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MARCOS VOLTAR Introdução Plano do livro Capítulo 1 Capítulo 5 Capítulo 9 Capítulo 13 Capítulo 2 Capítulo 6 Capítulo 10 Capítulo 14 Capítulo 3 Capítulo 7 Capítulo 11 Capítulo 15 Capítulo 4 Capítulo 8 Capítulo 12 Capítulo 16 INTRODUÇÃO I. AUTORIA Este evangelho não menciona o seu autor. Entretanto, a autoria de Marcos, assistente de Pedro, nunca foi seriamente posta em dúvida. Não se duvida tampouco que este Marcos seja aquele «João, que tinha por sobrenome Marcos», a quem o Novo Testamento se refere oito vezes. Era parente de Barnabé (Cl 4.10); a afirmação de 1Pe 5.13 pode significar que ele se converteu por meio de Pedro. Nos escritos patrísticos dos primeiros quatro séculos há abundante evidência para a autoria de Marcos. Papias, Justino Mártir, Irineu, Clemente de Alexandria, Tertuliano, Orígenes, Eusébio e Jerônimo se referem à autoria de Marcos. II. DATA E LUGAR DA OBRA Quanto à data do segundo evangelho, as opiniões variam muito dentro dos 35 anos entre 40 A. D. e 75 A. D. Marcos é agora aceito, quase universalmente, como o mais antigo dos quatro evangelhos. Por um lado, a declaração de Irineu que Marcos compôs seu evangelho «depois da saída (exodos) de Pedro e Paulo», indica uma data não anterior a 68. A. D., e não posterior a 70 A. D., ano da destruição de Jerusalém, se aceitarmos a hipótese, não absolutamente segura, de que esta «saída» significa a morte. Dr. Vincent Taylor apóia a data 65 a 67 Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 2 A. D. e considera precárias as teorias de uma data mais antiga. Por outro lado, a relação de Marcos com os outros sinóticos, especialmente com Lucas que precede os Atos dos Apóstolos (Ver At 1.1), sugere uma data nos meados do século. Uma data entre 50 e 55 A. D. nos daria uma posição entre os dois extremos. A maioria dos eruditos, seguindo evidências antigas, apontam Roma como o lugar em que foi escrito. Dr. Graham Scroggie considera que 1Pe 5.13 tende a confirmar esta idéia, caso Babilônia significasse Roma. Outros sugerem Alexandria, Cesaréia e Antioquia da Síria. É provável que este evangelho fosse escrito para leitores gentílicos em geral e mais particularmente para os romanos. Há relativamente poucas citações e alusões tiradas do Velho Testamento; expressões aramaicas são interpretadas (v.g. 5.41); os costumes dos judeus são explicados (v.g. 7.3-11); algumas palavras latinas aparecem. O teor geral da obra, que representa a incessante atividade do Senhor e Seu poder sobre os demônios, a enfermidade e a morte, atrairia o leitor romano, interessado mais em atividade do que em palavras. III. MARCOS E PEDRO Uma tradição oriunda de Papias (70-130 A. D.) reconhece, atrás da narrativa de Marcos, a pregação e autoridade do apóstolo Pedro. Esta afirmação de Papias é conservada por Eusébio da seguinte maneira: «Marcos, sendo o intérprete de Pedro, escreveu acuradamente tudo quanto ele se lembrou das coisas ditas e feitas pelo Senhor, porém não as colocou em ordem». Outros escritores patrísticos confirmam esta tradição que, segundo Dr. Vincent Taylor, «é tão segura que, ainda não a possuíssemos, seríamos obrigados a postular algo parecido». Isto não quer dizer que Marcos era apenas um secretário ou amanuense, nem tampouco que não usou material de outras fontes, inclusive as suas próprias reminiscências. É patente que o autor, embora não um dos doze apóstolos, possuía conhecimento muito íntimo dos fatos narrados, em que se revelam todos os sinais de originalidade. A ordem e classificação Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 3 de material adotadas por Marcos são certamente criticadas pela tradição de Papias. Aparentemente, o evangelho segue uma ordem homilética, em vez de cronológica. As evidências internas da influência petrina são as seguintes: O evangelho começa com a chamada de Pedro, sem referência alguma à natividade de Cristo. O evangelho focaliza o ministério na Galiléia, e mais especialmente nos arredores de Cafarnaum, cidade de Pedro. A vividez das descrições indica que são as experiências pessoais de uma testemunha ocular. São omitidos alguns pormenores que destacam a pessoa de Pedro, em a narração da confissão de Pedro, em Cesaréia de Filipe, e do seu andar sobre o mar. São relatadas minuciosamente as suas derrotas, como a negação do Mestre. IV. FONTES Uma vez aceita a prioridade de Marcos, as pesquisas quanto às fontes deste evangelho não têm obtido o mesmo êxito como no caso de Mateus e de Lucas. A tradição oral tornou-se o objeto de intensos estudos nos últimos cinqüenta anos, estudos estes que deram origem à Crítica de Forma propalada por Martin Dibelius. A Crítica de Forma propõe a existência, antes de serem escritos os evangelhos que possuímos, de pequenos círculos de tradição. Estes círculos conservariam o evangelho pelo método oral, embora houvesse alguns evangelhos escritos, como o prefácio de Lucas indica. A nomenclatura desses círculos difere conforme o crítico. B. S. Easton divide o material da maneira seguinte: Ditados, Parábolas, Diálogos, Narrativas Miraculosas e Narrativas da Paixão. V. Taylor distingue Histórias Declarativas, Histórias Miraculosas e Histórias sobre Jesus. A evidente diversidade entre as diferentes análises aponta para o perigo inerente nelas, a saber, a pura subjetividade que as determina, tendo em vista a impossibilidade de Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 4 verificação externa, que se usa para a Crítica Textual. Uma vez que se propõem investigações além dos documentos escritos, qualquer hipótese razoável pode ser sugerida. Por outro lado, há valor na insistência dos críticos da forma que o evangelho era pregado antes de ser escrito. Com o decorrer do tempo, muito material assumiu forma mais definida para os fins mnemônico e catequético, e disto há indicações na ordem tópica que Marcos adota. Quanto à sua forma e caráter, esta tradição oral é em grande parte semítica. A presença de uma considerável influência aramaica no grego de Marcos indica isto, sem porém levar-nos a conclusão, mantida por C. C. Torrey e outros, de que o evangelho fosse tradução de um original aramaico. O importante é que este fato aumenta incontestavelmente o valor histórico da obra, visto que Marcos, embora gentílico nas suas simpatias, se coloca perto da tradição dos cristãos judeus. Quanto às fontes documentárias, a questão principal é se Marcos conheceu e utilizou o duvidoso documento «Q». Na opinião do Cônego Streeter é quase certo que «Q» precede Marcos; outros pretendem reconhecer vestígios de «Q» no seu evangelho. Além desta possibilidade indecisa, não há mais para dizer. Alguns procuram provar a existência duma edição preliminar, uma espécie de ensaio, conhecida como Ur-Markus, isto é, Marcos Original, mas esta sugestão altamente subjetiva pode ser considerada apenas uma hipótese. Em síntese, podemos dizer que a fonte principal deste evangelho é a pregação e ensino de Pedro, cujo sermão em Cesaréia constitui realmente um resumo do evangelho (At 10.34-43). A esta fonte principal seriam acrescentadas uma parte geral da tradição oral, as reminiscências pessoais de Marcos, e talvez material tirado de outros documentos. V. TEOLOGIA a) A Pessoa de Cristo Consta que Marcos apresenta a pessoa de Cristo como Servo de Jeová (Is 52.13-53.12), enquanto Mateus o descreve como Rei, Lucas Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 5 como Homem, e João como Filho de Deus. Diversos aspectos deste evangelho, como a ausência de uma genealogia e a predominância da ação sobre o ensino, apóiam esta descrição. O uso do titulo «Filho do Homem» ocorre quatorze vezes neste evangelho, e se interpreta na maioria dos casos (8.31; 9.9,12,31; 10.33,45; 14.21,41) de acordo com este conceito.Entretanto, desde o primeiro versículo do livro, Marcos identifica o humilde Servo como o próprio Filho de Deus, cujo ministério é autenticado por suas obras poderosas. É inequívoca a atestação divina desta identidade na hora do batismo e da transfiguração (1.11; 11.7). Dr. V. Taylor a considera como o elemento mais fundamental da cristologia de Marcos, «uma cristologia tão sublime como se encontra em qualquer parte do Novo Testamento, sem excluir o evangelho de S. João». O ministério messiânico de Jesus, segundo Marcos, se vê como segredo bem guardado, pelo menos até a confissão de Pedro (8.30). Sem dúvida, o motivo para sigilo seria de evitar o perigo inerente nos conceitos populares nacionalistas e materialistas, com que as expectativas dos judeus investiram o título. Ao mesmo tempo, o autor desejava assegurar-lhe uma significação tanto ética como apocalíptica. O termo «Cristo» se usa apenas sete vezes, e Jesus nunca o usa com referência a si mesmo. b) A Obra de Cristo As duas metáforas usadas em 10.45 e 14.24 indicam quais são as doutrinas principais enunciadas. A vida do Nosso Senhor, dada como sacrifício, se descreve como «resgate de muitos», e como o «sangue do Novo Testamento». Aquele efetua libertação do pecado e do juízo, enquanto este estabelece um novo pacto e comunhão entre Deus e o homem. Estes conceitos em Marcos não são elaborados num sistema de doutrina. Há menos razão ainda para supor que a referência ao «resgate» indique influência paulina. Diz o Dr. James Denney: «Se achamos o mesmo pensamento em Paulo, não digamos que o evangelista fosse Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 6 exposto à influência paulina, mas antes que S. Paulo aprendeu aos pés de Jesus. Todos os sinóticos mencionam as três ocasiões em que Jesus procurou, propositadamente, advertir os discípulos de sua paixão próxima. Mas é Marcos que observa mais especialmente as diferentes atitudes dos discípulos (8.31 e seg.; 9.31 e seg.; 10.32). c) Escatologia A escatologia do evangelho se encontra principalmente nas duas passagens 8.38-9.31 e 13.1-37, em que Jesus discursa sobre dois