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MATERIAL DIDÁTICO ÉTICA E FILOSOFIA U N I V E R S I DA D E CANDIDO MENDES CREDENCIADA JUNTO AO MEC PELA PORTARIA Nº 1.282 DO DIA 26/10/2010 Impressão e Editoração 0800 283 8380 www.ucamprominas.com.br Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 2 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................................... 3 UNIDADE 1 - A ÉTICA NA FILOSOFIA ANTIGA ......................................................................................... 5 UNIDADE 2 - A ÉTICA CRISTÃ: A FILOSOFIA MEDIEVAL ................................................................... 17 UNIDADE 3 - A ÉTICA NA FILOSOFIA MODERNA .................................................................................. 24 UNIDADE 4 - ÉTICA CONTEMPORÂNEA ................................................................................................... 30 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................................. 35 Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 3 INTRODUÇÃO Há duas perspectivas principais para a ética: a ética do dever e a ética do maior bem possível. Ambas as perspectivas receberam inúmeras derivações que, no momento, não serão objetos de nosso estudo. A ética do dever tem como princípio o seguinte fundamento: a melhor ação é esta porque isto é o correto a ser feito. A ética dos fins tem como princípio: ainda que isto signifique uma ação moralmente incorreta, neste momento, é melhor tomá-la e evitar um mal maior no futuro. Em geral, um exemplo significativo desse dilema se dá em relação a moral religiosa. Na Bíblia está escrito que não devemos julgar para não sermos julgados. Tomando ao pé da letra, tal preceito impediria todo o funcionamento do sistema judiciário. No entanto, o mesmo preceito pode ser compreendido em outra perspectiva, qual seja, não queirá julgar se alguém é ou não pecador, portanto, que ninguém diga que o outro está condenado às penas divinas, pois somente Deus julga. Em relação à lei dos homens, trata-se de um julgamento meramente humano e nada tem a ver com as leis divinas. Tal interpretação, porém, só é compreensível a partir do momento em que vemos a lei como laica, isto é, que não se pode tomar preceitos religiosos para fundamentar leis civis, porque as religiões dentro de um mesmo Estado podem ser muitas e, nenhuma, deve ter a primazia para orientar o comportamento de todos os cidadãos. Nas teocracias – tanto as atuais como as antigas – as leis da religião oficial se tornam também leis civis, portanto, os que julgam condenam tanto o criminoso como o infiel. O dilema ético contemporâneo que se encontra em maior evidência é o do aborto. Há dois casos em que o aborto é considerado legal: se resultado de um estupro e se a gestação coloca em risco a vida da mãe. Do ponto de vista da ética do dever, portanto, com exceção desses dois casos e da anencefalia, autorizar um aborto porque a mãe não deseja ter o filho seria inadequado. Porém, o argumento daqueles que partem do princípio da “ética do maior bem possível” é a de que impedir o aborto legal leva milhares de mulheres às clínicas clandestinas causando mortes ou problemas de saúde que mais tarde deverão ser atendidos no sistema Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 4 público de saúde elevando os custos para toda a sociedade. Portanto, para esse grupo, autorizar o aborto é uma forma de minimizar a morte de mulheres e reduzir os custos da saúde pública. Orientação aos leitores A metodologia deste trabalho adota a História da Filosofia como referência para o desenvolvimento do tema Ética. Além disso, dentro da História da Filosofia abordamos alguns filósofos. Apesar dos temas éticos contemporâneos serem nosso foco principal, não podemos perder de vista a fundamentação dos problemas filosóficos que não podem ser desprezados ao discutirmos os problemas éticos contemporâneos. Aliás, ao contrário, tais problemas devem ser tratados com todo o rigor filosófico possível, por isso, se nos delongamos na filosofia antiga é porque ali nasceram as grandes teorias éticas, cuja consistência permeia até os nossos dias. Mudaram, porém, os problemas, por isso, novos filósofos devem abordar novos problemas, sem romper com a história do pensamento filosófico. Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 5 UNIDADE 1 - A ÉTICA NA FILOSOFIA ANTIGA Por José Benedito de Almeida Júnior 1 1.1 ÉTICA SOFÍSTICA A filosofia nasce com os filósofos conhecidos como pré-socráticos, dentre eles destacamos Tales de Mileto, Anaximandro, Anaxímenes, Parmênides, Heráclito, Demócrito. Buscavam o conhecimento sobre a origem de todas as coisas, a chamada physis, muitas vezes incorretamente traduzida por natureza. O período da Filosofia da physis é conhecido também por cosmológico, pois sua preocupação era antes de mais nada com a ordem do universo, a definição do ser, a origem das coisas. Os sofistas modificaram o tema da filosofia, transportaram o tema principal para o homem. Assim, as relações humanas, as possibilidades da linguagem, a cultura, a política, passam a ser os novos objetos de investigação da Filosofia. O período sofístico também passa a ser conhecido como humanístico. Como foram adversários de Sócrates, Platão e Aristóteles, os sofistas passaram para a histórica como falsos filósofos, afinal, nos diálogos platônicos foram desmascarados por Sócrates. No entanto, a partir do século XIX, especialmente, vários filósofos recuperaram a imagem dos sofistas procurando entender seus pensamentos por suas próprias expressões e não mais pelas palavras de Platão. Outro fenômeno causado pelos sofistas foi a disseminação da cultura helênica, pois esses filósofos circulavam por entre as cidades, ensinando a quem os contratasse para ensinar. A arte da oratória e da escrita foram levadas aos seus graus máximos de excelência, pois além de ensinarem, tais filósofos também defendiam pessoas em tribunais públicos, ou posições políticas nos debates. Sua ferramenta era a linguagem e seu objetivo demonstrar os erros de raciocínio do 1 José Benedito de Almeida Júnior é professor de Filosofia na Universidade Federal de Uberlândia; mestre e doutorando em Ética e Filosofia Política pela Universidade de São Paulo. Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 6 adversário, bem como impor o seu. Aristóteles registrou em seus elencos sofísticos os principais recursos retóricos utilizados por eles. Dentre os principais sofistas destacaremos dois: Protágoras e Górgias. O primeiro nasceu em Abdera e sua frase mais conhecida é “o homem é a medida detodas as coisas” esse é o conceito de homo mesura. Tal concepção nos remete à ideia de que o conhecimento das coisas, ou da verdade sobre as coisas, é resultado da construção humana, ou ainda, da construção possível da linguagem humana. Não há uma verdade oculta a ser desvendada pelos raciocínios filosóficos, mas a verdade reside justamente na linguagem. Os pré-socráticos buscavam a relação entre physis (origem) e logos (saber/linguagem); para Protágoras, há somente o logos, sabedoria e linguagem se fundem numa unidade indissolúvel. Górgias de Leontinos, em sua obra, ataca os fundamentos da Filosofia pré- socrática a partir de três teses fundamentais. A primeira afirma: “o ser não existe”. Tal tese nos remete a ideia de que não há uma verdade oculta por trás das coisas a qual pode ser desvendada. Não há, portanto, nenhuma physis a ser descoberta pelo logos. Em sua segunda tese afirma: “se o ser existisse não poderia ser pensado”; essa concepção nos remete à ideia de que o pensamento está dentro do limite humano e que, portanto, não é possível conceber o ser das coisas, mas somente o próprio pensamento. Ora o nosso pensamento não é o ser das coisas, mas apenas pensamento. Também afirma: “se existisse e fosse pensável, não seria comunicável”; aqui vemos a delimitação do uso da linguagem. Nesse caso, a ideia central é a de que mesmo que pudéssemos pensar o ser, não haveria como comunicá-lo a outra pessoa, porque a linguagem não nos permite transmitir as coisas mesmas, mas somente suas representações em forma de palavras e fonemas. Conclusões. A respeito da ética sofística podemos compreender que para eles como não há verdades ocultas por trás das aparências das coisas, não há também nenhum critério absoluto e intocável que possa orientar a conduta ética. Essa deve ser definida dentro do limite humano do pensamento e da palavra. Assim, não buscam um princípio metafísico de verdade, justiça, bem ou qualquer outro que possa servir de orientação para o estabelecimento daquilo que é bom, mau, justo ou Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 7 injusto na vida concreta dos homens. Essas coisas devem ser conhecidas e definidas a partir da própria realidade humana, homo mesura, da linguagem e da cultura. Tais filósofos, evidentemente, são acusados de relativismo ético, pois dessa forma, não havendo critério absoluto para definir o que é bem e o que é mal estamos sempre à procura dos critérios de definição. Dentre estes acusadores está o maior adversário que enfrentaram: Sócrates. 