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Fascículo 10 - ESCRITOS DO IGNOTO: A LITERATURA FANTÁSTICA

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J
10 Escritos do Ignoto
A Literatura Fantástica
Aíla Sampaiol
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CURSO
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s
e
Realização
1.
VOCÊ! AINDA 
HÁ TEMPO 
PARA VOLTAR...
Antigas como o medo, as ficções 
fantásticas são anteriores às letras. 
As assombrações povoam todas 
as literaturas: estão no Avesta, na Bíblia, 
em Homero, no Livro das mil e uma noites. 
Talvez os primeiros especialistas 
no gênero tenham sido os chineses.
Adolfo Bioy Casares, em Antologia da 
Literatura Fantástica (2013).
as se eu fosse você, fica-
ria por aqui! 
Ítalo Calvino, na in-
trodução de sua antolo-
gia Contos fantásticos do 
século XIX, afirma em seu 
primeiro parágrafo: “O 
conto fantástico é uma das 
produções mais caracterís-
ticas da narrativa do sécu-
lo XIX e também uma das mais significativas 
para nós, já que nos diz muitas coisas sobre 
a interioridade do indivíduo e sobre a simbo-
logia coletiva. [...] Sentimos que o fantástico 
diz coisas que se referem diretamente a nós, 
embora estejamos menos dispostos do que 
os leitores do século passado [XIX] a nos dei-
xarmos surpreender por aparições e fantas-
magorias, ou melhor, estamos prontos para 
apreciá-las de outro modo, como elementos 
da cor da época” (CALVINO, 2004, p. 9).
Na obra, Calvino seleciona narrativas 
de diversos autores, alguns reconhecida-
mente marcados pelo fantástico, como 
Hoffman, Poe, Hawthorne, Stevenson, en-
tre outros que apenas experimentaram o 
fantástico, mas destacaram-se em outros 
gêneros, embora o organizador reconheça 
o relevo das narrativas elencadas, que ser-
vem de base de sustentação ao fantástico 
mundial, como é o caso de Théophile Gau-
tier que, conforme Calvino, tem “A morte 
amorosa” (1836) como “o mais famoso e o 
mais perfeito (talvez até perfeito demais, 
como frequentemente ocorre em Gautier), 
executado e burilado de acordo com todas 
as regras. O tema dos mortos-vivos e dos 
vampiros (no caso em questão, uma vampi-
ra) apresenta-se aqui numa espécie de alta 
qualidade, que mereceu os elogios de Bau-
delaire” (CALVINO, 2004, p. 213).
Na sua seleção, Gogol, Mérimée, An-
dersen, Dickens, Turguêniev, Balzac, Scott, 
Maupassant, James, Kipling, Wells, Poto-
cki, entre outros.
É notável como as lendas, os causos e as 
tradições locais, especialmente os interiora-
nos, se transfiguram em fantástico literário, 
seja no Ceará ou no Mundo. São histórias de 
vingança – pós-túmulo ou não –, a presença 
de entes supra-humanos, inclusive empres-
tados do folclore, assombrações – mortos 
em acidentes trágicos ou assassinados – e 
os castelos ou casarões amaldiçoados. Por 
outro lado, apenas estados psicológicos de 
horror, medo ou mesmo um pesadelo po-
dem configurar uma boa narrativa fantástica.
146 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
Braulio Tavares, que é um dos maio-
res estudiosos da Literatura Fantástica no 
país, autor/organizador de, pelo menos 7 
livros em torno do tema, reconhece que as 
narrativas fantásticas, com o tempo, am-
pliaram o seu campo além dos “veículos” 
clássicos, como a literatura propriamente 
dita (incluindo o cordel), o teatro e a ópe-
ra, chegando aos dias atuais por meio do 
cinema, das graphic novels e do RPG. E diz: 
“Assim como o inconsciente prospectado 
pelos psicanalistas, o fantástico é tudo que 
não é, tudo que não está onde estamos, 
tudo que não existe assim, tudo que está 
fora de nosso campo de visão, tudo que 
não pode acontecer (ou, mas ameaçado-
ramente, tudo que não poderia ter aconte-
cido).” (TAVARES, 2003, p.7-8). 
O diabo apaixonado (1772), de 
Jacques Cazotte, é considerado por 
muitos teóricos como a estreia da 
Literatura Fantástica mundial.
Na obra Páginas de sombra: contos fan-
tásticos brasileiros (2003), podemos encon-
trar em sua apresentação um rico ensaio 
sobre o tema tão controverso do gênero fan-
tástico, incluindo os elementos clássicos que 
povoam a sua seleção, além de outras ques-
tões do gênero como a sua fronteira com a 
ficção científica, diferenciando a suposta lite-
ratura fantástica praticada por H.G, Wells da 
realista de Jules Verne, por exemplo.
Adolfo Bioy Casares, coorganizador – ao 
lado de Jorge Luís Borges e Silvina Ocampo 
– da Antologia da Literatura Fantástica (2013), 
em seu “Prólogo”, sugere a classificação dos 
contos fantásticos pela sua explicação: “a) os 
que se explicam pela ação de um ser ou de 
um fato sobrenatural; b) os que têm explicação 
fantástica, mas não sobrenatural (“científica” 
não me parece o adjetivo conveniente para 
essas invenções rigorosas, verossímeis, à força 
de sintaxe); c) os que se explicam pela interven-
ção de um ser ou de um fato sobrenatural, mas 
insinuam, também, a possibilidade de uma 
explicação natural; os que admitem uma alu-
cinação explicativa”, depois, informando que 
“Essa possibilidade de explicações naturais 
pode ser um acerto, uma complexidade maior; 
geralmente é uma fraqueza, um subterfúgio 
do autor, que não soube propor o fantástico 
com verossimilhança.” (BIOY, 2013, p.17).
Por ser tão atraente e polêmica, pela sua 
controversa teorização, pelos textos e antolo-
gias diversas que pautam sobre essa exube-
rante produção, não poderíamos nós, neste 
curso, deixar de fora o fantástico. Assim, nes-
te módulo trazemos um breve panorama do 
texto fantástico escrito na Ceará, do século 
XIX aos nossos dias, optando por citar inú-
meros autores que nos deixaram ao menos 
um rastro no gênero, sendo eles incluídos na 
antologia O cravo roxo do diabo, uma espécie 
de guia possível para nossa exposição. 
