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AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO PACOTE ANTI CRIME ESTÁCIO LUIZ & PEDRO TENÓRIO T ra n sa ct io n : H P 10 01 57 95 34 34 47 e -m ai l: t h ay so n .g ri b el @ g m ai l.c o m C P F : 08 4. 44 0. 98 6- 39 Pedro Tenório Soares Vieira Tavares Estácio Luiz Gama de Lima Netto PACOTE ANTICRIME As modificações no sistema de justiça criminal brasileiro 2020 e s t ác i o L u i z & p e d r o te nó r i o 2 SOBRE OS AUTORES Pedro Tenório Soares Vieira Tavares é alagoano de Maceió, bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Maceió (FADIMA), especialista em Direito e Processo Penal pela Universidade Tiradentes (UNIT). Membro do Ministério Público do Estado do Paraná, tendo em seu currículo aprovações para os cargos de Promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais (2017) e Delegado de Polícia Civil do Estado de Pernambuco (2016). Estácio Luiz Gama de Lima Netto é também alagoano de Maceió/AL, bacharel e mestre em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), especialista em Direito e Processo Penal pela Universidade Tiradentes (UNIT). Advogado criminalista e professor de direito penal e processo penal na graduação (Faculdade de Maceió – FAMA), pós-graduação (Universidade Tiradentes – UNIT) e de cursos preparatórios para concursos públicos no Estado de Alagoas (PHD Cursos). P A C O T E A N T I C R I M E – A S M O D I F IC AÇ ÕE S N O S I S TE M A D E J U S T IÇ A C R I M I N AL BR AS I L E IR O 3 BREVÍSSIMA APRESENTAÇÃO O e-book que o leitor tem em mãos busca informar e preparar, de forma estratégica e na profundidade ideal, os candidatos para as mais diversas provas de concurso público sobre os temas novos e também as principais alterações que compõem a Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019, assim conhecida como Pacote Anticrime, daqui em diante mencionado como PAC. Apesar de ser considerada pelo Congresso Nacional e pelos mais distintos setores da política nacional como um presente de Natal à população, o PAC foi alvo de 25 vetos e várias sanções presidenciais inesperadas, como o juiz de garantias. Presente um tanto quanto controverso, pois. Fato é que o PAC trouxe novos institutos penais e processuais penais, v.g, legítima defesa exercida por agente de segurança pública em caso de vítima refém, acordo de não-persecução penal, juiz de garantias, descontaminação do julgado no caso de declaração de prova ilícita, regulamentação da cadeia de custódia da prova (exame de corpo de delito), etc. Houve também modificações profundas em institutos penais e processuais já conhecidos, v.g, livramento condicional, inquérito policial (sistemática do prazo, arquivamento e comunicações à autoridade judiciária – juiz de garantias), prisões e medidas cautelares reais e pessoais diversas da prisão, etc. Isso sem contar com as modificações pontuais, porém cruciais, nas leis criminais extravagantes, algumas de extrema importância para a justiça criminal brasileira, v.g, estatuto do desarmamento, drogas, lavagem de capitais, organização criminosa, interceptação telefônica, etc. A missão não é fácil, pois o PAC é longo e complexo. Sem embargos, nossa tarefa é tornar o estudo sistemático e inteligível com o objetivo de deixá- los prontos para enfrentar qualquer fase de concurso e promover a atualização necessária aos profissionais da área. Vamos juntos! e s t ác i o L u i z & p e d r o te nó r i o 4 SUMÁRIO CAPÍTULO 1 DAS MODIFICAÇÕES NA PARTE GERAL DO CÓDIGO PENAL COMENTADAS ........................................... 5 CAPÍTULO 2 DAS MODIFICAÇÕES NA PARTE ESPECIAL DO CÓDIGO PENAL COMENTADAS ....................................23 CAPÍTULO 3 DAS PRINCIPAIS MODIFICAÇÕES NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COMENTADAS ...........................31 CAPÍTULO 4 DAS MODIFICAÇÕES NA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS (LEP) COMENTADAS ..................................... 150 CAPÍTULO 5 DAS MODIFICAÇÕES NA LEI 8.072/90 (CRIMES HEDIONDOS) COMENTADAS ................................ 181 CAPÍTULO 6 DAS MODIFICAÇÕES NA LEI 8.429/92 (LIA) COMENTADAS ......................................................... 193 CAPÍTULO 7 DAS MODIFICAÇÕES NA LEI 9.296/96 (INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS) COMENTADAS ............. 200 CAPÍTULO 8 DA MODIFICAÇÃO NA LEI 9.613/98 (LAVAGEM DE CAPITAIS) COMENTADA ................................. 207 CAPÍTULO 9 DAS MODIFICAÇÕES NA LEI 10.826/03 (ESTATUTO DO DESARMAMENTO) COMENTADAS ............ 213 CAPÍTULO 10 DA MUDANÇA NA LEI 11.343/06 (LEI DE DROGAS) COMENTADAS ............................................ 224 CAPÍTULO 11 DAS MODIFICAÇÕES NA LEI 12.850/13 (CRIME ORGANIZADO) COMENTADAS ........................... 226 NOTAS À GUISA DE CONCLUSÃO ..................................................................................................................... 270 P A C O T E A N T I C R I M E – A S M O D I F IC AÇ ÕE S N O S I S TE M A D E J U S T IÇ A C R I M I N AL BR AS I L E IR O 5 CAPÍTULO 1 DAS MODIFICAÇÕES NA PARTE GERAL DO CÓDIGO PENAL COMENTADAS T ra n sa ct io n : H P 10 01 57 95 34 34 47 e -m ai l: t h ay so n .g ri b el @ g m ai l.c o m C P F : 08 4. 44 0. 98 6- 39 e s t ác i o L u i z & p e d r o te nó r i o 6 1 LEGÍTIMA DEFESA EXERCIDA POR AGENTES DE SEGURANÇA PÚBLICA EM FAVOR DE VÍTIMA REFÉM COMO ERA COMO FICOU COM O PAC Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984). Art. 25, parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes. Na prática, a inovação legislativa não trouxe modificações substanciais, porquanto se limitou a descrever uma hipótese de legítima defesa de terceiro já amplamente aceita pela doutrina e pela jurisprudência. Nesse sentido, a própria redação dispõe que a incidência da hipótese de legítima defesa de terceiro envolvendo agentes de segurança pública deve obedecer aos requisitos anteriormente previstos. Parece evidente, neste ponto, que o PAC buscou tão somente um afago mais político do que dogmático, já que o agente de segurança que agia para repelir injusta agressão em favor de terceiro, estando este mantido refém ou não, incidiria em manifesta excludente de ilicitude, mesmo antes da nova lei. Importante mencionar que os termos “agressão” ou “risco de agressão” devem ser interpretados à luz conceito de agressão injusta atual ou iminente. Assim, a inovação figura como uma lei interpretativa, visando eliminar zonas cinzentas no processo hermenêutico quanto às situações envolvendo agentes de segurança pública no exercício de legítima defesa de terceiro. 2 DA PENA DE MULTA E O JUÍZO COMPETENTE PARA EXECUÇÃO COMO ERA COMO FICOU COM O PAC Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhesas normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição. (Redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996) Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição. P A C O T E A N T I C R I M E – A S M O D I F IC AÇ ÕE S N O S I S TE M A D E J U S T IÇ A C R I M I N AL BR AS I L E IR O 7 Perceba-seque, com o PAC, a dívida de valor constituída pela sentença penal transitada em julgado passou expressamente a ser executada no juízo da execução penal. A legislação anterior não previa qual era o juízo competente. Modificação importante e que é passível de cobrança em prova! Lembre-se ainda o que preceitua a Súmula 521, STJ: “A legitimidade para a execução fiscal de multa pendente de pagamento imposta em sentença condenatória é exclusiva da Procuradoria da Fazenda Pública”. Todavia, a recentíssima jurisprudência do STF parece ter superado o entendimento sumulado pelo tribunal da cidadania nos seguintes termos: “O MP é legitimado a cobrar a multa penal transitada em julgado na Vara das Execuções Penais. Caso o MP se mantenha inerte por mais de 90 dias, após ser devidamente intimado, a Procuradoria da Fazenda Pública irá executar, na Vara de Execuções Fiscais, aplicando-se a Lei 6.830/80” (STF. ADI 3150/DF e AP 470/MG, Pleno, Red. p/ ac. Min. Roberto Barroso, 13/12/2018 – Info 927). Ressalte-se que com a modificação trazida pelo PAC, a tendência é que a decisão do STF permaneça. Assim, a atribuição para execução da multa será do Ministério Público no juízo de execuções penais. Caso haja inércia por mais de 90 (noventa) dias do Ministério Público, a Procuradoria da Fazenda Pública promoverá, subsidiariamente, a execução da multa, sendo que na Vara de Execuções Fiscais. Registre-se, por fim, que tal atuação será na Vara de Execuções Fiscais em razão de inadequação da atuação da Fazenda no âmbito da Vara de Execuções Penais. 3 TEMPO MÁXIMO DE CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE COMO ERA COMO FICOU COM O PAC Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos. §1º. Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 30 (trinta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo (redação de 1984). Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 (quarenta) anos. §1º. Quando o agente for condenado a penas privativas de liberdade cuja soma seja superior a 40 (quarenta) anos, devem elas ser unificadas para atender ao limite máximo deste artigo. e s t ác i o L u i z & p e d r o te nó r i o 8 A Constituição Federal, em seu art. 5º, XLVII, “b”, veda penas de caráter perpétuo. Como forma de obedecer a tal dispositivo, o legislador infraconstitucional limitou o tempo de cumprimento da pena privativa de liberdade de modo a fixar um lapso temporal compatível e proporcional com o tempo de vida do ser humano. Com o PAC, em caso de crimes, o tempo máximo de cumprimento das penas privativas de liberdade passa de 30 (trinta) para 40 (quarenta) anos. Perceba-se que o dispositivo não modificou o art. 10 da Lei de Contravenções Penais (LCP), que prevê o prazo máximo de 5 (cinco) anos para cumprimento da pena privativa de liberdade, que no caso só pode ser a pena de prisão simples. Nesse caso, a LCP figura como lei especial em relação ao Código Penal, prevalecendo em relação à modificação trazida pelo PAC. Com a nova mudança legal, a Súmula 715, STF, tende a ser revista, in verbis: “A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução”. Outro ponto importante é que a nova redação não sanou a divergência entre o entendimento do STF e do STJ quanto à duração da medida de segurança. Se a questão mencionar que houve a fixação legal do prazo máximo da medida de segurança, automaticamente deverá ser apontada como errada. Por enquanto, quanto à medida de segurança, vigora a divergência entre o disposto na Súmula 527, STJ, que limita a medida de segurança à pena máxima abstratamente cominada ao delito praticado, e o entendimento do STF que, por analogia, aplica às medidas de segurança o tempo máximo de cumprimento da pena privativa de liberdade, antes 30, agora 40 anos. Não será um espanto se uma ADI for apresentada perante o STF alegando afronta justamente ao direito fundamental individual previsto no art. 5º, XLVII, “b”. Cenas dos próximos capítulos, porém. Aguardemos. P A C O T E A N T I C R I M E – A S M O D I F IC AÇ ÕE S N O S I S TE M A D E J U S T IÇ A C R I M I N AL BR AS I L E IR O 9 4 DO LIVRAMENTO CONDICIONAL 4.1 ACRÉSCIMO DO REQUISITO RELATIVO A AUSÊNCIA DE FALTA GRAVE NOS ÚLTIMOS 12 (DOZE) MESES COMO ERA COMO FICOU COM O PAC Art. 83. O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) I – cumprida mais de um terço da pena se o condenado não for reincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) II – cumprida mais da metade se o condenado for reincidente em crime doloso; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) III – comprovado comportamento satisfatório durante a execução da pena, bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído e aptidão para prover à própria subsistência mediante trabalho honesto; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) IV – tenha reparado, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo, o dano causado pela infração; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) V – cumpridos mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, tráfico de pessoas e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza. (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) (Vigência) Parágrafo único. Para o condenado por crime doloso, cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, a concessão do livramento ficará também subordinada à constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a delinquir. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Art. 83. O juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que (mantido): I – cumprida mais de um terço da pena se o condenado não for reincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes (mantido); II – cumprida mais da metade se o condenado for reincidente em crime doloso (mantido); III– comprovado (modificado): a) bom comportamento durante a execução da pena; b) não cometimento de falta grave nos últimos 12 (doze) meses; c) bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído; e d) aptidão para prover a própria subsistência mediante trabalho honesto; tenha reparado, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo, o dano causado pela infração; IV – tenha reparado, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo, o dano causado pela infração (mantido); V – cumpridos mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, tráfico de pessoas e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza (mantido). Parágrafo único. Para o condenado por crime doloso, cometido com violência ou grave ameaça à pessoa, a concessão do livramento ficará também subordinada à constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não voltará a delinquir (mantido). e s t ác i o L u i z & p e d r o te nó r i o 10 Como se percebe, o PAC apenas modificou o inciso III do art. 83. A nova redação adicionou o seguinte requisito: O condenado não pode ter cometido falta grave nos últimos 12 (doze) meses. Perceba que os demais requisitos do livramento condicional foram preservados. Numa primeira análise, parece que mesmo com a nova legislação a práticade falta grave não interrompe o prazo para concessão do livramento condicional, estando o PAC de acordo com a jurisprudência pacífica dos tribunais superiores (Súmula 441, STJ: “A falta grave não interrompe o prazo para obtenção do livramento condicional”). Isso porque o impedimento da concessão do benefício não se confunde com a interrupção do prazo para aquisição do direito. Pelo menos, numa primeira análise, é como sentimento, porém, aguardemos as repercussões jurisprudenciais. Algo que não pode deixar de ser percebido é que a nova lei não modificou o caput do art. 83, nem a redação dos incisos I, II, IV, V e do parágrafo único para adequar às inovações relativas à progressão regime, que a partir de agora tem o requisito objetivo computado em percentuais e não mais em frações, conforme será visto em capítulo específico. 4.2 NOVAS VEDAÇÕES AO LIVRAMENTO CONDICIONAL ADICIONADAS À LEP O PAC trouxe novas hipóteses de vedação para concessão do livramento condicional: TIPO DE CONDENADO CIRCUNSTÂNCIA DO CRIME Primário Condenado por crime hediondo ou equiparado com resultado morte (art. 112, inciso VI, “a”, da LEP – modificação do pacote anticrime) Primário Condenado por integrar organização criminosa ou por crime praticado por meio de organização criminosa, se houver elementos probatórios que indiquem a manutenção do vínculo associativo (art. 2º, §9º, da Lei 12.850/13 – modificação do pacote anticrime) Reincidente Em crime hediondo ou equiparado com resultado morte (art. 112, inciso VIII, da LEP – modificação do pacote anticrime) P A C O T E A N T I C R I M E – A S M O D I F IC AÇ ÕE S N O S I S TE M A D E J U S T IÇ A C R I M I N AL BR AS I L E IR O 11 Ao lado dessas três hipóteses legais novas de vedação, a concessão do livramento condicional é também vedada nos termos do inciso V do art. 83 do Código Penal, que foi mantido, se o sujeito for reincidente específico em crime hediondo ou equiparado a hediondo (tráfico, tortura e terrorismo), mesmo sem resultado morte, e/ou em tráfico de pessoas. Perceba-se que o art. 83, V, vedou o livramento condicional em relação ao reincidente específico nesses crimes mesmo sem o resultado morte. Contudo, possivelmente haverá discussão quanto à hipótese revogação tácita do art. 83, inciso V, do Código Penal. Isso porque as modificações promovidas pelo PAC no art. 112 da LEP mencionaram expressamente as hipóteses de vedação da concessão do livramento condicional (art. 112, incisos VI e VIII). Sendo assim, através de interpretação sistemática dos dispositivos, duas teses aparecem como possíveis a partir da nova legislação (PAC): NÃO HOUVE REVOGAÇÃO TÁCITA DO ART. 83, V, CP HOUVE REVOGAÇÃO TÁCITA DO ART. 83, V, CP A vedação do art. 83, inciso V, do CP, convive com o disposto no art. 112, VII, da LEP, já que a norma do CP trata especificamente do livramento condicional enquanto o art. 112 da LEP trata da progressão de regime com reflexos difusos no livramento condicional Houve revogação tácita do art. 83, inciso V, do CP, porquanto o PAC ao alterar a LEP em relação às vedações ao livramento condicional o fez com pretensão de exaustão, sem contar que prescreveu expressamente as hipóteses mais graves de vedação (art. 112, incisos VI e VIII) e não o fez no inciso VII (hipótese mais leve) 5 CONFISCO ALARGADO DE BENS: NOVA HIPÓTESE DE PERDIMENTO DE BENS COMO EFEITO DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA COMO ERA COMO FICOU COM O PAC Não havia esse dispositivo. Trata-se, portanto de inovação legislativa! Art. 91-A. Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento e s t ác i o L u i z & p e d r o te nó r i o 12 lícito. §1º. Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, entende-se por patrimônio do condenado todos os bens: I – de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e II – transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal. §2º. O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio. §3º. A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da diferença apurada. §4º. Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens cuja perda for decretada. §5º. Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes. 5.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Antes do PAC, o perdimento de instrumentos utilizados na prática do crime e dos bens alcançados através da atividade delitiva tinha regramento único com caráter de efeito extrapenal genérico da condenação. Ou seja, era efeito automático da condenação não necessitando de fundamentação judicial. É dizer, toda condenação produz tais efeitos. P A C O T E A N T I C R I M E – A S M O D I F IC AÇ ÕE S N O S I S TE M A D E J U S T IÇ A C R I M I N AL BR AS I L E IR O 13 Eram estes os casos: 1) Perda em favor da União dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito (art. 91, II, “a”, CP); 2) Perda do produto do crime ou qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso (art. 91, II, “b”, CP); 3) Perda do produto ou proveito do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no exterior (art. 91, §1º, CP). O art. 91-A introduziu no sistema criminal brasileiro a figura do confisco alargado de bens do criminoso, já adotado em países como Portugal, Alemanha e Espanha. Como se percebe, com o advento da criminalidade moderna, que deixou para trás o Direito Penal urbano (crimes de rua), a atividade delitiva não raro ultrapassa os limites territoriais de um país, tem seu modus operandi mais complexo e sofisticado. Dentro desse contexto, surgiram também as organizações criminosas nacionais e transnacionais, centros de poder ilícito que acabam acumulando grande patrimônio decorrente direta ou indiretamente de suas atividades criminosas. No cenário brasileiro, não se pode esquecer que essas organizações estão não raras vezes incrustadas no seio da própria estrutura burocrática do Estado, o que dificulta ainda mais o combate e superação dessa forma de criminalidade. Sendo assim, o grande desafio no combate à criminalidade moderna, organizada ou não, reside, portanto, em desmantelar sua estrutura através da identificação e isolamento das lideranças bem como o atingimento dos valores e bens acumulados ilicitamente, porquanto esses bens servem para perpetuar as práticas delitivas e reestruturar o prejuízo calculado causado pelas instituições estatais no combate diário ao crime. O confisco patrimonial dos bens acumulados com a prática delitiva revela-se um forte instrumento no combate a essa espécie de criminalidade. e s t ác i o L u i z & p e d r o te nó r i o 14 5.2 CONCEITOS IMPORTANTES A) CONFISCO ALARGADO O confisco alargado consiste no perdimento de bens cujos valores sejam o resultado da diferença entre o patrimônio comprovadamente lícito ou oriundo de fontes legítimas do agente e o patrimôniototal do condenado, estejam os bens ou valores registrados em seu nome ou nome de terceiro. B) PATRIMÔNIO ALVO DO CONFISCO O §1º do art. 91-A traz uma norma explicativa definindo o conceito de patrimônio para fins de aplicação do efeito da condenação ora estudado. Nesse sentido, entende-se por patrimônio do condenado todos os bens: a) de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e b) transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal. O conceito de patrimônio abrange os bens de titularidade do agente criminoso, ou seja, aqueles que estão “em seu nome”, bem como aqueles sobre os quais o agente detém o domínio e o benefício direto ou indireto, em ambos os casos na data da infração penal ou recebidos posteriormente. Exemplos: a) A casa registrada em seu nome (titularidade); b) Imóvel que, apesar de não estar em seu nome (está em nome de laranja), é utilizado de forma recorrente como casa de campo, figurando o agente como titular de fato e não de Direito, já que o imóvel foi dado como forma de pagamento de propina. Outrossim, o dispositivo legal abrange aqueles transferidos a terceiros (laranjas) a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal. Nesses casos, tem-se a simulação fraudulenta de negócios jurídicos (doação, compra e venda, etc.) com a finalidade de dificultar a persecução patrimonial. Exemplos: a) O agente delitivo compra um carro importado com o proveito do crime e, logo após, simula um contrato de compra e venda, entregando o veículo por valor irrisório; b) O agente delitivo transfere, por meio de doação, recursos para institutos, ONGs, cuja finalidade é, unicamente, lavar dinheiro. P A C O T E A N T I C R I M E – A S M O D I F IC AÇ ÕE S N O S I S TE M A D E J U S T IÇ A C R I M I N AL BR AS I L E IR O 15 5.3 NATUREZA JURÍDICA Trata-se de um efeito extrapenal específico da sentença condenatória criminal, logo é efeito não automático, incidindo apenas em algumas infrações. Necessita de fundamentação expressa na decisão condenatória, e o mais importante, de pedido expresso por parte do Órgão do Ministério Público na denúncia. A natureza jurídica de efeito extrapenal específico parece ser evidente na novel redação. Nesse sentido, o caput restringe a sua incidência às infrações penais cujas penas máximas cominadas sejam superiores a 06 (seis) anos de reclusão. Nesse ponto, o legislador fez duas exigências: a) Pena máxima cominada (abstratamente prevista!) superior a 06 (seis) anos; b) Pena seja de reclusão. Ou seja, perceba-se a especificidade do efeito, cuja incidência somente se dá em infrações penais eleitas pela legislação. É preciso muita atenção, pois o que importa é a pena máxima abstrata, e não a pena concretamente aplicada na condenação. Ou seja, se o crime alvo do processo tem pena máxima em abstrato superior a 6 (seis) anos, o confisco alargado poderá incidir, mesmo que a pena in concreto aplicada pelo magistrado seja inferior a 6 (seis) anos. Note-se, uma vez mais, que o confisco alargado não pode ser decretado exofficio pelo magistrado, estando submetido a requerimento expresso do Ministério Público quando do oferecimento da denúncia. Além disso, o órgão ministerial deve indicar, já na denúncia, a diferença apurada entre o valor patrimônio do condenado e o valor do patrimônio que seria compatível com os seus rendimentos lícitos. Ainda assim, o magistrado, na decisão condenatória, deverá declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens cuja perda for decretada. Deve-se atentar para o fato de que o confisco alargado não exige que os bens atingidos sejam, necessariamente, instrumentos do crime; produto do crime; bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso. Na verdade, o novo instituto cria uma presunção relativa de que a diferença patrimonial é produto ou proveito do crime. Porém, o condenado poderá comprovar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita da diferença patrimonial. e s t ác i o L u i z & p e d r o te nó r i o 16 Interessante notar que parcela da doutrina se posiciona pela inconstitucionalidade do confisco alargado em razão da ofensa ao direito fundamental à presunção da inocência, sem contar com o fato de que a constrição patrimonial seria baseada em meras presunções1. Não parece ser esta a melhor interpretação do dispositivo, pois a nova lei traz uma série de requisitos baseados em indícios sérios e fundados de que o patrimônio do condenado é proveniente do crime. Note-se que há o dever de declarar os rendimentos, bens, valores, etc., para fins de pagamento do imposto de renda. Se o patrimônio do condenado não é condizente com essa declaração, provado sua autoria ou participação em crimes com pena máxima superior a 6 (seis) anos, com demonstração expressa e pedido também expresso do MP, para o confisco, não parece prudente entender esse efeito da extrapenal da condenação como mera presunção apto a violar o estado de inocência. Neste ponto, muito ao contrário do que se alardeia, parece coerente e muito acautelada a novel legislação na medida em que exige para incidência do confisco alargado a comprovação de crime grave (pena superior a 6 anos), comprovação da diferença entre o patrimônio real e o patrimônio produto do crime e requerimento expresso do MP com a respectiva fundamentação na decisão judicial. Vê-se, por conseguinte, uma estruturação firme dos requisitos e um dever expresso de contenção do poder discricionário judicial. 