Buscar

Estagio supervisionado e praticas educativas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 169 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 169 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 169 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

1
Estágio Supervisionado
e Práticas Educativas:
Diálogos interdisciplinares
Adair Vieira Gonçalves
Alexandra Santos Pinheiro
Maria Eduarda Ferro
(organizadores)
Sumário
Prefácio 05
Apresentação 09
PRIMEIRA PARTE
Estágio: do labirinto aos frágeis Fios de Ariadne
Roseli A. Cação Fontana 19
Por uma docência babélica:
o cuidado de si na formação
de professores de biologia
Silvia Nogueira Chaves 33
Pressupostos Bachelardianos na sala de aula
Sérgio Choiti Yamazaki &
Regiani Magalhães de Oliveira Yamazaki 51
SEGUNDA PARTE
Formando professores de história a partir da prática
Antônio Dari Ramos & Eliazar João da Silva 79
O ensino em artes e a formação reflexiva:
olhares sobre a formação docente
Roberta Puccetti Polízio Bueno 101
Tecnologias e educação:
reflexões a formação de professores
Lucélio Ferreira Simião, Maria Eduarda Ferro &
Aline Maria de Medeiros Reali 125
TERCEIRA PARTE
Parcerias no desenvolvimento profissional do professor:
espaços de (re)significação para o Estágio Supervisionado
Vera Lúcia Lopes Cristóvão 145
5
Prefácio
POR UM CAMPO DE INVESTIGAÇÃO
INTERDISCIPLINAR PRÓPRIO
PARA OS ESTÁGIOS SUPERVISIONADOS
DAS LICENCIATURAS
A produção científica brasileira vem crescendo de forma bastante 
significativa nos últimos anos. Acompanhando esse crescimento, temos a sa-
tisfação de apresentar este livro sobre estágio supervisionado, em diferentes 
cursos de licenciatura. A satisfação se justifica pelo privilégio de desfrutar, em 
primeiríssima mão, da leitura de textos significativos para a formação inicial 
de professores e pela honrosa função exercida ao apresentarmos uma obra 
inovadora aos inúmeros leitores interessados no assunto focalizado.
Ao problematizar diferentes situações de conflito e tensão, seja na prá-
tica de observação ou de regência de aulas de professores em formação inicial, 
conforme configuração usual dos estágios nas licenciaturas, este livro se dife-
rencia da literatura especializada já existente sobre o assunto. Muda-se aqui o 
foco das normativas sobre estágios supervisionados e das concepções dessas 
disciplinas originárias dos referidos documentos, conforme característico das 
obras produzidas sobre as disciplinas por profissionais da pedagogia, no cam-
po de investigação da ciência da educação. Essas obras inquestionavelmente 
possuem o próprio mérito.
Este livro reúne a produção científica de profissionais inseridos em di-
ferentes campos de estudo que perpassam os cursos de licenciatura. São resul-
tados da experiência profissional de docentes responsáveis por disciplinas de 
estágio nas licenciaturas em artes, biologia, física, geografia, história, língua 
Estágio Supervisionado - diálogos possíveis
entre a instância formadora e a escola
Maria Ângela Paulino Teixeira Lopes 159
Desafios do Estágio Supervisionado
numa licenciatura dupla: flagrando demandas e conflitos
Wagner Rodrigues Silva & Selma Maria Abdalla Dias Barbosa 181
Estágio Supervisionado em letras:
teoria e prática nos documentos de estágio
Adair Vieira Gonçalves & Alexandra Santos Pinheiro 209
Estágio supervisionado na gestão e na docência
em pedagogia: inquietações e mudanças ao compasso
da legislação e da sensibilidade 
Maria Alice de Miranda Aranda &
Maria José de Oliveira Nascimento 231
O estágio supervisionado na formação do professor
em geografia
Flaviana Gasparotti Nunes & Sedeval Nardoque 257
O estágio supervisionado em prática de ensino de ciências 
e biologia: (des)construção de imagens do ser professor? 
Lenice Heloísa de Arruda Silva,
Roque Ismael da Costa Güillich & Fernando César Ferreira 277
A formação pela pesquisa:
o estágio como espaço de construção dos saberes
Nyuara Araújo da Silva Mesquita &
Márlon Herbert Flora Barbosa Soares 293
Reflexões e percepções sobre a prática docente
dos professores de química do ensino médio
da região de Dourados
Antonio Rogério Fiorucci, Claudia Andréa Lima Cardoso
& Edemar Benedetti Filho 309
6 7
estrangeira, língua portuguesa, pedagogia e química. Assumindo o risco de 
compor um grande mosaico disforme, os organizadores deste volume foram 
felizes ao apresentar um significativo panorama das demandas emergentes na 
formação inicial do professores em diferentes licenciaturas. 
 A organização desses textos de origem diversa permite-nos depreen-
der demandas convergentes na formação inicial de professores em diferentes 
licenciaturas. A antiga demanda pela articulação entre abordagens teóricas e 
práticas profissionais permanece, o que é um reflexo do diálogo ainda pouco 
estreito entre a escola de educação básica e as instituições de ensino superior. 
