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CURSO DE CAPACITAÇÃO PROFISSIONAL FAVENI – FACULDADE VENDA NOVA DO IMIGRANTE APOSTILA PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO NA EDUCAÇÃO BÁSICA ESPÍRITO SANTO 2 PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO http://educaja.com.br/2011/01/projeto-politico-pedagogico-como-elaborar.html Considerando o Projeto Político Pedagógico essencial para o bom funcionamento da escola, faremos uma abordagem teórica acerca do tema, que diante dos desafios da pós-modernidade é considerado pertinente a todos os envolvidos no processo educacional. O Projeto Político Pedagógico é antes de tudo a expressão de autonomia da escola no sentido de formular e executar sua proposta de trabalho. É um documento juridicamente reconhecido, que norteia e encaminha as atividades desenvolvidas no espaço escolar e tem como objetivo central identificar e solucionar problemas que interferem no processo ensino aprendizagem. Esse projeto está voltado diretamente para o que a escola tem de mais importante “o educando” e para aquilo que os educandos e toda a comunidade esperam da escola – uma boa aprendizagem. O Projeto Político Pedagógico é um caminho traçado coletivamente, o qual se deseja enveredar para alcançar um determinado objetivo. Deste modo, ele deve existir antes de tudo porque define-se como ação que é anteriormente pensada, idealizada. É tudo aquilo que se quer em torno de perspectiva educacional: a melhoria da 3 qualidade do ensino através de reestruturação da proposta curricular da escola, de ações efetivas que priorize a qualificação profissional do educador, do compromisso em oportunizar ao educando um ensino voltado para o exercício da cidadania, etc. É através de sua existência que a escola registra sua história, pois é conhecido como “um conjunto de diretrizes e estratégias que expressam e orientam a prática político- pedagógica de uma escola”. É um processo inacabado, portanto contínuo, que vai se construindo ao longo do percurso de cada instituição de ensino. O projeto se dá de forma coletiva, onde todos os personagens direta ou indiretamente, pais, professores, alunos, funcionários, corpo técnico-administrativo são responsáveis pelo seu êxito. Assim, sua eficiência depende, em parte, do compromisso dos envolvidos em executá-lo. Veiga (2001), define o Projeto Político Pedagógico assim: Etimologicamente o termo projeto - projetare – significa prever, antecipar, projetar o futuro, lançar-se para frente. A partir desse entendimento, construímos um projeto quando temos uma demanda para tal, quando temos um problema. Assim, falar de projeto é pensar na utopia não como o lugar do impossível, mas como o possível de ser realizado e não apenas do imaginário e desmedido como apresenta inicialmente. O desejo de mudança, a possibilidade real de existir, de: É um instrumento de trabalho que mostra o que vai ser feito, quando, de que maneira, por quem para chegar a que resultados. Além disso, explicita uma filosofia e harmoniza as diretrizes da educação nacional com a realidade da escola, traduzindo sua autonomia e definindo seu compromisso com a clientela. É a valorização da identidade da escola e um chamamento à responsabilidade dos agentes com as racionalidades interna e externa. Esta ideia implica a necessidade de uma relação contratual, isto é, o projeto deve ser aceito por todos os envolvidos, daí a importância de que seja elaborado participativa e democraticamente. (p.110) 4 O projeto é político por estar introjetado num espaço de sucessivas discussões e decisões, pois o exercício de nossas ações está sempre permeado de relações que envolvem debates, sugestões, opiniões, sejam elas contra ou a favor. A participação de todos os envolvidos no Projeto Político Pedagógico da escola, as resistências, os conflitos, as divergências são atos extremamente políticos. Logo, concordamos com Aristóteles, quando afirma que “todo ato humano é um ato político”. O projeto é pedagógico por implicar em situações específicas do campo educacional, por tratar de questões referentes à prática docente, do ensino aprendizagem, da atuação e participação dos pais nesse contexto educativo, enfim, de todas as ações que expressam o compromisso com a melhoria da qualidade do ensino. A dimensão política, a forma social é a forma coletiva, na qual alunos, professores, supervisores, orientadores, funcionários e responsáveis por alunos discutem o Projeto Político Pedagógico. Todos nós planejamos nosso dia-a-dia, sistematicamente ou não. É através das discussões e das necessidades individuais, tornadas coletivas, que o Projeto Político Pedagógico passa a ser desenhado na cabeça das pessoas. Ao referir-se a essas dimensões política e pedagógica do Projeto, encontramos em Marques apud Silva (2000), apoio, quando expressa: O projeto político pedagógico tem um caráter dinâmico e não acontece porque assim 5 desejam os administradores, mas porque nos preocupamos com o destino das nossas crianças, da escola e da sociedade e ansiamos por mudanças. A IMPORTÂNCIA DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO NA ESCOLA http://www.ijui.com/artigos/33489-projeto-politico-pedagogico-direcionando-acoes-e- buscando-qualidade-por-cleusa-mar A construção do Projeto Político Pedagógico surge a partir da necessidade de organizar e planejar a vida escolar, quando o improviso, as ações espontâneas e casuais acabam por desperdiçar tempo e recursos, os quais já são irrisórios. Sendo o Projeto Político Pedagógico a marca original da escola, ele pode propor oferta de uma educação de qualidade, definindo ou aprimorando seu modelo de avaliação levando em consideração os principais problemas que interferem no bom desempenho dos alunos; estabelecer e aperfeiçoar o currículo voltado para o contexto sociocultural dos educandos; apontar metas de trabalho referentes à situação pedagógica, principalmente no que se refere às experiências com metodologias criativas e 6 alternativas. Em função disso, é que se considera importante estruturar os princípios que norteiam as práticas educacionais. O projeto deve ser construído tendo por base tarefas simples, passíveis de serem executadas no dia a dia da escola. Mas ele não dispensa o planejamento cuidadoso, a imaginação criadora e o espírito de equipe. Entretanto, o mais importante para a escola, não é apenas construir um Projeto Político Pedagógico, mas o fazer educativo, a sua aplicabilidade. Não se realiza o Projeto Político Pedagógico somente porque os órgãos superiores o solicitam à escola, mas porque a comunidade escolar dá um basta à mesmice, à organização burocrática, à condução autoritária e centralizadora das decisões. Mas, sabemos que não é uma tarefa fácil, o processo exige ruptura, continuidade, sequência, interligação, do antes, do durante e do depois, é um avançar continuado. São mudanças que muitas vezes não são bem aceitas pela comunidade escolar, porque dá ideia de mais trabalho, mais tempo, mais custos, daí o porquê da resistência de alguns. Referindo-se a essa ideia, exprime Gadotti e Demo (1998), comenta que o Projeto Político Pedagógico é como um farol de mudanças, pois define pontos importantes para a educação básica como “A instrumentalização pública mais efetiva da cidadania e da mudança qualitativa na sociedade e na economia”. Para ele, esses aspectos são primordiais no sentido de oportunizar a formação do sujeito competente e viabilizar uma educação centrada na construção da qualidade, considerando que a escola é um espaço adequado onde se processa a capacidade de manejar e produzir conhecimento, pois dela se espera construir o conhecimento, em vez de apenas reproduzir. O Projeto Político Pedagógico é um meio eficaz para a superação da ação fragmentada tanto na educação quanto na escola, motivando e reanimando o ânimo detoda a comunidade escolar, onde cada um tenha o sentido da pertença, sentindo- se corresponsáveis pelo crescimento e pela melhoria do ensino. O compromisso do professor é grande, podendo contribuir para que a escola seja um lugar de crescimento e humanização. Assim, é importante primar pela sua atualização constante, buscando referências e apoios didáticos que servirão de subsídios para inovar sua prática docente; trabalhar coletivamente, priorizar espaço onde possa vivenciar e fazer troca de experiências, revisando sempre sua formação. 7 https://encrypted- tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcR1WvXku2OmDRfoccNc1Plj1IYfHTzDot01jRdNCQKkF8Ewwnd4zQ Ao elaborar e executar o seu PPP a escola deverá destacar: • os fins e objetivos do trabalho pedagógico, buscando a garantia da igualdade de tratamento, do respeito às diferenças, da qualidade do atendimento e da liberdade de expressão; • a concepção de criança, jovens e adultos, seu desenvolvimento e aprendizagem; • as características da população a ser atendida e da comunidade na qual se insere; • o regime de funcionamento; • a descrição do espaço físico, das instalações e dos equipamentos; • a relação de profissionais, especificando cargos, funções, habilitação e níveis de formação; • os parâmetros de organização de grupos e relação professor/ aluno; • a organização do cotidiano de trabalho com as crianças, jovens e adultos; • a proposta de articulação da escola com a família e a comunidade; • o processo de avaliação, explicitando suas práticas, instrumentos e registros; 8 • o processo de planejamento geral. • trazer anexos como: a Matriz Curricular vigente e Projetos Especiais a serem desenvolvidos. http://www.open.edu/openlearnworks/mod/page/view.php?id=35793 O PPP e o Regimento Escolar das unidades escolares deverão estar: • consonantes com as leis vigentes (Lei 9394/96; 11.274/06; Estatuto da Criança e do Adolescente, Resoluções do CME 002/98; 03/99 e 06/99; Diretrizes Nacionais para a Educação Infantil, para o Ensino Fundamental de Nove Anos, a Educação de Jovens e Adultos - EJA, Diretrizes Municipais para a Inclusão da História e Cultura Afro Brasileira e Africana no Sistema Municipal de Ensino de Salvador, Lei 10639/03 e as Diretrizes Municipais do Meio Ambiente. http://www.open.edu/openlearnworks/mod/page/view.php?id=35793 9 • disponíveis para a comunidade escolar, as autoridades competentes e para os pais dos alunos interessados em conhecer os documentos. ROTEIRO PARA ELABORAÇÃO DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO http://pt.slideshare.net/BiaBernardino/slide-pronto 1. Apresentação ou Introdução (nela devem constar dados sobre o espaço físico, instalações e equipamentos, relação de recursos humanos, especificando cargos e funções; habilitações e níveis de escolaridade de cada profissional que presta serviço na instituição. 