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Marcos (N Comentario)

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MARCOS
 VOLTAR 
 Introdução 
 Plano do livro 
 Capítulo 1 Capítulo 5 Capítulo 9 Capítulo 13 
 Capítulo 2 Capítulo 6 Capítulo 10 Capítulo 14 
 Capítulo 3 Capítulo 7 Capítulo 11 Capítulo 15 
 Capítulo 4 Capítulo 8 Capítulo 12 Capítulo 16 
 
INTRODUÇÃO 
 
I. AUTORIA 
 Este evangelho não menciona o seu autor. Entretanto, a autoria de 
Marcos, assistente de Pedro, nunca foi seriamente posta em dúvida. Não 
se duvida tampouco que este Marcos seja aquele «João, que tinha por 
sobrenome Marcos», a quem o Novo Testamento se refere oito vezes. 
Era parente de Barnabé (Cl 4.10); a afirmação de 1Pe 5.13 pode 
significar que ele se converteu por meio de Pedro. Nos escritos 
patrísticos dos primeiros quatro séculos há abundante evidência para a 
autoria de Marcos. Papias, Justino Mártir, Irineu, Clemente de 
Alexandria, Tertuliano, Orígenes, Eusébio e Jerônimo se referem à 
autoria de Marcos. 
 
II. DATA E LUGAR DA OBRA 
 Quanto à data do segundo evangelho, as opiniões variam muito 
dentro dos 35 anos entre 40 A. D. e 75 A. D. Marcos é agora aceito, 
quase universalmente, como o mais antigo dos quatro evangelhos. Por 
um lado, a declaração de Irineu que Marcos compôs seu evangelho 
«depois da saída (exodos) de Pedro e Paulo», indica uma data não 
anterior a 68. A. D., e não posterior a 70 A. D., ano da destruição de 
Jerusalém, se aceitarmos a hipótese, não absolutamente segura, de que 
esta «saída» significa a morte. Dr. Vincent Taylor apóia a data 65 a 67 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 2 
A. D. e considera precárias as teorias de uma data mais antiga. Por outro 
lado, a relação de Marcos com os outros sinóticos, especialmente com 
Lucas que precede os Atos dos Apóstolos (Ver At 1.1), sugere uma data 
nos meados do século. Uma data entre 50 e 55 A. D. nos daria uma 
posição entre os dois extremos. 
 A maioria dos eruditos, seguindo evidências antigas, apontam 
Roma como o lugar em que foi escrito. Dr. Graham Scroggie considera 
que 1Pe 5.13 tende a confirmar esta idéia, caso Babilônia significasse 
Roma. Outros sugerem Alexandria, Cesaréia e Antioquia da Síria. 
 É provável que este evangelho fosse escrito para leitores gentílicos 
em geral e mais particularmente para os romanos. Há relativamente 
poucas citações e alusões tiradas do Velho Testamento; expressões 
aramaicas são interpretadas (v.g. 5.41); os costumes dos judeus são 
explicados (v.g. 7.3-11); algumas palavras latinas aparecem. O teor geral 
da obra, que representa a incessante atividade do Senhor e Seu poder 
sobre os demônios, a enfermidade e a morte, atrairia o leitor romano, 
interessado mais em atividade do que em palavras. 
 
III. MARCOS E PEDRO 
 Uma tradição oriunda de Papias (70-130 A. D.) reconhece, atrás 
da narrativa de Marcos, a pregação e autoridade do apóstolo Pedro. Esta 
afirmação de Papias é conservada por Eusébio da seguinte maneira: 
«Marcos, sendo o intérprete de Pedro, escreveu acuradamente tudo 
quanto ele se lembrou das coisas ditas e feitas pelo Senhor, porém não as 
colocou em ordem». Outros escritores patrísticos confirmam esta 
tradição que, segundo Dr. Vincent Taylor, «é tão segura que, ainda não a 
possuíssemos, seríamos obrigados a postular algo parecido». Isto não 
quer dizer que Marcos era apenas um secretário ou amanuense, nem 
tampouco que não usou material de outras fontes, inclusive as suas 
próprias reminiscências. É patente que o autor, embora não um dos doze 
apóstolos, possuía conhecimento muito íntimo dos fatos narrados, em 
que se revelam todos os sinais de originalidade. A ordem e classificação 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 3 
de material adotadas por Marcos são certamente criticadas pela tradição 
de Papias. Aparentemente, o evangelho segue uma ordem homilética, em 
vez de cronológica. 
 As evidências internas da influência petrina são as seguintes: 
 O evangelho começa com a chamada de Pedro, sem referência 
alguma à natividade de Cristo. 
 O evangelho focaliza o ministério na Galiléia, e mais 
especialmente nos arredores de Cafarnaum, cidade de Pedro. 
 A vividez das descrições indica que são as experiências pessoais 
de uma testemunha ocular. 
 São omitidos alguns pormenores que destacam a pessoa de Pedro, 
em a narração da confissão de Pedro, em Cesaréia de Filipe, e do seu 
andar sobre o mar. São relatadas minuciosamente as suas derrotas, como 
a negação do Mestre. 
 
IV. FONTES 
 Uma vez aceita a prioridade de Marcos, as pesquisas quanto às 
fontes deste evangelho não têm obtido o mesmo êxito como no caso de 
Mateus e de Lucas. 
 A tradição oral tornou-se o objeto de intensos estudos nos últimos 
cinqüenta anos, estudos estes que deram origem à Crítica de Forma 
propalada por Martin Dibelius. A Crítica de Forma propõe a existência, 
antes de serem escritos os evangelhos que possuímos, de pequenos 
círculos de tradição. Estes círculos conservariam o evangelho pelo 
método oral, embora houvesse alguns evangelhos escritos, como o 
prefácio de Lucas indica. A nomenclatura desses círculos difere 
conforme o crítico. B. S. Easton divide o material da maneira seguinte: 
Ditados, Parábolas, Diálogos, Narrativas Miraculosas e Narrativas da 
Paixão. V. Taylor distingue Histórias Declarativas, Histórias 
Miraculosas e Histórias sobre Jesus. A evidente diversidade entre as 
diferentes análises aponta para o perigo inerente nelas, a saber, a pura 
subjetividade que as determina, tendo em vista a impossibilidade de 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 4 
verificação externa, que se usa para a Crítica Textual. Uma vez que se 
propõem investigações além dos documentos escritos, qualquer hipótese 
razoável pode ser sugerida. Por outro lado, há valor na insistência dos 
críticos da forma que o evangelho era pregado antes de ser escrito. Com 
o decorrer do tempo, muito material assumiu forma mais definida para 
os fins mnemônico e catequético, e disto há indicações na ordem tópica 
que Marcos adota. 
 Quanto à sua forma e caráter, esta tradição oral é em grande parte 
semítica. A presença de uma considerável influência aramaica no grego 
de Marcos indica isto, sem porém levar-nos a conclusão, mantida por C. 
C. Torrey e outros, de que o evangelho fosse tradução de um original 
aramaico. O importante é que este fato aumenta incontestavelmente o 
valor histórico da obra, visto que Marcos, embora gentílico nas suas 
simpatias, se coloca perto da tradição dos cristãos judeus. Quanto às 
fontes documentárias, a questão principal é se Marcos conheceu e 
utilizou o duvidoso documento «Q». Na opinião do Cônego Streeter é 
quase certo que «Q» precede Marcos; outros pretendem reconhecer 
vestígios de «Q» no seu evangelho. Além desta possibilidade indecisa, 
não há mais para dizer. Alguns procuram provar a existência duma 
edição preliminar, uma espécie de ensaio, conhecida como Ur-Markus, 
isto é, Marcos Original, mas esta sugestão altamente subjetiva pode ser 
considerada apenas uma hipótese. Em síntese, podemos dizer que a fonte 
principal deste evangelho é a pregação e ensino de Pedro, cujo sermão 
em Cesaréia constitui realmente um resumo do evangelho (At 10.34-43). 
A esta fonte principal seriam acrescentadas uma parte geral da tradição 
oral, as reminiscências pessoais de Marcos, e talvez material tirado de 
outros documentos. 
 
V. TEOLOGIA 
a) A Pessoa de Cristo 
 Consta que Marcos apresenta a pessoa de Cristo como Servo de 
Jeová (Is 52.13-53.12), enquanto Mateus o descreve como Rei, Lucas 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 5 
como Homem, e João como Filho de Deus. Diversos aspectos deste 
evangelho, como a ausência de uma genealogia e a predominância da 
ação sobre o ensino, apóiam esta descrição. O uso do titulo «Filho do 
Homem» ocorre quatorze vezes neste evangelho, e se interpreta na 
maioria dos casos (8.31; 9.9,12,31; 10.33,45; 14.21,41) de acordo com 
este conceito.Entretanto, desde o primeiro versículo do livro, Marcos 
identifica o humilde Servo como o próprio Filho de Deus, cujo 
ministério é autenticado por suas obras poderosas. É inequívoca a 
atestação divina desta identidade na hora do batismo e da transfiguração 
(1.11; 11.7). Dr. V. Taylor a considera como o elemento mais 
fundamental da cristologia de Marcos, «uma cristologia tão sublime 
como se encontra em qualquer parte do Novo Testamento, sem excluir o 
evangelho de S. João». 
 O ministério messiânico de Jesus, segundo Marcos, se vê como 
segredo bem guardado, pelo menos até a confissão de Pedro (8.30). Sem 
dúvida, o motivo para sigilo seria de evitar o perigo inerente nos 
conceitos populares nacionalistas e materialistas, com que as 
expectativas dos judeus investiram o título. Ao mesmo tempo, o autor 
desejava assegurar-lhe uma significação tanto ética como apocalíptica. O 
termo «Cristo» se usa apenas sete vezes, e Jesus nunca o usa com 
referência a si mesmo. 
 
b) A Obra de Cristo 
 As duas metáforas usadas em 10.45 e 14.24 indicam quais são as 
doutrinas principais enunciadas. A vida do Nosso Senhor, dada como 
sacrifício, se descreve como «resgate de muitos», e como o «sangue do 
Novo Testamento». Aquele efetua libertação do pecado e do juízo, 
enquanto este estabelece um novo pacto e comunhão entre Deus e o 
homem. Estes conceitos em Marcos não são elaborados num sistema de 
doutrina. Há menos razão ainda para supor que a referência ao «resgate» 
indique influência paulina. Diz o Dr. James Denney: «Se achamos o 
mesmo pensamento em Paulo, não digamos que o evangelista fosse 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 6 
exposto à influência paulina, mas antes que S. Paulo aprendeu aos pés de 
Jesus. Todos os sinóticos mencionam as três ocasiões em que Jesus 
procurou, propositadamente, advertir os discípulos de sua paixão 
próxima. Mas é Marcos que observa mais especialmente as diferentes 
atitudes dos discípulos (8.31 e seg.; 9.31 e seg.; 10.32). 
 
c) Escatologia 
 A escatologia do evangelho se encontra principalmente nas duas 
passagens 8.38-9.31 e 13.1-37, em que Jesus discursa sobre dois 
acontecimentos bem separados em tempo, a saber: a destruição de 
Jerusalém em 70 A. D., e Sua segunda vinda em glória. Contudo, é 
preciso reconhecer que Marcos escreve do Reino de Deus em termos 
predominantemente escatológicos. As idéias básicas deste conceito são, 
primeiro, o governo real dum Deus soberano, e em segundo lugar, de um 
reino ou comunidade em que se ingressa (9.47; 10.23). As declarações 
sobre este segundo conceito podem conter uma possível significação 
futura, também, mas outras referências, como 14.25 e 15.43, se aplicam, 
inegavelmente, a um cumprimento futuro. 
 
d) Afinidade com o ensino paulino 
 Foi mencionada acima a sugestão que Marcos fosse sujeito à 
influência paulina. É assunto de importantes debates desde muito tempo. 
É verdade que há muito em comum tanto no vocabulário como nas idéias 
entre este evangelho e os escritos de Paulo. Entretanto, esta semelhança é 
verificável em quase todos os escritos da igreja primitiva. Por outro lado, 
é verdade também que muitas das expressões e conceitos doutrinários 
tipicamente paulinos, como por exemplo «justiça», «justificação pela 
fé», «união com Cristo», «vida no Espírito» etc., são inteiramente 
ausentes em Marcos. Só podemos dizer que Marcos viveu e escreveu 
num ambiente romano e paulino e, mais ainda, que talvez conhecesse 
algumas das epístolas mais primitivas. Como observa o Dr. V. Taylor: 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 7 
«Marcos nem refaz, nem ofusca a tradição histórica. Seu Jesus é o Jesus 
da Galiléia». 
 