acontecimentos bem separados em tempo, a saber: a destruição de Jerusalém em 70 A. D., e Sua segunda vinda em glória. Contudo, é preciso reconhecer que Marcos escreve do Reino de Deus em termos predominantemente escatológicos. As idéias básicas deste conceito são, primeiro, o governo real dum Deus soberano, e em segundo lugar, de um reino ou comunidade em que se ingressa (9.47; 10.23). As declarações sobre este segundo conceito podem conter uma possível significação futura, também, mas outras referências, como 14.25 e 15.43, se aplicam, inegavelmente, a um cumprimento futuro. d) Afinidade com o ensino paulino Foi mencionada acima a sugestão que Marcos fosse sujeito à influência paulina. É assunto de importantes debates desde muito tempo. É verdade que há muito em comum tanto no vocabulário como nas idéias entre este evangelho e os escritos de Paulo. Entretanto, esta semelhança é verificável em quase todos os escritos da igreja primitiva. Por outro lado, é verdade também que muitas das expressões e conceitos doutrinários tipicamente paulinos, como por exemplo «justiça», «justificação pela fé», «união com Cristo», «vida no Espírito» etc., são inteiramente ausentes em Marcos. Só podemos dizer que Marcos viveu e escreveu num ambiente romano e paulino e, mais ainda, que talvez conhecesse algumas das epístolas mais primitivas. Como observa o Dr. V. Taylor: Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 7 «Marcos nem refaz, nem ofusca a tradição histórica. Seu Jesus é o Jesus da Galiléia». PLANO DO LIVRO I. PREPARAÇÃO - 1.1-13 a) João Batista (1.1-8) b) O batismo de Jesus (1.9-11) c) A tentação de Jesus (1.12-13) II. MINISTÉRIO NA GALILÉIA - 1.14-9.50 a) A chamada dos primeiros discípulos (1.14-20) b) O primeiro sábado em Cafarnaum (1.21-45) c) O começo da oposição (2.1-3.6) d) A eleição dos Doze (3.7-19) e) Acusações contra Jesus (3.20-35) f) Ensino por parábolas (4.1-34) g) Obras poderosas (4.35-5.43) h) Rejeição em Nazaré e a missão dos Doze (6.1-13) 1) Herodes e João Batista (6.14-29) j) Milagres e ensinos na Galiléia e além (6.30-8.26) 1) O Messias e Seus sofrimentos (8.27-9.29) m) Censuras e advertências (9.30-50) III. EM CAMINHO PARA JERUSALÉM - 10.1-52 a) Sobre o casamento e o divórcio (10.2-12) b) Sobre a Infância (10.13-16) c) Sobre as riquezas (10.17-31) d) Terceira predição da paixão (10.32-34) e) O pedido de Tiago e João (10.35-45) f) A cura do cego Bartimeu (10.46-52) Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 8 IV. A SEMANA DA PAIXÃO - 11.1-15.47 a) A entrada em Jerusalém e início da semana (11.1-26) b) Ensino em Jerusalém (11.27-12.44) c) O sermão profético (13.1-37) d) A história da paixão (14.1-15.47) V. A CONSUMAÇÃO - 16.1-20 a) A ressurreição (16.1-8) b) O epílogo (16.9-20) COMENTÁRIO I. A PREPARAÇÃO - 1.1-13 Marcos 1 a) João Batista (1.1-8) Ver notas sobre Mt 3.1-12; Lc 3.1-20. Cf. Jo 1.6-34. É provável que Marcos queria que o primeiro versículo servisse como título da obra. O evangelho (1): não apenas o livro, mas o seu conteúdo das «boas novas concernentes a Jesus Cristo». Os vv. 2 e 3 podem ser considerados como parênteses e, neste caso, o primeiro versículo é ligado ao verso 4 assim: «Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus...; apareceu João no deserto». Esta sugestão atraente dá relevo ao fato de que as boas novas da vinda do Messias começaram num reavivamento espiritual e não, como se esperava, numa revolução política. Entretanto, este arranjo do texto tende a subordinar a importância da citação do Velho Testamento. É preferível a ARA no primeiro verso, onde termina com ponto, deixando-o como título do livro. No profeta Isaías (2). Realmente uma citação de Ml 3.1, e não de Isaías. A frase mais importante, no deserto (3), tem sua aplicação no verso 4. Marcos cita Isaías como autor desta frase (cf. Is 40.3) e talvez Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 9 incorpore a citação de Malaquias, por ser tão apropriada. As duas profecias são apresentadas a fim de mostrar a natureza da missão de João Batista, corno preparação para a vinda do Messias. Ambas as citações, no seu significado primitivo, se referem ao povo de Deus à procura de Jeová. Aqui se aplicam, muito sugestivamente, a Jesus Cristo. São indicadas também a índole e influência do ministério preparatório de João. O que se prepara é o coração humano. O ministério de João se caracteriza pelo seu poder moral. O batismo de arrependimento tem em mira a remissão dos pecados (4). Arrependimento: O grego (metanoia) significava originalmente «mudança de pensamento». Porém, em o Novo Testamento o seu sentido denota um ato deliberado pelo qual se recobra o juízo, com a resultante mudança de conduta. Os pormenores deste aspecto do ministério de João Batista são apresentados em Lc 3.1-20 (ver notas). Toda a província da Judéia sentiu o seu impacto. Jesus mesmo veio da Galiléia (9), mas mede-se a influência da missão de João Batista pelo fato de a Judéia ser profundamente tocada por sua mensagem. A confissão de pecados era oral, uma pública confissão, após o que eram mergulhados (baptizo, forma intensiva de bapto) nas águas do rio, como um ato simbólico. O vestido e a alimentação de João (6) revelam sua austeridade e separação dos interesses materiais. Seu indumento era típico dos profetas e relembra Elias (2Rs 1.8), a quem João se assemelha em diversos aspectos (Mc 9.13). Gafanhotos: alimento somente da classe mais humilde. Consta que os beduínos ainda os comem tostados ou salgados. O testemunho de João focaliza aquele que é mais forte do que eu (7), cuja vinda estava próxima, e que ia batizar não com água, mas com o Espírito Santo (8). O ensino do VelhoTestamento concordava que estas seriam as características dos dias do Messias (Is 44.3; Ez 36.26; Jl 2.28). Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 10 b) O batismo de Jesus (1.9-11) Ver notas sobre Mt 3.13-17; Lc 3.21-22. Jesus se apresenta à beira do Jordão em toda simplicidade, como um da multidão que deseja o batismo de João. Mateus narra a surpresa e a desconfiança de João (3.14- 15), na ocasião em que este entrou em contato com o corpo sagrado do Senhor para batizá-lo. João O batizou somente depois da insistência do Senhor. Logo (10): o primeiro uso desta palavra predileta de Marcos, que ocorre quarenta e uma vezes nesta obra. Quando Jesus subiu do Rio Jordão, uma tríplice experiência O destacou entre os demais, identificando-O na sua única relação com Deus. Em primeiro lugar, ele viu os céus abertos (10), ou melhor, rasgarem-se (schizomenous), facultando a vista desembaraçada das coisas celestiais (cf. Jo 3.12-13; Is 44.1). Em segundo lugar, ele viu o Espírito que como pomba descia sobre ele. É patente que a forma de pomba era visível, e não apenas um símile de ternura para descrever o fenômeno, pois Lucas elucida a experiência com as palavras «em forma corpórea» (Lc 3.22). Alguns fazem a sugestão interessante de uma alusão a Gn 1.2, onde o Espírito paira sobre as águas primevas. Em terceiro lugar, brada a voz do Pai dos céus, testemunhando que este é Seu Filho (11). Cf. 11.7 e Jo 12.28. As palavras relembram Sl 9.7 e Is 42.1. Revela-se numa luz claríssima a Santa Trindade, focalizando a Pessoa do Filho. Para o homem conhecer o trino Deus, é preciso que o primeiro encontro sempre seja com a pessoa de Cristo, o Filho. É notável que Jesus, embora batizado por João, não confessou pecado, e a Igreja primitiva sempre ficou firme quanto à imaculabilidade absoluta dEle. Para Jesus, Seu batismo significa primeiro o cumprir de toda a justiça (cf. Mt 3.15 n.); em segundo lugar, um ato de identificação com o povo, sendo «contado com os transgressores» (Is 53.12); e em terceiro lugar, um ato de consagração ao Seu ministério. Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 11 c) A tentação de Jesus (1.12-13) Cf. notas sobre Mt 4.1-11; Lc 4.1-14. Sem dúvida foi o próprio Jesus que divulgou os pormenores deste incidente. O relatório de Marcos é brevíssimo, o que é muito curioso, tendo em consideração o evidente interesse do autor no triunfo do Filho de Deus sobre as potestades das trevas. Todos os sinóticos concordam em dar relevo à íntima relação entre o batismo e a tentação de Cristo. Na sua obra Life and Times of Jesus the Messiah, Edersheim sugere que Jesus, impelido pelo Espírito, fosse ativo no Seu batismo e passivo na tentação. Pelo batismo Ele cumpriu toda a justiça, e pela tentação Sua justiça foi provada. Antes de iniciar Seu ministério, cujo propósito foi raptar e destruir de uma vez o poder de Satanás em vidas humanas, foi-lhe mister encontrar e vencer aquele inimigo no campo de batalha da Sua própria vida. Cf. Hb 2.18; 4.15. A solidão do lugar se faz sentir pela frase estava com as feras (13, ARA) - uma minúcia incluída somente por Marcos. A severidade da luta se vê no fato de que os anjos o serviam (13. cf. Lc 22.43). Uma explicação puramente psicológica desta história não é satisfatória. Tudo foi real - tanto o encontro, como a pessoa de Satanás e os anjos. Em menor grau, cada discípulo que se sente chamado a uma tarefa penosa só pode esperar um conflito semelhante, em que uma vitória parecida é possível. Marcos julga desnecessário mencionar quem foi o vencedor. II. O MINISTÉRIO NA GALILÉIA - 1.14-9.50 a) A chamada dos primeiros discípulos (1.14-20) 1. O MINISTÉRIO DE JESUS (1.14-15) - Cf. Mt 4.12-17; Lc 4.14-44. Segundo Marcos, o ministério começou depois de João ter sido preso (14), o que implica um intervalo entre o batismo de Jesus e seu ministério na Galiléia. Marcos não revela nada a respeito da atividade de Jesus naquele período. Neste como em outros assuntos, o evangelho de S. João completa a narrativa sinótica (cf. Jo 1.19-4.42). Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 12 Jesus começou a proclamar as boas novas de Deus, que já passara o tempo de esperança, e que já tinha chegado o anelado Reino de Deus. À luz do advento deste reino, era mister que todos os homens se arrependessem e cressem (15). A responsabilidade humana em relação ao evangelho se expressa nestas duas palavras. O reino de Deus (15): o governo divino no coração humano e na sociedade. 2. A CHAMADA DE PEDRO, ANDRÉ, TIAGO E JOÃO (1.16-20) - Veja Mt 4.18-22 n. Compare Lc 5.1-11. Era fundamental no ministério de Jesus a escolha e preparação dos Doze, que iam compartilhar com Ele a responsabilidade de proclamar as boas novas, durante Sua vida, e de continuar a disseminá-las depois da Sua ascensão. Os dois pares de irmãos mencionados aqui já conheciam Jesus (veja Jo 1.15-42) e criam que fosse o Messias. Agora Ele os chama ao passo definitivo de deixarem a pescaria para segui-lO incondicionalmente. A vida de pescador os preparava bem nas qualidades de paciência e persistência necessárias para o serviço de ganhar os homens para Cristo. No entanto, precisava-se de mais ainda, e se estivessem dispostos a segui-lO naquela hora, Ele prometia fazer deles pescadores de homens. Quando Cristo os chama, Ele tem em mira, não tanto no que são agora, como no que se tornarão mais tarde pela obediência à Sua direção. b) O primeiro sábado em Cafarnaum (1.21-45) Foi com interesse muito particular que Pedro teria relatado os pormenores da história do primeiro dia em que Jesus apareceu na Sua cidade e ministrou na Sua própria casa. A narrativa possui todas as evidências de recordação pessoal de uma testemunha ocular. Um trecho paralelo se encontra em Lc 4.31-44. 1. A CURA DE UM ENDEMONINHADO NA SINAGOGA (1.21-28) - Salientam-se neste evangelho os ensinos de Jesus; veja 2.13; 4.1; 6.2,6,34. Sinagoga (21): etimologicamente, uma reunião, ou assembléia. Por extensão, significa o lugar em que a congregação se reúne. Pouco se sabe Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 13 das origens da sinagoga. As reuniões eram mormente para instrução; o edifício se usava também como tribunal de justiça, (Lc 12.11; 21.12), onde se aplicavam penalidades. Era costume o presidente da sinagoga (gr. archisynagogos) resolver quem lesse e expusesse as Escrituras aos sábados. Este costume ofereceu muitas oportunidades a Jesus, nesta fase inicial do Seu ministério, pois, por onde quer que aparecesse, foi-lhe facultado o ensino. Mais tarde, Paulo aproveitaria o mesmo ensejo. A autoridade intrínseca no ensino de Jesus oferece vivo contraste com as declarações dos mestres judeus, que se baseavam invariavelmente na tradição ou no parecer dos famosos rabinos. Enquanto Jesus estava falando, ou Sua presença ou Sua mensagem, ou ambas, provocaram uma manifestação por um homem endemoninhado. O fenômeno de possessão diabólica dá relevo especial ao período da vida terrestre do nosso Senhor. Há apenas dois casos no Velho Testamento, e dois no Novo fora dos evangelhos. Distingue-se nitidamente de desordens psíquicas. Os demônios eram reais, e sabiam da missão messiânica de Jesus antes dos discípulos, fato este que não lhes foi permitido divulgar. (verso 34; Tg 2.19). Jesus vinha do Seu recente encontro com o Príncipe do Mal (13). Não admira que os espíritos inferiores de maldade reconhecessem nEle seu vencedor (24). A autoridade da palavra de Cristo se revela não tão somente na excelência da Sua doutrina mas também na força do Seu comando. Pronunciada Sua palavra, logo o espírito imundo convulsiona o homem e sai dele. Lucas, como médico, acrescenta o fato que saiu dele «sem lhe fazer mal» (Lc 4.35). Jesus nunca deitou as mãos num endemoninhado para libertá-lo. Bastava a palavra falada. O povo se admirou e logo se ouviu o zunzum de conversação (27). A fama de Jesus espraiou-se rapidamente em toda aquela região. 2. A CURA DA SOGRADE PEDRO (1.29-31) - Veja Mt 8.14- 15; Lc 4.38-39. A casa de Simão e André (29): desde agora torna-se o centro de operações de Jesus na Galiléia (veja 2.1; 3.19; 9.33; 10.10). Segundo Jo Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 14 1.44, estes dois irmãos eram de Betsaida. Uma hipótese sugere que mudaram de casa no intervalo. Outra propõe que Betsaida fosse o bairro dos pescadores em Cafarnaum. 1Co 9.5 confirma o fato de Pedro ser casado e, mais ainda, que sua mulher o acompanhava no seu ministério subseqüente. Para Pedro, esta ocasião no seu próprio lar foi inolvidável. Nota-se quão rápida e completa foi a cura, pelo fato de a sogra restaurada servi-los (31) à refeição sabática, sem o menor sinal do cansaço e debilidade que normalmente seguem a febre. 3. CURAS DEPOIS DE PÔR-SE O SOL (1.32-34) - Veja Mt 8.16-17; Lc 4.40-41. O sábado findava ao sol posto. Tornou-se lícito então carregar os doentes, sem infração da lei. Os que sofriam doenças físicas não eram classificados com os endemoninhados (32-34). O povo começou a correr para a porta da casa, e logo uma multidão formou. Jesus não desapontou as massas, pois a compaixão e poder divinos sempre se manifestam a favor dos que O buscam na sua necessidade. 4. RETIRO À SOLIDÃO E UMA VOLTA NA GALILÉIA (1.35-39) - Cf. Lc 4.42-43. Surpreendentemente, Jesus, no meio desta atividade, se levantou alta madrugada (35) e se afastou à surdina da cidade, antes de todo mundo acordar. A história é narrada do ponto de vista dos que, dentro de casa, descobriram sua ausência, e logo sentiram que Ele estava perdendo maravilhosas oportunidades em Cafarnaum, sem apreciar o alcance do Seu êxito. Imediatamente Simão Pedro assume a liderança, e junto com seus amigos, procuravam-nO diligentemente (36, ARA). No original, o verbo usado aqui ocorre só esta vez no Novo Testamento, embora usado freqüentemente nos LXX, v. g. Sl 33.6. Os motivos que levaram Jesus a retirar-se eram o desejo para comunhão com o Pai (35) e a necessidade de pregar em outros lugares (38). Cafarnaum não podia gozar do monopólio do Seu ministério. Para Isso é que eu vim (38): refere-se, não a Sua saída da cidade, mas à Sua missão outorgada pelo Pai (Lc 4.43). Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 15 5. PURIFICAÇÃO DE UM LEPROSO (1.40-45) - Veja notas sobre Mt 8.1-4 e Lc 5.12-14. As curas milagrosas evidentemente suscitaram muito entusiasmo popular, ao ponto que houve perigo, tão comum também em nossos dias, que este tipo de ministério ofuscasse a obra mais espiritual e fundamental do evangelho. Não se encontra menção de curas no verso 39, por esta razão. Este caso de um leproso, porém, suscitou a compaixão do Senhor, e sua cura não se explica, de maneira nenhuma, por auto-sugestão, nem pelos métodos usados nas curas «pela fé». A lepra da Bíblia varia muito quanto à sua malignidade, algumas dermatites sendo incluídas nesta classificação. Se quiseres (40): compare a expressão semelhante «se tu podes» em 9.22. A Escritura nunca diz que o leproso fosse restaurado, mas purificado. Jesus, profundamente compadecido, estendeu a mão (41). «A compaixão de Cristo se expressa por meio daquela mão que nos segura» (Plummer). Depois de experimentar primeiro o poder de Cristo, o homem pôde cumprir as exigências da lei (Lc 14.2-20). A experiência cristã segue esta ordem (Rm 8.1-4). O fato que o homem podia cumprir a lei serviu de testemunho (44) tanto para os sacerdotes como para o povo. Para conservar aquela ordem, o leproso recebeu a rigorosa instrução de guardar silêncio (44). Sua desobediência fez com que o Senhor mudasse, temporariamente, Seu ministério da cidade para o campo (45). c) O começo da oposição (2.1-3.6) Marcos 2 1. O PARALÍTICO E O PERDÃO (2.1-12) - Veja notas sobre Mt 9.2-8. Cf. Lc 5.18-26. Este incidente é o primeiro duma série nesta seção, em que a crescente hostilidade a Jesus se manifesta gradativamente entre os escribas e os fariseus. Correu a notícia em Cafarnaum que Jesus tinha voltado e estava novamente em casa. Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 16 Em casa (1): é quase certo que se refere à de Pedro, já mencionada em 1.29. Esta, como a maioria das casas na Palestina, teria uma escada exterior subindo para o eirado. A palavra (3): sinônimo de «boas novas»; cf. 4.14,33; At 8.4; 11.19, etc. Dentro da casa, Jesus anunciava a palavra à multidão. Entrementes quatro homens chegaram conduzindo um amigo paralítico, e estes com louvável resolução e sinceridade venceram todos os obstáculos subindo ao eirado, em que abriram um buraco. Lucas menciona que o eirado foi de ladrilhos (Lc 5.19). Então desceram o homem no leito diante de Jesus. A situação de certas almas necessitadas é tal que se precisa da fé e da simpatia de amigos crentes para levá-los a Cristo (cf. 5.36; 9.24). O simples ato de misericórdia criou entre os quatro amigos um precioso laço. Jesus, vendo a fé deles (5): isto é, a fé de todos os cinco, respondeu-lhes incontinênti, mas de uma maneira inesperada. É certo que Ele não ensinava que em todos os casos a aflição resulta do pecado (cf. Jo 9.2; Lc 13.1-5), mas como Grande Médico faz Seu diagnóstico inerrante. A condição física do homem se originou de uma causa fundamentalmente espiritual. Antecipou-se assim a conclusão de muita psicoterapia moderna. Os teus pecados estão perdoados (5): é o próprio Jesus que perdoa. Sua autoridade é o ponto principal do incidente. Os escribas tinham razão quando perguntaram Quem pode perdoar pecados, senão um que é Deus? (7). Esta pergunta foi repto à divindade de Cristo. Ele lhes respondeu primeiro, apontando para seus pensamentos (8). Aquele que conhece os corações pode perdoar o pecado. Em segundo lugar, Ele lhes submete um teste. A pretensão de perdoar os pecados não podia ser averiguada. Porém, a autoridade para curar podia ser demonstrada logo. Se Ele fizer com que o homem ande, então que saibam que o Filho do homem tem sobre a terra autoridade para perdoar pecados (10). Filho do homem: título adotado exclusivamente pelo Senhor, referindo- se a si mesmo, e tirado provavelmente de Dn 7.13. As opiniões diferem Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 17 muito quanto ao sentido exato do termo, mas a maioria dos expositores considera-o de significação messiânica. Ao menos salienta a essencial humanidade e representação de Cristo. O fato de o Filho do homem ter sobre a terra autoridade para perdoar indica que Ele não se esvaziou, na encarnação, de todas as Suas prerrogativas. O homem perdoado recebeu a força de se levantar e andar, pois o perdão divino é sempre acompanhado pelo poder para deixar o pecado e andar em novidade de vida (Rm 6.4). 