2. Breve histórico da unidade escolar 3. Eixo norteador da escola (é o que a diferencia das demais, a sua identidade e função no meio social onde está inserida). 4. Valores e Missão da escola 10 5. O que queremos? (Marco doutrinal). É a busca de um posicionamento: Político - visão ideal de sociedade e de homem Pedagógico – definição sobre a ação educativa e sobre as características que deve ter a instituição que planeja. Ou seja: Os princípios As teorias de aprendizagem O sistema de avaliação http://www.culturainglesaboavista.com.br/2011/2013/02/sistema-de-avaliacao/ 6. O que somos? (Marco situacional) O diagnóstico da realidade da escola. É a busca das necessidades a partir da análise da realidade e/ou juízo sobre a realidade da escola, comparação com o que se deseja ser). 7. O que faremos? (Marco operativo) Programação do que deve ser feito concretamente para suprir as faltas. É a proposta de ação. Que mediações (conteúdos, metodologias e recursos) serão necessários para diminuir a distância entre o que vem sendo a instituição e o que deverá ser. Ou seja, a Proposta Curricular - organização da escola - organização do trabalho - processos de avaliação A proposta curricular deve estar diretamente relacionada aos pressupostos teóricos estabelecidos pela instituição, sem perder o foco nos objetivos, conteúdos e avaliação por segmento e área de conhecimento. 11 8. Anexos Matriz curricular Marcos de aprendizagem Projetos especiais Outros ESTRATÉGIAS DE MOBILIZAÇÃO DA COMUNIDADE ESCOLAR PARA A CONSTRUÇÃO DO PPP Para mobilizarmos a comunidade escolar para a construção coletiva do PPP é necessária a utilização de um conjunto de ações articuladas entre si, o que significa a necessidade de uma vinculação estreita entre objetivos da mobilização e meios usados para tal fim. http://projeto-politico-pedagogico.blogspot.com.br/ O coletivo de organização da mobilização para a construção do PPP na escola deve procurar planejar sua ação com base em algumas referências: Qual a melhor maneira de mobilizarmos as famílias? Os estudantes? E os “pequenos” estudantes? Os funcionários? E os professores? Qual a melhor forma de comunicação a ser utilizada? 12 Qual o conteúdo dessa comunicação? Poderemos usar a mesma estratégia para todos os segmentos da comunidade escolar? Que recursos iremos utilizar? A escola dispõe desses recursos? A campanha de mobilização durará quanto tempo? Envolverá outros segmentos organizados da comunidade do entorno da escola? Mobilizar, como anteriormente já apresentamos, implica conjugar multiplicidades em torno de um objetivo comum. Implica também a difícil tarefa de negociar, buscar concordâncias, o que não significa, por sua vez, anular diferenças. Nesse sentido, pode facilitar o trabalho de mobilização se esse for coordenado por um coletivo – representantes dos professores, de estudantes (grêmio ou colegas indicados), representantes das famílias. Outra sugestão, nas escolas em que houver conselho escolar atuante que possa se responsabilizar ou colaborar na coordenação dessa tarefa, a presença dos diferentes segmentos da comunidade escolar pode facilitar na escolha das melhores estratégias para se chegar a cada um deles. Algumas estratégias para a mobilização da comunidade escolar: http://mvive.blogspot.com.br/2010_08_01_archive.html 13 Elaboração de um livreto ou jornal (com imagens e diálogos) sobre o PPP, sua importância para a escola e necessidade da participação de todos (pode-se, por exemplo, mobilizar estudantes para sua elaboração) Elaboração de carta-convite, com explicações sobre o PPP “Panfletagem” na escola, mobilizando para um dia de discussões sobre o PPP Dia de Mobilização para a construção do PPP da escola Promoção de palestras, seminários de troca de experiências com outras unidades escolares que estejam ou já tenham elaborado seu PPP Utilização de meios virtuais para divulgação da mobilização, especialmente entre os estudantes Criação de canais virtuais, espaços de discussão e jornal voltados para os estudantes Divulgação por meio de jornais comunitários, associação de moradores ou outros espaços Debates em salas de aula, organização de atividades culturais centradas na discussão sobre a importância da participação da comunidade na construção do PPP. As sugestões acima são algumas possibilidades; cada escola, de acordo com sua “cultura local”, deve definir quais caminhos utilizará para chamar a comunidade escolar para participar da elaboração do seu Projeto Político-Pedagógico. ELABORAÇÃO DO PPP Diversos estudos que têm tematizado a problemática da construção do PPP nas escolas brasileiras – relatos de experiências, pesquisas, têm apontado também uma diversidade de caminhos seguidosnessa construção. Contudo, encontramos alguns pontos de convergência em torno de alguns “passos” que são apontados como importantes na elaboração do projeto: 14 http://escolafreiothmar.g12.br/ver_noticia.asp?id=379 a) definição de um marco referencial ou conceitual, que expresse as concepções político-filosóficas da escola com relação à educação, à escola e suas finalidades; b) a elaboração de um diagnóstico da realidade escolar, ou análise da realidade escolar; c) a definição de um plano ou programação de atividades -objetivos, estratégias etc.; d) a divulgação do PPP (torná-lo um documento a ser conhecido por toda a comunidade escolar) e, por fim, e) a aprovação do PPP em instâncias colegiadas ou em fóruns de representação direta, como assembleia da escola. Definição de um marco referencial orientador do PPP http://ppp.colegionotredame.wikispaces.net/3.+Marco+Situacional 15 Definir um marco referencial significa definir o conjunto de referências teóricas, políticas, filosóficas que balizará o trabalho da escola. Trata-se da explicitação das ideias, das concepções, teorias que orientarão a prática educativa da escola. Para que isso seja possível, é preciso compreender as relações existentes entre a escola e a realidade em que está inserida, realidade não apenas local, mas nacional e mundial. Significa compreender o sentido histórico da educação e da escola pública, compreendendo suas transformações atuais, à luz dos processos históricos que a determinam. Dessa relação entre o global, o nacional e o local podem-se então compreender a “realidade” da escola em sua singularidade, compreendida, entretanto, como resultante dessas relações mais amplas. Essa análise pode nos lançar na definição e explicitação sobre as finalidades sociais da educação e da escola, levando-nos a interrogar sobre o tipo de sociedade com o qual a escola se compromete ou deseja se comprometer, que tipo de sujeitos pretende formar, qual sua intencionalidade, compreendida está em suas dimensões política, cultural e educativa. De acordo com Veiga (2000, p. 23), “a escola persegue finalidades”, por isso é preciso ter clareza das mesmas. Ao ressaltar a importância da reflexão sobre as finalidades e os objetivos da escola, a autora afirma o caráter dialético desse movimento, ao destacar que as questões levantadas geram respostas que, por sua vez, levam a novas interrogações; esse esforço possibilita a identificação das finalidades da escola, de que precisam ser reforçadas, quais estão sendo relegadas ao segundo plano. Esse trabalho de interrogar-se sobre suas finalidades faz com que a escola se volte para uma de suas principais tarefas, qual seja, aquela de refletir sobre sua intencionalidade educativa (VEIGA, 2000). A clareza da finalidade social da escola possibilita à comunidade escolar definir, também com mais pertinência, critérios e projetar sua ação em termos do que deseja para as dimensões pedagógica, administrativa e democrática. Gandin (1994), ao discutir o “marco referencial”, apresenta três eixos para a discussão: a) marco situacional; b) marco doutrinal e c) marco operativo. O marco situacional refere-se à reflexão sobre as relações da educação, da escola em sua 16 inserção histórica, e suas relações com contextos sociais mais amplos; trata-se de problematizar a educação relacionando-a com outras dimensões da realidade, não apenas em nível local, mas também nacional e mundial. Procura-se compreender os nexos e as relações dos problemas locais compreendendo-os como parte desse contexto mais amplo. O ponto de partida é a realidade local da comunidade em que se insere a escola, os modos de vida dos sujeitos que compõem seu coletivo, as formas organizativas e comunitárias, as culturas locais, a ocupação e organização dos espaços comunitários etc. A discussão desses elementos possibilita apreender as mudanças em seu caráter histórico, discutir valores, conhecer as representações do grupo sobre a sociedade brasileira, sobre sua comunidade, identificar satisfações e insatisfações, expectativas. http://www.rblmaria.