PLANO DO LIVRO 
 
I. PREPARAÇÃO - 1.1-13 
 a) João Batista (1.1-8) 
 b) O batismo de Jesus (1.9-11) 
 c) A tentação de Jesus (1.12-13) 
 
II. MINISTÉRIO NA GALILÉIA - 1.14-9.50 
 a) A chamada dos primeiros discípulos (1.14-20) 
 b) O primeiro sábado em Cafarnaum (1.21-45) 
 c) O começo da oposição (2.1-3.6) 
 d) A eleição dos Doze (3.7-19) 
 e) Acusações contra Jesus (3.20-35) 
 f) Ensino por parábolas (4.1-34) 
 g) Obras poderosas (4.35-5.43) 
 h) Rejeição em Nazaré e a missão dos Doze (6.1-13) 
 1) Herodes e João Batista (6.14-29) 
 j) Milagres e ensinos na Galiléia e além (6.30-8.26) 
 1) O Messias e Seus sofrimentos (8.27-9.29) 
 m) Censuras e advertências (9.30-50) 
 
III. EM CAMINHO PARA JERUSALÉM - 10.1-52 
 a) Sobre o casamento e o divórcio (10.2-12) 
 b) Sobre a Infância (10.13-16) 
 c) Sobre as riquezas (10.17-31) 
 d) Terceira predição da paixão (10.32-34) 
 e) O pedido de Tiago e João (10.35-45) 
 f) A cura do cego Bartimeu (10.46-52) 
 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 8 
IV. A SEMANA DA PAIXÃO - 11.1-15.47 
 a) A entrada em Jerusalém e início da semana (11.1-26) 
 b) Ensino em Jerusalém (11.27-12.44) 
 c) O sermão profético (13.1-37) 
 d) A história da paixão (14.1-15.47) 
 
V. A CONSUMAÇÃO - 16.1-20 
 a) A ressurreição (16.1-8) 
 b) O epílogo (16.9-20) 
 
COMENTÁRIO 
 
I. A PREPARAÇÃO - 1.1-13 
 
Marcos 1 
a) João Batista (1.1-8) 
 Ver notas sobre Mt 3.1-12; Lc 3.1-20. Cf. Jo 1.6-34. É provável 
que Marcos queria que o primeiro versículo servisse como título da obra. 
 O evangelho (1): não apenas o livro, mas o seu conteúdo das «boas 
novas concernentes a Jesus Cristo». Os vv. 2 e 3 podem ser considerados 
como parênteses e, neste caso, o primeiro versículo é ligado ao verso 4 
assim: «Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus...; 
apareceu João no deserto». Esta sugestão atraente dá relevo ao fato de 
que as boas novas da vinda do Messias começaram num reavivamento 
espiritual e não, como se esperava, numa revolução política. Entretanto, 
este arranjo do texto tende a subordinar a importância da citação do 
Velho Testamento. É preferível a ARA no primeiro verso, onde termina 
com ponto, deixando-o como título do livro. 
 No profeta Isaías (2). Realmente uma citação de Ml 3.1, e não de 
Isaías. 
 A frase mais importante, no deserto (3), tem sua aplicação no 
verso 4. Marcos cita Isaías como autor desta frase (cf. Is 40.3) e talvez 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 9 
incorpore a citação de Malaquias, por ser tão apropriada. As duas 
profecias são apresentadas a fim de mostrar a natureza da missão de João 
Batista, corno preparação para a vinda do Messias. Ambas as citações, 
no seu significado primitivo, se referem ao povo de Deus à procura de 
Jeová. Aqui se aplicam, muito sugestivamente, a Jesus Cristo. 
 São indicadas também a índole e influência do ministério 
preparatório de João. O que se prepara é o coração humano. O ministério 
de João se caracteriza pelo seu poder moral. 
 O batismo de arrependimento tem em mira a remissão dos 
pecados (4). Arrependimento: O grego (metanoia) significava 
originalmente «mudança de pensamento». Porém, em o Novo 
Testamento o seu sentido denota um ato deliberado pelo qual se recobra 
o juízo, com a resultante mudança de conduta. Os pormenores deste 
aspecto do ministério de João Batista são apresentados em Lc 3.1-20 (ver 
notas). Toda a província da Judéia sentiu o seu impacto. Jesus mesmo 
veio da Galiléia (9), mas mede-se a influência da missão de João Batista 
pelo fato de a Judéia ser profundamente tocada por sua mensagem. A 
confissão de pecados era oral, uma pública confissão, após o que eram 
mergulhados (baptizo, forma intensiva de bapto) nas águas do rio, como 
um ato simbólico. 
 O vestido e a alimentação de João (6) revelam sua austeridade e 
separação dos interesses materiais. Seu indumento era típico dos profetas 
e relembra Elias (2Rs 1.8), a quem João se assemelha em diversos 
aspectos (Mc 9.13). Gafanhotos: alimento somente da classe mais 
humilde. Consta que os beduínos ainda os comem tostados ou salgados. 
 O testemunho de João focaliza aquele que é mais forte do que eu 
(7), cuja vinda estava próxima, e que ia batizar não com água, mas com o 
Espírito Santo (8). O ensino do VelhoTestamento concordava que estas 
seriam as características dos dias do Messias (Is 44.3; Ez 36.26; Jl 2.28). 
 
 
 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 10 
b) O batismo de Jesus (1.9-11) 
 Ver notas sobre Mt 3.13-17; Lc 3.21-22. Jesus se apresenta à beira 
do Jordão em toda simplicidade, como um da multidão que deseja o 
batismo de João. Mateus narra a surpresa e a desconfiança de João (3.14-
15), na ocasião em que este entrou em contato com o corpo sagrado do 
Senhor para batizá-lo. João O batizou somente depois da insistência do 
Senhor. 
 Logo (10): o primeiro uso desta palavra predileta de Marcos, que 
ocorre quarenta e uma vezes nesta obra. Quando Jesus subiu do Rio 
Jordão, uma tríplice experiência O destacou entre os demais, 
identificando-O na sua única relação com Deus. Em primeiro lugar, ele 
viu os céus abertos (10), ou melhor, rasgarem-se (schizomenous), 
facultando a vista desembaraçada das coisas celestiais (cf. Jo 3.12-13; Is 
44.1). Em segundo lugar, ele viu o Espírito que como pomba descia 
sobre ele. É patente que a forma de pomba era visível, e não apenas um 
símile de ternura para descrever o fenômeno, pois Lucas elucida a 
experiência com as palavras «em forma corpórea» (Lc 3.22). Alguns 
fazem a sugestão interessante de uma alusão a Gn 1.2, onde o Espírito 
paira sobre as águas primevas. Em terceiro lugar, brada a voz do Pai dos 
céus, testemunhando que este é Seu Filho (11). Cf. 11.7 e Jo 12.28. As 
palavras relembram Sl 9.7 e Is 42.1. Revela-se numa luz claríssima a 
Santa Trindade, focalizando a Pessoa do Filho. Para o homem conhecer 
o trino Deus, é preciso que o primeiro encontro sempre seja com a 
pessoa de Cristo, o Filho. 
 É notável que Jesus, embora batizado por João, não confessou 
pecado, e a Igreja primitiva sempre ficou firme quanto à imaculabilidade 
absoluta dEle. Para Jesus, Seu batismo significa primeiro o cumprir de 
toda a justiça (cf. Mt 3.15 n.); em segundo lugar, um ato de identificação 
com o povo, sendo «contado com os transgressores» (Is 53.12); e em 
terceiro lugar, um ato de consagração ao Seu ministério. 
 
 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 11 
c) A tentação de Jesus (1.12-13) 
 Cf. notas sobre Mt 4.1-11; Lc 4.1-14. Sem dúvida foi o próprio 
Jesus que divulgou os pormenores deste incidente. O relatório de Marcos 
é brevíssimo, o que é muito curioso, tendo em consideração o evidente 
interesse do autor no triunfo do Filho de Deus sobre as potestades das 
trevas. Todos os sinóticos concordam em dar relevo à íntima relação 
entre o batismo e a tentação de Cristo. 
Na sua obra Life and Times of Jesus the Messiah, Edersheim 
sugere que Jesus, impelido pelo Espírito, fosse ativo no Seu batismo e 
passivo na tentação. Pelo batismo Ele cumpriu toda a justiça, e pela 
tentação Sua justiça foi provada. Antes de iniciar Seu ministério, cujo 
propósito foi raptar e destruir de uma vez o poder de Satanás em vidas 
humanas, foi-lhe mister encontrar e vencer aquele inimigo no campo de 
batalha da Sua própria vida. Cf. Hb 2.18; 4.15. A solidão do lugar se faz 
sentir pela frase estava com as feras (13, ARA) - uma minúcia incluída 
somente por Marcos. A severidade da luta se vê no fato de que os anjos 
o serviam (13. cf. Lc 22.43). Uma explicação puramente psicológica 
desta história não é satisfatória. Tudo foi real - tanto o encontro, como a 
pessoa de Satanás e os anjos. Em menor grau, cada discípulo que se 
sente chamado a uma tarefa penosa só pode esperar um conflito 
semelhante, em que uma vitória parecida é possível. Marcos julga 
desnecessário mencionar quem foi o vencedor. 
 
