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ELITES E PODER AULA 1 Prof. Luiz Domingos Costa 2 CONVERSA INICIAL O surgimento da teoria das elites e os seus pais fundadores (Mosca) A teoria das elites surgiu a partir de um momento histórico e intelectual próprio da humanidade, entre o final do século XIX e o início do século XX. O contexto era de fortalecimento da democracia, com a expansão da participação política nas camadas mais baixas da população – chamadas aqui de massas – que assumiram, nesta época, formas mais organizadas e duradouras. O movimento operário foi um exemplo. Fortalecido pela atividade industrial e a urbanização, criou sindicatos e partidos com o propósito de expandir seus direitos, especialmente o direito de votar. Foi como um ciclo virtuoso: a concessão de direitos mais amplos expandiu o poder de fortalecimento das próprias organizações de massas, que, por sua vez, aumentavam sua capacidade de lutar pela radicalização do ideal democrático. Entretanto, os setores dominantes se preocupavam com essa situação. Para eles, o racionalismo iluminista estava dando lugar a uma era de irracionalismos, com a predominância das emoções e impulsos sobre a razão crítica. Assim, a participação das massas nas decisões políticas era percebida como inviável, tendo em vista o tamanho dos Estados nacionais, e indesejável, diante da ideia de irracionalidade que essa participação poderia gerar na política. Nessa aula vamos abordar as correntes de pensamento que fundamentaram os autores fundadores da Teoria das Elites, o darwinismo social e a psicologia das multidões e, em seguida, explorar a contribuição do primeiro autor, o italiano Gaetano Mosca. TEMA 1 – O DARWINISMO SOCIAL E A PSICOLOGIA DAS MULTIDÕES No século XIX, duas narrativas avaliavam como preocupante e indesejável a participação intensa das massas na política: o darwinismo social e a psicologia das multidões. O primeiro, o darwinismo social, que pregava que as leis da evolução da biologia também se aplicavam à sociedade, na qual existiam elementos mais 3 aptos ao comando e ao domínio; e análises psicológicas que revelavam que as massas e multidões eram incapazes de elaborar um pensamento racional. O maior representante dessa segunda corrente era Gustave Le Bon que, em 1895, publicou o livro Psicologia das Multidões, que em muito influenciou os fundadores da teoria das elites. Para ele, as multidões apresentavam uma unidade mental, que tinha como papel dissipar os pensamentos críticos próprios do homem individual e livre. Além disso, dentro das multidões, o homem teria espaço para dar vazão aos seus instintos, sem ser responsabilizado por seus atos, o que o levaria a abandonar seus interesses pelos da massa. Em resumo, para Bon, a vida política das multidões estava ameaçando conduzir a sociedade à barbárie e ao comunismo primitivo e só as minorias de espírito superior poderiam fazer surgir as civilizações. Os fundadores da teoria das elites, como Bon, também mostram uma visão negativa das massas. Para eles, quando não passivos, esses grupos tendem a usar na política discursos emotivos, irracionais e autoritários. Assim, a própria democracia é vista como perigo. Observando essas características, Bobbio (1986) observa o nascimento da teoria das elites como resposta ao medo das classes dirigentes dos países, envolto numa fortíssima carga polêmica, antidemocrática e antissocialista. Porém, após isso, pelo valor científico que trouxe com algumas de suas proposições, esta teoria acabou se impondo na ciência política. Assim, por mais críticas que se possam fazer aos fundadores da teoria das elites, por seus propósitos e posições políticas, não se pode reduzir o aspecto científico de seus estudos. Como também fundadores da ciência política contemporânea, esses teóricos estavam, em suma, interessados em descobrir como a política funcionava, e não como deveria funcionar. TEMA 2 – GAETANO MOSCA A CLASSE POLÍTICA E A SUA FORMAÇÃO Gaetano Mosca foi um pensador Italiano de Palermo, na Sicília, nasceu em 1858 e faleceu em 1941, em Roma. Cidadão de classe média, formou-se em direito, área na qual atuou como professor. Foi eleito para a Câmara dos Deputados e nomeado Senador Vitalício, mas teve suas atividades interrompidas em virtude de suas críticas ao advento do fascismo na Itália. 4 Sua principal obra foi Elementi di scienza politica, que teve tradução para o inglês. Nela, Mosca apresenta, incialmente, seus métodos científicos para o estudo da ciência política. Ele defendia a importação de procedimentos rigorosos de observação e verificação das ciências naturais para as sociais, mas, ao mesmo tempo, não aceitava a transposição pura e simples dos fenômenos naturais para os sociais. Diferentemente da evolução biológica, em que predomina a lei do mais forte, na sociedade, há uma luta de homens pelo predomínio econômico, social e político – a luta pela preeminência – conforme Mosca. Assim, para ele, o método histórico, com o estudo dos fatos de forma comparativa, serviria ao estudo das sociedades humanas. Com a aplicação desse método, Mosca identificou em todas as sociedades duas classes de pessoas: a dos governantes e a dos governados. Esse fato histórico dá o pontapé inicial a teoria das elites. A generalização (“todas as sociedades”) é ponto importante para o estudioso, tendo em vista que essa regra deve se repetir no futuro. O teórico então denomina os governantes de classe política e os governados de massas. A classe política é a que conduz as sociedades humanas. É menos numerosa e, por consequência, mais organizada. É a minoria organizada, para Mosca. Ela detém os recursos de poder, utilizando-os em seu próprio benefício, exercendo, portanto, todas as funções políticas, incluindo aí as econômicas, religiosas e escolares, além das de governo. Por outro lado, as massas são conduzidas. São governadas, dominadas. São mais numerosas e, portanto, desorganizadas. Não têm a posse dos meios de governo e são dirigidas e reguladas de modo mais ou menos legal, arbitrário e violento. A resposta para o domínio da minoria organizada sobre a maioria desorganizada está na própria construção desta frase. A dominação depende de organização e esta depende do número de indivíduos envolvidos no grupo. Quanto maior o grupo, mas fácil de ser desorganizado e, por consequência, dominado. Porém, Mosca percebe que a condição de minoria não é a única explicação para sua organização, e a encontra também na tipologia das classes políticas existentes ao longo da história. Por meio da análise dos tipos de recursos valorizados socialmente por cada classe dominante 5 historicamente, ele as subdividiu em três grupos: a militar, a plutocrática e a sacerdotal. O teórico idealizava ainda a formação de uma classe política formada por uma aristocracia intelectual, controladora dos recursos do saber, dirigente de um Estado fundamentado nos critérios da meritocracia e não da democracia. Mosca seria o porta-voz dessa última classe. Assim, para além dos números para explicar a organização e o domínio, Mosca esclarece que a ação coesa e coordenada da classe política ocorre porque ela também age envolta de seus interesses em comum, sejam eles religiosos, guerreiros, econômicos ou intelectuais, obedecendo a um “único impulso”. Ela tem como objetivo manter seu monopólio sobre os recursos socialmente valorizados, que lhe possibilitam o domínio político sobre a sociedade. TEMA 3 – UMA TEORIA DA MUDANÇA SOCIAL: A ALTERNÂNCIA DE MINORIAS NO PODER A grande questão trazida aqui é: como é possível uma mudança histórica já que, em termos de poder, as maiorias sempre saem perdendo para as minorias? Para Mosca, a inércia faz isso, fechando o acesso à classe política, restringindo sua entrada por critério de nascimento e de hereditariedade,ou seja, o poder passa de pai para filho. Mas a mudança social ocorre, sim, segundo o autor. E elas ocorrem pela decadência de classes políticas e consequente mudança nas fontes de poder. O nascimento ou fortalecimento de uma nova religião em uma sociedade é um exemplo dessa mudança. A queda de uma classe política vai dar ascensão a outra classe. Para Mosca, essa nova classe pode até surgir de um estrato social diferente, mesmo inferior, à anterior. São indivíduos portadores de novas ideias, novas qualidades e atributos socialmente valorizados. Há, então, um período de transformações. Porém, terminado esse prazo, os que estão no poder vão adquirir os ares de exclusividade da classe anterior e farão tudo para conservar o seu poder. Isso ocorre, segundo o autor, porque as tendências psicológicas do homem são sempre as mesmas, ou seja, buscam sempre o predomínio. 