Seguindo os mesmos cânones da lite-
ratura nacional, a literatura cearense tem 
representação expressiva nas narrativas do 
gênero, que seduzem escritores e leitores, 
por trazerem acontecimentos que desafiam 
a razão e se mantêm inexplicáveis.
BOLACHINHAS
CURSO literatura cearense 147
raízes nas histórias de deuses, fadas e feiticei-
ras da Antiguidade Clássica. Como todo gê-
nero, o fantástico teve estabelecidos os seus 
cânones, continuamente fundamentados e 
revisados por teóricos como Roger Callois, 
Tzvetan Todorov, Irene Bessière, Louis Vax, 
Victor Bravo, Filipe Furtado, e, mais adiante, 
pelo crítico Erdal Jordan e pela filóloga ar-
gentina Ana María Barrenechea, entre outros. 
Mestres do horror, como H.P. Love-
craft, E. T. A. Hoffmann, Edgar Allan 
Poe e Téophile Gautier, deixaram um le-
gado para os amantes do sobrenatural e 
exerceram influências na ficção fantástica 
produzida em todo o mundo. 
No Brasil, as primeiras manifestações do 
fantástico podem ser encontradas nos con-
tos de Álvares de Azevedo e, posteriormen-
te, de Machado de Assis, rearfirmando-se 
depois em narrativas de outros escritores, 
entre os quais J. J. Veiga, Moacir Sclyar, 
Murilo Rubião e Lygia Fagundes Telles.
A sistematização dos cânones do fantás-
tico passou por muitas revisões. A mais tradi-
cional, de Tzvetan Todorov, no livro Introdu-
ção à Literatura Fantástica, assevera que ele 
se dá por meio da hesitação do leitor em 
“aceitar” ou não os fenômenos narrados, 
desde que tais fenômenos não predispo-
nham uma leitura alegórica nem poética. 
O crítico estruturalista opõe, ainda, o 
que ele chama fantástico a outros dois 
conceitos fronteiriços: o estranho e o ma-
ravilhoso. O fantástico ocupa o tempo da 
incerteza, da vacilação entre aceitar ou 
não o evento extranatural. Assim que se 
escolhe uma resposta ou outra, o fantásti-
co é abandonado e entra-se no domínio de 
um dos gêneros “vizinhos”, o estranho ou o 
maravilhoso, dos quais falamos. 
Erdal Jordan, em seu livro La narrativa 
fantástica (1998), com uma visão mais atual 
do fenômeno, assegura que a hesitação é 
característica do fantástico tradicional – 
século XIX. O fantástico moderno não va-
cila entre aceitar ou não o fato sobrenatural, 
não provoca espanto diante dele, ou seja, 
o evento insólito é naturalizado (ERDAL 
JORDAN, 1998, p. 110), embora seja patente 
uma inexplicável transgressão de ordem.
Corroborando essa concepção atual, Ana 
María Barrenechea afirma a configuração dofenômeno “em forma de problemas feitos a-
-normais, a-naturais ou irreales em contraste 
com factos reais, normais ou naturais”, con-
siderando-se, assim, fantástico todo texto 
cujo enredo encene acontecimentos que 
transponham as leis naturais, ou seja, que 
coloquem em conflito o mundo empírico e o 
mundo fantasioso, sem necessariamente 
instalar o espanto ou o medo.
2.
O GÊNERO 
FANTÁSTICO E 
SEUS “VIZINHOS”
gênero fantástico se con-
solidou como estética a 
partir do período do Ro-
mantismo – mais espe-
cialmente, do Romantis-
mo alemão –, com suas 
narrativas góticas (essas, 
desde o século XVIII, ori-
ginária da Inglaterra), 
embora já tivesse suas 
148 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
das narrativas de Álvares de Azevedo em 
Noite na taverna (1855): enquanto traba-
lham com a mandioca, em um serão na fa-
rinhada, os sertanejos contam histórias de 
caiporas, aventuras de caçadas e encanta-
mentos. São histórias dentro de uma histó-
ria. Igual estrutura está no conto “Capitão 
Maciel, 3.ª companhia”, de Tomás Lopes, 
cujo enredo deixa claros seus desdobra-
mentos: “Depois do jantar, na salinha do 
café, falava-se em casos estranhos, misté-
rios do além-túmulo. Cada um contava a 
sua história, todos, porém, afetando des-
crença, ceticismo, explicando tudo pela 
coincidência”, numa tentativa de racionali-
zação que não impede o espanto, quando 
se constata a aparição de um morto, mo-
tivo também presente em “A basílica”, de 
Cruz Filho, cujo enredo comprova a pre-
sença da ex-escrava nas ruínas da igreja 
onde morreu. Florival Seraine, igualmen-
te, em seu “Guajara”, coloca o insólito em 
contação de causos numa venda.
O Realismo cearense foi prodigioso no 
espírito inventivo das narrativas fantás-
ticas do século XIX. Duas representações 
significativas estão nas narrativas de Pápi 
Jr. (“A Cruz-das-Malvas”) e de Oliveira 
Paiva (“O ar do vento, Ave-Maria”). No en-
redo do primeiro, há uma atmosfera pro-
pícia para o sobrenatural, na descrição 
esmerada da escuridão da noite “impe-
netrável e compacta, corria-nos pela fren-
te como um largo pano sujo de fuligem”, 
em que aparece, na estrada, em frente à 
cruz-das-malvas, o fantasma da pessoa 
que lá foi enterrada. Na do segundo, tem-
-se a aparição de um monstro, no meio 
da noite, carregando a cabeça de uma 
mulher (fazendo, ainda, “umas caretas 
horrorosas”) para enterrar. Oliveira Paiva 
ultrapassa o realismo-regionalista e, por 
meio da temática do imaginário popular 
da burra de padre (a amásia de vigário se 
transforma em burra-de-padre), fixa a at-
mosfera sobrenatural na ficção.
A dissertação de mestrado de 
Vicente Jr., Aspectos do Fantástico na 
Literatura Cearense (2003), disponível 
na Biblioteca Virtual do AVA, traz 
uma ótima análise dos elementos 
característicos do fantástico, além de 
uma síntese teórica sobre o gênero 
fantástico e a sua “vizinhança”, 
como o maravilhoso, o estranho, o 
absurdo, entre outras vertentes ainda 
mais complexas, como fantástico-
maravilhoso, o fantástico-estranho etc.