II. O MINISTÉRIO NA GALILÉIA - 1.14-9.50 
 
a) A chamada dos primeiros discípulos (1.14-20) 
 1. O MINISTÉRIO DE JESUS (1.14-15) - Cf. Mt 4.12-17; Lc 
4.14-44. Segundo Marcos, o ministério começou depois de João ter 
sido preso (14), o que implica um intervalo entre o batismo de Jesus e 
seu ministério na Galiléia. Marcos não revela nada a respeito da 
atividade de Jesus naquele período. Neste como em outros assuntos, o 
evangelho de S. João completa a narrativa sinótica (cf. Jo 1.19-4.42). 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 12 
Jesus começou a proclamar as boas novas de Deus, que já passara o 
tempo de esperança, e que já tinha chegado o anelado Reino de Deus. 
 À luz do advento deste reino, era mister que todos os homens se 
arrependessem e cressem (15). A responsabilidade humana em relação 
ao evangelho se expressa nestas duas palavras. O reino de Deus (15): o 
governo divino no coração humano e na sociedade. 
 2. A CHAMADA DE PEDRO, ANDRÉ, TIAGO E JOÃO (1.16-20) - 
Veja Mt 4.18-22 n. Compare Lc 5.1-11. Era fundamental no ministério 
de Jesus a escolha e preparação dos Doze, que iam compartilhar com Ele 
a responsabilidade de proclamar as boas novas, durante Sua vida, e de 
continuar a disseminá-las depois da Sua ascensão. Os dois pares de 
irmãos mencionados aqui já conheciam Jesus (veja Jo 1.15-42) e criam 
que fosse o Messias. Agora Ele os chama ao passo definitivo de 
deixarem a pescaria para segui-lO incondicionalmente. A vida de 
pescador os preparava bem nas qualidades de paciência e persistência 
necessárias para o serviço de ganhar os homens para Cristo. No entanto, 
precisava-se de mais ainda, e se estivessem dispostos a segui-lO naquela 
hora, Ele prometia fazer deles pescadores de homens. Quando Cristo os 
chama, Ele tem em mira, não tanto no que são agora, como no que se 
tornarão mais tarde pela obediência à Sua direção. 
 
b) O primeiro sábado em Cafarnaum (1.21-45) 
 Foi com interesse muito particular que Pedro teria relatado os 
pormenores da história do primeiro dia em que Jesus apareceu na Sua 
cidade e ministrou na Sua própria casa. A narrativa possui todas as 
evidências de recordação pessoal de uma testemunha ocular. Um trecho 
paralelo se encontra em Lc 4.31-44. 
 1. A CURA DE UM ENDEMONINHADO NA SINAGOGA 
(1.21-28) - Salientam-se neste evangelho os ensinos de Jesus; veja 2.13; 
4.1; 6.2,6,34. 
 Sinagoga (21): etimologicamente, uma reunião, ou assembléia. Por 
extensão, significa o lugar em que a congregação se reúne. Pouco se sabe 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 13 
das origens da sinagoga. As reuniões eram mormente para instrução; o 
edifício se usava também como tribunal de justiça, (Lc 12.11; 21.12), 
onde se aplicavam penalidades. Era costume o presidente da sinagoga 
(gr. archisynagogos) resolver quem lesse e expusesse as Escrituras aos 
sábados. Este costume ofereceu muitas oportunidades a Jesus, nesta fase 
inicial do Seu ministério, pois, por onde quer que aparecesse, foi-lhe 
facultado o ensino. Mais tarde, Paulo aproveitaria o mesmo ensejo. A 
autoridade intrínseca no ensino de Jesus oferece vivo contraste com as 
declarações dos mestres judeus, que se baseavam invariavelmente na 
tradição ou no parecer dos famosos rabinos. 
 Enquanto Jesus estava falando, ou Sua presença ou Sua 
mensagem, ou ambas, provocaram uma manifestação por um homem 
endemoninhado. O fenômeno de possessão diabólica dá relevo especial 
ao período da vida terrestre do nosso Senhor. Há apenas dois casos no 
Velho Testamento, e dois no Novo fora dos evangelhos. Distingue-se 
nitidamente de desordens psíquicas. Os demônios eram reais, e sabiam 
da missão messiânica de Jesus antes dos discípulos, fato este que não 
lhes foi permitido divulgar. (verso 34; Tg 2.19). Jesus vinha do Seu 
recente encontro com o Príncipe do Mal (13). Não admira que os 
espíritos inferiores de maldade reconhecessem nEle seu vencedor (24). A 
autoridade da palavra de Cristo se revela não tão somente na excelência 
da Sua doutrina mas também na força do Seu comando. Pronunciada Sua 
palavra, logo o espírito imundo convulsiona o homem e sai dele. Lucas, 
como médico, acrescenta o fato que saiu dele «sem lhe fazer mal» (Lc 
4.35). Jesus nunca deitou as mãos num endemoninhado para libertá-lo. 
Bastava a palavra falada. O povo se admirou e logo se ouviu o zunzum 
de conversação (27). A fama de Jesus espraiou-se rapidamente em toda 
aquela região. 
 2. A CURA DA SOGRADE PEDRO (1.29-31) - Veja Mt 8.14-
15; Lc 4.38-39. 
 A casa de Simão e André (29): desde agora torna-se o centro de 
operações de Jesus na Galiléia (veja 2.1; 3.19; 9.33; 10.10). Segundo Jo 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 14 
1.44, estes dois irmãos eram de Betsaida. Uma hipótese sugere que 
mudaram de casa no intervalo. Outra propõe que Betsaida fosse o bairro 
dos pescadores em Cafarnaum. 1Co 9.5 confirma o fato de Pedro ser 
casado e, mais ainda, que sua mulher o acompanhava no seu ministério 
subseqüente. Para Pedro, esta ocasião no seu próprio lar foi inolvidável. 
 Nota-se quão rápida e completa foi a cura, pelo fato de a sogra 
restaurada servi-los (31) à refeição sabática, sem o menor sinal do 
cansaço e debilidade que normalmente seguem a febre. 
 3. CURAS DEPOIS DE PÔR-SE O SOL (1.32-34) - Veja Mt 
8.16-17; Lc 4.40-41. O sábado findava ao sol posto. Tornou-se lícito 
então carregar os doentes, sem infração da lei. Os que sofriam doenças 
físicas não eram classificados com os endemoninhados (32-34). O povo 
começou a correr para a porta da casa, e logo uma multidão formou. 
Jesus não desapontou as massas, pois a compaixão e poder divinos 
sempre se manifestam a favor dos que O buscam na sua necessidade. 
 4. RETIRO À SOLIDÃO E UMA VOLTA NA GALILÉIA (1.35-39) 
- Cf. Lc 4.42-43. 
 Surpreendentemente, Jesus, no meio desta atividade, se levantou 
alta madrugada (35) e se afastou à surdina da cidade, antes de todo 
mundo acordar. A história é narrada do ponto de vista dos que, dentro de 
casa, descobriram sua ausência, e logo sentiram que Ele estava perdendo 
maravilhosas oportunidades em Cafarnaum, sem apreciar o alcance do 
Seu êxito. 
 Imediatamente Simão Pedro assume a liderança, e junto com seus 
amigos, procuravam-nO diligentemente (36, ARA). No original, o 
verbo usado aqui ocorre só esta vez no Novo Testamento, embora usado 
freqüentemente nos LXX, v. g. Sl 33.6. Os motivos que levaram Jesus a 
retirar-se eram o desejo para comunhão com o Pai (35) e a necessidade 
de pregar em outros lugares (38). Cafarnaum não podia gozar do 
monopólio do Seu ministério. 
 Para Isso é que eu vim (38): refere-se, não a Sua saída da cidade, 
mas à Sua missão outorgada pelo Pai (Lc 4.43). 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 15 
 5. PURIFICAÇÃO DE UM LEPROSO (1.40-45) - Veja notas 
sobre Mt 8.1-4 e Lc 5.12-14. As curas milagrosas evidentemente 
suscitaram muito entusiasmo popular, ao ponto que houve perigo, tão 
comum também em nossos dias, que este tipo de ministério ofuscasse a 
obra mais espiritual e fundamental do evangelho. Não se encontra 
menção de curas no verso 39, por esta razão. Este caso de um leproso, 
porém, suscitou a compaixão do Senhor, e sua cura não se explica, de 
maneira nenhuma, por auto-sugestão, nem pelos métodos usados nas 
curas «pela fé». A lepra da Bíblia varia muito quanto à sua malignidade, 
algumas dermatites sendo incluídas nesta classificação. 
Se quiseres (40): compare a expressão semelhante «se tu podes» 
em 9.22. A Escritura nunca diz que o leproso fosse restaurado, mas 
purificado. 
Jesus, profundamente compadecido, estendeu a mão (41). «A 
compaixão de Cristo se expressa por meio daquela mão que nos segura» 
(Plummer). Depois de experimentar primeiro o poder de Cristo, o 
homem pôde cumprir as exigências da lei (Lc 14.2-20). A experiência 
cristã segue esta ordem (Rm 8.1-4). 
O fato que o homem podia cumprir a lei serviu de testemunho (44) 
tanto para os sacerdotes como para o povo. Para conservar aquela ordem, 
o leproso recebeu a rigorosa instrução de guardar silêncio (44). Sua 
desobediência fez com que o Senhor mudasse, temporariamente, Seu 
ministério da cidade para o campo (45). 
 
c) O começo da oposição (2.1-3.6) 
 