A formação de professores críticos, capazes de refletir sobre a própria atuação 
profissional, está condicionada à referida articulação. A teoria de referência 
precisa orientar as atividades didáticas em contextos de instrução.
Outras demandas para os cursos de licenciatura, dentre as diversas fo-
calizadas, correspondem à formação de professores capazes de orientar ativi-
dades didáticas de leitura e escrita, bem como de utilizar novas tecnologias da 
informação e comunicação como instrumentos de mediação na aprendiza-
gem do aluno da educação básica. Este livro mostra ainda que, muitas vezes, 
nem mesmo os professores em formação inicial demonstram familiaridade 
com as práticas de leitura e escrita, o que nos revela a necessidade de as licen-
ciaturas se responsabilizarem também pela formação de profissionais capazes 
de trabalharem com as referidas práticas de linguagem, não se restringindo às 
Licenciaturas em Letras, conforme normalmente é proposto.
A partir dos breves comentários aqui apresentados sobre as demandas 
na formação inicial de professores, deixamos para o leitor o seguinte ques-
tionamento a ser respondido com maior segurança a partir do significativo 
passeio ao longo das páginas deste livro: seriam as disciplinas de estágio su-
pervisionado exclusivamente responsáveis por essa situação desestabilizadora 
na formação profissional do professor? Conforme é do nosso conhecimento, 
esse questionamento se justifica por essas disciplinas frequentemente serem 
caracterizadas como um espaço de conflito e de tensão, na formação inicial 
de professores. 
No exercício da docência do ensino superior, em disciplinas de estágio 
supervisionado, surpreendemo-nos ironicamente com a pouca familiaridade 
dos professores em formação inicial com as salas de aula da educação básica. 
Ao ingressarem nas licenciaturas, esses professores em formação parecem ig-
norar os inúmeros anos de frequência à escola. Surpresa maior, justificando 
aí a referida ironia, é a prática de ensino ser desconsiderada nas disciplinas de 
fundamento, as denominadas disciplinas teóricas, e, até mesmo, nas discipli-
nas pedagógicas, em cursos de licenciatura. Portanto, parece improcedente 
atribuir os insignificantes resultados, na formação inicial de professores, ao 
trabalho pedagógico desenvolvido nos estágios supervisionados.
Conforme esclarecido nas páginas deste livro, os estágios supervisio-
nados demandam articulação entre teorias acadêmicas e práticas pedagógicas. 
O campo de estágio inviabiliza que essa articulação continue sendo protela-
da, conforme é comum acontecer ao longo das licenciaturas. Nos estágios, 
impreterivelmente, é chegado o momento de articulação entre diferentes 
saberes docentes, responsáveis pela orientação da ação profissional. A mobili-
zação de saberes acadêmicos em resposta às demandas da prática pedagógica 
produz os saberes da experiência, principais orientadores da ação realizada 
pelos professores em serviço.
A abordagem interdisciplinar que informa este livro é resultado da 
mobilização de saberes de diferentes áreas pelos autores dos capítulos reuni-
dos, em especial originários do vasto campo de estudos da ciência da educa-
ção. É expressivo aqui o número de textos produzidos em co-autoria, o que 
é sintomático da prática cooperativa de construção do conhecimento cientí-
fico, numa abordagem teórico-metodológica descomprometida coma frag-
mentação dos saberes ou disciplinarização. 
Enquanto leitores desta obra, somos convidados a participar dos di-
álogos interdisciplinares instaurados no interior de cada capítulo, como re-
sultado da mobilização de saberes específicos de cada licenciatura e de outras 
disciplinas de referência, como educação, filosofia, linguística e sociologia, 
8 9
todas com diversas abordagens teórico-metodológicas que lhes são inerentes. 
O diálogo é enriquecido ainda mais quando temos a oportunidade de estabe-
lecer comparações entre as questões de ensino tematizadas nos diferentes ca-
pítulos. Nesse momento, conforme destacamos anteriormente, percebemos a 
convergência das inúmeras demandas na formação inicial de professores.
Não querendo nos alongar nesta apresentação, caso contrário, arris-
camo-nos ainda mais em interferir excessivamente nas leituras que serão rea-
lizadas deste livro. Apenas acrescentamos que inúmeros foram os questiona-
mentos provocados a partir da leitura desta obra. Foram provocações sobre o 
trabalho de formação de professores e os desdobramentos emergentes para a 
educação básica. Excitar a formulação de questões parece-nos bastante pro-
dutivo, pois significa que o conhecimento está em constante deslocamento 
ou construção.
Os questionamentos nos sobrevieram juntamente com algumas res-
postas, das quais, para finalizar a apresentação deste livro, destacamos o for-
talecimento da nossa desconfiança de que as pesquisas científicas sobre os es-
tágios supervisionados das licenciaturas estariam provocando o surgimento 
de um campo de investigação interdisciplinar próprio desses estágios. Nesse 
sentido, finalizamos nossas considerações aqui com uma pergunta que nos 
acompanha há algum tempo, a qual é uma paráfrase do título atribuído à 
apresentação deste livro: as pesquisas científicas sobre estágios supervisiona-
dos das licenciaturas estariam se configurando como um campo próprio de 
investigações interdisciplinares? Acreditamos que a leitura deste livro permi-
tirá aos inúmeros leitores nos auxiliar na tentativa de encontrar alguma res-
posta para a pergunta apresentada, caso já estejamos num momento propício 
para essa empreitada. 
