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As Ciências Sociais abarcam, grosso modo, três especialidades: Antropologia, Ciência Política e Sociologia. Tais disciplinas constroem e são parte de paradoxos. De origem conservadora, ironicamente, foram vistas como subversivas em alguns momentos da história. No Brasil, foram afasta- das dos currículos escolares durante a Ditadu- ra Militar. Retornam ao ensino básico em 2008, para deixarem novamente de serem obrigató- rias em 2017. Entretanto, sua presença intermi- tente nos currículos não impediu que surgis- sem pesquisas e construções teóricas signi�ca- tivas na área. Este livro digital é resultado da seleção dos melhores artigos apresentados como traba- lhos de conclusão de curso na 1ª edição da Especialização em Ciências Sociais da Universi- dade de Passo Fundo (UPF), a qual é parte do compromisso social da UPF com a sua comuni- dade em prol da construção de um conheci- mento potente na transformação da realidade. UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO Bernadete Maria Dalmolin Reitora Edison Alencar Casagranda Vice-Reitor de Graduação Antônio Thomé Vice-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação Rogerio da Silva Vice-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários Cristiano Roberto Cervi Vice-Reitor Administrativo Conselho editorial Altair Alberto Fávero (UPF) Alvaro Sanchez Bravo (Universidad de Sevilla) Andrea Michel Sobottka (UPF) Andrea Oltramari (Ufrgs) Antônio Thomé (UPF) Carlos Alberto Forcelini (UPF) Carlos Ricardo Rossetto (Univali) Cesar Augusto Pires (UPF) Fernando Rosado Spilki (Feevale) Gionara Tauchen (Furg) Héctor Ruiz (Uadec) Helen Treichel (UFFS) Jaime Morelles Vázquez (Ucol) Janaína Rigo Santin (UPF) José C. Otero Gutierrez (UAH) Kenny Basso (Imed) Luís Francisco Fianco Dias (UPF) Luiz Marcelo Darroz (UPF) Nilo Alberto Scheidmandel (UPF) Paula Benetti (UPF) Sandra Hartz (Ufrgs) Walter Nique (Ufrgs) UPF Editora Editora Janaína Rigo Santin Revisão Cristina Azevedo da Silva Daniela Cardoso Programação visual Rubia Bedin Rizzi Glauco Ludwig Araujo (Org.) 2019 Copyright do organizador Ana Paula Pertile Cristina Azevedo da Silva Revisão Rubia Bedin Rizzi Programação visual e produção da capa Talita Morais dos Santos Foto da capa Este livro, no todo ou em parte, conforme determinação legal, não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização expressa e por escrito do(s) autor(es). A exatidão das informações, das opiniões e dos conceitos emitidos, bem como das imagens, das tabelas, dos quadros e das figuras, é de exclusiva responsabilidade do(s) autor(es). afiliada à Associação Brasileira das Editoras Universitárias Campus I, BR 285, Km 292,7, Bairro São José 99052-900, Passo Fundo, RS, Brasil Telefone: (54) 3316-8374 ISBN 304 CIP – Dados Internacionais de Catalogação na Publicação _______________________________________________________________ C569 Ciências sociais em estudo [recurso eletrônico] / organização de Glauco Ludwig Araujo. – Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo, 2019. 9.700 kb ; PDF. Inclui bibliografia. Modo de acesso gratuito: <www.upf.br/editora>. ISBN 978-85-523-0071-7 (E-book) 1. Ciências sociais. 2. Política pública. 3. Movimentos sociais. 4. Representações sociais. 5. Mobilidade social. 6. Sociologia do conhecimento. I. Araujo, Glauco Ludwig, org. CDU: 304 _______________________________________________________________ Bibliotecário responsável Luís Diego Dias de S. da Silva - CRB 10/2241 Sumário 7 Prefácio Glauco Ludwig Araujo Capítulo 1 Estado e políticas públicas 12 Apresentação Cristina Fioreze Vinícius Rauber e Souza 18 Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas habitacionais – subsidiadas com recursos do FAR – de acordo com a teoria da justiça social, de Nancy Fraser Douglas de Almeida Silveira 49 O gênero como político: leitura a partir de um caso jurídico Élvis Herrmann Bonini 75 Escola e ideologia: a Escola sem Partido, a tese da neutralidade e a função do Estado Leonardo Luiz Lima Goes 105 Reflexões sobre as práticas de acolhimento institucional em saúde mental Fernanda dos Santos Rocha Capítulo 2 Associativismo e movimentos sociais 131 Apresentação Ivan Penteado Dourado 136 Escolas ocupadas, estudantes em luta: 31 dias são sufi- cientes para construir um novo movimento social? Cristian Anderson Puhl 167 Os sujeitos sociais contemporâneos nas manifestações brasileiras de 2013: representações sociais em análise Neri José Mezadri Capítulo 3 Representações e mobilidade social 198 Apresentação Frederico Santos dos Santos 205 O discurso sobre a política pública de cotas nos editoriais dos jornais Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo em face do conceito de déficit de articulação na modernização brasileira proposto por Jessé Souza Andressa Bertol Scussel 234 O negro e as condições de produção no subcampo da publicidade: uma análise de trajetória Róbson Peres da Rocha 263 O ritual de eguns no Batuque: dádivas entre mortos e vivos Talita Morais dos Santos Capítulo 4 Produção do conhecimento 285 Apresentação Janaína de Souza Bujes Bernardo Mattes Caprara 292 O desenvolvimento da Epistemologia Feminista e suas ressonâncias nas produções acadêmicas brasileiras Patrícia Ketzer 321 Um breve estudo sobre as sensibilidades do conhecimento social Pedro Alcides Trindade de Mello Especial 345 Ensaio fotográf ico “O sagrado no Batuque” Talita Morais dos Santos Prefácio Glauco Ludwig Araujo1 A s Ciências Sociais abarcam, no meio acadêmi-co brasileiro, grosso modo, três especialidades: Antropologia, Ciência Política e Sociologia. A maioria das universidades brasileiras adota um modelo de formação mais generalista (englobando as três especialida- des) na graduação, reservando a especialização para ser desenvolvida na pós-graduação. A Universidade de Passo Fundo (UPF) adota uma relação singular com essas especialidades. Por um lado, não existe um curso específico de graduação em Ciências Sociais, a exemplo de outras instituições congêneres. Por outro, incorpora esses conhecimentos em disciplinas do chamado “núcleo comum”, oferecidas a todos os cursos de graduação da UPF, como uma das maneiras de propiciar aos aca- dêmicos uma formação mais humana (não voltada apenas a aspectos estritamente técnicos de suas respectivas profissões). 1 Mestre em Sociologia (UFRGS), professor da Área de Ciências Sociais (IFCH/UPF) e Coordenador da Especialização em Ciências Sociais da UPF – 1ª edição. 8 Glauco Ludwig Araujo (Org.) Essa experiência vem sendo aperfeiçoada ao longo dos últimos anos, por intermédio da Área de Ciências Sociais (ACS), vinculada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH/UPF), que agrega o corpo docente dessas disciplinas. A ACS tem atuação destacada em projetos de ensino, pesquisa e extensão – nas atividades administrati- vas, de qualificação e promoção da universidade. A atenção aos proces- sos de autoavaliação da instituição levou à conclusão da necessidade de ampliação da inserção da ACS na UPF. Uma das iniciativas é a oferta da disciplina Tópicos Especiais em Ciências Sociais para alguns cursos de graduação, como uma continuidade das disciplinas obrigatórias do núcleo comum oferecidas pela área. Outra foi a criação da Especializa- ção em Ciências Sociais, já encerrando, em 2018, a sua segunda edição. A Especialização em Ciências Sociais da UPF é bastante singu- lar, pois oferece uma formação, ao mesmo tempo, generalista (no âmbi- to interno das Ciências Sociais) e especializada (no que tange à sua re- lação com as demais disciplinas). Propicia o estudo das teorias clássicas e contemporâneas da Antropologia, da Ciência Política e da Sociologia, bem como de seus pressupostos metodológicos. Busca permitir que graduados em diferentes campos do conhecimento se aproximem do rico potencial teórico-metodológico que as Ciências Sociais oferecem. O resultadoda criação deste curso foi uma procura bastante ex- pressiva, desde a sua primeira edição, colocando-o como a especializa- ção com o maior número de matrículas, dentre todas as oferecidas pela UPF, no segundo semestre de 2015. A diversidade do público atingido pode ser percebida nas diferentes áreas das quais os acadêmicos que for- maram a primeira turma eram oriundos na graduação: Ciências Sociais, Direito, Filosofia, História, Jornalismo, Letras, Pedagogia, Publicidade e Propaganda, Psicologia e Serviço Social. Esses estudantes tiveram a oportunidade do aprendizado em sala de aula, com palestras ofertadas, e também em duas saídas de campo realizadas: uma para a comunidade indígena caingangue de Campo do Meio (Gentil, RS) e outra para o ter- reiro Egbé Asé Akinelé (bairro Vera Cruz, Passo Fundo, RS). 9 Ciências sociais em estudo Figura 1 – Saída de campo, Campo do Meio Fonte: Talita Morais dos Santos. Figura 2 – Saída de campo, terreiro Egbé Asé Akinelé Fonte: Talita Morais dos Santos. 