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Morel, Marco Editora Jorge Zahar O período das Regências

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Morel, Marco. Editora: Jorge Zahar. O período das Regências (1831-1840)
 “O período regencial foi, portanto, tempo de esperanças, inseguranças e exaltações, tempo de rebeldia e de repressão, gerando definições, cujos traços essenciais permanecem na sociedade.” (P. 10).
 “No Brasil, a monarquia recém-confirmada após a independência enfrenta e cria hostilidade diante das repúblicas vizinhas, da qual a Guerra Cisplatina, envolvendo Brasil e Argentina numa disputa pelo território do atual Uruguai, é a parte mais aguda. Ao mesmo tempo, em 1826 a Assembléia Geral Legislativa do Império do Brasil (Câmara dos Deputados) e o Senado começam a funcionar pela primeira vez, propiciando, assim, canais de expressão e. participação
política, que se estendem pela imprensa.” (P. 11).
 “Na carta manuscrita em francês, em cuidadosa caligrafia, Benjamin Constant dizia sem meias palavras: d. Pedro deveria abdicar ao trono do Brasil, em nome do príncipe herdeiro, e deixar uma Regência sábia e moderada governando durante sua menoridade. Dessa
forma - continuava - estariam garantidos a ordem, a monarquia e o status quo, enquanto d. Pedro, que seria sempre visto como representante da tirania no Brasil (devido à comparação com as repúblicas americanas), passaria a ser saudado como paladino das liberdades na Europa.” (P. 12).
 “As crises cruzavam-se na sociedade brasileira. No campo político, acentuava-se a queda de braço entre o Legislativo (deputados) e o poder do imperador, aprofundada com a segunda legislatura de 1830, quando medidas governamentais eram duramente criticadas.” (P. 12).
 “O governo monárquico brasileiro estava cerceado em uma de suas principais fontes de renda, os impostos sobre os produtos importados.” (P. 13).
 “Outra fonte de recursos foi a dívida externa, inaugurada em 1824 com empréstimos ingleses que se repetiam rapidamente, cujo pagamento só fazia agravar as condições financeiras do país recém-independente.” (P. 13).
 “A pressão inglesa pelo fim do tráfico de escravos gerava descontentamentos entre grandes proprietários e traficantes, deixando o governo espremido entre duas forças.” (P. 14).
 “Uma. insurreição que começara em Paris em fins de julho de 1830, (conhecida como Três Jornadas de julho), com direito a barricadas e conflitos armados, destronara o rei Carlos x, identificado ao despotismo e às permanências do absolutismo. O último dos Bourbons era varrido de cena, reacendendo a flama de 1789. Em rápida manobra política, tirando o poder das "ruas", foi coroado o duque Luís Felipe de Orléans, chamado de "rei cidadão".” (P. 16).
 “A mudança de referências no Brasil foi instantânea. A França passou a ser designada pela mesma oposição liberal como pátria das Luzes, da civilização, e exemplo de liberdade para o mundo. A assimilação Carlos X Pedro I foi imediata. Nas cidades brasileiras ocorreram festejos pela queda do monarca... francês, com alusões pouco sutis ao imperador do Brasil. A oposição subia de tom.” (P. 16).
 “O. imperador reúne o Conselho de Estado para avaliar o quadro. Entre os pareceres de dez conselheiros, sete temiam ameaças da ordem e mesmo uma revolução no Brasil, seis atribuíram o enfraquecimento do prestígio do monarca à imprensa de oposição e cinco jogavam a responsabilidade pelo clima político nas Três Jornadas parisienses. Seis dos conselheiros propuseram o adiamento da próxima sessão legislativa, m tentativa de serenar os ânimos, e apenas o ministro da Guerra, general Tomás Joaquim Pereira Valente, conde do Rio Pardo, defendeu o fechamento da Câmara dos Deputados pelo imperador, sem previsão para reabertura.” (P. 17).