1.2 Sócrates O pensamento socrático foi registrado por dois discípulos: Xenócrates e Platão. No entanto, apesar de inúmeros pontos em comum, há diferenças entre os registros destes dois discípulos. Em Xenofonte, temos um Sócrates bem mais próximo dos sofistas, pois, em geral, os registros de seus argumentos estão presos ao campo da linguagem e ele mais faz destruir a argumentação dos adversários do que, propriamente, demonstrar verdades sobre a ética. Em Platão, no entanto, Sócrates além de contra-argumentar os pensamentos sofísticos registrados em diálogos como Górgias, Protágoras, Laquês, Teeteto, também demonstra a necessidade de se encontrar princípios que estejam além da realidade e que devem nortear a ética. Assim, a ética socrática diferencia-se da sofística, nesta perspectiva, na medida em que esta não está baseada em princípios metafísicos e aquela, busca tais princípios para orientarem a conduta do indivíduo, bem como a lei. Por exemplo, lemos nas Memoráveis de Xenofonte: “Farei também por contar como Sócrates formava seus discípulos na dialética. Achava que, quando se conhece bem o que seja cada coisa em particular, pode-se explicá-la aos outros; mas que, se se ignora, não admira que se engane a si mesmo e consigo aos outros”. Aristófanes foi o primeiro a dizer que Sócrates mais parecia um sofista do que propriamente seus adversários em sua peça teatral As Nuvens. Nietzsche, em A Gaia Ciência, também o chama de sofista. Sua obra, registrada pelos escritos de Platão, destaca-se por opor-se ao pensamento sofístico. Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 8 1.3 Platão A doutrina ética de Platão nos remete à ideia de que existem: o bem, a verdade, a justiça, e outros elementos da ética. Ao contrário dos sofistas que não acreditavam na existência desses entes. Uma vez que, se pode conhecer, por exemplo, o que é o bem, então os casos particulares nos quais deve se julgar o que é o bem e o que é o mal deve ser orientado por aquele conhecimento do que é o bem. Ora, conforme Platão, não podemos depreender o que é o bem ou o que é o justo somente observando os casos concretos que ocorrem, tal observação nunca se esgotará, haverá sempre a possibilidade de novos eventos. Será preciso usar de um critério que não derive dos casos particulares, mas ao contrário, que oriente a análise desses casos. Por isso, em Platão, o conhecimento e a ética estão profundamente imbricados. Afinal de contas, para que se julgue uma ação conforme a ética é preciso de um critério e esse só pode ser obtido por meio do uso abstrato da razão. Nesse filósofo, o modelo da geometria é fundamental para a Filosofia. Por meio de raciocínios, podemos nos distanciar da dependência dos casos particulares, dos fenômenos e entender o que as coisas são. Esta é a teoria das ideias, isto é, o que as coisas são? Ideias. No entanto, as coisas concretas, os fenômenos ou as aparências existem de fato, mas são apenas uma, das inúmeras possibilidades de existências das ideias. Tomemos como exemplo uma mesa. Ora por mais que observemos todas as mesas existentes no mundo hoje, não esgotaremos uma definição do que é mesa: quadrada, redonda; de madeira, de ferro; para cozinha, para sala; branca, azul? Definir o que é mesa é antes um exercício da razão do que de observação. Como dissemos anteriormente, se definir o que é mesa exige o uso da razão, definir o que é justo ou injusto torna-se ainda mais complicado. Por isso, Platão insiste em abandonar a observação dos casos reais e avançar cada vez mais em direção à ideia em si, ou como ele diz, a coisa – em – si. Vejamos o que nos diz no livro VII da República: “Sócrates – Mas como? Achas espantoso que um homem que passa das contemplações divinas às miseráveis coisas humanas revele repugnância e pareça Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 9 inteiramente ridículo, quando, ainda com a vista perturbada e não estando suficientemente acostumado às trevas circundantes, é obrigado a entrar em disputa, perante os tribunais ou em qualquer outra parte, sobre sombras de justiça ou sobre as imagens que projetam essas sombras, e a combater as interpretações que disso dão os que nunca viram a justiça em si mesma?” (Platão, 1987, p. 255). Esse princípio de que nosso conhecimento não passa de sombras do que as coisas realmente são (no exemplo acima, a justiça em si mesma) sintetiza os dois pólos principais de seu pensamento, isto é, o problema do conhecimento e o da ética. A alegoria da caverna, também presente no livro VII da República, é a mais conhecida ilustração que Platão faz desses dois pólos. “Sócrates – Agora, prossegui, imagina da maneira que se segue o estado da nossa natureza relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens numa morada subterrânea,em forma de caverna, tendo a toda a largura uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoço acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, dado que a cadeia os impede de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada alta: imagina que ao longo dessa estrada está construído um pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam diante de si e por cima das quais exibem suas maravilhas. Imagina, agora, ao longo desse pequeno muro, homens que transportam objetos de toda a espécie, que transpõem o muro, e estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda a espécie de matéria; naturalmente, entre esses transportadores, uns falam e os outros calam-se. (...) E, para começar, achas que, numa tal situação, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e dos seus companheiros, mais do que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que lhes fica defronte? (...) E, portanto, se pudessem comunicar uns com os outros, não achas que tomariam por objetos reais as sombras que veriam?” (pp. 251 – 252). Essa alegoria ilustra muito bem o problema platônico: o que nós observamos são as sombras dos objetos reais e não os objetos mesmo. Portanto, perdemos nosso tempo tentando descobrir o que as coisas são pelo que “vemos”, isto é, pelo Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 10 conhecimento dos inúmeros fenômenos onde a justiça, o bem, o mal, o belo aparecerem. 1.4 Aristóteles Aristóteles foi o mais famoso discípulo de Platão. Enquanto este fundou e dirigiu a Academia, seu discípulo fundou e dirigiu o Liceu. Aristóteles, apesar da admiração pelo mestre e por Sócrates, não deixou de efetuar críticas a eles e elaborar sua própria Filosofia. Essa se estende por vários campos, a Física, a Metafísica (ou Filosofia primeira em suas palavras), a linguagem, o raciocínio e, como não poderia deixar de ser, sobre ética e política. Sobre a ética sua obra mais conhecida é a Ética a Nicômacos, este não é outro senão o próprio filho de Aristóteles. São vários os temas presentes nos livros da Ética a Nicômacos, o bem, a excelência moral, o meio termo, a amizade, o prazer e outros, concentrar-nos-emos nos mais significativos para esta obra. No livro 2 da Ética, Aristóteles afirma que o propósito desse livro não é o conhecimento teórico, mas o prático, porque seu objetivo não é somente dar a conhecer o que é a excelência moral, mas praticá-la. Assim, precisamos entender o que é a excelência moral e como ela pode ser alcançada. A excelência moral é uma disposição da alma que pode ser alcançada somente pelo hábito. Para Aristóteles nossa alma possui três manifestações: emoções, como os desejos de cólera, medo, temeridade, inveja, alegria e outros; as faculdades que são nossas capacidades naturais, como por exemplo, a inteligência; e disposições as quais podem ser para a excelência ou para a deficiência. As disposições para a excelência ou para a deficiência moral não decorrem das emoções, mas de uma escolha, portanto não somos excelentes ou deficientes moralmente por natureza, mas por escolha. Ou seja, não são nossas emoções que nos fazem escolher esta ou aquela ação, mas nossa disposição para a excelência ou deficiência moral. Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 11 “A excelência moral, além de proporcionar boas condições à coisa a que ela dá excelência, faz com que esta mesma coisa atue bem”, como por exemplo, a excelência dos olhos é a de serem sadios e permitirem uma boa visão; assim como o cavalo são é sadio e permite transportar o homem. Ter excelência moral é bom em si e suas consequências também o são, ou seja, o resultado das ações de quem possui excelência moral são bons em si. Por outro lado, a excelência moral é a nossa disposição para escolher o meio termo, por meio da percepção. Assim, quando estamos diante de situações que exigem uma escolha moral, a razão não é o único critério de escolha, pois há também necessidade da percepção e da excelência moral. A excelência nos leva a escolher o bem; a razão, o meio termo. Esse não pode ser encontrado universalmente, isto é, não existe um meio termo natural do objeto, pois é preciso sempre levar em conta as condições de escolha, daí a necessidade da razão para nos levar a compreender qual é o meio termo em cada circunstância. Por exemplo, seis é o meio termo entre dez e dois; mas comer um quilo de alimento pode ser muito, assim como, duzentos gramas, pouco. Conforme a pessoa seiscentos gramas não são, necessariamente, o meio termo. Eis alguns exemplos que ilustram o meio termo: o meio termo entre o medo e a temeridade é a coragem; o meio termo entre a insensibilidade e a concupiscência é a moderação; o meio termo entre a avareza e a prodigalidade é a liberalidade; o meio termo entre o irascível e o apático é o amável; o meio termo entre o acanhado e o impudente é o recatado; o meio termo entre a inveja e o despeito é a indignação justa. Ora, da mesma forma que o médio é maior que o menor e menor do que o maior, os dois extremos, isto é, as duas disposições que pecam pelo excesso ou pela falta, relativizam, o meio termo. Por exemplo, o corajoso é chamado de covarde pelo temerário e de temerário pelo covarde; da mesma forma, o moderado é Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 12 chamado de insensível pelo concupiscente e de concupiscente pelo insensível. É bem mais fácil atingir o excesso ou a falta em relação à excelência moral do que o meio termo, pois como dissemos, é preciso ter percepção das condições. Por isso, quando se procura agir pelo meio termo, mas se incorre no excesso ou na falta, deve-se observar se a ação não ficou muito longe do que seria o seu ponto de equilíbrio. Deve tomar cuidado, no entanto, para não se afastar demais do meio termo seja para mais, seja para menos para que a pessoa não se torne censurável. 1.5 A Ética no período Helenístico Entende-se por Filosofia helênica aquela formada pelo pensamento grego clássico. Por Filosofia helenística a Filosofia formada pelo contato do pensamento grego com outras fontes – especialmente as orientais. No século II antes de Cristo, Atenas ainda é o centro do pensamento filosófico, mas Alexandria, o centro das ciências. Essa passagem foi decorrente da desarticulação do mundo grego graças às invasões sofridas desde os macedônicos até os romanos. Por um lado, o pensamento grego perdeu a sua pureza, por outro, deu origem a novas filosofias marcadas profundamente pela ruptura entre a ética e a política. Em geral, os críticos apontam essa ruptura porque entendem que a Filosofia clássica formava cidadãos, afinal o indivíduo não teria qualquer identidade isolado de sua sociedade. Afirmam que a Filosofia helenística toma como principal motivo a formação do indivíduo, porque não havia mais sentido formar um cidadão para participar de uma sociedade na qual as leis eram impostas pelo imperador. A Filosofia helenística, por causa desses fenômenos, é também conhecida como período ético. Várias escolas filosóficas formaram-se nesse período: o cinismo, o ceticismo, o epicurismo, o estoicismo; todas, porém,inseridas na história da Filosofia, ou seja, de um modo ou de outro, variando de fonte filosófica de influência, remetem suas ideias ao pensamento filosófico anterior a eles. Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 13 a) O cinismo. A escola cínica é conhecida também por ser a mais anti-cultural de todas as escolas helenísticas, exatamente porque, considera toda a cultura artificialidade humana que somente nos afasta da vida para a qual os deuses nos prepararam. Viver as fadigas impostas pela natureza – suportar o frio, a fome, o calor – era uma forma de temperar o espírito e o corpo para poder superar as ilusões que os homens criaram e chamavam de sociedade. Daí as “esquisitices” que marcaram sua história: viver num barril, carregar somente um manto, desprezar o luxo e a riqueza. Diz-se que certa vez Alexandre Magno sabendo que Diógenes se encontrava próximo e conhecendo a fama do filósofo apelidado de cão, foi ter com ele. Acercando-se do filósofo que estava deitado no chão propôs-lhe: “pede-me o que quiseres e eu te darei!” Diógenes, mesmo reconhecendo seu poderoso interlocutor, respondeu de maneira direta: “Afasta-te do meu sol!” b) O Epicurismo A primeira escola helenística surgiu em Atenas ao final do século IV (306 – 307 a.C.) e já captava o sentido da necessidade de mudança, pois ao invés de se localizar próximo à ágora (praça pública) localizava-se em um lugar afastado do centro urbano, no campo, num prédio dominado por um imenso jardim (daí kéros). Por isso a ruptura com a Filosofia da interpretação, vizinha do comércio onde se “discutia o preço”, interpretio. As principais teses epicuristas podem ser resumidas nos seguintes itens: a realidade é plenamente cognoscível pela inteligência humana (crítica aos filósofos que duvidavam de nossa capacidade de conhecer a realidade material, especialmente Platão); nas dimensões do real existe espaço para a felicidade do homem; a felicidade é a falta de perturbação; para atingir essa felicidade e essa paz, o homem só precisa de si mesmo; não lhe servem a cidade, as instituições, a nobreza e todas as coisas e nem mesmo os deuses: o homem é autárquico, isto é, governa-se por si mesmo. O pensamento de Epicuro é, predominantemente, ético, fundamentado na lógica e na física. A primeira é importante para determinar os critérios que nos permitem chegar à verdade; a segunda, por que demonstra a constituição do real; e Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 14 então, chega-se à ética, que estuda a finalidade do homem, ou seja, a felicidade. Sobre a física de Epicuro pode-se afirmar que está diretamente inspirada nas doutrinas dos atomistas Leucipo e Demócrito, com mudanças em algumas concepções. Para Epicuro, ao contrário de Platão, as sensações não devem ser descartadas do campo do saber, ao contrário, são reais porque pertencem à própria estrutura atômica da realidade. A física de Epicuro é uma ontologia, isto é, ao refletir sobre a natureza reflete, fundamentalmente, sobre o ser. Seus fundamentos são: o nada nasce do não-ser e nada se dissolve no nada. Matéria gera matéria. O todo é composto apenas por dois elementos fundamentais: os corpos e o vazio que nada mais é do que espaço, distanciando-se da noção de não-ser de Platão. É importante observar que para Epicuro a alma é material, composta por partículas sutis. A ética epicuréia está baseada nos princípios anteriores, por isso, sendo o homem