Wagner Rodrigues Silva (UFT/CNPq)
Universidade Federal do Tocantins,
Campus Universitário de Araguaína,
27 de junho de 2010.
Apresentação
O livro que ora apresentamos à comunidade escolar e científica é re-
sultado da preparação do I Seminário Nacional de Estágio Supervisionado: 
diálogos entre licenciaturas e II Fórum de Licenciaturas da UEMS, em se-
tembro de 2009. Os textos reunidos aqui resultam de pesquisas de docentes 
da Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD, da Universidade 
Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS, além de trabalhos dos docentes 
convidados do evento. 
Correndo o risco de sermos redutores e de fazermos um mosaico dis-
forme, o livro apresenta uma unidade dentro da variedade: o Estágio Supervi-
sionado e as práticas de ensino, nas mais distintas licenciaturas. Assim, temos 
discussões acerca do Estágio como preparação profissional do estudante e a 
consequente relação deste com o professor que o recebe nas escolas de En-
sino Fundamental e Médio; discussões acerca das associações entre a insti-
tuição formadora e escolas, destacando a necessidade de uma parceria forte 
no trabalho educacional, seja por meio dos NAPs – Núcleo de Assessoria 
Pedagógica para o Ensino de Línguas, seja por meio dos Centros de Recursos 
para o ensino/aprendizagem de língua Inglesa (CREALI), seja por meio da 
formação continuada e/ou projetos de extensão. 
Outros capítulos discutem o estágio (de observação, de semirregên-
cia e de regência) como atividade que permite o contato com a realidade e 
favorece a reflexão teórica. Outros ainda discutem as práticas de ensino e a 
formação docente e as prescrições de documentos de estágio, incidindo na 
formação docente. 
Trouxemos a experiência da pesquisadora Ivani Fazenda (1991) na 
licenciatura em Pedagogia, para o debate sobre o Estágio. A partir do rela-
10 11
to de uma pesquisa-ação, a autora mostra possíveis alternativas para superar 
os desafios dos estágios supervisionados nos cursos de licenciatura. Fazenda 
caracteriza a trajetória escolar dos acadêmicos de licenciatura como “estados 
de hibernação”, porque poucas vezes é-lhes possibilitado refletir sobre o con-
teúdo. Em geral, apenas copiam fragmentos quando uma pesquisa, ao longo 
dos ensinos Fundamental e Médio, é-lhes recomendada.
A denominação adotada por Ivani Fazenda (1991) levou-nos a inves-
tigar a concepção de pesquisa para Pedro Demo (1999), autor chave para 
a reflexão teórico-metodológica da pesquisa. De acordo com Demo, o pro-
fessor dos ensinos Fundamental e Médio não se coloca como pesquisador 
porque, na universidade, foi “domesticado” (palavra do autor) a imitar. Para 
deixar de ser um reles ensinador (novamente adotamos a terminologia do 
autor), o professor necessitaria repensar sua atitude e aprender a ser pesqui-
sador. Ao tratar da prática do educador, Demo (1999) recomenda que ela (a 
prática) esteja pautada na teoria e que esta, por sua vez, seja confrontada com 
a realidade histórica. 
Acreditamos que às disciplinas de Práticas de Ensino e Estágio Super-
visionado (e aos supervisores) são delegadas a função de formar professores 
com conhecimento teórico para atuar no ensino, adotando uma prática coe-
rente com o referencial teórico e com a realidade social, econômica e históri-
ca do grupo que pretende formar.
É interessante tratar, também, da importância do professor-orienta-
dor de estágio. Segundo Bueno (2007, p.6), o papel do orientador de estágio 
deve ser o de “abrir caminhos para que os alunos se exponham, coloquem-se 
como professores para ajudá-los a compreender a dinâmica do trabalho que 
escolheu seguir, as visões construídas sobre os docentes pela sociedade e por 
nós mesmos, professores ou futuros professores”. Nós acrescentaríamos às re-
flexões da autora, que o papel do orientador de estágio é, também nas etapas 
finais da graduação, de quaisquer licenciaturas, o de fazer imbricar aspectos 
trabalhados nas disciplinas (equivocadamente) concebidas como puramen-
te teóricas nas disciplinas de Práticas de Ensino e Estágio Supervisionado, 
tidas (também equivocadamente) como disciplinas exclusivamente práticas 
dos cursos de formação de professores. Nosso papel é o de fazer emergir a 
teoria na prática e esta naquela. É preciso haver um retorno aos documentos 
oficiais, PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), PCNEM (Parâmetros 
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio), OCEM (Orientações Cur-
riculares para o Ensino Médio), entre outros, para verificação de como são 
prescritas as atividades para os futuros docentes e as ações que eles verão/
analisarão em sala de aula, na observação e na regência.