Na dissertação, aponta: “Quando 
assinalamos aqui que Oliveira Paiva 
conseguiu o efeito fantástico no conto 
por nós estudado [“O ar do vento, 
Ave-Maria”], não foi simplesmente 
por ter fundamentado seu texto em 
um elemento terrificante do folclore 
brasileiro, a mula-sem-cabeça, mas 
pela utilização também de outros 
recursos (não teorizados à época) 
como a construção de um espaço 
adequado à narrativa fantástica 
(Furtado: 1980) o entrelaçamento 
de dois mundos (Bravo: 1985), 
um discurso fundamentado na 
“alteridade” (Levi Strauss: 1967), 
causador da “inquietante estranheza” 
(Freud: 1933) e uma poética de 
“incertezas” (Bessière: 1974)”.
3.
À RODA 
DE CAUSOS 
SOBRENATURAIS
o Ceará, o primeiro con-
to fantástico de que se 
tem registro foi escrito 
no século XIX, por Juve-
nal Galeno – mais um 
pioneirismo na sua lista 
–, com o título “O senhor 
das caças” – integrante de 
Cenas populares (1871) –, 
e tem a mesma estrutura 
BOLACHINHAS
CURSO literatura cearense 149
4.
A POLÊMICA 
RAINHA DA ILHA 
DO NEVOEIRO
romance A rainha do ig-
noto, de Emília Freitas, 
editado originariamente 
em 1899 e que teve uma 
segunda edição apenas 
em 1980, por iniciativa de 
Otacílio Colares, é consi-
derado por alguns como 
o primeiro romance fan-
tástico brasileiro. Há 
também quem o apresente como primei-
ra obra de fantasia da literatura brasi-
leira, o que justifica o número de edições 
por editoras distintas que encontramos 
hoje no mercado, com apresentações de 
Constância Lima Duarte (2003) e de Ale-
xander Meireles da Silva (2020).
Existem, entretanto, aqueles que não 
veem na obra o componente fantástico, 
mas, sim, de maravilhoso, um de seus “vi-
zinhos” fronteiriços aqui destacados.
O enredo desse romance cujo subtítulo 
atribuído pela autora é “romance psicológi-
co”, além de trazer questões relativas à situ-
ação da mulher da época, mostra o espírito 
revolucionário da autora que cria, em sua 
narrativa, uma sociedade secreta de mulhe-
res liderada por uma misteriosa rainha, por 
meio da qual se resgatam, principalmente, 
mulheres de diferentes partes do Brasil, li-
bertando-as de suas vidas trágicas e dando-
-lhes oportunidade de independência.
A protagonista – conhecida com o epíte-
to de “Rainha do Ignoto” ou ainda pelas al-
cunhas de Funesta, Moça Encantada, Diana, 
Zuleica Neves, Zélia, de acordo com o disfarce 
que usava em suas empreitadas – era repu-
blicana, abolicionista e espírita. Percorria 
várias cidades no Brasil no intuito de encon-
trar mulheres que sofriam algum tipo de vio-
lência física ou moral, ou que sofresse pela 
sua condição de subjugada, ou em estado de 
solidão, depressão ou situações afins, para 
levá-las à sociedade secreta que liderava, na 
qual poderiam desenvolver trabalhos de acor-
do com suas habilidades: engenheiras, médi-
cas, marinheiras, generais, cientistas.
“Emília Freitas foi, sem dúvida, uma 
das principais escritoras de seu tempo, 
ao lado de Francisca Clotilde e Úrsula 
Garcia. A partir de 1873, aos dezoito anos, 
começou a participar ativamente da vida 
cultural da cidade, através da publicação 
de textos em prosa e de poemas, em 
jornais como Libertador, O Cearense, 
Lyrio e A Brisa. Anos mais tarde, ainda em 
Fortaleza, participou com outras mulheres 
da Sociedade das Cearenses Libertadoras, 
de caráter abolicionista, destacando-se na 
defesa dos escravos.” (DUARTE, 2003, P.5)
SABATINA
150 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
O gênero fantástico se consolida na obra 
pelo poder que a Rainha tem de hipno-
tizar as pessoas e nunca deixar que 
identifiquem seu rosto ou descubram 
sua identidade. Também, por meio da 
hipnose, ela mantém invisível a Ilha do Ne-
voeiro, o lugar fictício – um “outro mundo” 
– fincado no litoral nordestino, que serve 
de espaço para a sede da sociedade, não 
sendo, desse modo, jamais avistado pelos 
navegantes que passam ao redor.
Paralelamente à história da Rainha e de 
suas paladinas, descrevem-se personagens 
que habitam a cidade de Passagem das Pe-
dras, antigo nome da cidade de Itaiçaba, no 
Ceará, e onde se desenvolvem entrechos 
que fazem jus a folhetins românticos, com 
mulheres conservadoras e presas ao modelo 
patriarcal, o que serve de contraste para as 
atitudes das mulheres que rompiam com o 
papel a elas reservado no período histórico.
Também Nelly Novaes Coelho reconhe-
ce a transgressão da autora aos cânones 
da época, quando funde:
O trecho a seguir nos revela a primeira 
imagem que o personagem Edmundo tem 
de Funesta, a rainha, ainda no início do livro:
A voz era de mulher e vinha se aproximan-
do [entoando uma canção francesa]. Já se 
distinguia o som de uma harpa com que 
ela se acompanhava. [...] 
Quando a pequena embarcação passou 
por defronte da janela, Edmundo pôde con-
templar à vontade a formosa bateleira. Ela 
vestia de branco, tinha os cabelos soltos e a 
cabeça cingida por uma grinalda de rosas.
De pé no meio do bote, encostava a harpa 
aopeito [que tinha cordas de ouro], e toca-
va com maestria divina! O luar dava-lhe em 
cheio nas faces esmaecidas pelo sereno da 
madrugada, e os olhos extremamente belos 
estavam amortecidos por uma expressão 
magoada de tristeza indefinível. Algumas go-
tas de pranto umedeciam-lhe as pálpebras, e 
tremulavam ainda nas negras pestanas.