 “Entre os dias 11 e 14 de março de 1831 eclodiram no Rio de Janeiro violentos conflitos de rua envolvendo portugueses e brasileiros, episódio conhecido como Noite das Garrafadas, do qual foi estopim, entre outros, Antonio Borges da Fonseca, redator de O RepúbLico.Em Salvador, a cidade foi tomada por embates do mesmo gênero, e até mais violentos: as cenas dos Mata Marotos, quando comerciantes portugueses foram linchados nas ruas e muitas casas saqueadas, em 13 de abril (a notícia da abdicação ainda não chegara à Bahia).” (P. 18).
 “D. Pedro I ainda tenta salvar a situação e convoca a 19 de março, pressionado pelas manifestações, um novo ministério, no qual predominam políticos brasileiros da nova geração. Mas, sentindo-se acuado, a 5 de abril o monarca monta outro gabinete ministerial, integrado por cinco marqueses e um visconde, à maneira do Antigo Regime.” (P. 18).
 “O general Francisco de Lima e Silva, principal nome do esquema militar do imperador, aderiu à manifestação com seus subordinados e aliados. "Tropa" e "povo", segundo as palavras da época, julgaram-se soberanos e empurraram o governante supremo contra a parede.” (P. 19).
 “O calendário marcava 7 de abril de 1831. O Campo de Santana foi rebatizado de Campo da Honra, enquanto o agora ex-imperador desvencilhava-se da encruzilhada e zarpava com parte de sua família de volta à Europa.” (P. 19).
 “Fechar o abismo da revolução e parar o carro revolucionário. Essas duas frases de Bernardo Pereira de Vasconcelos, um dos políticos mais influentes durante as Regências, sintetizam uma preocupação que se repetia em discursos e clamores.” (P. 20).
 “O "carro da revolução", nesse sentido, associava-se à idéia de progresso e relacionava-se, de maneira conflituosa e complementar, com a perspectiva de evolução. O que fazer com a revolução? Havia basicamente três respostas: negar (os absolutistas ou ultramonarquistas), completar e encerrar (vertente conservadora do liberalismo) e continuar (vertente revolucionária do liberalismo). Impossível era ignorá-la. Estavam em jogo o rumo da sociedade e suas transformações.” (P. 21).
 “A revolução, ainda que inesperada, estava feita. Era preciso encerrá-la o mais rápido possível. E para isso nada melhor que celebrar, pois as celebrações se reportam ao passado...” (P. 22).
 “Uma quinzena antes do afastamento de d. Pedro I do poder, Borges da Fonseca, liberal exaltado, escrevia com todas as letras: quando o governo é opressor e injusto, a resistência à opressão é direito natural. A idéia de revolução toma, nesse caso, significado de mudança política violenta praticada como direito natural pelo "povo" e tendo como causa a opressão dos governos despóticos.” (P. 22).
 “A revolução não acabou. Ao contrário, ela seria um processo por começar, convicção que balizaria nos anos seguintes a atividade desse personagem, envolvido em rebeliões.” (P. 23).
 “Assim os discursos dos exaltados (e suas práticas) constituem-se num hibridismo entre referências tradicionais e modernas.” (P. 24).
 “A saída do monarca representou enfraquecimento do poder centralizado r exercido com peso de séculos, possibilitando explosão da palavra pública como nunca ocorrera no território (que se pretendia) brasileiro.” (P. 24).
 “Do encontro saiu uma Regência Trina Provisória, composta pelo general Francisco de Lima e Silva (chefe militar, representava "a tropa"), o senador Nicolau Vergueiro (atuante na sedição contra d. Pedro, encarnava "o povo") e José Joaquim Carneiro de Campos '(marquês de Caravelas, tradicional membro da Corte do Primeiro Reinado). O triunvirato expressava improvisada tentativa de arranjo político e governou pouco mais de 60 dias. Foi preciso dar um pequeno drible na Constituição, que previa composição diferente para a Regência em caso de ausência do monarca e menoridade do herdeiro.” (P. 25).