Marcos 2 
 1. O PARALÍTICO E O PERDÃO (2.1-12) - Veja notas sobre Mt 
9.2-8. Cf. Lc 5.18-26. Este incidente é o primeiro duma série nesta 
seção, em que a crescente hostilidade a Jesus se manifesta 
gradativamente entre os escribas e os fariseus. Correu a notícia em 
Cafarnaum que Jesus tinha voltado e estava novamente em casa. 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 16 
Em casa (1): é quase certo que se refere à de Pedro, já mencionada 
em 1.29. Esta, como a maioria das casas na Palestina, teria uma escada 
exterior subindo para o eirado. 
A palavra (3): sinônimo de «boas novas»; cf. 4.14,33; At 8.4; 
11.19, etc. Dentro da casa, Jesus anunciava a palavra à multidão. 
Entrementes quatro homens chegaram conduzindo um amigo paralítico, 
e estes com louvável resolução e sinceridade venceram todos os 
obstáculos subindo ao eirado, em que abriram um buraco. Lucas 
menciona que o eirado foi de ladrilhos (Lc 5.19). Então desceram o 
homem no leito diante de Jesus. A situação de certas almas necessitadas 
é tal que se precisa da fé e da simpatia de amigos crentes para levá-los a 
Cristo (cf. 5.36; 9.24). O simples ato de misericórdia criou entre os 
quatro amigos um precioso laço. 
 Jesus, vendo a fé deles (5): isto é, a fé de todos os cinco, 
respondeu-lhes incontinênti, mas de uma maneira inesperada. É certo 
que Ele não ensinava que em todos os casos a aflição resulta do pecado 
(cf. Jo 9.2; Lc 13.1-5), mas como Grande Médico faz Seu diagnóstico 
inerrante. A condição física do homem se originou de uma causa 
fundamentalmente espiritual. Antecipou-se assim a conclusão de muita 
psicoterapia moderna. Os teus pecados estão perdoados (5): é o próprio 
Jesus que perdoa. Sua autoridade é o ponto principal do incidente. Os 
escribas tinham razão quando perguntaram 
Quem pode perdoar pecados, senão um que é Deus? (7). Esta 
pergunta foi repto à divindade de Cristo. Ele lhes respondeu primeiro, 
apontando para seus pensamentos (8). Aquele que conhece os corações 
pode perdoar o pecado. Em segundo lugar, Ele lhes submete um teste. A 
pretensão de perdoar os pecados não podia ser averiguada. Porém, a 
autoridade para curar podia ser demonstrada logo. 
Se Ele fizer com que o homem ande, então que saibam que o Filho 
do homem tem sobre a terra autoridade para perdoar pecados (10). 
Filho do homem: título adotado exclusivamente pelo Senhor, referindo-
se a si mesmo, e tirado provavelmente de Dn 7.13. As opiniões diferem 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 17 
muito quanto ao sentido exato do termo, mas a maioria dos expositores 
considera-o de significação messiânica. Ao menos salienta a essencial 
humanidade e representação de Cristo. O fato de o Filho do homem ter 
sobre a terra autoridade para perdoar indica que Ele não se esvaziou, na 
encarnação, de todas as Suas prerrogativas. O homem perdoado recebeu 
a força de se levantar e andar, pois o perdão divino é sempre 
acompanhado pelo poder para deixar o pecado e andar em novidade de 
vida (Rm 6.4). 
 2. A CHAMADA DE LEVI (2.13-17) - Veja notas sobre Mt 9.9-
13; Lc 5.27-32. Não há realmente dúvida que Levi fosse Mateus, o 
publicano (Mt 9.9), autor do primeiro Evangelho, embora o nome Levi 
não figure nas quatro listas dos nomes apostólicos. 
 De novo saiu Jesus para junto do mar (13). A frase sugere uma 
repetição das circunstâncias descritas em 1.16, para a chamada de mais 
um membro do colégio apostólico. Levi foi funcionário no serviço do 
tetrarca da Galiléia, Herodes Antipas. 
 Alfândega (14): melhor coletoria (ARA), onde sem dúvida outros 
colegas profissionais se achavam naquela hora. Sua renúncia de um 
cargo lucrativo foi maior do que a dos pescadores, sendo irreversível, 
enquanto para estes havia possibilidade de exercer sua arte de vez em 
quando. Vê-se na escolha de Levi a graça do Senhor que aceita um 
desprezado cobrador de impostos como apóstolo, e também a sabedoria 
divina que precisa do seu conhecimento do aramaico e do grego. «As 
únicas coisas que Levi não renunciou em deixar sua velha vida foram a 
pena e o tinteiro» (A. Whyte). 
 O primeiro ato missionário de Levi foi o de preparar uma recepção 
para Jesus em sua casa, à qual foram convidados seus colegas e 
conhecidos. Lc 5.29 confirma que a casa era de fato a residência de Levi, 
e dá-se a impressãode que era mais espaçosa do que o humilde lar de 
Pedro. No oriente, a mesa é reconhecida como o lugar de mais íntima 
amizade. Tornou-se escândalo aos olhos dos fariseus que Jesus estava 
identificando-se desta maneira com pessoas moral e socialmente 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 18 
réprobas. Esta vez eles protestaram diante dos discípulos (16). A 
resposta de Jesus revela a diferença irreconciliável entre Si e eles, e 
provoca o conflito que O levará finalmente á morte. A mensagem do 
Cristo é essencialmente salvadora, mensagem esta para as massas na sua 
imundície, ignorância e desregramento. É Ele o médico da alma enferma 
de quem Ele espera a atitude de confiança absoluta. (Rm 3.21-24). 
 3. SOBRE O JEJUM (2.18-22) - Veja notas sobre Mt 9.14-17; Lc 
5.33-39. A lei ordenou apenas um dia de jejum, a saber, o grande dia de 
expiação (Lv 23.27-29; At 27.9). Outros dias tinham sido acrescentados 
ao ponto de o jejum tornar-se um dos elementos principais da vida 
religiosa no tempo de Cristo (cf. Lc 18.12). 
 Jejuavam (18), melhor estavam jejuando (ARA); os discípulos 
de João estavam observando um jejum possivelmente enquanto Jesus 
estava festejando (15). A réplica de Jesus aponta para a incoerência dos 
seus críticos. Seu companheirismo com os discípulos representa uma 
experiência tão festiva que se compara ao casamento. 
 Filhos das bodas (ARC) (19): termo hebraico que significa ou os 
convidados (ARA), ou o paraninfo e outros amigos íntimos do noivo. 
Impor sobre a nova situação do evangelho as observâncias religiosas do 
vetusto Judaísmo seria tão incôngruo como costurar um remendo de 
pano novo em veste velha, ou deitar vinho novo em odres ressecados e 
imprestáveis. O resultado em todos os casos seria prejuízo. Isto foi 
justamente o erro dos mestres judaizantes contra quem S. Paulo dirige 
mais tarde sua polêmica na Epístola aos Gálatas (Gl 4.9-10). 
 Dias virão em que (Jesus) lhes será tirado (20). «Tirado» é 
tradução do grego aparthe que significa tirar com violência, e assim 
constitui a primeira alusão à cruz. A palavra se encontra somente aqui e 
em passagens paralelas. A respeito do jejum, nota-se que Jesus o 
sanciona sem impô-lo. (Mt 6.16-18). O valor do jejum reside na auto-
disciplina; não no formalismo da vida ascética ou monástica, mas na 
subordinação voluntária do físico ao espiritual (cf. 1Co 9.24-27). 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 19 
 4. JESUS E O SÁBADO (2.23-3.6) - Veja notas sobre Mt 12.1-14; 
Lc 6.1-11. Dois incidentes enquadram o quarto protesto farisaico, que 
freqüentemente se dirige contra Jesus nos evangelhos (cf. Lc 13.10-17; 
14.1-6; Jo 5.1-19; 9.1-41). Relacionam-se à atitude de Jesus para com o 
sábado. Em colherem espigas enquanto atravessavam as searas, os 
discípulos faziam o que era perfeitamente lícito nos outros dias da semana 
(Dt 23.25), mas os fariseus consideraram-no como ato de ceifar, que era 
vedado aos sábados (Êx 24.21). Jesus replicou, citando como razão 
justificativa o caso de Davi, cujo prestígio era indiscutível. O quarto 
mandamento, como os demais, existe não para impor restrições religiosas, 
mas para satisfazer a necessidade física e espiritual do homem. 
 No tempo de Abiatar (26): muitos comentários consideram esta 
frase errônea, e possivelmente um acréscimo posterior, visto que o sumo 
sacerdote em apreço era realmente Aimeleque, pai de Abiatar (1Sm 
21.1). A evidência textual contra o nome Abiatar não é definitiva. O 
contexto da passagem no Velho Testamento sugere que Abiatar fosse um 
entre muitos que exerceram o sacerdócio em Nobe no tempo do sumo 
sacerdote Aimeleque, quase todos eles sofrendo o martírio pela ordem de 
Saul, pouco depois do incidente aludido. 
 E disse-lhes (27): o ditado de Jesus indica a conclusão do incidente 
das espigas, e Marcos o insere aqui como de aplicação geral. O sábado 
foi estabelecido para beneficiar o homem. Portanto, cabe ao Homem 
Representativo pontificar sobre seu uso. Sob Sua influência mudou-se 
para outro dia da semana e se observa entre todas as nações. A não 
observância do dia acarreta prejuízos perigosos. 
 
Marcos 3 
 O segundo incidente apresenta o lado positivo. O sábado foi 
estabelecido não apenas para repouso e passividade, mas para obras de 
amor e misericórdia (cf. Jo 5.16-17). 
 Salvar a vida ou tirá-la? (3.4): a frase leva uma dupla 
significação. Os rabinos concediam que se oferecesse socorro para quem 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 20 
estivesse em perigo, e a interpretação desta lei era liberal. Por outro lado, 
eles estavam aproveitando o sábado para urdir tramas a Jesus, tendo em 
mira seu assassínio. Surge a pergunta: o que é mais conveniente no 
sábado, a cura de Jesus ou a maquinação dos fariseus? 
 Com indignação (5): a única referência a esta emoção na vida de 
Jesus. Marcos dá relevo às emoções humanas de Cristo, o que indica o 
testemunho ocular do narrador. Jesus não se entregou ao rancor pessoal, 
mas ficou indignado e condoído com a dureza dos seus corações 
(ARA). A cura deste homem marcou o rompimento final entre Jesus e as 
autoridades eclesiásticas. Dali em diante os seus caminhos se separam. A 
hostilidade se tornou tão áspera que os fariseus, embora nacionalistas 
ardentes, estavam prestes a unir-se com os seus adversários mais 
acerbos, os entreguistas herodianos, para alcançarem seu objetivo de 
destruir Jesus (6). 
 
