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Aline Cristina | Medicina veterinária - UFERSA Avaliação pré-anestésica O sucesso da anestesia está intimamente ligado à acurada avaliação pré-anestésica. Conhecer previamente o paciente e a técnica cirúrgica a ser realizada é de suma importância para o planejamento anestésico. A avaliação pré- anestésica deve ser realizada antes de toda e qualquer anestesia e, preferencialmente, pelo anestesista que a aplicará O principal objetivo da avaliação pré-anestésica é diminuir a mortalidade e morbidade cirúrgica, isso é alcançado mediante adequação da saúde do animal antes da cirurgia e do planejamento da conduta perioperatória mais adequada. Essa conduta baseia-se na possível descoberta de condições ocultas que podem causar problemas durante e após a cirurgia. Dessa forma, o anestesista é capaz de prever problemas e planejar tratamentos na sua ocorrência. Os demais objetivos da avaliação pré-anestésica são: obtenção do consentimento esclarecido, o qual inclui a discussão com o proprietário a respeito do plano de execução da anestesia, as alternativas e as possíveis complicações, em termos inteligíveis para o leigo, bem como a autorização para com o "termo de ciência dos riscos cirúrgicos e anestésicos; determinar a condição física do paciente; escolher o protocolo anestésico e estimar o risco anestésico cirúrgico do procedimento. 2 Aline Cristina | Medicina veterinária - UFERSA Ao final da avaliação pré-anestésica deve-se responder à seguinte pergunta: "O paciente está nas melhores condições para ser submetido à cirurgia proposta?" Se a resposta for "não", deve-se adiar a cirurgia. Se a cirurgia for de urgência, a questão que se impõe é: "Os riscos de operar o paciente agora são maiores do que os de não operar?" Em outras palavras, comparam-se os riscos e os benefícios naquele momento. É válido lembrar que a clínica é soberana e, sendo assim, deve-se avaliar cuidadosamente o paciente. Essa avaliação deve ser tradicionalmente realizada por meio de identificação do paciente, anamnese, exame físico e exames complementares. Assim, avaliação pré-anestésica é sinônimo de planejamento anestésico, isto é, conhecer o paciente e suas condições de saúde, a cirurgia e qual a técnica cirúrgica a ser realizada, o trauma cirúrgico que poderá ocorrer principalmente pelo tipo de cirurgia ou pela experiência do cirurgião, que está intimamente ligada à qualidade de recuperação do paciente, e, por fim, o anestesiologista e sua experiência com determinada técnica. IDENTIFICAÇÃO DO ANIMAL A primeira fase da avaliação pré-anestésica é ter em mãos os dados do paciente, como espécie, raça, temperamento, idade, sexo e estado reprodutivo. A anestesia em gatos pode variar substancialmente da de um cão. Normalmente os gatos são de difícil contenção, de modo que mesmo felinos mansos podem mostrar-se pacientes difíceis para injeções intravenosas. É de conhecimento que algumas raças proporcionam riscos maiores do que outras. Por exemplo, é amplamente sabido que os cães galgos apresentam recuperação prolongada após o emprego do tiopental. Os braquicefálicos (Boxer e gatos persas) apresentam palatos mais proeminentes que outras raças, o que leva o anestesista a conceder mais atenção às vias aéreas superiores, principalmente pós-extubação 3 Aline Cristina | Medicina veterinária - UFERSA O temperamento do animal frequentemente está relacionado à raça. Por exemplo, Labradores são normalmente dóceis, o que permite a realização da avaliação pré-anestésica com maior facilidade. No entanto, raças agressivas dificultam a avaliação pré-anestésica. Essa dificuldade de se avaliar o paciente associado ao estresse de contenção pode aumentar consideravelmente os riscos anestésicos. Os animais idosos e muito jovens apresentam dificuldade de manter a temperatura corporal e compensar eventuais alterações de pressão, frequência cardíaca e respiratória. Os animais com menos de oito semanas apresentam pouca capacidade de biotransformar os fármacos administrados, isso se deve ao fato de o sistema enzimático hepático ser ainda imaturo nessa idade. A limitada função dos sistemas hepáticos e renais faz com que os pacientes idosos tenham dificuldade de metabolizar e excretar os fármacos. O sexo dos animais não altera as respostas anestésicas; contudo, fêmeas em cio podem apresentar maior risco de hemorragia intra-operatória e pacientes gestantes apresentam alterações fisiológicas que podem alterar as respostas anestésicas. ANAMNESE Deve ser iniciada pela verificação do paciente quanto ao jejum realizado. Recomenda-se jejum alimentar prévio de 8 a 12 horas e hídrico de 4 horas. Lembrando que, em