6 Resumindo, a sociedade apenas vê a troca de uma classe política por outra e convive com uma luta entre minorias organizadas. Para entender por que as maiorias aceitam o domínio das minorias, é preciso compreender o conceito de fórmula política. Segundo Mosca, há uma legitimidade atribuída à forma de dominação, dada pela justificação do poder pela classe política, por uma base moral e legal. O conceito de fórmula política é o que identifica esse atributo necessário para que ocorra a dominação. Essa fórmula engloba o conjunto de ideias e costumes de uma sociedade, ou “tipo social”, como define Mosca. Ou seja, a unidade de um povo, construída ao longo da história, em função das experiências comuns que esse povo partilhou, é referência para as crenças, normas e princípios defendidos pela fórmula política. É importante salientar que, por ser um princípio de justificação de poder, a fórmula política não corresponde corretamente ao que ocorre em uma sociedade, seja ela baseada num argumento religioso ou racional. Na democracia, por exemplo, a ideia de “soberania popular” é uma fórmula política, conforme Mosca. Ou seja, a vontade popular não predomina. Apesar disso, a fórmula política apresenta princípios morais socialmente partilhados, sejam eles verdadeiros ou não, legitimando uma relação de domínio. Serve, em resumo, para “cimentar” a unidade de um povo e de sua organização política. TEMA 4 – COMO EVITAR O DESPOTISMO: O CONCEITO DE PROTEÇÃO JURÍDICA Com a explicação dada até então, segundo os conceitos de Mosca, é possível concluir que as sociedades humanas estão condenadas ao despotismo, ou seja, ao predomínio político absoluto de uma única força social. Para o autor, porém, isso pode acontecer em uma sociedade e não ocorrer em outra e para que seja evitado, é preciso que haja uma proteção jurídica dessa sociedade. Essa proteção é formada por um conjunto de mecanismos sociais que regulam a disciplina moral, evitando comportamentos desviantes e antissociais e, por consequência, a própria desintegração da sociedade. São 7 constrangimentos sociais que mantêm os indivíduos dentro dos limites do comportamento moralmente aceito. A proteção jurídica se baseia em diversos mecanismos de controle social, como a religião, por exemplo, mas, para o autor, seu aperfeiçoamento está sustentado principalmente pela organização política. Esse é um elemento normativo da teoria de Mosca, chamada de doutrina da classe política. Para ele, a proteção jurídica é melhor produzida por um governo liberal, por ocorrer nele o predomínio das leis e do interesse coletivo sobre o particular, com maior garantia aos direitos privados da vida e da propriedade. Nesse caso, sem o arbítrio pessoal do governante, a proteção jurídica se configuraria como forma de controle social e, também, como mecanismo que regula a relação entre dirigentes e dirigidos, evitando abusos. No entanto, a proteção jurídica não se resume em aparatos jurídicos. Está também na expressão de forças sociais organizadas, segundo o autor. Essas forças constituem qualquer atividade com influência social e política e, se organizadas, podem se transformar em forças políticas. Ele aponta ainda que a defesa jurídica liberal só opera quando há várias forças sociais organizadas, ou seja, esteja inserida num sistema social complexo. Com várias forças sociais competindo, deve haver o predomínio absoluto de uma delas. Dessa competição nasce o antídoto para o despotismo. Como regime político dessa sociedade, ele indica como mais adequado o sistema representativo censitário, em que apenas uma parte da população, geralmente detentora de um nível alto de renda, poderia votar. O despotismo seria evitado com a competição criada entre as minorias organizadas, que se controlariam reciprocamente. Observa-se, então, que Mosca era contra o sistema democrático porque o voto universal, para ele, causaria o predomínio político exclusivo das massas, por conta de seu valor numérico. Para conseguir seu voto, a classe política teria, então, que adular as massas, ocasionando sua própria degeneração intelectual e política. O autor defende, em suma, um governo misto, que mescla os princípios monárquicos, aristocráticos e democráticos, sem predomínio de nenhum deles. Seria uma forma de proteção jurídica que impediria o despotismo, já que diversas forças políticas organizadas poderiam atuar e se modular mutuamente, e a democracia, com sua “irracionalidade das multidões”. 8 É possível destacar ainda que Mosca critica a teoria dos três poderes de Montesquieu, já que, para ele, os poderes só se equilibram com a presença de forças sociais distintas, sob pena de a organização política existir como mero formalismo. TEMA 5 – OBJETO DE ESTUDO DO CIENTISTA POLÍTICO: COMO SE FORMAM AS CLASSES POLÍTICAS Na segunda parte de sua obra, Mosca se dedica ao estudo da formação e de organização das classes políticas. Ele identifica que as diferenças de princípios e tendências de formação de organização da classe política determinam as diferenças entre os Estados. Princípios se referem a modos de transmissão de autoridade, que ocorreriam: 1) de cima para baixo pelo soberano (princípio autocrático); 2) de baixo para cima, quando os governados escolhem os governantes (princípio liberal). Ambos os princípios podem coexistir, o que seria benéfico, segundo Mosca, porque produziria um equilíbrio político. Há ainda duas tendências de composição da classe política: 1) democrática, quando elementos da classe dirigida substituem ou complementam a classe política; 2) aristocrática, quando o poder da classe política é transmitido aos descendentes de quem já a compõe. Mosca também recomenda a existência simultânea de ambas as tendências. A partir daí, é possível perceber que Mosca não só diferencia as formas de governo, como sugere uma nova tipologia para elas, se importando com a organização e formação da classe política e não com a sua forma numérica. Ele sugere, então, a seguinte composição: 1) governos autocráticos- aristocráticos; 2) governos liberal-aristocráticos; 3) governos autocráticos- democráticos; e 4) governos liberal-autocráticos. NA PRÁTICA Observe a composição do governo municipal em sua cidade, especialmente os ocupantes dos cargos de prefeito, secretários municipais e de vereadores. Em seguida, procure calcular a quantidade desses indivíduos. Por fim, procure analisar que atributos esses indivíduos detêm para poderem ocupar os seus respectivos cargos. Tais atributos seriam as pistas para 9 identificar, nos termos de Mosca, quais seriam os “recursos socialmente valorizados” por esses indivíduos. Esses recursos podem ser econômicos (riqueza), intelectuais (diplomas e habilidades técnicas), religiosos, militares (domínio das táticas de segurança pública) e de celebridade (conhecimento midiático, radialistas). Por último, diante desse mapeamento, procure analisar o quão coeso éesse grupo, isto é, o quanto os membros do grupo entre si são semelhantes ou diferentes. Lembre-se: para Mosca, a coesão do grupo consiste em obedecerem aos mesmos impulsos, ou seja, partilharem de interesses comuns. FINALIZANDO Nesta aula pudemos conhecer as origens da escola elitista em Ciência Política, percorrendo o contexto histórico e intelectual que possibilitou a sua origem. Vimos que do ponto de vista histórico, o Elitismo clássico é uma reação contra os movimentos democráticos e populares do século XIX. Além disso, está apoiada no darwinismo social e na psicologia das multidões. O seu primeiro autor, Gaetano Mosca, é considerado um dos pais dessa teoria (ao lado de Vilfredo Pareto e Robert Michels) e foi o responsável por formular importantes conceitos, tais como o de classe política ou classe governante, fórmula política e proteção jurídica. Suas contribuições tiveram forte apelo no desenvolvimento da ciência política do século XX, inclusive no próprio debate sobre as possibilidades de concretização da democracia. 10 REFERÊNCIAS BOBBIO, N. Gaetano Mosca e a Ciência Política. In: Ensaios escolhidos. São Paulo, C. H. Cardim, [S.d]. p. 185-204. _____. Introducción a La Clase Política. México, Fondo de Cultura Económica, 1992. p. 7-39. _____. Teoria das elites. In: BOBBIO, N.; MATTEUCCI, G.; (Org.). Dicionário de política. Brasília: Ed. UnB, 1986. p. 385-391. BURNHAM, J. Los maquiavelistas: defensores de la libertad (Maquiavelo, Mosca, sorel, Michels, Pareto). Buenos Aires: Olcese, 1986. MEISEL, J. H. The Mith of the Ruling Class: Gaetano Mosca and the Elite. Michigan: Ann Arbor Paperbacks and The University of Michigan Press, 1962. MOSCA, G. La clase política. México: Fondo de Cultura Económica, 1992 [versão resumida por Norberto Bobbio]. _____. The Ruling Class. Elementi di Scienza Politica. New York, Toronto, London: McGraw-Hill, 1939. PERISSINOTTO, R. As elites políticas: questões de teoria e método. Curitiba: InterSaberes, 2012. 