5.4 PERDIMENTO DE BENS EM FAVOR DO ESTADO A) ATIVIDADE DESENVOLVIDA POR ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E MILÍCIA A inovação legislativa prevê, ainda, que os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado ainda que não ponham 1 MAGLIARELLI, Filipe. Precisamos discutir o confisco alargado. Disponível em: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,precisamos-discutir-o-confisco- alargado. P A C O T E A N T I C R I M E – A S M O D I F IC AÇ ÕE S N O S I S TE M A D E J U S T IÇ A C R I M I N AL BR AS I L E IR O 17 em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes. A previsão de perdimento de bens em favor do Estado mesmo sem demonstração de perigo à segurança das pessoas, etc., deixa claro o alinhamento à necessidade do combate efetivo à criminalidade organizada, diminuindo os entraves para realização da persecução patrimonial dessas organizações, afastando, expressamente, requisitos comumente levantados em teses defensivas. B) DESTINAÇÃO DOS BENS UTILIZADOS POR ORCRIM E MILÍCIA PRIVADA: UNIÃO OU ESTADO? Quanto à destinação dos instrumentos utilizados pelas organizações criminosas e milícia, o critério utilizado é a Justiça na qual tramita a ação penal. Se for, por exemplo, crime cometido por organização criminosa contra bens da União, os seus instrumentos serão destinados à União. Caso se trate de organização criminosa que atua em tráfico de drogas local, os bens serão destinados ao respectivo estado-membro que é sede da Justiça estadual. Registre-se que tal critério de destinação, conforme a justiça processante, já é adotado pela Lei de Lavagem de capitais, no art. 7º, inciso I. QUADRO-RESUMO DO CONFISCO ALARGADO Conceito O confisco alargado consiste no perdimento de bens cujos valores sejam o resultado da diferença entre o patrimônio comprovadamente lícito ou oriundo de fontes legítimas do agente e o patrimônio total do condenado, estejam os bens ou valores registradosem seu nome ou nome de terceiro. Natureza Jurídica Trata-se de um efeito extrapenal específico da sentença condenatória criminal, logo é efeito não automático, incidindo apenas em algumas infrações. Necessita de fundamentação expressa na decisão condenatória, e o mais importante, de pedido expresso por parte do Órgão do Ministério Público na denúncia. Requisitos a) Pena cominada superior a 6 anos; b) Pedido expresso e s t ác i o L u i z & p e d r o te nó r i o 18 do MP na denúncia (especificando a diferença patrimonial); c) Fundamentação expressa na sentença: individualizando a diferença e os bens atingidos. Conceito de patrimônio Entende-se por patrimônio do condenado todos os bens: I – de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e II – transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal. Destinação dos bens em caso de organizações criminosas e milícias privadas Quanto à destinação dos instrumentos utilizados pelas organizações criminosas e milícia, o critério utilizado é a Justiça na qual tramita a ação penal. 6 DAS CAUSAS IMPEDITIVAS (SUSPENSIVAS) DO FLUXO DO PRAZO PRESCRICIONAL COMO ERA COMO FICOU COM O PAC Art. 116. Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) I - enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime; II - enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro. Parágrafo único. Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo. Art. 116. Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre (mantido): I - enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime (mantido); II - enquanto o agente cumpre pena no exterior; III - na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis; e IV - enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não persecução penal. Parágrafo único. Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo (mantido). P A C O T E A N T I C R I M E – A S M O D I F IC AÇ ÕE S N O S I S TE M A D E J U S T IÇ A C R I M I N AL BR AS I L E IR O 19 6.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE PRESCRIÇÃO A prescrição é a perda da pretensão punitiva estatal em razão de inércia, ou seja, por não ter exercido dentro do prazo legal o seu legítimo e justo direito de punir aquele que comprovadamente cometeu uma infração penal. As razões fundamentadoras de política criminal da prescrição são, dentre outras: a) Em razão da inércia estatal e decurso do tempo, a sociedade perde o interesse na punição, ou seja, os efeitos da punição desproporcionalmente tardia já não atenderiam aos fins da pena segundo as teorias justificadoras; b) Em vista da desídia estatal, a punição do criminoso se mostra um excesso do poder político estatal, situação vedada pelo constitucionalismo moderno sob a concretização do princípio da proibição do excesso, vetor do princípio da proporcionalidade. Ressalte-se ainda que, no âmbito criminal, diferencia-se a prescrição da decadência na medida em que a decadência atinge o próprio direito de ação penal, estando voltada à ação penal privada ou a ação penal pública condicionada à representação, pois ambas precisam da manifestação temporal da vontade de acionar o agente delitivo criminalmente. Por outro lado, a prescrição atinge o direito material de punir, ou seja, nada tem a ver diretamente com o direito de ação penal, mas sim com o direito efetivo de exercer o jus puniendi. Assim, prescrito o crime, o órgão do ministério público poderá até exercer seu direito de ação penal, porém, restando a punibilidade extinta, a denúncia será imediatamente rejeitada, nos termos do art. 395, II, CPP, ou, uma vez recebida a denúncia já estando a pretensão prescrita, o juiz absolverá sumariamente o réu, nos termos do art. 397, IV, CPP. 6.2 NATUREZA JURÍDICA A prescrição é causa de extinção da punibilidade expressamente prevista no art. 109, do CP. Como é instituto de direito penal o prazo não se submete ao regramento processual penal devendo ser contado nos termos do art. 10, do CP. Logo, inclui-se o dia de início do prazo e exclui-se o dia do seu final. e s t ác i o L u i z & p e d r o te nó r i o 20 6.3 CRIMES IMPRESCRITÍVEIS Para atender aos ditames do princípio da proporcionalidade em seu viés da proibição da proteção deficiente, o sistema constitucional prescreve duas espécies de infração penal imprescritíveis: a) racismo e b) ação de grupos armados civis e militares contra a ordem constitucional e o estado democrático (art. 5º, XLII e XLIV, CF). Contudo, em recentes decisões, STJ e STF têm ampliado esse rol para abarcar como imprescritíveis os crimes de injúria racial (STJ. AgRg no AREsp734.236/DF, 6ª T., Rel. Min. Nefi Cordeiro, 27/02/2018; STJ. AgRg no AREsp 686.965/DF, 6ª T., Rel. Min. Ericson Maranho (Des. Conv. TJ/SP), 18/08/2015) e racismo social contra a comunidade LGTB, nos termos da lei 7.716/89 (STF. ADO 26/DF, Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, J. 13/06/2019). Esses precedentes tornaram viva a discussão acirrada na doutrina acerca da possibilidade de alargamento do rol de crimes imprescritíveis além daqueles expressamente previstos pelo poder constituinte originário. Parte da doutrina, levemente majoritária, entende haver o direito fundamental à prescritibilidade dos crimes, tendo a Constituição previsto de forma exaustiva as hipóteses em que o Estado mesmo desidioso e inerte poderá punir alguém embora tenha passado vários anos do cometimento do crime. De outro lado, parcela da doutrina crescente levanta a tese de que a determinação constitucional dos crimes imprescritíveis é meramente exemplificativa, podendo haver, por emenda constitucional ou mesmo por lei ordinária, ampliação desse rol. A tese desses doutrinadores fixa-se no posicionamento da própria Corte Suprema que entendeu não haver barreiras formais ou materiais para que o legislador constituído fixasse outras hipóteses de imprescritibilidade (STF. RE 460971/RS, Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 13/02/2007). Nesse mesmo sentido, o STF já decidiu que a classificação de uma norma constitucional como cláusula pétrea não significa a intangibilidade literal de seu P A C O T E A N T I C R I M E – A S M O D I F IC AÇ ÕE S N O S I S TE M A D E J U S T IÇ A C R I M I N AL BR AS I L E IR O 21 texto, mas sim a proteção ao seu núcleo essencial (STF. ADI 2420/DF, Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 03/05/2007). 6.4 CIRCUNSTÂNCIAS QUE INFLUEM NO CURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL Como se sabe, há duas espécies de causas que influem no curso do prazo prescricional, umas de ordem impeditiva (suspensiva) e outras de ordem interruptiva. Ambas estão presentes nos art. 116 e 117 do Código de Processo Penal, respectivamente. As de ordem suspensiva fazem com que o prazo apenas pare de correr pelo tempo que durar a causa, voltando a correr de onde parou; os de ordem interruptiva fazem o prazo zerar de vez, iniciando novamente. 