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ROMANOS VOLTAR Introdução Plano do livro Capítulo 1 Capítulo 5 Capítulo 9 Capítulo 13 Capítulo 2 Capítulo 6 Capítulo 10 Capítulo 14 Capítulo 3 Capítulo 7 Capítulo 11 Capítulo 15 Capítulo 4 Capítulo 8 Capítulo 12 Capítulo 16 INTRODUÇÃO I. A IGREJA CRISTÃ EM ROMA a) Sua origem Paulo declara expressamente que não foi o fundador da comunidade de santos da cidade de Roma (1.10-15; 15.20-22). Temos aí uma exceção à sua regra de não edificar sobre fundamento alheio (2Co 10.16). Reconhece como suas as Igrejas estabelecidas por seus cooperadores. Por quem, como e quando a Igreja de Roma veio a existir é um dos problemas da história da Igreja primitiva. Não é aceitável a tradição de ter sido Pedro o seu fundador, contudo isso não exclui o fato de ter estado esse eminente apóstolo, por certo, uma ou outra vez em Roma, e ter aí sofrido o martírio. Todavia, quando Paulo escreveu esta carta, é evidente que Pedro lá não se achava. Estivesse em Roma esse suposto chefe da Igreja, e certamente Paulo teria mencionado o fato, ou, com efeito, jamais teria endereçado uma epístola àquela comunidade. Crê-se que a igreja de Roma se originou do testemunho e dos trabalhos dos cristãos cidadãos do Império, que viajavam constantemente para a metrópole, e dali para outras partes. Não é improvável que a obra de evangelização tivesse sido começada pelos “forasteiros romanos, tanto judeus como prosélitos” (At 2.10). Essas testemunhas do Pentecostes teriam sido ajudadas posteriormente por cristãos de Antioquia da Síria, Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 2 Éfeso e Corinto, e assim teve incremento a comunidade. Ao tempo em que Paulo escreveu esta carta, a igreja cristã ali já devia ser razoavelmente grande. b) Suas características A igreja de Roma evidentemente compunha-se tanto de judeus, como de gentios. Paulo não se dirige a nenhum dignitário eclesiástico, distinto dos outros, ou a quaisquer pessoas de reconhecida autoridade, donde se conclui que ali não havia uma organização central. Crê-se que a igreja se compunha de, pelo menos, quatro diferentes congregações, a saber, a da casa de Áqüila e Priscila, no Aventino; a do Palácio Imperial; a da casa de Hermes; e a da casa de Filólogo (ver 16.3-15). Se os judeus cristãos palestinenses fundaram aquela comunidade, devem ter evangelizado primeiro seus patrícios, dos quais havia uma colônia em Roma, com muitas sinagogas. O apóstolo, através de toda esta epístola, dá a entender que judeus iriam lê-la, dirigindo-se-lhes em particular e fazendo muitas alusões ao Velho Testamento (há cerca de sessenta citações diretas) e à história dos filhos de Israel. Por outro lado, Paulo, por certo, tinha em mente que gentios iriam também ler sua epístola, os quais constituíam a maior parte daquela comunidade cristã. É a eles que se dirige no começo da carta (1.1-15). Cf. também 15.14-16 e 11.13, onde encontramos a declaração inequívoca – “Dirijo-me a vós outros, que sois gentios! Visto, pois, que eu sou apóstolo dos gentios...”. Também não deixa de ser significativo que a maior parte dos nomes citados no cap. 16 é de origem grega ou romana. Vê-se, pois, que a igreja cristã de Roma compunha-se de judeus e gentios, sendo estes mais numerosos, e, possivelmente, em grande parte, aceitaram o Cristianismo por via de uma prévia conversão ao Judaísmo. Isso justifica as citações que o apóstolo faz do Velho Testamento e a referência ao problema da raça judaica. Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 3 II. LOCAL E DATA DA EPÍSTOLA Não há dúvida quanto à origem geográfica desta epístola. Paulo, em sua terceira viagem missionária, esperou em Corinto os delegados das igrejas gentílicas, os quais levavam as ofertas que haviam sido coletadas para os judeus cristãos pobres de Jerusalém (ver At 20.2-3). Sobre essa coleta, lemos em 1Co 16.1-4 e 2Co 8, e, em At 24.17, sobre a última visita do apóstolo a Jerusalém, depois que todos os delegados chegaram a Corinto. Alguns dos nomes citados no último capítulo desta epístola, tais como Febe, a diaconisa de Cencréia, porto de Corinto, “Gaio, meu hospedeiro” (cf. 1Co 1.14); «Timóteo, meu cooperador» (cf. 2Co 1.1), “Erasto, tesoureiro da cidade” (cf.: 2Tm 4.20), estão associados muito claramente a Corinto. Uma epístola como esta aos Romanos, escrita cuidadosa e ponderadamente, só podia ser redigida com calma, quando Paulo pôde fixar residência, durante algum tempo, num lugar. Ele demorou três meses em Corinto, segundo informa o historiador Lucas (At 20.3), tempo este suficiente para a redação da epístola. Temos uma indicação da época em que foi escrita no cap. 15, onde o apóstolo revela que está prestes a viajar à Palestina, levando “a coleta para os pobres”, quando então espera estar desimpedido para visitar Roma e, depois, a Espanha. Isto se refere ao fim da terceira viagem missionária e à última visita a Jerusalém. Foi às vésperas de sua partida para esta última cidade que ele terminou esta carta e a endereçou a Roma. Relativamente à cronologia exata da vida e obra de Paulo, nenhuma autoridade no assunto pode ser dogmática, mas o tempo da última visita a Jerusalém é colocado entre os anos 56 e 59 A. D., não sendo possíveis outras datas. III. A OCASIÃO DA EPÍSTOLA Por que Paulo teria escrito à igreja de Roma, visto como nem ele nem qualquer dos seus companheiros de trabalho a havia fundado, nem ele a visitara antes? A resposta a esta pergunta envolve a questão da Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 4 forma da epístola. É ela um tratado teológico, ou simplesmente uma carta ocasionada por circunstâncias da carreira de Paulo? Pode ser, de algum modo, uma e outra coisa, mas o ponto é se o apóstolo quis, por iniciativa própria, expor o evangelho que pregava, ou se tomou da pena para escrever uma carta ditada por problemas iminentes. Há quem pense que Paulo sentia estarem contados seus dias, pelo que desejava deixar à posteridade uma declaração definitiva daquilo que pregava. Admite-se que a doutrina do apóstolo, em seus dias, foi mal compreendida, sendo atacada, nunca deixando de ter críticos (especialmente nas fileiras do Judaísmo), não havendo sido jamais apresentada de uma maneira sistemática. Sugere-se, portanto, que Romanos é o documento do testamento final do grande apóstolo dos gentios. Além disso, argumenta-se que a Igreja de Roma era a depositária que convinha deste documento oficial, autorizado. A forma lógica e teológica da epístola, que é a mais sistemática, mais raciocinada e mais doutrinária de quantas cartas Paulo escreveu, não oferece base para a teoria formal. Mas que Romanos é um tratado de teologia, é dizer mais do que os fatos demandam. Notem-se os seguintes argumentos contrários a esta hipótese de ser um elaborado manifesto de teologia paulina. Há várias indicações na epístola de que Paulo se dirige a uma comunidade cristã de então, levado por circunstâncias que deram realidade a esta carta. Não se justifica mesmo a idéia de que o apóstolo sentia “escaparem-se as areias do tempo” e estar sua carreira prestes a terminar, de modo que fosse necessário deixar seu sistema de teologia à posteridade. Pelo contrário, quando ele escreveu, seus olhos fitavam o futuro de novo ensaio missionário. Será que, em qualquer caso, Romanos apresenta o ensino completo do apóstolo? Não há, nas outras epístolas que escreveu, mais de sua teologia, a que não dera ocasião imediata aquilo que deu lugar a Romanos? Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 5 O propósito que Paulo teve em escrever está claramente expresso na carta, e ele não teve razão de ocultar quaisquer veleidades teológicas. Escreveu para dar a entender sua real intenção de visitar os cristãos de Roma (ver 1.10-13),de modo que repartisse com eles, como apóstolo de Jesus Cristo, “algum dom espiritual” (cf. 15.29). Como o cap. 16 revela, aproveita-se o mais possível de suas relações de amizade. Declara-lhes também que sua ida a Roma faz parte de um plano mais vasto (ver 15.15-24). Tanto quanto lhe foi possível, completou a evangelização dos gentios na direção de leste; agora quer empreender nova aventura missionária no oeste. Escreve-lhes para conseguir a cooperação deles nesse plano, uma vez que Roma é um verdadeiro centro estratégico e sua comunidade cristã é um grupo influente naquele sentido. Toda a parte doutrinária da epístola foi escrita com este mesmo propósito, a fim de que a Igreja ali pudesse alcançar a grandeza da graça divina e a amplitude da misericórdia de Deus, tão admirável e tão envolvente, que a evangelização, pela parte que lhe tocava (e a eles também), era absolutamente imperiosa. IV. O PROBLEMA TEXTUAL A questão agora é se esta epístola é um todo completo, composta em sua inteireza e num mesmo tempo pelo apóstolo, ou se outro autor colaborou com alguma parte, em data anterior ou posterior. O problema surge de quatro lados: Uma forma abreviada de Romanos esteve em circulação durante o segundo e o terceiro séculos. Existe evidência textual de que há manuscritos que terminam no cap. 14. A epístola, como a possuímos hoje, termina em vários lugares: «E o Deus de paz seja com todos vós. Amém» (15.33). “A graça de nosso Senhor Jesus Cristo seja com todos vós. Amém” (16.24). “Ao Deus único e sábio seja dada glória, por meio, de Jesus Cristo, pelos séculos dos séculos. Amém” (16.27). Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 6 No texto breve, revisto, a doxologia que nas versões portuguesas aparece em 16.25-27 vem no final do cap. 14. Alguns manuscritos o inserem tanto no fim do cap. 14 como no final do 16. Intrinsecamente também sua genuinidade tem sido posta em dúvida por alguns, como não sendo do estilo costumeiro de Paulo. As saudações pessoais do cap. 16, segundo se alega, não se apropriam às circunstâncias, visto como Paulo, em comparação, era um estranho à igreja de Roma. Apropriam-se antes à igreja de Éfeso. Apesar destas objeções, a integridade da epístola ainda se mantém. A solução do problema textual encontra-se provavelmente na crença de que o herege Marcion (que floresceu, em Roma, de 154 a 166 A. D.) deliberadamente cortou os dois últimos capítulos, porque o 15 atribuía ao Judaísmo o papel de preparação para a propaganda do evangelho. Veja- se, por exemplo, o verso 4: “Pois tudo quanto outrora foi escrito, para o nosso ensino foi escrito, a fim de que, pela paciência e pela consolação das Escrituras, tenhamos esperança”. Demais disto, o cap. 15 traz pelo menos cinco citações do Velho Testamento, enquanto o cap. 16 era de nenhuma importância para o ponto de vista de Marcion, não lhe sendo contrário nem a favor. A versão maior, como a possuímos, é aceita como sendo a original, visto como a abreviada, que termina no cap. 14, manifesta tendência contrária ao Velho Testamento. Quanto ao cap. 16, é até certo ponto apropriada a menção daquelas pessoas, se se considera que o propósito de Paulo era entrar em contacto com o maior número delas, convindo Roma como lugar de residência aos amigos de Paulo tanto quanto Éfeso, mesmo à parte da hipótese de ser esta última o local de origem de muitas das epístolas paulinas. O ponto de vista por nós aceito é que em Romanos temos uma carta completa, escrita de uma vez pelo apóstolo em Corinto, transmitida até nós hoje em toda a sua integridade. Todas as teorias de fragmentação textual caem por terra em face da unidade da mensagem. Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 7 PLANO DO LIVRO I. PRÓLOGO -- 1.1-17 a) A dedicatória (1.1-7) b) Ação de graças e súplica (1.8-12) c) Explicação pessoal (1.13-17) II. PRINCÍPIOS DO EVANGELHO -- 1.18-5.21 a) A “justiça” dos gentios (1.18-32) b) A “justiça” dos judeus (2.1-3.20) c) A justiça divina (3.21-31) d) A justiça abraâmica (4.1-25) e) A justiça de quem crê (5.1-21) III. PROBLEMAS DE ÉTICA LEVANTADOS PELO EVANGELHO - 6.1-23 a) A acusação de licenciosidade (6.1-14) b) A acusação de revolta contra a lei (6.15-23) IV. O CRISTÃO E A LEI -- 7.1-8.39 a) A lei só é válida enquanto vivemos (7.1-6) b) Lei e pecado não são sinônimos (7.7-25) c) A lei é dominada pela graça (8.1-39) V. O PROBLEMA DOS DIREITOS E PRIVILÉGIOS DOS JUDEUS - 9.1-11.36 a) A absoluta soberania de Deus (9.1-29) b) A responsabilidade judaica na situação histórica (9.30-10.21) c) O propósito misericordioso de Deus (11.1-36) VI. O CRISTIANISMO NA PRÁTICA -- 12.1-15.13 a) Introdução (12.1-2) Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 8 b) Ética pessoal (12.3-21) c) Moral política (13.1-7) d) Ética pessoal (13.8-14) e) Os fortes e os fracos (14.1-15.13) VII. EPÍLOGO -- 15.14-16.27 a) Paulo explica por que escreve (15.14-21) b) Planos de futuras viagens (15.22-23) c) Saudações a amigos em Roma (16.1-16) d) Admoestação final (16.17-20) e) Saudações de irmãos coríntios (16.21-23) f) Doxologia final (16.25-27) COMENTÁRIO Romanos 1 I. PRÓLOGO - 1.1-17 a) A dedicatória (1.1-7) A saudação abreviadamente é – “Paulo a todos os chamados em Roma”. A forma é semelhante à adotada em todas as suas cartas, porquanto era este o estilo epistolar ordinariamente usado no primeiro século. Temos no grego muitos exemplos disso, todos seguindo o mesmo modelo, primeiro o nome do escritor, depois o do leitor acompanhado da saudação. Esta fórmula varia na literatura paulina de acordo com as circunstâncias. Aqui, visto dirigir-se a uma igreja que ele não fundou nem até ali visitou, apresenta suas credenciais. É servo de Jesus Cristo (1; lit. “escravo”), pessoa cuja vida é de invariável lealdade e inquestionável obediência, escravo, propriedade de Jesus Cristo. O apóstolo pertencia à classe cujas orelhas foram furadas e cuja liberdade estava em ser cativo. Entre as várias palavras gregas do Novo Testamento, que se traduzem por “servo”, este vocábulo doulos é Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 9 o mais forte e o mais freqüente. É interessante lembrar que a categoria do escravo dependia do seu senhor. Chamado para ser apóstolo (1); lit. “enviado”, “mensageiro”, assim traduzido em 2Co 8.23; Fp 2.25. É escolha divina, chamamento imperioso para uma função, a que não se pode desobedecer. Na biografia bíblica, este chamado segue normalmente ao apelo para arrependimento e à entrega pessoal pela fé, bem como à convocação para seguir o Senhor no modo de vida. A chamada especial aqui é para o apostolado. Paulo invariavelmente afirmava que fora chamado diretamente para este elevado ofício (cf. “não da parte de homens, nem por intermédio de homem algum”, Gl 1.1). Essa dignidade normalmente provinha por mediação da Igreja viva. O título pertenceu primeiramente aos Doze, cuja honra procedia de haverem estado com Jesus nos dias de Sua carne. Mais tarde foi dado a outros líderes e pregadores da igreja (cf. At 14.14). Separado para o evangelho de Deus (1). É assim que Paulo se apresenta. É consagrado ou “posto de parte” para o serviço do evangelho. Dedicação é a resposta do homem ao ato da escolha divina, e estas idéias devem ser postas em relevo. A separação é toda de Deus, que consagra Seus servos, os quais, por seu turno, se dedicam a Ele. Temos agora um exemplo do hábito que Paulo tinha de “afastar-se por uma tangente”. Na maioria de suas saudações e noutras partes ele expande o pensamento, umas idéias seguindo outras em rápida sucessão. Aqui a palavra “apóstolo” conduz ao «evangelho» que, por sua vez, leva o escritor a uma passagem de grande valor cristológico. O estilo é lacônico e de longo alcance. Passa a definir o evangelho de Deus como divino (1), predito (2) e cristocêntrico (3-5). O evangelho não é invenção de homens; procede do céu. Vemos isto na ênfase da preposição– de Deus (1); Paulo tem aqui em mente a origem do evangelho. Antes de descrever sobre que versa esse evangelho, o apóstolo afirma a harmonia que há entre sua mensagem e a revelação dada antes ao povo judeu. Está de acordo com todas as Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 10 promessas dos antigos profetas; firma-se nas Sagradas Escrituras (2); isto é, no Velho Testamento. O principal traço característico do evangelho é apresentar-nos Jesus Cristo como sendo tudo em todas as coisas. Em conseqüência, Paulo se deixa cativar pela apreensão (conhecimento) que tem do Senhor, que Se antecipou em tomar conta dele (apreendê-lo) no poder de Sua ressurreição. Nesta passagem cristológica (vv. 3-5), ele dá ênfase primeiro à encarnação, visto como este é que deve ser o ponto de partida da mensagem evangélica. Mas a vinda de Cristo segundo a carne (3) foi cumprimento de profecia messiânica; desta forma, fica justificada a declaração feita no verso 2. Depois, segundo o espírito de santidade (4), isto é, quanto à Sua perfeição moral, Ele se manifestou como sendo Filho de Deus desde toda a eternidade mediante o milagre da ressurreição. A palavra declarado (4) da versão de Almeida tem atrás de si o grego “determinado” ou “designado”, a sugerir que a obra da redenção do mundo fora predestinada na eternidade, antes da encarnação de Cristo. Este evangelho sublime, divino, profetizado e cristocêntrico torna- se, como tal, a regra dos cristãos. Quem escreve a carta e os que a lêem são um em Jesus Cristo, nosso Senhor (4). Note-se o uso que Paulo faz dos nomes oficiais e universais do Filho de Deus, que é Salvador, Messias e Rei. Mediante Ele, os romanos recebem graça, e, por acréscimo, Paulo recebe o apostolado (5). Graça, favor divino por pecadores indignos, é a nova relação em que os crentes estão para com Deus. O fim para o qual ele recebeu o apostolado é a obediência à fé (5), ou submissão confiante de todos os gentios ao Salvador do mundo. Paulo é o apóstolo da gentilidade, e daí o seu interesse pelos romanos, como participantes potenciais e atuais da graça divina. Donde conclui o direito que tem de se dirigir a eles. Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 11 A todos os amados de Deus, que estais em Roma, chamados para serdes santos (7). Há evidentemente uma comunidade cristã na metrópole, preciosa ao coração de Deus e cujo destino é novidade de vida para a perfeição moral. A dedicatória, propriamente, conclui com uma bênção, em que se combinam graça e paz, uma idéia grega e outra hebraica. b) Ação de graças e súplica (1.8-12) O apóstolo exprime sua satisfação a respeito de cada um dos cristãos romanos, porque a fé que eles possuem não está escondida num canto obscuro, mas é do domínio público. Arautos da fé, têm eles sido a tal ponto que Deus, a quem Paulo adora em espírito pela pregação de Seu Filho, é testemunha da menção contínua que deles faz em suas orações. A idéia central de suas petições é que Deus apresse o dia em que possa encontrá-los, se é da vontade divina, havendo uma razão dupla para esse pedido. É que deseja firmá-los, repartindo com aqueles irmãos um dom espiritual, e também receber o conforto da fé mútua, deles e sua. c) Explicação pessoal (1.13-17) Os cristãos de Roma deviam saber que, embora impedido de realizar esse desejo, Paulo muitas vezes houvera proposto visitá-los, para ver o mesmo trabalho espiritual, feito entre eles como já fora feito alhures, entre outros gentios. Sente-se devedor tanto a civilizados como a incivilizados, a sábios como a ignorantes. A comissão que recebera foi para pregar o evangelho a toda gente e, quanto ao seu ardor pessoal, sente que tem para com os romanos uma dívida de evangelização, porquanto se ufana (note-se a meiose, não me envergonho) de pregar o evangelho, o qual é capaz de salvar a todos quantos crêem, judeus ou gregos, embora aqueles antes que os outros tenham direito e interesse nisso (16). No evangelho a justificação divina (ver a nota introdutória à Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 12 II seção) revela-se de fé em fé -- os crentes levam outros a crer! Isto havia sido revelado igualmente