1 Prof. Luiz Domingos Costa Elites e Poder Aula 1 Conversa Inicial Aula dedicada ao contexto de origem da Teoria das Elites, ou Escola Elitista Seu contexto histórico e as influências intelectuais Teoria das Elites, origem e pais fundadores Os três fundadores, Mosca, Pareto e Michels, serão estudados detalhadamente Na aula de hoje, após descrever o contexto histórico e intelectual, detalharemos as contribuições de Gaetano Mosca O darwinismo social e a psicologia das multidões São duas teorias contrárias à participação intensa das massas na política Irão embasar os primeiros autores (clássicos da Teoria das Elites) O darwinismo social e a psicologia das multidões 2 Aplicação das leis da biologia para o comportamento em sociedade Existem indivíduos mais aptos ao comando que outros O darwinismo social Gustave Le Bon, Psicologia das multidões (1895) Obra muito influente nos meios intelectuais europeus da virada do século XIX para o XX Psicologia das multidões Visão negativa do comportamento das massas Irracionalidade (unidade mental) Oposta à racionalidade individual Psicologia das multidões A democracia, ao permitir a entrada das massas na política, poderia dar vazão à emotividade, à irresponsabilidade e, portanto, seria indesejável Psicologia das multidões Gaetano Mosca, a classe política e a sua formação Identificou duas classes de pessoas: a dos governantes (classe política) e a dos governados (massas) Tal fato se constitui em uma lei geral Gaetano Mosca, a classe política e a sua formação 3 Menos numerosa (poucos) Mais organizada Detém os recursos de poder e conduz toda a comunidade Obedece a um único impulso A minoria, ou a classe política, segundo Mosca Mosca destacou alguns recursos valorizados socialmente (em cada período) Ele os subdividiu em três grupos: o militar, o plutocrático e o sacerdotal O impulso comum = interesses Mais numerosa (muitos) Desorganizada Pode ser dominada facilmente A maioria, ou as massas, segundo Mosca Quantitativo = poucos Qualitativo = dominar os recursos socialmente valorizados (os que lhe conferem coesão) Os requisitos para a formação da minoria (classe política) Mudança social: alternância das minorias no poder Se em todas as comunidades existe uma minoria que comanda a coletividade, e ela tende à inércia (manutenção do poder), como ocorre a mudança histórica? Uma teoria da mudança social: a alternância de minorias no poder 4 A história muda quando mudam os bens socialmente valorizados A riqueza dá lugar ao saber religioso, por exemplo Uma nova minoria tende a surgir Alternância de minorias no poder A história muda, portanto, na medida em que ocorre a luta entre as minorias organizadas e dotadas com recursos sociais valorizados (especiais) Alternância de minorias no poder Conjunto de crenças partilhadas pela sociedade (incluindo as massas) Soberania popular Independência do judiciário Serve de justificação para o comando da classe política Conceito de fórmula política O conceito de proteção jurídica Mecanismos sociais que servem como limites aos abusos da classe política, evitando o despotismo Proteção jurídica Aparatos jurídicos Limites legais, regras parlamentares Forças sociais organizadas e coexistindo com Partidos Classes sociais Proteção jurídica 5 Para Mosca, a proteção jurídica seria o antídoto ao despotismo de uma classe política na medida em que sugere a competição entre diversas minorias organizadas Proteção jurídica protege do despotismo Defende a mescla dos princípios monárquicos, aristocráticos e democráticos Evitando, ainda, a força avassaladora das multidões (princípio democrático) Defesa do governo misto Como se formam as classes políticas As diferenças de princípios e tendências de formação de organização da classe política determinam as diferenças entre os Estados Objeto de estudo da Ciência Política: como se formam as classes políticas Autocrático (cima -> baixo) Liberal (baixo -> cima) Princípios de transmissão da autoridade Democrático: renovação e substituição dos membros da classe política Aristocrático: transmissão hereditária e reprodução Princípios de composição da classe política 6 Transmissão da autoridade Autocrático Liberal Composição da classe política Aristocrático Governo autocrático‐ aristocrático Governo liberal‐ aristocrático Democrático Governo autocrático‐ democrático Governo liberal‐ democrático Tipologia de formação da classe política Na Prática Observar a composição de um governo municipal Calcule quantos membros ele tem Quais são seus atributos importantes para ocupar o cargo? Quais tipos são (riqueza, diploma acadêmico)? Finalizando A aula compreendeu: Contexto de origem da Escola Elitista Darwinismo social e psicologia das multidões As contribuições do primeiro autor, Gaetano Mosca ELITES E PODER AULA 2 Prof. Luiz Domingos Costa 2 CONVERSA INICIAL Nesta segunda aula, conheceremos as contribuições dos outros dois autores que, juntamente com Gaetano Mosca – abordado na primeira aula –, compõem a trinca dos fundadores da teoria das elites: Vilfredo Pareto e Robert Michels. Vilfredo Pareto nasceu em Paris, na França, em 1848, e faleceu em 1923, em Céligny, na Suíça. Formado em Engenharia, interessou-se por economia, sua área de maior atuação, envolvendo-se, paralelamente, com questões políticas. Suas principais obras na área de sociologia foram Les systèmes socialistes (Os sistemas socialistas), escrita entre 1902 e 1903, e Trattato di sociologia generale (Tratado de sociologia geral), de 1916. Também tentou, sem sucesso, carreira política. Robert Michels nasceu em Colônia, na Alemanha,em 1876, e faleceu em Roma, na Itália, em 1936. Estudou na Inglaterra, na França – na célebre Universidade de Sorbonne –, nas universidades alemãs de Munique, Leipzig e Halle e em Turim, onde posteriormente também lecionou economia, ciência política e sociologia. Max Weber foi seu professor e lhe sugeriu importantes temas de pesquisa. Integrou o movimento socialista e a ala radical do Partido Social- Democrata Alemão (SPD), mas abandonou a causa devido à oligarquização e à falta de democracia interna do partido. Mais tarde, adotou uma visão elitista, simpática ao fascismo. TEMA 1 – PARETO E O MÉTODO CIENTÍFICO ADEQUADO AO ESTUDO DOS FENÔMENOS POLÍTICOS Em relação ao método, Vilfredo pouco difere de Mosca, considerando que o sociólogo deve se afastar de seus preconceitos e paixões, abandonando, portanto, o método dedutivo, que pressupõe verdades inquestionáveis. Assim, segundo o autor, o mais viável é o método lógico-experimental, que se fundamenta em observações do mundo real e, por isso, toma como verdade apenas algo correspondente à experiência. O autor chama de uniformidades experimentais ou leis as regularidades encontradas nas ações humanas, passíveis de observação e experimentação, com base nas quais a ciência estabelece relações. Ainda de acordo com Vilfredo, 3 “a ciência pode dizer quais são os meios eficazes para atingir determinados objetivos, mas ela não pode dizer quais objetivos devem ser perseguidos pela ação humana”. Eis, aliás, a origem da distinção de Pareto entre “verdade” e “utilidade”: a primeira, revelada pela ciência, pode ou não ser socialmente útil, contribuindo para o equilíbrio social; as crenças e os valores dos homens, por sua vez, podem ser, ao mesmo tempo, cientificamente falsos, mas socialmente úteis, garantindo a coesão da sociedade. TEMA 2 – EQUILÍBRIO SOCIAL E CIRCULAÇÃO DE ELITES NA SOCIOLOGIA PARETIANA O grande objetivo da obra de Pareto é saber como o equilíbrio de uma sociedade conserva-se ao longo do tempo, garantindo, assim, sua reprodução. O tema das elites políticas ocupa uma pequena parte de uma ampla e volumosa obra sociológica, que explora diferentes questões relacionadas ao equilíbrio social. O autor se preocupa com as ações humanas e a interação social mais ampla, não se restringindo ao comportamento dos governantes. Eis o que postula a sociologia paretiana: “Todo fenômeno social pode ser considerado sob dois aspectos, isto é, como é na realidade e como se apresenta ao espírito de certos homens. O primeiro aspecto – diz ele – será chamado objetivo, e o segundo, subjetivo” (Pareto, 1935, I, § 149, p. 76). Nesse específico, ele diferencia ações lógicas e ações não lógicas. Como afirma Perissinotto no livro didático: Unindo a primeira distinção – entre a dimensão objetiva e subjetiva das ações sociais – com a segunda – ações que estabelecem ou não a adequação entre