Da organização do volume:
A primeira parte de obra é composta por três capítulos cuja ênfase 
recai no questionamento de modelos e concepções arraigadas sobre o fazer-se 
professor com vistas a propor o estágio como oportunidade singular de cons-
tituição e autopercepção do sujeito docente. No capítulo de abertura Roseli 
Cação Fontana traz as reflexões sobre o processo de inserção do estagiário na 
escola, assumindo a chegada ao campo de estágio como um momento deli-
cado e decisivo na constituição da profissionalidade docente. O estágio nos 
é apresentado pela autora como instância formadora recíproca e intersubje-
tiva, momento singular de múltiplas aprendizagens: aprende-se com o outro 
(estagiário, formador, professor em formação) e também aprende-se muito 
sobre si mesmo. Na mesma direção, Silvia Nogueira Chaves compartilha com 
os leitores inquietações oriundas de sua vivência como formadora de profes-
sores e a experiência do recurso à produção autobiográfica como dispositivo 
pedagógico. Convida-os a refletir sobre o desafio da formação docente para 
além da racionalidade científica. Sérgio Choiti Yamazaki e Regiani Magalhães 
de Oliveira Yamazaki também questioname criticam modelos cristalizados 
de formação docente, no capítulo que apresentam os princípios da epistemo-
logia bachelardiana, que aproxima emoção e cognição, afeto e aprendizagem, 
12 13
para ressaltar os (frequentemente ignorados) aspectos subjetivos envoltos no 
processo de produção do conhecimento.
A segunda parte da obra reúne três capítulos de áreas distintas (His-
tória, Artes e Tecnologias), que se singularizam ao discutir e problematizar 
questões afetas às práticas educativas na formação docente. Antonio Dari 
Ramos e Eliazar João da Silva relatam o papel que a prática desempenha na 
formação docente na área de História. Apontam a necessidade de inseri-la 
nos cursos de formação de professores, chegando aos desdobramentos da le-
gislação atual e desembocando nos desafios impostos ao curso de História 
para sua adequação à legislação vigente. Roberta Pucetti ressalta a relevância 
das licenciaturas e da formação continuada como fundamento para profissio-
nalização docente, ancorada na unidade entre teoria e prática e na reflexão 
das metodologias ativas de aprendizagem, pressupostos para a consolidação 
da Arte como conhecimento e na sua valorização para a formação integral 
do cidadão. Preocupados com formas originais de ensinar e de aprender, de 
acesso à informação e de experimentação do conhecimento, Lucélio Ferreira 
Simião, Maria Eduarda Ferro e Aline Maria de Medeiros Reali discutem a 
importância das diferentes licenciaturas contemplarem o desenvolvimento 
de competências para o emprego significativo das Novas Tecnologias de In-
formação e Comunicação (NTICs) no exercício da docência. 
Nove capítulos compõem a terceira e última parte do volume. Nela 
são apresentadas e discutidas experiências de estágio supervisionado em 
diferentes cursos de licenciatura. Vera Lúcia Lopes Cristóvão analisa as ex-
periências de desenvolvimento profissional colaborativo entre os professo-
res da rede estadual de ensino, os professores universitários das disciplinas 
de prática de ensino de inglês e alunos-professores. Apresenta alguns desses 
espaços de ações coletivas e individuais voltados para o aprimoramento do 
trabalho educacional e a instalação de comunidades de prática (científicas 
e de trabalho) por meio de atuação em projetos de extensão. Maria Ângela 
Teixeira Paulino Lopes examina as práticas discursivas envolvidas no âmbito 
da disciplina Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa e Tópicos sobre 
Educação, em um curso de Letras de uma universidade privada. A autora pro-
cura refletir sobre as representações de estagiários e de professores de língua 
materna (Educação Básica) acerca do próprio agir e do lugar que esse profis-
sional do ensino ocupa na sociedade. 
Por meio da metodologia de análise documental, Wagner Rodrigues 
Silva e Selma Maria Abdalla Dias Barbosa investigam desafios internos e 
externos à prática pedagógica do estágio supervisionado numa licenciatura 
dupla em Letras, que por tal singularidade gera demandas diferenciadas na 
formação inicial do professor. A prática de ensino interdisciplinar é apresen-
tada como alternativa pedagógica para minimizar os desafios instaurados, 
normalmente provocados pelo trabalho docente isolado ou disciplinar e com 
pouca articulação entre aspectos teóricos e práticos. Adair Vieira Gonçalves 
e Alexandra Santos Pinheiro discutem, a partir do Interacionismo Sociodis-
cursivo (ISD) (BRONCKART, 2003), a formação inicial de professores. O 
capítulo analisa o Regulamento de estágio e o projeto de intervenção, comu-
mente solicitado a professores em formação inicial como requisito parcial 
para a conclusão da disciplina Estágio Supervisionado e, em decorrência, 
para a efetiva conclusão de curso.