10 Glauco Ludwig Araujo (Org.) O êxito obtido levou ao oferecimento do curso novamente no primeiro semestre de 2017, com grade curricular aperfeiçoada a par- tir da primeira experiência. Contudo, o sucesso da Especialização em Ciências Sociais pode ser também apreciado na presente obra. Ela é resultado da seleção dos melhores artigos apresentados como trabalhos de conclusão de curso na 1ª edição. Tais trabalhos passaram pela orien- tação do corpo docente da especialização e foram defendidos perante banca examinadora, composta por outros dois professores, que indica- ram aqueles com potencial para publicação. Assim, esses trabalhos foram revisados e readequados para o formato livro. Parte dessa adequação foi a divisão dos artigos em capí- tulos por seções temáticas, contando com a apresentação inicial de pro- fessores da especialização que orientaram os trabalhos mais destacados e/ou compuseram as suas bancas examinadoras. Destaca-se o acrésci- mo à obra do ensaio fotográfico “O sagrado no Batuque”, de autoria de Talita Morais dos Santos, resultado da etnografia descrita no último artigo do capítulo 3 e da aproximação da autora com as ferramentas da Antropologia Visual. A ampla abrangência dos assuntos tratados, a diversidade de metodologias adotadas e a relevância social dos problemas de pesquisa são indicadores fundamentais do aprendizado alcançado e da matu- ridade intelectual da turma. Nos artigos que compõem este livro, não há lugar para a fuga de polêmicas, mas tampouco o oferecimento de respostas simples a problemas complexos. Estes textos traduzem a uti- lização das Ciências Sociais como ferramenta de defesa perante o senso comum simplório e reducionista, um “esporte de combate”, na famosa expressão de Pierre Bourdieu. Em um cenário de crise de legitimida- de institucional da nossa área, nada mais oportuno do que reafirmar a qualidade da análise social teórico-metodologicamente alicerçada. Boa leitura! Capítulo 1 Estado e políticas públicas Apresentação Cristina Fioreze1 Vinícius Rauber e Souza2 P olíticas públicas são, historicamente, um ramo da ciência política, surgido nos Estados Unidos no início dos anos 1950, com a criação do termo “po-licy science” (ciência de políticas públicas). Ele irá romper com as análises centradas apenas nas instituições, abarcando os produtos das interações políticas em uma sociedade. O termo irá se expandir para a Europa a partir dos anos 1970, em especial com os pro- cessos de planejamento e análise de políticas setoriais na Alemanha. No Brasil, ainda que com o crescimento do interesse da ciência polí- tica e das relações internacionais nos últimos anos, será incorporado especialmente pelas análises de saúde pública nos anos 1980. Assim, é considerado um campo eminentemente interdisciplinar, uma vez que 1 Doutora em Sociologia (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Professora do Curso de Serviço Social (Universidade de Passo Fundo). 2 Mestre em Ciências Sociais (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul). Professor da Área de Ciências Sociais (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/ Universidade de Passo Fundo). 13 Capítulo 1 - Apresentação as políticas públicas podem envolver tanto análises de gênero, demo- cracia e participação social, quanto temas de economia, entre outros. Desse modo, agrupamos, nesta seção, diferentes temas que ver- sam sobre o Estado e sua relação com as políticas públicas, abordando como elas se constituem, suas consequências, as disputas pelo governo, pela implementação de determinadas políticas e como isso afeta a vida de determinadas populações. O campo das políticas públicas é tangen- ciado pela temática da justiça social e, por isso, reflete os debates que ali se atravessam. Nesse sentido, também faz parte da agenda das políticas públicas a disputa entre redistribuição e reconhecimento, isto é, se para alcançar a justiça social são necessárias políticas de igualdade – volta- das para a redistribuição de bens materiais –, ou se, nos dias atuais, o que se requer são políticas da diferença – pautadas no reconhecimento das identidades dos distintos grupos sociais. O artigo “Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas habitacionais – subsidiadas com recursos do FAR – de acordo com a teoria da justiça social, de Nancy Fraser”, de Douglas de Almeida Silveira, insere-se nesta contenda, va- lendo-se de uma perspectiva ampla o bastante para abarcar, na análise das políticas públicas, tanto a dimensão da redistribuição quanto a do reconhecimento. Assim, apoiado na perspectiva teórica de Nancy Fra- ser, autora norte-americana que compreende que, nos dias atuais, a jus- tiça social requer tanto redistribuição quanto reconhecimento, o artigo analisa o programa habitacional Minha Casa Minha Vida, subsidiado com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), que visa à concretização do direito à moradia no Brasil. O autor se propõe a in- vestigar em que medida a política pública estudada é capaz de garantir, ao mesmo tempo, tanto a redistribuição econômica quanto o reconhe- cimento do que os sujeitos necessitam para participarem plenamente da interação social. Esquadrinhando leis, decretos e portarias que regu- lamentam o programa habitacional, o estudo demonstra que, embora 14 Cristina Fioreze, Vinícius Rauber e Souza tenha sido projetado para responder a demandas situadas na dimensão da redistribuição, por meio do acesso à moradia, o programa também apresenta aspectos de promoção do reconhecimento, o que acontece na medida em que se presta à remoção de obstáculos à paridade de participação de grupos sociais subalternizados, o que é encontrado, por exemplo, na definição ampliada de grupo familiar adotada pelo programa ou, então, na priorização da destinação de moradias para famílias que possuam pessoas com deficiência ou idosos, além do olhar prioritário que dirige às mulheres, especialmente àquelas que são che- fes de família. O artigo “O gênero como político: leitura a partir de um caso jurídico”, de Élvis Herrmann Bonini, por sua vez, problematiza as rela- ções entre o gênero das pessoas e o Estado. Nesse sentido, toma como ponto de partida a situação paradoxal que se constituiu entre o Estado e a transexual Indianara Siqueira, que, mesmo não sendo legalmente reconhecida como mulher, foi detida por estar com os seios à mostra. Recorrendo a essa situação como referência para a reflexão e, ao mesmo tempo, trazendo para a cena todo o contexto de invisibilidade social e marginalização que envolve a identidade trans, o autor mostra como o Estado opera dentro de um sistema binário, o qual pressupõe a confor- midade entre gênero e genitália. Sistema este que se mostra deficiente, pois quem não se encaixa dentro de tal associação, como Indianara – mulher trans que não se submeteu à cirurgia de redesignação de sexo –, não encontra lugar, estando impedido do reconhecimento desua identidade. Assim, apoiando-se no referencial de Michel Foucault, Judith Butler e Paul B. Preciado, o artigo problematiza o padrão normativo com o qual o Estado interfere nos corpos dos sujeitos, levanta a ques- tão da patologização de gênero e reflete sobre o corpo como instru- mento de resistência. Nesse sentido, lida com a noção de construção dos corpos, passando pela história da sexualidade e trabalhando com 15 Capítulo 1 - Apresentação a compreensão do gênero como um processo cuja construção é social e histórica. Da mesma forma, desenvolve a ideia de performatividade de gênero, de Butler, e trabalha com a noção de gênero inteligível – aquele em que há conformidade entre o sexo e o gênero. O autor mostra que, ao expor seu corpo em “não conformidade”, Indianara resiste, jogando luz para o paradoxo que há na relação que se estabelece entre o gênero das pessoas e um Estado que faz o controle dos corpos. Afastando-se de um olhar simplista, o artigo apresentado constitui-se em produção de relevâncias acadêmica e social, trazendo para o público um olhar sensível e competente para um tema complexo, que tem ganhado visi- bilidade na mídia e na sociedade. Leonardo Luiz Lima Goes aborda, em seu artigo “Escola e ide- ologia: a Escola sem Partido, a tese da neutralidade e a função do Esta- do”, o tema da “Escola sem Partido”. Esse movimento, relativamente recente no Brasil, materializa-se enquanto proposta de política pública no estado do Rio Grande do Sul pelo Projeto de Lei nº 190/2015, de au- toria do deputado estadual Marcel Van Hatten (Partido Progressista). O projeto visa a impedir os professores do ensino médio de abordar questões políticas nas escolas, defendendo uma suposta “neutralida- de”, pela qual o professor seria responsável, sendo que esta passaria pela ausência de discurso sobre o político em sala de aula. Nesse sen- tido, Goes realiza uma revisão sobre o sentido das palavras democra- cia – especialmente pelas teorias de Norberto Bobbio sobre democracia direta, representativa e plana – e cidadania – desenvolvida por Thomas H. Marshall. Para realizar tal estudo, Goes se utiliza da análise de discurso como ferramenta para compreender a ideologia que está por trás do projeto e dos discursos favoráveis a ele. Para isso, analisa artigos de jornais e sites, discursos do deputado Van Hatten, além de vídeos pu- blicados no YouTube e publicações no Facebook. Parte fundamental da análise é a avaliação minuciosa do próprio Projeto Escola sem Partido. 