matéria, sua felicidade será também material: seu bem é seu prazer. Essa é a sua teoria do hedonismo, da felicidade. Normalmente, acredita-se que a ética de Epicuro leva à uma concepção de fruir, desregradamente, dos prazeres. No entanto, se analisarmos corretamente seu pensamento verificaremos que isso deve ser interpretado como uma incitação à imoralidade. Para Epicuro a felicidade é obtida por dois princípios: aponia, que significa a ausência de dor no corpo; ataraxia: ausência de perturbação na alma. “Quando dizemos, então, que o prazer é bem, não aludimos, de modo algum aos prazeres dos dissipados, ou aos produzidos pela sensualidade, como crêem certos ignorantes em desacordo conosco ou não nos compreendem mas ao prazer de nos acharmos livres de sofrimentos no corpo e à ausência de perturbação na alma”. (Epicuro, 1980, p. 17). Também, para ele, existem três tipos de prazeres: os naturais e necessários: por exemplo, comer, beber, repousar, abrigar-se e outros semelhantes; Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 15 os naturais, mas não necessários: comer bem, sorver bebidas finas, vestir-se com luxo e outros semelhantes; os não naturais e nem necessários os quais devem ser evitados, como o desejo de riqueza, poder, honrarias, glória e outros semelhantes. Os quatro remédios do sábio são conclusões inevitáveis da lógica e da física que nos levam à aceitar a rigorosa ética, são eles: são vãos os temores em relação aos deuses e ao além; a morte é um mergulho no nada, por isso não deve nos apavorar; o prazer está à disposição de todos; o mal dura pouco e é facilmente suportável. c) O Estoicismo O estoicismo é representado por grandes nomes como Zenão de Cítio (336 – 264 a.C.), Cleanto de Assos (280 – 210 a.C.) e Sêneca (4 ou 2 até 65 d. C.). A física dos estóicos gregos caracteriza-se por supor que todas as coisas corpóreas são semelhantes aos seres vivos. O sopro divino, presente em tudo, é quem faz com que todas as partes que compõem os corpos se tornem interdependentes. Assim, o Universo é a junção de todas as coisas unidas por um sopro ígneo (alma). A Razão Universal (o logos) seria essa alma comum, que a tudo penetra e organiza. Assim, tanto na natureza como na vida humana não haveria lugar para o caos nem para a desordem, pois é estar contra o logos. Dessa física decorre que tudo é corpóreo e sujeito a ciclos de surgimento e desaparecimento; sujeitos estamos à predeterminação de tudo, pois somente a predeterminação pode explicar a ordem perfeita das coisas. A ética, cujo lema é “seguir a natureza”, decorre dessa física. Uma vez que a natureza é logos, segui-la é estar de acordo com o que há de melhor para o homem. A virtude moral é o acordo do homem com sua natureza, quando caminha nesse sentido, pratica a prudência. O que leva os homens a viverem de forma contrária à sua natureza são as paixões, cujo surgimento e ampliação podem ser explicados pela influência do meio externo sobre os homens, por exemplo, por meio da educação. Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 16 Para Sêneca o corpo humano é um mal necessário, uma prisão, uma passagem; enganam-se aqueles que vivem para o corpo e não para a alma, pois ela é eterna, ao passo que o corpo é transitório. Porém, em virtude de sua necessidade não se deve negligenciar as necessidades do corpo, por outro lado, não se deve ser seu escravo, pois se nos entregamos às suas volições também estragamos nossa alma. Sintetizemos alguns dos principais aspectos da filosofia de Sêneca para compreendermos melhor o pensamento estóico. a) o homem é um ser corpóreo e espiritual. O corpo é uma prisão para a almae devemos, portanto, livrarmo-nos o máximo possível da influência deste sobre ela; b) a razão é parte do espírito divino imerso no corpo humano; c) para Sêneca Júpiter é o único Deus, todos as outras divindades que ele cultuava eram consideradas manifestações de Júpiter. d) a pessoa é o composto de corpo e alma; assim esta palavra atinge para ele um elevado teor ético, contrariamente a toda a filosofia anterior na qual significava, meramente, aparência; e) o ser pessoa iguala a todos os homens, quaisquer que sejam suas diferenças aparentes; f) podem os homens diferir quanto ao corpo, podem diferir quanto à fortuna, mas somente pela razão de todos serem bons por natureza, tornam-se iguais; g) a pessoa humana representa algo sagrado, na carta 4 a Lucilio afirma: Deus está perto de ti,; está contigo; está em ti. Sim, Lucilio, um espírito santo reside em nós, o qual observa e nota as más e boas ações nossas” Contudo, este espírito só habita os virtuosos e não aqueles que se entregam aos vícios. Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 17 UNIDADE 2 - A ÉTICA CRISTÃ: A FILOSOFIA MEDIEVAL A Filosofia cristã é caracterizada pela formação de um pensamento influenciado pela filosofia grega e pelos preceitos morais do cristianismo, orientados pela Bíblia e por seus intérpretes. O nascimento da Filosofia cristã ocorre com a formação de um período conhecido por patrística, o qual pode ser definido da seguinte forma: “elaboração doutrinal das crenças religiosas do cristianismo e na sua defesa contra os ataques dos pagãos e das heresias” (Abbagnano, 2003, p. 746) Então, a Filosofia cristã tinha por objetivo justificar a fé no cristianismo, mas precisava combater a filosofia pagã e as heresias, por vezes também orientadas pela Filosofia. Assim, era preciso tornar-se filosófica também. 2.1 A virtude cristã e a virtude pagã Em geral, observa-se que, em relação à ética, a Filosofia cristã está muito próxima da Filosofia helenística, porque o cristianismo não é uma religião nacional, mas universal. A virtude do cristão não é a mesma virtude do cidadão. Enquanto a desse é marcada pelo amor à pátria, a qual vale mesmo a pena sacrificar a própria vida, aquela é marcada pelo amor a Deus, ao qual vale a pena sacrificar a própria vida. São vários os exemplos, durante a antiguidade, de heróis que sacrificaram a própria vida por amor à pátria. Catão é um exemplo romano e os 300 de Esparta que morreram na batalha das Termópilas são um exemplo grego auto-sacrifício em nome da pátria. Por outro lado, os mártires cristãos sacrificaram-se por sua fé; desde Estevão, aos mártires da perseguição romana até o édito de Milão, não morreram por pátria terrena, mas celeste. Esta diferença entre o sacrifício cristão e o pagão nos demonstra uma mudança significativa na estrutura ética. Enquanto a virtude no paganismo é a do cidadão, do guerreiro que defende sua pátria, a do cristão é a do auto-sacrifício, ser morto, mas não matar. Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 18 Maquiavel observará em seu Príncipe que o príncipe deverá parecer ter as virtudes cristãs, tais como a piedade, a humildade, a recusa à violência, o perdão, mas não deverá praticá-las sob pena de ser um mau governante e por todo o Estado em risco, por exemplo, como perdoar um inimigo que ataca sua cidade? Como ser piedoso com os traidores da pátria? Enfim, do mesmo modo que a virtude no modelo cristão representou um choque para a virtude pagã, também a autonomia da política na era moderna chocou-se contra os princípios cristãos. 2.2 A Cidade de Deus Santo Agostinho, ou Aurélio Agostinho, nasceu em 354 em Tagasta, norte da África e faleceu em Hipona, em 430. Sua obra pode ser considerada a mais importante do início da filosofia cristã, justamente porque conseguiu conciliar, definitivamente, a doutrina filosófica de Platão aos princípios morais do cristianismo. É bom advertirmos ao leitor que Agostinho não teve contato com toda a obra platônica e, muitas vezes, suas fontes eram os neo-platônicos e não exatamente os diálogos do discípulo de Sócrates. Na Cidade de Deus Agostinho responde a uma acusação dos pagãos. Para eles a invasão de Roma por Alarico em 410 fora consequência do enfraquecimento do espírito de cidadania dos romanos em razão da penetração da moral cristã. Como vimos, a moral cristã enfraquece o espírito nacional e fortalece o universal. Agostinho escreve essa obra com o intuito de responder esta acusação dizendo que ao contrário do que os detratores do cristianismo falavam, o que enfraqueceu o espírito romano não foi a moral cristã, mas a situação de falta de moral, de absoluto desregramento na qual havia mergulhado a moral pagã. Então, em sua perspectiva, o rigor da moral cristã seria uma salvação para Roma e não a sua perdição. Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 19 2.3 A liberdade do cristão Um ponto central da ética cristã é o problema da liberdade. A questão pode ser posta mais ou menos da seguinte forma: nascemos sob o pecado, isto é, o pecado original. No entanto, este pode ser perdoado com o batismo. O problema se desloca, no entanto, para depois deste primeiro momento, quando o cristão se vê diante dos dilemas éticos da ação e tem liberdade de escolha. Assim, o pecador é alguém que diante de uma escolha, decidiu-se por agir de modo contrário ao recomendado pela moral cristã. A perspectiva de Santo Agostinho é a de que somos dotados por Deus do livre arbítrio, isto é, da liberdade de escolha. Para ele a chave do problema está na noção de vontade. Enquanto para os gregos a liberdade é uma escolha racional, ou pertence à esfera da razão, Santo Agostinho reconhece que a vontade está além do campo da racionalidade. Nossa razão pode até nos mostrar o que deve ser feito, mas nossa vontade pode nos conduzir para outros caminhos. Ele viveu isso plenamente, pois antes de converter-se ao cristianismo teve, como relata em suas Confissões uma vida libertina. Portanto, nossa liberdade está em resistir aos apelos da vontade e fazer aquilo que é correto e não aquilo que desejamos, pois estes desejos não pertencem à nossa natureza humana, mas foram impostos pela educação. Evidentemente, o referencial estóico na formação da Filosofia cristã é de absoluta evidência, mas o cristianismo não se resume em ser uma reprodução do estoicismo, havia novas questões para serem resolvidas. Dentre elas, Santo Agostinho nos alerta para o fato de que se os homens tentam ser livres e viver somente com as próprias forças uma vida correta não o conseguirão, o homem não pode pretender ser “autárquico”, isto é, governar a si mesmo, pois é preciso que uma força superior nos ajude a superar as tentações. Essa força superior é a graça divina. Ela não nos torna seu escravo, ao contrário, nos liberta verdadeiramente das paixões e do pecado, que é para onde ela nos conduzem. A graça divina é libertadora, porque, desde a tradição epicurista e estóica, considera-se que viver ao sabor das paixões não é ser livre, mas tornar-se Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 20 escravo dos próprios desejos.Quem não é senhor de seus desejos e vontades é escravo dos mesmos. Sozinho, o homem não tem capacidade de libertar-se desta servidão, a razão grega, por mais imponente que seja foi incapaz de salvar os homens, completamente, ainda que tenham os sábios, como Sócrates, chegado muito próximos da verdadeira libertação, não a conseguiram, pois não contaram com a conversão ao cristianismo. A graça divina não tem o poder de eliminar a vontade humana, mas pode torná-la boa. Os conceitos livre arbítrio e graça divina, portanto estão profundamente imbricados, pois a razão é insuficiente para nos fazer preferir o bem ao mal; ainda que possa demonstrar qual é o bem e qual é o mal, ela não nos pode fazer escolher. Como vimos, nossa vontade de preferir o bem ao mal também não é suficiente, mas sim, é preciso que a graça divina nos converta a preferir o bem. Santo Agostinho tornou-se a principal referência para a formação filosófica dos cristãos durante séculos da Idade Média até que a influência de Aristóteles suplantou a de Platão, especialmente na Escolástica e na obra de Santo Tomás de Aquino. Contudo, em termos de teologia e do livre arbítrio sua obra continuou como uma referência fundamental. Assim, sua obra continuou a influenciar novos pensadores e, dentre estes, encontra-se Erasmo de Roterdã (1466 – 1536), em cuja obra encontramos o tratado Sobre o Livre Arbítrio. Encontramos em sua obra críticas severas à escolástica e um retorno às origens, do ponto de vista da história, ao cristianismo primitivo, e do ponto de vista filosófico aos padres da Igreja, ou seja, ao período patrístico com especial destaque para Santo Agostinho. Assim, suas concepções sobre o livre arbítrio são muito próximas daquelas de Santo Agostinho, por isso, vamos abordar agora não seu pensamento, mas o de seu mais ilustre adversário, Martinho Lutero. Sobre a liberdade do Cristão: Martinho Lutero Martinho Lutero (1483 – 1546) foi o fundador do protestantismo, contudo, sua formação intelectual se deu dentro da Igreja Católica, pois foi monge agostiniano. Aliás, é clara a influência de Santo Agostinho sobre seu pensamento e, tal como Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 21 Erasmo, com base nele tornou-se crítico da escolástica e sua filosofia árida e distante da vida do cristão. No entanto, afasta-se de Erasmo na medida em que rompe, definitivamente, com a Igreja em seu desejo de reforma; Erasmo também crítico dos péssimos costumes que tomavam conta da instituição, não aceita a posição de ruptura. O auge de seus debates se dá em torno do tema da liberdade. Erasmo publicou em 1524 seu Do Livre Arbítrio tendo em vista criticar as já propaladas teses de Martinho Lutero, esse respondeu-o em Do Servo Arbítrio em 1525. O pensamento de Lutero, apesar de ser um forte crítico do pensamento filosófico, teve grande influência na história da filosofia, pois forneceu uma série de elementos críticos à autoridade da interpretação das escrituras – e consequentemente, qualquer autoridade que queira se impor sobre a razão. Seus pontos fundamentais são: a doutrina da justificação, unicamente, pela fé; a doutrina da infalibilidade da Escritura considerada única fonte de verdade; a doutrina do livre exame da Bíblia ou do sacerdócio universal; a doutrina da predestinação. Quanto à primeira destas doutrinas trata-se de uma posição radical contra uma ala dominantes da Igreja Católica que defendia a venda de indulgências como forma de salvação pelas obras. O problema não estava na venda da indulgência em si, mas no abuso que se fez dela para a reforma da Igreja de São Pedro em Roma e as estratégias nada éticas de John Tetzel para convencer os fiéis a doarem dinheiro à Igreja como forma de salvação da alma. Lutero radicaliza ao máximo suas posturas frente aos desmandos da cúpula da Igreja e defende, ardentemente, a doutrina da salvação unicamente pela fé. Além do que, os católicos como Tetzel afirmavam que quando se dava um dízimo à Igreja, Deus se via obrigado a conceder uma graça ao donatário. Para Lutero, essa postura era inaceitável, pois, de alguma Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 22 forma, os homens estavam tentando obrigar Deus a fazer algo, o que era um absurdo. A segunda doutrina se opõe à política da Igreja Católica de basear sua autoridade, não somente na Bíblia, mas numa série de documentos canônicos, como os resultados dos concílios. Para ele, estes documentos escritos por homens poderiam ser submetidos ao exame da razão e não deviam ser considerados verdades incontestáveis. Além disso, os próprios concílios se contradiziam, com teses abandonadas ou retomadas constantemente. Dessa postura, nasce sua crítica à ideia de infalibilidade papal, isto é, que a opinião oficial do Papa é sempre correta. A terceira doutrina afirma que todos possuem luzes de razão suficientes para ler e interpretar a Bíblia. Tradicionalmente, a Igreja Católica considerava desaconselhável que os fiéis lessem a Bíblia, pois como é um livro repleto de parábolas e histórias cujas interpretações deveriam ser orientadas por um correto e profundo conhecimento das Escrituras. Enfim, a exegese da Bíblia exige uma formação adequada para que não se a interprete literalmente dando origem a uma série de heresias. Para Lutero, se a interpretação da Bíblia exige determinados conhecimentos, então que sejam ensinados àqueles que desejam aprender. Para que ela fosse mais acessível ao povo, providenciou sua tradução para o alemão, dando origem às traduções da Bíblia para as línguas vulgares. Além disso, não adotou