O capítulo de Maria Alice de Miranda Aranda e Maria José de Oli-
veira Nascimento discute o Estágio Supervisionado do Curso de Pedagogia 
da Faculdade de Educação/UFGD à luz das prescrições legais, de orienta-
ções teóricas e de reflexões acerca das práticas que movimentam o processo 
educacional no limiar do século XXI. As autoras propõem a reflexão sobre 
o tema com vistas a caminhar em direção à educação almejada, começando 
por transformar as mudanças em ações concretas, ainda que pareçam peque-
nas. Flaviana Gasparotti Nunes e Sedeval Nardoque abordam questões rela-
cionadas ao estágio supervisionado em Geografia, levando em consideração 
tendências encontradas nos cursos de licenciatura. Propõem a construção de 
uma perspectiva de estágio que faça o diálogo entre a prática e a teoria.
14 15
Lenice Heloisa de Arruda Silva, Roque Ismael da Costa Güllich e Fer-
nando Cesar Ferreira abordam o papel da etapa de observação no Estágio 
Supervisionado em Prática de Ensino de Ciências e Biologia. Apresentam os 
limites dessa etapa na constituição docente dos licenciandos, ao centrar seu 
foco somente na figura do professor da escola, desconsiderando as condições 
sociais que permeiam a prática educativa. Nyuara Araújo da Silva Mesquita 
e Márlon Herbert Flora Barbosa Soares defendem a necessidade de superar 
a visão simplista do estágio como cumprimento das horas formais exigidas 
pela legislação. Relatam a experiência dessa superação pela inserção da pes-
quisa na formação inicial utilizando o momento do estágio supervisionado. 
Por fim, Antonio Rogério Fiorucci, Claudia Andréa Lima Cardoso e Edemar 
Benedetti Filho discorrem sobre o ensino de Química no Ensino Médio nas 
escolas da região de Dourados, mostrando as dificuldades enfrentadas pelos 
professores, além de apontar para uma questão pertinente: a importância de 
se repensar a formação inicial desses profissionais.
Os organizadores
AGRADECIMENTOS
Agradecemos a todos os autores - colaboradores desta obra que, em 
tempo recorde se dispuseram (re) escrever seus textos. Momento singular 
para a troca de experiências. Agradecemos a Layla Cristina Iapechino Souto, 
bolsista de Iniciação Científica do CNPq 2010/2011 pela revisão técnica. 
Agradecemos ao LALIC- Laboratório das Licenciaturas da UEMS, pelo fi-
nanciamento integral dessa publicação com recurso proveniente do Edital 
MEC/CAPES Nº 002/2008 – Programa de Consolidação das Licenciaturas 
– PRODOCÊNCIA. 
 
16 17
Primeira Parte 
18 19
ESTÁGIO - DO LABIRINTO
AOS FRÁGEIS FIOS DE ARIADNE
Roseli A. Cação Fontana 
Introdução – explicitando um ponto de vista
nas considerações sobre o estágio curricular. 
O estágio, como parte significativa da preparação profissional do estu-
dante, é uma atividade em que o aprendizado do processo de trabalho desen-
volve-se em duas condições de produção distintas e articuladas: a atividade 
da educação formal e a vivência de situações de trabalho. 
No caso da formação do professor, a educação formal ancora-se no 
ensino dos sistemas explicativos das ciências, da filosofia, da jurisprudência e 
das técnicas relativas à docência, apresentados na forma de saberes disciplina-
res sistematizados. A vivência de situações de trabalho, por sua vez, implica 
a inserção do estudante na dinâmica da escola e o exercício do papel de pro-
fessor. Nesta instância de aprendizado, o estudante apreende conhecimen-
tos que se elaboram, segundo Schwartz (2000), em estudos desenvolvidos 
sobre o trabalho como atividade humana, na negociação entre dois polos de 
exigências: o das normas antecedentes, que enquadram o trabalho docente 
como “trabalho prescrito”, e o da reconfiguração dessas normas na particula-
ridade das situações, como “trabalho real”, no qual cada professor recria o que 
estava supostamente antecipado (SCHWARTZ, 2000). Esses saberes, dife-
rentemente dos disciplinares, organizam-se de modo não linear, não siste-
matizado, estando ancorados nas histórias e situações concretas, e envolvem, 
notadamente, a dificuldade de traduzir, em palavras, a experiência. 
20
ESTÁGIO - Do labirinto aos frágeis fios de Ariadne
21
Dessa perspectiva, no estágio encontram-se e confrontam-se patrimô-
nios de conhecimentos e de valores distintos que, em sua relação, questio-
nam-se mutuamente produzindoo “desconforto intelectual”, conceito forja-
do por Schwartz (2000) para designar o sentimento de que o conhecimento 
sistematizado é defasado em relação à experiência e de que generalidades e 
modelos necessitam ser sempre reapreciados. 