16 Cristina Fioreze, Vinícius Rauber e Souza Com a análise desse material, o autor conclui que um projeto como este vai distorcer o sentido do termo democracia, que pressupõe a plurali- dade de ideias e a liberdade de manifestação. Finalizando esta seção, Fernanda dos Santos Rocha aborda o tema da saúde mental no artigo intitulado “Reflexões sobre as práti- cas de acolhimento institucional em saúde mental”. O foco da análise é nos dispositivos chamados Instituições de Longa Permanência Tera- pêuticas (ILPTs), que surgem à margem do Sistema Único de Saúde (SUS), acolhendo – por meio da internação – pacientes com transtornos mentais e idosos. Para isso, Rocha contextualiza historicamente o sur- gimento dessas instituições, desde o surgimento oficial da psiquiatria, com o francês Philippe Pinel, até a reforma psiquiátrica e a consequen- te desinstitucionalização realizada no Brasil nos últimos trinta anos. A base de sua fundamentação teórica é Michel Foucault, especialmente o livro A história da loucura, no qual o autor salienta como a psiquiatria funcionou como um mecanismo de legitimação do controle social da- queles considerados indesejados pela sociedade – os loucos –, por meio do controle dos corpos pelo internamento. Na sequência, a autora aborda os movimentos que questionam a psiquiatria ortodoxa no Brasil, como a luta antimanicomial, movimento que se inicia nos anos 1970 no país e ganha força no período de redemo- cratização. A partir dos anos 1990, institucionalizam-se serviços substi- tutivos aos manicômios (chamados também de hospitais psiquiátricos), como os Centros de Atenção Psicossociais (Caps) e os Serviços Residen- ciais Terapêuticos (SRTs), como políticas públicas previstas pelo SUS. Esses dispositivos são abertos, comunitários e territorializados, em con- traposição aos antigos hospitais, que são instituições fechadas ou totais, como definido pelo psicólogo Erving Goffman. No entanto, apesar de todo esse processo, muitas instituições ainda privilegiam o caráter ma- nicomial e fechado de tratamento em saúde mental. É o caso das ILPTs que se instalam no município de Tropeço (nome fictício), no interior do 17 Capítulo 1 - Apresentação Rio Grande do Sul, objeto de análise do artigo. A autora conclui que es- sas instituições surgem como uma contraproposta à reforma psiquiátri- ca, aproveitando-se das brechas da legislação e do pouco investimento público em serviços abertos, abrigando as pessoas marginalizadas da sociedade, como no processo de surgimento dos manicômios descrito por Foucault. Isso posto, é possível notar que os quatro artigos deste capítulo, ao mesmo tempo em que abordam uma diversidade temática – o que denota o caráter interdisciplinar da matéria –, lançam um olhar sobre o Estado e suas políticas, revelando, de um lado, a pertinência de se analisar as relações de poder que se estabelecem na disputa dos dife- rentes grupos sociais por reconhecimento e legitimidade e, de outro, as contradições que permeiam o Estado, ora no papel de garantidor de direitos por meio de políticas públicas, ora como violador desses mesmos direitos. Considerando a riqueza dos textos apresentados, por fim, esperamos que sua leitura seja capaz de suscitar novas reflexões no campo das políticas públicas, contribuindo para fazer avançar a cons- trução do conhecimento nesta área de pesquisa. Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas habitacionais – subsidiadas com recursos do FAR – de acordo com a teoria da justiça social, de Nancy Fraser Douglas de Almeida Silveira1 O Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) atual-mente serve como fundo subsidiário das políticas de habitação do Programa Minha Casa Minha Vida, faixa I, voltado ao atendimento das populações de baixa renda. Apesar disso, a academia pouco tem se mobilizado para investigar em que medida o programa está desenhado de modo a as- segurar o atendimento às necessidades objetivas e subjetivas dos bene- ficiários. 1 Especialista em Ciências Sociais e licenciado em Letras (Universidade de Passo Fundo). 19 Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas... Visando a contribuir para preencher esta lacuna, o presente es- tudo, seguindo a proposição de Fraser e Honneth (2006), objetiva a in- vestigação dessas políticas públicas de forma a verificar se essas ações podem garantir a equidade de interação social no que diz respeito a duas de suas características: quanto ao seu caráter de distribuição de renda e recursos, bem como quanto à garantia de reconhecimento so- cial de seus beneficiários. O artigo inicia com a contextualização histórica do desenvolvi- mento do sistema habitacional brasileiro, cobrindo desde as primeiras ações normatizadas do Estado no século XX até a criação do FAR. Na sequência, são introduzidos os principais aspectos da teoria da justiça social, de Nancy Fraser, em que a catedrática de filosofia e ciência po- lítica norte-americana se propõe a unificar as doutrinas, até então, pa- ralelas referentes à redistribuição e ao reconhecimento de seus pressu- postos. Em seguida, são apresentados os procedimentos metodológicos da pesquisa realizada, que se trata de uma pesquisa de abordagem qua- litativa, desenvolvida de forma a aplicar a teoria da justiça social, de Fraser, ao caso concreto representado pelo programa habitacional de incentivo à produção de imóveis com recurso do FAR. Osprocedimen- tos utilizados são os de análise documental baseada nos documentos de regulamentação do programa: leis e portarias oficiais. Por fim, são apresentados os dados e a respectiva análise, de modo a problematizar os resultados da pesquisa. O contexto histórico e a evolução da política de habitação social no Brasil O processo de urbanização e produção habitacional brasileiro do século XX foi caracteristicamente exclusivo. A priorização das ne- cessidades do mercado imobiliário regido pelo capital, somando-se aos baixos salários da população em geral, e a polarizada desigualda- 20 Douglas de Almeida Silveira de social, tão característica da sociedade brasileira, foram importantes fatores que dificultaram consideravelmente o acesso à moradia para grande parte da população (HOLZ; MONTEIRO, 2008). Uma das primeiras deliberações do Estado brasileiro no que concerne à política de habitação social foi a Lei nº 601, de 1850, que ficou conhecida como a Lei das Terras, que regulamentava a aquisição de terras, determinando que o único meio para a aquisição de proprie- dades de terra seria a compra. Essa lei acabou deslegitimando a aqui- sição de terra por uso, posse ou ocupação (HOLZ; MONTEIRO, 2008). Ainda durante a vigência da Lei das Terras, em 1888, foi assi- nada a Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil, o que resultou em um fenômeno de migração dos escravizados, então libertos, das áreas rurais para as urbanas dos grandes centros. Isso fez com que as cidades crescessem de forma desestruturada em termos de políticas públicas que pudessem garantir as condições mínimas para atendi- mento das necessidades dessa população que se alojava em áreas não regularizadas e, por vezes, impróprias para a moradia, ou em cortiços (HOLZ; MONTEIRO, 2008). Inspiradas no movimento europeu da reforma urbana higienista, as cidades brasileiras dão início aos processos de construção de sistemas viários e implantação dos sistemas de saneamento básico, visando a uma melhor composição paisagística das cidades (atendendo às deman- das da burguesia do período industrial) (HOLZ; MONTEIRO, 2008). Impulsionada pelo desenvolvimento industrial e pelo êxodo rural por ele causado, a urbanização no Brasil teve um crescimento significativo entre as décadas de 1940 e 1960. Segundo Osório (2004 apud HOLZ; MONTEIRO, 2008, não paginado), nesse período, “[...] a população brasileira passou de 41 milhões para 70 milhões de habitan- tes, [...] fazendo crescer os assentamentos ilegais, que avançaram sobre as cidades, para dar moradia às pessoas de baixa renda”. 21 Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas... E foi nesse conturbado cenário, em 1964, por força da Lei nº 4.380, que nascia o Sistema Financeiro de Habitação (SFH), cujo obje- tivo principal era a captação de recursos para produção de unidades habitacionais, especialmente por meio dos recursos das cadernetas de poupança e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), por meio do Banco Nacional de Habitação (BNH) (HOLZ; MONTEI- RO, 2008). Para atender a demanda, o SFH foi dividido em dois ramos: um, dire- cionado às classes média e alta, gerido por agentes privados ligados à construção civil, e o outro, voltado para a classe de baixa renda, que era operado por agências estatais, por meio de Companhias Estaduais e Municipais de Habitação. Porém, igual para os dois sistemas foi o au- tofinanciamento, sendo necessário, portanto, que o adquirente provas- se sua capacidade de pagamento. Esta forma de financiamento acabou por prejudicar as populações com baixa renda, já que não conseguiam provar que seus ganhos suportariam o pagamento da dívida. Para além disso, tinha como política a remoção das ocupações ilegais para as ha- bitações sociais. No contexto econômico pelo qual passava o Brasil, nos anos 80 e 90, com crises econômicas, arrocho salarial e perda do poder aquisitivo, as prestações da relação contratual muitas vezes foram corri- gidas em desacordo com o aumento salarial, o que gerou uma inadim- plência acentuada. O resultado é o que SFH beneficiou muito mais as classes com renda mais elevada (acima de 8 salários mínimos), do que aquelas de baixa renda (abaixo de 3 salários mínimos) (HOLZ; MON- TEIRO, 2008, não paginado). É curioso observar que as décadas de 1970 e 1980, em que as linhas que desenhavam o gráfico indicativo das ocupações em áreas ile- gais atingiam números de pico, coincidem com o colapso do crédito ha- bitacional e a consequente extinção do BNH. Isso agravou ainda mais a dificuldade do assalariado brasileiro, que, por não possuir recursos que lhe possibilitassem o financiamento direto no mercado imobiliário formal, dependia de subsídios que deveriam ser providos pelo Estado (HOLZ; MONTEIRO, 2008). 