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=10 A discussão do marco situacional desencadeia processos de reflexão relacionados aos valores sociais e políticos relacionados à sociedade e à educação que levam ao debate e ao estabelecimento do marco doutrinal do Projeto Político- Pedagógico, ou seja, da explicitação dos fundamentos teóricos, políticos e sociais que o fundamentam. Doutrinal, nesse caso, não se refere à doutrina, dogmatismo, mas à discussão da base teórica que sustentará o PPP da escola, que dará norte às suas ações. Procura-se discutir, nesse eixo, o tipo de sociedade que queremos construir, qual a formação social e cultural que queremos para nossas crianças e nossos jovens. Quais os valores que queremos desenvolver, qual a função social da escola nos http://www.rblmaria.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=10 17 processos de formação dos sujeitos humanos etc. Discute-se nesse eixo o “dever-se” da educação, horizonte necessário para que se possa se projetar um futuro melhor. http://www.ciade.org.br/interatividade/noticias/detalhes/a-educacao-e-tambem-um-dever-da-familia-e-do-estado/69 Intrinsecamente relacionado a esses dois eixos, temos então o terceiro, o marco operativo, relacionado às relações da escola com a sociedade; trata-se aqui de uma discussão vinculada ao contexto local, com aquilo que é específico da escola como instituição social e, de modo particular, da escola em que se trabalha, se estuda; o marco operativo se refere, então, à realidade local, traduz as necessidades, expectativas, do grupo e seus anseios por mudança. Trata-se da discussão da escola que queremos. Conforme Gandin (1994, p. 82), o marco operativo é “também uma proposta de utopia, no sentido que apresenta algo que se projeta para o futuro [...]”; todavia, como alerta o autor, para que o marco operativo não se torne um palavreado vazio, é preciso que este tenha um forte aporte teórico. O marco operativo não é o plano ou programação de ação; ele dá base e sustenta este plano de ação; refere-se à realidade desejada. Por isso, nos alerta Gadotti (2000), o PPP, em suas várias dimensões de elaboração, toma sempre como ponto de partida o já instituído, aquilo que já foi historicamente construído, não para perpetuar ou para afirmar fatalismos (“foi sempre assim, nada mudará”), mas para criar uma nova utopia, um novo instituínte. Baseado em Gandin, elaboramos um quadro síntese, com algumas http://www.ciade.org.br/interatividade/noticias/detalhes/a-educacao-e-tambem-um-dever-da-familia-e-do-estado/69 18 questões que podem orientar os debates em cada um dos eixos do Marco Referencial do PPP. MARCO REFERENCIAL DO PPP http://slideplayer.com.br/slide/291893/ Marco situacional Que aspectos da situação global (social, econômica, política, cultural, educativa) chamam a atenção hoje no Brasil e na América Latina? Discutir pontos positivos e negativos do mundo atual. Discutir essas mudanças resgatando seu caráter histórico. Dentre as tendências/problemas da sociedade, na atualidade, que chamam mais a atenção? Por que chamam a atenção? Quais os valores preferenciais na sociedade de hoje? Como essas preferências se manifestam? Qual lhes parece ser a explicação dos males da América Latina e do Brasil? Marco doutrinal Qual o tipo de sociedade que queremos? No que se fundamenta uma sociedade justa, democrática e participativa? Que valores devem estar presentes nessa sociedade? 19 Que atitudes esperamos dos sujeitos humanos diante da sociedade? O que significa ser o homem sujeito da história? O que motiva o serhumano a tornar-se agente de transformação? Como podemos contribuir para a construção de uma nova sociedade mais justa? Marco operativo Que ideal temos para nossa escola? Que significa ser o educando sujeito do seu próprio desenvolvimento? Em que consiste o educar-se; em consequência, qual é o ideal para nossa prática educativa? O que significa a educação voltada para a realidade? Como tornar a escola um espaço de mudança, de transformação social? O que caracteriza a escola democrática, aberta e participativa? O que é qualidade de ensino? Que princípios devem orientar nossa prática pedagógica? Projeto Vivencial ELABORANDO UM DIAGNÓSTICO OU CONHECENDO A REALIDADE DA ESCOLA O diagnóstico se constitui em um dos momentos mais importantes na construção do PPP, pois é nesse momento que fazemos uma profunda análise da situação atual da escola, observando-se todas as suas dimensões – infraestrutura física, equipamentos, corpo docente, trabalho pedagógico, gestão, comunidade, qualidade da educação, processos de formação dos estudantes, etc. Gandin (1994) começa essa discussão dizendo o que um diagnóstico não é: a) não é uma descrição da realidade da escola e b) não é um levantamento de problemas. Então, o que é um diagnóstico da escola? Como se elabora esse diagnóstico? O termo diagnóstico, comumente associado às práticas médicas, tem 20 sua origem na palavra grega diágnósis, que significa discernimento, “conhecer através de”. http://pt.slideshare.net/josivaldopassos/slides-diagnstico-portugus O diagnóstico não é um fim em si mesmo, mas um processo que nos permite obter algum conhecimento sobre uma realidade dada. Ao possibilitar conhecimentos sobre a realidade de um determinado contexto, torna-se um importante instrumento no planejamento de mudanças, na medida em que pode nos ajudar a identificar “pontos fortes e frágeis” em cada realidade institucional e a ver as alternativas e possibilidades de ação, tendo como horizonte os ideais e objetivos pretendidos. Por isso, o diagnóstico não é apenas uma lista de problemas “daquilo que vai mal na escola”; supõe avaliação, comparação, juízos de valores, tudo isso tendo como ponto de partida o que foi definido anteriormente no Marco Referencial. Quando é elaborado de forma participativa, o diagnóstico da realidade da escola se constitui em um fecundo espaço de aprendizagem, na medida em que desencadeia um processo de reflexão sobre o que a escola é, aonde quer chegar, 21 identificando os problemas, os efeitos e as consequências destes, mas possibilita também que se identifique o que a escola tem feito de bom, seus pontos fortes; é ponto de partida para que se elabore, de modo fundamentado e com base nas necessidades da escola, o Plano ou Programa de Ação. O é constituído por três elementos: a) é um juízo, portanto, implica um julgamento, uma avaliação; b) esse juízo é feito sobre uma prática específica (da realidade da escola) sobre a qual se planeja alguma mudança e c) esse juízo é realizado tomando-se como referência os preceitos estabelecidos no marco referencial. Ainda que incidam mais fortemente sobre a dimensão operativa (marco operativo), os critérios de análise referenciam-se também nos marcos doutrinal e situacional. Um bom começo é perguntar-se: “até que ponto nossa prática realiza o que estabelecemos no marco operativo?” (GANDIN, 1994, p. 90) http://emepmassangana10.blogspot.com.br/2012/02/massangana-elabora-plano-de-acao-do.html Tomando o diagnóstico como um dos momentos de construção do PPP, sua função reside em promover um profundo processo de avaliação sobre como a escola 22 tem se organizado e realizado sua tarefa educativa, que dificuldades tem encontrado para o cumprimento desta, que possibilidades encontra para orientar sua ação na direção de uma escola pública democrática. As análises realizadas sobre a realidade da escola não são neutras; elas tomam como referência certo modo de compreender a função social da escola, como deve ser sua organização, o que inclui o trabalho pedagógico, a gestão, as relações com os estudantes, com a comunidade etc. Conforme Vasconcellos (1995), o diagnóstico “não é simplesmente um retrato da realidade ou um mero levantar dificuldades; antes de tudo é um confronto entre a situação que vivemos e a situação que desejamos viver”. Assim, o diagnóstico não é um instrumento técnico, neutro, que pode ser adaptado, aproveitado de outras organizações ou instituições sociais. Ele marca e se fundamenta em uma intencionalidade, é sustentando em valores, aponta para uma direção. Por isso, o diagnóstico da escola deve ser feito também de modo participativo. Implica a obtenção de dados quantitativos e qualitativos que, organizados, sistematizados, interpretados, constituem-se em indicadores importantes para o planejamento das ações futuras voltadas à mudança na escola. Como proceder, então, para realizar um diagnóstico da realidade da escola? Como organizar a produção das informações que auxiliarão na elaboração posterior da análise da realidade da escola? Se não se trata de elaborar uma lista de itens a serem checados; então, como definir o que será analisado? http://www.catho.com.br/carreira-sucesso/noticias/enem-2013-como-esta-sua-redacao 23 Para elaborar um diagnóstico sobre a realidade educacional e obter informações que possam auxiliar a elaboração de um plano de ação, é fundamental se terem estratégias para obtenção de informações de análise que possam ajudar a compreender os diversos fatores que favorecem ou dificultam o trabalho educativo da escola. Como se aproximar, então, da realidade escolar, procurando identificar não apenas os problemas aparentes, mas também as dimensões “não ditas”, as determinações que nem sempre se dão a conhecer a um primeiro olhar? O primeiro passo é compor uma equipe ou grupo de trabalho com representantes dos segmentos da comunidade escolar, para