O “desconforto intelectual” experimentado pelo estagiário afeta suas 
relações com o professor que o recebe e com seus formadores na Universida-
de, evidenciando que o estágio não é um problema exclusivamente pedagó-
gico, mas social e filosófico, necessitando considerar de outra maneira tanto 
a atividade de ensino do professor, quanto sua formação. E, nesse sentido, é 
reducionista a visão de que o estágio possibilitaria ao futuro professor expe-
rimentar-se naquilo que está estudando. O estudante passa, de fato, por essa 
experiência; entretanto é confrontado a muitas situações não estudadas. Nas 
salas de aula e em outros espaços da escola, ele vive episódios inesperados e 
vê-se diante de modos de ensinar e de conduzir as relações que evidenciam 
escolhas e julgamentos, por parte dos professores, que escapam aos modelos 
estudados. Muito mais do que experimentar-se naquilo que está estudando, 
o estágio é um momento em que se cotejam os papéis e responsabilidades 
respectivas dos estagiários, dos professores que recebem os estagiários e dos 
formadores na universidade. 
Trata-se, então, o estágio de uma atividade intersubjetiva que envol-
ve a proficiência, desconhecimentos e projetos dos estagiários e de seus for-
madores, na universidade e na escola básica. Nas relações instauradas pelo 
estágio, cada um dos sujeitos envolvidos tem sua “zona de cultura e incultu-
ra” (SCHWARTZ, 2001, p. 12). A aprendizagem dos saberes disciplinares 
é acompanhada de uma “zona de incultura”, relativa a tudo que a atividade 
do trabalho recria de saberes, de valores, de histórias particulares de que os 
professores em atuação nas escolas são portadores. Por sua vez, os saberes da 
experiência são acompanhados de uma “zona de incultura” relativa a sua con-
ceitualização e sistematização. 
No encontro entre o que se conhece e as “zonas de incultura” atuam 
“forças de convocação e de reconvocação”. Schwartz define os saberes disci-
plinares como “forças de convocação”, no sentido de buscarem trazer para 
o escopo de suas referências os eventos do estágio, neutralizando a história 
atual e local, dos homens e das atividades. Por sua vez, os saberes do traba-
lho são definidos como “forças de reconvocação” na medida em que testam, 
avaliam e invalidam, em parte, os conhecimentos disciplinares, quando os 
contrapõem ao universo de saberes da experiência. 
Nessas relações, nas dificuldades para trabalharem conjuntamente, 
todos os sujeitos envolvidos incorporam, a si, valores e práticas da docência, 
interiorizam tradições escolares, apropriam-se de modos de ação, de dizer e 
de valorar a docência, significando-os como adesão ou recusa, produzindo, 
nas réplicas ativas (BAKHTIN, 1986) ao vivido, sua experiência (THOMP-
SON, 1979). Nesse sentido, pode-se definir o estágio como uma instância 
de formação recíproca em que o outro (referindo-me à tríade – estagiário, 
formador, professor em atuação) é alguém com quem se vai aprender algo. 
Algo sobre o outro - o que ele faz, as especificidades da sua experiência - e, 
também, algo sobre si mesmo. 
Essa formação envolve as pressuposições sobre o outro, sobre o que 
faz e por que faz, sobre seus valores e como eles têm sido vividos, pressuposi-
ções acerca dos próprios saberes e projetos e as surpresas diante desse outro, 
que escapam às pressuposições, na medida em que a docência, como toda 
atividade de trabalho, envolve escolhas e julgamentos, tomadas de decisão em 
situações que, a despeito das determinações, escapam às prescrições. 
Schwartz refere-se às exigências de contemplar as normas anteceden-
tes e de recriá-las em função daquilo que se apresenta como novidade na situ-
ação imediata de trabalho como “uso dramático de si mesmo”. A apreensão e 
a compreensão do “uso dramático de si mesmo” só se tornam possíveis se não 
forem neutralizados os aspectos históricos da situação de trabalho em favor 
das pressuposições orientadas pelas explicações e modelos sistematizados. 
22
ESTÁGIO - Do labirinto aos frágeis fios de Ariadne
23
Ela só se torna possível quando se busca a “sempre-perseguida-embora-ina-
tingível-tentativa de adotar o ponto de vista do outro” (EUGÊNIO, 2003, p. 
209), em que se evidencia o próprio ponto de vista, uma clássica questão das 
ciências humanas. 
Os pressupostos assumidos por Schwartz na produção de conheci-
mentos sobre o trabalho aproximam-se das teses de Bakhtin (1986, 2003) e 
de Thompson (1979, 1981) acerca da apreensão do ponto de vista do outro 
e de sua experiência. Em seus campos específicos – o dos estudos da lingua-
gem e o da história - ambos apontam, a exemplo das análises de Schwartz, 
na direção da superação de análises abstratas e da aproximação das ações dos 
sujeitos e dos modos como significam essas ações a partir de lugares sociais 
específicos que ocupam.
1-Dialogia e experiência
Bakhtin assume a centralidade da linguagem na constituição dos co-
nhecimentos em circulação na vida social e focaliza a apreensão do ponto de 
vista do outro e de sua experiência como compreensão dialógica. 
O conceito de diálogo, em Bakhtin, supõe a tensão entre vozes sociais 
em disputa, que modulam os sentidos da linguagem, configurando a com-
preensão como uma réplica ativa às palavras dos outros. Produzindo-se no 
encontro/confronto entre essas palavras alheias e aquelas de que os sujeitos 
já se apropriaram e que os constituem, a compreensão é sempre uma partici-
pação no diálogo. Ela passa pelo reconhecimento dos significados e sentidos 
em jogo e vai além dele, implicando uma tomada de posição frente a eles – de 
adesão ou de recusa, de acordo ou desacordo, de divergência ou de conver-
gência, de conciliação ou de luta. 