22 Douglas de Almeida Silveira As inovações na política habitacional brasileira do século XXI Embora o direito à moradia somente tenha sido incluído for- malmente como direito constitucional em 2000, mediante publicação da Emenda Constitucional nº 26, já havia, anteriormente, menções in- diretas a essa matéria na Carta Magna: por exemplo, o art. 7º, inciso IV, estabelecia a moradia como um dos direitos fundamentais que deveria ser suprido pelo salário mínimo. Além disso, já instituía o art. 23, inciso K, como competência do Estado: “[...] promover programas de constru- ção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de sanea- mento básico” (BRASIL, 1988, não paginado). Porém, essas menções apareciam no texto constitucional de forma indireta, ou seja, até então, não eram corroboradas pelo Estado, o que abria respaldo para a sua não aplicabilidade e questionamento da sua essencialidade (SANTOS, 2013, não paginado). Um dos primeiros passos mais concretos dado visando a rever- ter a estagnação da política de habitação brasileira foi a apresentação, no início do ano de 2000, por Luiz Inácio Lula da Silva (na época presi- dente do Instituto Cidadania), do Projeto Moradia, que, posteriormen- te, inspirou a criação do Ministério das Cidades e do Conselho Nacio- nal das Cidades. O projeto incentivava o desenvolvimento de ações que pudessem promover a produção habitacional no país de forma que fos- se garantida localização em terras regulares urbanizadas, com acessos adequados a serviços públicos, bem como acompanhados por progra- mas de geração de renda e emprego (COSTA, 2014). O Sistema Nacional de Habitação (SNH) foi integrado pelos três entes federativos, e deveria atuar sob coordenação do Ministério das Cidades, criado no primeiro dia do governo Lula. O Conselho Nacional das Cidades e os respectivos órgãos envolvidos dos estados e municí- pios ficariam responsáveis pela gestão dos fundos habitacionais, que 23 Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas... deveria lastrear as operações de produção de unidades habitacionais para a população de baixa renda. Contava-se ainda com o FGTS como fonte de recursos para atendimento das necessidades das classes de baixa renda, enquanto que as demandas das classes sociais mais abas- tadas seriam atendidas pelo Sistema Financeiro Imobiliário (SFI). Nesse contexto, o Estatuto das Cidades (Lei Federal nº 10.257/2001) teve importância digna de destaque, especialmente no que se refere à produção de unidades habitacionais voltadas às popu- lações de baixa renda, uma vez que o texto da referida lei retomava princípios estabelecidos na Constituição de 1988, especialmente no seu art. 24, inciso I, que trata do “direito urbanístico”, garantindo a essas populações: A universalização do acesso a equipamentos, serviços, infraestruturas urbanas e um ambiente saudável, assegurando a vida com dignidade, qualidade e diversidade cultural e política. O Estatuto da Cidade não resolveria nem eliminaria as lutas de classes, mas reconheceria a neces- sidade de legitimar e legalizar as áreas ocupadas num espaço marcado por extremas desigualdadesterritoriais (COSTA, 2014, p. 3). Além disso, acompanhando as tendências mundiais estimula- das pela evolução do conceito de desenvolvimento sustentável, o Es- tatuto das Cidades introduziu no ordenamento jurídico brasileiro o direito às cidades sustentáveis, sofisticando e expandindo o direito à moradia, constitucionalmente garantido, de forma a assegurar também as questões ligadas à sustentabilidade urbana e à qualidade de vida dos habitantes dos centros urbanos: O conceito de cidades sustentáveis, em síntese, busca o equilíbrio sau- dável e sustentável, sempre atento à qualidade de vida da população. O crescimento das cidades, assim, deve continuamente estar atento aos li- mites da sustentabilidade ambiental, social e econômica, focando, prin- cipalmente, na população das urbes, para que esta possa exercer seus direitos básicos (JEREISSATI, 2015, não paginado). Na sequência, em 2004, o governo petista aprova a Política Na- cional de Habitação (PNH), que se dividia em: Sistema Nacional de 24 Douglas de Almeida Silveira Habitação de Interesse Social (SNHIS), voltado às necessidades das po- pulações cuja faixa de renda fosse de 0 a 5 salários mínimos; e Sistema de Habitação de Mercado, que deveria atender populações cuja faixa salarial fosse de 5 a 10 salários mínimos. Fica instituído, em 2005, o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS), criado para dar suporte ao desenvolvimento, à elaboração e à implementação das políticas habitacionais para populações carentes, como: urbanização de favelas e realocação de famílias que vivem em áreas de risco. Essas ações também contavam com recursos do FGTS e do FAR. O FAR é um fundo financeiro privado, administrado pela Caixa Econômica Federal, criado com a finalidade de distanciar o patrimô- nio e a contabilidade dos recursos financeiros e imobiliários destinados originalmente ao Programa de Arrendamento Residencial (PAR). Foi criado em 2001, mediante a promulgação da Lei nº 10.188, de 12 de fevereiro, que também instituía a criação do PAR, ao qual o fundo se destinava, porém, à medida que o Programa Minha Casa Minha Vida foi se estruturando e se fortalecendo, o PAR foi sendo descontinuado. O FAR, ainda hoje, tem atuação importante no contexto da con- cretização do direito à moradia, uma vez que é com recurso deste fundo que são produzidas as unidades habitacionais destinadas às famílias de baixa renda enquadradas na faixa I do Programa Minha Casa Minha Vida. São essas as famílias que recebem o subsídio máximo do gover- no, sendo exigida, porém, a participação financeira dos beneficiários, dispensada nos casos em que as operações realizadas com recurso do FAR demandarem reassentamento e remanejamento e/ou substituição de unidades habitacionais, desde que essas operações sejam vinculadas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), conforme § 4º do art. 2º, do Decreto-Lei nº 7.795, de 24 de agosto de 2012, bem como a alínea I do art. 6º, da Portaria Interministerial do Ministério das Cida- des nº 99, de 30 de março de 2016. Esses casos costumam se concretizar nas intervenções realizadas pelos entes públicos em áreas consideradas impróprias para moradia. 25 Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas... Na sequência, apresentamos algumas considerações a respeito da proposição teórica de Nancy Fraser acerca das políticas de redistri- buição e reconhecimento, que devem nortear a análise desenvolvida em seguida. Reconhecimento x redistribuição: uma perspectiva bidimensional É claro que ainda é utópico pensar que a distribuição de renda está próxima de ser equânime no Brasil, porém é inegável que o vertigi- noso crescimento econômico do Brasil dos últimos 20 anos promoveu o acesso a serviços e, ainda que modestamente, a ascensão econômica de parte da população e o acesso a um conjunto de direitos sociais. Nesse contexto, acompanhando as tendências mundiais (for- temente influenciadas pelo fim do comunismo, pela consolidação da ideologia de livre mercado), no Brasil, também começaram a emergir com mais vigor as demandas por reconhecimento de muitas minorias e grupos sociais até então silenciados. Consideramos pertinente, para auxiliar na compreensão desses fenômenos, a teoria de Nancy Fraser, filósofa norte-americana que se insere no debate entre liberais e comu- nitaristas, no que se alinha ao pensamento liberal. Filiada à Teoria Críti- ca, sua obra tem forte viés feminista e a preocupação bastante presente com o desenvolvimento das concepções de justiça. Segundo Fraser, recentemente, as considerações teóricas acerca das forças políticas de redistribuição e reconhecimento, base de susten- tação do conceito de justiça social, vêm sendo trabalhadas como forças distintas e, até mesmo, contrárias. De um lado, situam-se os partidários da redistribuição, que, fundamentados em ecos da tradição socialista, acreditam na distribuição mais justa de bens e recursos como principal meio de se atingir o bem-estar social. De outro, estão os teóricos do re- conhecimento, que objetivam um mundo de aceitação da diferença, em 26 Douglas de Almeida Silveira que o respeito ao indivíduo não seja condicionado à conformidade com a norma cultural dominante. Os teóricos filiados à redistribuição ou ao reconhecimento assu- mem concepções diferentes de injustiça e, portanto, pensam diferen- tes soluções para ela. Também diferem em relação a suas concepções acerca das coletividades que estão sujeitas a essas injustiças e assumem ideias distintas quanto às diferenças de grupo, e são essas dicotomias que, nas respectivas teorias, embasam a ideia de que redistribuição e reconhecimento são forças inconciliáveis e por vezes antagônicas. A es- sas concepções Fraser e Honneth se referem como uma falsa antítese (2006, p. 22), conforme poderemos compreender melhor adiante. Em uma terceira via, é proposta a teoria da filósofa e pensadora feminista norte-americana Nancy Fraser. Ela propõe o alargamento do conceito de justiça social de forma a integrar redistribuição e reconheci- mento em um único marco normativo, sustentando que nem esse nem aquela seriam suficientes por si só, ou seja, que um conceito de justiça social adequado à realidade do nosso tempo deve ser capaz de com- preender as reivindicações legítimas de igualdade na distribuição de recursos bem como de superação das diferenças. De acordo com Fraser, existiriam grupos situados no centro do espectro conceitual, cujos extremos seriam a redistribuição e o reco- nhecimento: os quais ela chama de bidimensionalmente subordinados, uma vez que sofrem com a má distribuição de recursos e com o reco- nhecimento que lhes é negado. A autora exemplifica o argumento ci- tando o grupo de gênero, que, do ponto de vista distributivo, sofre com a estrutura da divisão do trabalho, historicamente consolidado o traba- lho reprodutivo e doméstico a cargo das mulheres, e também, no plano econômico, com a diferença de faixas salariais pagas entre empregados homens e mulheres. Do ponto de vista do reconhecimento, a diferencia- ção de status dos gêneros masculino e feminino resta evidente diante do histórico patriarcado, da liberdade sexual da marginalização do corpo, entre outros. Em suma, a superação das injustiças sofridas com base na 27 Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas... diferenciação de gênero não pode se sustentar em políticas de redistri- buição ou de reconhecimento em separado, havendo, sim, a necessida- de de integração de ambas. Na prática, a bidimensionalidade está sempre presente: A efeitos práticos, quase todos os eixos de subordinação do mundo real podem ser tratados como bidimensionais. Praticamente todos pressupõem tanto uma má distribuição como um reconhecimento errôneo de maneira que cada uma destas injustiças tenha certo peso