meios e fins – é que Pareto irá formular a sua famosa diferenciação entre ações lógicas e ações não lógicas. Segundo ele, do ponto de vista subjetivo, quase todas as ações humanas estabelecem uma relação lógica entre meios e fins. No entanto, com muito menos frequência essa relação se verifica na realidade objetiva. O exemplo clássico apresentado por Pareto descreve os sacrifícios que os marinheiros gregos faziam em louvor a Posseidon, deus do mar. Para esses marinheiros eram os sacrifícios feitos em nome daquele deus que lhes garantia uma navegação tranquila. Portanto, para eles, havia uma relação lógica entre o meio - sacrifício para um deus – e o fim desejado – navegar com segurança. Contudo, é sabido (por meio do conhecimento científico) que essa relação não existe na realidade objetiva. Assim, nas suas consciências, os marinheiros estabeleciam uma relação lógica entre meios e fins (o meio “sacrifício” produz o fim “navegação segura”), mas essa relação não se verificava na realidade objetiva. Sendo assim, para Pareto uma ação só é lógica quando essa 4 relação entre meios e fim se verifica tanto no nível subjetivo (i.e., na cabeça do agente) quanto no nível objetivo (i.e., no desenvolvimento da ação no mundo real) (1935, MS, I, § 150, p. 77). Quando a adequação lógica entre meios e fins só ocorre na cabeça do agente, nós teríamos uma ação não lógica (o que não quer dizer “ilógica”). O mais importante objeto de estudo da Sociologia seria, para este autor, as ações não lógicas, já que elas predominariam na vida social e política (Perissinotto, 2012, p. 55-56). Na segunda parte de sua principal obra sociológica, Pareto discute o conceito de heterogeneidade social, entendendo que a desigualdade “é inata, natural e insuperável” na sociedade. Os estratos superiores da sociedade, formados por indivíduos que obtêm os melhores desempenhos em suas atividades, são chamados de elite ou classe eleita – em suma, “os melhores”. Nessa divisão, há uma subclassificação, que distingue elite governante e elite não governante. A primeira participa direta ou indiretamente – por meio dos recursos sociais de que dispõe – do governo, ao passo que a segunda não exerce comando político. Já a não elite é a massa inferior dos comandados. O equilíbrio social depende da comunicabilidade entre os dois estratos, requerendo a circulação entre ambos, de acordo com o autor. A circulação das elites, renovando os elementos do topo da sociedade e introduzindo indivíduos dos grupos inferiores, evita a convulsão e a degeneração social. Nesse ponto, voltamos à questão da desigualdade levantada por Pareto, para quem, em qualquer atividade humana, os resíduos são desigualmente distribuídos entre as classes superiores e inferiores, o que é determinado por fatores econômicos, sociais e políticos, mas, sobretudo, pela distribuição desigual dos resíduos – fatores psicológicos – necessários para o exercício do comando. Eis os principais resíduos citados por Pareto: 1) instinto das combinações; 2) persistência dos agregados. O autor entende que tais fatores determinam uma forte propensão para, no ato de governar, usar a persuasão e/ou a força. O equilíbrio entre ambos forma a classe governante ideal. Além dessa vocação inata, Pareto aponta que as posições de mando podem ser alcançadas pela “hereditariedade”, sob influência política de famílias que detêm cargos políticos e, ao mesmo tempo, controlam as riquezas e conexões sociais. A degeneração de uma elite política ocorre, então, quando pessoas que não detêm o equilíbrio de resíduos chegam ao poder por meio da hereditariedade 5 – ocasião em que os estratos inferiores contestam o novo poder, que age geralmente com mais persuasão e menos força. Tal degeneração propicia a circulação de elites, com a inserção dos (melhores) indivíduos de camadas inferiores – com resíduos predominantemente de segunda classe, de força – nos estratos políticos para restabelecer a ordem. Nasce uma nova aristocracia. Para Pareto, portanto, as aristocracias não são eternas: diminuem em número e, sobretudo, qualidade. A depender da organização política da sociedade, a consequente ascensão de membros das classes inferiores pode ocorrer de forma institucionalizada (paulatina) ou revolucionária (abrupta). Diferentemente da cooptação política, que inclui indivíduos estranhos na classe governante, mas exclui suas características, a circulação de elites os atrai com suas próprias qualidades. A crítica à sociologia paretiana está no fato de ela produzir um conhecimento “abstrato” ao se ater essencialmente às condições de equilíbrio social, sem, todavia, distinguir uma sociedade de outra. TEMA 3 – ROBERT MICHELS, ORGANIZAÇÃO, OLIGARQUIA E DEMOCRACIA Ao analisar o processo de organização interna dos partidos, Michels revelou como se dá a formação inflexível das minorias dominantes, mesmo nas legendas ditas mais “democráticas”. Sua obra seminal é Sociologia dos partidos políticos,publicada em 1911, na qual esmiúça o processo de organização dos mais importantes partidos socialistas. 3.1 Sociologia das organizações e psicologia das massas Em sua obra, Michels aborda, sobretudo, a sociologia das organizações e a psicologia das multidões. No primeiro caso, ele explica como se dá a implacável divisão entre a minoria dos governantes – oligarquia, conforme ele próprio define – e a maioria dos governados. As organizações formadas e consolidadas, para ele, geram interesses próprios, superando, muitas vezes, os interesses de quem deveria ser representado. A psicologia das multidões de Michels, por sua vez, explica a necessidade (desejo) de as massas serem comandadas. 6 Somadas as duas variáveis, o autor identifica as principais razões que balizam a formação e o domínio da minoria sobre a maioria: 1) técnica e intelectual; 2) psicológica. As razões de ordem técnica e intelectual serão examinadas no quinto tema, ao passo que as de ordem psicológica, que repercutiram menos entre os cientistas políticos, constam no livro didático e não serão abordadas aqui. TEMA 4 – DETERMINAÇÕES TÉCNICAS E INTELECTUAIS DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DAS OLIGARQUIAS PARA MICHELS Na primeira parte de seu livro, Michels defende duas teses para explicar o surgimento das oligarquias, observando os partidos operários: 1) não há democracia sem organização – qualquer grupo deve se organizar para reivindicar algum direito; 2) a organização permite um melhor enfrentamento pelo grupo, mas se contrapõe ao princípio democrático. O conceito de democracia utilizado pelo autor é o dos marxistas do século XX – portanto, o de autogoverno das massas que, em assembleia, deveriam decidir o futuro da comunidade. Assim, para o autor, a democracia é inviável por alguns motivos de ordem técnica – entre os quais, a falta de tempo/espaço para participação direta das massas nas decisões políticas. Portanto, por necessidade, surgem os delegados, que representam as massas. Mesmo com a criação de regras internas para que a representação pelos delegados satisfaça as massas, a consequente complicação e especialização das tarefas organizacionais torna o distanciamento inevitável. As massas não podem ser consultadas a toda hora, nem conseguem fiscalizar de maneira competente as atividades dos delegados, pois não detêm conhecimento para tanto. Então, os delegados dão lugar aos técnicos e profissionais. Nos partidos operários, entram especialistas em economia, direito, leis trabalhistas, comerciais, enfim – uma elite que passa, portanto, a tomar as decisões. Esses fatores dão origem a uma lei sociológica – a conhecida lei de bronze da oligarquia: inevitavelmente, a organização leva à especialização, que, por sua vez, monopoliza na minoria as decisões das massas. Em suma, a organização tende à oligarquia. Isso ocorre em um Estado, nos partidos e em uma liga de resistência proletária. “O governo direto da massa perde terreno para 7 ser suplantado pelo poder crescente dos comitês”, resume o autor, em uma afirmação amplamente testada e reafirmada pelos pesquisadores posteriores. Em contraponto ao pensamento de Vilfredo, que acredita em uma superioridade abstrata e inata, para Michels, a diferenciação entre maioria e minoria se dá por fatores organizacionais bem concretos. O autor entende que os homens não nascem superiores, mas se tornam. Essa transformação também acarreta a profissionalização das organizações, distanciando ainda mais os chefes em relação às massas, devido aos diferentes graus de instrução. Os primeiros possuem, pela função e pelo constante treinamento profissional, superioridade intelectual, base para algo que Michels chama de “indispensabilidade