 “Decretou anistia para todos os presos, condenados ou sentenciados por crimes políticos até aquela data. Inegável a generosidade do gesto, mas hoje podemos supor que a intenção talvez fosse esvaziar as prisões... para poder ocupá-Ias de novo. Pois, no final do ano, haveria cerca de 500 presos, a maioria por motivos políticos, somente na capital do Império. Foram proibidos ajuntamentos públicos na capital (o medo do vulcão).” (P. 25).
 “Pode-se caracterizar a prisão de Cipriano Barata em Salvador por "desordens", em 28 de abril, e sua transferência para o Rio de Janeiro como o primeiro fato políticoimportante ocorrido no Brasil após a abdicação de d. Pedro I, com repercussão na imprensa, nos grupos envolvidos em debates políticos nas principais cidades (incluindo as camadas pobres), entre· os dirigentes da Corte e até no meio dos agentes diplomáticos estrangeiros, que relataram a seus países a detenção. Tal encarceramento soava como primeiro sinal da divisão das forças que haviam se unido no combate ao ex-irnperador e apontava para divergências que se ampliariam.” (P. 26).
 “Nessas duas províncias era forte a presença dos exaltados, com influência entre as camadas pobres da população. A exclusão dos exaltados do poder central e a hegemonia que seria imposta pelos moderados (em nome do combate simultâneo ao antigo "absolutismo" e à "soberania popular") acarretariam outros conflitos.” (P. 27).
 “Coloca-se, desse modo, a existência de uma rnilitarização do poder político no período monárquico, efetivada também pela presença de um Comandante das Armas em cada província, nomeado pela administração central e com poder de intervenção sobre as autoridades locais.” (P. 27).
 “Mas o ano de 1831 ainda não acabara e seria intenso: marcava o ímpeto inicial. No plano dos embates institucionais e parlamentares, o clima político de liberdade levou a Câmara dos Deputados a aprovar uma série de reformas na Constituição que, se implementadas, seriam as mais ousadas de todo o período monárquico, no âmbito das mudanças políticas.” (P. 28).
 “Entre as principais transformações do período no qual Feijó foi o principal dirigente do país tivemos a criação da Guarda Nacional, uma "milícia cidadã" voltada para o fortalecimento dos proprietários e senhores locais e do poder central. Os motins e sedições espalhavam-se em proporção crescente por todo o país, em grande parte integrados por soldados das forças regulares, nas quais o governo não confiava mais para reprimir as contestações.” (P. 29).
 “Entretanto, avançou pouco no plano da reforma tributária: a centralização dos recursos permaneceu nas mãos do governo imperial graças à Lei de Responsabilidade Fiscal, de 1832, que classificava as rendas em provinciais e gerais, cabendo à administração central a partilha dos recursos.” (P. 30).
 “Imprensado por crises políticas, disputas entre os grupos dirigentes e rebeliões que se alastravam, o padre Feijó renuncia à Regência, sendo sucedido em 1837 pelo pernambucano (e partidário do centralismo) Pedro de Araújo Lima, futuro marquês de Olinda, Começa o chamado Regresso: a mão-de-ferro do Estado centralizador e autoritário vai retendo o controle da situação abalada, o poder político dos grandes proprietários de terras e escravos se acentua. Os aspectos considerados mais democráticos ou descentralizadores do Código de Processo Criminal e do Ato Adicional seriam reinterpretados (eufemismo para sua anulação) por leis mais conservadoras.” (P. 31).
 “O tipo ideal de partido-máquina, organizado a partir de determinados critérios que tomaram corpo sobretudo no século XX, não existia no período histórico tratado aqui. Ao mesmo tempo, a partidarização possuía carga pejorativa, sobretudo num momento de afirmação da modernidade e da. unidade nacional: os partidários eram associado às - facções, ou.seja, eram inimigos- da pátria. A ação de formar um partido era vista como divisionista, ataque à integridade da ordem nacional - ainda mais num momento de consolidação da independência.” (P. 32).