coordenar essa etapa. Esse grupo de trabalho pode então elaborar um instrumento que oriente as discussões e facilite os registros das informações, das avaliações, das expectativas da comunidade escolar; esse grupo pode também definir as estratégias que serão usadas para coletar esses materiais com o coletivo da escola. Posteriormente, esses dados deverão ser analisados e consolidados em um documento final, que representa a formalização das discussões realizadas durante todo o processo. A elaboração de um instrumento que oriente as discussões e obtenção de informações ou coleta de dados deve ter como ponto de partida o marco referencial; a partir deste, podem ser estabelecidas dimensões da organização e prática da escola que serão objetos de análise. É importante que cada uma das dimensões seja discutida e bem definida, para que se possam definir eixos de análise e suas perguntas, esse sim orientador do processo de discussão com a comunidade escolar. http://monografias.brasilescola.uol.com.br/regras-abnt/entrevista.htm 24 O estabelecimento de dimensões a serem analisadas tem um valor apenas operativo; visa facilitar a compreensão dos diferentes níveis de funcionamento da escola, facilitando-se a apreensão de fenômenos particulares. Não devemos, contudo, perder de vista que a escola é uma totalidade e que essas dimensões se imbricam, condicionando-se mutuamente. Assim, deve-se, na análise, evitar a compreensão fragmentada da realidade, superando perspectivas teórico-metodológicas que tendem tanto a focalizar como a responder, de modo parcial e seletivo, problemas que são multidimensionais. Nessa perspectiva, um problema como a evasão escolar, por exemplo, não pode ser considerado apenas do ponto de vista dos estudantes, mas também precisa ser analisado a partir da realidade da escola, relacionando-acom o contexto da educação nacional. https://encrypted- tbn1.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcSsMM9pezJ3RRQuY9Mehm_oqwcLUdb2LijCV6f52Z2KoG5GfAVr Definidas as dimensões constitutivas do diagnóstico, pode-se derivar dessas os eixos e perguntas que orientarão a análise a ser realizada. A seguir damos um exemplo de um “guia” para as discussões com a comunidade escolar. A essas dimensões e eixos podem ser acrescentados outros, relacionados com a particularidade de cada escola. Trata-se apenas de fornecer indicativos que podem auxiliar na elaboração de instrumentos específicos, de acordo com as necessidades de análise de cada unidade escolar. Sugestões de dimensões e indicadores para análise da realidade escolar 25 26 Enfim, o diagnóstico implica o desafio de apreendermos analiticamente tudo aquilo que constitui o cotidiano da escola. Para isso, precisamos evitar a mera transposição de conceitos ou de instrumentos de análise. Analisar a realidade da escola supõe múltiplas tensões para aqueles que o fazem; impõem a necessidade, muitas vezes, de abandonar pontos de vistas cristalizados, de abrir mão de interesses 27 pessoais em favor daqueles que representam o coletivo. Significa julgar, avaliar, emitir juízos, valorizar, priorizar, selecionar, mesmo sabendo que a autonomia de que se dispõe, muitas vezes, é limitada. Chamamos atenção para a necessidade de captar a escola naquilo que ela é, sem procurar enquadrá-la em categorias predefinidas que nos obrigam a ajustar informações, a falsificar consensos. Analisar a escola em suas múltiplas dimensões nos ajuda a compreender suas determinações para além da realidade local, impulsionando para que se atinja a intencionalidade política proposta em seu marco referencial. ELABORAÇÃO DE UM PLANO DE AÇÃO http://blog.iprocess.com.br/2014/06/5w2h-ferramenta-para-a-elaboracao-de-planos-de-acao/ Tapas anteriores – estabelecimento de um marco referencial e elaboração do diagnóstico da realidade escolar - culminam nesta que poderíamos considerar a última atividade da elaboração do PPP: a construção de um plano de ações, ou seja, de um conjunto de propostas que se desdobram em ações voltadas a provocar mudanças na realidade da escola. O diagnóstico pode evidenciar muitas necessidades da escola. 28 Muitas vezes, essas são mais complexas e maiores do que a real capacidade da escola de satisfazê-las, o que pode ser fator gerador de tensões no coletivo. Gandin (1994) sugere que se analise a necessidade da escola considerando dois critérios: a) o que é necessário; e b) o que é exequível. Segundo o autor, nem sempre o que é necessário é possível para a escolar resolver nas condições e no tempo de duração do plano de ação. Propõe, então, o autor que a escola estabeleça prioridades, considerando o que é mais necessário, oportuno e urgente fazer. Seguindo ainda essa classificação entre o possível e o necessário, Gandin sugere que o plano de ação ou a programação se organize a partir de quatro dimensões: das ações concretas, das orientações para a ação, das determinações gerais e das atividades permanentes. Ou seja, definidas as prioridades, passa-se a definir o tipo de ação necessária ao atendimento daquela necessidade. Ainda no plano de ação, temos a dimensão temporal, que implica distribuição das necessidades/ações de acordo com uma distribuição em curto, médio e longo prazo. Plano de ação a) Ações concretas: são ações voltadas para um objetivo específico, com uma terminalidade bem definida, sustentando-se em recursos próprios; devido às suas características, são bem delimitadas. Contemplam ações de curo prazo. Ex.: promoção de uma capacitação sobre um tema delimitado, para atender a uma necessidade específica b) Orientações para ação: não se constituem em propostas concretas, mas dizem respeito aos valores, às atitudes; procuram modificar os comportamentos, levar à partilha de referências comuns. Exemplo: “desenvolver o espírito crítico nos alunos c) Atividades permanentes: dizem respeito a atividades de caráter permanente, podendo estar vinculadas ou não à esfera administrativa; são também denominadas rotinas d) Determinações gerais: são orientações ou ações que atingem a todos os segmentos da comunidade escolar; são elaboradas também a partir do diagnóstico da escola. Exemplos: requisitos para atividades complementares, apresentação dos planos de aula pelos professores aos alunos. 29 http://blog.iprocess.com.br/tag/bpm/ O plano de ação deve traduzir, em suas prioridades, formas de encaminhamento e as decisões coletivas da comunidade escolar; é a esta que cabe dizer o que é prioridade e quais os melhores meios para se alcançarem os objetivos propostos. As prioridades devem ser escolhidas tomando-se como base o que foi estabelecido no marco referencial – que estabelece o projeto de futuro da escola. Assim, não cabem decisões arbitrárias ou individuais. Podemos ainda contemplar, no plano de ação, um detalhamento das ações – qual é a ação, o que a justifica, qual procedimento/metodologia usaremos para realizá- la, quais as pessoas ou instâncias responsáveis por sua execução, quais recursos serão necessários (recursos materiais, humanos, financeiros), de que forma será acompanhada (avaliação processual). Esse detalhamento facilita a implementação do PPP e da avaliação processual. Na perspectiva que aqui apresentamos, o plano de ação, parte integrante do PPP, refuta orientações tecnicistas, pois se encontra organicamente articulado às necessidades da escola; e precisa ser flexível, pois a própria dinâmica das atividades da escola pode levar à necessidade de redirecionamentos, de ajustes ou correções. Assim, o planejamento é práxis, representa uma estreita articulação entre teoria e prática, entre o previsto e o realizado. 30 ARTIGO PARA REFLEXÃO: Autores: Sonia Kramer (PUCRIO) Disponível em: S Kramer - Revista Proposições, Faculdade de Educação …, 2002 - 24reuniao.anped.org.br Acesso: 06/05/2016 PROPOSTAS PEDAGÓGICAS OU CURRICULARES DE EDUCAÇÃO INFANTIL: para retomar o debate Sonia Kramer (PUCRIO) Este Trabalho traz uma discussão de caráter teórico sobre proposta pedagógica ou curricular de educação infantil. Essa discussão foi desenvolvida para fundamentar a análise das propostas pedagógicas ou curriculares de educação infantil, um dos campos da pesquisa institucional que tem o objetivo de conhecer a formação de profissionais da educação infantil1. Na pesquisa foram analisadas as propostas de educação infantil e de formação dos profissionais de municípios de um Estado da Federação, mas o presente texto tem como propósito específico apresentar o marco teórico dessa análise. Vale esclarecer que o texto se refere a propostas sistematizadas por escrito (publicadas ou não). Porém, por concebermos que propostas pedagógicas se concretizam na prática, estão sendo feitos estudos de caso, também não contemplados neste texto, mas que os consideramos de relevância central para um maior entendimento da questão. O Trabalho faz uma reflexão a partir de estudos e publicações relativas a propostas pedagógicas de educação infantil. Em primeiro lugar, o texto situa o tema e analisa algumas facetas da dimensão política que lhe é subjacente. A seguir, discute e problematiza o tema no campo da educação infantil, trazendo o debate presente em textos acadêmicos e documentos do MEC. 1 O material foi obtido nas diferentes estratégias metodológicas da pesquisa: Questionário enviado aos municípios; entrevistas com profissionais responsáveis pela educação infantil das secretarias de educação dos municípios da Região Metropolitana e entrevistas coletivas nas demais regiões. A pesquisa tem apoio doCNPQ. 