6.5 CRIAÇÃO DE DUAS NOVAS HIPÓTESES DE CAUSAS IMPEDITIVAS (SUSPENSIVAS) DA PRESCRIÇÃO: NECESSIDADE DE RESPOSTA À IMPUNIDADE Como se percebe, o PAC criou duas novas hipóteses de causas impeditivas (suspensivas) do fluxo do prazo prescricional ao adicionar os incisos III e IV ao art. 116, CPP. Ressalte-se que o inciso III do mesmo artigo não teve mudado o seu conteúdo, mas apenas a expressão “no estrangeiro” para “no exterior”.Para enfrentar a impunidade, talvez o maior vilão interno do sistema criminal brasileiro2, o PAC prevê que ficará suspenso o prazo prescricional enquanto estiver pendente embargos de declaração ou recursos aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis (art. 116, inciso IV, CP). Não são raros os casos que se perdem nos Tribunais de apelação e mais frequentemente nos tribunais superiores. Aqui é preciso notar que a nova regra condiciona a suspensão do prazo prescricional à inadmissibilidade do recurso. Assim, quando o recurso for 2 Para aprofundamento ver: DIP, Ricardo; JR., Volney Corrêa Leite de Moraes. Crime e Castigo: Reflexões politicamente incorretas. São Paulo: Editorial Lepanto, 2018. PESSI, Diego; SOUZA, Leonardo Giardin de. Bandidolatria e Democídio: Ensaios sobre garantismo penal e a criminalidade no Brasil. São Luís: Livraria Resistência Cultural Editora, 2017. e s t ác i o L u i z & p e d r o te nó r i o 22 admissível, não haverá que se falar em suspensão do prazo prescricional. Esse detalhe normativo busca evitar declaração de inconstitucionalidade por violação ao direito fundamental individual à ampla defesa. Por outro lado, numa construção lógica e com intuito de adequar a legislação penal à novel legislação processual, previu também o PAC que o prazo prescricional ficará suspenso enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não persecução penal (art. 116, inciso V, CP). É preciso lembrar ainda que não são essas as únicas hipóteses de suspensão do curso do prazo prescricional, havendo as seguintes possibilidades expressamente previstas na Constituição e na legislação especial: a) Decisão da Casa Legislativa para sustar (suspender) o andamento da ação penal recebida contra parlamentar pelo STF, nos termos do art. 53, §3º, CF; b) Réu citado por edital que não comparece ao processo, nos termos do art. 366, CPP. Neste caso, o STJ tem entendimento sumulado de que “o período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada” (súmula 415, STJ). Logo, a suspensão não pode se dar eternamente; c) Durante o cumprimento de carta rogatória nos processos em que o acusado se encontra em local conhecido, nos termos do art. 368, CPP; d) Durante o prazo de cumprimentos das condições impostas na suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89, §6º, lei 9.099/95; e) Durante o cumprimento do regime de parcelamento nos crimes contra a ordem tributária previstos na lei 8.137/90, e também nos arts. 168-A e 337-A do CP. P A C O T E A N T I C R I M E – A S M O D I F IC AÇ ÕE S N O S I S TE M A D E J U S T IÇ A C R I M I N AL BR AS I L E IR O 23 CAPÍTULO 2 DAS MODIFICAÇÕES NA PARTE ESPECIAL DO CÓDIGO PENAL COMENTADAS T ra n sa ct io n : H P 10 01 57 95 34 34 47 e -m ai l: t h ay so n .g ri b el @ g m ai l.c o m C P F : 08 4. 44 0. 98 6- 39 e s t ác i o L u i z & p e d r o te nó r i o 24 1 CRIME DE ROUBO COMO ERA COMO FICOU COM O PAC Trata-se de inovação legislativa! Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena. Reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa. §2º. A pena aumenta-se de 1/3 até a metade: [...] VII – se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma branca. §2º-B. Se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido, aplica-se em dobro a pena prevista no caput deste artigo. O PAC introduziu, no §2º, inciso VII, uma causa de aumento de pena referente ao emprego de arma branca. Isto é, caso o agente pratique a violência ou a grave ameaça com a utilização de este instrumento, a pena será aumentada de 1/3 até metade. Por outro lado, deu tratamento mais gravoso, ao determinar a aplicação em dobro da pena prevista no caput nos casos em que há a utilização de arma de fogo de uso restrito ou proibido (§2º-B). Registre-se que a majorante relativa ao uso de arma branca no roubo já estava presente na redação originária do art. 157, no §2º, inciso I. Contudo, a recente Lei n. 13.654/2018 suprimiu, agora parece ter ficado claro que por atecnia legislativa, a majorante da arma branca, eis que passou a prever o aumento da pena somente em caso de utilização de arma de fogo (art. 2-A, inciso I). Agora, o PAC reintroduziu a majorante da arma branca, bem como inovou ao dar tratamento mais grave às situações em que há a utilização de arma de fogo de uso restrito ou proibido. Logo, em se tratando de emprego de arma, temos três situações distintas no art. 157 do CP: P A C O T E A N T I C R I M E – A S M O D I F IC AÇ ÕE S N O S I S TE M A D E J U S T IÇ A C R I M I N AL BR AS I L E IR O 25 TIPO DE ARMA TRATAMENTO Arma Branca (novidade do PAC) Aumento de 1/3 a metade (art. 157, §2º, VII) Arma de Fogo de uso permitido Aumento de 2/3 (art. 157, §2º-A, I) Arma de Fogo de uso restrito ou proibido (novidade do PAC) Pena em dobro (art. 157, §2º-B) De plano, percebe-se que todas as modificações operadas se traduzem em lei penal mais gravosa (lex gravior), já que ao introduzirem as majorantes conferiram tratamento mais rigoroso à conduta de roubo praticado mediante a utilização de arma branca e com o uso de arma de fogo de uso restrito ou proibido. Desse modo, por força do princípio da irretroatividade da lei penal maléfica (art. 5º, XL, da CF/88), os seus efeitos não poderão retroagir para prejudicar o investigado/acusado/condenado, incidindo somente nos casos posteriores a sua entrada em vigor. As hipóteses trazidas pela lei nova revelam-se como causas de aumento especiais, porquanto preveem a majoração em quantia variável (1/3 a metade) no caso de arma branca e em quantia fixa (dobro) no caso de arma de uso restrito ou proibido a incidir na terceira fase da dosimetria da pena, podendo esta ultrapassar os limites abstratos máximos previstos. Por fim, registre-se os seguintes entendimentos dos tribunais superiores acerca da majorante de arma de fogo3: a) Não é preciso apreensão da arma de fogo para incidência da majorante, quando há outros elementos provando a sua utilização (STF. HC 108034/SC, 1ª T., Rel. Min. Rosa Weber, 05/06/2012; STJ. REsp 1213467/RS, 5ªT., Rel. Min. Marilza Maynard (Des. Conv. TJ/SE), 07/05/2013); b) Se arma é apreendida, e a perícia constata a sua inaptidão para fazer disparos, não incide a majorante, mas serve para configurar a grave ameaça (STJ. HC 247.669/SP, 6ª T., Rel. Min. Sebastião Reis Jr., 04/12/2012); 3 Dizer o Direito. Site: dizerodirieto.com.br. e s t ác i o L u i z & p e d r o te nó r i o 26 c) Utilização de arma de brinquedo não faz incidir a majorante, mas serve para configurar a grave ameaça, logo tipifica o crime de roubo e não o crime de furto (Súmula 174, STJ, que assinalava a possibilidade, foi cancelada); d) Cabe ao réu demonstrar que a arma utilizada era de brinquedo, inapta ou defeituosa, e não à acusação, logo tem-se inversão do ônus da prova (STJ. EREsp 961863/RS, 3ª Seção, Rel. Min. Celso Limongi (Des. Conv. TJ/SP), Red. p/ ac. Min. Gilson Dipp, 13/12/2010); e) Arma desmuniciada não faz incidir a majorante por ausência de potencialidade lesiva (STJ. AgRg no REsp 1536939/SC, 6ª T., Rel. Min. Sebastião Reis Jr., 15/10/2015). Arma desmuniciada faz incidir a majorante, pois é irrelevante se estava desmuniciada ou não, bastando sua utilização como instrumento apto a exercer a grave ameaça (STF. RHC 115077/MG, 2ª T., Rel. Min. Gilmar Mendes, 06/08/2013); f) A incidência da majorante absorve o crime de porte ilegal de arma de fogo? Depende! Se há nexo de dependência ou subordinação entre as duas condutas e que os delitos foram praticados em um mesmo contexto fático, incide o princípio daconsunção. Se não há, não incide, respondendo o agente pelo dois fatos (STJ. HC 199031/RJ, 5ª T, Rel. Min. Jorge Mussi, 21/06/2011; STF. RHC 106067/MG, 1ª T., Rel. Min. Rosa Weber, 26/06/2012). 2 MODIFICAÇÕES RELATIVAS AO CRIME DE ESTELIONATO COMO ERA COMO FICOU COM O PAC Trata-se de inovação legislativa! Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de 1 a 5 anos, e multa, de 500 mil réis a 10 contos de réis. §5º. Somente se procede mediante representação, salvo se a vítima for: I – a Administração Pública, direta ou indireta; II – criança ou adolescente; III – pessoa com deficiência mental; ou IV – maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz. P A C O T E A N T I C R I M E – A S M O D I F IC AÇ ÕE S N O S I S TE M A D E J U S T IÇ A C R I M I N AL BR AS I L E IR O 27 2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS O PAC promoveu a mudança da natureza da ação penal no tocante ao crime de estelionato. Antes da inovação legal, a ação penal era sempre pública incondicionada, não exigindo representação nem para o início das investigações (abertura do IP) nem para proposição da ação penal. Agora, em regra, a ação penal será pública condicionada à representação, salvo nos casos em que a vítima se encaixar nas hipóteses dos incisos de I a IV do §5º, em que a ação continua a ser pública incondicionada. Ressalta-se que a modificação da natureza da ação penal serve não só para o art. 171, caput, mas para todas aquelas que estão previstas nos dispositivos seguintes (figuras equiparadas ao estelionato). Portanto, tem-se a seguinte sistematização: CRIME DE ESTELIONATO NATUREZA DA AÇÃO PENAL Regra Pública condicionada à representação Estelionato cometido contra: a) a administração pública, direta ou indireta; b) Criança ou adolescente; c) Pessoa com deficiência mental; d) Maior de 70 (setenta) anos de idade ou incapaz. Pública incondicionada 2.2 RAZÕES DA MODIFICAÇÃO TRAZIDA PELO PAC Importante notar que a opção legislativa baseou-se na qualidade das vítimas para definir a incondicionalidade da ação penal. Sendo vítimas especificamente ocupantes de uma posição jurídica especial, o legislador optou pela incondicionalidade da ação penal, caso contrário a ação penal passou a ser pública condicionada dado que o crime atinge o patrimônio sem ocorrência de violência ou grave ameaça. A) ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA COMO SUJEITO PASSIVO Em relação à Administração Pública, pautou-se na