dias de calor, o jejum hídrico deve ser realizado com cuidado, pois em algumas situações as cirurgias não são realizadas na hora marcada, podendo esse paciente desidratar à espera da cirurgia, principalmente nos dias de temperaturas elevadas. Nos pacientes em aleitamento, o jejum não é recomendado devido ao esvaziamento gástrico ser extremamente rápido. Em cães e gatos com menos de 8 semanas, o jejum não deve passar de 1 a 2 horas. Ainda com relação à anamnese, devemos pesquisar os diversos sistemas: • Sistema respiratório (tosse, dispneia, secreções). • Sistema endócrino (diabetes, hipotireoidismo, hipertireoidismo). • Sistema nervoso central (convulsões, epilepsias). • Sistema gastrintestinal (vômitos, diarreia). • Sistema cardiovascular (tosse, cansaço fácil, ascite, síncopes). • Sistema hematológico (transfusões recentes, anemias É importante que o anestesista se informe com o proprietário sobre ocorrências de outras doenças. Além disso, faz-se necessário conhecer quais as medicações administradas ao animal, uma vez que vários agentes podem inteeferir na ação dos anestésicos e fármacos adjuvantes. A seguir estão alguns fármacos frequentemente encontrados durante a avaliação pré-anestésica e que apresentam interação medicamentosa: 4 Aline Cristina | Medicina veterinária - UFERSA Inibidores da enzima conversora da angiotensina Enalapril; Captopril: são associados com vasodilatação periférica e hipotensão na indução da anestesia; capto- pril pode causar hipercalemia moderada. Bloqueadores de canal de cálcio Verapamil; Nifedipina; Diltiazem: reduzem a frequência cardíaca, deprimem a contratibilidade, diminuem o consumo de oxigênio pelo miocárdio, a velocidade de condução atrioventricular e dilatam as arteríolas coronárias, cerebrais e sistêmicas, ligam-se fortemente a proteínas e podem deslocar e ser deslocados por outras drogas que também se liguem fortemente a proteínas como lidocaína, tiopental, diazepam e propranolol; potencializam os blo- queadores musculares adespolarizantes e os anestésicos inalatórios. Betabloqueadores Propranolol (Inderal®): seu uso crônico diminui a reserva cardíaca devido ao bloqueio do sistema nervoso simpático; pode ter efeito aditivo com a depressão causada por agentes inalatórios ou venosos; os efeitos cardiovas- culares são maiores com enfluorano do que com o halotano, e estes são maiores que com o isofluorano; pode haver redução quanto ao clearance pulmonar da fentanila e à dose do nitroprussiato de sódio. Digitálicos Sua associação com agentes anestésicos arritmogênicos é sinérgica (adiar a cirurgia no caso de intoxicação digitálica) Vasodilatadores A nitroglicerina e o nitroprussiato podem prolongar o relaxamento muscular provavelmente por diminuição do fluxo sanguíneo muscular. Diuréticos Podem causar hipovolemia e hipocalemia; a alcalose respiratória sobreposta à hipocalemia favorece disritmias cardíacas, devendo ser evitada. A furosemida aumenta a ação do bloqueador neuromuscular adespolarizante e a nefrotoxidade dos aminoglicosídeos e das cefalosporinas'. Barbitúricos Fenobarbital (Gardenal®):estimula o aumento do conteúdo proteico microssomal do fígado (indução enzimática), que pode persistir por 30 dias após sua suspensão; pode aumentar a biotransformação dos anestésicos inalatórios e a toxidade destes; deve-se dar preferência ao isofluorano. A dose anestésica deverá ser reduzida de 10 a 25%. Antibióticos Os aminoglicosídeos produzem bloqueio neuromuscular, ocorrendo potencialização dos bloqueadores neuromusculares; o cloranfenicol diminui o metabolismo de alguns agentes anestésicos, recomendando-se, assim, reduzir a dose dos anestésicos de 10 a 25%1,4. Antagonistas de Receptor H2 Cimetidina (Tagamet®); Ranitidina (Antak®): diminuem o fluxo sanguíneo hepático, e principalmente a cimetidina reduz o metabolismo de substâncias com altas taxas de extração hepática e inibe o metabolismo de drogas 5 Aline Cristina | Medicina veterinária - UFERSA dependentes de biotransformação pelo citocromo P-450 (tiopental). A administração aguda de antagonistas de H2 na medicação pré-anestésica parece não apresentar essa interação. Aminofilina Possibilidade de arritmias com halotano (preferência ao isofluorano). Ainda dentro da anamnese, deve-se conhecer o histórico de anestesias prévias. É importante averiguar a ocorrência de complicações, se a recuperação foi adequada e qual o protocolo anestésico empregado. Contudo, haverá situações em que o proprietário não saberá fornecer informações sobre o paciente. Após a realização da anamnese, deve-se partir para os exames físicos e complementares. EXAME FÍSICO No exame físico é importante verificar o peso, (já que