31 1. Propostas pedagógicas/curriculares: algumas facetas de sua dimensão política O tema das propostas pedagógicas pode ser rastreado a partir de diferentes pontos. Na história das ideias pedagógicas no Brasil, ele data da escola nova e se relaciona à discussão sobre os mecanismos internos à escola. Dicotomias tradicionais têm estado presentes e têm assumido diversas versões, na tentativa de pensar o tempo, o espaço, os atores e o trabalho de garantir acesso aos conhecimentos: conteúdo ou método; transmissão ou construção; processo ou produto; salas ambiente ou ensino por problemas entre outros modos de organizar o cotidiano escolar; centrado no aluno ou no professor (o que de todas as polarizações parece a mais bizarra pois o trabalho educativo não pode prescindir da relação, da interação). Recentemente, o debate sobre currículo assumiu proporções teóricas importantes, reeditando uma polêmica da área do currículo - universalismo ou relativismo? (Forquin, 1997) - que, embora antiga, tornou-se mais densa à luz da discussão contemporânea da epistemologia e da sociologia crítica do conhecimento. Esta polêmica tem se ampliado e se complexificado no cenário acadêmico (basta ver o debate sobre multiculturalismo e globalização) e repercute nas políticas públicas: muitas gestões têm procurado superar impasses e conflitos de ordem teórica e prática 2 . Do mesmo modo, tem sido expressiva a produção acadêmica sobre diferentes perspectivas teóricas, metodológicas e político-ideológicas do currículo3. Vale lembrar como é difícil ir além do mundo acadêmico e influenciar processos de tomada de decisão no campo das políticas públicas. A distância entre o que se produz teoricamente sobre a escola brasileira (e o que conhecemos de outros contextos) e as nossas redes escolares reais é ainda um problema grave. No que se refere à pesquisa, as dicotomias presentes no ato de investigar têm sido enfrentadas. O estudo de histórias de professores mostra a fragmentação entre sujeito e objeto, fruto da diluição do sujeito na sociedade contemporânea, com sérias consequências bastante discutidas (mas nem sempre resolvidas) no campo das ciências humanas e sociais. Diferentes pesquisadores têm enfatizado a importância de levar em conta os 2 Dentre muitas, podemos citar as experiências de Porto Alegre, Brasília, Belo Horizonte, Diadema, Santo André, São Bernardo do Campo, Angra dos Reis, além de Estados como Ceará, Minas Gerais. 3 Ver, entre outros: Braslavsky (1998), Sacristãn (1998), Paiva (1998), Popkewitz (1998), Laville (1998). 32 sujeitos (professores, crianças e jovens, famílias) na produção das propostas e nos estudos dos processos educacionais. Um campo que nos parece profícuo remete à necessidade de conhecer não só histórias e trajetórias individuais de professores, mas também as histórias das propostas e das equipes institucionais, seus rumos, erros e acertos. A origem das discussões sobre currículo, no Brasil, se vincula ao estudo da escola, em especial ao movimento escola novista, sua crença no poder da escola e a busca de alternativas inovadoras (parques infantis; escolas-parque etc.). A ênfase na formação das elites condutoras - pedra de toque da educação do Estado Novo - interrompeu esse processo. Com a redemocratização da sociedade – após 1945 – é retomada a defesa da escola pública como direito de todos, em especial nos anos 50. Na década de 60, porém, esta defesa convivia com discursos acadêmicos e políticos que tratavam da educação como se as alternativas estivessem fora da escola, nos movimentos de educação popular. Aqui se situa a importância de Paulo Freire, filósofo de uma educação voltada para a ação cultural e a liberdade. Mas se já havia naquele momento secretarias de educação (como a de Natal e “De pé no chão também se aprende a ler”) que acreditavam em uma escola pública popular e buscavam meios de alcançá-la, apenas a partir de 1985, com a conquista do direito às eleições, perdido com a ditadura militar, esta questão entraria na ordem do dia de várias gestões públicas. A contribuição de Freire se coloca também aí: sua obra fornece importantes subsídios da área da educação de jovens e adultos para a da formação em serviço de professores. Planejamento curricular entendido como intervenção macro é herança da ditadura militar (veio a reboque dos acordos MEC/USAID). Tratava-se de preparar equipes voltadas à modernização administrativa, à hegemonia político-ideológica num contexto de tensão política e fragilidade institucional. Instituições federais ou programas fortes e de atuação em todo o território nacional (Mobral, Minerva, Rondon) tentavam ocupar o espaço dos movimentos sociais que, pela força, haviam sido esvaziados. Na ditadura, os projetos de implantação de novas metodologias foram o carro-chefe de muitas secretarias estaduais de educação; o MEC tinha recursos e investia em formação: o plano era formar quadros. E, na contramão das intenções do governo federal, algumas secretarias estaduais levavam ideias de Freinet e Freire 33 sem explicitá-los. Aqueles foram anos de projetos de intervenção, cursos e programas contraditórios. Também nos anos 70, Piaget parecia trazer a chance de uma educação onde o sujeito é ativo, pensa, constrói. Ninguém poderia supor que anos mais tarde Piaget, Emília Ferreiro e o construtivismo seriam acusados de aligeirarem a qualidade da escola. Esta foi uma das polêmicas que, nos anos 80, tomou a academia: de um lado, Saviani, Libâneo e outros pesquisadores reunidos em torno da proposta da chamada pedagogia crítico-social dos conteúdos e Gadotti, Freire, Nosella e outros identificados com a chamada de pedagogia libertária, crítica4. Após a ditadura e com a volta das eleições para Estados e Municípios, o debate assumiu proporções de natureza política cada vez mais acentuada, embora muitas vezes errônea do ponto de vista teórico, pois a realidade é muito mais rica do que classificações reducionistas que fazem muitos pesquisadores5 . Um dos maiores problemas foi a difusão equivocada do construtivismo feita por universidades, políticas educacionais e reformas curriculares. Ainda que defendamos a pluralidade de alternativas curriculares, contra a ideia ou a prática de buscar um suposto melhor desenho curricular, estudando Piaget, Vygotsky, Wallon e autores brasileiros que com seriedade têm se debruçado sobre suas teorias, pensamos que para ser construtivista, o professor precisa necessariamente apropriar- se, em profundidade, dos conhecimentos da língua, matemática, ciências naturais e sociais, aliando a esses saberes uma sólida formação cultural. Trata-se, pois, de formação científica e cultural. Não tendo existido sérios, constantes, e consistentes projetos deste tipo, confundiu-se os professores, tirando-se deles o pouco que tinham e pretendeu-se colocar no lugar conjuntos distorcidos de informações genéricas muito distantes da consistência teórica da epistemologia genética ou da perspectiva sócio histórica do conhecimento. Este problema é constatado ainda hoje nas propostas pedagógicas atuais. 2. Propostas pedagógicas ou curriculares – e a educação infantil? Analisando as políticas do governo federal e iniciativas locais evidenciam-se dilemas de secretarias de educação e desenvolvimento social de municípios que têm 4 Ver referências: Saviani, 1982; e a série sobre “o Pomo da Discórdia e o Fruto Proibido”, todos dos anos 80. 5 Esta crítica pode ser encontrada em Kramer (1993), entre outros. 34 recursos, estabeleceram a mudança como prioridade e investiram na educação infantil e nos primeiros anos do ensino fundamental. Com base nessas experiências e estudando a produção acadêmica desta área ousamos dizer quena realidade brasileira, o debate em torno do currículo tem mordido as pontas do problema, mas não o miolo: ou se refere à escola; ou se vincula à dimensão macro, aborda modelos, desenhos e políticas numa perspectiva ampla, supondo que é possível mudar à força o real, com decretos, projetos, referenciais ou parâmetros sem mudar as condições. É importante haver referenciais, mas muitas vezes se tem chamado de referencial o que é currículo. E como delinear um projeto de educação infantil sem recursos materiais ou humanos? Tais problemas são fruto da maneira como se deu a municipalização, sem oferecer condições materiais e humanas para a autonomia dos municípios se tornar de fato possível: a falta de quadros é um dos problemas apenas. Como gerir educação sem equipe, sem conhecimento sistematizado? Por outro lado, se não existe proposta pedagógica escrita, como conhecer a proposta que existe nas práticas? Como agarrar o currículo que está em curso? Às vezes, a proposta está escrita, mas não está em vigor; em outras situações, o texto foi elaborado por uma equipe sem ou a despeito da participação dos profissionais. Se uma secretaria não tem uma proposta por escrito é porque a questão não tomou uma dimensão pública, sistematizada? Não podemos deixar de tentar conhecer o que existe in loco, nas escolas, creches e pré-escolas. E como fazê-lo? Proposta pedagógica; proposta curricular; projeto político-pedagógico; projeto político – é tudo a mesma coisa? Quais as diferenças? Retomando o contexto em que esse debate se deu pela primeira vez no Brasil, vale lembrar que, em 1995, por iniciativa do MEC/SEF/COEDI, pesquisadores brasileiros produziram textos sobre esses temas ou conceitos. Liderado por Ângela Barreto (Coordenadora da COEDI, naquele momento), esse processo ocorreu logo após ampla discussão sobre formação dos profissionais da educação infantil (que culminou com o seminário realizado em Belo Horizonte em 19946 e sobre critérios de qualidade para creches e pré-escolas7). O trabalho teve como objetivo identificar as propostas existentes e elaborar uma metodologia de