 “Não se trata de uma visão estanque e rígida entre três realidades distintas, mas da compreensão do conceito de soberania além do "poder de decisão", ou seja, como relações de poder, onde as decisões são resultado de uma tensão entre o governo e as forças políticas e sociais. No período regencial brasileiro emergiram três partidos, cuja gestação já vinha ocorrendo: Exaltado, Moderado e Restaurador, com fronteiras políticas demarcadas, embora mutáveis.” (P. 33).
 “Entre os exaltados havia proprietários rurais (não em maioria), profissionais liberais, militares, padres, funcionários públicos, médicos...” (P. 33).
 “Os líderes exaltados faziam apelo à participação das camadas pobres da população na vida pública e acenavam contra a opressão econômica, social e étnica. Valorizavam também o federalismo e a descentralização administrativa, englobando assim algumas oligarquias regionais.” (P. 34).
 “Equilíbrio, ponderação e razão pareciam compor o lema dos moderados, vistos como expressão política dos interesses econômicos dos plantadores de café ou de comerciantes brasileiros das províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. É verdade que as forças políticas que predominavam nessas três províncias (mas não apenas nelas) identificavam-se aos moderados, sobretudo durante as Regências, constituindo um núcleo de poder geograficamente situado em torno da Corte. Eram defensores de um Estado forte e centralizador.” (P. 35).
 “Os restauradores compunham uma tendência constitucional com forte matiz antiliberal (embora sem
negar totalmente o liberalismo) no Brasil das décadas de 1820 e 1830, colocando em destaque a soberania
monárquica diante das noções de soberania nacional ou popular. O restauracionismo demandava fortaleci-
, mento de um Estado centralizador nos moldes da modernidade absolutista ou, então, pontava para o reforço do poder de antigos corpos sociais, como senhores locais, oligarquias, clero e suas clientelas. Ou seja, convocavam e incorporavam as camadas pobres nas lutas políticas.” (P. 36).
 “Após 1831 o restauracionismo passa a ser associado ao retorno de d. Pedro ao trono, embora nem sempre essa posição fosse explícita. E tal proposta articulava-se à recuperação da monarquia em sua plenitude (enfraquecida durante as Regências) em 1840.” (P. 37).
 “Havia um traço distintivo do restauracionismo no Brasil, ao longo de diferentes conjunturas: a valorização
da supremacia monárquica e da aproximação com o tradicionalismo português. Essas permanências do
Antigo Regime (incluindo o absolutismo ilustrado) ainda não foram devidamente dimensionadas no Brasil pós-independência.” (P. 37).
 “Agrupavam-se na Sociedade Conservadora, posteriormente transformada em Sociedade Militar, e tinham jornais como O Caramuru, Diário do Rio de Janeiro e Carijó, entre outros. Destacavam-se entre os integrantes dessa tendência os irmãos Andrada José Bonifacio, Antonio Carlos e Martim Francisco). Esses partidos não tinham conteúdo nítido de "classe" (na perspectiva marxista), mas seria restrito, por outro lado, considerá-los unicamente elitistas. A presença
das camadas pobres nas lutas políticas era resultado de um jogo de mútuas tentativas de manipulação e apropriação.” (P. 38).
 “Questões importantes do período regencial ainda estão por ser mais bem conhecidas. As populações indígenas, por exemplo, ocupavam consideráveis parcelas do Brasil, apesar da pouca visibilidade em registros históricos. Concentravam-se em grupos numerosos na região amazônica, no Mato Grosso e no Sul do país (no entorno das antigas Missões), mas existiam em todas as províncias, inclusive no Rio de Janeiro. Na maior parte das províncias brasileiras ocorreram combates envolvendo índios, quase sempre por questões de terras, e as mortes eram freqüentes de ambos os lados.” (P. 40).
