrão socialmente dominante de família, na medida em 
que nega o padrão cultural posto pelo modelo nuclear, em que família 
se constitui, via de regra, por pai, mãe e filhos. Quando o programa 
abandona esse conceito tradicional de família e adota um parâmetro 
mais inclusivo e progressista, promove a substituição de narrativas 
depreciativas que envolvem as minorias potencialmente excluídas do 
primeiro. 
Além disso, o PMCMV faixa I manifestamente demonstra aten-
ção especial em relação a alguns grupos socialmente estigmatizados, 
44
Douglas de Almeida Silveira
como idosos e pessoas com deficiência. Essa preocupação também 
pode ser percebida como um viés de reconhecimento, pois remove obs-
táculos à paridade de participação desses grupos subalternizados, ao 
conferir a eles um status de igualdade em relação aos demais membros 
da sociedade – confiando-lhes a autonomia para gerir uma casa, por 
exemplo –, nesse caso, removendo um padrão de valoração cultural vi-
gente na sociedade, que reproduz o discurso de que “velhos e deficien-
tes” são subcidadãos, isto é, não seriam dignos de cidadania análoga 
aos “normativos”. 
Façamos um parêntese em relação ao caso das mulheres chefes 
de família, que, da mesma forma que os idosos e portadores de neces-
sidades especiais anteriormente mencionados, também configuram um 
grupo refém desse discurso de subcidadania. Note-se que o programa 
tem uma atenção ainda mais dedicada a esse grupo específico, ou até 
mesmo em relação ao gênero feminino. Como exemplo, nos casos das 
mulheres chefes de família, há a dispensa, em caráter excepcional no or-
denamento jurídico brasileiro, da outorga do cônjuge na assinatura de 
contratos, bem como a consolidação da propriedade em nome da mu-
lher nos casos de separação ou divórcio, independentemente do regime 
de bens aplicável. Em um mundo que favorece valores culturais institu-
cionalizados, majoritariamente ligados ao masculino, especialmente no 
contexto econômico, quando o programa privilegia o grupo de “gênero 
feminino/baixa renda”, fá-lo de forma que termina por romper com 
a diferenciação de status social hierarquizada pelo elemento gênero, 
logo, caracterizando essa prática como um exemplo da consolidação da 
condição subjetiva da paridade de participação. 
Porém, a limitação de diretos dos beneficiários sobre os bens 
imóveis constitui uma provável forma de precarização do reconheci-
mento, especialmente em se tratando de um programa que se coloca a 
serviço da ascensão econômico-social das populações de baixa renda. 
Parece haver um problema contraditório nesse sentido, pois, mesmo 
45
Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas...
promovendo a autonomia dos beneficiários, no sentido econômico (for-
necimento dos recursos materiais ligados à moradia), esse recurso é 
limitado por uma série de proibições sobre como o beneficiário deve 
dispor dele, isso é um problema do ponto de vista do reconhecimento 
sob a ótica de Fraser, uma vez que impede a paridade de participação 
no sentido de que essas pessoas ficam reféns do benefício recebido, elas 
não gozam da mesma liberdade daqueles que adquirem imóveis fora 
do programa, não podem se mudar para outro lugar, não podem ceder, 
vender ou alugar o imóvel se assim desejarem. 
Quando pensamos os reflexos do programa em relação à con-
dição subjetiva da paridade de participação, não podemos deixar de 
lembrar de um aspecto que é bastante recorrente em relação a políticas 
públicas distributivas: por vezes, devido ao caráter assistencial e fo-
calizado de determinados programas, a sociedade em geral costuma 
demonizar os sujeitos das classes sociais menos abastadas, “[...] enqua-
drando-os como de conduta anormal e parasitária”, conforme já pre-
visto por Fraser e Honneth (2006, p. 65), “[...] distinguindo-lhes injus-
tamente dos ‘assalariados ativos’ e dos contribuintes que ‘pagam pelo 
que é seu’, os programas de benefícios deste tipo direcionam aos po-
bres não somente a ajuda material, mas também a hostilidade pública”.
Considerações finais 
O Brasil atravessou um período de franco crescimento econômi-
co desde o início do século XXI, possibilitando a ascensão social de mi-
lhares de brasileiros. Esse fenômeno ajudou a intensificar a sofisticação 
das demandas por justiça social, as quais, segundo Fraser (2007) e Fra-
ser e Honneth (2006), envolvem reivindicações tanto por redistribuição 
quanto por reconhecimento da diferença. 
A investigação desenvolvida para este texto demonstrou que, 
em se tratando de uma política pública que se propõe inicialmente à 
46
Douglas de Almeida Silveira
distribuição de recursos materiais (no caso, pela via da habitação), o 
programa em questão tem uma dimensão claramente relacionada ao 
que Fraser afirma ser a condição objetiva ao estabelecimento da pari-
dade de participação. Ao mesmo tempo, o programa também promove 
a paridade de participação, uma vez que viabiliza, em certa medida, 
o reconhecimento às populações de baixa renda, potencializando a 
substituição de discursos de natureza preconceituosa e difamatória por 
outros mais alinhados à justiça social. Contudo, contraditoriamente, o 
programa está sujeito à precarização do reconhecimento das popula-
ções beneficiadas, uma vez que, por conta de seu caráter assistencial e 
focalizado, pode fomentar a percepção social do beneficiário enquanto 
sugador dos recursos do Estado. 
Dessa forma, consideramos que esta pesquisa tem relevância em 
um contexto em que propõe um novo olhar, mais amplo e abrangente 
às políticas públicas, à medida que articula redistribuição e reconheci-
mento numa perspectiva bidimensional. Essa nova perspectiva de aná-
lise pode contribuir para torná-las mais efetivas no atendimento das 
necessidades de distribuição de recursos. 
Além disso, conscientes da limitação imposta pela pesquisa de 
caráter estritamente documental, consideramos que o presente traba-
lho possa significar um caminho a ser seguido, talvez o ponto de parti-
da para uma pesquisa mais ampla, que possa escutar as populações be-
neficiárias por este programa social, garantindo que se possa perceber, 
de forma ainda mais acurada, em que medida ele serve para garantir a 
paridade de participação. 
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Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas...
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 5 
de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 11 maio 2017.
BRASIL. Lei nº 10.188, de 12 de fevereiro de 2001. Disponível em:

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