independente sejam quais forem suas raízes. Sem dúvida nem todos os eixos de subordinaçãosão bidimensionais do mesmo modo ou com o mesmo grau. Alguns como classe social, mais inclinados para o extremo da distribuição, outros como sexualidade, mais inclinados para o extremo do reconhecimento enquanto outros como gênero e “raça” se agrupam no centro desse espectro. A pro- porção exata do prejuízo econômico e de subordinação de status deve ser determinada empiricamente em cada caso. Ainda assim, praticamente em todos os casos os danos em questão compreendem tanto a má distribuição quanto o reconhecimento errôneo, de maneira que nenhuma dessas injus- tiças pode ser reparada por completo de forma direta, mas cada uma re- quer certa atenção prática independente. Portanto como questão prática a superação da injustiça em quase todos os casos exige tanto a redistribuição quanto o reconhecimento (FRASER; HONNETH, 2006, p. 33). Os autores justificam a necessidade de um conceito de bidi- mensionalidade, afirmando que esse se torna extremamente necessário quando deixamos de considerar os eixos de subordinação em sepa- rado, para considerá-los de forma integrada. Sendo que gênero, raça, classe social e sexualidade permeiam os interesses e as identidades de todos os indivíduos, logo, ninguém pertenceria somente a uma dessas coletividades, podendo um indivíduo ou grupo ser subordinado em um desses eixos e dominante em outro. As implicações da bidimensionalidade para a filosofia moral O alinhamento da redistribuição e do reconhecimento não é tare- fa nada simples, especialmente nos termos em que Fraser (2007, p. 135) se propõe a fazê-lo, ou seja, de forma a evitar a avaliação ética, que 28 Douglas de Almeida Silveira considera problemática, uma vez que “[...] está sujeita à disputa sem- pre que horizontes avaliadores divergentes entram em contato”. Isto é, quando se recorre à avaliação ética, especialmente em questões amplas que envolvem certas coletividades, sempre existe a possibilidade de que os argumentos éticos sejam balizados por visões de mundo parti- culares deste ou daquele grupo, potencialmente rejeitadas por outros grupos: “Em geral, então, se nenhuma outra – não ética – justificação está disponível, o não reconhecimento, e, por conseguinte, a injustiça, não pode ser evitado” (FRASER, 2007, p. 134). O primeiro obstáculo que se apresenta à autora, nessa tentati- va de alinhamento dessas teorias, é saber se os paradigmas de justiça, que, na filosofia moral, geralmente derivam da moralidade, podem dar conta das reivindicações por reconhecimento ou se, para isso, seria ne- cessário recorrer à ética, uma vez que a maioria dos filósofos vincula a justiça distributiva com a moralidade kantiana2 e o reconhecimento com a ética hegeliana.3 Disso decorre o problema, dado o fato de que as normas de justiça são pensadas como universalmente abrangentes, enquanto as demandas por reconhecimento se afirmam em âmbitos es- pecíficos, geralmente individuais ou de grupos, que exigem, por vezes, julgamentos sobre o valor das práticas identitária e que, portanto, não podem ser universalizados. O que Fraser propõe é o rompimento com o modelo de identida- de, que considera problemático, uma vez que, de acordo com esse mo- 2 Consideramos pertinente introduzir, mesmo que superficialmente, os conceitos abordados de forma a contextualizá-los para o leitor leigo. Para Kant, apesar de as pessoas terem a obrigação de obedecer à lei maior, ainda lhes cabia assumir responsabilidade individual por suas escolhas morais. Ele considerava que o indivíduo somente deveria agir de acordo com regras e preceitos que acreditasse universais, ou seja, comuns a todos (KELLY et al., 2013, p. 128). 3 Para Hegel, o reconhecimento é uma necessidade inerente do ser humano, indispensável para que conquiste a consciência de si, logo, a consciência humana dependeria de um processo social interativo. Ou seja, o reconhecimento dependeria exclusivamente do encontro de duas mentes, havendo, porém, espaço para somente uma visão de mundo, travando-se uma luta para consagrar aquela que triunfa (KELLY et al., 2013, p. 157). 29 Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas... delo, a demanda por reconhecimento é originada na identidade cultu- ral do grupo. Logo, o não reconhecimento consistiria na depreciação da identidade do indivíduo membro do grupo, porém, para Fraser, essa concepção é equivocada, uma vez que nega a heterogeneidade interna dos grupos e o papel desempenhado pelas instituições sociais e pela interação social. Por isso Fraser propõe o que chama de modelo de status, em que afirma que a exigência por reconhecimento não parte da identida- de específica do grupo, mas, sim, da capacidade de participação como um igual aos demais na vida social. Quando o padrão institucionaliza- do de valor cultural servir à exclusão ou à depreciação dos membros de determinado grupo, comprometendo a sua participação integral na interação social, configuram-se o não reconhecimento e a subordina- ção de status; sendo assim, as políticas de reconhecimento, quando de acordo com o modelo de status, devem buscar “[...] desinstitucionalizar padrões de valoração cultural que impedem a paridade de participação e substitui-los por padrões que a promovam” (FRASER, 2007, p. 109). Para Fraser, a materialização social da justiça demandaria acor- dos sociais. Esses acordos seriam necessários para assegurar que todos os membros adultos de uma sociedade pudessem interagir de forma absolutamente igualitária, ou seja, em paridade de participação. A pa- ridade participativa somente poderia ser garantida mediante a existên- cia de duas condições. Primeiramente, a condição objetiva à paridade de participação seria a necessidade de a distribuição de recursos estar estruturada de forma a garantir a independência dos participantes da interação social, excluindo-se quaisquer formas de dependência e de- sigualdade (FRASER; HONNETH, 2006). A segunda condição seria a condição intersubjetiva da paridade de participação (FRASER; HON- NETH, 2006), caracterizada pela substituição de normas e padrões institucionalizados que servem à marginalização e à depreciação de grupos e pessoas, impedindo-lhes, dessa forma, da plena paridade de participação da interação social. 30 Douglas de Almeida Silveira A ideia de paridade de participação é bastante significativa na teoria de Fraser, ela pressupõe a reivindicação da universalidade das coisas e aparece, pode-se dizer, como que um balizador das políticas públicas, vejamos o exemplo citado pela própria autora: Exemplos abrangem as leis matrimoniais que excluem a união entre pessoas do mesmo sexo por serem ilegítimas e perversas, políticas de bem-estar que estigmatizam mães solteiras como exploradores sexual- mente irresponsáveis e práticas de policiamento tais como a “catego- rização racial” que associa pessoas de determinada raça com a crimi- nalidade. Em todos esses casos, a interação é regulada por um padrão institucionalizado de valoração cultural que constitui algumas catego- rias de atores sociais como normativos e outros como deficientes ou inferiores: heterossexual é normal, gay é perverso; “famílias chefiadas por homens” são corretas, “famílias chefiadas por mulheres” não o são; “brancos” obedecem à lei, negros são perigosos. Em todos os casos, o resultado é negar a alguns membros da sociedade a condição de parcei- ros integrais na interação, capazes de participar como iguais aos demais (FRASER, 2007, p. 108). Concebendo, então, o reconhecimento como uma forma de igualdade de status (paridade de participação), o modelo de status des- loca o reconhecimento do campo da ética para o campo da moralida- de, uma vez que “[...] libera a força normativa das reivindicações por reconhecimento da dependência direta a um específico e substantivo horizonte de valor” (FRASER, 2007, p. 110). Porém, sabemos que nem toda a demanda por reconhecimento é, de fato, uma demanda legítima e justificada. Fraser apela,então, à paridade de participação como critério que deve servir como lastro na avaliação dessas questões, ou seja, [...] independentemente de ser uma questão de redistribuição ou de re- conhecimento, os reivindicantes devem mostrar que os arranjos atuais os impedem de participar em condição de igualdade com os outros na vida social (FRASER, 2007, p. 125). 31 Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas... O dualismo perspectivo Para Fraser e Honneth (2006, p. 52), dizer que uma sociedade se divide em uma estrutura de classes pressupõe reconhecer que esta mesma sociedade “[...] institucionaliza mecanismos econômicos que negam de forma sistemática a alguns de seus membros os meios e as oportunidades de que necessitam para participar da vida social em pé de igualdade com os demais”. Do mesmo modo que quando se afirma que, em determinada sociedade, vige uma hierarquia de status, pressu- põe-se admitir que esta mesma sociedade “[...] institucionaliza padrões de valor cultural que negam por completo a alguns membros o reco- nhecimento de que necessitam para participar plenamente da interação social” (FRASER; HONNETH, 2006, p. 52). Dito isso, o status e a classe social representam, respectivamente, o reconhecimento errôneo e a má distribuição (FRASER; HONNETH, 2006). O status representa uma ordem de subordinação intersubjetiva resultante dos padrões institucionalizados de valor cultural que impe- dem a paridade de participação de alguns membros de determinados grupos, relacionado a “significados e normas institucionalizados sobre a posição dos atores sociais” (FRASER; HONNETH, 2006, p. 53). Já a classe social, uma ordem de subordinação objetiva, estaria relaciona- da à organização econômica, estruturada de forma a negar a alguns grupos ou indivíduos a paridade de participação social. Logo, a classe social corresponderia