indisponibilidade do interesse público. Sabe-se que a prática reiterada de fraudes em prejuízo aos cofres públicos pode onerar e prejudicar a prestação serviços públicos e outras e s t ác i o L u i z & p e d r o te nó r i o 28 ações estatais em prol da coletividade, a exemplo do que ocorre nas fraudes previdenciárias. Por fim, entendemos que o exercício do direito de representação é incompatível com a própria natureza da Administração Pública, que é regida pelos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e a indisponibilidade do interesse público. B) VÍTIMAS VULNERÁVEIS COMO SUJEITO PASSIVO No tocante às demais vítimas, o motivo determinante para se optar pela ação penal pública incondicionada foi a vulnerabilidade, pois estas, em tese, estão mais suscetíveis às fraudes. Outrossim, o exercício de representação pela condição que ostentam é mais difícil. Alguns pontos que se deve prestar atenção: a) A pessoa deve ter deficiência mental. Ou seja, não se abarca outros tipos de deficiência. Em verdade, a deficiência mental tende a tornar a pessoa mais suscetível à vitimização de fraudes, já que é mais difícil de compreender a malícia do criminoso, ou mesmo a complexidade do golpe; b) A lei nova não utiliza a expressão “idoso”, conceito disposto no Estatuto do Idoso o qual define como pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. A inovação do pacote anticrime refere-se à pessoa maior de 70 (setenta) anos. Portanto, nos casos em que a vítima tiver idade igual ou menor que 70 (setenta anos), a ação penal no crime de estelionato será pública condicionada à representação. 2.3 APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO Por se tratar de norma híbrida, com conteúdo de direito processual e também penal material, pois ao mesmo tempo que trata da natureza da ação penal influencia na punibilidade do indivíduo, a sua aplicação deve alcançar fatos pretéritos, retroagindo nos termos do art. 5º, XL, CF. Acerca desse ponto, exsurge questionamento interessante: em relação aos processos em andamento, iniciados através de ação penal pública P A C O T E A N T I C R I M E – A S M O D I F IC AÇ ÕE S N O S I S TE M A D E J U S T IÇ A C R I M I N AL BR AS I L E IR O 29 incondicionada, há necessidade do exercício do direito de representação pelas vítimas que não se encaixam no rol do §5º? A doutrina distingue as condições de procedibilidade das condições de prosseguibilidade. A primeira é condição inicial para o exercício da ação penal, a segunda é condição para o prosseguimento da ação penal já iniciada. In casu, dois posicionamentos são possível: 1) Em se tratando de processos em andamento, as vítimas deverão ser chamadas para que exerçam, se quiserem, no prazo decadencial de 06 (seis) meses, o direito de representação. Contudo, em tal hipótese, a representação figurará como uma condição de prosseguibilidade, na medida em o processo já foi iniciado Situação parecida ocorreu nos casos de lesão corporal leve, com o advento do art. 88 da Lei 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais) e a alteração da natureza da ação penal, as vítimas tiveram que manifestar interesse quanto ao exercício do direito de representação; 2) A ação penal nos processo em andamento não sofrem modificação alguma, permanecendo a natureza da ação pública incondicionada, já que as disposições processuais da nova lei não retroagem. Ademais, como o PAC não mencionou expressamente a regra da condição de prosseguibilidade, assim como fez com a ação penal nos crimes de lesão corporal leve (art. 88, Lei 9.099/95). Essa é a posição de Rogério Sanches. 3 MODIFICAÇÕES RELATIVAS AO CRIME DE CONCUSSÃO COMO ERA COMO FICOU COM O PAC Art. 316. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena: Reclusão, de 2 a 8 anos, e multa. Art. 316. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena: Reclusão, de 2 a 12 anos, e multa. Antes do PAC, o sujeito que exigisse, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida poderia ser a condenado a uma pena de 02 (dois) a 08 e s t ác i o L u i z & p e d r o te nó r i o 30 (oito) anos. A nova lei apenas alterou a pena máxima comina do crime para o patamar de 12 (doze) anos. Nota-se uma vez o espírito da novel legislação, qual seja o de punir com maior rigor os crimes praticados por agentes públicos valendo-se do cargo que ocupam. Haverá parcela da doutrina que acusará o legislador de praticar o tão alardeado direito penal simbólico, populismo penal e outros chavões. Contudo, o que parece claro é a atual leniência (laxismo) penal com os crimes praticados por agentes poderosos, não raros ocupantes de cargos ou funções públicas de destaque. O PAC veio para tentar, juntamente com outras políticas de Estado, frear esse ímpeto, que no Brasil grassa há muito. P A C O T E A N T I C R I M E – A S M O D I F IC AÇ ÕE S N O S I S TE M A D E J U S T IÇ A C R I M I N AL BR AS I L E IR O 31 CAPÍTULO 3 DAS PRINCIPAIS MODIFICAÇÕES NO CÓDIGODE PROCESSO PENAL COMENTADAS T ra n sa ct io n : H P 10 01 57 95 34 34 47 e -m ai l: t h ay so n .g ri b el @ g m ai l.c o m C P F : 08 4. 44 0. 98 6- 39 e s t ác i o L u i z & p e d r o te nó r i o 32 1 DA ESTRUTURA ACUSATÓRIA DO PROCESSO PENAL BRASILEIRO 1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS COMO ERA COMO FICOU COM O PAC Trata-se de inovação legislativa! Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação. O PAC previu no art. 3º-A que o processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação. Quanto ao sistema processual penal adotado no Brasil, a doutrina diverge. Enquanto alguns autores entendem que houve a adoção do sistema acusatório, outros defendem o posicionamento de que o nosso sistema processual penal é misto. Isoladamente, autores como Aury Lopes Jr. entendem que o sistema brasileiro é neoinquisitório, eis que a fase preliminar é inquisitória, e a fase processual, a despeito da normatividade constitucional, possui ainda traços inquisitórios, como a figura do juiz como ator da produção probatória, etc. O que define, essencialmente, o sistema processual é a divisão expressa e clara das funções exercidas pelos atores processuais, ou seja, a limitação das funções de julgar, acusar e defender, incluindo a análise da gestão da prova pelo juiz. Segundo James Goldschmidt, a gestão da produção da prova é o fiel da balança. Argumenta-se, quanto menos participação na gestão da prova tiver o juiz criminal, mais acusatório e democrático será o processo penal. 1.2 O SISTEMA PROCESSUAL BRASILEIRO: MODIFICAÇÃO OU PREVISÃO EXPRESSA NA LEI? O sistema brasileiro possui a fase de investigação preliminar, de caráter inquisitória, contudo sendo, desde antes do PAC, supervisionada pelo magistrado e, em última análise, pelo próprio Ministério Público no exercício de sua atribuição constitucional de fiscalização externa da atividade-fim policial. P A C O T E A N T I C R I M E – A S M O D I F IC AÇ ÕE S N O S I S TE M A D E J U S T IÇ A C R I M I N AL BR AS I L E IR O 33 A segunda fase da persecução penal é estruturada no processo penal, onde estão nitidamente divididas as tarefas de julgar, acusar e defender, não havendo mistura ou concentração de poderes nas mãos do magistrado. Apesar da divisão expressa de tarefas, o Código de Processo Penal permite ao juiz, em alguns momentos e sob determinadas condições específicas, a iniciativa probatória de ofício, conforme se observa no art. 156, incisos I e II, nos casos produção antecipada de provas e determinação de diligências para dirimir dúvidas cruciais sobre ponto relevante para o deslinde da causa. Além do mais, no sistema brasileiro, o juiz participa da produção de provas de maneira residual, como se dá, por exemplo, na inquirição das testemunhas, quando realiza perguntas após as partes nos termos do art. 212, parágrafo único. Mesmo com essas previsões, em nossa mirada, não se pode dizer que o sistema processual criminal é inquisitório, neoinquisitório ou até, como preferem alguns, antidemocrático, pois apesar de dar prerrogativas probatórias ao juiz, limita-as aos casos legais específicos e condiciona essa atividade à análise das instâncias superiores e até mesmo à análise da Suprema Corte em sede de habeas corpus ou dos recurso de caráter extraordinário (REsp e RExt). Por outro lado, não se pode esquecer que, na contemporaneidade, em lugar nenhum do mundo o juiz é cristalizado, estático, inerte, quiçá omisso. Não é, pois, um convidado de pedra diante do baile processual penal, como outrora o era na França de Napoleão Bonaparte em que vigorava o positivismo legalista exegético. O povo conferiu à magistratura, através da Constituição Federal, o dever de decidir de acordo com as normas da própria Carta de direitos, das leis e do caso concreto, devendo fundamentar suas decisões explícita e coerentemente (art. 93, IX, CF), sob pena de inexistência ou nulidade do ato, a depender da extensão da violação. Sendo assim, não se pode conferir tal responsabilidade à magistratura e ao mesmo tempo bradar pela sua inercia completa, numa postura que nos casos concretos beira até mesmo a desídia. e s t ác i o L u i z & p e d r o te nó r i