análise de propostas, que 6 Ver MEC/SEF/COEDI (1994c) 7 Ver MEC/SEF/COEDI, (1995b) 35 subsidiasse estados e municípios a empreenderem suas próprias análises de concepção das propostas e da sua implementação. Várias foram as etapas: inicialmente, houve a produção teórica sobre o tema (proposta pedagógica ou curricular, projetos). Em seguida, foram definidos critérios para análise das propostas e sua implementação: o MEC solicitou a secretarias de educação dos Estados e secretarias municipais de educação das capitais de todos os Estados suas propostas pedagógicas ou curriculares de educação infantil, e este constituiu o material analisado. No terceiro momento, foram compostas equipes com participantes do MEC e consultores que estiveram nos locais das propostas analisadas, visitando creches e pré-escolas, entrevistando profissionais. Diversos relatórios foram escritos; o produto final foi publicado pelo MEC para subsidiar as equipes de secretarias municipais e estaduais na análise e elaboração de propostas em educação infantil8. Mais uma vez a questão da formação dos profissionais emergiu como questão crítica e urgente. Desta análise de propostas e elaboração de uma metodologia, cabem comentários de natureza política e teórico-metodológica. Em primeiro lugar, vale destacar que o enfoque teórico-metodológico sobre currículo ou proposta curricular, a visão sobre política pública e o papel do Ministério que tinham integrantes da equipe da COEDI e consultores situava-se na direção oposta à do próprio MEC, comprometido com a definição de parâmetros curriculares para todos os níveis de ensino da educação básica. Esta divergência acarretou, entre outros problemas9, a suspensão do material (as “carinhas”), a mais importante contribuição do MEC à educação infantil; o documento oficial passou a ser o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, alvo de intensa controvérsia acadêmica, tanto pelo seu modo de elaboração quanto por seu conteúdo10 e, ainda, as formas de implementação. Por outro lado, a discussão sobre proposta pedagógica ou curricular, feita pelos consultores, apresentou um panorama sintético dos possíveis modos de entender a questão. 8 O resultado pode ser encontrado em MEC/ SEF/ COEDI, (1996). 9 Esta divergência acabou provocando a substituição de Ângela Barreto por Gisela Wajskop. 10MEC, Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil ,1998; FARIA, A. L. G e PALHARES, M. S. (org.) Educação Infantil pós-LDB: rumos e desafios. Campinas, Ed. Associados, 1999. 36 A leitura das diversas concepções pode ajudar a recolocar o debate desenvolvido na área acadêmica e no campo das políticas públicas. Para tanto, a seguir sintetizamos as principais ideias contidas no documento do MEC (1996), em resposta à questão: "o que é proposta pedagógica e currículo em educação infantil?". Essas ideias foram o ponto de partida para a construção de procedimentos, critérios e instrumentos da análise das propostas pedagógicas ou curriculares realizada pelo MEC naquele momento. Kishimoto (1994 e MEC/SEF/COEDI, 1996, p.13-15), para responder à questão colocada, retoma a etimologia da palavra currículo, derivada do terno latino "currus" - carro, carruagem, significando um lugar no qual se corre. Seu uso metafórico em educação seria a busca de um caminho, uma direção, que orientaria o percurso para atingir certas finalidades. A autora procura mostrar a evolução do significado de "currículo" na literatura americana, refletindo diferentes concepções de ensino: a ideia de um grupo sistemático de cursos ou sequência de matérias necessárias à graduação num campo amplo de estudos” (p.13) se ajustaria à ideia predominante na expansão do ensino nos Estados Unidos (de 1876 a 1929), com ênfase na memorização. A partir de 1929, valoriza-se as experiências sociais da criança o que se reflete na concepção de currículo como “conjunto de experiências que o aprendiz adquire sob a responsabilidade da escola" (p.13); o aluno é priorizado e não apenas o conteúdo curricular. Para Kishimoto, na Europa, termos similares a currículo (tais como, programa e planos de estudos) também sofreram mudanças de significados. Programa deixou de ser receituário de conteúdos e se tornou conjunto de atividades escolares; plano de estudos - catálogo de noções e mecanismos a serem adquiridos no decorrer de certo tempo de escolaridade, assumiu sentido próximo ao de currículo. O uso indistinto de plano de estudo, programa, proposta pedagógica e currículo também aparece no campo da educação infantil, diz Kishimoto, encontrando-se na literatura a palavra "currículo" usada na acepção mais antiga de conteúdos a adquirir em áreas como arte, música, movimento, linguagem ou na acepção de experiências a serem adquiridas pela criança; o termo "programa" se refere a propostas governamentais ou institucionais, a linhas de trabalho ou mesmo como sinônimo de currículo. A autora apresenta sua concepção, define currículo como "explicitação de intenções que dirigem a organização da escola visando colocar em prática 37 experiências de aprendizagem consideradas relevantes para crianças e seus pais"; programa como "delineamento de linhas de trabalho que pode ocorrer no plano mais geral (governamental ou institucional)" e proposta pedagógica como "explicitação de qualquer orientação presente na escola ou rede, não implicando necessariamente o detalhamento total da mesma". Entendendo experiências de aprendizagem como "a interação entre o aluno e as condições exteriores do ambiente a que ele pode reagir" Kishimoto pondera que, sendo os alunos individualidadesdistintas, interpretam e vivenciam as situações de modo variado; nesse sentido, cada aluno tem um currículo. (p.13). Para ela, as escolas entendem experiências de aprendizagem de maneira variada segundo objetivos que enfatizam aspectos filosóficos ou relativos ao desenvolvimento infantil; ressaltam facetas cognitivas, afetivas, sociais ou físicas; privilegiam o atendimento infantil e necessidades dos pais; optam por fortalecer a linguagem, conteúdos acadêmicos, aspectos expressivos, criativos. Esta variedade de orientações deve ser objeto de discussão, no sentido de explicitar opções psicológicas, socioculturais, epistemológicas e políticas que assumem experiências de aprendizagem. O currículo inclui definições sobre o tipo de escola que se deseja, o que se pretende oferecer, a forma de administrá-la, o contexto histórico, ideológico, filosófico, sociológico, cultural, político, econômico e psicológico em que se insere; trata das relações da escola e seu currículo com a sociedade como um todo, as metas, os conteúdos, os recursos, a avaliação, o desenvolvimento estratégias e modos de planejar e implementar o currículo, se orientado para a resolução de problemas, para o desenvolvimento infantil ou para experiências institucionais nacionais ou domésticas. Para a autora, o currículo deve incluir tudo o que se oferece para a criança aprender, abrangendo conceitos, princípios, procedimentos, atitudes, os meios pelos quais a escola oferece tais oportunidades e formas de avaliação, pois é a explicitação das intenções que permitirá a orientação da prática pedagógica. Conclui, enfatizando a necessidade de que, na definição de um currículo, responda-se aos seguintes questionamentos: a que criança se destina? Qual é a concepção de educação presente? O que ensinar? Como ensinar? De que forma, o que e como avaliar? Segundo a autora, a resposta a tais questões inclui elementos que comportam um currículo e que são parte do que se convencionou denominar fundamentos que influenciam e priorizam as decisões no currículo. 38 Oliveira define currículo educacional como "balizador de ações", estando associado à orientação político-ideológica-técnica que, de modo mais ou menos consciente, têm seus proponentes. Assim, "o currículo envolve modos distintos de encarar o homem e sociedade, de conceber o processo de transmissão e elaboração do conhecimento e de selecionar os elementos da cultura com que a necessariamente a escola trabalha" (MEC/SEF/COEDI 1994, p.8). Partindo de uma concepção sócio interacionista do desenvolvimento infantil e considerando a criança como cidadã, com plenos direitos de participar de ambientes estimuladores para seu desenvolvimento e de construir significações e formas cada vez mais complexas de sentir e pensar, a autora afirma que é no espaço construído na interação com outras pessoas que ocorre a ação educativa. Assim, considera o currículo como um roteiro de viagem coordenada por um parceiro mais eficiente: o educador ou professor. Atividades são programadas, estruturando um cotidiano dinâmico, agradavelmente disciplinado pela adequada participação de todos, em clima de autonomia e cooperação. Embora também incluam as necessárias tarefas de cuidado, como merenda e higiene, as atividades têm seu foco central no trabalho propriamente pedagógico realizado com as crianças. A autora enfatiza que o planejamento curricular deve explicitar a fundamentação teórica e as alternativas de estruturação do ambiente de aprendizagem e desenvolvimento das crianças, incluindo a organização do espaço físico-social. Ressalta que o planejamento das atividades feitas com as crianças integra-se com outros aspectos institucionais, como as condições de trabalho do educador/professor, sua qualificação profissional e os programas de capacitação em serviço a que tem acesso, o número de crianças por turma, o horário de atividades, os recursos humanos, materiais e financeiros existentes. A autora conclui que, sendo uma tarefa contínua, o planejamento curricular e a formação em serviço podem ser