dos chefes”. Eles não podem deixar as organizações (partidos, no caso), pois dominam certo grau de conhecimento. Distinguindo-se de Mosca, para quem a condição de minoria facilita a organização e o consequente domínio sobre a maioria desorganizada, Michels considera que a organização de um grupo propicia a inevitável formação de uma oligarquia interna, que detém o poder. À parte os fatores organizacionais e intelectuais, há elementos de ordem tática que determinam a centralização dos partidos, evocando a necessidade de mobilização e rapidez nas resoluções. Não há tempo para reunir as massas a fim de fazê-las discutir e decidir, sendo preciso responder rapidamente às situações, por meio de direções. Tal representação, entretanto, é uma vontade individual falsamente revestida de vontade das massas. TEMA 5 – MICHELS, OLIGARQUIA E A DEMOCRACIA POSSÍVEL Além da inevitável divisão interna dos partidos operários, a inserção dessas legendas na luta político-eleitoral as fez caminhar rumo ao conservadorismo e à moderação política, como aponta Michels, mesmo com a manutenção de certa retórica revolucionária. A continuidade da organização partidária dependia, então, da moderação, que substituiu a política radical e o ímpeto revolucionário, fazendo com que os interesses das legendas se tornassem os interesses da organização e de suas oligarquias, não mais de seu grupo original. O combate revolucionário depende da organização, que, por sua vez, sucumbe-o. Os chefes detêm a renda, o poder e o prestígio, privilégios que 8 pretendem conservar. Como escreve Michels, “a organização deixa, assim, de ser um meio para tornar-se um fim”. Derrubar a ordem social torna-se um objetivo secundário, depois de manter a organização. O processo de formação inevitável das oligarquias é chamado por Michels de lei de bronze da oligarquia. Para ele, assim como para Mosca e Pareto, elas também decaem e são substituídas por novas minorias dominantes, caracterizando uma eterna circulação das elites. Contrapondo-se à teoria marxista, segundo a qual a abolição das classes levaria a uma sociedade sem dominação política e social, Michels afirma que a presença das oligarquias seria igualmente inevitável no socialismo. Portanto, ao passo que Marx entende a administração da riqueza social como uma mera função técnica, Michels a considera, igualmente, forma de poder. Ao contrário do que se pode imaginar, Michels não defende o domínio oligárquico, mas o que ele chama de “democracia possível”. Os princípios democráticos deveriam ser usados como forma de defesa contra o predomínio das minorias e com vistas ao controle das oligarquias, servindo, igualmente, à renovação lenta e segura da classe política. Precisamente por isso, o autor sustenta que a democracia não pode conter elementos radicais ou de autogoverno das massas. Para funcionar adequadamente, o sistema deve ser visto de forma limitada, apenas para garantir a proteção dos governados e a vigilância das oligarquias. NA PRÁTICA Reflita sobre as contribuições dos dois autores abordados nesta aula, Pareto e Michels, e procure pontuar as principais diferenças entre seus conceitos de elite, elencando os elementos psicológicos inerentes à definição paretiana de classe eleita e os aspectos organizacionais (técnicos e intelectuais) caros à concepção micheliana de oligarquia. FINALIZANDO Nesta aula, aprofundamos a abordagem a respeito das contribuições de Pareto e Michels para a teoria das elites, que, juntamente com Mosca, tema da aula anterior, completam a trindade fundadora dessa importante escola do pensamento político. Conforme assinalado, os três autores sustentam, em 9 uníssono, que qualquer comunidade é governada por uma minoria, sob cujo jugo se encontra a maioria, em contrapartida. Entretanto, os autores também apresentam suas especificidades. Cada qual tem uma concepção a respeito de como se forma a elite política (a minoria) e quais são seus respectivos elementos fundamentais. Nesse sentido, é possível dizer que cada autor tem uma concepção particular sobre os governantes e o poder político. O quadroabaixo sintetiza as principais informações de suas obras e definições de elite. Quadro 1 – Síntese dos pais fundadores da teoria das elites Autor Gaetano Mosca Vilfredo Pareto Robert Michels Principal obra Elementi di scienza politica (1896) Trattato di sociologia generale (1916) Sociologia dos partidos políticos (1911) Terminologia de elite política Classe política Classe eleita ou classe governante Oligarquia, chefes ou dirigentes do partido Aspecto central da conceituação Condição numérica minoritária (poucos) e posse dos recursos socialmente valorizados Posse de qualidades superiores inatas, como inteligência e astúcia. Conceituação psicologizante Aqueles que, alçados à condição de mando devido às necessidades da organização, desfrutaram de treinamento e especialização intelectuais Por fim, vale sempre enfatizar os conceitos-chave de cada autor e suas especificidades, como fórmula política para Mosca, circulação das elites para Pareto e oligarquia para Michels, contribuições retomadas pelos cientistas políticos contemporâneos e reavaliadas por pesquisas empíricas ao longo do século XX, lançando novas questões e discutindo a viabilidade da democracia como forma de governo. 10 REFERÊNCIAS ALBERTONI, E. A. Doutrina da classe política e teoria das elites. Rio de Janeiro: Imago, 1990. MOSCA, G. La clase política. Versão resumida por Norberto Bobbio. México: Fondo de Cultura Económica, 1992. PARETO, Vi. Manual de economia política. São Paulo: Nova Cultural, 1996. _____. São Paulo: Ática, 1984. (Grandes Cientistas Sociais, n. 43). _____. The mind and society. New York: Harcourt, Brace and Company, 1935. v. 4. PERISSINOTTO, R. As elites políticas: questões de teoria e método. Curitiba: InterSaberes, 2012. RODRIGUES, J. A. A sociologia de Pareto. In: RODRIGUES, J. A. (Org.). Pareto. São Paulo: Ática, 1984. (Grandes Cientistas Sociais, n. 43). 1 Prof. Luiz Domingos Costa Elites e Poder Aula 2 Conversa Inicial Nesta 2ª aula, iremos conhecer os dois outros fundadores da Escola Elitista Ao lado de Gaetano Mosca, Vilfredo Pareto e Robert Michels foram a tríade de pais fundadores dessa escola Os fundadores da Teoria das Elites: Pareto e Michels A exposição de cada um dos autores pretende detalhar as contribuições específicas de cada um, ao mesmo tempo em que aponta os aspectos comuns aos três autores Pareto e o método para estudo dos fenômenos políticos Segundo Pareto, o método dedutivo oferece o risco de converter pressupostos em verdades inquestionáveis Opção pelo método lógico- experimental 2 Sugere que o método adequado é o lógico- experimental Encontrar as uniformidades observáveis e traçar relações entre elas Opção pelo método lógico- experimental Distinção entre Verdade: revelada pela ciência Utilidade: contribui para a continuidade das relações sociais (podem ser falsas) Opção pelo método lógico- experimental Equilíbrio social e circulação das elites A preocupação primordial da sociologia paretiana é com o equilíbrio social A reprodução ou a continuidade Pareto, equilíbrio social e circulação das elites O autor define a elite como “os melhores”, ou aqueles com melhor desempenho no seu ramo de atividade, e, dentro desse grupo, a elite governante Os demais compõem a não elite, ou a massa Elite na obra de Pareto Representação dos estratos sociais Não elite, ou massa de dominados Elite Elite governante 3 O equilíbrio social depende da comunicabilidade entre esses dois estratos. É preciso que haja a circulação entre os dois grupos para haver equilíbrio Circulação das elites Michels, organização, oligarquia e democracia Robert Michels investigou como se dá a formação da oligarquia nas grandes organizações (partidos e sindicatos) Michels, organização e formação da oligarquia Diferente de Pareto, para Michels, a oligarquia não decorre de atributos naturais ou inatos, mas é fruto dos processos organizacionais Michels, organização e formação da oligarquia Fenômeno ocorre mesmo nas organizações com perfil democrático Quando a organização cresce para a luta política, oferece terreno para a formação da oligarquia no seu interior Democracia e oligarquia Razões técnicas e intelectuais da formação da oligarquia 4 Conforme a organização cresce, começam a surgir problemas técnicos que inviabilizam a democracia e a participação de todos Razões técnicas Surge a necessidade de criar os comitês, dividir e delegar as tarefas Surgimento dos delegados ou líderes dos partidos Razões técnicas Esses delegados passarão a dispor de mais treinamento e mais informações Surgimento da superioridade intelectual