Nesse sentido, não há significados intrínsecos aos conceitos sistemati-
zados que configuram o campo da formação docente, dos quais os estudantes 
apenas se apropriam. Do mesmo modo, não há um estudante genérico, nem 
relações de formação em abstrato. Os conceitos remetem às formações histó-
ricas em que se constituem e se sustentam, às coordenadas sociais, culturais e 
de subjetivação que atendem a necessidades práticas e a propósitos pragmá-
ticos específicos. A eles, os formadores e os estudantes concretos - síntese de 
relações sociais múltiplas e diversas - respondem ativamente, elaborando-os a 
partir das posições sociais que ocupam, tanto na relação de ensino (sua con-
dição imediata de produção) quanto nas muitas relações sociais em que se 
inscrevem e se constituem (relações de parentesco, de trabalho, de gênero, de 
grupo geracional, etc.). 
Nas relações intersubjetivas do processo de formação, os sentidos da 
docência e da escolarização produzem-se, reproduzem-se e transformam-
se e a linguagem, como princípio suposto de uma inteligibilidade comum, 
reconfigura-se como o lugar onde as dessemelhanças se revelam. Ou seja, os 
significados não são apenas refletidos pelos sujeitos, como as imagens em um 
espelho, mas também são refratados por eles, em sentidos múltiplos e con-
traditórios que remetem, como assinala Bakhtin, ao confronto de interesses 
sociais nos limites de uma só e mesma comunidade semiótica. 
Thompson aborda os processos de formação como formas de interio-
rização da experiência, através dos quais tradições culturais são apropriadas 
e significadas, remetendo à singularidade nas condições históricas comuns 
da existência. A experiência, como o conjunto das relações sociais vividas 
na cultura (THOMPSON, 1981), não se restringe ao âmbito das ideias, do 
pensamento e de seus procedimentos. Ela produz-se e singulariza-se como 
significação. Na sua raiz estão os signos, que constituem os diversos sistemas 
culturais que fazem parte da genética de todo o processo histórico, tais como 
os costumes, as regras visíveis e invisíveis de regulaçãosocial, hegemonia e 
deferência, formas simbólicas de dominação e de resistência, fé religiosa e im-
pulsos milenaristas, maneiras, leis, instituições, ideologias. Signos, que pro-
duzidos na relação com o outro, afetam os participantes das relações sociais, 
redimensionam e transformam a atividade humana, possibilitam a produção 
de sentidos, conforme assinala Bakhtin. 
24
ESTÁGIO - Do labirinto aos frágeis fios de Ariadne
25
Longe de essencializar as subjetividades, a experiência traduz uma 
busca por apreender indícios de seus processos de constituição - sem esca-
motear as ambiguidades neles envolvidas - em meio à participação dos indi-
víduos em diferentes grupos de pertencimento. Assim, no entrecruzamento 
das condições de produção da vivência imediata com as determinações mais 
amplas da história social, a experiência é vivida como sentimento, como nor-
mas, obrigações e reciprocidades, como valores. Ela é mediada pelas formas 
elaboradas da arte, das ciências ou das convicções religiosas. Nela o humano 
é concebido como ser inscrito na cultura e na história, não apenas como re-
produção, mas como participação, atualização e reinvenção dos modos de 
ser, sentir e pensar.
Segundo Thompson, a experiência define um lugar a partir do qual, na 
análise da realidade social, determinação e agência humana podem ser apre-
endidas em seus nexos relacionais. É na e pela experiência que os sujeitos se 
constituem, como indivíduos e como coletividades. Dessa perspectiva, a es-
trutura social é transmutada em processo, entendido como prática humana, e 
os sujeitos são reinseridos na história.
Um conceito fundamental às duas abordagens é o de significação. A 
linguagem é significação e não existe experiência sem significação. Experi-
ência e significação constroem-se dentro dos limites possíveis às relações so-
ciais e não são observáveis como dados objetivos. Sua apreensão e análise só 
são possíveis através das relações intersubjetivas instauradas e mediadas pela 
linguagem, nas quais o complexo processo de sua elaboração indicia-se em 
enunciados concretos. A compreensão e a interpretação desses enunciados 
realizam-se em ligação estreita com as condições de produção imediatas e 
mais amplas da situação social em que eles se materializam.
Assumindo a aproximação histórica dos sujeitos, proposta por essas 
referências teóricas, proponho-me, neste texto, a analisar o processo de in-
serção do estagiário na escola da perspectiva dos percursos da singularização 
da experiência nos processos de formação nas situações de trabalho e na edu-
cação formal. 
Embora esse momento e essas dimensões do estágio sejam pouco 
abordados, eles mostram-se fundamentais à formação, uma vez que é nessas 
relações e por meio delas que o estagiário observa de perto e de dentro as con-
dições sociais cotidianas de produção da docência, que as interpreta e delas 
participa em um exercício de caráter iniciático.