d) A escolha dos Doze (3.7-19) 
 Veja notas sobre Mt 10.1-4; Lc 6.13-16. Devido a um perigo 
iminente, Jesus se retirou com seus discípulos para o mar da Galiléia. Ele 
nunca se expôs desnecessariamente ao perigo, uma atitude apropriada 
tendo em vista Seu ministério. Segue-se uma descrição pitoresca e viva 
da multidão que se sentiu atraída pelas Suas curas milagrosas (7-12). 
Parece que havia duas turmas, uma da Galiléia e outra de regiões mais 
distantes. Na segunda, quase toda a Palestina foi representada, menos 
Samaria. Este fato revela quão extensas eram a fama e a influência de 
Jesus já neste tempo. E com efeito, a multidão se arrojava a Ele para O 
tocar, especialmente os que padeciam de qualquer enfermidade (gr. 
mastigas, lit. flagelos. Esta palavra se usa novamente em 5.29,34; Lc 
7.21 e Hb 11.36 e sugere doenças físicas enviadas como castigo divino). 
É salutar quando tais aflições levam as almas a buscar Cristo. 
 O uso do barquinho (9) era uma solução muito prática do 
problema em que Ele se encontrava. Nesta ocasião Ele não o usou, 
aparentemente, como púlpito. Cf. 4.1. Refere-se mais uma vez ao 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 21 
exorcismo e pela terceira vez a narrativa recorda que foi proibido aos 
demônios que reconheceram Jesus de revelar sua identidade (11-12; cf. 
1.24-25,34). Grandes acontecimentos atraem uma multidão sempre e, 
onde a necessidade humana encontra a satisfação, nunca faltam almas 
sequiosas. Jesus era sempre suficiente para as exigências cada vez mais 
insistentes do Seu ministério. 
 Deixando o mar, Jesus subiu aos outeiros circunvizinhos, onde 
segundo Lucas (6.12) Ele passou a noite inteira orando, para se preparar 
antes da tarefa portentosa de escolher os Doze. Isto foi o primeiro passo 
na organização da Igreja, e dali em diante o ensino e preparação desses 
homens se tornou assunto de capital importância para o Senhor. O termo 
«os Doze» logo se converte em título oficial, usado mesmo em casos 
quando nem todos estão presentes (1Co 15.5). 
 A escolha deles foi absolutamente soberana: Jesus chamou os que 
ele quis (13). Esta escolha dependia da Sua vontade, não da deles. Do 
seu livre arbítrio eles responderam e vieram a ele (13). 
 Vêem-se as diferentes facetas do seu novo cargo: comunhão e 
companheirismo - para que estivessem com ele; comissão - para que 
mandasse a pregar (14); autoridade delegada - para que tivessem 
poder de curar (15). Certos manuscritos importantes intercalam no 
verso 14 as palavras «os quais chamou apóstolos», um fragmento talvez 
interpolado de Lc 6.13. Veja Mt 10.2 n. 
 A lista apostólica aparece quatro vezesno Novo Testamento (cf. 
Mt 10.2-4; Lc 6.14-16; At 1.13), evidenciando-se ligeiras variações 
quanto à ordem. Três grupos se distinguem, chefiados por Pedro, Filipe e 
Tiago filho de Alfeu. Judas Iscariotes é sempre o último. Cinco dos doze 
(Pedro, André, Tiago, João e Mateus) já foram mencionados na narrativa 
(1.16,19; 2.14). 
 A origem do nome Boanerges (17) é incerta. A maioria das 
explanações procura elucidá-lo por sua relação à frase de Marcos filhos 
do trovão, um apelido muito apropriado à luz de Lc 9.54. 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 22 
 O primeiro encontro entre Filipe e Jesus é mencionado em Jo 1.43. 
«Bartolomeu» é patronímico significando filho de Talmai, nome 
encontrado em 2Sm 3.3. 
 Há uma tradição antiga que identifica Bartolomeu com Natanael 
(Jo 1.45). João nunca menciona Bartolomeu, e os sinóticos não falam de 
Natanael. Embora provável, a identificação não é certa. Tudo o que 
sabemos de Tomé deriva-se do quarto Evangelho. Tiago filho de Alfeu 
se distingue de Tiago filho de Zebedeu. Aquele pode ser o mesmo que 
Tiago o menor (15.40). Nada se sabe de Tadeu, e na lista de Lucas o 
nome Judas toma seu lugar (Lc 6.16; At 1.13). Supõe-se que seja uma e a 
mesma pessoa. Simão o cananeu (ARC). A palavra «cananeu» pode 
originar-se do hebraico qanna, zeloso, dando a tradução correta da ARA 
«o Zelote». Veja nota sobre Mt 10.4. Judas Iscariotes. O vocábulo 
Iscariotes significa homem de Keriote, um lugar não identificado ainda. 
Sua aplicação a Judas indica que ele era o único apóstolo não oriundo da 
Galiléia. São escolhidos doze homens típicos, todos diferentes, e todos 
imperfeitos. Contudo, havia lugar para cada um, com uma exceção, na 
comunhão de Cristo. 
 
e) Acusações contra Jesus (3.20-35) 
 Deixando o mar (7) e o monte (13), Jesus e Seus discípulos entram 
numa casa (20). Agora a oposição vem de dois lados bem diferentes: da 
Sua família (20-21,31-35) e dos escribas (22-30). Os vv. 22-30 
constituem um interlúdio dentro da casa, enquanto Seus parentes O 
procuram de fora. Esta é a explicação mais natural e satisfatória da 
redação do trecho pelo evangelista. A oposição da família toma a forma 
de um protesto bem intencionado mas errado. 
 Está fora de si (21): a oração não quer dizer que ele se desvairava, 
mas que Ele se entregava a uma mania religiosa, tornando-se excêntrico. 
Mais de uma vez Paulo foi suspeito semelhantemente, e o crente sincero 
se expõe a esta mesma insinuação. 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 23 
 Seus irmãos (31): a literatura sobre o assunto é extensa. Há três 
principais interpretações. Eles podem ser os Seus verdadeiros irmãos da 
parte dos dois país; ou podem ser meio-irmãos, filhos de José por uma 
primeira esposa; ou podem ser Seus primos, filhos de Maria, mulher de 
Cleopas e Irmã da Virgem Maria. A segunda e terceira hipóteses são 
apresentadas principalmente por escritores católico-romanos que querem 
defender o dogma da perpétua virgindade de Maria. Infelizmente a 
evidência disponível não é conclusiva. Entretanto, a inferência mais 
natural de outros trechos como Mt 1.25 e Lc 2.7 é que Jesus tinha 
irmãos. Do ponto de vista doutrinal, este conceito dá relevo à realidade e 
perfeição da encarnação. Veja também Lc 8.19 n. e Mt 12.46-50. Neste 
Evangelho, Maria, a mãe do nosso Senhor, aparece somente aqui; a 
ausência de referências a José sugere que já fosse morto. Quando, 
finalmente, Jesus recebeu o recado do lado de fora, Ele respondeu de 
uma maneira que não desprestigia, nem por um momento, a santidade 
das relações familiais. Ele asseverou que os laços que unem 
espiritualmente a família de Deus são mais seguros e mais preciosos, 
pois se baseiam na obediência à vontade divina. Esta verdade é o germe 
de onde nasceu a novel Igreja. 
 Era mais séria a oposição dos escribas (22) que nasceu do amargo 
ódio e inveja. Veja notas sobre Mt 12.22-37; Lc 1.14-22. Atribuíram a 
Satanás a obra do Espírito Santo. Belzebu: nome de ortografia e 
derivação incertas. Pode originar-se de Baal-zebube, Senhor das moscas 
(2Rs 1.2,16). Não podemos dizer se o nome é sinônimo de Satanás ou 
representa outra potestade inferior do mal. Parece que a acusação dos 
escribas foi feita na ausência do Mestre, pois Ele os chamou (23) para 
lhes replicar. Sua resposta patenteia o contra-senso da alegação (23-27) e 
então os adverte das tremendas conseqüências dela (28-30). O pior 
ilogismo é aquele que resulta da descrença. Há uma progressão gradativa 
nos versos 24-26: um reino, uma casa, Satanás. Quanto menor a unidade, 
tanto pior a divisão. A divisão de um indivíduo é contradição de termos. 
A declaração de Jesus sobre a blasfêmia contra o Espírito Santo é das 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 24 
mais solenes. Mal compreendida, ela pode causar incalculável angústia. 
Por outro lado, não deve ser tida em pouca conta. O pecado imperdoável 
não é um ato nem uma palavra isolada, mas a persistente atitude de 
oposição e rejeição da luz, da parte dos que amam mais as trevas do que 
a luz (Jo 3.19). Jesus não disse especificamente que os escribas já tinham 
cometido aquele pecado; porém ficavam em iminente perigo. 
 Réu de eterno juízo (ARC 29). Envolvido num (gr. enochos) 
eterno pecado. Sua atitude de deliberada incredulidade bem podia 
cristalizar-se até o ponto de impossibilitar o arrependimento, e 
conseqüentemente o perdão. 
 
“De todos os mestres de religião não há outro menos disposto do que 
Ele a limitar as possibilidades de perdão e de restauração mediante os 
tesouros inexauríveis da divina graça” (Vincent Taylor). 
 