aos profetas (cf. vers. 2) como se vê pelas palavras de Habacuque, O justo (isto é o justificado) viverá por fé (17; cf. Hc 2.4). II. PRINCÍPIOS DO EVANGELHO - 1.18-5.21 O apóstolo agora passa para a seção doutrinária de sua carta, encetando uma discussão dos princípios do seu evangelho. O assunto do tratado foi declarado no verso 17, como a justiça de Deus revelada de fé em fé. Este grandioso tema é o próprio cerne da epístola, como o era do evangelho pregado por Paulo. Expresso singelamente, vem a ser “justificação somente pela fé”. O problema pessoal do apóstolo, não primeiramente de seu espírito, mas de sua vida prática, era – “Como posso ajustar relações com Deus?” Antes da experiência empolgante da estrada de Damasco, Paulo ensaiou resolver o problema à maneira judaica, praticando o bem, isto é, estabelecendo relações justas com Deus por cumprir a lei divina. O método não dera certo. Nenhum mortal já houve sem pecado, muito menos positivamente santo, que guardasse todos os mandamentos de Deus. Toda a teologia de Paulo era experimental; descobriu ele que por meio da fé na obra consumada de Cristo ajustava suas relações com Deus. Não que o fizesse por si, mas era isso obra da “justiça de Deus”. É este o sentido da justificação. Os termos que emprega para significar “justo”, «justificação» e «justiça» (dikaios, dikaios e dikaiosyne) todos procedem da mesma raiz. Justificação pela fé, por conseguinte, significa justiça pelo ato de crer, a passagem para uma relação adequada com Deus mediante a fé no evangelho revelado de Jesus Cristo. Devido a esta bendita razão de sua própria experiência é que ele não se envergonhava do evangelho de Deus. Alguns judeus em Roma podiam escandalizar-se com tal evangelho, e gentios podiam considerá- Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 13 lo estultícia (1Co 1.23); mas, para o apóstolo, este mesmo evangelho é verdadeira dinamite (poder), uma força espiritual, atividade manifesta de Deus na sua vida, trazendo salvação no seu sentido mais vasto ao espírito, à alma e ao corpo, tanto aqui como no futuro. Esta atividade divina dentro da experiência humana, esta passagem para uma relação justa com Deus, e a manutenção dela, é a essência de toda a mensagem do apóstolo. À medida que se for desenvolvendo o tema da justiça de Deus no decorrer da carta, virão à tona as doutrinas da justificação, santificação e predestinação, expostas e defendidas por ele. a) A "justiça" dos gentios (1.18-32) A “justiça” da raça humana é, de fato, injustiça. O ideal moral absoluto é a justiça de Deus, que só pode vir dEle e ser revelado, ou feito conhecido somente por meio do evangelho de Jesus Cristo. Nessa conformidade, Paulo traça um retrato vivido da injustiça do mundo gentílico, descrevendo a religião pagã (impiedade) e a moralidade pagã (injustiça). Sobre uma e outra a ira de Deus se revela (18), de igual modo como se revela Sua justiça (ver verso 17). A idéia de juízo é freqüente no Velho Testamento como parte integrante da justiça de Deus tratando retamente com o Seu povo e com o mundo gentílico. Os judeus que liam Paulo, pelo menos, estavam bem certos das implicações da frase “a ira de Deus”. 1. A RELIGIÃO PAGÃ (1.18-25) – O mundo pagão, do tempo de Paulo, adorava ídolos feitos à semelhança de homens (Atenas) e de animais (Egito). Tal politeísmo era a conseqüência religiosa do racionalismo. Os gentios tornaram-se nulos em seus próprios raciocínios (21); isto é, fúteis em suas filosofias. A palavra grega dialogismos é comumente traduzida “imaginação” ou “raciocínio”, e, uma vez, “discussão”, nesta epístola (14.1). Cf. Mt 15.19; Mc 7.21; Lc 2.35; 5.22- Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 14 6.8; 9.46-47; 24.38; 1Co 3.20; Fp 2.14; 1Tm 2.8; Tg 2.4. “Raciocínios” é o que maisse aproxima da idéia da raiz verbal, que significa “fazer considerações, ou cálculos”, ou simplesmente “raciocinar”. Essa jactanciosa teorização levava à idolatria, visto como, obscurecendo ou detendo a verdade (18), fazia-os afastar-se de Deus e a excogitar ignóbeis substitutos dEle (23). Eles deviam compreender melhor! Deviam conhecer o que era cognoscível; Deus Se lhes revelara. Sua mão oculta, desde o princípio, podia ser bem discernida. Deus sempre deu testemunho de Si, tanto pela natureza como pela consciência. Não havia desculpas para a ignorância deles. Embora seja paradoxal falar em ver o invisível, as coisas invisíveis de Deus, o seu próprio poder e divindade, “Deus em ação e na Sua essência”, nunca estiveram escondidas do homem (20). E assim Paulo condena as filosofias gentílicas por alienarem de Deus os homens, Deus que é a verdade, e por conduzirem ao culto vão dos ídolos. Veja-se no verso 25 a expressão “mudaram a verdade de Deus em mentira” e compare 2Ts 2.11 n. 2. MORALIDADE PAGÃ (1.26-32) – Uma religião impura resulta numa vida também impura. Esse quadro horrível do paganismo é corroborado por escritores do tempo de Paulo. Foi uma época de vícios desavergonhados e pecados anti-sociais; um tempo de indizível decadência moral. O juízo inevitável de Deus caiu sobre os que preferiam a razão humana à divina revelação. Três vezes o apóstolo assevera que Deus os abandonou: Deus os entregou (24,26,28). Tem-se observado que esse abandono é decididamente punitivo não meramente permissivo no sentido de Deus permitir que os pagãos idólatras O desprezassem; nem privativo, no sentido de privá-los de Sua graça. É castigo positivo pela ignorância culposa e pecaminosidade voluntária. O juízo divino foi uma conseqüência inevitável, uma colheita da sementeira feita (27). O mundo pagão entregou-se à lascívia, no uso desnaturado dos corpos em perversões sexuais (26-27), e, finalmente, a uma disposição mental reprovável (28). Observe-se aqui o jogo de Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 15 palavras. Visto como os pagãos não gostaram (edokimasan) de conservar Deus no seu conhecimento, Deus os entregou a uma disposição mental reprovável (adokimon noun); isto é, exatamente como esses estultos e sórdidos pagãos reprovaram Deus assim o Senhor os abandonou a uma consciência reprovável. O vocábulo grego adokimos originalmente alude à aferição de metais; os que não resistiam ao teste eram “reprovados”. O adjetivo é traduzido por três palavras portuguesas: “rejeitado” (Hb 6.8), “desqualificado” (1Co 9.27) e “reprovado” (Rm 1.28; 2Co 13.5-7; 2Tm 3.8; Tt 1.16). O verso. 32 indica que os pecados aí condenados não resultam de ceder a tentações súbitas, mas são alimentados deliberadamente e estimulados nos outros. b) A "justiça" dos judeus (2.1-3.20) Tal como a “justiça” do mundo pagão, a dos judeus é também uma miserável quimera e fracasso. Detentores de maiores privilégios do que os gentios, os judeus, nada, obstante, não alcançaram a justificação. Antes de entrar na acusação de Israel, o apóstolo apresenta dois princípios preliminares – o juízo imparcial de Deus (2.1-11) e a universalidade da obrigação moral (2.12-16). Romanos 2 1. O JUÍZO IMPARCIAL DE DEUS (2.1-11) – O verso 11 sumariza o primeiro princípio sobre que Paulo baseia seu libelo contra o seu próprio povo. Quando os judeus assumem o papel de censores da justiça, o que sempre fazem, condenam-se a si mesmos, porque tais juízes cometem as mesmas coisas por eles condenadas. É um postulado de Paulo, que todos os judeus concordam relativamente à justiça indiscutível de Deus em julgar (ver verso 2). Daí vem que o veredito divino está de acordo com a realidade moral (verdade) do caso, fora de privilégio ou profissão de fé. O apóstolo desfaz a falsa pretensão de estar Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 16 o povo judeu isento do juízo universal, à base de integridade, ou por ser menos pecador do que o mundo pagão. Mesmo o fato de serem privilegiados como nação está longe de eximi-los do juízo (cf. Mt 3.9; Jo 8.33; Gl 2.15). Se este juízo ainda não caiu sobre os judeus praticantes dos mesmos pecados, como aconteceu com os pagãos, deve-se isto somente à tolerância divina (4). A aparente indiferença de Deus em face do pecado é inteiramente devida à Sua longanimidade, cujo alvo é induzir ao arrependimento. O cabedal da graça a riqueza da sua bondade – e o cabedal de ira – acumulas contra ti mesmo (5) – são postos em solene contraste. Toda pessoa será julgada segundo suas obras, judeus e gentios, por igual. Dura impenitência é um investimento de ira divina com juros, a serem realizados no dia da Ira (5). Cf. Is 13.6; Ez 30.3; Sf 1.7; ver também referências no Novo Testamento ao «dia do Senhor» (At 2.20; 1Co 1.8; 2Co 1.14; 1Ts 5.2). Nesse dia, a justiça divina do julgamento manifestar- se-á rigorosamente justa, a recompensar cada pessoa segundo suas obras. Se estas forem o fruto de paciente bem-fazer, à procura de glória, honra e incorruptibilidade, o resultado será a vida eterna (7). Mas o espírito faccioso, a desobediência à verdade, e obediência à injustiça culminarão em ira e agitação, em perplexidade e angústia, para todos quantos fazem o mal, particularmente o judeu (que deveria conhecer melhor), mas também o grego (8-9). Assim se demonstra a imparcialidade do juízo divino. Ninguém ficará isento. 2. A UNIVERSALIDADE DA OBRIGAÇÃO MORAL (2.12-16) – Todos são responsáveis perante Deus em juízo, quer, como os judeus, possuam a lei mosaica, quer, como os gentios, a lei «natural», escrita na consciência de todos os homens, criados que são à imagem divina. Todos têm um padrão válido por onde serão julgados, porque não é aquele que possui a lei que é considerado justo, mas o que a pratica. Os judeus não se podem orgulhar de sua Torá, porque não importa se alguém tem ou não tem uma lei. Nossas ações fornecem o critério para o julgamento. Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 17 Todo homem tem uma consciência (15; gr. syneidesis), percepção moral, um conhecimento que julga entre o ato e o seu valor ético, ou entre o homem e Deus como verdade ou realidade última. (Paulo emprega o termo ainda em 9.1 e 13.5 desta epístola e várias vezes nas outras cartas). Se ele atende a essa consciência, ela infalivelmente o acusará ou o inocentará, particularmente quando, no dia de Deus, todos os segredos forem descobertos e julgados por Jesus Cristo (16). O evangelho de Paulo é outra vez aqui declarado cristocêntrico, o que é, com efeito, sua principal característica. 3. LIBELO ACUSATÓRIO CONTRA OS JUDEUS (2.17-29) – Estando já assim preparado o caminho, por afirmar a imparcialidade e a universalidade do juízo divino, o apóstolo agora procede à acusação específica da pretensa justiça dos judeus. Estes, tanto quanto os gentios, não têm vivido de acordo com as luzes que possuem, sendo que as suas são maiores do que as destes últimos. De fato, a revelação, como dom divino outorgado aos judeus, foi reconhecida como regra privilegiada de vida, tanto como patrimônio deles. Paulo refere a duas coisas de que os judeus se orgulhavam, a lei (vv. 17-24) e a circuncisão (vv. 25-29), se bem que nem obedecessem à lei, nem fossem realmente circuncidados de coração. Tu que tens por sobrenome judeu (17); ou antes, “trazes o nome de judeu”, ou “dizes que és judeu”. A ênfase é na nacionalidade deles. O nome “hebreu” fala de origem e idioma; «israelita» lembra a relação com Deus e a religião; “judeu” alude à raça, para distingui-los dos gentios. A enumeração que se segue, das vantagens incluídas na outorga da lei, é algo satírica, porque o apóstolo dá a entender que os judeus perverteram seus privilégios. Repousas na lei (17). A palavra aqui empregada epanapausis sugere complacência. Os judeus eram escolhidos de Deus; a outorga da Torá era uma prova desse fato. Vinha daí considerarem esse patrimônio como bastante, sem preocupações com a sua prática.Glorias-te em Deus (17). São acusados de ter uma idéia errônea da Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 18 relação em que estão para com Deus. É certo que se devem gloriar no Senhor (cf. Jr 9.24), porém não arrogantemente. A atitude deles era ditada pela consciência que tinham de uma superioridade sobre as demais raças, por eles havidas como espécies inferiores, sem lei. Pretendiam estar em tão íntimas relações com Deus, em virtude de possuírem a lei, que conheciam qual era a vontade divina. Aprovas as coisas excelentes (18); lit. “julgas as coisas que divergem”. O sentido é que os judeus pretendiam ser capazes de discernir entre o certo e o errado, bem como os matizes do valor moral entre um bem menor e outro maior (cf. Fp 1.10). Por causa de todas estas vantagens da lei, os judeus orgulhavam-se da habilidade que tinham de ensinar, orientar e julgar os outros. Guia dos cegos (19; cf. Mt 15.14; 23.16) era provavelmente uma frase proverbial. Instrutor de ignorantes (20); isto é, de crianças em conhecimentos religiosos, como os gentios pareciam aos olhos dos judeus. Tais pretensões soberbas baseavam-se na posse da forma da sabedoria e da verdade que tinham na lei (20). Significaria Paulo que os judeus possuíam realmente o segredo do Senhor, a fonte de toda sabedoria e verdade, visto que o termo forma (no gr. morphosis) implica esboço, delineamento, “a perfeita corporificação”, da forma essencial (gr. morphe; cf. Fp 2.6-7)? Ou dá a entender, como o contexto poderia sugerir, que os judeus tinham apenas a aparência da verdadeira morphe, em virtude do seu fracasso em cumpri-la? O apóstolo usa o termo morphosis apenas nesta passagem e em 2Tm 3.5, onde é posto em contraste com dynamis, “poder”. Certo que o dom da revelação era real; mas a questão era que o judeu, por sua obediência, podia ter mais perfeita compreensão daquela revelação, e, a despeito de sua jactância, era na realidade um pobre guia e deficiente luz retificadora e mestre dos pagãos. A isto segue, nos vv. 21-24, uma exposição corajosa da injustiça dos judeus. “Bem, Professor-dos-Outros, o Sr. ensina-se a si mesmo? O Sr. prega contra o furto, e o Sr. mesmo é ladrão?” etc. Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 19 Cometes sacrilégio? (22); ARA “Roubas os templos?” Era este evidentemente um crime pelo qual os judeus algumas vezes foram censurados (cf. At 19.37). “A pessoa que abomina os ídolos não deve furtar os sacrários deles, fazendo assim da cobiça um ídolo” (Ward). No verso 24, Paulo cita livremente Is 52.5 (LXX). Concorre para a desonra do nome de Deus entre os pagãos a falta de coerência judaica entre a profissão e a prática, sua jactância de gozar do favor de Deus, ao passo que desconsidera completamente o padrão divino de moralidade. A circuncisão tem valor (25). Paulo admite as vantagens deste rito peculiar e distintivo, no qual os judeus se vangloriavam, e pelo qual os gentios os desprezavam. A circuncisão tem suas vantagens, mas somente se a lei for observada. Se for transgredida, então a circuncisão torna-se incircuncisão. Semelhantemente, se o incircunciso observa as exigências da lei, sua incircuncisão neste caso deve ser-lhe creditada como circuncisão? O homem incircunciso por natureza (como os não judeus) que cumpre a lei, julgará o judeu transgressor dela. Paulo declara sem tergiversar que o gentio correto, em seu estado de incircuncisão, é tão bom quanto o judeu desobediente, ainda que circunciso. Letra (27-29); gr. granna. No primeiro caso a referência pode ser à letra da circuncisão, o mandamento literal; mas, provavelmente, significa a letra da lei, que é claramente o sentido no verso 29, assim acentuando a exterioridade da lei. Paulo tem aqui em mente “a palavra escrita como autoridade externa, em contraste com a influência direta do Espírito como manifesta no novo concerto” (G. Abbott-Smith, Greek Lexicon). Paulo emprega o mesmo contraste em 7.6 e 2Co 3.6; cf. At 7.51. A Idéia de circuncisão do coração (29) pertence também ao Velho Testamento (cf. Dt 10.16; Jr 4.4; 9.26; Ez 44.7). Daí, não é judeu quem o é apenas exteriormente (28). Assim Paulo põe abaixo, inequivocamente, a alegada justiça do judeu. Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 20 Romanos 3 4. RESPOSTA ÀS OBJEÇÕES DOS JUDEUS (3.1-20) – Essa redução da justiça judaica a injustiça não podia deixar de ser impugnada. A crítica à condenação formulada pelo apóstolo (verso 18) podia provir dos seus oponentes, ou talvez surgisse na mente de Paulo, ao arrazoar ele seu grave libelo contra os de sua raça. Nesta epístola especialmente, ele imagina um impugnador, a cujos argumentos casuísticos responde (cf. 4.1 e segs., 6.1 e segs., 7.7 e segs.). São quatro as objeções do suposto perguntador importuno. 1. Se os judeus são condenados igualmente com os gentios e são pecadores tão grandes quanto estes, de que servem os seus privilégios, e qual é a vantagem da circuncisão? Paulo responde que, a despeito de os judeus abusarem dos seus privilégios, estes permanecem para a conveniente aceitação deles e seu testemunho mundial. Aqui refere apenas às bênçãos maiores (enumera outras no cap. 9.4-5); os judeus as recebem de Deus, como “depositários da revelação”. O termo logia (oráculos; cf. At 7.38; Hb 5.12; 1Pe 4.11) refere-se particularmente às palavras de Deus no monte Sinai e às Suas promessas de um Messias vindouro. 2. Se os judeus não procedem retamente com Deus, que será de todos os oráculos divinos e das promessas que lhes foram feitas? Não será que Deus volta atrás e se desdiz? Paulo repele o argumento. A infidelidade de alguns (3; e o apóstolo, dizendo “alguns”, usa de caridade) não põe em dúvida a fidelidade divina. É óbvio que, se um concerto é quebrado pela infidelidade de uma das partes, a honra da outra não fica diminuída. Segundo está escrito (4). A citação é do Sl 51.4 (LXX). Embora a infidelidade humana prevaleça, o caráter divino é mantido em todos os pronunciamentos de Deus acerca do pecado. 3. Uma objeção dá lugar a outra. O perguntador importuno continua pondo em dúvida a justiça divina no castigo dos pecadores. Se a injustiça dos judeus serve só para realçar a justiça divina, e se o fracasso Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 21 da nação judaica serve apenas para acentuar, pelo contraste, a retidão de Deus, pode este honrosamente condenar tais pecadores que o servem deste modo? Paulo rejeita a idéia por absurda, e declara que ela virtualmente nega a prerrogativa de Deus, de submeter o mundo a qualquer julgamento. Se nossas malfeitorias fazem realçar a justiça divina, diremos que Deus é injusto por aplicar sua ira contra nós? Quem exerce vingança? (Falo como homem) (5); isto é, “Perdoai meu modo de dizer muito humano; é talvez um antropomorfismo por demais ousado”. 