Vinha, ali também assentado no banco da 
proa, sustentando o remo e movendo-o 
com perícia, uma figura negra e peluda, feia 
de meter medo [era King, um orangotango, 
que vestia-se como marujo].
E, para mais confirmar a sua parecença com o 
rei das trevas, o tal moleque tinha uma cauda 
que, achando pouca acomodação no banco, 
se tinha estendido pela borda do bote, e pa-
recia brincar na superfície das águas.
De espaço em espaço, a enorme cabeça 
de um cão cor de azeviche [cujo nome 
era Fiel] aparecia e tornava a ocultar-se 
aos pés da cantora.
elementos do romance gótico (aventuras 
sucessivas, mirabolantes, fantásticas ou 
mergulhadas em mistérios); elementos do 
romance naturalista (exigência de verdade 
documental, objetividade no registro dos fe-
nômenos observados, preocupação com os 
pormenores e com a causalidade dos fenô-
menos); elementos do romance regionalista 
do entre-séculos (preocupação com as pecu-
liaridades da região que serve de espaço aos 
acontecimentos, contrapondo seu primitivis-
mo ou rusticidade aos requintes de beleza, 
luxo e riqueza do mundo encantado que nele 
se ocultaria: o mundo da Rainha do Ignoto); 
valores da concepção de mundo cristã que 
consolidou a dualidade ou ambiguidade 
inerente à natureza feminina: anjo/demônio, 
pura/impura, etc. E, finalmente, elementos 
do folclore nordestinos que, “filtrados” pela 
consciência da autora, revelam o grande 
potencial transfigurados da arte. (COELHO, 
2002:100. In: DUARTE, C. (org.), 2002).
CURSO literatura cearense 151
ão várias as temáticas que ins-
piram o conto fantástico ce-
arense. Selecionamos os ele-
mentos motivadores do evento 
insólito de algumas narrativas 
da coletânea organizada por 
Pedro Salgueiro, O cravo roxo 
do diabo: o conto fantástico no 
Ceará (2011) e, por meio delas, 
traçaremos um panorama da prodigiosa 
imersão dos nossos escritores no universo 
extranatural. Encontramos, numa pers-
pectiva mais tradicional, desde as peripé-
cias do capeta (“O dia aziago”, de Lopes Fi-
lho – da Padaria Espiritual), a aparição de 
almas penadas (“Alma penada”, de Améri-
co Facó), espectros (“Espectro”, de Gusta-
vo Barroso) e visagens (“Julho é um mês 
que não tem fim”, de Batista de Lima), até 
histórias de pescador com aparição de se-
reias (“Sereias”, de Herman Lima) ou boti-
jas (“Uma história fantástica”, de Martins 
d’Alvarez; “A botija”, de Genuíno Sales e 
“A botija”, de Lustosa da Costa). 
Algumas vezes, não se configura 
nenhum fenômeno, tão somente a at-
mosfera de mistério estabelece a pre-
sença do insólito ou seu prenúncio, como 
ocorre no conto “Casa mal-assombrada”, 
de Carlyle Martins: “Numa visão macabra 
e sinistra, atestando a transitoriedade de 
uma vida de opulência e conforto, a velha 
casa, como que indiferente ao perpassar 
dos anos, ensombrada pelas mongubeiras 
sempre monótonas e sussurrantes, tinha 
as paredes carcomidas e cobertas de fen-
das. Por seu aspecto aterrador, atestava 
ela a glória do passado distante, obscure-
cido pelas brumas dos tempos e demons-
trando como a felicidade humana é incerta 
e passageira...”; e em “A Oiticica”, de Otá-
vio Lobo: “Se alguém, rompendo o escu-
ro, passa debaixo de alguma oiticica, sen-
te arrepios de medo, pavor de visagens e 
assombrações de almas do outro mundo.”
São bastante engenhosas as façanhas 
dos nossos contistas, seja a dar vida a uma 
bailarina de bronze, num delírio (“A baila-
rina”, de Pimentel Gomes); a configurar 
um milagre de um padre que salva, com 
sua atitude, um jovem médico da fúria de 
fanáticos religiosos (“O milagre”, de Fran 
Martins); seja a atribuir a concretização 
de um fato extraordinário à fé em Nossa 
Senhora, como o faz João Clímaco Be-
zerra (“História do mar”), ou, como Edi-
gar de Alencar, a fazer sorrir um macabro 
boneco de Judas (“Judas”). 
5.
O FANTÁSTICO 
NO CONTO MODERNO 
E CONTEMPORÂNEO
152 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
“O cravo roxo do diabo” é um conto de 
Álvaro Martins, o “Alvarins”, cofundador 
da Padaria Espiritual e do Centro 
Literário. Também é de Álvaro Martins a 
obra Casa mal-assombrada (1903), que 
teve uma segunda edição quando o 
filho do poeta reuniu vários livros dele 
em Alma cearense (1928).
almas do rio perdido”, de Lucineide Souto, 
pode-se perfeitamente conviver, conversar e 
dançar com pessoas mortas; em “Terror”, de 
Glória Martins, bonecas adquirem vida, riem 
pavorosamente e cometem crimes.
No conto “O Homem de Neandertal”, de 
Rubens de Azevedo, não há fronteira en-
tre o presente e o passado. O narrador ten-
ta proteger um amigo arqueólogo de um 
atentado fatal, mas não consegue: “[...] não 
sonho. Parece que penetro numa fenda do 
tempo e participo realmente daquela vida 
primitiva”. O arqueólogo, mesmo trancado 
no quarto do amigo que o vigia pelo lado de 
fora, é assassinado, durante a noite, por um 
homem das cavernas que já foi seu objeto 
de estudo e já vinha, há muito, ameaçando 
tirar-lhe a vida. Já R. Batista Aragão ins-
taura o sobrenatural na figura de uma alma 
penada que aparece na estrada para pedir 
ajuda aos incautos. Diz o narrador de “O as-
sobiador do Folha Larga”: “[...] sexta-feira, 
13 de agosto e noite de lua cheia. Como 
reforço às possibilidades de encontro com 
os mistérios do além, havia e bastante co-
mentado, o ‘Assobiador do Folha Larga’ 
cuja figura era tida como infalível. /.../ Cor-
cunda, rosto coberto, pernas alongadas 
e a imitar com perfeição as pernas de um 
alicate. Fez-me lembrar de relance a fealda-
de do Corcunda de Notre-Dame. Conduzia 
no dorso certo fardo volumoso, talvez pe-
sado e sobretudo incômodo, uma vez que 
o soprar constante demonstrava cansaço. 