à dimensão distributiva, uma vez relacionada aos recursos econômicos e à riqueza. O que nos leva à característica fun- damental que consideramos legitimar a teoria de Nancy Fraser como válida para a análise de políticas públicas de inclusão social: ela afirma que uma perspectiva verdadeiramente crítica deve revelar as conexões ocultas entre a distribuição e o reconhecimento: 32 Douglas de Almeida Silveira [...] deve fazer visíveis e criticáveis os subtextos culturais dos processos nominalmente econômicos e os subtextos econômicos das práticas no- minalmente culturais. Ao tratar cada prática como econômica e cultural ao mesmo tempo, embora não tenha por que ser em igualdade de pro- porções, deve avaliar cada uma a partir de duas perspectivas diferentes. Deve assumir tanto o ponto de vista da distribuição quanto do reconhe- cimento sem reduzir nenhuma dessas perspectivas a outra (FRASER; HONNETH, 2006, p. 63). A esse enfoque Fraser e Honneth chamam dualismo perspecti- vo. O dualismo perspectivo permite que se possa empregar a perspec- tiva do reconhecimento para se identificar as dimensões culturais que, comumente, possam ser consideradas políticas redistributivas, bem como pode ser utilizada a perspectiva de redistribuição para se jogar luz sobre as dimensões econômicas daqueles que podem ser considera- dos problemas de reconhecimento: Portanto com o dualismo perspectivo, podemos avaliar a justiça de qualquer prática social a despeito de que esteja ou não institucional- mente situada, de dois pontos de vista normativos analiticamente dife- rentes perguntando: a prática em questão serve para garantir tanto as condições objetivas como subjetivas da paridade de participação, ou ao contrário disso ela as debilita? (FRASER; HONNETH, 2006, p. 64). Conforme essa contextualização, infere-se que a teoria bidi- mensional possibilita uma avaliação da justiça da prática das políticas públicas, que é o nosso objetivo no presente trabalho: verificar de que modo as diretrizes que regem o Programa Minha Casa Minha Vida, faixa I, produção e aquisição de imóveis com recurso do FAR, respon- dem à grande questão dos autores: “[...] a prática em questão serve para garantir tanto as condições objetivas como as subjetivas da paridade de participação ou, ao invés disso, as debilita?” (FRASER; HONNETH, 2006, p. 64). 33 Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas... Procedimentos metodológicos Para submeter a política de produção de unidades habitacionais por meio de recursos do FAR a esse filtro, trabalhamos, como fonte de dados, com a regulamentação dessas operações: leis federais e porta- rias dos ministérios, porém, mantendo-se nesta análise somente as nor- mativas que deliberam matéria que seja relevante para o beneficiário final, filtrando-se ainda dentro do texto dessas normativas somente os itens nos quais existem deliberações que modificam o produto final ou a vida do beneficiário dessas políticas. Assim, do conjunto de normas que regra as operações de pro- dução de unidades com recurso do FAR, utilizaremos como base a Lei nº 11.977, de 07 de julho de 2009, que dispõe sobre o Programa Minha Casa Minha Vida, e a regulamentação fundiária de assentamentos lo- calizados em áreas urbanas, bem como o Decreto-Lei nº 7.499, de 16 de junho de 2011, que regulamenta alguns dispositivos da lei, os quais são relevantes para nossa análise, e também os Decretos-Lei nº 7.795, de 24 de agosto de 2012, e nº 7.825, de 11 de outubro de 2012, que alteram o Decreto-Lei nº 7.499 (anteriormente mencionado). Além disso, as Leis nº 12.418 e nº 12.419, ambas de 09 de junho de 2011, que alteram a Lei nº 10.741 – Estatuto do Idoso, que, apesar de não configurar regulamentação direta das operações do FAR, tem im- pacto na distribuição das unidades habitacionais, uma vez que reserva percentual delas ao atendimento a beneficiários idosos com especifica- ções dos imóveis. Ainda são parte indispensável desta análise: a Portaria nº 99, de 30 de março de 2016, que dispõe sobre os parâmetros para a seleção dos beneficiários das unidades habitacionais pelo ente público; a Portaria nº 146, de 26 de abril de 2016, que apresenta as especificações mínimas para elaboração dos projetos de engenharia e arquitetura dos imóveis que integram os empreendimentos produzidos com recursos do FAR; 34 Douglas de Almeida Silveira e, por fim, a Portaria nº 321, de 14 de julho de 2016, que dispensa do sor- teio os candidatos a beneficiários enquadrados que possuam membro da família vivendo sob sua dependência com microcefalia devidamen- te comprovada. Percebe-se a complexidade da análise proposta neste artigo, haja vista o fato de que são inúmeros os artigos, parágrafos e alíneas do texto de leis e portarias que fundamentam este estudo, que certamente mereceriam uma apreciação mais detalhada. Porém, com objetivos prá- ticos e dadas as limitações formais deste estudo, chegamos a uma es- truturação dos dados em cinco grandes grupos divididos por temática. São eles: as especificações mínimas dos imóveis, a definição de grupo familiar, a prioridade de atendimento, as questões que concernem à renda mensal do grupo familiar e os direitos e deveres sobre os bens imóveis. A essa divisão em categorias – alinhada com a proposição de Minayo e Gomes (2007), que versa sobre a metodologia do trabalho com categorias na pesquisa científica – chamamos empírica, pois, resul- tando da verificação minuciosa de todos os itens integrantes desse cor- pus de normativas (relevantes para a análise que se intenciona realizar), ela praticamente se impôs, uma vez que todos os elementos agrupados dispõem sobre algumas dessas matérias que encabeçam cada um des- ses grupos. A característica central, comum a todas as categorias apresenta- das, é que se trata de aspectos das deliberações que, de uma forma ou de outra, estão diretamente associadas ao resultado do programa para o beneficiário final, critério que se justifica em razão da perspectiva de análise a partir da ótica teórica daparidade de participação. Esses dados coletados serão apresentados na sequência, bem como, adiante, a análise desses dados, visando a estabelecer a sua re- lação com a ideia de efetivação (ou não) da justiça social por meio do programa, de acordo com a perspectiva bidimensional de Fraser. 35 Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas... Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas de habitação subsidiadas com recursos do FAR Primeiramente, faz-se pertinente adentrar a estrutura da análise que será feita na sequência, quer dizer, partindo do conceito de parida- de de participação, intenciona-se dimensionar em que medida o pro- grama pode garantir e/ou debilitar as condições objetivas à paridade de participação (ou seja, de distribuição de recursos visando a diminuir as desigualdades socioeconômicas) bem como as condições subjetivas à paridade de participação (ou seja, as condições que garantem o esta- belecimento de padrões de valor cultural que possibilitem o respeito igualitário a todos os participantes da interação social), conforme con- ceitos já apresentados anteriormente.4 Analisando o FAR a partir da perspectiva bidimensional da justiça social Inicialmente, destacamos o fato de que o Programa Minha Casa Minha Vida (de agora em diante designado PMCMV), especialmente no que diz respeito à faixa I – habitação de interesse social –, mais espe- cificamente as operações subsidiadas pelo FAR, das quais tratamos até o momento de acordo com as proposições de Fraser, pode ser percebido como integrante de uma política pública que foi criada com objetivos predominantemente distributivos, o que se pode inferir pela própria fi- nalidade do programa, uma vez que serve especialmente à diminuição 4 Consideramos relevante informar que a análise que se pretende fazer deve abranger somente as implicações do programa quanto à paridade de participação que promove àqueles por ele beneficiados, ou seja, enquadrados dentro das normas do programa, sem a pretensão de entrar no mérito das implicações acerca da redistribuição e do reconhecimento negados àqueles que, por não atenderem este ou aquele critério, ficam desenquadrados do programa. 36 Douglas de Almeida Silveira do déficit habitacional no país e à melhora da qualidade de vida das populações de baixa renda, mediante custeio e/ou subsídio de unida- des habitacionais a esse público, o que por si só configura uma forma de distribuição de renda e recursos. Isso não significa, contudo, que não se gerem consequências em termos de reconhecimento, seguindo a proposição de Fraser (2007) e Fraser e Honneth (2006). Na sequência, será apresentada cada uma das categorias construídas. A partir disso, buscamos responder à problemática de pesquisa. As especificações mínimas do imóvel Apesar de as especificações mínimas estarem regulamentadas na portaria do Ministério das Cidades, a Lei nº 11.977, de 07 de julho de 2009, já garantia condições de acessibilidade a todas as áreas de uso co- mum, disponibilidade de unidades adaptáveis para pessoas com defi- ciência, idosos ou pessoas com mobilidade reduzida. Além disso, auto- rizava ainda o custeio no âmbito do PMCMV, de aquisição e instalação de equipamentos de energia solar que contribuíssem com a redução do consumo de água nas moradias. As especificações mínimas dos imóveis produzidos com recur- sos do FAR estão definidas integralmente na Portaria nº 146, expedida pelo Ministério das Cidades em 26 de abril de 2016, que institui, ini- cialmente, que o empreendimento deve estar incluído em área urbana ou em zonas de expansão, de forma a evitar que os empreendimentos sejam construídos em áreas muito distantes da área urbana. A portaria ainda exige que essas zonas de expansão devem ter sido criadas há pelo menos 2 anos da data de contratação do empreendimento, devendo este ainda estar articulado junto com a malha viária já existente ou em local facilmente integrável à malha viária futura, priorizado o uso por pedestres e garantida a acessibilidade por pessoas com deficiência e com mobilidade reduzida. 