a Bíblia dos Católicos que era baseada na Septuaginta, preferindo o cânone da Bíblia judaica. Sua posição fortaleceu no meio protestante o estímulo à leitura da Bíblia e, portanto, ao estudo. Sua doutrina da predestinação se opõe frontalmente ao livre arbítrio, pois trata-se de uma tese na qual o destino dos homens já está traçado e não há como sabermos se Deus nos reservou a condenação ou a salvação. Em geral, essa tese causa algum embaraço naqueles que não enxergam nela a possibilidade de se compreender qual a responsabilidade que temos sobre nossos atos se tudo já está previsto pela mente divina, ou seja, se Deus já predisse o que aconteceria conosco, então não seríamos responsáveis por nossas ações. Ora, essa interpretação não é condizente com o pensamento luterano. Para ele, de fato, Deus já determinou quem Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 23 será salvo e quem será condenado, mas nós não sabemos em qual grupo estamos. Por isso, a responsabilidade de nossos atos recai sobre nós mesmos. A religião continua até nossos dias a influenciar o pensamento ético e os códigos morais, contudo, tais posturas não são essencialmente diferentes destas analisadas aqui. Por isso, passemos agora à Idade Moderna, onde as reflexões sobre a ética tentam livrar-se da influência religiosa e procuram fundamentar-se unicamente na natureza humana e na razão. Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 24 UNIDADE 3 - A ÉTICA NA FILOSOFIA MODERNA Podemos dizer que na idade moderna a tendência geral épela busca de uma ética laica, ou seja, de uma ética que esteja baseada somente na racionalidade, na natureza humana e não na religião. O motivo desta mudança está no fato de que a liberdade religiosa se expandiu de maneira definitiva, assim, pensadores de diversos credos buscam diferentes referenciais, mas estão em busca de uma ética universal, que valha para todo gênero humano e não somente para um grupo social específico. O anglicano Locke, o protestante Bayle, o judeu Espinosa, o católico Pascal. De qualquer forma, a problemática geral da ética continua em pé, pois todos estão em busca da compreensão do comportamento humano. 3.1 Baruc Espinosa (1632 – 1677) retoma os princípios socráticos e estóicos de ética, ou seja, para ele, o vício é resultado da ignorância e a virtude do conhecimento. Por outro lado, para ele, as paixões nos dominam somente quando não as compreendemos. Desta forma, em linhas gerais, a ética de Espinosa implica naquela perspectiva de que é pela razão que nós controlaremos as paixões e passaremos a ter um comportamento ético, portanto, a razão é o fundamento de todas as virtudes. 3.2 Blaise Pascal (1623 - 1662) parte de um princípio diferente daquele de Espinosa. Para ele, a razão é insuficiente para levar os homens à grandeza moral. Ele próprio converteu-se a uma ordem religiosa católica, extremamente, rigorosa do ponto de vista do comportamento e devotada ao conhecimento. Define, então, dois conceitos fundamentais: o espírito de geometria e o espírito de finesse. O primeiro é correspondente à racionalidade científica a qual Pascal conheceu desde a juventude, pois foi grande matemático e inventou a máquina de calcular, da qual obteve não somente a patente, como continuou aperfeiçoando o modelo. O espírito de finesse refere-se a uma forma de compreensão da realidade que ultrapassa os limites da pura racionalidade matemática ou científica. Pascal está convicto de que a razão não é suficiente para conduzir os homens. Agora, deixemos as proposições éticas particulares de alguns filósofos e mergulhemos nas duas correntes éticas mais representativas da modernidade: o Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 25 utilitarismo e o kantismo. Em outras palavras, a ética voltada para o que é mais útil para a maioria e a ética voltada para o dever. 3.3 Rousseau: a moral como razão e consciência Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778), filósofo genebrino, é muitas vezes considerado um dos mais influentes inspiradores do romantismo. Essa corrente filosófica caracteriza-se por uma valorização da natureza em oposição à super- valorização da cultura. Trata-se de um retorno ao “seguir a natureza” dos estóicos. Sua obra é marcada pela relação intrínseca entre ética e política, pois para ele, como vemos no texto que abre este trabalho, ética e política devem ser compreendidas juntas, quem as separa não entende, nem de uma, nem de outra. Sobre a ética podemos lembrar que, para Rousseau, a razão é insuficiente para conduzir a vontade humana. Em seu Discurso sobre as Ciências e as Artes afirma que se o gênero humano dependesse da compreensão do que os moralistas escrevem em seus grossos livros, há muito teria desaparecido. Isto significa sua desconfiança quanto à pedagogia dos moralistas que pretendem ensinar lições de morais e convencer seus leitores racionalmente a preferirem o bem ao mal. No entanto, não devemos supor que, para Rousseau, a natureza humana é má por sua origem, de forma alguma. No Discurso sobre a Origem da Desigualdade formulou sua tese de que o homem nasce com uma tendência para preferir o bem ao mal e somente prefere este quando a educação que recebeu em sociedade o leva a não mais ouvir e seguir “a voz da natureza”. Por isso, em seu Emílio ou da Educação procura demonstrar passo a passo como o mal vai lentamente penetrando o coração humano e deturpando sua origem boa. Para ele, o que nos leva a preferir o bem ao mal não é a razão, mas a consciência, tal como apresenta no Emílio: “Consciência! Consciência! Instinto divino, voz celeste e imortal; guia seguro de um ser ignorante e limitado, mas inteligente e livre; juiz infalível do bem e do mal, que tornas o homem semelhante a Deus, és tu que fazes a Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 26 excelência de sua natureza e a moralidade de suas ações; sem ti nada sinto em mim que me eleve acima dos bichos, a não ser o triste privilégio de me perder de erro em erro com a ajuda de um entendimento delirante sem regra e de uma razão sem princípios” (1992, p. 338). Não devemos supor, no entanto, que Rousseau seja um irracionalista apenas porque duvida dos limites da razão. De forma alguma, podemos ver em sua proposição uma ética do irracional, mas do sentimento e da consciência, pois a razão pode nos fazer compreender o que é o bem e o que é o mal, mas não tem força suficiente para direcionar nossa vontade. 3.4 O utilitarismo Trata-se de uma corrente predominante no pensamento inglês dos séculos XVIII e XIX que abrangia as áreas da ética, da política e da economia. Stuart Mill foi seu primeiro teórico. O utilitarismo propunha transformar a ética numa ciência da conduta humana, portanto, transformar a ética em uma ciência exata como a matemática e a geometria. Ora, tais ciências assumem determinados axiomas e, a partir deles, deduzem as consequências. Tratava-se de encontrar os axiomas fundamentais da ética e deles deduzir as consequências inevitáveis. Seu fundamento não será, de forma alguma, o bem ou o mal em si mesmos, porque não há bem ou mal em si. Também não está preocupado em definir a natureza humana, ou seja, saber se ela é boa ou má em sua origem. Toma como referências os homens tais quais se comportam e procura formas de fazê-los comportarem-se de maneira útil para a sociedade. O pensamento utilitarista pode ser sintetizado na fórmula clássica de Cesare Beccaria: “a maior felicidade possível, compartilhada pelo maior número possível de pessoas” (Dos Delitos e das Penas). Há, portanto, uma coincidência entre a utilidade individual e a utilidade pública, no entanto, de modo proporcional. Assim, não se trata de se escolher o melhor bem público em si, porque não existe, mas de escolher Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 27 o melhor bem possível, para a maioria das pessoas. A influência do utilitarismo nas doutrinas econômicas resultou na radicalização das doutrinas liberais, as quais, por sua vez, sabiam que a liberdade de mercado poderia trazer alguns danos para a sociedade, mas por outro lado, também permitiam bens maiores. Outra influência decisiva da