Marcos 4 
f) Ensino por parábolas (4.1-34) 
 Veja notas sobre Mt 13.1-23; Lc 8.4-10. Este capítulo introduz um 
novo método didático no ministério de Jesus com o uso de parábolas. É 
sugestivo que a mudança de método se manifesta no momento em que 
Jesus transfere Sua atenção principal das massas para os Doze, cujo 
ensino e preparação agora O preocupam. O povo não se perde da vista, 
mas até aqui a multidão é mais atraída pelas Suas obras do que pelos 
Seus ensinos. Buscaram curas, mas ainda não responderam ao Seu 
ensino espiritual. 
 À beira-mar (1): Mais uma vez, Jesus se separa da multidão, 
entrando num barquinho, talvez o mesmo que usou em 3.9, e faz dele 
Seu púlpito, de onde prega a palavra para o povo reunido na praia. A 
palavra «parábola» contém a idéia básica de comparação, e dali da 
ilustração de verdades espirituais por meio de uma história tirada da 
experiência terrestre e natural. Porém, a parábola não é apenas uma 
ilustração edificante. 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 25 
 A exortação Ouvi (3), preservada somente em Marcos, e outras 
parecidas nos vv. 8,23-24, indicam que o propósito da parábola é 
estimular séria reflexão. A parábola cumpre o papel de arma moral que 
desperta e anima a consciência. 
 A parábola de Natã para Davi (2Sm 12.1-14) é exemplo clássico 
no Velho Testamento desta função. A parábola do semeador (3-8) 
narrado por todos os três sinóticos reflete a situação imediata em que se 
encontrava Jesus e Seu ensino. Ao mesmo tempo enuncia princípios que 
são válidos quanto à pregação da palavra em todos os tempos. 
 Pedregais (5, ARC); melhor, solo rochoso (ARA), isto é, terreno 
raso com subsolo de pedra. Verifica-se na Galiléia esta feição 
geográfica. Salienta-se na parábola a colheita abundante (8), não 
obstante os primeiros resultados desanimadores (cf. Jo 4.35; Mt 9.37). 
Dos evangelistas somente Marcos dá relevo a esta ênfase, utilizando no 
original grego o singular quando se refere aos insucessos, e o plural 
quando descreve os bons resultados: gr. ho mem (4); allo (5), allo (7); 
alla (8). A semente mais abundante foi aquela que caiu em boa terra. 
 Antes de explanar a parábola aos Doze particularmente (10), Jesus 
comenta Seu uso do ensino parabólico, para responder a uma pergunta. 
 O verso 12 sempre apresenta dificuldades para expositores. Cita-se 
aqui Is 6.9-10, que sugere um duplo propósito no método parabólico de 
ensino. Primeiro, revela-sea verdade aos discípulos, e em segundo lugar, 
se esconde dos que estão de fora (11) como juízo ou castigo por sua 
cegueira. 
 A referência ao mistério do reino do Deus (11) dá apoio a esta 
idéia, pois o uso do vocábulo «mistério» no Novo Testamento indica um 
«segredo revelado», antanho escondido, mas agora conhecido por 
revelação (cf. Ef 3.3-4; Cl 1.27). Alguns expositores acham esta 
interpretação tão inaceitável que preferem rejeitar o ditado como não 
sendo um ensino autêntico de Jesus, e consideram isto e a seguinte 
explicação nos vv. 13-20 como um acréscimo de tradição cristã 
secundária, de data posterior. Outra interpretação considera o julgamento 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 26 
contra os ouvintes insensíveis um ato de misericórdia que os poupa da 
culpa de rejeitar a simples verdade. Mais outra aponta para o estilo 
resumido de Marcos, e sugere que as palavras «para que» do verso 12 
equivalem «para que a Escritura se cumpra» (cf. Mt 13.14). 
 A premissa aceita por todos os expositores é que o propósito 
principal duma parábola consiste em facilitar e não impedir a apreensão 
da verdade. Além disto, podemos observar que a natureza intrínseca da 
revelação é tal que a capacidade de recebê-la depende em primeiro lugar 
da renúncia da vontade individual e em seguida da obediência. “Vinde e 
vede” (Jo 1.39) é sempre a seqüência na experiência cristã: a conquista 
moral há de preceder a iluminação intelectual. 
 Os discípulos já se renderam à soberania de Jesus e portanto 
podiam compreender (11), se as parábolas escondem temporariamente 
dos que estão de fora as verdades do reino no nível intelectual, é somente 
para o fim de conseguir primeiro uma convicção moral que os leva 
depois ao esclarecimento intelectual. Há muitos que no seu orgulho 
queriam inverter esta ordem inalterável (cf. Mt 11.25). A interpretação 
da parábola do semeador (13-20) serve como modelo para entender as 
outras parábolas, da mesma maneira que um professor demonstra um 
teorema no quadro-negro. 
 O reino se estenderá, semeando a palavra (14). Esta idéia é 
fundamental ao evangelismo. A tarefa do evangelista não é apenas a de 
apresentar argumentos convincentes, e de induzir outros por eloqüência 
sedutora a pensar de sua maneira, mas de semear a semente viva da 
Palavra de Deus no solo do coração humano. O germe da nova vida se 
encontra na Palavra, sem a implantação da qual ninguém jamais se torna 
cristão (1Pe 1.23). 
 As coisas que impedem a aceitação da Palavra são as seguintes: 
indiferença (15); falta de espiritualidade (16); preocupação com os 
cuidados e riquezas do mundo (18). Onde a palavra for ouvida, 
compreendida e aceita, a ceifa é certa (20). 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 27 
 Satanás (20): esta referência mostra patentemente que Jesus 
ensinava a existência de um poder pessoal do mal. De outra maneira, Ele 
bem podia ter interpretado as aves do céu (4) como tentações 
impessoais. 
 Dois grupos de ensinos (21-23 e 24-25), iniciados pela fórmula «E 
disse-lhes», dão mais pormenores quanto ao método parabólico de 
ensino, com referência especial à responsabilidade moral dos ouvintes. A 
parábola da candeia (21) confirma a observação acima (12) que a grande 
finalidade da parábola é iluminar e revelar, embora tenha o efeito 
temporário de ofuscar. Alqueire: vasilha usada para medir cereais. O 
segundo grupo (24-25) ensina a necessidade de abraçar a verdade como 
condição para receber maior revelação de verdade. Quando o indivíduo 
não aceita a verdade, diminuem-se seus poderes de percepção, que se 
atrofiam por falta de uso, exatamente como as faculdades físicas. Veja 
Lc 8.16 n. e cf. Mt 5.15; 10.26. 
 A parábola da semente que cresce misteriosamente (26-29) é a 
única que se encontra somente em Marcos. Salienta-se o fato que a 
palavra de Deus operará de si mesma no coração humano, dadas as 
condições favoráveis, justamente da mesma maneira em que a terra por 
si mesma frutifica (28; cf. Is 40.10; 1Co 3.6). De si mesma: grego - 
automate. A instrumentalidade humana se limita a duas atividades, o 
semear e o ceifar (Jo 4.35,38). O que acontece entre estas duas atividades 
depende da vitalidade da semente e da interação frutífera entre a semente 
e a terra. 
 É singular a expressão que se usa para introduzir a terceira 
parábola do reino, a do grão de mostarda: A que assemelharemos o 
reino de Deus? Ou com que parábola o representaremos? (30, ARC). 
Melhor com a ARA: Com que parábola o apresentaremos? Como se a 
parábola fosse uma espécie de embrulho contendo a verdade. Há duas 
maneiras de interpretar esta parábola. A primeira vê nela a expansão do 
reino desde um começo insignificante. A segunda, apoiada por Dr. 
Campbell Morgan, aponta para o desenvolvimento do reino até 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 28 
proporções anormais, permitindo que as aves do céu, símbolo de 
espíritos maus, se aninhassem nele. Esta segunda interpretação tem o 
mérito de conformidade quanto ao uso de símbolos, visto que as aves do 
céu representam o mal não somente aqui mas também na parábola do 
semeador. A própria história da igreja o confirma, pois ela se corrompeu 
sob o imperador Constantino que lhe deu uma posição e patronato 
imperiais que lhe eram impróprios. Veja Mt 13.32 n. Por outro lado, a 
exposição tradicional é mais natural, e combina melhor com os 
sentimentos gerais do capítulo que exalam otimismo e confiança no 
triunfo final da Palavra de Deus. 
 Uma declaração do evangelista ultima os ensinos sobre o 
propósito e os princípios parabólicos. O reino de Deus era 
completamente diferente do que muitos pensavam, e as parábolas 
serviam muito bem para desarraigar aquelas noções erradas, onde 
ensinos diretos não teriam sido aceitos. Revelou-se a natureza do reino 
ao povo mais por comparação do que por definição. Aos discípulos, 
porém, Jesus explicava em particular seus ensinos mais minuciosamente. 
 
g) Obras Poderosas (4.35-5.43) 
 À série de parábolas segue outra de milagres, assim sugerindo que 
as obras de Jesus justificam Seus ditados. Suas ações confirmam Suas 
palavras. Mateus arranja o texto de modo semelhante, narrando estes e 
mais outros milagres depois do Sermão da Montanha (Mt 8). 
 1. JESUS ACALMA UMA TEMPESTADE (4.35-41) - Veja notas 
sobre Mt 8.18-27; Lc 8.22-25. Jesus resolveu atravessar o lago da 
margem ocidental para a oriental. Talvez o Seu motivo fosse despedir a 
multidão, talvez achar um novo campo para Seu ministério. 
 Assim como estava (36): refere-se ao verso 1. Depois de ensinar o 
povo e os discípulos por algumas horas, Ele estava cansado demais para 
ajudar em despedir a multidão. O repentino temporal é característico da 
região do mar da Galiléia, onde correntes de ar turbilhonam, descendo 
violentamente da serra pelos barrancos íngremes até o mar. 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 29 
 É somente Marcos que conserva o pormenor vívido que Jesus 
estava na popa dormindo sobre o travesseiro (38). O travesseiro seria 
um assento de madeira ou de couro, usado nesta ocasião como almofada. 
Há ressentimento e censura no que disseram os discípulos: Mestre, não 
te importa que pereçamos! (38). Jesus, despertando, disse ao mar, 
Acalma-te, emudece! O gr. pephimoso é forte: cala-te; literalmente, 
ponha mordaça. Usa-se também em 1.25. Este incidente ilustra a 
autoridade divina de Jesus sobre as forças da natureza. Ele é superior em 
poder ao temporal que cria medo nos pescadores experimentados. Revela 
também a realidade da Sua natureza humana, pois Ele labutou 
evidentemente até os limites da Sua força. Em nenhuma outra ocasião se 
encontra dormindo. Como homem, Ele precisava de repouso e de 
alimentação. Outros comentadores vêem no incidente uma mensagem 
consoladora para a Igreja atribulada por perseguições. Os discípulos 
estavam seguindo no caminho da obediência, mas nem por isto eram 
livres de dificuldades. Perigos ameaçam a igreja, mesmo quando ela está 
praticando os ensinos do Mestre. No barquinho, não houve realmente 
justificaçãopara covardia nem atitudes pusilânimes. Eles já sabiam o 
suficiente para crer na impossibilidade do Messias perecer num 
temporal, e da inverossimilhança de Ele deixá-los falecer nas águas por 
causa da sua obediência. «Como é que não tendes fé?» (40). 
 