Razões intelectuais Criado um fosso entre os chefes e os membros da base, é muito difícil reestabelecer a horizontalidade na organização Luta por privilégios por parte dos chefes Razões intelectuais Em qualquer organização que tem grande empenho na conquista de objetivos coletivos, ocorre, inexoravelmente, a formação de uma cúpula que controla o poder: oligarquia Lei de ferro das oligarquias Michels, oligarquia e democracia possível 5 De acordo com Michels, a formação de uma oligarquia impede que a democracia participativa possa ocorrer no interior das grandes organizações A oligarquia é compatível com a democracia? Para ele, a democracia deve operar como um princípio, para evitar os abusos e os excessos por parte dos chefes, criando mecanismos de renovação A oligarquia é compatível com a democracia? Evitar o domínio absoluto da cúpula partidária, permitindo a vigilância sobre ela Debate com o marxismo Democracia possível Na Prática Procure destacar os elementos psicológicos inerentes à definição paretiana de classe eleita e, em seguida, destaque os aspectos organizacionais (técnicos e intelectuais) ligados à concepção micheliana de oligarquia Finalizando 6 ELITES E PODER AULA 3 Prof. Luiz Domingos Costa 2 CONVERSA INICIAL A partir de agora, passaremos a abordar os desdobramentos da escola elitista sobre as pesquisas elaboradas no decorrer do século XX, especialmente dos anos 1950 em diante, nos Estados Unidos, país que tomou a dianteira da ciência política. Dois autores foram protagonistas desse movimento: o sociólogo C. Wright Mills, com a obra A elite do poder (1956), e o cientista político Robert Dahl, com Uma crítica ao modelo de elite dirigente (1958) e Quem governa? (1961). Devemos destacar pelo menos três desdobramentos importantes desses empreendimentos: 1. aqueles postulados gerais dos pais fundadores (Mosca, Pareto e Michels) foram tomados como hipóteses e puderam ser examinados por meio de métodos mais rigorosos de pesquisa (ainda ausentes no período dos autores clássicos); 2. um debate metodológico sobre como identificar e mapear o poder numa comunidade; 3. uma discussão sobre a extensão da democracia na sociedade norte-americana, que influenciou o estudo da democracia e das minorias em diversos países no mundo. Nesta aula, iremos conhecer a contribuição de Wright Mills na referida obra de 1956 e as suas observações sobre a democracia nos Estados Unidos. TEMA 1 – A ELITE DO PODER E A CRÍTICA À DEMOCRACIA NORTE- AMERICANA Entre os inúmeros estudos norte-americanos que se dedicam a desenvolver um olhar crítico sobre o sistema democrático dos Estados Unidos, destaca-se a obra A elite do poder, de Charles Wright Mills, publicada em 1956 em pleno desenvolvimento da Guerra Fria e da afirmação, por parte do governo e dos meios de comunicação americanos, de que o seu país seria a encarnação do ideal democrático, das liberdades e da soberania popular. Parte da motivação de Mills era exatamente confrontar essas ideiase apontar que se tratava de uma inverdade. Diferentemente dos autores fundadores da Teoria das Elites (Mosca, Pareto e Michels), que, em geral, viam com preocupação a participação das massas na política e tinham ressalvas quanto à ampliação da democracia, Mills não vê as massas de forma negativa, ou melhor, não se coloca numa posição contra a democracia. Pelo contrário: ele estabelece, nesse ponto, uma visão 3 crítica da sociedade americana. Por isso, o autor é reconhecido como um crítico ácido dos Estados Unidos na segunda metade do século XX. Para ele, essa situação de massificação e embotamento não se formou por razões de ordem psicológica – que seriam imutáveis e naturais –, mas surgiu como resultado de transformações pelas quais passaram a democracia e a sociedade americana durante o século XX. Assim, ao contrário de outros autores, Mills defende mais democracia para a solução do problema, com aumento do poder do homem médio e da participação política. TEMA 2 – A ELITE DO PODER DE WRIGHT MILLS, UMA DEFINIÇÃO POSICIONAL E INSTITUCIONAL O ponto de partida do procedimento metodológico seguido por Mills para mapear a sociedade americana é o entendimento de que esta é controlada por uma minoria poderosa em oposição a uma maioria que não tem poder. Nisso ele não se difere de outros autores. A diferença está em como ele toma esse posicionamento: ao contrário de outros, para ele, essa não é uma lei sociológica universal. Segundo Mills, elementos historicamente condicionados determinariam a existência ou não de uma elite do poder, sua natureza e as dimensões do seu poder. O poder da elite depende, então, da época e da estrutura social. No caso americano, o autor entende que a elite domina porque seus membros controlam os postos de comando da estrutura social. Esses postos concentram, por exemplo, a máquina do Estado, a organização militar, grandes companhias, ou seja, as “principais hierarquias e organizações da sociedade moderna”. São duas, portanto, as características básicas da elite de Wills: 1. a elite é definida pela posição de mando que seus membros ocupam (“definição posicional”); 2. as posições de mando assim o são porque se encontram nas instituições mais importantes da estrutura social (“definição institucional”). Esse é o procedimento metodológico inicial básico do autor. O primeiro passo metodológico é a identificação das ordens institucionais mais importantes da estrutura social. Diferentemente de outros autores, como se pôde ver anteriormente, a definição de elite de Mills nada tem a ver com 4 significado moral, isto é, a elite nada tem de “melhor”, apenas controla os recursos institucionais. Mills a chama de “altas rodas” americana, que domina os meios econômicos, político e militar do país. Para ele, as demais instituições modernas são subordinadas a estas e têm papel marginal, e “chave sociológica” seria o modo de explicar que tipos de pessoas compõem tal elite: a resposta está na observação da alta cúpula das instituições. O segundo passo metodológico é descrever as três ordens institucionais principais que constituem a base da elite americana. Trata-se, então, de descrever as ordens institucionais encontradas por ele anteriormente. Assim, Estado, Forças Armadas e grandes companhias teriam duas grandes semelhanças: 1. expansão alta, ao longo do século XX, em recursos e capacidade de ação; 2. alto processo de centralização organizacional, com concentração de decisões em suas cúpulas. Isso gerou efeitos nas estruturas econômica, política e militar do país. Antes, havia várias empresas competindo, agora, apenas poucas corporações gigantescas. Na política, os estados autônomos deram lugar a um poder centralizado, que interfere em toda a vida social. Já a ordem militar se expandiu, ganhou importância e passou a consumir mais recursos públicos. Com mais recursos de poder, essas ordens institucionais ganham mais capacidade de interferir na vida de todas as pessoas. O terceiro passo metodológico é descrever a inter-relação entre as diferentes ordens institucionais. Trata-se de mostrar como essas ordens institucionais, identificadas e descritas anteriormente, se relacionam. Depois disso, o autor delimita seu objeto, tornando a elite de poder americano um conceito mais claro e definido. Há, segundo ele, total inter-relação entre elas e, por consequência, entre os indivíduos que compõem suas cúpulas. No topo da ordem econômica, estão os executivos de grandes corporações e os mais ricos, na política, os mais poderosos e as principais autoridades estatais, e, na ordem militar, está à frente a elite dos soldados-estadistas. Esses três representantes das cúpulas de cada instituição passam a formar, então, a elite do poder da América. É, segundo Mills, um pequeno e coeso grupo capaz de tomar as principais decisões políticas. 