doutrina ética utilitarista se encontra na obra O Príncipe de Maquiavel. No capítulo XVIII afirma sua máxima mais conhecida: os fins justificam os meios, a qual, a rigor foi assim enunciada: “Nas ações de todos os homens, especialmente os príncipes, contra os quais não há tribunal a que recorrer, os fins é que contam”. (1995, p. 113) Por vezes, o príncipe deverá tomar determinadas decisões que ferem os princípios da moral cristã, ou mesmo não cumprir a palavra dada. No entanto, isto não deve acontecer ao seu bel-prazer, mas como resultado inevitável das circunstâncias. Se essas mudam, não deve o príncipe prender-se às máximas da religião porque os danos de uma postura desse formatopodem ser maiores do que os danos causados por sua decisão. Por exemplo, o inimigo está às portas da cidade para invadi-la, o que fazer? Perdoa-los e oferecer a outra face? Ainda que a decisão por uma guerra viole outro princípio o do, não matarás, o príncipe deve fazer uma escolha que deve oferecer o maior bem possível ao maior número possível de pessoas. O mesmo se dá em relação a palavra dada. Muitas vezes, o príncipe empenha sua palavra numa promessa futura, mas se as circunstâncias se modificam e manter o que havia prometido for causar mal a um grande número de pessoas é melhor deixar sua palavra e fazer o que é melhor para a maioria. 3.5 Kant e a ética do dever Immanuel Kant (1724 – 1804), filósofo alemão, realizou uma obra que pretendia sintetizar a filosofia até então e propô-la em novas bases. Supõe que sua teoria do conhecimento é uma síntese do empirismo (de David Hume, por exemplo) e o inatismo (de Descartes). Seu pensamento ficou conhecido como criticismo porque algumas de suas obras mais importantes iniciam com esta palavra: Crítica da Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 28 Razão Pura e Crítica da Razão Prática. Enquanto a primeira formula os princípios que demonstram como nós podemos conhecer, a segunda se refere à moral. A palavra prática para Kant, não tem o mesmo significado que lhe atribuímos hoje. Para ele, como herança da obra de Aristóteles, prática se refere ao mundo moral da ação e da esfera política. Nesse caso, a Crítica da Razão Prática é um livro sobre a ética. Para Kant, a razão humana não é apenas teórica, mas também prática, ou seja, não é apenas capaz de conhecer possui a capacidade de determinar a vontade e, portanto, a ação moral. Por esse motivo, Kant pode ser considerado o maior expoente moderno da ética do dever, isto é, que nós devemos pautar nossas ações conforme o dever moral revelado a nós pela razão. Abaixo sintetizamos o caminho percorrido pelo pensamento kantiano do qual faremos a análise a seguir. Os princípios práticos podem ser máximas (subjetivas) ou imperativos (objetivos). Os imperativos, por sua vez, podem ser hipotéticos (que são prescrições práticas, divididas em regras de habilidade e conselhos de prudência); ou categóricos (que são leis morais). As máximas são subjetivas porque valem somente para os indivíduos que as propõem, por exemplo, “vinga-te da ofensa que receberdes”. Ora, diz-se que serve somente ao indivíduo que a propõe porque se todos agirem assim a sociedade logo se destruirá. Portanto, as máximas não têm valor universal, logo não podem tornar- se leis morais. A respeito dos imperativos hipotéticos é importante observar que o termo “hipotético” não tem o mesmo significado ao qual o atribuímos hoje. Aqui talvez pudéssemos falar em imperativos condicionais, porque eles determinam a vontade com a condição de que alcancem determinados objetivos. Uma prescrição prática é aquela que determina um objetivo imediato, por exemplo: “se quiser boas notas, deve estudar”. Um conselho de prudência é mais geral, suas orientações não remetem a um objetivo tão específico, como por exemplo, “seja cortês para com os mais velhos”. Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 29 Os imperativos categóricos possuem valor universal, não somente para quem enuncia o princípio, mas para todo ser racional. Giovane Reale sintetiza desta forma o imperativo kantiano: “o imperativo categórico, portanto não diz ‘se quiserdes... deves’, mas sim ‘deves fazer, porque deves’ ou ‘deves e pronto’”. (1990, p. 904). Kant definiu alguns imperativos categóricos que possuem, conforme ele, valor universal, por exemplo: “não deves nunca prometer em falso”. Para identificarmos o imperativo categórico basta nos perguntarmos diante de uma ação que faremos: “se todos agirem conforme você o que ocorrerá na sociedade?” Podemos distinguir o imperativo categórico do hipotético sob duas perspectivas. A primeira é: o imperativo categórico nos propõe uma lei moral, porque o fim resultante da sua ação não é necessariamente o benefício de quem observou a lei. Por isso, trata-se da ética do dever; a segunda, que o imperativo categórico pode ser praticado por todo gênero humano e isto não implicará a destruição da sociedade. Por fim, os conceitos de heteronomia e autonomia em Kant concluem o desenvolvimento do trajeto ético. A heteronomia, palavra cujo sentido literal significa “lei alheia” é obedecer às leis. Depois, passa-se à autonomia (lei própria). Ora, a autonomia não significa viver alheio às leis sociais, mas de admitir as leis civis como boas para si. Por exemplo, as leis nos obrigam a usar o cinto de segurança nos automóveis (heteronomia), porém, quando admitimos que é melhor utilizar o cinto do que circular nos automóveis sem eles, passamos da heteronomia para a autonomia. Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 30 UNIDADE 4 - ÉTICA CONTEMPORÂNEA Sobre a ética contemporânea nos concentraremos sobre um grupo específico de pensadores os quais possuem em comum a busca de fundamentos éticos materialistas, ou seja, não querem recorrer a preceitos que dependem de princípios metafísicos ou religiosos. Noções sobre “o que é o homem”, “o que é o bem”, “o que é justiça” são considerados princípios metafísicos e as noções que derivem dos livros sagrados ou das teologias, não servem como base para esta ética. Por outro lado, abordaremos também uma escola filosófica que fundamenta suja ética em princípios morais baseados tanto na metafísica quanto na religião, trata-se do personalismo. 4.1 Friedrich Nietzsche ( (1844 – 1890) atacou todos os fundamentos morais metafísicos e religiosos, porque considerava que eles serviam somente para tornar os homens dóceis e não permitiam sua realização plena. Em Além do Bem e do Mal e Genealogia da Moral Nietzsche desenvolve seus argumentos contra a moral fundada, especialmente, na filosofia clássica ou metafísica e no cristianismo. Sobre a primeira, seu alvo de críticas é, especialmente, Sócrates e Platão. Para Nietzsche, Sócrates nos lançou para noções de ética para o mundo das ideias, separando o sensível do inteligível e, com isso, retirou as relações éticas do limite humano, tal como haviam estabelecido os sofistas. Definir o que é ético ou não, está dentro dos limites da linguagem, das relações humanas e não em princípios obtidos por meio de reflexões abstratas que podem até ser irrefutáveis, mas insuficientes para convencê-lo de que são a verdade. O positivismo, o evolucionismo, o idealismo e todas as outras escolas filosóficas eram apenas reflexões dos homens que pretendiam atribuir às suas teorias um valor universal de verdades eternas e absolutas. Era preciso, portanto, desmascará-las, todas. Sobre o cristianismo, Nietzsche repete a máxima de Rousseau modificando- lhe de forma significativa o sentido: “uma religião de escravos”. Tal afirmação tem o seguinte sentido: o cristianismo pregando humildade, auto-sacrifício nos retira a vontade de vida; a famosa frase de São Paulo, em Romanos, 13: “toda autoridade Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 31 vem de Deus” éuma evidência dessa ação do cristianismo sobre o espírito humano. Para ele, é uma moral dos escravos que não podendo ter a mesma glória dos nobres subverte os valores realmente dignos dos guerreiros, como a bravura, o destemor, e torna os valores dos fracos mais elevados que o dos fortes. Dois princípios ilustram o pensamento nietzscheano sobre ética: o