Aproximou-se ainda mais, do local onde eu 
me encontrava e deu o ar da costumeira e 
civilizada educação”. Tratava-se, na verda-
de, de um filho que há tempos assassinara 
o pai e ficara a vagar, carregando um peso 
nas costas, qual Sísifo castigado por Zeus.
Entre muitos dos textos modernos, per-
manecem os temas tradicionais, como a 
metamorfose e a morte. No conto “Pedra 
encantada”, de Rachel de Queiroz, “A his-
tória é que toda véspera de Ano-Bom, ao 
bater da meia-noite, a pedra se desencanta. 
[...] molda-se a mulher toda na pedra mole 
como o barro no torno do oleiro. E por fim, 
exausto, dorme, e quando o dia amanhece 
ele acorda à beira da água, junto às moitas 
de muçambê, e vê a pedra escura ao seu 
lado, e tudo lhe diz que as suas lembranças 
foram um sonho.” Já na narrativa “O 10 nos 
limites do Bené Gavião”, de Barros Pinho, 
“O Bené pulou este batente e saiu daqui 
com uma cabeça de onça, o corpo de ho-
mem e asas de gavião encantado.”
A morte toma forma humana em “Dizem 
que os cães veem coisas”, de Moreira Cam-
pos, que a personifica na figura de uma mu-
lher, antiquíssima, atual e eterna, para levar a 
vida de uma criança que se afoga na piscina, 
enquanto os pais se divertem numa festa. Do 
mesmo modo, no romance A casa, de Natér-
cia Campos, além da antropomorfização 
da casa, que é a narradora-testemunha de 
muitas histórias que se passaram sob o seu 
teto, a morte também assume a forma de 
uma pessoa que surge inusitadamente quan-
do ocorre um suicídio por enforcamento em 
um dos quartos. No conto “O encontro recidi-
vo”, de Giselda Medeiros, os mortos dançam 
e pensam; nos enredos criados em “A capa 
de chuva”, de Sânzio de Azevedo e em “As 
SABATINA
CURSO literatura cearense 153
O conto “Quadros em movimento”, de 
Lourdinha Leite Barbosa, traz “os perso-
nagens” dos quadros afixados na parede 
do apartamento da narradora libertando-se 
e saindo, como em rebelião, cada um con-
tando a sua história de aprisionamento nas 
telas. Quando o leitor tende a racionalizaro 
acontecimento, atribuindo-o a um delírio da 
narradora que se confessa extremamente 
cansada, eis que ela desperta com a queda 
de um quadro e percebe que a tela está com-
pletamente branca, sem vestígio de tinta. 
Já no conto “O homenzinho que en-
trou numa tela”, de Rosemberg Cariry, 
ocorre uma situação inversa: um homem 
adentra uma tela e, logo que se integra à 
paisagem, numa sensação de bem-estar, 
descobre a presença de um leão feroz. No 
enredo de “Escadaria”, de Mônica Serra 
Silveira, a personagem entra no cenário 
de um desenho, depois retorna à realida-
de, como se o insólito fosse natural. 
Aldir Brasil Jr., em “O leopardo da ga-
leria Pedro Jorge”, apresenta-nos um narra-
dor que inicia o conto declarando “Escapou 
do Bom Jardim depois do sumiço da mãe 
e instalou-se para sempre nas paredes da 
cidade, feito colagem barata.” Após inusi-
tadas situações, o personagem desaparece 
sem que saibamos se era realmente homem 
ou bicho. Em “A última obra”, de Isa Maga-
lhães, é a leitora que entra na obra que está 
lendo, fundindo realidade e ficção.
A técnica da tentativa de racionalização 
do evento fantástico, de que falamos há pou-
co, própria do escritor consciente dos câ-
nones do gênero, está também presente na 
narrativa “Tugúrio”, de Carlos Vazconcelos. 
Quando o(a) leitor pensa que tudo o que o 
personagem viveu foi apenas um pesadelo, 
o narrador o arrebata com a informação: “O 
ambiente agora era úmido e fétido. Verificou 
as palmas das mãos com olhos abismados. 
Mal podia acreditar. Teve visões difusas do 
seu inferno. Mas ainda não era hora de pur-
gar a alma. Só quando voltou a si definitiva-
mente é que foi recordando... aos poucos... 
E compreendeu, com assombro, que o pesa-
delo estava apenas começando.” 
No universo fantástico, tudo é perfeita-
mente possível: unhas que surgem durante 
a noite (“Unhas”, de Ana Miranda); ondas que 
aparecem repentinamente e invadem a cida-
de (“A onda”, de Adriano Espínola); a moça 
que tem gatos dentro de si (“A menina que 
tinha gatos dentro de si”, de Carmélia Ara-
gão); uma cidade estranha, dominada pelos 
dragões, que remete a uma alegoria (que não 
se concretiza) da impossibilidade de se viver 
nas metrópoles atualmente (“Os quatro dra-
gões azuis”, de Dimas Carvalho); o jogo de 
dama ativo mesmo após anos da morte de 
seu dono, que o movimenta durante a noite, 
seguindo o ritual de quando estava vivo (“O 
jogo de damas”, de Pedro Salgueiro). No tex-
to de Jorge Pieiro, “O bicado Oreblas”, o que 
ocorre no sonho do personagem se torna rea-
lidade quando ele acorda, como se o mundo 
onírico e o real tivessem feito um pacto.
O insondável mistério da morte permite 
muitas experiências estéticas e inspira a cria-
ção de universos que transcendem a razão. No 
irônico “Pequeno interlúdio para o desespero”, 
de Airton Monte, a personagem parece ter 
passado a vida a aprender a cozinhar para os 
seus familiares, pois, quando atinge o seu ob-
jetivo e os procura para se sentarem à mesa, 
todos viraram peças de pedra ou de cera, mas 
a descontinuidade do tempo permite que ela 
não o perceba. Em “Folhas caídas”, de Nilze 
Costa e Silva, a vida da personagem depende 
da vida da planta; quando o vegetal murcha, a 
moça sabe que é hora de partir. No conto de 
Silas Falcão, “O celular”, o protagonista, após 
retornar de um enterro, recebe a ligação da 
pessoa morta. Já em “O sobrevivente”, de Tér-
cia Montenegro, são “as nuvens ruins do céu” 
o elemento desencadeador de uma maldição.