o 34 O que se deve buscar, isso sim, é o equilíbrio processual, com atuações assertivas, corajosas e técnicas tanto por parte da defesa, que exerce papel essencial à justiça (art. 133, CF), quanto por parte do Ministério Público (art. 129, CF). Jamais jogar sob os ombros únicos da magistratura o dever de omissão diante de situações específicas e limitadas, como é o caso das provas antecipadas, essas inclusive com exercício do contraditório, determinação de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante e realizar perguntas complementares (atividade subsidiária) sobre pontos não esclarecidos na atividade probatória de caráter principal das partes. Diante disso, apesar do art. 3º-A dispor acerca da adoção do sistema acusatório, em nosso entendimento, o sistema processual penal brasileiro, sobretudo após a Constituição de 1988, sempre o foi, porém, dividido em duas fases, a investigação preliminar (de caráter inquisitório) e o processo penal (de caráter acusatório). Diz-se isso, pois, mesmo com a fase inquisitória tomando muita importância na persecução criminal, os elementos nela colhidos não integram o processo de forma plena necessitando de renovação sob o crivo do contraditório. Destarte, nota-se o afastamento da atividade central do processo penal da sistemática inquisitória. Isso parece evidente. Contudo, é preciso cuidado nas provas objetivas. Se for cobrada a literalidade da lei o candidato agora pode sentir-se mais seguro para afirmar que o sistema adotado é o acusatório puro, não mais se preocupando com as designações doutrinárias acerca dos sistemas acusatório mitigado ou do sistema misto. Em questões subjetivas tanto escritas quanto orais, porém, o ideal é demonstrar os diversos posicionamentos e expressar a visão pessoal, tanto mais alinhada com o cargo quanto possível, caso seja exigido. P A C O T E A N T I C R I M E – A S M O D I F IC AÇ ÕE S N O S I S TE M A D E J U S T IÇ A C R I M I N AL BR AS I L E IR O 35 1.3 CONCEITO DE JUIZ DE GARANTIAS A introdução da figura do juiz das garantias provoca modificações substanciais na organização da justiça criminal brasileira, bem como na atuação do magistrado, do órgão ministerial e da própria polícia judiciária. O juiz das Garantias já era objeto do Capítulo II do PL 8045/2010 (Novo Projeto de Código de Processo Penal), sendo que foi introduzido no PAC pelo Congresso Nacional através de emenda parlamentar do Deputado Federal Marcelo Freixo; isto é, não foi inicialmente pensado pelo Ministro da Justiça em exercício, Sérgio Mouro. O juiz de garantias pode ser conceituado como o magistrado cuja atuação se dá, exclusivamente, na fase preliminar da persecução penal, com a finalidade de exercer o controle de sua legalidade bem como salvaguardar os direitos e garantias do investigado (art. 3º-B). Nota-se, de pronto, que o PAC estabeleceu, na mesma persecução criminal, duas figuras com competência judicial: o juiz de garantias e o juiz de instrução e julgamento (art. 3º-C, §1º), sendo que este último atua apenas após o recebimento da denúncia ou da queixa-crime pelo juiz de garantias, ficando responsável por conduzir a instrução processual e realizar o julgamento da causa. 1.4 DEBATE DOUTRINÁRIO ACIRRADO ACERCA DA LEGITIMIDADE E CONSTITUCIONALIDADE DO JUIZ DE GARANTIAS A implementação do juiz de garantias após a aprovação do PAC sem veto presidencial já resultouem amplos debates doutrinários e políticos. Fiquemos apenas com os doutrinários, embora não seja possível deixar de lado, de todo, a análise política da lei. 1.4.1 BREVÍSSIMA ANÁLISE POLÍTICA Vestindo as lentes políticas, é de se estranhar a aprovação sem veto presidencial de uma figura de tamanha importância para a estrutura de justiça criminal brasileira. e s t ác i o L u i z & p e d r o te nó r i o 36 A sanção presidencial de uma emenda trazida por Deputado da base do PSOL (Marcelo Freixo), que além de ser de partido da oposição, é, sem dúvida, um dos principais antagonistas da figura do Presidente da República chama a atenção do observador e do estudioso atento. Seja do ponto de vista das mudanças na organização judiciária, o que muitos já alertam para a impossibilidade prática de efetivação dessa figura, seja do ponto de vista das consequências dogmáticas da atuação de dois juízes no mesmo processo, o que muitos já alertam para a tempestade de nulidades, a chancela do juiz de garantias pelo Presidente, muito embora tenha sido aconselhado o veto pelo Ministro da Justiça idealizador do PAC. 1.4.2 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS Parcela da doutrina levanta os seguintes argumentos favoráveis à implementação do juiz de garantias: 1) Trata-se instituto de maior afeição ao sistema acusatório, adotado pela Constituição Federal. Nesse sentido, a sua adoção serve para compatibilizar a estrutura do Código de Processo Penal, cujo projeto teria raízes fascistas, aos dispositivos constitucionais, reforçando a divisão de tarefas no sistema acusatório (acusar, defender e julgar) e limitando a gestão da prova e a iniciativa do magistrado no âmbito da investigação preliminar; 2) As funções do juiz de garantias são importantes para assegurar o controle da legalidade da investigação preliminar, bem como para assegurar os direitos e garantias do sujeito investigado, especialmente naqueles cuja restrição se submetem à reserva de jurisdição, sem comprometer a imparcialidade da jurisdição, evitando assim aquilo que a doutrina especializada chama de quadro mental paranoico (síndrome de Dom Casmurro), em que o juiz por se envolver demais na fase investigatória acaba por confundir o seu papel de julgador, passando a atuar como acusador, em prejuízo da equidistância e imparcialidade; 3) A restrição da atividade jurisdicional do juiz de garantias à fase de investigação preliminar conferiria uma maior celeridade no andamento dos P A C O T E A N T I C R I M E – A S M O D I F IC AÇ ÕE S N O S I S TE M A D E J U S T IÇ A C R I M I N AL BR AS I L E IR O 37 instrumentos investigatórios (inquérito, PIC, etc.), sobretudo no que diz respeito às decisões tomadas para restringir direitos e garantias do investigado. 1.4.3 ARGUMENTOS DESFAVORÁVEIS Outra parcela da doutrina trabalha com a tese de que a implementação do juiz de garantias seria em primeiro lugar inconstitucional, mas para além disso, seria ilegítima, pois traria maiores dificuldades para punição dos criminosos culpados. São, em resumo, os argumentos: 1) Como se trata da criação de uma figura jurisdicional com atribuição nitidamente voltada à atividade da magistratura nacional, parte da doutrina entende que o PAC violou regra constitucional de iniciativa legislativa, pois para dispor sobre a implementação do juiz de garantias seria necessário exercício da iniciativa por parte do Supremo Tribunal Federal. Com a emenda, o Congresso Nacional criou futuras despesas e onerou o Poder Judiciário, sem previsão orçamentária; 2) O Juiz de Garantias é um instituto incompatível com a realidade brasileira, bem como dispensável. Nesse sentido, a sua implementação desafia a insuficiência de pessoal (magistrados), principalmente nas comarcas mais isoladas de estados-membros, cujos recursos financeiros são limitados. Desse modo, de forma similar à Defensor Pública, a execução de tal projeto deve respeito à realidade do sistema de justiça criminal brasileiro, o qual não pode ser visceralmente modificado à caneta; 3) A tentativa de implementação do juiz de garantias, sem que houvesse capacidade financeira e material humano suficientes, seria um tiro que sai pela culatra, pois traria morosidade tanto na fase inquisitorial quanto na fase judicial, eis que a prática de qualquer ato, no âmbito da investigação preliminar, torna o juiz impedido para atuar na instrução processual. Teremos menos juízes para julgar processos justamente em vista da “contaminação” do juiz de garantias. Cria-se, na prática uma nova instância, sem que haja pessoal novo. Assim, a tendência é que a morosidade crônica do Poder Judiciário, problema já vivenciado hoje, venha a piorar com o juiz de garantias, gerando mais casos de e s t ác i o L u i z & p e d r o te nó r i o 38 prescrição, impunidade e justiça tardia. Tudo aquilo que o PAC não se propõe. Muito ao contrário, se vende como solução para o problema da criminalidade, sobretudo a de colarinho branco!; 4) O argumento da quebra da equidistância e da imparcialidade do juiz é ingênuo, pois o magistrado, na prática, não está decidido a fazer injustiças ou mesmo apresenta tamanha fragilidade para entrar em confusões mentais (quadros paranoicos) ao ponto de confundir o seu papel dentro do sistema processual, mormente porque suas decisões podem ser revisadas, por meio das ações autônomas de impugnação e, também, dos recursos previstos na legislação. As decisões do juiz, por força constitucional, devem ser sempre fundamentadas, de modo que o conteúdo decisório é passível de controle pelas instâncias superiores. Por fim, a prática de infrações penais, ilícitos cíveis e administrativos cometidos por juízes, promotores e até advogados possuem meios de repressão nas instâncias