4. Se minha pecaminosidade - continua o impugnador - serve para glorificar a santidade de Deus, este fato não somente corta pela raiz o direito divino de julgar-me, mas tolera o meu pecado. Note-se como, na apresentação que Paulo faz da objeção, a verdade de Deus é posta em contraste com a mentira dos judeus (7); isto é, a fidelidade divina a todas as promessas e à revelação é contraposta à infidelidade incrédula e à falsidade prática de Israel. Por que sou ainda julgado como pecador? Argúi o impugnador. A conclusão lógica certamente é: Pratiquemos males para que venham bens. Aqui Paulo revela que alguns o haviam caluniado de declarar esta máxima imoral como parte de sua doutrina. Tais detratores são repelidos sumariamente: a condenação destes é justa (8). Estas quatro perguntas o apóstolo volta a referi-las adiante. As três primeiras objeções são mencionadas no cap. 9, enquanto a quarta, no cap. 6. No restante desta seção (vv. 9-20) Paulo continua a expor a injustiça judaica. Frisa que ela é condenada pela Escritura tão severamente quanto a injustiça dos gentios. Judeus e gentios são pecadores. Recorre o apóstolo paraa absoluta autoridade da Palavra de Deus, universalmente admitida pelos judeus, e apresenta, como prova, um mosaico de versos escriturísticos. Com exceção de dois, são todos eles tirados dos Salmos, e são citados da versão dos LXX. Tais passagens representam a lei e todas elas se aplicam ao judeu em sua Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 22 injustiça. A conclusão desta seção vem no verso 20. O fracasso do judeu em achar justificação era devido ao método errado que adotava; de fato, nenhum vivente pode esperar ajustar sua posição diante de Deus por essa forma, porque pelas obras da lei nenhuma carne será justificada. Verdadeiramente, a lei traz desesperança, visto criar uma consciência de pecado, revelar o que este significa tanto para Deus como para o homem, para o Juiz e para aquele que é julgado. c) A justiça divina (3.21-31) Agora Paulo procede à descrição da justiça de Deus (21; cf. 1.17), o método pelo qual ele próprio se ajustou com Deus. Notem-se as seguintes características. Independe da lei (21). A lei revela o dever que Deus exige do homem (quer esteja contido na lei, nos profetas e nos escritos, ou mais especificamente na lei do Pentateuco) e requer esforço moral ou obras para a justificação do homem. A justiça de Deus independe do cumprimento da lei. Em segundo lugar, ela é testemunhada pela lei (21). O mosaico de passagens escriturísticas, previamente apresentado (3.10-18), foi extraído principalmente dos escritos, terceira seção da Torá: agora o apóstolo completa o testemunho da lei referindo a lei e os profetas (21). O novo meio de o homem ajustar suas relações com Deus não é absolutamente novo, mas foi realmente predito em ritos, tipos e profecias através do Velho Testamento. Em terceiro lugar, a justiça de Deus é fornecida em Cristo mediante a fé (22-25). É para quantos crêem, é pela fé de Jesus Cristo (22). O grego tem aqui o caso genitivo e assim pode ser traduzido quer subjetiva, quer objetivamente. A justiça divina pode ser alcançada pela fé do Salvador, exercida até à cruz, fé poderosa que foi parcela integrante do valor expiatório do Seu sacrifício supremo. Por outro lado, Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 23 e em harmonia com o uso do Novo Testamento, esta fé é projetada em Jesus, como seu objeto, e assim se torna fé no Redentor. Todos pecaram e carecem da glória de Deus (23). Glória (gr. doxa) é o esplendor visível do caráter perfeito de Deus. É a glória chequiná do Velho Testamento (cf. 9.4; Êx 16.10; 24.16 e segs., 29.43; 33.18-22, etc.), e no Novo Testamento é expressa na vida encarnada de Jesus, o Verbo ou expressão do Pai (ver Jo 1.14; 2Co 3.18; 4.6). Quanto à glória de Deus, todos os homens estão em falta (carecem dela). O grego hysterein significa “ficar em falta”, “ser inferior”, “sofrer necessidade” (cf. Mt 19.20; 1Co 8.8; 2Co 11.5; Fp 4.12). Esta deficiência universal é um dos aspectos do pecado. Tanto na realidade como em consciência todos estamos muito distantes da luz ofuscante da perfeição divina. Mas, em face desta pecaminosidade universal, a justificação é gratuita ou pela graça (24). Cristo é uma propiciação proposta por Deus. A fé é o meio. O sangue de Cristo é o preço aceito, na paciência divina, em virtude do qual os pecados do homem, anteriormente cometidos, são esquecidos. Paulo expressa a base da justiça em duas frases significativas: mediante a redenção que há em Cristo Jesus (24) e propiciação mediante a fé no seu sangue (25). O grego apolytrosis significa “libertação efetuada com o pagamento do resgate”, daí redenção, emancipação ou livramento. A palavra para propiciação, hilasterion, é o neutro de um adjetivo derivado do verbo hilaskomai, que tem três sentidos: aplacar, conciliar ou apaziguar alguém; ser propício ou misericordioso; ou fazer propiciação por. O Novo Testamento usa as duas últimas traduções (ver Lc 18.13 e 1Jo 2.2). A idéia não é de conciliação de um Deus zangado por causa da humanidade pecadora, mas é de expiação do pecado por um Deus misericordioso mediante a morte expiatória do Seu Filho. Não exclui necessariamente, porém, a realidade de ira justa por causa do pecado. Cristo é, portanto, o meio de satisfação pelo pecado, que é efetuada por Sua morte, o sangue significando o princípio de vida sacrificada. (cf. Gn Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 24 9.4; Lv 17.11; Dt 12.23). Daí a expressão da ARA: “no seu sangue (mediante a fé)” ser preferível à da ARC pela fé no seu sangue. A justificação em tais bases, nada tem a ver com o esforço moral do homem, nem com o seu mérito espiritual. É concedida gratuitamente, por Sua graça (24). Noutras palavras, somos declarados inocentes em troca de nada, sem preço, e só em virtude do amor imerecido de Deus para com os pecadores. Por causa deste novo método de ajustamento com Deus, os pecados dos homens no passado foram esquecidos, e os do presente têm seu castigo adiado (25), tudo em perfeita justiça da parte de Deus. A quarta característica da justiça de Deus é que é divinamente reta (26-31). O apóstolo agora desdobra sua última frase: tendo em vista a manifestação da sua justiça (26). Deus não é somente justo, como sempre é; também pode justificar ou colocar em correta relação aqueles que têm fé em Jesus, embora que, fora de Cristo, não tenham eles direito a tal justificação. Deus é justo; e por causa de Sua justiça eterna e intrínseca (não a despeito dela) considera justo o pecador que crê em Jesus (26). Nesta base de justificação só pela fé, o apóstolo desafia a jactância do judeu. Não há cabimento para ela. Por que lei? (27); isto é, sobre que fundamento é ela excluída? Paulo emprega o termo “lei” de vários modos. Representa a Torá e o Pentateuco; aqui significa um princípio estabelecido. A regra das obras (27) não exclui a jactância, porque muitos fariseus viviam cheios de autoglorificação. Mas a regra da fé exclui absolutamente qualquer exultação dessa natureza. A conclusão definida de todo este assunto é que o homem se ajusta com Deus pela fé, fora de qualquer cumprimento da lei (28). Este princípio de fé anula de vez o muro de separação entre judeus e gentios; Deus é Deus de uns e de outros, se crêem. E tal fé é a condição sine qua non, que somente Deus pode conceder. Pela fé... mediante a fé (30). Estas expressões apenas salientam o contraste entre a circuncisão e a incircuncisão. Não há diferença na Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 25 qualidade, nem no método de ter fé. Assim é que, se há um Deus, há um povo cujo sinal distintivo é a fé. Deus olha por cima da circuncisão para a fé do judeu, e igualmente olha por cima da incircuncisão para a fé da parte do gentio. Ambos realmente ostentam a mesma “marca registrada”. Ademais, acrescenta Paulo, no regime dessa fé, a lei não é desbancada, senão estabelecida. Deus não se torna, por isso, fraco ou sentimental. Sua justiça está satisfeita. Romanos 4 d) A justiça abraâmica (4.1-25) Agora, Paulo toma o caso de Abraão como prova, mostrando a relação do novo sistema de justificação com o ensino do Velho Testamento. Imagina o impugnador a perguntar onde, nesse debate, fica Abraão. Caracteriza-se ele pela fé ou pelas obras? É este um ponto crucial, contudo o apóstolo demonstra, além de qualquer dúvida, que o patriarca foi justificado pela fé e não pelas obras da lei. A base do argumento é Gn 15.6 – “Ele creu no Senhor, e isso lhe foi imputado para justiça”. O exame da vida de Abraão revela três realidades. 1. SUA JUSTIÇA FOI INTEIRAMENTE PELA FÉ (4.1-8) – Era universalmente aceito pelos judeus que Abraão fora singularmente justo, tendo melhores fundamentos para se jactar, do que a maioria dos homens. Mas tal ufania é inadmissível à vista de Deus (2). A Escritura diz que Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado para justiça (3; ver. Gn 15.6). Ora, se alguém trabalha, seu salário não depende da boa vontade do patrão, mas torna-se uma dívida deste para como seu empregado (4). Todavia, se não trabalha, crendo apenas nAquele que justifica ao pecador, sua fé é considerada como justiça (5). O sagrado escritor de Hebreus faz eco ao ponto de vista do Velho Testamento, nos vv. 11.8-19. Foi notável a fé demonstrada por Abraão, e Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 26 o referido escritor tem para ele um lugar conspícuo em sua galeria de honra. É digno de nota que Tiago, em sua epístola (2.23), também cita Gn 15.6, acrescentando “E foi chamado amigo de Deus”. Paulo e Tiago chegam à mesma conclusão, partindo de pontos de vista diferentes. Quando Tiago declara: “Não foi por obras que o nosso pai Abraão foi justificado?” (2.21), seu alvo é recomendar as boas obras como prova necessária e fruto essencial da fé. A tarefa de Paulo, por outro lado, é condenar as boas obras como base última da salvação, e negar-lhes qualquer mérito para ajustar relações com Deus. Prossegue o apóstolo salientando que este novo sistema de justificação, apresentado em seu evangelho, está radicado no Velho Testamento e, para isso, mostra que Davi também se distinguiu pela fé; visto como expressou a bem- aventurança daqueles que são considerados justos à parte de qualquer mérito proporcionado por obras (Sl 32.1-2). Tal estado de altíssima felicidade do homem perdoado não é o próprio Davi quem o declara, senão Deus mesmo. O salmista está simplesmente registrando o fato bendito, embora que exultando pessoalmente, em conseqüência da sua própria experiência. 2. A JUSTIÇA DE ABRAÃO INDEPENDEU DA CIRCUNCISÃO (4.9-12) – A experiência do patriarca decorreu na seguinte ordem: primeiro a fé, seguindo-se a justificação e depois a circuncisão. Os judeus inverteram a ordem, pondo em primeiro lugar o rito. Com a idéia de bem-aventurança como liame, o apóstolo mostra que Abraão possuía este fruto da fé, antes de sua circuncisão (10). Recebeu o sinal da circuncisão como selo (11). O próprio rito era o sinal ou confirmação do concerto feito por Deus com Abraão (cf. Gn 17.1-14; At 7.8). Nesta base, o Patriarca é o pai de todos os que crêem (11), circuncisos ou não (cf. 2Pe 1.1). Em desafio à doutrina ortodoxa judaica, Paulo afirma um dos princípios vitais do seu próprio ensino, qual seja a porta franqueada aos gentios, o privilégio universal da justificação pela fé. Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 27 3. A JUSTIÇA DE ABRAÃO INDEPENDEU DA LEI MOSAICA (4.13-22) – O ponto ferido por Paulo, a seguir, é que Abraão foi considerado justo com Deus uns quatrocentos anos antes que a lei viesse a existir, antes que fosse promulgada no monte Sinai. A promessa de ser herdeiro do mundo não foi feita ao patriarca nem à sua posteridade por intermédio da lei, e sim mediante a justiça da fé (13). “Herdeiro do universo” interpreta-se como a suma de todas as promessas feitas a Abraão, como reveladas em Gn 12.3-7; 13.15-16; 15.1,5,18; 17.8-19, e mencionadas em At 3.25 e Gl 3.8. Estas promessas incluíam a dádiva de um filho e herdeiro uma descendência inumerável, o Messias e Seu reino universal. Observe-se o modo pelo qual nosso Senhor, em uma das beatitudes, espiritualizou a idéia da herança do mundo, ao declarar que os mansos herdariam a terra (Mt 5.5). Se os da lei a herdassem, a fé se tornaria vã, e a promessa, de nenhum efeito para assegurar justiça (14). A lei, entretanto, desperta somente o senso de pecado, culpa e penalidade. Remova-se a lei e o pecado desaparece (15). Nessa conformidade, a fé e não a lei é a base da justiça de Abraão à vista de Deus. O apóstolo argumenta semelhantemente em Gl 3.17 e segs., mas a lógica aí é mais legal e histórica, ao passo que aqui é mais doutrinária. Leis e graça são incompatíveis. Daí vem que a promessa é confirmada a toda a descendência, não somente à que procedeu da lei, mas igualmente à que procedeu da fé (16). Por essa fé, Abraão se torna pai de todos os que crêem, gentios e judeus. Num sentido físico, dizia a promessa que ele seria pai de todos (Gn 17.5); porém Paulo está pensando aqui numa paternidade espiritual e universal. Abraão, pai dos fiéis, aparece perante Deus como representante de todos os crentes, judeus ou gentios (16,17). Notem-se os dois atributos divinos, impressivos e apropriados, que Paulo acrescenta aqui: Deus que vivifica os mortos, e chama à existência as coisas que não existem (17). O poder vivificador de Deus é visto nos seguintes milagres: a capacidade de Abraão procriar Isaque (19; cf. Hb 11.12, “aliás já amortecido”); o livramento de Isaque da Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 28 morte, no altar do sacrifício (cf. Hb 11.19, “Deus era poderoso até para ressuscitá-lo dos mortos”) e a ressurreição de Cristo (24). O segundo atributo, de chamar à existência o que não existe, tem referência aos filhos nascituros, à posteridade do pai Abraão, quando historicamente, ele não tinha filhos. Outra vez Paulo elogia a fé do patriarca. Não duvidou... mas, pela fé, se fortaleceu (20), significando que, em referência à promessa divina, Abraão não vacilou em incredulidade, mas foi fortalecido pela fé, glorificando destarte o nome de Deus pela confiança plena na capacidade divina de cumprir a dita promessa. A conclusão deste caso de Abraão, apresentado como prova, é a declaração inicial de que sua fé lhe foi imputada como justiça (22; cf. verso 3). Agora, o apóstolo se prepara para o seu maior tema, a justiça do crente. Esta aceitação de Abraão, pai dos fiéis, está registrada para que também creiamos e reivindiquemos a justiça de Deus mediante Jesus, que Se ofereceu por nossas transgressões e ressuscitou para nossa justificação (23-25). Romanos 5 e) A justiça do crente (5.1-21) Passa agora o apóstolo mais para o âmbito do subjetivismo ou da experiência. Alguns consideram este capítulo um parêntese devocional, visto basear-se na experiência pessoal de Paulo quanto ao modo de ser tratado por Deus. Contudo, o grande tema da justificação pela fé recebe aqui maior desenvolvimento. Paulo jamais considera a possibilidade de justificação que não se acompanhe invariavelmente de santificação: uma e outra, para ele, estão de fato inseparavelmente ligadas. Uma é o batente, a absolvição preliminar; a outra é a longa estrada que conduz à Jerusalém celestial. O apóstolo une-se a todos os crentes e fala por eles. Declara os benditos efeitos da justificação baseada firmemente no ajustamento de relações com Deus (1-5). Depois, em estilo poético, vem Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 29 a garantia dessa bem-aventurança (6-11). A isto se acrescenta o método da justificação, o modo como os homens de fé a realizam mediante o novo Cabeça da raça (12-21). 1. OS BENEFÍCIOS QUE A JUSTIFICAÇÃO TRAZ (5.1-5) – Temos paz com Deus (1). Os justificados pela fé têm assegurada sua paz com Deus. Os melhores textos trazem o subjuntivo, em vez do indicativo, echomen, sendo a única diferença a vogal longa ou breve. Donde a forma exortatória da versão ARA, “tenhamos”. Todavia, como Paulo com referência a ensino e pregação, raramente emprega um pelo outro, o sentido é o de exortação branda “devemos ter” e, daí, “temos” (cf. o comentário sobre Romanos do I.C.C., pág. 120). Realmente, como pessoas de fé, gozamos paz com Deus. Trata-se de uma nova relação para com Deus, que não é questão de mero sentimento, mas de fato. Em segundo lugar, temos acesso (2). Aquele que crê não passa a gozar do favor de Deus à base de merecimento próprio. A idéia de acesso é introdução à câmara da presença do rei. Esta apresentação ao trono real é efetuada por alguém que está junto do próprio monarca. É Jesus que nos leva a Deus (cf. Ef 2.18-3.12). O apóstolo descreve pelo termo graça o favor ativo do Pai para com os que crêem (2; cf. Gl 5.4; 1Pe 5.12). Os justificados são introduzidos num estado de graça que produz segurança e confiança. Um terceiro resultado de se estar em relações justas com Deus é gozo, triunfo baseado na esperança e vitorioso sobrea tribulação (2-3). Os que crêem exultam na esperança da glória de Deus (2). “Gloriam-se na glória” (cf. 3.23), que um dia será a coroa e a consumação de todas as coisas para os justificados. Também se ufanam até das tribulações, porque as aflições produzem muitas qualidades excelentes nos que crêem, os quais sabem que os sofrimentos produzem paciência, e tal perseverança (cf. 2.7) leva a um caráter provado, e esta experiência provada (cf. 2Tm 2.3) traz esperança. (Paulo usa outra vez este estilo de encadeamento no cap. 10.13-15; cf. também 2Pe 1.5-7). Esta elevada Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 30 esperança não acarreta vergonha nem se mostra ilusória (cf. 2Co 7.14; 9.4) porque as almas dos que crêem estão inundadas do amor de Deus, que é de fato, a presença do Paráclito (5). Os justificados se tornam cônscios do amor de Deus para com eles mediante o Espírito habitando no seu íntimo. (Cf. a bem-aventurança do homem a quem Deus atribui justiça independentemente de obras; 4.5-8). Note-se que nesta epístola é esta a primeira vez que Paulo se refere ao Espírito Santo. 2. A SEGURANÇA DOS CRENTES (5.6-11) – Os que crêem, estando de relações ajustadas com Deus, gozam esse novo estado, sua posição na graça, com perfeita segurança. Isso lhes está garantido, de um lado pela morte de Jesus Cristo na cruz (6-8), e, de outro lado, pela vida de ressurreição do mesmo Salvador (9-11). Cristo morreu pelos ímpios (6; cf. verso 8). A morte de Cristo na cruz foi por nós, primeiro, quando éramos fracos (6); isto é, quando éramos incapazes de nos salvar a nós mesmos por mérito legal, e éramos com efeito ímpios (6), pecadores (8) e inimigos (10). Em segundo lugar, foi por nós a seu tempo (6). Essa época apropriada, o «momento psicológico» do relógio do mundo, é freqüentemente expressa por Paulo (cf. Gl 4.4; Ef 1.10; 1Tm 2.6; 6.15; Tt 1.3). Por nós, então, na plenitude dos tempos, Cristo morreu, embora não somente nada tivéssemos que nos recomendasse, mas na verdade tínhamos tudo contra nós. No verso 7 o apóstolo estabelece um contraste entre o homem justo e o homem bom. Por um dificilmente alguém morreria; pelo outro alguém poderia animar-se a morrer. O justo é aquele que guarda a lei, modelo de rigoroso dever. O bom é aquele que em espírito e, por disposição própria, excede as justas exigências da lei (cf. Mt 5.20). Muito mais agora (9). Paulo prossegue em afirmar a segurança da justiça do crente com um triunfante argumento a fortiori. O amor de Deus por nós, indignos e rebeldes pecadores, é atestado pelo sacrifício de Seu Filho em nosso lugar, a morte na cruz que nos leva a uma Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 31 completamente nova relação com Ele. Este admirável amor de Deus, pondo-nos em justas relações com Ele, é o maior fato de nossa salvação, maior do que nossa nova vida. Deus operou reconciliação pela morte de seu Filho quando estávamos em incredulidade hostil (10). Muito mais agora Deus será capaz de manter-nos em paz consigo, como Seus amigos, pela vida do Seu Filho. Se Deus pode realizar nossa justificação, sem dúvida alguma também pode levar a efeito nossa santificação. A idéia é toda de vida, a vida do crente por intermédio da vida do Salvador. Paulo não emprega o termo «Santificação» avaliando o que é maior e o que é grande. Ele põe em contraste a justificação e a salvação. Mas este último termo tem o sentido de santidade progressiva. Em união com Cristo como Senhor vivo, somos potenciados a viver uma vida santa de vitória moral e espiritual, de modo que, em nossa personalidade santificada, escapamos da ira de Deus no dia do juízo, mediante o mérito e a mediação de Jesus Cristo. Essa obra levada a efeito na cruz, que ajusta as relações dos crentes com Deus e envolve a conservação dessas relações mediante a vida de Jesus, é fonte de gozo constante (11). Essas relações são designadas pelo termo expiação (ARC - «reconciliação»). O grego katallage significa “mudança” ou “troca”; daí vem que, quando se diz de pessoas, uma mudança de inimizade para amizade, é reconciliação. Implica uma mudança de atitude da parte de Deus e do homem. A necessidade de mudança do lado humano é óbvia; porém muitos teólogos negam qualquer necessidade disto do lado divino. O amor de Deus é permanente e Ele em Si mesmo é imutável. Note-se, no entanto, que o apóstolo fala de sermos recipientes (gr. elabomen) de uma reconciliação que Deus livremente nos dá. Implícita na doutrina da justificação está a nova atitude de Deus para com o pecador, na base do mérito de Jesus Cristo. Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 32 3. JUSTIÇA PELA GRAÇA (5.12-21) – O apóstolo conclui esta seção, da justiça do crente, frisando que é na verdade uma posição na graça, visto que é realizada mediante a graça (vv. 15-20). O canal da justificação é por meio de uma Pessoa pelo dom gratuito de Deus, princípio este que leva Paulo a discutir os dois cabeças da raça humana, Adão e Cristo (cf. 1Co 15.21 e segs.). Note-se a construção da passagem. Depois de declarar a verdade da universalidade do pecado e sua penalidade mediante Adão (12), o apóstolo faz uma digressão em parêntese (13-17), e volta ao seu argumento nos vv. 18-19. Temos no verso 12 um anacoluto gramatical. Não há oração correlativa para a cláusula que começa “assim como”, a qual descreve Adão como tipo dAquele que teria de vir. Essa locução conjuntiva “assim como” não encontra sua correlativa senão no verso 18, depois de fechado o parêntese que tratou de algumas dificuldades. A passagem decisiva é o verso 12, onde e apresentada a doutrina da relação de um para com muitos. Ênfase especial é dada às duas preposições usadas no grego, dia, “através de”, e eis, “para dentro”, pelas quais se indicam um canal e uma passagem. Por um homem, como canal, o pecado entrou no mundo (kosmos) e, pelo pecado, a morte, como penalidade. O mundo até então fora declarado “muito bom” pelo Criador, mas agora, pela transgressão de Adão, o pecado e a morte entraram nele. O ponto a que Paulo quer chegar é que todos estão envolvidos no pecado de Adão, todos pecaram nele e com ele. A humanidade não é considerada apenas como havendo pecado e sido debitada legalmente pela transgressão de Adão, porém todos são declarados como havendo real e ativamente pecado juntamente com Adão. Esta declaração dogmática leva o apóstolo a um parêntese, onde ele enfrenta duas dificuldades. A primeira é que até ao tempo de Moisés a lei não houvera sido declarada. Como não havia lei, não podia haver pecado. O apóstolo aceita o argumento, admitindo que o pecado não é levado em conta quando não há lei (13); isto é, não é considerado Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 33 como culpa, envolvendo penalidade. Em segundo lugar, ele argumenta que, houvesse ou não houvesse lei, a penalidade de Adão veio operando desde o tempo deste. Ninguém podia negar a universalidade da morte, e Paulo endossa a doutrina de que a morte e a sentença de Deus sobre o pecado, embora não houvesse lei até ao tempo de Moisés, e se bem que os que assim sofriam essa pena não houvessem transgredido à semelhança do pecado de Adão, isto é, comendo o fruto proibido (14). Comentando este verso 14, alguns argumentam a favor da universalidade do pecado, porém não de sua originalidade. Isto seria negar nossa unidade em Adão, a qual é tipo da unidade dos remidos em Cristo. Até aqui Paulo está traçando uma comparação entre Adão e Cristo. Ambos, por um simples ato, influenciaram a raça inteira. Agora segue-se o contraste. O efeito do pecado de Adão é a morte; o efeito da justiça de Cristo é a vida. Paulo, porém, não o formula nestes termos. Declara que o resultado é graça abundante ou transbordante, ou seja o dom pela graça (15), que adiante é definido, no verso 17, como o dom da justiça. A sentença era de um para a condenação de todos; o dom gratuito era de muitas transgressões para um pronunciamento de justificação (16).O grego dikaioma, não o costumeiro dikaiosis, traduzido simplesmente justificação, significa uma sentença judicial, ou decreto, ou ato de justificação, ou ajustamento de relações com Deus. A mesma palavra grega ocorre em 1.32-2.26; 8.4, a qual a ARA traduz por «sentença» ou “preceito”. O contraste entre Adão e Cristo é ainda desenvolvido no verso 17, onde um estabelece o reinado de pecado e morte, e o outro o reinado de graça e vida. A união com Cristo anula eternamente a união pecaminosa com Adão. Paulo agora retoma o principio declarado no verso 12, reafirmando-o e adicionando a outra cláusula do paralelismo, assim também pela justiça de um veio a graça sobre todos os homens para a justificação que dá vida (18). A ofensa de um... a justiça de um (18). A diferença é entre agente e ato. Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 34 A suma de toda a comparação e contraste entre Adão e Cristo vem declarada no verso 19, como conclusão do argumento de que a justiça do crente provêm da graça. Resta-nos, o problema da relação de Adão e Cristo com o gênero humano, pela qual o pecado, de um lado, e a graça, de outro, são transmitidos. A imputação é um conceito legal e não satisfaz completamente. A teoria de chefia (cabeça) federal ajuda. Paulo ensina alhures que essa chefia espiritual de Cristo antecipou-se à chefia física de Adão (cf. Ef 1.4; Cl 1.15-17; ver também Jo 1.1-5). Todavia, das deduções que tira do fato, o apóstolo indica uma relação mais íntima, porque a humanidade não tem poder de escolha para comissionar seu representante. O fato científico da solidariedade da raça oferece a melhor solução. Como o todo está contido no germe, a árvore na semente, assim toda a humanidade reside em Adão e, pela graça mediante a fé, também em Cristo. Assim como somos um organismo físico, também somos um organismo espiritual. Paulo conclui esta seção da justiça do crente acrescentando uma nota sobre a função da lei. “Sobreveio a lei para que avultasse a ofensa; mas onde abundou o pecado, superabundou a graça; a fim de que, como o pecado reinou pela morte, assim também reinasse a graça pela justiça para a vida eterna, mediante Jesus Cristo nosso Senhor”. A graça não é o fim, porém, mediante a justiça, tem sua consumação na vida eterna. Romanos 6 III. PROBLEMAS DE ÉTICA LEVANTADOS PELO EVANGELHO - 6.1-23 Prossegue Paulo na defesa da doutrina da justificação pela fé contra a acusação de ser ela incompatível com a moralidade comum. E o faz afirmando a doutrina da santificação. Não se trata de mera seqüência teórica da justificação; é um fato nítido da experiência do apóstolo. Como os vv. 1-11 mostram, Paulo não somente sabia o que significava ajustar relações com Deus, mas igualmente o que era manter-se nessa Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 35 posição. Ver também 7.7-25. “Tinha em tão alta estima o Espírito de Cristo como poder de santidade, quanto o sacrifício do mesmo Cristo como razão para o perdão de seus pecados”. Este problema de ética assume duas formas. Primeiro, ser considerado justo por Deus não é apenas estimular o pecado? Segundo, não resulta em depravação? a) A acusação de licenciosidade (6.1-14) A doutrina de Paulo sobre a justificação - argumenta o impugnador - implica em “quanto mais pecado, tanto mais graça”. Se mais pecado significa mais graça, por que não continuar pecando? A réplica do apóstolo centraliza-se no fato da união do crente com Cristo. Esta relação mística com o Salvador é apresentada aqui pela primeira vez nesta epístola. O pensamento característico do apóstolo é ilustrado no rito do batismo por imersão. Nesta os três movimentos são simbólicos: para dentro d'água - morte; debaixo d'água - sepultamento; fora d'água - ressurreição. Ser batizado em Jesus Cristo é entrar em união com a Sua morte (3), Seu sepultamento (4) e Sua ressurreição (5). O sepultamento é de fato uma confirmação da realidade da morte. A morte de Cristo dizia respeito ao pecado. Foi o sacrifício pelo qual o pecado foi extinto (cf. Hb 9.26). De uma vez para sempre morreu para o pecado (10) (cf. 1Pe 3.18; Hb 7.27; 9.12-28-10.10). A ressurreição assinalou sua entrada numa nova vida “à parte o pecado”. Nessa conformidade, o crente passa pelas mesmas experiências. O resultado da justificação é a vida de santificação. Deus não somente ajusta nossas relações consigo, mas conserva-nos nessa posição. Sua justiça primeiro é imputada, depois é- nos comunicada. Até aqui Paulo está tratando da parte de Deus na santificação mediante a união com Cristo operada pela fé. Agora, nos versos 12-14, declara o aspecto humano dessa transação. O esforço moral é necessário na justiça progressiva do crente. Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 36 Este não deve apresentar seus membros como instrumentos de iniqüidade (13). Trata-se de pecado habitual (gr. paristanete; tempo presente, ação continuada). A segunda apresentação, como instrumentos de justiça, é “um ato de escolha” (gr. parastesate; pretérito de ação completa) pelo qual os crentes se entregam definidamente a uma vida de santidade, embora que não continuamente isenta de pecado. «Não prossigais apresentando vossos membros ao pecado como armas de iniqüidade. Apresentai-vos definitivamente a Deus». A transição para o próximo aspecto do problema de ética acha-se no verso 14, onde Paulo exulta com a certeza de justiça progressiva, e exclama: “O pecado não terá domínio sobre vós. Não estais debaixo da lei e, sim, da graça”. O “não farás” da lei deve ceder lugar ao poder do Espírito. b) A acusação de revolta contra a lei (6.15-23) Outra vez se alega que este evangelho da “justiça de Deus” resulta em completo desrespeito à lei. Esta é a principal acusação judaica à doutrina da graça ensinada por Paulo. Ora essa! a lei agora pode ser desconsiderada e o pecado, estimulado. Temos aí a heresia do antinomianismo. Paulo responde à objeção contra a livre graça dizendo que, embora seja verdade que o crente não está sob a lei, mas sob a graça isto não significa que ele esteja sem lei. Deve lealdade a Deus. De dois possíveis senhores, um exerce domínio sobre nós – Deus ou o pecado (16). Para esclarecer o ponto, o apóstolo ilustra com a lei da escravatura, vigente em seus dias. Um escravo podia comprar sua liberdade, pagando seu preço ao templo, isto é, dava o dinheiro do seu resgate a algum deus ou deusa, e por essa forma reivindicava sua liberdade; mas o dinheiro ia de fato parar, por via do templo, às mãos do senhor. Assim a divindade resgatava o escravo do poder de seu senhor, e ele ia embora liberto, se Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 37 bem que ainda escravo do deus. De semelhante modo, o crente é livre no sentido de se haver tornado escravo de Deus. Não é um irresponsável, sem senhor, porque Jesus é o Senhor de toda a sua vida. O apóstolo reconhece a insuficiência da analogia, lembrando porém aos leitores que ele fala como homem (cf. Gl 3.15) e, devido à fraqueza de vossa carne, isto é, a imaturidade deles (19). Paulo conclui seu argumento apelando para resultados ou frutos dos dois serviços, pecado ou justiça. Aquele dá lugar a vergonha e morte; esta resulta em santificação e vida eterna. IV. O CRISTÃO E A LEI - 7.1-8.39 Outra dificuldade envolvida na doutrina de ser a «justiça de Deus» um dom gratuito, ou «justificação somente pela fé», era a posição ocupada pela lei. Esta quase que era adorada pelos judeus, sendo pura blasfêmia dizer que a fé tomava o seu lugar. Paulo agora passa a tratar desta questão de revogação da lei. Romanos 7 a) A lei só é válida enquanto vivemos (7.1-6) Emprega a ilustração da viúva emancipada, livre da lei do marido, por morte deste. Fica livre para casar de novo. A lei é suplantada, não vigora mais neste caso. De igual modo os crentes morrem relativamente à lei, por meio do corpo de Cristo (4); isto é, quer seja por causa da cruz, quer seja por meio da Igreja. Esta segundainterpretação da frase deve ser preferida. O “vós” torna-se “nós” (4) em virtude de virmos a pertencer ao corpo de Cristo, a totalidade de cujos membros constitui o corpo de que Cristo é a Cabeça. A idéia da analogia é que o crente, morrendo relativamente à lei, fica livre para se unir ao Senhor ressuscitado. O apóstolo aqui substitui o pecado pela lei; a mortificação do pecado, acompanhada de vida para a justiça, foi objeto Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 38 do seu ensino no capítulo precedente. Agora insiste na emancipação pela morte. Segundo a carne (5) quer dizer a vida de indulgência pecaminosa; seu oposto é “segundo o espírito”. “Paixões pecaminosas” (5). Os dois estados de escravidão são outra vez contrastados pelas frases novidade de espírito e caducidade da letra (6); representam o estado da graça e o estado da lei. b) Lei e pecado não são sinônimos (7.7-25) Como vimos, Paulo em seu argumento substituiu o «pecado» pela “lei”. Este fato fez surgir, fosse no seu próprio espírito, fosse no dos seus críticos, a pergunta É a lei pecado? São idênticas as duas coisas? O homem regenerado morre para o pecado e para si mesmo, e assim morre para a lei. Qual é pois a relação que há entre pecado e lei? O apóstolo define a conexão entre os dois partindo de sua própria experiência pessoal. Nessa conformidade, este trecho é altamente autobiográfico, embora alguns comentadores tenham pensado que Paulo fala aí de modo genérico. O melhor parecer é que é o homem regenerado que aí fala de sua própria experiência. Não temos descrição da experiência da irregeneração per se, senão o retrospecto do homem justo, visto que somente este está em condições de avaliar a escravidão do pecado. Paulo considera típica sua própria experiência. A verdadeira relação entre a lei e o pecado é apresentada sob três aspectos. 1. A LEI REVELA O PECADO (7.7-8) – Eu não teria conhecido o pecado (má concupiscência ou cobiça) se a lei não dissera (7). Se não houvesse lei, não teríamos consciência da força do pecado, e assim estaríamos desapercebidos de sua existência. É isto com efeito um truísmo de ética, que não precisa de comentário. O pecado, tomando ocasião (8-11). O pecado, como qualquer estrategista militar, fez da lei uma espécie de “base de operações”. É este Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 39 o sentido literal da palavra grega aphorme quando aplicada a operações militares. Significa “ponto de partida” e, assim, metaforicamente, “ocasião”, “incentivo”, “oportunidade” (cf. 2Co 11.12; Gl 5.13). A alma, ignorando as proibições da lei, sente-se feliz no pecado que ela não reconhece; quando porém surge o conhecimento do pecado, este rebela- se contra a lei, que prossegue dizendo “Não farás” isto nem aquilo. E desta forma o pecado opera toda sorte de concupiscência (8). 2. A LEI ESTIMULA O PECADO (7.9-13) - Outrora, diz Paulo, eu vivia livre de qualquer consciência de pecado. Eu realmente vivia alheio à lei. Mas, sobrevindo o preceito (isto é, uma particular injunção da lei), reviveu o pecado (gr. anazen, dar um salto para a vida) e eu morri (9). A experiência do apóstolo era que a lei, decretada para promover a vida (cf. 10.5; Lv 18.5) pela obediência, resultou para ele em morte. Com efeito, mediante a lei, o pecado seduzindo-o (Cf. Gn 3.13; 2Co 11.3; 1Tm 2.14) matou-o (11). Esta morte não significa atrofia ou paralisia de uma ou outra função vital. Quer dizer morte completa, aquilo mesmo que impelira Paulo a perseguir freneticamente o Caminho, naquela mania de ódio, da qual só o Senhor o «curou» com a visão da estrada de Damasco. Toda cobiça gerada pela lei (isto é, má «concupiscência») devia apresentar-se com novo aspecto de hediondez à vista do cristão, ao olhar ele para o passado do perseguidor feroz, como Paulo por certo olhou retrospectivamente para Saulo e compreendeu a miséria do seu ódio. O apóstolo insiste que a lei, no todo ou em parte, é santa, justa e boa (12). O fim que se propõe é conceder vida. Apenas quando pervertida pelo pecado e tornada subserviente ao engano deste é que ela opera a morte. O pecado é a maldade que pôs emboscada a Saulo e o matou. A intenção divina era mostrar o pecado em suas verdadeiras cores, como já foi declarado (13; ver vers. 7-8). O pecado, porém, transformou a lei, bênção de Deus, em maldição. Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 40 3. A LEI ENTRA EM CONFLITO COM O PECADO (7.14-25) - O apóstolo atinge agora o âmago de sua amarga experiência. Confessa que vê o melhor e o aprova, mas inclina-se para o pior. Descobre a diferença que existe entre a natureza da lei e sua própria natureza. O espiritual e o carnal (14) opõem-se entre si: um é do Espírito, o outro é da carne, Paulo continua numa descrição clássica de dupla consciência, para traçar seu conflito íntimo entre o que os psicólogos chamam eu organizado e desorganizado. O eu real centraliza-se num ideal, que no caso de Paulo é Cristo, ou a lei santa e boa. O pecado, personificado no retrato gráfico e emocional, é o eu desorganizado que definitivamente não é o Paulo que ele anseia ser. Quando faz o que não aprova declara que não é mais ele que o faz, e sim o pecado (20), identificado aqui com a sua individualidade inferior ou desorganizada. A experiência do apóstolo provê um princípio que vem enunciado no verso 21, o qual opera por toda a vida. “Para estar salva do pecado, a pessoa precisa reconhecê-lo seu e ao mesmo tempo renegá-lo; é este paradoxo prático que se reflete neste versículo” (James Denney). A expressão emocional deste conflito íntimo e dupla consciência culmina num brado de aflição ou desespero (24). Paulo torna a viver a experiência, apresentada como típica, de ser pecador convicto. Desventurado homem que sou! quem me livrará do corpo desta morte? (24). O corpo é o instrumento do pecado e cujo destino é a morte. Tão repulsivo é o pecado e tão sinônimo de morte, que Paulo se agonia por se livrar deste corpo, que ele em seu horror sente que é morte. E vem a seguir a reação repentina no hino de louvor, visto que a salvação inunda sua alma. “Graças a Deus por Jesus Cristo nosso Senhor”. Romanos 8 c) A lei é dominada pela graça (8.1-39) A lei, embora revele e excite o pecado e cause divisão na personalidade, é ainda, no seu propósito, santa e boa. Seria amiga do Romanos (Novo Comentário da Bíblia) 41 homem, se tivesse permissão de operar; mas é enferma pela carne (3). Contudo, mediante Cristo, é forte e condena o pecado na carne, porque Cristo é absolutamente justo e reside em nosso íntimo. Também estamos em Cristo e, por esta união, cumprimos a lei (1-4). A obediência de Cristo é nossa obediência. Satisfazemos, deste modo, os reclamos da lei e desarmamo-la. Assim, neste capítulo o apóstolo traça o curso da vida cristã, na qual a graça triunfa sobre a lei, e os crentes experimentam livramento do pecado. 1. O FRACASSO DA LEI (8.1-4) – O sistema anterior de vida, mediante a obediência à lei, manifestamente nunca logrou êxito. Agora prova-se bom pela encarnação de Jesus e a presença do Espírito. A lei é incapaz de conferir benefícios, mas o que ela falhou em fazer, a graça realizou mediante Cristo e o Espírito Santo. A vida triunfante começa aqui e agora na ausência de qualquer sentença por desajustamento com Deus. Unido a Cristo, o crente é absolvido e está livre para sempre da lei do pecado e da morte. A justa exigência da lei, uma vida reta, é levada a cabo não “por” nós, mas em nós (4). Isto é o que fora impossível à lei (3). A idéia é mais de inabilidade inerente da lei em fazer algo no sentido de uma vida santa, do que meramente de sua impotência por fazer o que Cristo realizou. O fracasso da lei é absoluto. A nova lei sob que estamos é a lei do Espírito da vida em Cristo Jesus, a qual emancipa da lei do pecado e da morte (2). O pecado é estranho à vida humana. É um intruso. Enviando Seu Filho em semelhança de carne pecaminosa
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