2. A CHAMADA DE LEVI (2.13-17) - Veja notas sobre Mt 9.9- 13; Lc 5.27-32. Não há realmente dúvida que Levi fosse Mateus, o publicano (Mt 9.9), autor do primeiro Evangelho, embora o nome Levi não figure nas quatro listas dos nomes apostólicos. De novo saiu Jesus para junto do mar (13). A frase sugere uma repetição das circunstâncias descritas em 1.16, para a chamada de mais um membro do colégio apostólico. Levi foi funcionário no serviço do tetrarca da Galiléia, Herodes Antipas. Alfândega (14): melhor coletoria (ARA), onde sem dúvida outros colegas profissionais se achavam naquela hora. Sua renúncia de um cargo lucrativo foi maior do que a dos pescadores, sendo irreversível, enquanto para estes havia possibilidade de exercer sua arte de vez em quando. Vê-se na escolha de Levi a graça do Senhor que aceita um desprezado cobrador de impostos como apóstolo, e também a sabedoria divina que precisa do seu conhecimento do aramaico e do grego. «As únicas coisas que Levi não renunciou em deixar sua velha vida foram a pena e o tinteiro» (A. Whyte). O primeiro ato missionário de Levi foi o de preparar uma recepção para Jesus em sua casa, à qual foram convidados seus colegas e conhecidos. Lc 5.29 confirma que a casa era de fato a residência de Levi, e dá-se a impressãode que era mais espaçosa do que o humilde lar de Pedro. No oriente, a mesa é reconhecida como o lugar de mais íntima amizade. Tornou-se escândalo aos olhos dos fariseus que Jesus estava identificando-se desta maneira com pessoas moral e socialmente Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 18 réprobas. Esta vez eles protestaram diante dos discípulos (16). A resposta de Jesus revela a diferença irreconciliável entre Si e eles, e provoca o conflito que O levará finalmente á morte. A mensagem do Cristo é essencialmente salvadora, mensagem esta para as massas na sua imundície, ignorância e desregramento. É Ele o médico da alma enferma de quem Ele espera a atitude de confiança absoluta. (Rm 3.21-24). 3. SOBRE O JEJUM (2.18-22) - Veja notas sobre Mt 9.14-17; Lc 5.33-39. A lei ordenou apenas um dia de jejum, a saber, o grande dia de expiação (Lv 23.27-29; At 27.9). Outros dias tinham sido acrescentados ao ponto de o jejum tornar-se um dos elementos principais da vida religiosa no tempo de Cristo (cf. Lc 18.12). Jejuavam (18), melhor estavam jejuando (ARA); os discípulos de João estavam observando um jejum possivelmente enquanto Jesus estava festejando (15). A réplica de Jesus aponta para a incoerência dos seus críticos. Seu companheirismo com os discípulos representa uma experiência tão festiva que se compara ao casamento. Filhos das bodas (ARC) (19): termo hebraico que significa ou os convidados (ARA), ou o paraninfo e outros amigos íntimos do noivo. Impor sobre a nova situação do evangelho as observâncias religiosas do vetusto Judaísmo seria tão incôngruo como costurar um remendo de pano novo em veste velha, ou deitar vinho novo em odres ressecados e imprestáveis. O resultado em todos os casos seria prejuízo. Isto foi justamente o erro dos mestres judaizantes contra quem S. Paulo dirige mais tarde sua polêmica na Epístola aos Gálatas (Gl 4.9-10). Dias virão em que (Jesus) lhes será tirado (20). «Tirado» é tradução do grego aparthe que significa tirar com violência, e assim constitui a primeira alusão à cruz. A palavra se encontra somente aqui e em passagens paralelas. A respeito do jejum, nota-se que Jesus o sanciona sem impô-lo. (Mt 6.16-18). O valor do jejum reside na auto- disciplina; não no formalismo da vida ascética ou monástica, mas na subordinação voluntária do físico ao espiritual (cf. 1Co 9.24-27). Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 19 4. JESUS E O SÁBADO (2.23-3.6) - Veja notas sobre Mt 12.1-14; Lc 6.1-11. Dois incidentes enquadram o quarto protesto farisaico, que freqüentemente se dirige contra Jesus nos evangelhos (cf. Lc 13.10-17; 14.1-6; Jo 5.1-19; 9.1-41). Relacionam-se à atitude de Jesus para com o sábado. Em colherem espigas enquanto atravessavam as searas, os discípulos faziam o que era perfeitamente lícito nos outros dias da semana (Dt 23.25), mas os fariseus consideraram-no como ato de ceifar, que era vedado aos sábados (Êx 24.21). Jesus replicou, citando como razão justificativa o caso de Davi, cujo prestígio era indiscutível. O quarto mandamento, como os demais, existe não para impor restrições religiosas, mas para satisfazer a necessidade física e espiritual do homem. No tempo de Abiatar (26): muitos comentários consideram esta frase errônea, e possivelmente um acréscimo posterior, visto que o sumo sacerdote em apreço era realmente Aimeleque, pai de Abiatar (1Sm 21.1). A evidência textual contra o nome Abiatar não é definitiva. O contexto da passagem no Velho Testamento sugere que Abiatar fosse um entre muitos que exerceram o sacerdócio em Nobe no tempo do sumo sacerdote Aimeleque, quase todos eles sofrendo o martírio pela ordem de Saul, pouco depois do incidente aludido. E disse-lhes (27): o ditado de Jesus indica a conclusão do incidente das espigas, e Marcos o insere aqui como de aplicação geral. O sábado foi estabelecido para beneficiar o homem. Portanto, cabe ao Homem Representativo pontificar sobre seu uso. Sob Sua influência mudou-se para outro dia da semana e se observa entre todas as nações. A não observância do dia acarreta prejuízos perigosos. Marcos 3 O segundo incidente apresenta o lado positivo. O sábado foi estabelecido não apenas para repouso e passividade, mas para obras de amor e misericórdia (cf. Jo 5.16-17). Salvar a vida ou tirá-la? (3.4): a frase leva uma dupla significação. Os rabinos concediam que se oferecesse socorro para quem Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 20 estivesse em perigo, e a interpretação desta lei era liberal. Por outro lado, eles estavam aproveitando o sábado para urdir tramas a Jesus, tendo em mira seu assassínio. Surge a pergunta: o que é mais conveniente no sábado, a cura de Jesus ou a maquinação dos fariseus? Com indignação (5): a única referência a esta emoção na vida de Jesus. Marcos dá relevo às emoções humanas de Cristo, o que indica o testemunho ocular do narrador. Jesus não se entregou ao rancor pessoal, mas ficou indignado e condoído com a dureza dos seus corações (ARA). A cura deste homem marcou o rompimento final entre Jesus e as autoridades eclesiásticas. Dali em diante os seus caminhos se separam. A hostilidade se tornou tão áspera que os fariseus, embora nacionalistas ardentes, estavam prestes a unir-se com os seus adversários mais acerbos, os entreguistas herodianos, para alcançarem seu objetivo de destruir Jesus (6). d) A escolha dos Doze (3.7-19) Veja notas sobre Mt 10.1-4; Lc 6.13-16. Devido a um perigo iminente, Jesus se retirou com seus discípulos para o mar da Galiléia. Ele nunca se expôs desnecessariamente ao perigo, uma atitude apropriada tendo em vista Seu ministério. Segue-se uma descrição pitoresca e viva da multidão que se sentiu atraída pelas Suas curas milagrosas (7-12). Parece que havia duas turmas, uma da Galiléia e outra de regiões mais distantes. Na segunda, quase toda a Palestina foi representada, menos Samaria. Este fato revela quão extensas eram a fama e a influência de Jesus já neste tempo. E com efeito, a multidão se arrojava a Ele para O tocar, especialmente os que padeciam de qualquer enfermidade (gr. mastigas, lit. flagelos. Esta palavra se usa novamente em 5.29,34; Lc 7.21 e Hb 11.36 e sugere doenças físicas enviadas como castigo divino). É salutar quando tais aflições levam as almas a buscar Cristo. O uso do barquinho (9) era uma solução muito prática do problema em que Ele se encontrava. Nesta ocasião Ele não o usou, aparentemente, como púlpito. Cf. 4.1. Refere-se mais uma vez ao Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 21 exorcismo e pela terceira vez a narrativa recorda que foi proibido aos demônios que reconheceram Jesus de revelar sua identidade (11-12; cf. 1.24-25,34). Grandes acontecimentos atraem uma multidão sempre e, onde a necessidade humana encontra a satisfação, nunca faltam almas sequiosas. Jesus era sempre suficiente para as exigências cada vez mais insistentes do Seu ministério. Deixando o mar, Jesus subiu aos outeiros circunvizinhos, onde segundo Lucas (6.12) Ele passou a noite inteira orando, para se preparar antes da tarefa portentosa de escolher os Doze. Isto foi o primeiro passo na organização da Igreja, e dali em diante o ensino e preparação desses homens se tornou assunto de capital importância para o Senhor. O termo «os Doze» logo se converte em título oficial, usado mesmo em casos quando nem todos estão presentes (1Co 15.5). A escolha deles foi absolutamente soberana: Jesus chamou os que ele quis (13). Esta escolha dependia da Sua vontade, não da deles. Do seu livre arbítrio eles responderam e vieram a ele (13). Vêem-se as diferentes facetas do seu novo cargo: comunhão e companheirismo - para que estivessem com ele; comissão - para que mandasse a pregar (14); autoridade delegada - para que tivessem poder de curar (15). Certos manuscritos importantes intercalam no verso 14 as palavras «os quais chamou apóstolos», um fragmento talvez interpolado de Lc 6.13. Veja Mt 10.2 n. A lista apostólica aparece quatro vezesno Novo Testamento (cf. Mt 10.2-4; Lc 6.14-16; At 1.13), evidenciando-se ligeiras variações quanto à ordem. Três grupos se distinguem, chefiados por Pedro, Filipe e Tiago filho de Alfeu. Judas Iscariotes é sempre o último. Cinco dos doze (Pedro, André, Tiago, João e Mateus) já foram mencionados na narrativa (1.16,19; 2.14). A origem do nome Boanerges (17) é incerta. A maioria das explanações procura elucidá-lo por sua relação à frase de Marcos filhos do trovão, um apelido muito apropriado à luz de Lc 9.54. Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 22 O primeiro encontro entre Filipe e Jesus é mencionado em Jo 1.43. «Bartolomeu» é patronímico significando filho de Talmai, nome encontrado em 2Sm 3.3. Há uma tradição antiga que identifica Bartolomeu com Natanael (Jo 1.45). João nunca menciona Bartolomeu, e os sinóticos não falam de Natanael. Embora provável, a identificação não é certa. Tudo o que sabemos de Tomé deriva-se do quarto Evangelho. Tiago filho de Alfeu se distingue de Tiago filho de Zebedeu. Aquele pode ser o mesmo que Tiago o menor (15.40). Nada se sabe de Tadeu, e na lista de Lucas o nome Judas toma seu lugar (Lc 6.16; At 1.13). Supõe-se que seja uma e a mesma pessoa. Simão o cananeu (ARC). A palavra «cananeu» pode originar-se do hebraico qanna, zeloso, dando a tradução correta da ARA «o Zelote». Veja nota sobre Mt 10.4. Judas Iscariotes. O vocábulo Iscariotes significa homem de Keriote, um lugar não identificado ainda. Sua aplicação a Judas indica que ele era o único apóstolo não oriundo da Galiléia. São escolhidos doze homens típicos, todos diferentes, e todos imperfeitos. Contudo, havia lugar para cada um, com uma exceção, na comunhão de Cristo. e) Acusações contra Jesus (3.20-35) Deixando o mar (7) e o monte (13), Jesus e Seus discípulos entram numa casa (20). Agora a oposição vem de dois lados bem diferentes: da Sua família (20-21,31-35) e dos escribas (22-30). Os vv. 22-30 constituem um interlúdio dentro da casa, enquanto Seus parentes O procuram de fora. Esta é a explicação mais natural e satisfatória da redação do trecho pelo evangelista. A oposição da família toma a forma de um protesto bem intencionado mas errado. Está fora de si (21): a oração não quer dizer que ele se desvairava, mas que Ele se entregava a uma mania religiosa, tornando-se excêntrico. Mais de uma vez Paulo foi suspeito semelhantemente, e o crente sincero se expõe a esta mesma insinuação. Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 23 Seus irmãos (31): a literatura sobre o assunto é extensa. Há três principais interpretações. Eles podem ser os Seus verdadeiros irmãos da parte dos dois país; ou podem ser meio-irmãos, filhos de José por uma primeira esposa; ou podem ser Seus primos, filhos de Maria, mulher de Cleopas e Irmã da Virgem Maria. A segunda e terceira hipóteses são apresentadas principalmente por escritores católico-romanos que querem defender o dogma da perpétua virgindade de Maria. Infelizmente a evidência disponível não é conclusiva. Entretanto, a inferência mais natural de outros trechos como Mt 1.25 e Lc 2.7 é que Jesus tinha irmãos. Do ponto de vista doutrinal, este conceito dá relevo à realidade e perfeição da encarnação. Veja também Lc 8.19 n. e Mt 12.46-50. Neste Evangelho, Maria, a mãe do nosso Senhor, aparece somente aqui; a ausência de referências a José sugere que já fosse morto. Quando, finalmente, Jesus recebeu o recado do lado de fora, Ele respondeu de uma maneira que não desprestigia, nem por um momento, a santidade das relações familiais. Ele asseverou que os laços que unem espiritualmente a família de Deus são mais seguros e mais preciosos, pois se baseiam na obediência à vontade divina. Esta verdade é o germe de onde nasceu a novel Igreja. Era mais séria a oposição dos escribas (22) que nasceu do amargo ódio e inveja. Veja notas sobre Mt 12.22-37; Lc 1.14-22. Atribuíram a Satanás a obra do Espírito Santo. Belzebu: nome de ortografia e derivação incertas. Pode originar-se de Baal-zebube, Senhor das moscas (2Rs 1.2,16). Não podemos dizer se o nome é sinônimo de Satanás ou representa outra potestade inferior do mal. Parece que a acusação dos escribas foi feita na ausência do Mestre, pois Ele os chamou (23) para lhes replicar. Sua resposta patenteia o contra-senso da alegação (23-27) e então os adverte das tremendas conseqüências dela (28-30). O pior ilogismo é aquele que resulta da descrença. Há uma progressão gradativa nos versos 24-26: um reino, uma casa, Satanás. Quanto menor a unidade, tanto pior a divisão. A divisão de um indivíduo é contradição de termos. A declaração de Jesus sobre a blasfêmia contra o Espírito Santo é das Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 24 mais solenes. Mal compreendida, ela pode causar incalculável angústia. Por outro lado, não deve ser tida em pouca conta. O pecado imperdoável não é um ato nem uma palavra isolada, mas a persistente atitude de oposição e rejeição da luz, da parte dos que amam mais as trevas do que a luz (Jo 3.19). Jesus não disse especificamente que os escribas já tinham cometido aquele pecado; porém ficavam em iminente perigo. Réu de eterno juízo (ARC 29). Envolvido num (gr. enochos) eterno pecado. Sua atitude de deliberada incredulidade bem podia cristalizar-se até o ponto de impossibilitar o arrependimento, e conseqüentemente o perdão. “De todos os mestres de religião não há outro menos disposto do que Ele a limitar as possibilidades de perdão e de restauração mediante os tesouros inexauríveis da divina graça” (Vincent Taylor). Marcos 4 f) Ensino por parábolas (4.1-34) Veja notas sobre Mt 13.1-23; Lc 8.4-10. Este capítulo introduz um novo método didático no ministério de Jesus com o uso de parábolas. É sugestivo que a mudança de método se manifesta no momento em que Jesus transfere Sua atenção principal das massas para os Doze, cujo ensino e preparação agora O preocupam. O povo não se perde da vista, mas até aqui a multidão é mais atraída pelas Suas obras do que pelos Seus ensinos. Buscaram curas, mas ainda não responderam ao Seu ensino espiritual. À beira-mar (1): Mais uma vez, Jesus se separa da multidão, entrando num barquinho, talvez o mesmo que usou em 3.9, e faz dele Seu púlpito, de onde prega a palavra para o povo reunido na praia. A palavra «parábola» contém a idéia básica de comparação, e dali da ilustração de verdades espirituais por meio de uma história tirada da experiência terrestre e natural. Porém, a parábola não é apenas uma ilustração edificante. Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 25 A exortação Ouvi (3), preservada somente em Marcos, e outras parecidas nos vv. 8,23-24, indicam que o propósito da parábola é estimular séria reflexão. A parábola cumpre o papel de arma moral que desperta e anima a consciência. A parábola de Natã para Davi (2Sm 12.1-14) é exemplo clássico no Velho Testamento desta função. A parábola do semeador (3-8) narrado por todos os três sinóticos reflete a situação imediata em que se encontrava Jesus e Seu ensino. Ao mesmo tempo enuncia princípios que são válidos quanto à pregação da palavra em todos os tempos. Pedregais (5, ARC); melhor, solo rochoso (ARA), isto é, terreno raso com subsolo de pedra. Verifica-se na Galiléia esta feição geográfica. Salienta-se na parábola a colheita abundante (8), não obstante os primeiros resultados desanimadores (cf. Jo 4.35; Mt 9.37). Dos evangelistas somente Marcos dá relevo a esta ênfase, utilizando no original grego o singular quando se refere aos insucessos, e o plural quando descreve os bons resultados: gr. ho mem (4); allo (5), allo (7); alla (8). A semente mais abundante foi aquela que caiu em boa terra. Antes de explanar a parábola aos Doze particularmente (10), Jesus comenta Seu uso do ensino parabólico, para responder a uma pergunta. O verso 12 sempre apresenta dificuldades para expositores. Cita-se aqui Is 6.9-10, que sugere um duplo propósito no método parabólico de ensino. Primeiro, revela-sea verdade aos discípulos, e em segundo lugar, se esconde dos que estão de fora (11) como juízo ou castigo por sua cegueira. A referência ao mistério do reino do Deus (11) dá apoio a esta idéia, pois o uso do vocábulo «mistério» no Novo Testamento indica um «segredo revelado», antanho escondido, mas agora conhecido por revelação (cf. Ef 3.3-4; Cl 1.27). Alguns expositores acham esta interpretação tão inaceitável que preferem rejeitar o ditado como não sendo um ensino autêntico de Jesus, e consideram isto e a seguinte explicação nos vv. 13-20 como um acréscimo de tradição cristã secundária, de data posterior. Outra interpretação considera o julgamento Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 26 contra os ouvintes insensíveis um ato de misericórdia que os poupa da culpa de rejeitar a simples verdade. Mais outra aponta para o estilo resumido de Marcos, e sugere que as palavras «para que» do verso 12 equivalem «para que a Escritura se cumpra» (cf. Mt 13.14). A premissa aceita por todos os expositores é que o propósito principal duma parábola consiste em facilitar e não impedir a apreensão da verdade. Além disto, podemos observar que a natureza intrínseca da revelação é tal que a capacidade de recebê-la depende em primeiro lugar da renúncia da vontade individual e em seguida da obediência. “Vinde e vede” (Jo 1.39) é sempre a seqüência na experiência cristã: a conquista moral há de preceder a iluminação intelectual. Os discípulos já se renderam à soberania de Jesus e portanto podiam compreender (11), se as parábolas escondem temporariamente dos que estão de fora as verdades do reino no nível intelectual, é somente para o fim de conseguir primeiro uma convicção moral que os leva depois ao esclarecimento intelectual. Há muitos que no seu orgulho queriam inverter esta ordem inalterável (cf. Mt 11.25). A interpretação da parábola do semeador (13-20) serve como modelo para entender as outras parábolas, da mesma maneira que um professor demonstra um teorema no quadro-negro. O reino se estenderá, semeando a palavra (14). Esta idéia é fundamental ao evangelismo. A tarefa do evangelista não é apenas a de apresentar argumentos convincentes, e de induzir outros por eloqüência sedutora a pensar de sua maneira, mas de semear a semente viva da Palavra de Deus no solo do coração humano. O germe da nova vida se encontra na Palavra, sem a implantação da qual ninguém jamais se torna cristão (1Pe 1.23). As coisas que impedem a aceitação da Palavra são as seguintes: indiferença (15); falta de espiritualidade (16); preocupação com os cuidados e riquezas do mundo (18). Onde a palavra for ouvida, compreendida e aceita, a ceifa é certa (20). Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 27 Satanás (20): esta referência mostra patentemente que Jesus ensinava a existência de um poder pessoal do mal. De outra maneira, Ele bem podia ter interpretado as aves do céu (4) como tentações impessoais. Dois grupos de ensinos (21-23 e 24-25), iniciados pela fórmula «E disse-lhes», dão mais pormenores quanto ao método parabólico de ensino, com referência especial à responsabilidade moral dos ouvintes. A parábola da candeia (21) confirma a observação acima (12) que a grande finalidade da parábola é iluminar e revelar, embora tenha o efeito temporário de ofuscar. Alqueire: vasilha usada para medir cereais. O segundo grupo (24-25) ensina a necessidade de abraçar a verdade como condição para receber maior revelação de verdade. Quando o indivíduo não aceita a verdade, diminuem-se seus poderes de percepção, que se atrofiam por falta de uso, exatamente como as faculdades físicas. Veja Lc 8.16 n. e cf. Mt 5.15; 10.26. A parábola da semente que cresce misteriosamente (26-29) é a única que se encontra somente em Marcos. Salienta-se o fato que a palavra de Deus operará de si mesma no coração humano, dadas as condições favoráveis, justamente da mesma maneira em que a terra por si mesma frutifica (28; cf. Is 40.10; 1Co 3.6). De si mesma: grego - automate. A instrumentalidade humana se limita a duas atividades, o semear e o ceifar (Jo 4.35,38). O que acontece entre estas duas atividades depende da vitalidade da semente e da interação frutífera entre a semente e a terra. É singular a expressão que se usa para introduzir a terceira parábola do reino, a do grão de mostarda: A que assemelharemos o reino de Deus? Ou com que parábola o representaremos? (30, ARC). Melhor com a ARA: Com que parábola o apresentaremos? Como se a parábola fosse uma espécie de embrulho contendo a verdade. Há duas maneiras de interpretar esta parábola. A primeira vê nela a expansão do reino desde um começo insignificante. A segunda, apoiada por Dr. Campbell Morgan, aponta para o desenvolvimento do reino até Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 28 proporções anormais, permitindo que as aves do céu, símbolo de espíritos maus, se aninhassem nele. Esta segunda interpretação tem o mérito de conformidade quanto ao uso de símbolos, visto que as aves do céu representam o mal não somente aqui mas também na parábola do semeador. A própria história da igreja o confirma, pois ela se corrompeu sob o imperador Constantino que lhe deu uma posição e patronato imperiais que lhe eram impróprios. Veja Mt 13.32 n. Por outro lado, a exposição tradicional é mais natural, e combina melhor com os sentimentos gerais do capítulo que exalam otimismo e confiança no triunfo final da Palavra de Deus. Uma declaração do evangelista ultima os ensinos sobre o propósito e os princípios parabólicos. O reino de Deus era completamente diferente do que muitos pensavam, e as parábolas serviam muito bem para desarraigar aquelas noções erradas, onde ensinos diretos não teriam sido aceitos. Revelou-se a natureza do reino ao povo mais por comparação do que por definição. Aos discípulos, porém, Jesus explicava em particular seus ensinos mais minuciosamente. g) Obras Poderosas (4.35-5.43) À série de parábolas segue outra de milagres, assim sugerindo que as obras de Jesus justificam Seus ditados. Suas ações confirmam Suas palavras. Mateus arranja o texto de modo semelhante, narrando estes e mais outros milagres depois do Sermão da Montanha (Mt 8). 1. JESUS ACALMA UMA TEMPESTADE (4.35-41) - Veja notas sobre Mt 8.18-27; Lc 8.22-25. Jesus resolveu atravessar o lago da margem ocidental para a oriental. Talvez o Seu motivo fosse despedir a multidão, talvez achar um novo campo para Seu ministério. Assim como estava (36): refere-se ao verso 1. Depois de ensinar o povo e os discípulos por algumas horas, Ele estava cansado demais para ajudar em despedir a multidão. O repentino temporal é característico da região do mar da Galiléia, onde correntes de ar turbilhonam, descendo violentamente da serra pelos barrancos íngremes até o mar. Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 29 É somente Marcos que conserva o pormenor vívido que Jesus estava na popa dormindo sobre o travesseiro (38). O travesseiro seria um assento de madeira ou de couro, usado nesta ocasião como almofada. Há ressentimento e censura no que disseram os discípulos: Mestre, não te importa que pereçamos! (38). Jesus, despertando, disse ao mar, Acalma-te, emudece! O gr. pephimoso é forte: cala-te; literalmente, ponha mordaça. Usa-se também em 1.25. Este incidente ilustra a autoridade divina de Jesus sobre as forças da natureza. Ele é superior em poder ao temporal que cria medo nos pescadores experimentados. Revela também a realidade da Sua natureza humana, pois Ele labutou evidentemente até os limites da Sua força. Em nenhuma outra ocasião se encontra dormindo. Como homem, Ele precisava de repouso e de alimentação. Outros comentadores vêem no incidente uma mensagem consoladora para a Igreja atribulada por perseguições. Os discípulos estavam seguindo no caminho da obediência, mas nem por isto eram livres de dificuldades. Perigos ameaçam a igreja, mesmo quando ela está praticando os ensinos do Mestre. No barquinho, não houve realmente justificaçãopara covardia nem atitudes pusilânimes. Eles já sabiam o suficiente para crer na impossibilidade do Messias perecer num temporal, e da inverossimilhança de Ele deixá-los falecer nas águas por causa da sua obediência. «Como é que não tendes fé?» (40). Marcos 5 2. O ENDEMONINHADO GERASENO (5.1-20) - Veja notas sobre Mt 8.28-34; Lc 8.26-39. Não é certo o lugar da outra margem do mar onde Jesus desembarcou. A terra dos gerasenos (1): a maioria dos manuscritos conserva este nome, embora Mateus se refira à terra dos gadarenos. Há somente um lugar na margem oriental do mar que se distinga por um despenhadeiro (13), e nas cercanias não existem túmulos abertos em rochas. Talvez os sepulcros fossem erguidos em cima do chão (cf. Lc 11.44). Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 30 Os amplos detalhes do incidente fornecidos por Marcos, evidenciam seu interesse particular neste jaez do exorcismo milagroso, que enaltece a autoridade poderosíssima do Senhor Jesus Cristo, mesmo no domínio dos espíritos. Nota-se como a narrativa se apresenta como drama em quatro atos com cenas variadas, em que o centro de interesse se muda do homem (1-10) para a manada de porcos (11-13), depois para o povo (14-17), e finalmente para o homem de novo (18-20). Marcos descreve primeiro a força física do endemoninhado (4). Os homens tentaram domá-lo como se fosse uma fera, mas o expediente externo de restrições coercivas falhou. Para ele, a vida se tornara deplorável, sem repouso, sem sono, desbaratada com gritos incessantes e dilacerações corporais aplicadas pelas suas próprias mãos (5). Seu reconhecimento de Jesus e da Sua autoridade é característica da maioria de tais casos (cf. 1.24; 3.11). São inadequadas as explicações psicológicas destas experiências. O homem precisava de algo mais que os serviços de um psiquiatra. Deus altíssimo (7): título usado geralmente pelos gentios falando em Deus. Por esta razão, é possível que o homem possesso não fosse judeu. (Gn 14.18; Is 14.14; Dn 3.26; At 16.17). O fato que os habitantes possuíam porcos, animais vedados aos judeus, sugere que uma população mista morasse naquela plaga. É notável que os espíritos imundos, quando dirigiram sua súplica frenética a Jesus para que não os atormentasse, usaram uma fórmula empregada para exorcismar: conjuro-te por Deus (7). Qual é o teu nome? (9). Há duas explicações da pergunta. Primeiro, existia uma crença muito antiga que o conhecimento do nome dum inimigo dava certa vantagem sobre ele. Em segundo lugar, o motivo mais provável da pergunta é que chama o homem à realização da sua personalidade, independente do demônio. Legião (9): palavra latina que sugere a um povo sob o domínio romano o conceito de superioridade numérica e de opressão física. O homem se sentiu uma conglomeração de forças diabólicas sem coesão moral, e o seu estado esquizofrênico se Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 31 reflete na maneira em que ele alterna do singular para o plural quando fala (9). Fora do país (10): Lc 8.31 diz: «para o abismo». Parece que os espíritos temiam, principalmente, que fossem completamente desencarnados. Têm sido muito debatidas as implicações éticas da atuação de Jesus contra os porcos (11-13). Parece ser caso de destruição impensada de propriedade particular, causando prejuízos graves aos donos. Outros duvidam que Jesus antecipasse as conseqüências. Os que preferem uma explanação psicológica do estado endemoninhado são obrigados a explicar o pânico dos porcos da maneira seguinte: que o homem, no paroxismo da sua emancipação, aterrorizou-os, enxotando a manada toda para o despenhadeiro. A explicação mais satisfatória do trecho considera que a destruição dos porcos fosse permitida pelo Senhor como demonstração ocular, para o homem saber que os demônios tinham saído dele deveras. Desta maneira sua fé seria robustecida. O sacrifício de animais e propriedades se justifica quando estão em jogo a sanidade mental, e a própria vida, de seres humanos. Podemos reconhecer três fases na completa transformação do homem pela graça e o poder de Deus: estava sentado, e não