 “O decreto regencial, de 27 de outubro de 1831, eliminava a guerra declarada formalmente pela Coroa e também a escravidão - mas mantinha a militarização de áreas indígenas, principal ponto das Cartas Régias. Assim, pelo menos juridicamente, o Estado brasileiro se eximia da responsabilidade de guerrear contra os índios e também proibia a condição servil destes, embora os mantivesse sob tutela oficial e militar.” (P. 40).
 “Ora, a preocupação em abolir a escravidão (ainda que apenas formalmente) e ao mesmo tempo constituir mão-de-obra livre especializada atendia a que interesses? Para quem o terreno estaria sendo preparado?” (P. 41).
 “Assim, da mesma maneira que as pesquisas históricas destacam a influência britânica na escravidão africana no Brasil, é importante também considerar como os interesses ingleses afetarama vida das populações indígenas - deixando às autoridades ou aos proprietários nacionais o ônus de "limparem o terreno" e nem se dando ao trabalho, nesse caso, de elaborar grandes argumentos humanitários para a exploração das terras e da mão-de-obra indígena.” (P. 42).
 “Durante as Regências cresceu ainda mais a presença do capitalismo britânico no Brasil em diversas faces: comercial, no consumo crescente de produtos manufaturados ingleses, como também 'através do controle do transporte das mercadorias (exportadas e importadas) em navios britânicos; diplomática, na pressão contra o tráfico de escravos. Mesmo que os empréstimos externos tenham praticamente cessado no período, a presença de empresas e dos interesses britânicos se manteve e continuou a fincar raízes.” (P. 43).
 “No período regencial ocorreu verdadeira africanização do Brasil: calcula-se, por estimativa, que, dos cinco milhões de africanos trazidos para cá ao longo de quatro séculos, um milhão e meio entrou na primeira metade do século XIX. Verdade que uma das primeiras leis da Regência, exatos sete meses após a saída de d. Pedro I, determinou a abolição do tráfico de escravos, medida que visava a atender à 'pressão forte britânica, e também correspondia à consciência de parte dos dirigentes liberais brasileiros. Entretanto, apesar dos esforços da diplomacia inglesa e de parcela das lideranças políticas brasileiras, o tráfico ainda continuaria por duas décadas, mostrando o poder,dos grandes proprietários, traficantes e seus representantes.” (P. 45).
 “Os cativos desenvolveram inúmeras formas de resistência, individuais ou coletivas, como fugas, ataques, roubos ou assassinatos contra senhores e feitores, suicídios, pequenos e grandes quilombos, envolvimento em lutas políticas não deflagradas por escravos, entre outras.” (P. 46).
 “Uns cinco meses depois da saída de d. Pedro I do ,poder, surge pela imprensa um plano de reforma agrária, lançado por Ezequiel Correia dos Santos no seu jornal Nova Luz Brazileira. Chamado de Grande Fateusim Nacional. propunha a distribuição, pela Coroa, de terras para todas as pessoas interessadas, com preferência para as camadas pobres da população, além da retirada das terras excessivas dos grandes proprietários, qualificados na proposta de "malvados aristocratas liberais". Tal proposição foi duramente combatida e não chegou sequer a ser encaminhada como proposta no Parlamento. Porém a discussão pública de temas como racismo e redistribuição de terras no cem e de uma sociedade escravista mostra como se ampliavam as possibilidades de expressão durante o período aqui tratado.” (P. 49).
 “Não é por acaso, também, que em meio ao espocar de motins, sedições e revoltas o caráter brasileiro foi bastante discutido durante o período regencial. Ou seja, debatia-se se existiria uma propensão para docilidade e cordialidade do povo brasileiro. De maneira mais precisa, buscava-se afirmar ou construir uma identidade que desse conta de complexos desafios, tais como formar um povo e uma nação portadores de ,identidade própria e, ao mesmo tempo, garantir a estabilidade da ordem social e direcionar o "carro da revolução" .” (P. 54).