5 O quarto passo metodológico é a delimitação do grupo, sua extensão e unidade. Nesse momento, Mills passa a se preocupar em apontar quais são os cargos que compõem a cúpula das instituições acima mencionadas. Além disso, passa a definir a linha divisória entre os postos considerados de elite e de não elite. Assim, ele define que os membros que tomam decisões de consequência nacional nos âmbitos político, econômico e militar fazem parte da elite. Ou seja, justamente por ocupar o topo das instituições de poder são capazes de tomar decisões dessa magnitude, que afetam toda a nação. Como analista da elite nacional, essa definição de Mills é importante para seu estudo. Já a coesão dos grupos teria três principais pontos como base: 1. compartilhamento de valores e visão de mundo (unidade psicológica); 2. cada vez mais proximidade entre as instituições políticas, econômicas e militares (unidade de interesses); 3. proximidade entre os integrantes das cúpulas das três instituições, formando uma ação coordenada (unidade institucional). TEMA 3 – ANÁLISE DA ELITE, SUA FORMAÇÃO E SUAS RELAÇÕES INTERNAS Após o procedimento metodológico feito por Mills para delimitar o grupo chamado por ele de elite de poder, o autor passa a analisá-lo a partir de seus diferentes aspectos, como educação e os laços pessoais que mantêm entre si. Para o autor, a sistema educacional cumpre um importante papel para a formação da elite do poder, cujas funções principais são unificar a classe e socializar seus membros nos valores e crenças comuns. O sistema educacional, representado essencialmente por escolas particulares preparatórias – algumas dezenas espalhadas pelas principais cidades dos Estados Unidos –, era responsável por produzir unidade de classe em nível nacional. Há, nele, a propagação da distinção entre classes superior e inferior. Ao mesmo tempo, passa-se uma borracha na linha que separa a velha da nova classe, como se ambas pertencessem ao mesmo grupo. Além do nível preparatório, a socialização ocorre nas universidades das elites, que integram a Liga da Hera (Ivy League, composta por Harvard, Princeton, Yale, Dartmouth, Columbia, Brown, Cornell e Universidade da Pensilvânia), e nos clubes exclusivos para alunos de classes superiores. 6 Ocorreria, nessas instituições, a manutenção e a reprodução das amizades já constituídas anteriormente. Os laços familiares e de amizade também servem para unificar e influenciar os próximos pessoalmente. Todos, juntos, cumprem uma função essencial: manter indivíduos com relações muito próximas e que, por isso, que trabalham de forma bastante coordenada no topo das principais instituições dos fundamentais meios nacionais de poder. Nesse momento, Mills dá um passo adiante, mostrando como os membros das classes superiores se garantem na permanência na cúpula das instituições. Depois, ele descreve essas classes em cada uma das ordens institucionais que controlam a sociedade americana, como veremos.3.1 A alta hierarquia da ordem institucional econômica Para Mills, a estrutura objetiva institucional, que permite aos ricos exercerem esse papel, tem um peso maior que seus traços morais e psicológicos, ou seja, de vontade, caráter ou inteligência, mas estes também têm sua função. É preciso, então, compreender a estrutura objetiva das oportunidades, mas também esses “traços pessoais que levam e estimulam determinados homens a explorar essas oportunidades objetivas que a história econômica lhes proporciona”. A acumulação de vantagens é uma dessas características. Ela é entendida como o acúmulo de posições estratégicas em um só indivíduo, que fica, então, com cada vez mais influência e, por consequência, concentra mais riqueza. “Os que têm grande riqueza ocupam uma série de posições estratégicas para fazê-la render ainda mais”, diz Mills. O capitalismo moderno fez com que esses seres muito ricos se juntassem aos altos executivos. Essa junção deu origem ao controle sobre grandes empresas, unidade que fez com que empresas familiares dessem lugar a grandes corporações. O autor observa, nesse ponto, que a economia americana é cada vez mais oligopolizada. Como exemplo ele cita o mercado de ações, que, ao invés de se expandir entre as pessoas comuns, só favoreceu a associação de grandes empresas e reforçou a unidade entre os muito ricos e os altos executivos, por meio da justaposição dos membros de suas diretorias. 7 Os altos executivos são descritos pelo autor como seres oriundos do meio urbano, altamente qualificados, brancos, protestantes, advindos da classe comercial ou profissional, com título superior e não imigrantes. Seus pais são brancos, anglo-saxões e protestantes. São, além disso, integrantes de grandes sociedades anônimas, ocupando dentro delas cargos burocráticos e agindo, às vezes, como empreendedores, com estilo social idêntico ao de seus superiores. A associação desses executivos com os muito ricos forma os “ricos associados”. Essa união transforma em interesses amplos e de classe os que eram antes restritos, ou seja, as associações da indústria, do comércio e dos bancos, em geral, passam a controlar grandes privilégios, como altas rendas, isenção de impostos, influência social e política. Assim, seus membros começam a influenciar as decisões que afetam as pessoas de forma geral. 3.2 A alta hierarquia da ordem institucional militar Wright Mills faz uma análise do surpreendente desenvolvimento da ordem militar nos Estados Unidos. Ele explica que a sociedade daquele país teve verdadeira aversão pela atuação dessa instituição durante muito tempo, mas que, em meados do século XX, muito em função da Guerra Fria, houve um crescimento enorme da influência e da centralização dos militares. Ocorreu a concentração militar nos cargos de estados-maiores, que passaram a lutar pela distância do controle dos civis. O autor observa que, apesar da aparência de democracia civil, os Estados Unidos são cercados de alta influência política e ideológica de seus grupos militares. Em geral, a cúpula da hierarquia militar é oriunda da classe média alta e adepta do protestantismo. Segundo o autor, são várias as razões que explicam a ascensão política dos militares americanos. A principal seria a expansão de sua ordem institucional. Eles passaram a controlar crescentes meios de violência, o que fez com que o grupo tivesse sua importância aumentada e, por consequência, fez crescer sua influência política nas decisões. No campo econômico, também houve crescimento do poderio militar. Os grandes nomes do mundo industrial e financeiro estão em contato direto com os militares, afinal, essa é a área em que o governo americano mais investe e despende seus recursos, seja em tempos de guerra ou de paz. 8 Conclui o autor que há uma relação cada vez mais íntima entre os poderosos da política, da economia e dos militares, todos fazendo parte de uma “elite do poder” unificada. 3.3 A alta hierarquia da ordem institucional política Como parte de sua metodologia, Mills define o que chama de diretório político – elite propriamente política – da seguinte forma: a. A partir de uma definição posicional, escolhendo cargos-chave do governo americano, como presidente, vice-presidente, presidente da Câmara dos Deputados, membros dos ministérios e juízes da Suprema Corte. b. Identificando a origem social e econômica dos indivíduos que ocupam esses cargos, pontuando que, em geral, eles são oriundos de famílias economicamente privilegiadas, o que os dá um passo à frente na disputa política. c. Observando a ocupação desses indivíduos, quando se chega à conclusão de que a maioria deles é de famílias de profissionais liberais e de negociantes, sem ligação política anterior, ou seja, há um predomínio do político não profissional, como delimitado acima, advindo da ordem econômica – em geral, advogados ou homens de negócios. Assim, identifica-se uma unidade entre o domínio político e econômico. d. Identificando origens educacionais (liga de Hera) e geográficas (costa leste) predominantes no grupo analisado, com baixíssima participação de imigrantes, ou seja, formando um grupo bem coeso. Em resumo, Mills utiliza dois procedimentos: 1. o primeiro, critério “posicional”, para explicar quem governa ou quem faz parte da elite política; 2. o segundo para traçar a origem social de tais indivíduos, entendendo de onde vieram e como chegaram ao poder, ou seja, percorrendo seu “itinerário” até lá. TEMA 4 – A ANÁLISE DAS MASSAS Cabe ainda um comentário sobre como Wright Mills avalia as massas. O sociólogo se aproxima dos demais autores clássicos nesse sentido, pois acredita que há influência de fatores psicológicos na massa, como a incapacidade de pensar criticamente, de agir racionalmente, e a alta capacidade de manipulação 9 dos meios, fazendo com que os indivíduos sejam estimulados a agir de forma impulsiva e irracional. Porém, ao contrário de outros autores, Mills entende que esses traços psicológicos não são inatos dos indivíduos, mas construídos socialmente por um processo histórico de expropriação e centralização do direito de formular e emitir opiniões. Seria algo parecido com o processo de concentração econômica, que também se mostra no próprio campo das opiniões. Distanciando-se ainda mais dos outros autores, para quem “a maioria é sempre massa”, Mills acredita numa reversão dessa ordem. Ou seja, como, para ele, a falta da massa na política é uma situação social – não uma lei sociológica e geral –, ela pode ser revertida, com a volta da participação ativa e autônoma da maioria