Acontecimentos inusitados se desdobram 
nos enredos, tornando possível o que parece 
absurdo. Nilto Maciel, em “As contas de Seti-
don”, metamorfoseia um rosário na figura de 
um estranho homem: “[...] o rosário não para-
va de se mover, arrastava-se pelo chão como 
um réptil, dando voltas ao redor da mesa e 
de nós. E só então compreendemos a verda-
deira natureza das contas. Não, não se tratava 
de um rosário de contas, de um objeto, mas 
de um ser vivo”. Raymundo Netto, no conto 
“Anúncio”, cria um personagem que, no de-
correr dos fatos, inquieta-se com os olhares e 
as atenções que atrai. Só ao final revela-se o 
mistério: “Foi ao banheiro, torceu para que a 
cunhada ali não estivesse, e encostou-se à pia. 
Então, ali teve a conclusiva revelação: ante o 
armário do banheiro, percebeu que, em vez de 
sua costumeira face, havia um espelho!”.
Se os fantasmas “alvacentos e aterrori-
zantes” eram os instauradores do insólito 
nos primeiros contos fantásticos, fazendo 
jus a uma era de crendices em visagens e 
espectros, no nosso tempo, o extranatural 
pode ser apenas a desagregação do real, 
e os motivos se atualizam para traduzir o 
medo de um novo tempo: uma planta, os 
pés inchados, um relógio, ou “humanóides 
planando sobre discos metálicos”. São mui-
tos os contistas cearenses que enveredam 
pelo insólito. Alguns de modo mais tradi-
cional, instaurando um clima desagregador 
e o medo; outros naturalizam o extrana-
tural, trazem-no para a rotina do persona-
gem sem a instauração do pavor, embora 
colocando o(a) leitor(a) diante de fatos que 
fogem da lógica referencial.
154 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
6.
O FANTÁSTICO NO ROMANCE 
MODERNO E CONTEMPORÂNEO
ambém orientando-me pe-
-la coletânea O cravo roxo 
do diabo: o conto fantástico 
no Ceará, apesar do título 
se referir ao gênero conto, 
registram-se 17 romances 
escritos por cearenses com, 
pelo menos, alguma inter-
venção de fantástico. 
O primeiro, A casa as-
sombrada, de Bezerra de Menezes. Como 
o próprio título prenuncia, traz a inserção 
do sobrenatural, a presença de barulhos 
estranhos e mesmo uma assombração 
corporificada, capaz de interagir com os 
vivos para horrorizá-los: “De repente, foi 
a atenção de um e de outro atraída para 
a aparição de um terceiro, embuçado em 
um capote escocês, que se acocorou ao 
pé de Manoel e pôs sobre as brasas a sua 
espetada. Esta, em vez de ser de carne, era 
um sapo enorme, cuja gordura derretia-
-se e pingava nas brasas, que crepitavam 
sinistramente. Os dois olharam-se como 
quem dizia: temos obra. O intruso, mudo 
e impassível, virava o sapo, ora de barriga 
para cima, ora de costas, e, por fazer ob-
séquio a quem lhe fornecera as brasas, 
levava-o acima da espetada vizinha para 
untá-la com a gordura que escorria do bi-
cho.” O fantástico se realiza de forma tra-
dicional, tanto pelo espaço, como pelo 
clima soturno que se estabelece, quanto 
pelo motivo que conduz o enredo.
Carlos Emílio Corrêa Lima é um dos 
autores mais fiéis ao gênero, publicando 
quase que exclusivamente o fantástico, sen-
do o único cearense a figurar na citada anto-
logia Páginas de sombra: contos fantásticos 
brasileiros (2003), organizada por Bráulio 
Tavares. Na obra, o conto “Luvibórix”.
Baseamo-nos, a princípio, na publicação 
O cravo roxo do diabo, que selecionou tex-
tos com características do fantástico de um 
grande número de ficcionistas. Muitos, como 
podemos observar, passaram pelo fantásti-
co, mas não é com ele que se destacam em 
sua obra. Outros autores contemporâneos 
o experimentaram, com maior ou menor 
frequência, como Ricardo Kelmer, Inez Fi-
gueredo, Maria Thereza Leite, Regine Li-
maverde, Valdemir Mourão, Jesus Irajacy 
Costa, Túlio Monteiro, Robson Ramos, 
Paula Izabela, Leo Mackellene, Natércia 
Pontes, Carlos Gildemar Pontes, Beatriz 
Alcântara, Durval Aires Filho, Claudio 
Portella, Vicente Jr. (também pesquisador 
do gênero entre nós), Sérgio Telles, entre 
tantos que utilizam ou utilizaram um dia o 
insólito como fonte de inspiração.
CURSO literatura cearense 155
Em O reino de Kiato (1922), de autoria de 
Rodolfo Teófilo e publicado pela editora de 
Monteiro Lobato, não há a presença de as-
sombrações, mas de elementos que a carac-
terizam como ficção científica e de elemen-
tos que subvertem a normalidade, como 
a flor esquisita e curiosa, que “Tinha corola 
de um sem-número de pétalas azul ferrete, 
quase negro, como que brunidas, com refle-
xos metálicos, e no centro os órgãos de re-
produção, alvoscomo arminho; engastava-
-se num pedúnculo curto, envolvida num 
ambiente delicado e sutil perfume bem 
como a uma crisálida, uma joia que resplen-
dia aos raios do sol”, vista pelo dr. John King 
Paterson, ao chegar em Kiato, cidade que 
causava estranheza pela soberania “de sua 
liberdade depois de mais de um século de 
reação contra os usos e costumes resultan-
tes da intoxicação alcoólica e sifilítica”. 
A casa assombrada, ou o casarão, ou 
simplesmente a casa, são espaços e mo-
tivos de várias narrativas presentes nesta 
coletânea. Na obra de Natércia Campos, a 
casa é a personagem protagonista e a narra-
dora de fatos que atravessam gerações. Em 
O mundo de Flora, de Angela Gutiérrez, há 
um casarão onde se ouve a voz dos mortos. 