 “A afirmação do padre Feijó sobre tais aptidões naturais (tranqüilidade e ordem) é instigante. Mais do que desqualificar as contestações em curso, exprime interpretação do que seria uma identidade brasileira, que se traduziria numa espécie de tradição histórica dos comportamentos coletivos: ausência de conflitos, de guerras, e aversão a rupturas. “ (P. 55).
 “Estava em jogo a definição de determinada identidade brasileira, nesse período do pós-independência, gerando questões em torno da interpretação do Brasil nos primeiros anos de construção do Estado nacional. Já esboçada durante a independência, a concepção da "índole-pacífica-do-povo-brasileiro" foi afirmada com mais ênfase durante as Regências, espraiou-se pelo Segundo Reinado e se tornaria verdadeiro lugar-comum durante a República. Mas o certo é que os
habitantes do território que se pretendia brasileiro não foram todos "ovelhas mansas" durante o período regencial.” (P. 56),
 “Três revoltas escravas causaram impacto: a das Carrancas (Minas Gerais, 1833), dos Malês (Bahia, 1835) e de Manuel Congo (Rio de Janeiro, 1838). Não abalaram o escravismo, mas causaram inegável pânico à população não-escrava e imprimiram novos rumos à legislação repressiva, à perspectiva de imigração de estrangeiros e ao debate sobre medidas para a gradual extinção do tráfico e do trabalho escravo.” (P. 57).
 “Em conseqüência, é possível afirmar que o separatismo não era atributo exclusivo dos liberais exaltados ou de tendências republicanas, como em geral a historiografia aponta. O separatismo partiu também de restauradores. É importante, aliás, discernir separatismo, federalismo e republicanismo, que não estavam necessariamente associados.” (P. 60).
 “Calcula-se que ao final de três anos de lutas na Cabanada 15 mil pessoas morreram (a maioria cabanos pobres) em combates, por prisão, execução e por epidemias que devastaram os dois lados do conflito. Quanto aos rebeldes cabanos, quando escapavam da execução imediata ou da fome que também matava, eram enviados às prisões ou alistamentos militares forçados.” (P. 61).
 “Em janeiro de 1835'milhares de rebeldes liderados pelo ex-rnilitar Felix Antonio Malcher, pelo redator de jornais Eduardo Angelim e pelo lavrador Francisco Vinagre ocuparam Belém e mataram o presidente da província e o comandante das Armas, cujos corpos foram arrastados pelas ruas da cidade. Desafiando e impondo derrotas ao governo das Regências, os cabanos ficaram no poder por mais de um ano. Declararam-se separados do Rio de Janeiro, mas acabaramdebelados, após cenas sangrentas de massacres.” (P. 63).
 “Nenhum momento da história do Brasil concentrou tanta violência num tempo tão curto e em extensões de terra tão largas quanto essa fase da monarquia. Violência social e política. Grupos étnicos variados, ligados pela comunidade da língua e da religião, marcados pelas condições de regiões diversas, tendo pelas riquezas da terra um grande entusiasmo, demonstrando aversão ao português, mas desprezando uns aos outros - eis a obra de três séculos de colonização, na síntese do historiador Capistrano de Abreu. Referia-se às vésperas da independência e poderia perfeitamente tratar do período regencial - quando tal diagnóstico encontra sua melhor expressão e, também, começa a perder sentido. A engrenagem nacional centralizadora, modernizante e defensora da ordem social, urdida por agentes históricos, incorpora e homogeneíza os multifacetados rebeldes, não somente eliminando-os, mas digerindo-os e assimilando os pedaços partidos, na busca de uma nação próspera e desigual.” (P. 66).
 “Três anos após essa desenganada avaliação, a antecipação da maioridade de Pedro II foi implementada sem ter sido votada pelo Legislativo (mais um drible na Constituição), no que ficou conhecido como Golpe da Maioridade. Foi uma solução ansiada por grupos dirigentes que, assim, buscavam retomar a coesão perdida.” (P. 68).

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