integrados, numa estratégia de planejamento participativo. Machado, (1994 e MEC/SEF/COEDI 1996 p.15) responde à questão "o que é proposta pedagógica e currículo em educação infantil?", revisando definição que defendia no livro "Pré-escola é não é escola", de sua autoria e considera que é impossível definir o que ensinar sem uma clareza do porquê, por quem, para quem e para quê ensinar, além do quando, do como e de onde. Nesta perspectiva, a autora identifica um currículo com uma série de hipóteses/pontos de partida, um conjunto de 39 princípios e ações. Quanto aos princípios, Machado aponta as concepções relativas à infância e às relações desenvolvimento/aprendizagem/ensino; à função da instituição e da educação; ao papel do profissional, da família e da comunidade; às questões relativas à divisão de trabalho, noções de hierarquia, poder e competência. As ações implicariam observar, selecionar, escolher, decidir, organizar, refletir, sonhar e realizar, ou seja, fazer. Reconhecendo que os termos proposta pedagógica, proposta educativa, projeto pedagógico, projeto educativo tem sido utilizados com significados similares na literatura sobre a criança de zero a seis anos, para indicar o conjunto de princípios e ações que rege o cotidiano das instituições, a autora prefere adotar o termo projeto educacional-pedagógico, apresentando os motivos para essa opção. O primeiro deles é que a palavra projeto traz a ideia de plano que sugere uma organização, com determinada finalidade, a partir das concepções, dos sonhos e das intenções daquele (s) que projeta (m). Por sua vez, projeto implica tomar posições, decidir e escolher, levando-se em conta limites e possibilidades do real. Estas ações partem de uma realidade configurada, mas também antecedem uma ação concreta no real, estabelecendo condições para essa ação. Além disso, o termo projeto sugere a ideia de esboço, de incompletude a ser traduzida em realidade, permanentemente transformada no cotidiano; dosa com equilíbrio a definição/indefinição que deve permear o plano cuja intenção é servir de guia à ação dos profissionais nas instituições de educação infantil. Machado recorrendo ao dicionário entende que o termo proposta tem um significado mais vago que o termo projeto, construindo-se na ação de propor, antecedendo projeto. O uso de projeto educacional indica, para a autora, intenção e compromisso do adulto em relação à criança, nos planos físico, psicológico ou social. Ao complementar com o "pedagógico", a função do atendimento institucional às crianças menores de sete anos tem também um caráter de "intencionalidade”. A autora conclui que um projeto educacional-pedagógico, numa instituição de educação infantil, deveria contemplar três planos: um plano responsável pela definição de políticas, contemplaria a história da instituição e sua função; a visão de criança, desenvolvimento infantil, conhecimento, aprendizagem, ensino; o papel dos profissionais envolvidos; princípios e objetivos gerais; relações instituição, família, comunidade. Outro plano especificaria procedimentos de cada instituição tais como prioridades, eixos e diretrizes para o trabalho da equipe de profissionais e dos 40 educadores com os grupos de crianças, formas de organização dos tempos, espaços e materiais de uso coletivo; caracterização da instituição quanto a período letivo, faixa etária, horários; critérios de configuração dos agrupamentos, procedimentos durante o período de adaptação, dias de chuva, emergências médicas etc. (da equipe envolvida diretamente no trabalho com as crianças) O terceiro plano diria respeito à ação cotidiana dos educadores junto às crianças (seleção de temas e organização de atividades, materiais, espaços e tempo); às atividades dos educadores em relaçãoao trabalho pedagógico (instrumentos de acompanhamento, análise e planejamento, reuniões com supervisores); às atividades da equipe (passeios, festas, reuniões com pais, participação em eventos da comunidade). Mello (1994 e MEC/SEF/COEDI 1996 p.17-18) ainda nessa publicação trata da questão "o que é proposta pedagógica e currículo em educação infantil?". Parte do pressuposto de que as instituições de cuidado e educação infantil coletivas podem ser espaços privilegiados para socialização e aprendizagem das crianças, desde que o trabalho esteja organizado e que seja assumida a função social de educar e cuidar das crianças. Organizar e sistematizar o trabalho passa, para a autora, pela elaboração de uma proposta psicopedagógica, termo defendido como adequado para currículos de tempo integral e para a idade de 3 meses a 3 anos, mesmo em tempo parcial, por explicita melhor as características e necessidade do sujeito que aprende. Afirma que se deve fazer opção por uma aprendizagem significativa. Baseia-se na definição de Coll e defende a ideia de currículo aberto11. Mello aponta três fatores que devem ser considerados na elaboração de um currículo aberto: a realidade dos atuais equipamentos de educação infantil, a formação e opção pedagógica dos educadores e as necessidades biopsicossociais das crianças de zero a seis anos. Sua conclusão é a de que para evitar erros já cometidos, a proposta pedagógica deve servir como orientadora dos princípios e objetivos gerais, além de fornecer caminhos de adequação dos mesmos à diversidade de situações possíveis e às especificidades regionais. Para tanto, deve partir do estabelecimento de critérios e metodologia de avaliação, deixando claros seus pressupostos teóricos, políticos e filosóficos. 11 Para Cesar Coll "o currículo aberto concede grande importância às individuais, no contexto social, cultural e geográfico onde se aplica o programa pedagógico Propõe a interação permanente entre o sistema e seu entorno, integrando as influências externas no próprio desenvolvimento do programa educativo que está aberto a um contínuo processo de revisão e reorganização" (1991, p.45). 41 Ao responder "o que é proposta pedagógica e currículo em educação infantil?", o MEC cita a opção de Kramer por uma análise que ultrapassa o enfoque escolar ou administrativo que tem marcado as propostas educacionais. (1994 e MEC/SEF/COED 1996, p.18-19). A autora não estabelece diferença conceitual entre proposta pedagógica e currículo; compreende currículo ou alternativa curricular de forma ampla, dinâmica e flexível. Um currículo ou proposta pedagógica, para ela, reúne tanto as bases teóricas quanto as diretrizes práticas nelas fundamentadas, bem como aspectos de natureza técnica que viabilizam sua concretização. Partindo do pressuposto de que uma proposta pedagógica é um caminho, não um lugar e de que toda proposta pedagógica tem uma história que precisa ser contada, para a autora a proposta nasce de uma realidade que pergunta e é também busca de uma resposta; é diálogo. Toda proposta é situada, traz o lugar de onde fala e a gama de valores que a constitui; revela dificuldades que enfrenta, problemas que precisam ser superados e a direção que a orienta, expressando uma vontade política, que por ser social e humana, não é nunca uma fala acabada, não aponta "o lugar", "a" resposta, mas um caminho também a construir. A autora alerta para os riscos que se corre - ao buscar uma "nova" proposta pedagógica - de negar a experiência acumulada em troca daquilo que se chama de moderno e pergunta: por que as propostas pedagógicas envelhecem tão rápido? Uma proposta pedagógica seria um convite, um desafio, uma aposta porque, sendo ou não parte de uma política pública, contém um projeto político de sociedade e um conceito de cidadania, de educação e de cultura. Portanto, não pode trazer respostas prontas apenas para serem implementadas, se tem em mira contribuir para a construção de uma sociedade, onde a justiça social seja de fato garantida. Uma proposta pedagógica expressa os valores que a constituem, e está ligada a essa realidade, enfrentando seus mais agudos problemas. Precisa ser construída com a participação de todos os sujeitos - crianças e adultos, professores/ educadores e profissionais não-docentes, famílias e população em geral - levando em conta suas necessidades, especificidades, realidade. Isso aponta, ainda, para a impossibilidade de uma proposta única, posto que a realidade é múltipla e contraditória. Toda proposta precisa partir de uma concepção de infância como categoria social, compreendendo a criança inserida na história e na cultura. (MEC/SEF/COEDI, 1996 p.19). 