37 Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas... O projeto deverá considerar o entorno de forma a superar bar- reiras físicas naturais ou construídas entre o empreendimento e o res- tante da cidade, devendo ainda as redes de energia elétrica, iluminação pública, abastecimento de água potável e soluções de esgotamento es- tarem operantes até a data de entrega do empreendimento aos benefi- ciários. Deverá prever estratégias para a redução do consumo de ener- gia e, quando possível, viabilizar a utilização de fontes renováveis de energia, como a solar e/ou a eólica. Deverá, ainda, prever iluminação pública, arborização e mobiliário urbano adequados para os espaços livres públicos e de circulação. Além disso, a portaria exige que o em- preendimento preveja o atendimento à necessidade das famílias com crianças em idade escolar, por escolas de educação infantil e de ensino fundamental, localizadas preferencialmente em seu entorno. Além dis- so, deverá constar no projeto a indicação de: vias de acesso ao empre- endimento, comércio e serviços relevantes e equipamento de saúde e educação em seu entorno. É também exigência deste documento que todas as unidades habitacionais destinadas às pessoas com deficiência(s) ou às famílias das quais façam parte essas pessoas sejam adaptadas, respeitando-se o tipo de deficiência e observando-se orientação específica mínima for- necida pelo Ministério das Cidades; sendo que deverão ser destinadas a portadores de necessidades especiais, pelo menos, 3% das unidades habitacionais produzidas no âmbito do PMCMV em cada município, nos casos em que não exista regra/legislação municipal em que conste determinação diferente desta. A definição do grupo familiar Nos termos da Lei nº 11.977, para fins de enquadramento no PMCMV, caracteriza-se como grupo familiar: “[...] unidade nuclear composta por um ou mais indivíduos que contribuem para o seu ren- dimento ou tem suas despesas por ela atendidas e abrange todas as es- 38 Douglas de Almeida Silveira pécies reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, incluindo-se nestas a família unipessoal” (BRASIL, 2009, não paginado). A definição de grupo familiar é bastante ampla, incluindo até mesmo as famílias compostas de apenas um membro e, apesar de não constar explicita- mente no texto de lei, as famílias homoafetivas, sendo que já são reco- nhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro enquanto famílias.5 A abrangência do conceito de grupo familiar permite a inclusão no programa de um maior número de pessoas, dos mais variados gru- pos familiares, já que delega as delimitações de caráter mais seletivo para critérios mais pragmáticos, especialmente aqueles relacionados com a necessidade de urgência de atendimento e a renda do grupo fa- miliar, ou seja, ligados a aspectos que, teoricamente, podem selecionar de forma mais confiável aqueles que teriam maior necessidade de aten- dimento. A prioridade de atendimento Tanto as leis reguladoras quanto as portarias que regem as con- tratações efetuadas no âmbito do FAR estabelecem algumas priorida- des de atendimento e algumas características excepcionais que deverão nortear a seleção e a contemplação de beneficiários. São elas: famílias residentes em áreas de risco ou naquelas consideradas insalubres, fa- mílias que tenham sido desabrigadas ou que perderam sua moradia em razão de enchentes, alagamentos ou quaisquer demais desastres natu- rais; famílias com mulheres responsáveis pela unidade familiar. A Lei nº 11.977 ainda dispõe que os contratos e registros efetivados no âmbito do PMCMV deverão ser formalizados, preferencialmente, no nome da mulher. 5 Especialmente após o julgamento, em maio de 2011, pelo Supremo Tribunal Federal, da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI)4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, em que foram reconhecidas as uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo. 39 Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas... Fica ainda resguardado na mesma lei o direito de que, nos casos de títulos de propriedade de imóveis adquiridos pelo PMCMV com recurso do FAR ou do FDS, nas hipóteses de dissolução de união está- vel, separação ou divórcio, o título da propriedade será registrado no nome da mulher ou a ela transferido, independentemente do regime de bens aplicável, com exceção dos casos que envolvem recursos do FGTS. Porém, nos casos em que haja filhos do casal e a guarda for atribuída exclusivamente ao marido, o título da propriedade será registrado em seu nome ou a ele transferido. Ainda, é permitida, nos casos em que a beneficiária final seja mulher chefe de família, no âmbito do PMCMV ou em quaisquer pro- gramas de regularização fundiária ou de habitação de interesse social promovidos por ente público, seja União, estados, Distrito Federal ou municípios, em caráter excepcional no direito brasileiro: a assinatura de contrato independentemente da outorga do cônjuge, com exceção dos casos que envolvam recursos do FGTS. As Leis nº 12.418 e nº 12.419, ambas de 09 de junho de 2011, ape- sar de não estarem diretamente ligadas à regulação das operações do FAR, alteram a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso, fixando um percentual de pelo menos 3% das uni- dades habitacionais a ser disponibilizado para atendimento aos idosos e exigindo que essas unidades devem, preferencialmente, situar-se no pavimento térreo em casos de edificações prediais. Da renda mensal do grupo familiar Os contratos de arrendamento residencial celebrados no âmbito do PMCMV para operações com recurso do FAR são contratos de alie- nação fiduciária desses imóveis, ou seja, o beneficiário assina o contrato de compra e venda em seu nome, porém, até a quitação da dívida, o bem permanece alienado ao fundo. 40 Douglas de Almeida Silveira O Decreto-Lei nº 7.499, de 16 de junho de 2011, determina, entre diversas outras matérias sobre a questão da renda mensal do grupo fa- miliar, que é obrigatória a participação financeira dos beneficiários sob forma de 120 prestações mensais, essas prestações, atualmente, variam entre R$ 80,00 e R$ 180,00, de acordo com a renda do grupo familiar, conforme tabela constante na Portaria 99/2016, do Ministério das Cida- des, exceto nos casos pela lei determinados, como veremos adiante. O baixo custo dessas prestações se deve ao fato de que o restante do valor que compõe o custo total do imóvel é custeado em forma de subvenção econômica pela União. Em operações com recursos provenientes do FAR, fica dispen- sada a participação financeira do beneficiário nos casos em que essas operações forem vinculadas ao PAC e implicarem reassentamento, remanejamento ou substituição de unidades habitacionais, bem como nos casos em que forem demandadas para atendimento de famílias de- sabrigadas que perderam seu único imóvel por conta de situações de emergência ou de calamidade pública. O referido decreto institui o valor de renda mensal do grupo fa- miliar para enquadramento nas operações contratadas com recurso do FAR de até R$ 1.600,00 (valor revogado pela Portaria nº 99, do Minis- tério das Cidades, aumentado para R$ 1.800,00) e institui, ainda, que, nos casos descritos no parágrafo anterior, o limite de renda deverá ser de até R$ 3.600,00. Dos direitos e deveres sobre os bens imóveis Os contratos de compra e venda, cessão de direitos, promessas de cessão de direitos e procurações que tenham por objeto compra e venda desses imóveis, quando não precedidas da quitação do valor da dívida referente a determinado imóvel, são considerados nulos. 41 Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas... A quitação antecipada do valor do imóvel implica o pagamento do valor total da dívida contratual bem como a devolução do valor de subvenção econômica que lhe fora conferido; não sendo admitida a transferência inter-vivos dos imóveis sem a quitação da respectiva dívida. Além disso, se constatado o desvio de finalidade, ou quaisquer irregularidades na ocupação do imóvel que não para a residência do beneficiário, caberá à instituição financeira responsável pela opera- cionalização da contratação declarar a rescisão do contrato bem como promover a retomada do imóvel, não havendo qualquer possibilidade prevista em lei de transferência, comercialização ou qualquer tipo de cessão do imóvel anterior à consolidação da propriedade pelo benefici- ário, ou seja, decorrido o prazo de 10 anos, durante o qual o beneficiário titular do contrato deverá ocupar o imóvel. Analisando o FAR pela perspectiva bidimensional da justiça social, de Fraser Uma vez que propusemos uma análise do FAR enquanto políti- ca pública, precisamos de elementos que nos possibilitem responder o questionamento proposto por Fraser: “a prática em questão serve para garantir tanto as condições objetivas como as subjetivas da paridade de participação ou, ao invés disso, as debilita”? Para tal, devemos reconhecer, primeiramente, que a natureza do programa tem mais afinidade com a característica objetiva da paridade de participação, ou seja, da forma como o programa é constituído, ele tende a priorizar elementos de distributividade de recursos materiais e econômicos. Dito isso, podemos então identificar em que medida, de acordo com as proposições de Fraser, o programa pode promover redistribuição e reconhecimento às populações beneficiadas, uma vez que, segundo Fraser, mesmo uma política que foi concebida para uma 42 Douglas de Almeida Silveira finalidade (ou redistribuição ou reconhecimento) terá implicações em ambas as direções, já que redistribuição e reconhecimento são mutua- mente