Em Leão de Ouro, de Natalício Barroso, há 
até a observação: “não há casa antiga que 
não tenha seu fantasma”, já que os mor-
tos arrastam chinelos, desarrumam coisas 
e acendem velas. Em Coração de areia, 
da excelente poetisa Marly Vasconcelos, 
também são os mortos os autores dos fe-
nômenos, pois se manifestam e exercem in-
fluência na vida dos vivos através dos seus 
retratos. No enredo de Busca, romance de 
Teoberto Landim, igualmente há uma casa 
mal-assombrada, onde, durante a noite, 
estilhaçam-se garrafas no chão. Seja com 
um leitmotiv futurista, como disco-voador; 
inusitado, como cabeças de deuses que dão 
orientações para a vida; ou tradicional como 
a visão de almas, o ouvir de vozes, a petrifi-
cação de uma moça durante a missa ou o re-
voar de morcegos presos em gaiolas, apari-
ção de serpentes ou abutres, transformando 
o clima de toda uma região, as narrativas 
se constroem por meio de fenômenos 
inexplicáveis pelas leis da razão.
Em Os verdes abutres da colina, de José 
Alcides Pinto, um de nossos maiores re-
presentantes do gênero fantástico, lou-
cura e maldição se fundem, criando um uni-
verso completamente surreal, absurdo. A 
lógica dos fatos é subvertida pela presença 
de uma maldição em todo o Alto dos Angi-
cos, região fundada pelo coronel Antônio 
José Nunes, o garanhão luso que naufra-
gou naquelas terras e a povoou unindo-se 
a uma índia. Ele multiplica a população ao 
relacionar-se com várias mulheres ao mes-
mo tempo, inclusive com suas filhas. Assim, 
seus netos são também seus filhos. Os ver-
des abutres anunciam o fim de tudo, trans-
formam toda a atmosfera, mesmo com a 
crença do povo no poder do demônio preso 
numa garrafa. Não necessariamente o even-
to instaurador do insólito percorrerá toda 
a obra romanesca, desde que encenado, 
em qualquer passagem, dará a ela a ca-
racterização do gênero de que ora tra-
tamos, o que não negará, se existente, 
a presença do estranho, do maravi-
lhoso, do macabro ou do surreal.
O historiador Francijési Firmino, em Pa-
lavras da maldição (2008), nos descreve um 
pouco da ambientação fantástica do autor:
Ceará, um vale místico, de lendas e as-
sombrações, lugar do fantástico, dos seres 
mitológicos, de dragões, duendes, abutres 
verdes, demônios; da natureza, o rincão 
das histórias infantis, dos contos de fada, 
da imaginação que corria solta das amarras 
realistas, um universo de lógicas repartidas 
do Ocidente, espaço fabuloso; um território 
sertanejo, manicomial, extensão de Sodo-
ma, Gomorra, das terras diluvianas; pedaço 
onde se vive entre promontórios, aluviões, 
apocalipses, desertos, secas, cataclismos, 
espaço de cegos, de homem bestializado 
pela preguiça e a inutilidade. Assim José 
Alcides Pinto imaginava a sua terra natal. 
Não era de se estranhar, entretanto, que 
sua leitura sobre a chegada da moderniza-
ção no Ceará, as mudanças do catolicismo 
sucedâneas ao Concílio do Vaticano II e a 
sensação da crise das simbologias do ser-
tão atemorizavam José Alcides ante a pos-
sibilidade de o lugar perder a sua tendência 
ao fantástico. (FIRMINO, 2008, p. 97)
156 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
SABATINA
7.
POEMAS 
FANTÁSTICOS?
s teóricos do gênero não 
citaram, em nenhum de 
seus estudos, textos em 
versos para ilustrar carac-
terísticas do fantástico, tão 
somente mostraram a sua 
configuração em compo-
sições narrativas como o 
conto e o romance. 
A despeito dessa desconsideração pela 
presença do gênero em versos, um dos pri-
meiros textos que incorporaram elementos 
como gigantes, deuses e intervenções so-
brenaturais na literatura foi o “Poema de 
Gilgamesh”, composição suméria de 2000 
a. C, a que se seguiram as epopeias Ilíada e 
Odisseia, de Homero, todos, como é natural 
do épico, versos narrativos com forte inser-
ção no extranatural. Já na Idade Média, apa-
receu, na Índia, o Mahabharata, poema que 
narra acontecimentos históricos que têm, 
nitidamente, a intervenção do mitológico. 
Especificamente no Ceará, tais manifes-
tações se deram, inicialmente, na poesia do 
patriarca Juvenal Galeno, do poeta Bar-
bosa de Freitas, dos romancistas Bezer-
ra de Menezes, Rodolfo Teófilo e Emília 
Freitas, bem como em contos e poemas de 
Antônio Sales, percorrendo as correntes 
estéticas que se seguiram e se sobressaindo 
em gêneros textuais variados.
Tomando o fantástico na acepção de 
fantasia ou encenação de evento trans-
gressor da normalidade, em O cravo roxo 
do diabo, o organizador decidiu incluir po-
emas em que transparecem imaginações 
delirantes ou evocam criaturas que subver-
tem fatos naturais, como bruxas, duendes, 
gnomos, feiticeiras, morcegos, sereias, sata-
nás. Compreendendo-o, em sua concepção 
A Machadada (1860), de Juvenal 
Galeno, a primeira obra literária 
impressa no Ceará, conforme afirma 
Raymundo Netto, traz o subtítulo 
“poema fantástico”. A história se passa 
na lua, durante uma marcha, uma 
aposta entre os deuses do Olimpo e do 
Parnaso, com direito à participação de 
Marte, Júpiter, Apolo, Cupido, Plutão, 
Vênus, Pégaso... e da Guarda Nacional.
CURSO literatura cearense 157
MALACA 
CHETAS
primeira, como instauradores do mal, os 
versos são abundantes em palavras como: 
treva, morte fúnebre, lúgubre, sombrio, 
tormento, fantasma, mistério, vulto, pânta-
no, assombração, medo, maldição, alma, 
soturno, visagem, espectro, pavor, horror, 
presságio, entre outras pertencentes a um 
campo semântico muito semelhante. 