o cálculo das doses deve ser feito por quilograma de peso), a constituição física e o estado nutricional. Os animais desnutridos podem apresentar hipoproteinemia, ocorrendo, assim, maior fração livre de fármacos que se ligam às proteínas, como o tiopental. Além disso, no paciente desnutrido, há diminuição da resposta imunológica, da capacidade vital, devido à diminuição da massa muscular, maior incidência de edema pulmonar e intersticial e maior sensibilidade aos relaxantes musculares. Em relação ao sistema respiratório, é importante avaliar a presença de sibilos e estertores e analisar a amplitude e a frequência respiratória. Quanto ao sistema cardiovascular, avaliar a presença de sopros, arritmias, propagação de bulha, frequência e qualidade do pulso. Finalmente, devem-se verificar as veias periféricas para fluidoterapia (acesso venoso). Os exames complementares deverão ser realizados de acordo com a idade, o exame físico e o bom senso do anestesista em solicitar eventuais exames, como a necessidade de obter a função renal, em paciente jovem acometido por infecção uterina (piometra), ou radiografias de tórax nas neoplasias mamárias. De modo geral, tem-se preconizado a solicitação dos exames complementares, com exceção de alguns pacientes, conforme idade do animal e categoria de risco. A análise dos valores de hematócrito e de hemoglobina deve ser realizada dentro do contexto; é importante verificar o porte da cirurgia, a possibilidade de sangramento, de modo que o procedimento deve ser adiado caso haja riscos acentuados. Nos pacientes com fraturas de ossos longos, a avaliação do hematócrito é de suma importância, principalmente se a cirurgia estiver programada após 12h do trauma, pois nesses pacientes o hematócrito poderá estar abaixo dos valores-limite. Deve-se realizar a avaliação eletrocardiográfica, de modo geral, nos animais com mais de 7 anos e naqueles em que o exame físico sugira alguma cardiopatia. A avaliação dos eletrólitos deve ser solicitada de acordo com exames físicos e doenças associadas. Por exemplo, animais com obstrução uretral são obrigatoriamente submetidos à dosagem de potássio, assim como aqueles que 6 Aline Cristina | Medicina veterinária - UFERSA apresentam alterações eletrocardiográficas sugestivas de distúrbios eletrolíticos, animais com histórico de vômitos incoercíveis, submetidos à fluidoterapia prolongada, e portadores de síndrome torção-dilatação gástrica. Quando possível, recomenda-se o adiamento da cirurgia para corrigir eventuais alterações que aumentam os riscos anestésicos. Isso deverá ser realizado em desidratação grave, anemia por perda aguda de sangue (hematócrito <20%), albumina <2g/dL, desequilíbrio ácido-básico (pH <7,2), potássio <2,5 ou >6mEq/L, pneúmotórax, cianose, oligúria ou anúria, insuficiência cardíaca congestiva e arritmias cardíacas5. É importante ressaltar que não poderá se alongar o preparo nos pacientes em que o procedimento cirúrgico for a única via de sobrevida. 7 Aline Cristina | Medicina veterinária - UFERSA RISCO ANESTÉSICO-CIRÚRGICO Para determinarmos o risco anestésico-cirúrgico, devemos analisar três fatores: paciente, anestesia e cirurgia'. Paciente: o risco está intimamente ligado ao seu estado físico e à possibilidade de expor o paciente ao procedimento anestésico-cirúrgico, somente quando ele estiver nas melhores condições possíveis. Anestesista: entre os fatores de risco ligados ao ato anestésico, há os decorrentes da atividade do anestesiologista e os inerentes à anestesia em si. Assim, a seleção inadequada da técnica e/ou de agentes pode aumentar o risco. A duração da anestesia também contribui não só pela agressão farmacológica continuada, como pela fadiga que se apossam de todos os participantes, levando à desatenção e aos erros. A monitoração constante e a experiência do anestesista estão intimamente ligadas ao risco anestésico'. Cirurgia: associam-se a maiores índices de mortalidade e morbidade as cirurgias extensas, as localizadas em órgãos vitais e as de emergência. A habilidade da equipe cirúrgica e as instalações onde a cirurgia é realizada são fatores de risco. Algumas qualidades são reconhecidas como fundamentais nos cirurgiões: conhecimento anatômico, destreza manual, rapidez e capacidade de tomar decisões. Estas e a experiência adquirida com o passar dos anos constituem elementos capazes de reduzir os riscos. Ao final da avaliação pré-anestésica, poderemos classificar o paciente quanto ao risco anestésico. O sistema de classificação foi adaptado a partir da classificação proposta pela American Society of Anesthesiologists (ASA) ASA I II III VI V
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