imbricados. Vejamos, primeiramente, em que medida o progra- ma pode promover a paridade de participação por meio da redistribui- ção de recursos. A faixa I do PMCMV se caracteriza especialmente por dois fato- res: primeiro, os imóveis são produzidos exclusivamente com recurso do FAR; segundo, esses imóveis visam ao atendimento de necessida- des das famílias de baixa renda. Em um levantamento realizado pela Fundação João Pinheiro (2016), divulgado por meio de um relatório no ano de 2016, constatou-se que o déficit habitacional brasileiro está concentrado, especialmente, na população cuja renda mensal é de até três salários mínimos, atingindo, em 2014, ano base da pesquisa, o alar- mante número de 83,9% dessa população. Nisto reside, talvez, o mais importante papel desempenhado pelo programa, especialmente em re- lação ao critério objetivo da paridade de participação: a distribuição de recursos, uma vez que possibilita o acesso à moradia digna a essas populações de baixa renda, que talvez, de outra forma, dele não pode- riam dispor. A destinação de subsídios do governo, que torna possível a rea- lização do programa, já que é o elemento definitivo na redução de custo dos imóveis para o beneficiário final (até mesmo a isenção de custo, como vimos anteriormente), também demonstra o caráter redistributi- vo do programa, uma vez que força o Estado a destinar recursos públi- cos para o investimento direto na qualidade de vida das populações de baixa renda, removendo, em certa medida, os obstáculos burocráticos e financeiros que, de outra forma, possivelmente, impediriam o acesso à casa própria. Outra característica do programa que assegura sua competência de redistribuição são as determinações constantes nas especificações mínimas dos empreendimentos. Esse mecanismo funciona como um 43 Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas... agente refinador do processo de produção desses imóveis, que deve afiançar a qualidade dos imóveisentregues, como que expandindo também o acesso ao que podemos chamar de direitos acessórios (trata- mento de esgoto, aparelhos de educação e saúde, iluminação pública, saneamento básico, acesso à malha urbana, entre outros), de forma bas- tante alinhada, por exemplo, com o conceito de cidade sustentável do Estatuto da Cidades, servem como uma garantia que visa a certificar-se de que a aplicação de recursos públicos do FAR também possa garantir o atendimento de necessidades básicas de saúde e educação e melhorar a qualidade de vida dos habitantes locais. Em se tratando dos aspectos do programa que servem ao agen- ciamento da paridade de participação por meio de ações que promo- vam o reconhecimento, consideramos pertinente lembrar que, para Fraser, o conceito de reconhecimento não está relacionado à repara- ção de identidades individuais ou de grupos que por ventura sejam lesadas, mas, sim, à remoção dos obstáculos que impeçam a paridade de participação por parte desses grupos, requerendo a substituição de padrões de valores a eles associados nos casos em que esses padrões forem depreciativos a esses grupos e indivíduos. Nesse sentido, podemos perceber como a definição de grupo fa- miliar adotada pelo programa, por sua amplitude, é fundamental para pensarmos sobre reconhecimento, já que é um conceito que não se res- tringe a um padrão socialmente dominante de família, na medida em que nega o padrão cultural posto pelo modelo nuclear, em que família se constitui, via de regra, por pai, mãe e filhos. Quando o programa abandona esse conceito tradicional de família e adota um parâmetro mais inclusivo e progressista, promove a substituição de narrativas depreciativas que envolvem as minorias potencialmente excluídas do primeiro. Além disso, o PMCMV faixa I manifestamente demonstra aten- ção especial em relação a alguns grupos socialmente estigmatizados, 44 Douglas de Almeida Silveira como idosos e pessoas com deficiência. Essa preocupação também pode ser percebida como um viés de reconhecimento, pois remove obs- táculos à paridade de participação desses grupos subalternizados, ao conferir a eles um status de igualdade em relação aos demais membros da sociedade – confiando-lhes a autonomia para gerir uma casa, por exemplo –, nesse caso, removendo um padrão de valoração cultural vi- gente na sociedade, que reproduz o discurso de que “velhos e deficien- tes” são subcidadãos, isto é, não seriam dignos de cidadania análoga aos “normativos”. Façamos um parêntese em relação ao caso das mulheres chefes de família, que, da mesma forma que os idosos e portadores de neces- sidades especiais anteriormente mencionados, também configuram um grupo refém desse discurso de subcidadania. Note-se que o programa tem uma atenção ainda mais dedicada a esse grupo específico, ou até mesmo em relação ao gênero feminino. Como exemplo, nos casos das mulheres chefes de família, há a dispensa, em caráter excepcional no or- denamento jurídico brasileiro, da outorga do cônjuge na assinatura de contratos, bem como a consolidação da propriedade em nome da mu- lher nos casos de separação ou divórcio, independentemente do regime de bens aplicável. Em um mundo que favorece valores culturais institu- cionalizados, majoritariamente ligados ao masculino, especialmente no contexto econômico, quando o programa privilegia o grupo de “gênero feminino/baixa renda”, fá-lo de forma que termina por romper com a diferenciação de status social hierarquizada pelo elemento gênero, logo, caracterizando essa prática como um exemplo da consolidação da condição subjetiva da paridade de participação. Porém, a limitação de diretos dos beneficiários sobre os bens imóveis constitui uma provável forma de precarização do reconheci- mento, especialmente em se tratando de um programa que se coloca a serviço da ascensão econômico-social das populações de baixa renda. Parece haver um problema contraditório nesse sentido, pois, mesmo 45 Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas... promovendo a autonomia dos beneficiários, no sentido econômico (for- necimento dos recursos materiais ligados à moradia), esse recurso é limitado por uma série de proibições sobre como o beneficiário deve dispor dele, isso é um problema do ponto de vista do reconhecimento sob a ótica de Fraser, uma vez que impede a paridade de participação no sentido de que essas pessoas ficam reféns do benefício recebido, elas não gozam da mesma liberdade daqueles que adquirem imóveis fora do programa, não podem se mudar para outro lugar, não podem ceder, vender ou alugar o imóvel se assim desejarem. Quando pensamos os reflexos do programa em relação à con- dição subjetiva da paridade de participação, não podemos deixar de lembrar de um aspecto que é bastante recorrente em relação a políticas públicas distributivas: por vezes, devido ao caráter assistencial e fo- calizado de determinados programas, a sociedade em geral costuma demonizar os sujeitos das classes sociais menos abastadas, “[...] enqua- drando-os como de conduta anormal e parasitária”, conforme já pre- visto por Fraser e Honneth (2006, p. 65), “[...] distinguindo-lhes injus- tamente dos ‘assalariados ativos’ e dos contribuintes que ‘pagam pelo que é seu’, os programas de benefícios deste tipo direcionam aos po- bres não somente a ajuda material, mas também a hostilidade pública”. Considerações finais O Brasil atravessou um período de franco crescimento econômi- co desde o início do século XXI, possibilitando a ascensão social de mi- lhares de brasileiros. Esse fenômeno ajudou a intensificar a sofisticação das demandas por justiça social, as quais, segundo Fraser (2007) e Fra- ser e Honneth (2006), envolvem reivindicações tanto por redistribuição quanto por reconhecimento da diferença. A investigação desenvolvida para este texto demonstrou que, em se tratando de uma política pública que se propõe inicialmente à 46 Douglas de Almeida Silveira distribuição de recursos materiais (no caso, pela via da habitação), o programa em questão tem uma dimensão claramente relacionada ao que Fraser afirma ser a condição objetiva ao estabelecimento da pari- dade de participação. Ao mesmo tempo, o programa também promove a paridade de participação, uma vez que viabiliza, em certa medida, o reconhecimento às populações de baixa renda, potencializando a substituição de discursos de natureza preconceituosa e difamatória por outros mais alinhados à justiça social. Contudo, contraditoriamente, o programa está sujeito à precarização do reconhecimento das popula- ções beneficiadas, uma vez que, por conta de seu caráter assistencial e focalizado, pode fomentar a percepção social do beneficiário enquanto sugador dos recursos do Estado. Dessa forma, consideramos que esta pesquisa tem relevância em um contexto em que propõe um novo olhar, mais amplo e abrangente às políticas públicas, à medida que articula redistribuição e reconheci- mento numa perspectiva bidimensional. Essa nova perspectiva de aná- lise pode contribuir para torná-las mais efetivas no atendimento das necessidades de distribuição de recursos. Além disso, conscientes da limitação imposta pela pesquisa de caráter estritamente documental, consideramos que o presente traba- lho possa significar um caminho a ser seguido, talvez o ponto de parti- da para uma pesquisa mais ampla, que possa escutar as populações be- neficiárias por este programa social, garantindo que se possa perceber, de forma ainda mais acurada, em que medida ele serve para garantir a paridade de participação. 47 Análise das condições de paridade de participação dos beneficiários de políticas públicas... Referências BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 5 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 11 maio 2017. BRASIL. Lei nº 10.188, de 12 de fevereiro de 2001. Disponível em:
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