O ponto alto da compilação está nos po-
emas narrativos, dos quais se podem desta-
car “Excertos de Brosogó, Militão e o Diabo”, 
de Patativa do Assaré, em que Brosogó 
acende vela para o diabo e o encontra, na 
vida real, como seu defensor. Também em 
“O vestido que verteu sangue”, de Oswald 
Barroso, conta-se a história de Maria Sinhá, 
cujo vestido verteu sangue, como anuncia 
o título, em “Saiona, a mulher dos olhos de 
fogo”, de Rouxinol do Rinaré, cujo título já 
anuncia a desordem do real. 
8.
SOBRE 
A COLETÂNEA 
O CRAVO ROXO 
DO DIABO
antologia O cravo roxo do 
diabo: o conto fantástico 
no Ceará é uma referência 
para as narrativas do gê-
nero produzidas no estado 
por cearenses e por outros 
radicados no estado. Como 
vemos, nela não se levaram 
em consideração os crité-
rios de ser ou não escri-
tor cearense expostos em nosso primeiro 
módulo. Assim, por exemplo, Tomás Lopes, 
que nasceu em Fortaleza, mas teve a sua 
produção literária no Rio de Janeiro, teve 
seu lugar nesta antologia.
Aqui nós falamos em poemas fantásticos. 
Mas será que podemos mesmo dizer 
que um poema pode ser fantástico? 
O pesquisador Vicente Jr nos alerta 
“[...] Para autores como Todorov e Vax, 
por exemplo, o fantástico não existe 
na poesia, pois seria construído e, ao 
mesmo tempo destruído, pelo poder 
subjetivo das metáforas, postura bastante 
coerente, pois quando um eu-lírico ( que 
é bem diferente de narrador) disser num 
poema ‘No dia em que te vi, meu coração 
parou de bater e hoje tudo o que faço é 
vagar ao teu encontro’, não podemos crer 
que esteja morto e que esta seja uma 
‘história de fantasmas’, mas, apenas uma 
expressão hiperbólica de sua paixão”. 
Cabe a você, cursista, caso se interesse 
pelo tema, pesquisar, estudar e 
defender o seu argumento.
A pesquisa e a organização, quedurou 
quase cinco anos, reúne textos fantásticos 
– ou que margeiam as suas características 
– escritos no Ceará, catalogados pelo es-
critor Pedro Salgueiro, e que contou com 
alguns nomes da nossa literatura para a 
efetivação da pesquisa histórica e a execu-
ção do audacioso projeto: Sânzio de Aze-
vedo, Alves de Aquino (“O Poeta de Meia-
-Tigela”), Carlos Vazconcelos e Raymundo 
Netto (também responsável pelo projeto 
gráfico, ilustrações e capa). 
158 FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA | UNIVERSIDADE ABERTA DO NORDESTE
BOLACHINHAS
Tomás Lopes é autor, ao lado de 
Alberto Nepomuceno, do Hino do 
Estado do Ceará.
O volume apresenta mais de 170 contos 
selecionados, 17 capítulos de romances 
(fragmentos) e 60 poemas, compondo, as-
sim, um panorama amplo do texto fantásti-
co cearense produzido entre os séculos XIX 
e XXI. Embora focalizem o extranatural 
por procedimentos estéticos diferen-
tes, todos os textos se inserem no que se 
denomina, hoje, literatura fantástica, numa 
acepção ampla do gênero, tomando-o, 
pois, como histórias de mistérios que con-
frontam o racional e o irracional. 
CONSIDERAÇÕES 
FINAIS
Seja no conto, no romance ou na poesia, os 
fenômenos sobrenaturais e o insólito são 
fontes de inspiração perenes para os escri-
tores cearenses. 
A desagregação da lógica, a subversão 
do que chamamos de normalidade, se dá, 
sobretudo, pelo insondável mistério da 
morte, que predispõe a inquietação e a in-
ventividade dos que sondam seu enigma. 
A metamorfose, a aparição dos mortos, a 
presença de seres sobrenaturais ou pro-
vidos de poderes inusitados colocam o(a) 
leitor(a) diante de um universo em que ab-
solutamente tudo é possível. 
Na contemporaneidade, o gênero fantás-
tico permanece, embora com seus cânones 
revisados. Outro fato a se ressaltar é que a pro-
dução da nossa literatura está em constante 
busca do universal. Ultrapassou, há muito, as 
fronteiras do regional e pode se afirmar, quali-
tativamente, em qualquer contexto. 
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una tipología de la Literatura Fantástica 
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Fortaleza: Expressão Gráfica Editora, 
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TODOROV, Tzvetan. Introdução à 
Literatura Fantástica. São Paulo: 
Perspectiva, 1980.
CURSO literatura cearense 159
AUTORA
Aíla Sampaio
É graduada em Letras com especialização em Língua 
Portuguesa pela Universidade Estadual do Ceará 
(Uece), com mestrado em Letras e doutorado em 
Literatura Comparada (Literatura e Cinema) pela 
Universidade Federal do Ceará (UFC). É professora 
da Universidade de Fortaleza (Unifor), onde também 
atuou como coordenadora do curso de Letras. É 
escritora, crítica literária e integra a Academia de 
Letras e Artes do Nordeste (Alane). Entre suas obras, 
os ensaios Os fantásticos mistérios de Lygia e Literatura 
no Ceará. Publica ensaios e artigos em revistas 
especializadas, blogs e jornais do país.
ILUSTRADOR
Carlus Campos 
Artista gráfico, pintor e gravador, começou a carreira 
em 1987 como ilustrador no jornal O POVO. Na 
construção do seu trabalho, aborda várias técnicas 
como: xilogravura, pintura, infogravura, aquarelas 
e desenho. Ilustrou revistas nacionais importantes 
como a Caros Amigos e a Bravo. Dentro da produção 
gráfica ganhou prêmios em salões de Recife, 
São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
Realização
Apoio
Patrocínio
FUNDAÇÃO DEMÓCRITO ROCHA (FDR)
João Dummar Neto Presidente
André Avelino de Azevedo Diretor Administrativo-Financeiro
Marcos Tardin Gerente Geral
Raymundo Netto Gerente Editorial e de Projetos
Aurelino Freitas, Emanuela Fernandes 
e Fabrícia Góis Analistas de Projetos
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Joel Bruno Designer Educacional
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Luísa Duavy Produtora
ISBN: 978-65-86094-22-0 (Coleção)
ISBN: 978-65-86094-20-6 (Fascículo 10)
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