da população na política. Assim, haveria o combate a essa situação e sua reversão em favor da democracia efetiva, que reside na participação não apenas formal, mas efetiva do homem comum. Mills explica que a concentração dos meios de comunicação de massa é ótima para manter o poder da elite, uma vez que não há visão crítica do poder, inviabilizando a ascensão e a resistência dos membros da massa. Para ele, a manutenção desse caminho leva ao autoritarismo, no qual uma elite coesa social e psicologicamente concentra em suas mãos, cada vez mais, a capacidade de definir o destino de milhões de pessoas, sem qualquer controle de baixo. Com essas observações, Mills finaliza sua reflexão afirmando que, ao contrário do que pensam os pluralistas, a democracia americana não é uma realidade, mas um mito. NA PRÁTICA O método de Mills, também conhecido como método posicional, prioriza as posições do topo das principais instituições de uma comunidade, tais como governadores, secretários estaduais, chefes de política e de empresas públicas, além dos deputados estaduais e principais executivos privados. Procure aplicar esse método para uma unidade política (município, estado ou país) e identifique as ordens institucionais decomando, os ocupantes dos seus cargos do topo e, por último, as suas características sociais básicas. Procure responder à seguinte questão: a elite dessa comunidade é pequena e coesa? 10 FINALIZANDO Nesta aula, pudemos conhecer a importante abordagem de Charles Wright Mills sobre a elite política norte-americana. Segundo o autor, o caminho mais indicado para a análise da elite é a identificação de instituições centrais da política nacional americana, membros que ocupam os cargos-chave dessas instituições, origem desses membros e suas conexões internas. Mills conclui que a sociedade norte-americana é dominada por um grupo que concentra as decisões nacionais de impacto na vida de todos, e que a democracia na América tem sido prejudicada pela monopolização crescente do poder nas mãos dessa elite do poder. 11 REFERÊNCIAS DAHL, R. Uma crítica ao modelo de elite dirigente. In: AMORIM, M. S. (Org.). Sociologia Política II. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970 [1958]. p. 90-100. _____. Who Governs? New Haven: Yale University Press, 1989 [1961]. FERNANDES, H. R. Mills. O sociólogo artesão. In: _____. Wright Mills: Sociologia. São Paulo: Ática, 1985. p. 7-35. (Coleção Grandes Cientistas Sociais). GERTH, H.; WRIGHT MILLS, C. Caráter e estrutura social. In: AMORIM, M. S. (Org.). Sociologia Política II. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1970. p. 73-89. WRIGHT MILLS, C. A elite do poder. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981 [1956]. _____. Em defesa de A elite do poder. In: _____. Wright Mills: Sociologia. São Paulo: Ática, 1985. p. 147-163. (Coleção Grandes Cientistas Sociais). 1 36 1 Prof. Luiz Domingos Costa Elites e Poder Aula 3 36 2 Conversa Inicial 36 3 Abordar os desdobramentos da Escola Elitista sobre as pesquisas elaboradas no decorrer do século XX, especialmente dos anos 1950 em diante O elitismo e a decadência da democracia americana 36 4 Tais desdobramentos deram origem a um vigoroso debate sobre a elite nos EUA e sobre a própria democracia nesse país Primeira contribuição que será priorizada nesta aula: Wright Mills, com a obra A elite do poder (1956) 36 5 Robert Dahl, a partir das obras Uma crítica ao modelo da elite dirigente (1958) e Quem governa? (1961) 36 6 A elite do poder e a crítica à democracia norte-americana 2 36 7 C. Wright Mills tinha inclinações políticas democráticas, distanciando-se dos pais fundadores das elites Estava preocupado com a decadência da democracia no período da Guerra Fria A elite do poder e a crítica à democracia norte-americana 36 8 Para o autor, a democracia norte- americana vinha se desintegrando perante a força crescente das elites e dos meios de comunicação A elite do poder e a crítica à democracia norte-americana 36 9 A elite do poder de Mills: definição posicional e institucional 36 10 A existência da elite deve-se ao fato de um pequeno grupo dominar os postos de comando da estrutura social Máquina do Estado Organização militar As grandes companhias empresariais Definição da elite em Wright Mills 36 11 A elite é definida pela posição de mando que seus membros ocupam (definição posicional) Definição da elite em Wright Mills 36 12 As posições de mando são assim definidas porque se encontram nas instituições mais importantes da estrutura social (definição institucional) Definição da elite em Wright Mills 3 36 13 1) Identificar as ordens sociais mais importantes da estrutura social 2) Descrever essas ordens institucionais Passos metodológicos de Wright Mills 36 14 3) Descrever as relações entre as ordens institucionais 4) Delimitação do grupo, da extensão e da unidade Passos metodológicos de Wright Mills 36 15 Compartilhamento de valores e visão de mundo (unidade psicológica) Proximidade entre as instituições políticas, econômicas e militares (unidade de interesses) Passo 3) A coesão do grupo (elite norte-americana) 36 16 Proximidade entre os integrantes das cúpulas das três instituições, formando uma ação coordenada (unidade institucional) Passo 3) A coesão do grupo (elite norte-americana) 36 17 Análise da elite, sua formação e suas relações internas 36 18 O capitalismo moderno fez com que esses seres muito ricos se juntassem aos altos executivos Essa junção deu origem ao controle sobre as grandes empresas Alta hierarquia da ordem institucional econômica 4 36 19 Essa unidade fez com que empresas familiares dessem lugar a grandes corporações O autor observa, nesse ponto, que a economia americana é cada vez mais oligopolizada Alta hierarquia da ordem institucional econômica 36 20 Muito em função da Guerra Fria, ocorreu a concentração militar nos cargos de estados- maiores, que passaram a ser cada vez mais influentes Poder estratégico, político e econômico Alta hierarquia da ordem institucional militar 36 21 A partir de uma definição posicional, deu-se a escolha de cargos-chave do governo americano, como presidente, vice- presidente, presidente da Câmara dos Deputados, membros dos ministérios e juízos da Suprema Corte Alta hierarquia da ordem institucional política 36 22 Ao analisar a origem social e econômica dos indivíduos que ocupam os cargos citados, constata-se que eles, em geral, são oriundos de famílias economicamente privilegiadas, o que os coloca um passo à frente na disputa política Alta hierarquia da ordem institucional política 36 23 Visualização O. I. militar O. I. Econômica O. I. política EP ELITE DO PODER 36 24 Modelo de Wright Mills Poder nos Estados Unidos: O Modelo proposto por C. Wright Mills Os Grandes Líderes - Corporativos - Políticos - Militares O Nível Médio - Congresso - Outros Legisladores - Líderes de grupos - Líderes locais Massas de pessoas – desorganizadas, The masses of people — unorganized, exploited, and mostly uninterested Maior Poder Menor Poder 5 36 25 Análise das massas 36 26 Certa proximidade com Mosca, Pareto e Michels Mills enxerga fatores psicológicos nas massas, o que dificulta o seu agir político Relação com os clássicos da Teoria das Elites 36 27 Difere daqueles autores porque entende que tais fatores são mutáveis e não são inatos, e que são devidos aos meios de comunicação Análise das massas 36 28 Entende, finalmente, que as massas podem participar, desde que ocorra descentralização das decisões-chave, revertendo aquela elevada concentração de poder nas mãos de poucos Análise das massas 36 29 Na Prática 36 30 Procure aplicar esse método para uma unidade política (município, estado ou país) e identifique as ordens institucionais de comando, em seguida, os ocupantes dos seus cargos do topo e, por último, as suas características sociais básicas 6 36 31 Responda à seguinte questão: a elite dessa comunidade é uma elite pequena e coesa? 3632 Finalizando 36 33 Nesta aula, pudemos conhecer as contribuições de C. Wright Mills sobre a elite e a democracia nos EUA 36 34 Conforme o autor, o caminho mais indicado para análise da elite é a identificação das instituições centrais da política nacional americana e dos membros que ocupam os cargos-chave dessas instituições, além de pesquisar a origem desses membros e as suas conexões internas 36 35 A conclusão do autor é a de que a sociedade norte americana é dominada por um grupo que concentra as decisões nacionais de impacto na vida de todos, e que a democracia na América tem sido prejudicada pela monopolização crescente do poder nas mãos dessa elite do poder 36 36
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