Marcos 5 
 2. O ENDEMONINHADO GERASENO (5.1-20) - Veja notas 
sobre Mt 8.28-34; Lc 8.26-39. Não é certo o lugar da outra margem do 
mar onde Jesus desembarcou. 
 A terra dos gerasenos (1): a maioria dos manuscritos conserva 
este nome, embora Mateus se refira à terra dos gadarenos. Há somente 
um lugar na margem oriental do mar que se distinga por um 
despenhadeiro (13), e nas cercanias não existem túmulos abertos em 
rochas. Talvez os sepulcros fossem erguidos em cima do chão (cf. Lc 
11.44). 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 30 
 Os amplos detalhes do incidente fornecidos por Marcos, 
evidenciam seu interesse particular neste jaez do exorcismo milagroso, 
que enaltece a autoridade poderosíssima do Senhor Jesus Cristo, mesmo 
no domínio dos espíritos. Nota-se como a narrativa se apresenta como 
drama em quatro atos com cenas variadas, em que o centro de interesse 
se muda do homem (1-10) para a manada de porcos (11-13), depois para 
o povo (14-17), e finalmente para o homem de novo (18-20). Marcos 
descreve primeiro a força física do endemoninhado (4). Os homens 
tentaram domá-lo como se fosse uma fera, mas o expediente externo de 
restrições coercivas falhou. Para ele, a vida se tornara deplorável, sem 
repouso, sem sono, desbaratada com gritos incessantes e dilacerações 
corporais aplicadas pelas suas próprias mãos (5). Seu reconhecimento de 
Jesus e da Sua autoridade é característica da maioria de tais casos (cf. 
1.24; 3.11). São inadequadas as explicações psicológicas destas 
experiências. O homem precisava de algo mais que os serviços de um 
psiquiatra. 
 Deus altíssimo (7): título usado geralmente pelos gentios falando 
em Deus. Por esta razão, é possível que o homem possesso não fosse 
judeu. (Gn 14.18; Is 14.14; Dn 3.26; At 16.17). O fato que os habitantes 
possuíam porcos, animais vedados aos judeus, sugere que uma 
população mista morasse naquela plaga. É notável que os espíritos 
imundos, quando dirigiram sua súplica frenética a Jesus para que não os 
atormentasse, usaram uma fórmula empregada para exorcismar: 
conjuro-te por Deus (7). 
 Qual é o teu nome? (9). Há duas explicações da pergunta. 
Primeiro, existia uma crença muito antiga que o conhecimento do nome 
dum inimigo dava certa vantagem sobre ele. Em segundo lugar, o motivo 
mais provável da pergunta é que chama o homem à realização da sua 
personalidade, independente do demônio. Legião (9): palavra latina que 
sugere a um povo sob o domínio romano o conceito de superioridade 
numérica e de opressão física. O homem se sentiu uma conglomeração 
de forças diabólicas sem coesão moral, e o seu estado esquizofrênico se 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 31 
reflete na maneira em que ele alterna do singular para o plural quando 
fala (9). 
 Fora do país (10): Lc 8.31 diz: «para o abismo». Parece que os 
espíritos temiam, principalmente, que fossem completamente 
desencarnados. 
 Têm sido muito debatidas as implicações éticas da atuação de 
Jesus contra os porcos (11-13). Parece ser caso de destruição impensada 
de propriedade particular, causando prejuízos graves aos donos. Outros 
duvidam que Jesus antecipasse as conseqüências. Os que preferem uma 
explanação psicológica do estado endemoninhado são obrigados a 
explicar o pânico dos porcos da maneira seguinte: que o homem, no 
paroxismo da sua emancipação, aterrorizou-os, enxotando a manada toda 
para o despenhadeiro. A explicação mais satisfatória do trecho considera 
que a destruição dos porcos fosse permitida pelo Senhor como 
demonstração ocular, para o homem saber que os demônios tinham saído 
dele deveras. Desta maneira sua fé seria robustecida. O sacrifício de 
animais e propriedades se justifica quando estão em jogo a sanidade 
mental, e a própria vida, de seres humanos. 
 Podemos reconhecer três fases na completa transformação do 
homem pela graça e o poder de Deus: estava sentado, e não mais 
irrequieto; estava vestido, em vez de andar nu; estava em perfeito juízo, 
e não mais alienado. Destarte, Jesus manda todos os espíritos de raiva, 
orgulho, egoísmo, impureza e outros tantos fora do homem, restaurando-
o à perfeita saúde espiritual, e vestindo-o das vestiduras brancas da 
salvação. Os habitantes do lugar ficaram alarmados pela manifestação 
sobrenatural, temendo que, se Jesus ficasse, mais outros sacrifícios 
seriam necessários. Este temor se revela em todos os séculos! 
 Portanto, entraram a rogar-lhe que se retirasse da terra deles 
(17). Jesus nunca se impõe. 
 Quão diferente foi a súplica do homem! (18) Em contraste com Seu 
costume geral, Jesus não insistiu que o homem se calasse (cf. 3.12). Este 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 32 
fato se explica provavelmente em não haver tanto perigo, na região do 
Jordão, de o milagre ser explorado para fins políticos. 
 Decápolis (20): o nome significa dez cidades. Estas cidades gregas 
se encontravam, com uma exceção, a leste do mar. 
 3. A RESSURREIÇÃO DA FILHA DE JAIRO, E A CURA DA 
MULHER ENFERMA (5.21-43) - Estes dois milagres complementares 
ilustram a autoridade do Senhor sobre a enfermidade e a morte. Veja-se 
nota sobre Mt 9.18-26; Lc 8.41-56. Convém-nos considerar primeiro a 
história da mulher enferma (25-34). Sua condição a tornou 
cerimonialmente imunda, e todos quantos a tocassem tornar-se-iam 
imundos também (Lv 25.25). Esta é a provável razão porque ela se 
aproximou de Jesus por trás, para não ser vista. O mundo antigo cria que 
um lenço, avental, ou até a sombra de um curandeiro comunicassem 
saúde (cf. At 19.12-5.15). No instante em que a mulher tocou a orla do 
vestido de Cristo, ela foi curada, mas Ele não permitiu que fugisse sem 
dar maior esclarecimento do incidente. 
 Quem me tocou? (30). Há duas razões para tal pergunta. Primeiro, 
Ele desejava informar-se. Embora Jesus fosse cônscio do fato que o 
poder saíra de si, não é mister insistir que exibisse conhecimento 
sobrenatural, quando as informações lhe eram acessíveis por vias 
normais. Em segundo lugar, Ele queria animá-la a dar uma franca 
confissão (cf. Rm 10.9-10). O resto do incidente é luminoso quanto à 
natureza da genuína fé. A reação impaciente dos discípulos serviu para 
revelar que há um mundo de diferença entre o contato geral com Jesus, e 
o do indivíduo obtido pela fé, que resulta da profunda convicção de 
necessidade pessoal do Seu poder salvador. 
 Calvino, baseando-se no verso 34, salienta o fato que a crença na 
eficácia das relíquias é contrária ao ensino bíblico. Mais ainda, podemos 
afirmar que nenhuma ordenança é efetiva sem fé no Cristo vivo. O 
manto inconsútil não possuía propriedades mágicas. Além disto, embora 
Jesus atribua a cura da mulher à sua fé, o Novo Testamento não nos 
apresenta a fé apenas como uma experiência subjetiva, mas como aquilo 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 33 
que deriva sua força do objeto de que depende. Segundo Vincent Taylor, 
«a fé é uma experiência espiritual que começa como proeza do espírito, 
cuja realidade é concretizada por Deus mesmo». 
 A demora ocasionada pela intromissão do caso da mulher era sem 
dúvida uma prova penosa para o príncipe da sinagoga, que procurara 
Jesus à beira-mar, e deixando de um lado sua dignidade, se lançara aos 
pés do Mestre, num gesto de agonia e de desespero. Intensificou-se sua 
aflição quando um recado chegou de casa sugerindo que fosse tarde 
demais. 
 Tua filha já morreu (35). Jesus ouviu o recado e resolutamente o 
recusou, dando logo em seguida uma palavra de esperança a Jairo. 
 Pela primeira vez, Jesus toma consigo Pedro, Tiago e João (37), 
que também presenciaram a transfiguração (9.2) e Getsêmani (14.33). A 
escolha deles não indica favoritismo: Ele os escolheu para um serviço 
especial, segundo Sua soberania. Além disto, eles se tornaram mais tardeo núcleo do colégio apostólico que assumiu as maiores 
responsabilidades. 
 A pergunta chave da história é qual a significação das palavras: A 
criança não está morta, mas dorme (39). Alguns expositores 
consideram que Mateus (Mt 9.18) e Lucas (Lc 8.53-55) implicam que ela 
fosse realmente morta, enquanto Marcos, cujo texto é o mais antigo, é 
ambíguo e permite que alguns julguem que ela estivesse em coma ou 
num estado cataléptico. Por outro lado, o escárnio dos pranteadores 
indica o contrário. Note também a instrução de guardar o silêncio (43), 
que talvez antecipe que alguns dissessem mais tarde que Jesus tinha 
razão quando Ele disse: «ela dorme». A melhor interpretação do 
incidente é que representa a verdade germinal da doutrina cristã sobre a 
morte, que seria desenvolvida mais tarde. Deus vê a morte como sono 
que espera o despertamento de 1Ts 4.13-14. Nosso conhecimento da 
vida além-túmulo é limitado, mas naquela esfera se ouve a voz do 
Salvador, o custódio que segura as almas que já passaram aquele limiar. 
A autoridade de Cristo se aplica além do túmulo, uma verdade que tem 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 34 
referência especial às criancinhas. É patente que o apóstolo Pedro 
averiguou o método do Mestre nesta ocasião minuciosamente, e a 
história de Dorcas em At 11.36-43 oferece comparações notáveis e, ao 
mesmo tempo, ilustra bem a grande verdade contida em Jo 14.12. 
 
Marcos 6 
h) Rejeição em Nazaré é a missão dos doze (6.1-13) 
 Para os vv. 1-6, veja Mt 13.53-58. 
 Sua terra (1): isto é, Nazaré, como o texto indica. Esta visita é 
diferente daquela descrita em Lc 4.16-30 que ocorreu um ano antes. 
Jesus deixara Nazaré como pessoa particular. Depois voltou como 
rabino, rodeado dos seus discípulos, com o suposto motivo de dar aos 
Seus concidadãos outro ensejo de recebê-lO. O resultado era o mesmo: a 
inveja os corroeu. Era-lhes incrível que um dos seus patrícios recebesse 
uma missão dos céus. 
 Da família mencionada no verso 3, Tiago se torna mais tarde 
presidente da igreja em Jerusalém (At 15.13; Gl 2.9-12), e autor da 
epístola geral; Judas é o mesmo que escreveu a epístola geral. Pouco se 
sabe dos demais irmãos ou das irmãs. 
 Não pôde fazer ali nenhum milagre (5). Uma das declarações 
mais ousadas do evangelho, mostrando que os milagres do Nosso Senhor 
não eram magia. São relacionados positivamente à condição moral e à fé 
do povo. Embora onipotente, Deus na Sua soberania não agirá em prol 
de bênção, em face de rebeldia humana. 
 Sua atitude se explica pela incredulidade (6). Embora inegáveis 
Seu poder e sabedoria, eles duvidaram quanto à origem divina destas 
coisas. Logo surge a implicação que as coisas provadamente 
sobrenaturais que não vierem de Deus hão de emanar do diabo. A 
essência da incredulidade é esta: recusar persistentemente as evidências 
da presença e do poder de Deus. Não há nada que iniba tanto a operação 
divina. 
 Para os vv. 7-13. veja notas sobre Mt 10.5-40; Lc 9.1-16. 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 35 
 Segundo Mateus (9.35-38), a missão dos Doze teve sua origem na 
compaixão do Mestre para o povo, que O levou nesse tempo de 
introduzir colaboradores escolhidos por Ele, que recebiam Sua instrução 
para aquele fim. Ao mesmo tempo, é provável que esta primeira viagem 
ministerial fosse de natureza experimental como parte do seu preparo. 
Daquela experiência eles aprenderiam muito, inclusive o fato que a 
autoridade de Cristo se aplicava além da Sua presença física, e mais 
ainda, que aquela autoridade lhes era outorgada. Aprenderiam que Deus 
podia suprir todas as suas necessidades; que sua comissão integrava 
dignidade moral e autoridade. Eles iam dois a dois, para os fins de 
testemunho e de comunhão (Dt 19.15; 2Co 13.1). Seu equipamento era 
simples e prático, evitando os dois extremos de farrapada e de ostentação 
luxuosa. Apenas um bordão: detalhe peculiar de Marcos. Usava-se o 
alforje para levar provisões. Eles haviam de aceitar a hospitalidade 
oferecida; onde for negada, eles haviam de sacudir o pó dos pés em 
testemunho contra o lugar (11). Tal ação não expressava ressentimento 
pessoal; indicava que o lugar era julgado pagão e o ato devia levar os 
habitantes à reflexão e ao arrependimento. A segunda frase do verso 11 
na ARC que começa «Em verdade vos digo», e que não se encontra na 
ARA, é omitida nos principais manuscritos antigos. Foi incluída por 
assimilação a Mt 10.15. Os vv. 12 e 13 resumem o tríplice ministério dos 
Doze como pregação de arrependimento, exorcismo, e a cura dos 
enfermos. O Novo Testamento se refere à unção com óleo somente aqui 
e em Lc 10.34 (onde seu uso é mais medicinal) e em Tg 5.14. O uso de 
óleo aqui seria como acessório à cura milagrosa, e como estimulo à fé. 
 