42 Uma proposta de educação infantil em que as crianças desenvolvam, construam/adquiram conhecimentos e se tornem autônomas e cooperativas implica pensar a formação permanente dos profissionais que nela atuam. Como os professores/educadores favorecerão a construção de conhecimentos se não forem desafiados a construírem os seus? Como podem os professores/educadores se tornar construtores de conhecimentos quando são reduzidos a executores de propostas e projetos de cuja elaboração não participaram e que são chamados apenas a implantar? Qual o requisito para tornar-se uma proposta um fato presente? Além das condições materiais concretas que assegurem processos de mudança, é preciso que os profissionais de educação infantil tenham acesso ao conhecimento produzido na área da educação infantil e da cultura em geral, para repensarem sua prática, se reconstruírem enquanto cidadãos e atuarem enquanto sujeitos da produção de conhecimento. E para que possam, mais do que "implantar" currículos ou "aplicar" propostas à realidade da creche/pré-escola em que atuam, efetivamente participar da sua concepção, construção e consolidação. (Kramer apud MEC/SEF/COEDI, 1996 p.19) A análise do documento do MEC mostra que definir currículo ou proposta pedagógica não é tarefa simples. Currículo é palavra polissêmica, carregada de sentidos construídos em tempos e espaços sociais distintos. Sua evolução não obedece a uma ordem cronológica, mas se deve às contradições de um momento histórico, assumindo, portanto, vários significados em um mesmo momento. É possível verificar, na leitura desses textos, que as autoras fazem opções diferentes sobre os termos e a possibilidade de diferenciá-los. Kramer afirma não estabelecer diferença conceitual entre currículo e proposta pedagógica; Oliveira também não explicita diferenciação, utilizando mais o termo currículo. Machado, Mello e Kishimoto, embora reconhecendo a similaridade de significação com que os termos têm sido utilizados, buscam diferenciá-los e propõe projeto educacional-pedagógico (Machado) e proposta psicopedagógica (Mello). Apesar das diferenças, há pontos comuns entre as ideias das especialistas, alguns dos quais são destacados no próprio documento do MEC. Independentemente do termo escolhido - currículo, proposta ou projeto, as concepções apresentadas pelas autoras expressam visões mais amplas do que as 43 antigas conceituações de currículo como sequência de matérias ou conjunto de experiências de aprendizagem oferecidas pela escola. Nos vários textos das consultoras fica evidente a preocupação com o contexto histórico-social do currículo, proposta ou projeto, uma vez que está sempre situado (a) num momento e num lugar determinados, dos quais refletem valores e concepções. De um modo geral, as autoras consideram importante que o currículo, proposta ou projeto explicite esses valores e as respectivas concepções, especialmente aquelas relativas aos conceitos de infância, homem, educação, educação infantil, conhecimento, cultura, desenvolvimento infantil, funçãoda instituição em relação à criança, à família e à comunidade. Outra preocupação comum diz respeito à necessidade de se considerar aspectos institucionais/organizacionais na definição e implementação do currículo, proposta ou projeto. Esses aspectos incluem recursos humanos, materiais e financeiros destacando-se a formação dos profissionais. Outro consenso refere-se à natureza dinâmica e aberta do currículo, proposta ou projeto, e à necessidade de que em sua elaboração e implementação, haja efetiva participação de todos os sujeitos envolvidos - crianças, profissionais, famílias e comunidade. Retomando o debate, concordamos com Machado quando considera a expressão “proposta pedagógica” mais ambígua ou imprecisa. Mas preferimos esta expressão, porque subjacente à imprecisão, há um posicionamento de cunho político: ainda que um município tenha um projeto político e que uma secretaria de educação elabore seu projeto político-pedagógico, este projeto deve representar uma proposta para as escolas, creches e pré-escolas que, muito mais do que apenas reproduzir, completar ou copiar o projeto mais amplo, precisam também elaborar seus próprios projetos, envolvendo todos os atores que fazem a prática pedagógica no dia a dia. Há uma grande confusão sobre os papéis de cada instância que diz respeito à qual é a unidade ou o alvo da ação de uma secretaria de educação; pensamos que deveria ser a escola, a pré-escola e a creche, ou seja, as instituições educativas, elas próprias lugares de produção e de formação e não apenas de repetição repasse ou cópia. Porém, com grande frequência a unidade ou o interlocutor a que se dirigem as secretarias têm sido os professores. Trata-se aqui de posição política (relativa à distribuição ou concentração de poder) e da visão de política pública que têm os dirigentes: esta visão/posição pode ser assumida, intencional e explicitamente (no 44 caso dos municípios que reúnem quadros técnicos de qualidade, que têm formação acadêmica e que buscam atualização e apoio teórico para orientar a prática) ou pode ser uma reprodução de modos de agir, de relações e de procedimentos que tradicionalmente no Brasil têm levado as equipes de secretarias a colocar-se no centro da ação e, de maneira autoritária, a supor que nem as escolas nem os profissionais possuem as condições para assumir a produção do seu próprio projeto. Não ousam, no entanto, desencadear estratégias ou introduzir processos que produziriam a mudança destas condições (recursos, dados e diretrizes). Outros autores têm analisado a relação entre as políticas, a educação infantil e a pesquisa, tais como Faria e Palhares (1999), Candal Rocha (1999) e Setubal (1997). Machado (2000) analisa os desafios da formulação e implementação de projetos de formação de profissionais de infantil; Rossetti Ferreira (1998) busca contribuir para a definição e implantação de padrões de qualidade nos serviços de educação infantil; Campos (1997) aborda pesquisas sobre avaliação dos efeitos da frequência a programas de educação infantil. Cotejar as instigantes questões colocadas por tais estudos e o tema das propostas pedagógicas de educação infantil traria a possibilidade de avanço teórico neste campo, mas nos afastaria do objetivo e do espaço disponível para este Trabalho. A título de considerações finais – problematizando a questão Ao longo desses 15 anos, muitos municípios procuraram delinear propostas, certamente a partir de suas convicções ideológicas, de seus compromissos políticos e de suas condições econômicas, sociais e culturais. Ciclo Básico de Educação, CIEPS, CIACs, vão ocupar espaço em debates de natureza acadêmica, política e eleitoral. As reuniões da ANPED do início dos anos 90 foram marcadas por relatos e análises de propostas e projetos de diferentes matrizes teóricas e políticas. Pouco a pouco a educação retoma o centro da cena, tornando o currículo de novo uma questão política que provoca a rediscussão do papel do Estado em outras bases tanto internamente como no cenário internacional. Avaliação, reformas, definição de parâmetros (prioridades de agendas internacionais) entram nesse campo, confundem e esvaziam o debate sobre o projeto político-pedagógico de estados ou municípios, porque trata-se agora de fazer projetos para cumprir a lei. A avaliação está presente 45 em políticas educacionais de todo o mundo; no Brasil, programas de avaliação são implementados em Estados da federação e pelo governo federal. Muitos trabalhos teóricos sobre avaliação de políticas sociais têm sido produzidos12; questionam seu enfoque, sua direção e sua perspectiva: voltam-se à inclusão ou acentuam a exclusão e a desigualdade? Estivemos perto de ter uma política nacional de educação infantil e de formação de profissionais, mas este processo foi interrompido. Entendemos que uma política nacional se caracteriza por ter diretrizes, recursos e dados consideramos que no Brasil não existe uma política nacional de educação infantil nem de formação de seus profissionais. Há políticas locais onde conquistas têm se dado, de acordo com a competência, os recursos e dados disponíveis e o projeto político da equipe no poder. Mas a ação do governo (estadual e federal) e seu papel distributivo pode aumentar ou diminuir os espaços de ação dos municípios. Esta é a questão central: descentralização das decisões, mas centralização (ou inexistência) dos recursos. Ainda assim, muito que pode ser feito pelas gestões locais. É preciso registrar as precárias condições em que se encontram muitas secretarias, redes, escolas, creches e pré-escolas. Toda proposta (sistematizada ou não) precisa de condições, de um patamar mínimo de dignidade, pois crianças, jovens e adultos são cidadãos de direito. No debate sobre cuidar e ou educar crianças nasce a necessidade de estabelecer um currículo para a educação infantil. Entretanto, currículo é identidade e, portanto, é preciso delinear o espaço que queremos garantir na construção da história da educação infantil. Esta identidade assume diferentes perfis, ora pendendo para a escolarização, ora para o assistencialismo. Diferentes são as concepções de infância, currículo e atendimento; diversas são as alternativas práticas e o dia a dia “carregado de experiências e das contradições inerentes às práticas sociais” (MEC,1996, p.8). Neste quadro residem diferentes matizes da educação infantil; rico porque diversos, mas pobre por ainda não ocupar um lugar de direito: da criança cidadã, do adulto professor autor pesquisador. Esta diversidade também se faz presente na construção de um projeto educativo para a educação infantil. Nos últimos 12 Ver, entre outros, Perez, José Roberto Rus. Reflexões sobre a avaliação do processo de implementação de políticas e programas sociais e educacionais. In: II Seminário Internacional Novas políticas educacionais: críticas e perspectivas, PUC-SP, 1998, p. 139-145; Oliveira, Romualdo (org.). Política educacional: impasses e alternativas, São Paulo, Ed Cortez, 1995. Rio, Elizabeth (org.). Avaliação de Políticas Sociais, São Paulo, 1998. 46 20 anos, estiveram presentes propostas decorrentes das práticas sociais, da academia e das políticas públicas, gerando contornos variados, traduzidos na própria concepção de currículo e de proposta pedagógica. A grande questão que colocamos é: como garantir um paradigma norteador do projeto de educação infantil do país, respeitando a diversidade? A busca deste paradigma deve garantir o caminho trilhado, fazendo com que estas tentativas e apostas façam parte e contribuam para a avanço deste processo. O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil parece desprezar conquistas e questões críticas tais como: de que modo construir um currículo na tensão do universalismo
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