mais irrequieto; estava vestido, em vez de andar nu; estava em perfeito juízo, e não mais alienado. Destarte, Jesus manda todos os espíritos de raiva, orgulho, egoísmo, impureza e outros tantos fora do homem, restaurando- o à perfeita saúde espiritual, e vestindo-o das vestiduras brancas da salvação. Os habitantes do lugar ficaram alarmados pela manifestação sobrenatural, temendo que, se Jesus ficasse, mais outros sacrifícios seriam necessários. Este temor se revela em todos os séculos! Portanto, entraram a rogar-lhe que se retirasse da terra deles (17). Jesus nunca se impõe. Quão diferente foi a súplica do homem! (18) Em contraste com Seu costume geral, Jesus não insistiu que o homem se calasse (cf. 3.12). Este Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 32 fato se explica provavelmente em não haver tanto perigo, na região do Jordão, de o milagre ser explorado para fins políticos. Decápolis (20): o nome significa dez cidades. Estas cidades gregas se encontravam, com uma exceção, a leste do mar. 3. A RESSURREIÇÃO DA FILHA DE JAIRO, E A CURA DA MULHER ENFERMA (5.21-43) - Estes dois milagres complementares ilustram a autoridade do Senhor sobre a enfermidade e a morte. Veja-se nota sobre Mt 9.18-26; Lc 8.41-56. Convém-nos considerar primeiro a história da mulher enferma (25-34). Sua condição a tornou cerimonialmente imunda, e todos quantos a tocassem tornar-se-iam imundos também (Lv 25.25). Esta é a provável razão porque ela se aproximou de Jesus por trás, para não ser vista. O mundo antigo cria que um lenço, avental, ou até a sombra de um curandeiro comunicassem saúde (cf. At 19.12-5.15). No instante em que a mulher tocou a orla do vestido de Cristo, ela foi curada, mas Ele não permitiu que fugisse sem dar maior esclarecimento do incidente. Quem me tocou? (30). Há duas razões para tal pergunta. Primeiro, Ele desejava informar-se. Embora Jesus fosse cônscio do fato que o poder saíra de si, não é mister insistir que exibisse conhecimento sobrenatural, quando as informações lhe eram acessíveis por vias normais. Em segundo lugar, Ele queria animá-la a dar uma franca confissão (cf. Rm 10.9-10). O resto do incidente é luminoso quanto à natureza da genuína fé. A reação impaciente dos discípulos serviu para revelar que há um mundo de diferença entre o contato geral com Jesus, e o do indivíduo obtido pela fé, que resulta da profunda convicção de necessidade pessoal do Seu poder salvador. Calvino, baseando-se no verso 34, salienta o fato que a crença na eficácia das relíquias é contrária ao ensino bíblico. Mais ainda, podemos afirmar que nenhuma ordenança é efetiva sem fé no Cristo vivo. O manto inconsútil não possuía propriedades mágicas. Além disto, embora Jesus atribua a cura da mulher à sua fé, o Novo Testamento não nos apresenta a fé apenas como uma experiência subjetiva, mas como aquilo Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 33 que deriva sua força do objeto de que depende. Segundo Vincent Taylor, «a fé é uma experiência espiritual que começa como proeza do espírito, cuja realidade é concretizada por Deus mesmo». A demora ocasionada pela intromissão do caso da mulher era sem dúvida uma prova penosa para o príncipe da sinagoga, que procurara Jesus à beira-mar, e deixando de um lado sua dignidade, se lançara aos pés do Mestre, num gesto de agonia e de desespero. Intensificou-se sua aflição quando um recado chegou de casa sugerindo que fosse tarde demais. Tua filha já morreu (35). Jesus ouviu o recado e resolutamente o recusou, dando logo em seguida uma palavra de esperança a Jairo. Pela primeira vez, Jesus toma consigo Pedro, Tiago e João (37), que também presenciaram a transfiguração (9.2) e Getsêmani (14.33). A escolha deles não indica favoritismo: Ele os escolheu para um serviço especial, segundo Sua soberania. Além disto, eles se tornaram mais tardeo núcleo do colégio apostólico que assumiu as maiores responsabilidades. A pergunta chave da história é qual a significação das palavras: A criança não está morta, mas dorme (39). Alguns expositores consideram que Mateus (Mt 9.18) e Lucas (Lc 8.53-55) implicam que ela fosse realmente morta, enquanto Marcos, cujo texto é o mais antigo, é ambíguo e permite que alguns julguem que ela estivesse em coma ou num estado cataléptico. Por outro lado, o escárnio dos pranteadores indica o contrário. Note também a instrução de guardar o silêncio (43), que talvez antecipe que alguns dissessem mais tarde que Jesus tinha razão quando Ele disse: «ela dorme». A melhor interpretação do incidente é que representa a verdade germinal da doutrina cristã sobre a morte, que seria desenvolvida mais tarde. Deus vê a morte como sono que espera o despertamento de 1Ts 4.13-14. Nosso conhecimento da vida além-túmulo é limitado, mas naquela esfera se ouve a voz do Salvador, o custódio que segura as almas que já passaram aquele limiar. A autoridade de Cristo se aplica além do túmulo, uma verdade que tem Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 34 referência especial às criancinhas. É patente que o apóstolo Pedro averiguou o método do Mestre nesta ocasião minuciosamente, e a história de Dorcas em At 11.36-43 oferece comparações notáveis e, ao mesmo tempo, ilustra bem a grande verdade contida em Jo 14.12. Marcos 6 h) Rejeição em Nazaré é a missão dos doze (6.1-13) Para os vv. 1-6, veja Mt 13.53-58. Sua terra (1): isto é, Nazaré, como o texto indica. Esta visita é diferente daquela descrita em Lc 4.16-30 que ocorreu um ano antes. Jesus deixara Nazaré como pessoa particular. Depois voltou como rabino, rodeado dos seus discípulos, com o suposto motivo de dar aos Seus concidadãos outro ensejo de recebê-lO. O resultado era o mesmo: a inveja os corroeu. Era-lhes incrível que um dos seus patrícios recebesse uma missão dos céus. Da família mencionada no verso 3, Tiago se torna mais tarde presidente da igreja em Jerusalém (At 15.13; Gl 2.9-12), e autor da epístola geral; Judas é o mesmo que escreveu a epístola geral. Pouco se sabe dos demais irmãos ou das irmãs. Não pôde fazer ali nenhum milagre (5). Uma das declarações mais ousadas do evangelho, mostrando que os milagres do Nosso Senhor não eram magia. São relacionados positivamente à condição moral e à fé do povo. Embora onipotente, Deus na Sua soberania não agirá em prol de bênção, em face de rebeldia humana. Sua atitude se explica pela incredulidade (6). Embora inegáveis Seu poder e sabedoria, eles duvidaram quanto à origem divina destas coisas. Logo surge a implicação que as coisas provadamente sobrenaturais que não vierem de Deus hão de emanar do diabo. A essência da incredulidade é esta: recusar persistentemente as evidências da presença e do poder de Deus. Não há nada que iniba tanto a operação divina. Para os vv. 7-13. veja notas sobre Mt 10.5-40; Lc 9.1-16. Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 35 Segundo Mateus (9.35-38), a missão dos Doze teve sua origem na compaixão do Mestre para o povo, que O levou nesse tempo de introduzir colaboradores escolhidos por Ele, que recebiam Sua instrução para aquele fim. Ao mesmo tempo, é provável que esta primeira viagem ministerial fosse de natureza experimental como parte do seu preparo. Daquela experiência eles aprenderiam muito, inclusive o fato que a autoridade de Cristo se aplicava além da Sua presença física, e mais ainda, que aquela autoridade lhes era outorgada. Aprenderiam que Deus podia suprir todas as suas necessidades; que sua comissão integrava dignidade moral e autoridade. Eles iam dois a dois, para os fins de testemunho e de comunhão (Dt 19.15; 2Co 13.1). Seu equipamento era simples e prático, evitando os dois extremos de farrapada e de ostentação luxuosa. Apenas um bordão: detalhe peculiar de Marcos. Usava-se o alforje para levar provisões. Eles haviam de aceitar a hospitalidade oferecida; onde for negada, eles haviam de sacudir o pó dos pés em testemunho contra o lugar (11). Tal ação não expressava ressentimento pessoal; indicava que o lugar era julgado pagão e o ato devia levar os habitantes à reflexão e ao arrependimento. A segunda frase do verso 11 na ARC que começa «Em verdade vos digo», e que não se encontra na ARA, é omitida nos principais manuscritos antigos. Foi incluída por assimilação a Mt 10.15. Os vv. 12 e 13 resumem o tríplice ministério dos Doze como pregação de arrependimento, exorcismo, e a cura dos enfermos. O Novo Testamento se refere à unção com óleo somente aqui e em Lc 10.34 (onde seu uso é mais medicinal) e em Tg 5.14. O uso de óleo aqui seria como acessório à cura milagrosa, e como estimulo à fé. i) Herodes e João Batista (6.14-29) Veja notas sobre Mt 14.1-12; Lc 9.7-9. Herodes Antipas era filho de Herodes o Grande (Mt 2.1) e de Maltace. O título de rei que se lhe aplicava era apenas de cortesia, e um costume local. Ele era realmente «tetrarca», ou soberano de uma quarta parte, na Galiléia e na Peréia, sob a tutela de Roma. Sem exceção, Lucas usa sempre esse título «tetrarca». Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 36 O rei Herodes... disse (14) (ARC). Melhor, com a ARA: «Alguns diziam». De todas as notícias a respeito de Jesus que chegaram aos ouvidos de Herodes, sua consciência roedora o levaria a focalizar esta: João o Batista ressuscitou. Isto explicaria a demonstração de poderes sobrenaturais nEle. Marcos agora narra em retrospecto os pormenores das circunstâncias relativas à morte de João Batista. Os detalhes esclarecem o caráter de Herodes, e ao mesmo tempo tecem loas ao ministério de Jesus na Galiléia dentro da jurisdição de Herodes, e além, dentro de território gentílico. Segundo Josefo, João foi encarcerado em Macaero, um complexo de construções reunindo uma fortaleza, um palácio e um cárcere, situado ao nordeste do Mar Morto. Em verdade, Herodias era sobrinha de Antipas, sendo filha de Aristóbulo seu meio- irmão; ela casara-se com outro meio-irmão chamado Herodes por Josefo, mas que possivelmente tinha o nome Filipos (17). Repetidamente João admoestava Antipas por causa desta união proibida pelos termos de Lv 18.16; 20.21, e por conseguinte Herodias nutria ódios contra o profeta que somente Herodes, cuja consciência não estava ainda completamente abafada, podia refrear. Herodes apresenta o quadro de um ser moralmente vacilante, dividido entre seu respeito para João e sua paixão por Herodias. A filha de Herodias (22): Salomé. Existem uns poucos manuscritos importantes que dizem: a filha de Herodes. Isto é inaceitável, pois uma filha da união entre Antipas e Herodias não teria muito mais que dois anos de idade. Além disto, é difícil acreditar que Herodes sentisse prazer numa dança sensual que só podia degradar sua própria filha. A história pinta as maneiras de uma corte oriental. Cf. Et 5.2. Há razão para crer que Herodes Antipas nos oferece um exemplo de alguém que cometeu o pecado imperdoável (3.29). Ele brincava persistente e deliberadamente com a verdade que João lhe apresentava, e quando mais tarde Jesus comparece diante dele uma só vez, o Salvador não lhe diz coisa alguma (Lc 23.7-11). O silêncio de Cristo é muito sugestivo, pois se Herodes Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 37 pudesse responder a uma exortação, é certo que O Senhor lhe teria falado. j) Milagres e ensinos na Galiléia e Além (6.30-8.26) 1. A VOLTA DOS DISCÍPULOS (6.30-34) - Esta é a única ocasião neste Evangelho em que os discípulos se chamam apóstolos. Cumprida sua missão, eles voltam ao discipulado, tendo muito ainda para aprender. Eles relataram tudo ao Mestre, que os chama para repousar. Cf. Lc 9.10. Lugar deserto (31); geralmente identificado com o nordeste do mar. O servo de Cristo precisa de tempo para repouso como para o trabalho. Como acontece muitas vezes, o repouso do Mestre e Seus discípulos foi interrompido pelas reivindicações das necessidades humanas,e mais umas vez é Sua íntima compaixão que inspira os incidentes seguintes (34). A compaixão de Cristo revela o próprio coração de Jeová num quadro de transcendente ternura. Cf. Jr 23.14; Ez 34. 2. A PRIMEIRA MULTIPLICAÇÃO DOS PÃES (6.34-44) - Este milagre é o único comum a todos os quatro evangelhos. Veja Mt 14.13- 21; Lc 9.10-17; Jo 6.1-15. É provável que a sugestão dos discípulos visasse interesses outros que os do povo. Eles foram desapontados quanto ao retiro a sós com Jesus, e possivelmente tinham fome também (cf. 31). A resposta de Jesus veio como repto para agirem, aparentemente além das suas possibilidades: “Dai-lhes vós” (37): note a ênfase dada pela ARA - “vós mesmos”. Tais palavras servem como repreensão contínua à igreja na sua incapacidade diante de um mundo faminto. A igreja contempla seus recursos insignificantes com desânimo. Torna-se patente que toda necessidade pode ser satisfeita uma vez que O Senhor tenha o uso daqueles recursos. O denário varia, no seu valor moderno, conforme o câmbio. Por esta razão é melhor computar o valor como salário de um dia para o operário. A quantia mencionada pelos discípulos Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 38 era além das suas possibilidades, e aquém do mínimo preciso. Marcos descreve o incidente de uma maneira excepcionalmente vívida. A multidão foi organizada em grupos (gr. symposia symposia, lit. «em grupinhos festivos»); sobre a relva verde... em grupos (gr. prasiai prasiai, lit. «como canteiros»). As vivas cores das roupas contra o fundo verde da erva produziram o efeito de um jardim, com flores. O propósito deste agrupamento foi evitar confusão e servir a todos «com decência e ordem» (1Co 14.40). Há certa semelhança entre o verso 41 e 14.22, que talvez sugira nesta refeição no deserto uma antecipação da Ceia do Senhor. Porém a interpretação mais segura é que era costume naquela época o hóspede proceder desta maneira, e estas simples ações do Senhor se revestiram mais tarde de uma significação mais profunda dentro da comunhão apostólica. Fica oculta a maneira em que o milagre foi efetuado, se nas mãos do Senhor mesmo, ou nas dos Seus discípulos. Os racionalistas já tentaram muitas vezes desfazer o elemento milagroso da história, alegando que o número de pessoas fosse exagerado; outrossim, que se persuadiu o povo de partilhar sua merenda. Se fosse assim, é curioso que um acontecimento tão vulgar tenha sido conservado nos quatro Evangelhos. Tudo depende da maneira em que se interpreta a pessoa de Jesus Cristo. Se é realmente Deus manifestado na carne, não há nenhuma dificuldade real em crer que Ele operou nesta ocasião um prodígio de criação, como os evangelistas tão claramente o apresentam. Cestos (43): gr. kophinoi. Levados pelos judeus em viagem, para não comer alimentação dos gentios, cf. 8.8,19-20. Pedaços de pão: não migalhas, mas os pedaços que sobrarem depois de divididos os pães. À luz da versão joanina do incidente, que continua com o famoso discurso sobre o pão da vida, não há dúvida acerca da significação da história. Jesus não é apenas o Autor da vida; Ele é também a Força e Sustentador da vida, tão indispensável para a vida do cristão como é o pão cotidiano para o corpo. Jesus oferece perfeita satisfação na vida íntima do crente que pode, cada dia e cada hora, se alimentar com Ele, pela fé. Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 39 3. JESUS ANDA POR SOBRE O MAR (6.45-52) - Veja notas sobre Mt 14.22-33; Jo 6.16-21. Em comparação com a história em que Jesus acalma a tempestade (4.35-41), esta salienta o fato principal de Jesus andar por sobre o mar. Naquele incidente, Ele acompanhou os discípulos dentro do barco; neste, eles estavam sós, Ele mesmo os tendo compelido a embarcarem, enquanto despedia a multidão (45), João explica Sua insistência, pelo fato que o povo queria arrebatá-lo para o fazer rei (Jo 6.15). Os discípulos teriam sido encantados com o plano, pois expressava perfeitamente suas aspirações, Jesus, porém, reconheceu o imenso perigo da situação, que precisava da retirada imediata dos discípulos e Seu afastamento à solidão para orar (46). Repetiu-se a tentação de Lc 4.5-8. Betsaida (45): é difícil estabelecer a identidade geográfica deste lugar (cf. 53, e Jo 6.17). Alguns peritos conjeturam a existência de um bairro de pescadores em Cafarnaum que se distingue da Betsaida Julias ao nordeste. Uma solução mais simples do problema é que os discípulos tentaram atravessar a baía, foram levados pelo vento ao largo, e finalmente seguiram rumo a Genesaré na banda ocidental. É notável que Jesus não se intrometeu logo na situação. Os discípulos labutaram por muitas horas até a quarta vigília da noite (48), isto é, até às três horas da madrugada, segundo o horário romano que Marcos usa. Mesmo naquela hora, ele queria tomar-lhes a dianteira (48). Esta atitude harmoniza com Sua conduta em outras ocasiões (cf. Lc 24.28; Jo 11.6), e podemos inferir que Seu motivo foi a prova da fé deles. Marcos comenta que todos o viam (50). Portanto, não é caso de uma decepção subjetiva, ou de alucinação, mas do aparecimento objetivo de uma pessoa à vista de todos. Não obstante, o coração dos discípulos estava tão endurecido ainda, que nem o milagre da multiplicação dos pães lhes abriu o entendimento (52; cf. Rm 11.25; Ef 4.18). É quase incrível que o coração humano seja tão obtuso às verdades espirituais. Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 40 Mais uma vez encontramos objeções racionalistas contra o elemento milagroso. Primeiro, a intervenção de Jesus não seria absolutamente necessária, os discípulos não estando em perigo mortal; em segundo lugar, uma crítica mais séria da narrativa sugere que esta apóia o conceito docético da pessoa de Cristo, como tendo um corpo celestial que não fosse realmente humano. Se, como alguns alegam, Jesus estava apenas andando na rebentação das ondas na praia, não haveria motivo para medo, nem para Ele conversar com eles, nem tampouco haveria explicação das palavras bem claras no meio do mar (47). Além disto é absurdo dogmatizar sobre o que seria possível ou impossível à Sua única Personalidade. A omissão na história do detalhe sobre Pedro descendo do barco (Mt 14.28-31) aponta para a influência do apóstolo mesmo na narrativa de Marcos. Como já foi mencionado na Introdução, Pedro toma cuidado em não relatar incidentes que possam exaltar a si mesmo. Muitos dos cristãos em Roma e outros lugares sem dúvida sentiram que eles também estavam fazendo pouco progresso contra os ventos de perseguição, e por este motivo a narração do incidente serviria para consolá-los nimiamente, garantindo-lhes a presença poderosa do Senhor no temporal. 4. MINISTÉRIO EM GENESARÉ (6.53-56) - Veja também Mt 14.34-36. Genesaré era uma planície fértil e populosa ao sul de Cafarnaum. Esta descrição gráfica do ministério na Galiléia marca o seu apogeu. Enquanto Jesus palmilhava toda a região, o povo O seguia trazendo em leitos os enfermos. Às vezes chegaram atrasados depois da Sua saída, e naquele caso, eles levaram os doentes de um lugar para outro até que O alcançassem. Aparentemente, o povo procurava somente a cura física. Não há nenhuma referência aqui ao ensino, e parece que Jesus se dedicou irrestritamente ao povo naquele setor da sua receptibilidade. Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 41 Marcos 7 5. ENSINO SOBRE A PURIFICAÇÃO (7.1-23) - Veja também Mt 15.1-20. Os quatro primeiros versículos fornecem mais evidência de que este Evangelho foi escrito para leitores gentios, pois os costumes dos judeus acerca de purificação cerimonial são cuidadosamente explicados. As lavagens não se praticavam simplesmente para fins de higiene, mas para remover a imundície cerimonial. Impuras (2). Gr. koinais. A mesma palavra se traduz “comum” em At 10.14-28 e «impura» em Rm 14.14. Usava-se o vocábulo para descrever a condição daquilo que era cerimonialmente inaceitável aos judeus, devido à associação
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