i) Herodes e João Batista (6.14-29) 
 Veja notas sobre Mt 14.1-12; Lc 9.7-9. Herodes Antipas era filho 
de Herodes o Grande (Mt 2.1) e de Maltace. O título de rei que se lhe 
aplicava era apenas de cortesia, e um costume local. Ele era realmente 
«tetrarca», ou soberano de uma quarta parte, na Galiléia e na Peréia, sob 
a tutela de Roma. Sem exceção, Lucas usa sempre esse título «tetrarca». 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 36 
 O rei Herodes... disse (14) (ARC). Melhor, com a ARA: «Alguns 
diziam». De todas as notícias a respeito de Jesus que chegaram aos 
ouvidos de Herodes, sua consciência roedora o levaria a focalizar esta: 
João o Batista ressuscitou. Isto explicaria a demonstração de poderes 
sobrenaturais nEle. Marcos agora narra em retrospecto os pormenores 
das circunstâncias relativas à morte de João Batista. Os detalhes 
esclarecem o caráter de Herodes, e ao mesmo tempo tecem loas ao 
ministério de Jesus na Galiléia dentro da jurisdição de Herodes, e além, 
dentro de território gentílico. Segundo Josefo, João foi encarcerado em 
Macaero, um complexo de construções reunindo uma fortaleza, um 
palácio e um cárcere, situado ao nordeste do Mar Morto. Em verdade, 
Herodias era sobrinha de Antipas, sendo filha de Aristóbulo seu meio-
irmão; ela casara-se com outro meio-irmão chamado Herodes por Josefo, 
mas que possivelmente tinha o nome Filipos (17). Repetidamente João 
admoestava Antipas por causa desta união proibida pelos termos de Lv 
18.16; 20.21, e por conseguinte Herodias nutria ódios contra o profeta 
que somente Herodes, cuja consciência não estava ainda completamente 
abafada, podia refrear. Herodes apresenta o quadro de um ser 
moralmente vacilante, dividido entre seu respeito para João e sua paixão 
por Herodias. 
A filha de Herodias (22): Salomé. Existem uns poucos manuscritos 
importantes que dizem: a filha de Herodes. Isto é inaceitável, pois uma 
filha da união entre Antipas e Herodias não teria muito mais que dois 
anos de idade. Além disto, é difícil acreditar que Herodes sentisse prazer 
numa dança sensual que só podia degradar sua própria filha. A história 
pinta as maneiras de uma corte oriental. Cf. Et 5.2. Há razão para crer 
que Herodes Antipas nos oferece um exemplo de alguém que cometeu o 
pecado imperdoável (3.29). Ele brincava persistente e deliberadamente 
com a verdade que João lhe apresentava, e quando mais tarde Jesus 
comparece diante dele uma só vez, o Salvador não lhe diz coisa alguma 
(Lc 23.7-11). O silêncio de Cristo é muito sugestivo, pois se Herodes 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 37 
pudesse responder a uma exortação, é certo que O Senhor lhe teria 
falado. 
 
j) Milagres e ensinos na Galiléia e Além (6.30-8.26) 
 1. A VOLTA DOS DISCÍPULOS (6.30-34) - Esta é a única 
ocasião neste Evangelho em que os discípulos se chamam apóstolos. 
Cumprida sua missão, eles voltam ao discipulado, tendo muito ainda 
para aprender. Eles relataram tudo ao Mestre, que os chama para 
repousar. Cf. Lc 9.10. 
 Lugar deserto (31); geralmente identificado com o nordeste do 
mar. O servo de Cristo precisa de tempo para repouso como para o 
trabalho. Como acontece muitas vezes, o repouso do Mestre e Seus 
discípulos foi interrompido pelas reivindicações das necessidades 
humanas,e mais umas vez é Sua íntima compaixão que inspira os 
incidentes seguintes (34). A compaixão de Cristo revela o próprio 
coração de Jeová num quadro de transcendente ternura. Cf. Jr 23.14; Ez 
34. 
 2. A PRIMEIRA MULTIPLICAÇÃO DOS PÃES (6.34-44) - Este 
milagre é o único comum a todos os quatro evangelhos. Veja Mt 14.13-
21; Lc 9.10-17; Jo 6.1-15. 
 É provável que a sugestão dos discípulos visasse interesses outros 
que os do povo. Eles foram desapontados quanto ao retiro a sós com 
Jesus, e possivelmente tinham fome também (cf. 31). 
 A resposta de Jesus veio como repto para agirem, aparentemente 
além das suas possibilidades: “Dai-lhes vós” (37): note a ênfase dada 
pela ARA - “vós mesmos”. Tais palavras servem como repreensão 
contínua à igreja na sua incapacidade diante de um mundo faminto. A 
igreja contempla seus recursos insignificantes com desânimo. Torna-se 
patente que toda necessidade pode ser satisfeita uma vez que O Senhor 
tenha o uso daqueles recursos. O denário varia, no seu valor moderno, 
conforme o câmbio. Por esta razão é melhor computar o valor como 
salário de um dia para o operário. A quantia mencionada pelos discípulos 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 38 
era além das suas possibilidades, e aquém do mínimo preciso. Marcos 
descreve o incidente de uma maneira excepcionalmente vívida. A 
multidão foi organizada em grupos (gr. symposia symposia, lit. «em 
grupinhos festivos»); sobre a relva verde... em grupos (gr. prasiai 
prasiai, lit. «como canteiros»). As vivas cores das roupas contra o fundo 
verde da erva produziram o efeito de um jardim, com flores. O propósito 
deste agrupamento foi evitar confusão e servir a todos «com decência e 
ordem» (1Co 14.40). 
Há certa semelhança entre o verso 41 e 14.22, que talvez sugira 
nesta refeição no deserto uma antecipação da Ceia do Senhor. Porém a 
interpretação mais segura é que era costume naquela época o hóspede 
proceder desta maneira, e estas simples ações do Senhor se revestiram 
mais tarde de uma significação mais profunda dentro da comunhão 
apostólica. Fica oculta a maneira em que o milagre foi efetuado, se nas 
mãos do Senhor mesmo, ou nas dos Seus discípulos. Os racionalistas já 
tentaram muitas vezes desfazer o elemento milagroso da história, 
alegando que o número de pessoas fosse exagerado; outrossim, que se 
persuadiu o povo de partilhar sua merenda. Se fosse assim, é curioso que 
um acontecimento tão vulgar tenha sido conservado nos quatro 
Evangelhos. Tudo depende da maneira em que se interpreta a pessoa de 
Jesus Cristo. Se é realmente Deus manifestado na carne, não há nenhuma 
dificuldade real em crer que Ele operou nesta ocasião um prodígio de 
criação, como os evangelistas tão claramente o apresentam. 
 Cestos (43): gr. kophinoi. Levados pelos judeus em viagem, para 
não comer alimentação dos gentios, cf. 8.8,19-20. Pedaços de pão: não 
migalhas, mas os pedaços que sobrarem depois de divididos os pães. À 
luz da versão joanina do incidente, que continua com o famoso discurso 
sobre o pão da vida, não há dúvida acerca da significação da história. 
Jesus não é apenas o Autor da vida; Ele é também a Força e Sustentador 
da vida, tão indispensável para a vida do cristão como é o pão cotidiano 
para o corpo. Jesus oferece perfeita satisfação na vida íntima do crente 
que pode, cada dia e cada hora, se alimentar com Ele, pela fé. 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 39 
 3. JESUS ANDA POR SOBRE O MAR (6.45-52) - Veja notas 
sobre Mt 14.22-33; Jo 6.16-21. Em comparação com a história em que 
Jesus acalma a tempestade (4.35-41), esta salienta o fato principal de 
Jesus andar por sobre o mar. Naquele incidente, Ele acompanhou os 
discípulos dentro do barco; neste, eles estavam sós, Ele mesmo os tendo 
compelido a embarcarem, enquanto despedia a multidão (45), João 
explica Sua insistência, pelo fato que o povo queria arrebatá-lo para o 
fazer rei (Jo 6.15). Os discípulos teriam sido encantados com o plano, 
pois expressava perfeitamente suas aspirações, Jesus, porém, reconheceu 
o imenso perigo da situação, que precisava da retirada imediata dos 
discípulos e Seu afastamento à solidão para orar (46). Repetiu-se a 
tentação de Lc 4.5-8. 
 Betsaida (45): é difícil estabelecer a identidade geográfica deste 
lugar (cf. 53, e Jo 6.17). Alguns peritos conjeturam a existência de um 
bairro de pescadores em Cafarnaum que se distingue da Betsaida Julias 
ao nordeste. Uma solução mais simples do problema é que os discípulos 
tentaram atravessar a baía, foram levados pelo vento ao largo, e 
finalmente seguiram rumo a Genesaré na banda ocidental. É notável que 
Jesus não se intrometeu logo na situação. 
 Os discípulos labutaram por muitas horas até a quarta vigília da 
noite (48), isto é, até às três horas da madrugada, segundo o horário 
romano que Marcos usa. Mesmo naquela hora, ele queria tomar-lhes a 
dianteira (48). Esta atitude harmoniza com Sua conduta em outras 
ocasiões (cf. Lc 24.28; Jo 11.6), e podemos inferir que Seu motivo foi a 
prova da fé deles. 
 Marcos comenta que todos o viam (50). Portanto, não é caso de 
uma decepção subjetiva, ou de alucinação, mas do aparecimento objetivo 
de uma pessoa à vista de todos. Não obstante, o coração dos discípulos 
estava tão endurecido ainda, que nem o milagre da multiplicação dos 
pães lhes abriu o entendimento (52; cf. Rm 11.25; Ef 4.18). É quase 
incrível que o coração humano seja tão obtuso às verdades espirituais. 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 40 
 Mais uma vez encontramos objeções racionalistas contra o 
elemento milagroso. Primeiro, a intervenção de Jesus não seria 
absolutamente necessária, os discípulos não estando em perigo mortal; 
em segundo lugar, uma crítica mais séria da narrativa sugere que esta 
apóia o conceito docético da pessoa de Cristo, como tendo um corpo 
celestial que não fosse realmente humano. Se, como alguns alegam, 
Jesus estava apenas andando na rebentação das ondas na praia, não 
haveria motivo para medo, nem para Ele conversar com eles, nem 
tampouco haveria explicação das palavras bem claras no meio do mar 
(47). Além disto é absurdo dogmatizar sobre o que seria possível ou 
impossível à Sua única Personalidade. 
 A omissão na história do detalhe sobre Pedro descendo do barco 
(Mt 14.28-31) aponta para a influência do apóstolo mesmo na narrativa 
de Marcos. Como já foi mencionado na Introdução, Pedro toma cuidado 
em não relatar incidentes que possam exaltar a si mesmo. Muitos dos 
cristãos em Roma e outros lugares sem dúvida sentiram que eles também 
estavam fazendo pouco progresso contra os ventos de perseguição, e por 
este motivo a narração do incidente serviria para consolá-los 
nimiamente, garantindo-lhes a presença poderosa do Senhor no 
temporal. 
 4. MINISTÉRIO EM GENESARÉ (6.53-56) - Veja também Mt 
14.34-36. Genesaré era uma planície fértil e populosa ao sul de 
Cafarnaum. Esta descrição gráfica do ministério na Galiléia marca o seu 
apogeu. Enquanto Jesus palmilhava toda a região, o povo O seguia 
trazendo em leitos os enfermos. Às vezes chegaram atrasados depois da 
Sua saída, e naquele caso, eles levaram os doentes de um lugar para 
outro até que O alcançassem. Aparentemente, o povo procurava somente 
a cura física. Não há nenhuma referência aqui ao ensino, e parece que 
Jesus se dedicou irrestritamente ao povo naquele setor da sua 
receptibilidade. 
 
 
Marcos (Novo Comentário da Bíblia) 41 
Marcos 7 
 5. ENSINO SOBRE A PURIFICAÇÃO (7.1-23) - Veja também 
Mt 15.1-20. Os quatro primeiros versículos fornecem mais evidência de 
que este Evangelho foi escrito para leitores gentios, pois os costumes dos 
judeus acerca de purificação cerimonial são cuidadosamente explicados. 
As lavagens não se praticavam simplesmente para fins de higiene, mas 
para remover a imundície cerimonial. 
 Impuras (2). Gr. koinais. A mesma palavra se traduz “comum” 
em At 10.14-28 e «impura» em Rm 14.14. Usava-se o vocábulo para 
descrever a condição daquilo que era cerimonialmente inaceitável aos 
judeus, devido à associação

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