judiciais e administrativas; 5) Quanto ao controle da legalidade e a salvaguarda dos direitos e garantias do investigado na fase preliminar, é preciso mencionar que o Ministério Público, na vigência do atual cenário constitucional, figura como uma instituição de dupla função dentro da persecução penal, pois ao mesmo tempo que figura como titular da ação penal pública também exerce o controle da legalidade e da constitucionalidade da punição, seja na fase preliminar ou na fase judicial. Inclusive, exerce o controle externo da atividade policial. Nesse contexto, o Ministério Público não é, essencialmente, um órgão de acusação, uma vez que sua atuação se destina a preservar os direitos e garantias dos investigados, sejam culpados ou não. Por outro lado, possui a possibilidade de pedir a absolvição, promover o arquivamento do procedimento investigatório, por diversas razões, até mesmo impetrar habeas corpus em favor de investigado, processado ou réu preso quando o juiz decidir contrariamente ao posicionamento ministerial. Portanto, a figura do juiz de garantias, diante da presença do Ministério Público, não é necessária. P A C O T E A N T I C R I M E – A S M O D I F IC AÇ ÕE S N O S I S TE M A D E J U S T IÇ A C R I M I N AL BR AS I L E IR O 39 1.4.4 DA SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DA EFICÁCIA DA MAIORIA DAS NORMAS RELATIVAS AO JUIZ DE GARANTIAS: DECISÃO CAUTELAR EM ADI PELO STF Na tarde do dia 15/01/2020, o Min. Dias Tofolli deferiu monocraticamente e ad referendum do plenário do STF medida cautelar nas ADIs 6298, 6299 e 6300, determinando a suspensão da eficácia dos dispositivos previstos nos arts. arts. 3º-B, 3º-C, 3º-D, caput, 3º-E e 3º-F do CPP, até a efetiva implementação do juiz das garantias pelos tribunais, o que deverá ocorrer no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias contados a partir da publicação. O dispositivo situado no art. 3º-D, parágrafo único, do PAC, que trata da obrigação dos Poderes Judiciários dos entes federativos criarem um sistema de rodízio nas comarcas em que funcionar apenas um juiz, teve a sua eficáciasuspensa até o julgamento final das ADIs, pois o Ministro enxergou grave risco de inconstitucionalidade formal. Deve-se entender que esta decisão cautelar deu-se, segundo o Presidente do Supremo Tribunal Federal, em razão das grandes mudanças propostas pelo PAC em nível de reorganização da estrutura judiciária. Ponto importante, porém, é que não houce qualquer manifestação contrária à constitucionalidade da figura do juiz de garantias. Muito ao contrário, na decisão, o Ministro discorreu demoradamente sobre a constitucionalidade e o avanço da previsão do juiz de garantias na legislação processual brasileira. Segundo ele, trata-se de um reforço, necessário e bem-vindo, ao sistema acusatório adotado pela Constituição de 1988. Para tanto, fez uma análise comparada a partir da sistemática já adotada em países europeus, como Portugal e Itália, e em países sulamericanos, como Chile e Argentina; todos adotam o juízo das garantias, com as peculiaridades atinentes a cada contexto histórico e cultural desses países. e s t ác i o L u i z & p e d r o te nó r i o 40 Sendo assim, a decisão deixa claro a constitucionalidade do juiz de garantias, pronunciando-se apenas e tão somente acerca de seu prazo de eficácia, tendo em vista a previsão inicial de 30 dias de vacatio legis ser insuficiente para implementação das mudanças. Em relação ao juiz de garantias, outro ponto importantíssimo da decisão foi a manifestação acerca da interpretação conforme a Constituição dada aos preceitos normativos que criam o juízo de garantias. O Min. Toffoli decidiu, ad referendum do Plenário, que as normas do juiz de garantias não se aplicam às seguintes situações: (a) processos de competência originária dos tribunais, os quais são regidos pela Lei nº 8.038/1990; (b) processos de competência do Tribunal do Júri; (c) casos de violência doméstica e familiar; e (d) processos criminais de competência da Justiça Eleitoral. Por fim, ainda estabeleceu um regime de transição, importantíssimo para evitar alegações infundadas de nulidade, vejamos: a) No tocante às ações penais que já tiverem sido instauradas no momento da efetiva implementação do juiz das garantias pelos tribunais (ou quando esgotado o prazo máximo de 180 dias), a eficácia da lei não acarretará qualquer modificação do juízo competente. O fato de o juiz da causa ter atuado na fase investigativa não implicará seu automático impedimento; b) Quanto às investigações que estiverem em curso no momento da efetiva implementação do juiz das garantias pelos tribunais (ou quando esgotado o prazo máximo de 180 dias), o juiz da investigação tornar-se-á o juiz das garantias do caso específico. Nessa hipótese, cessada a competência do juiz das garantias, com o recebimento da denúncia ou queixa, o processo será enviado ao juiz competente para a instrução e o julgamento da causa. P A C O T E A N T I C R I M E – A S M O D I F IC AÇ ÕE S N O S I S TE M A D E J U S T IÇ A C R I M I N AL BR AS I L E IR O 41 1.5 COMPETÊNCIA DO JUIZ DE GARANTIAS COMO ERA COMO FICOU COM O PAC Trata-se de inovação legislativa! Art. 3º-B. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente: I – receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do caput do art. 5º da Constituição Federal; II – receber o auto da prisão em flagrante para o controle da legalidade da prisão, observado o disposto no art. 310 deste Código; III – zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer tempo; IV – ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal; V – decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar, observado o disposto no §1º deste artigo; VI – prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las, assegurado, no primeiro caso, o exercício do contraditório em audiência pública e oral, na forma do disposto neste Código ou em legislação especial pertinente; VII – decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral; VIII – prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões e s t ác i o L u i z & p e d r o te nó r i o 42 apresentadas pela autoridade policial e observado o disposto no §2º deste artigo; IX – determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento; X – requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação; XI – decidir sobre os requerimentos de: a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação; b) afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico; c) busca e apreensão domiciliar; d) acesso a informações sigilosas; e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado; XII – julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia; XIII – determinar a instauração de incidente de insanidade mental; XIV – decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, nos termos do art. 399 deste Código; XV – assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o direito outorgado ao investigado e ao seu defensor de acesso a todos os elementos informativos e provas produzidos no âmbito da investigação criminal, salvo no que concerne, estritamente, às diligências em andamento; XVI – deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia; XVII – decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração premiada, quando formalizados durante a investigação; XVIII – outras matérias inerentes às P A C O T E A N T I C R I M E – A S M O D I F IC AÇ ÕE S N O S I S TE M A D E J U S T IÇ A C R I M I N AL BR AS I L E IR O 43 atribuições definidas no caput deste artigo. Art. 3º-C. A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa na forma do art. 399 deste Código. §1º. Recebida a denúncia ou queixa, as questões pendentes serão decididas pelo juiz da instrução e julgamento. §2º. As decisões proferidas pelo juiz das garantias não vinculam o juiz da instrução e julgamento, que, após o recebimento da denúncia ou queixa, deverá reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso, no prazo máximo de 10 (dez) dias. §3º. Os autos que compõem as matérias de competência do juiz das garantias ficarão acautelados na secretaria desse juízo, à disposição do Ministério Público e da defesa, e não serão apensados aos autos do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento, ressalvados os documentos relativos às provas irrepetíveis, medidas de obtenção de provas ou de antecipação de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em apartado. §4º. Fica assegurado às partes o amplo acesso aos autos acautelados na secretaria do juízo das garantias. Inicialmente, é necessário deixar claro que, para fins de provas objetivas, é imprescindível a leitura da lei seca para sistematizar as novas competências atribuídas ao juiz de garantias. Note-se que, numa interpretação sistemática e lógica, o juiz de garantias ficou responsável pela atuação na fase preliminar, sobretudo nos pontos em que há cláusula de reserva de jurisdição. Importante notar ainda que sua atuação se dá com a prisão em flagrante (notitia criminis de cognição coercitiva) ou com a e s
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