dionísico e o apolíneo. Em termos gerais, entendemos por dionisíaco, o mito grego de Dionísio, no qual a religião não significa a negação da vida, o controle das paixões e dos instintos. O dionisíaco é uma afirmação da vida em seu sentido mais pleno. Para ele, o apolíneo, referência ao deus Apolo, é o símbolo da racionalidade que procura eliminar o elemento que não pode compreender, ou seja, a razão expulsa os instintos e procura a tudo controlar. Nietzsche, em seus estudos sobre a tragédia grega, observou que as tragédias de Eurípedes (Medéia, Electra, As Bacantes) retiraram o elemento dionisíaco e inseriram os elementos da moral e de uma racionalidade árida, substituindo o valor vida pela superficialidade silogística, por isso conhecido também por “filosofo do teatro”. Quando Nietzsche proclama a “morte de deus”, quer dizer o fim de uma sociedade fundada nos valores morais que dependem da existência de um Deus que seja o fundamento de toda a verdade, de toda a justiça. Conforme Nietzsche, quem matou deus foram os homens que pouco a pouco foram se afastando dos valores que diziam cultuar, mas o super-homem nascerá para uma nova sociedade que não depende de um valor extra-humano para guiar-se. 4.2 Jean-Paul Sartre Sartre (1905 – 1980) foi um dos mais notáveis representantes do existencialismo. Em sua concepção, o existencialismo se opõe à filosofia essencialista, pois para ele, o homem não possui essência alguma ao nascer, a essência se forma na medida em que vivemos, por isso, “a existência precede a essência”. Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 32 Sartre formula uma relação entre liberdade e responsabilidade. Nós somos livres e não há limite para esta liberdade, além da própria liberdade. Não podemos deixar de ser livres. Por outro lado, esta liberdade traz consigo a responsabilidade das nossas escolhas. Uma vez que estamos no mundo, estamos diante de escolhas a serem feitas constantemente, por isso, com a mesma frequência somos forçados a usar nossa liberdade o que faz de nós responsáveis por nossas escolhas e por suas consequências. Aparentemente, é paradoxal a afirmação de que somos livres e não podemos abrir mão de nossa liberdade, pois se vivemos em uma sociedade regida por leis as quais não fizemos – no máximo, votamos em que faz as leis – então que liberdade é essa? Ora, até mesmo obedecer ou deixar de obedecer às leis é escolha. Não nos esqueçamos que Sartre presenciou as duas grandes guerras e o holocausto, por isso, pode afirmar que o que levou o mundo a esses horrores foram escolhas, não podemos ocultar nossas decisões sob o manto da hipocrisia. Podemos citar como exemplo um seminarista que diga ter ido residir em uma cidade por ordem de sua congregação. Alega não ter tido oportunidade de escolha. No entanto, teve sim, pois ele poderia escolher não obedecer, como consequência, teria sido expulso do seminário. Ora, como não deseja sair do seminário, obedece a ordem superior e o faz por escolha própria. O existencialismo sartreano propõe o conceito de angústia, inspirado em Kierkegaard, pois diante dessa liberdade ilimitada, pela qual somos obrigados o tempo todo a fazer escolhas e arcar com a responsabilidade delas, vivemos um sentimento constante de angústia. 4.3 Apel: a Ética do Discurso A expressão ética do discurso foi criada por Otto von Apel e, conforme ele, os atuais problemas éticos exigem novas respostas. Apel procura retomar a tradição filosófica da filosofia da linguagem desenvolvida no século XIX e a razão comunicativa elaborada por Jurgen Habermas. Três são os temas a serem Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 33 abordados: os problemas éticos contemporâneos, os fundamentos da ética do discurso e sua aplicação. Dois são os problemas éticos mais significativos para Apel. O primeiro deles é o embate entre natureza e técnica. Para Apel, pela primeira vez na história a civilização colocou sua própria existência em risco, pois a natureza corre riscos evidentes com a aplicação da técnica, por isso, é preciso que todas as nações atuem em comum para governar os efeitos do poder que efetivamente possuímos. O segundo problema é o desafio político, porque desde a queda do muro de Berlim (1989) as questões éticas transcendem as fronteiras dos Estados e exigem a elaboração de uma ética universal de solidariedade. A não atenção a esses dois problemas leva a sociedade a conviver com o que Apel chama de as quatro vergonhas contemporâneas: a fome, a miséria, a tortura e a má distribuição de renda e riquezas. A solução destas vergonhas é uma questão, portanto, de responsabilidade mundial. A respeito da fundamentação da ética do discurso, tanto para Apel, quanto para Habermas, o discurso é o ponto de apoio para a ética contemporânea. Ora, o discurso não é somente um jogo linguístico (como Sócrates afirmava ser o discurso sofístico), mas é uma forma pública, porque tanto o pensar como o falar, só encontram sua fundamentação no processo de comunicação das ideias. Por isso, é preciso superar a filosofia da consciência que deseja instalar-se como médio entre o sujeito e o objeto; para ele, deve ser o discurso, linguístico comunicativo que deve intermediar todas as experiências no mundo da vida. Sobre as condições de aplicação da ética do discurso, Apel afirma dois pontos de vista que devem ser atendidos: a) sintático: que o discurso cumpra as regras intersubjetivas do uso linguístico que uma determinada comunidade possua; b) semântico e pragmático: as proposições devem ser compreensíveis para os sujeitos da argumentação para que possa mediatizar o significado do objeto da argumentação. Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 34 O objetivo de Apel, portanto, é encontrar um princípio moral que seja fundamento da argumentação e da ação. Esse fundamento regulador da ação exige a corresponsabilidade da sociedade real. A sobrevivência aponta para dois caminhos, cujo interesse global são evidentes: a condição natural da sociedade (ecologia) e a condição particular de cada comunidade (cultura). A aplicação da ética do discurso deve ocorrer no campo da prática, e devem viabilizar as condições históricas concretas de um agir moral. Esse agir moral, pautado por normas válidas obtidas por meio de consenso, implica em aceitar, responsavelmente e, sem coerção, suas consequências, por todos os participantes do discurso. Site: www.ucamprominas.com.br E-mail: ouvidoria@institutoprominas.com.br ou diretoria@institutoprominas.com.br Telefone: (0xx31) 3865-1400 Horários de Atendimento: manhã - 08:00 as 12:00 horas / tarde - 13:15 as 18:00 horas 35 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIA BÁSICA ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003. ARANHA, M. L. A. e MARTINS, M. H. P. Filosofando: Introdução à Filosofia. São Paulo: Editora Moderna, 2006. CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2004.Introdução à História da Filosofia.São Paulo: Companhia das Letras, 2002. REALE, Giovanni e ANTISERI, Dario. História da Filosofia. São Paulo: Paulus, 1990, volumes III. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR Sugerimos como bibliografia complementar a obra dos autores citados neste trabalho publicados pela coleção os Pensadores ARISTÓTELES. Coleção os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973. EPICURO Coleção os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973. KANT, I. Crítica da Razão Prática. São Paulo: Martins Fontes, 2002. MAQUIAVEL. O Príncipe. Coleção os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973. PLATÃO. Coleção os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973. ROUSSEAU. Do Contrato Social e outras obras. Coleção os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Emílio ou da Educação. Bertrand Brasil, 1992. SANTO AGOSTINHO. Coleção Os Pensadores. São Paulo, Nova Cultural, 1999. SANTO TOMÁS DE AQUINO. Coleção os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1996. SENECA Coleção os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973. SOCRATES. Coleção os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
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