2-O recorte – o processo de inserção do estagiário
na escola.
A chegada ao campo de estágio é um momento delicado e decisivo, 
que implica dificuldades e idiossincrasias, na aproximação do estudante com 
o complexo de situações e de planos interativos constituídos pela diversidade 
entre as pessoas que compõem a escola, em termos de classe social, de gera-
ção, de gênero, dos papéis e lugares sociais por elas ocupados, na hierarquia 
da própria escola e do sistema de ensino Essas relações geram particularidades 
que fornecem uma identidade, uma referência a cada escola e também a seus 
protagonistas, remetendo a diferentes universos de significação e a tipos de 
interlocuções distintas que aproximam o estagiário das particularidades do 
trabalho docente. 
Assim, apesar de as escolas serem muito parecidas em sua organização 
e em termos das normas antecedentes que as regulam, as redes de relações 
tecidas entre os papéis que as constituem e as pessoas que os ocupam, consti-
tuem uma “zona de incultura” do estagiário. 
A diferença entre papel e lugar social é interessante para explicitar as 
particularidades da escola. O papel social de professor, por exemplo, é defini-
do de acordo com referências e normas estáveis que permitem seu reconhe-
cimento e definem um conjunto de comportamentos esperados dos sujeitos 
que os ocupam. No entanto, esse papel é vivido por indivíduos com histórias 
distintas – alguns não dependem de seu salário para viver, outros são arrimo 
de família; há aqueles que ainda estudam na universidade e aqueles forma-
26
ESTÁGIO - Do labirinto aos frágeis fios de Ariadne
27
dos há 20 anos -, que gozam de status distintos nas relações sociais da escola, 
como por exemplo o professor antigo de casa, o professor inexperiente; o 
professor que faz parte das relações pessoais da diretora; o professor presti-
giado pelos pais dos alunos, o professor querido pelos alunos, etc.. 
As diferenças das histórias pessoais e de status entre sujeitos que vivem 
o papel de professor conferem sentidos distintos a essa condição profissio-
nal. Esses sentidos ganham visibilidade no modo como os sujeitos realizam 
as tarefas diárias pertinentes à docência, reconfigurando-as em alguns de seus 
aspectos, na maneira como esses profissionais se relacionam entre si e como se 
posicionam nas relações de poder internas à escola.
Os sentidos produzidos nas relações cotidianas configuram uma espé-
cie de convenção coletiva que, vivida de forma tácita, define o lugar de cada 
um e indica a maneira de se comportar nas diferentes relações. 
A vida cotidiana das escolas baseia-se nessas relações de convivência 
e de conveniência (MAYOL, 1996), assentadas em relações de poder, que as 
pessoas e os grupos sociais, que compõem a escola, constroem entre si. Nela 
as pessoas são chamadas pelo nome e imediatamente localizadas em função 
dos papéis e lugares sociais que ocupam nas relações. 
Nessas condições, inserir-se significa apreender, compreender e apren-
der a lidar com os lugares sociais, as etiquetas e códigos em jogo nas relações 
e regras de conveniência, com os sentidos com que a hierarquia, o tempo e a 
organização do espaço são pensados e vividos pelos grupos que constituem 
a escola, bem como com os conflitos, negociações e rivalidades que compor-
tam. Compreendê-las implica compreender o papel de estagiário e o lugar 
por ele ocupado nas relações da escola. 
O papel de estagiário não se enquadra nos papéis sociais que compõem 
a escola. Os estagiários não são alunos na escola em que estagiam, tampouco 
são professores, diretores ou funcionários dessa escola, nem alguém ligado às 
famílias daqueles que ali estudam. As pessoas reunidas na escola vivem o seu 
cotidiano, vivem a produção coletiva de significados, situam-se dentro dela. 
O estagiário não. Sua relação com a escola é uma relação deliberada de conhe-
cimento. Sua ida à escola é precedida e acompanhada por leituras, conversas, 
orientações e reflexões. O estagiário sabe que se espera dele a discrição do que 
se vive e se produz na escola. 
Nessa condição, ele não tem um lugar definido na escola. É um estran-
geiro em relação ao grupo do qual se aproxima. Seu lugar dentro da escola 
pode ser definido como um “não-lugar” (AUGÉ, 1994), ou seja, uma posi-
ção e um modo de participação nas relações escolares que se caracteriza pela 
ausência de vínculos e pela provisoriedade. Os estagiários estão de passagem 
pela escola e não têm um lugar assegurado nas relações ali produzidas, sendo 
seu desafio o de produzir “algum lugar” nessas relações, vivendo-as. 
A produção desse lugar não preexiste à presença do estagiário na es-
cola e para realizá-la não há um roteiro pré-definido de abordagem, ainda 
que sua ida à escola seja precedida e acompanhada por leituras, conversas, 
orientações e reflexões. O estagiário sabe que se espera dele a aproximação da 
escola. Contudo, não sabe de antemão o que vai acontecer estando face a face 
com os sujeitos singulares que vivem a escola cotidianamente. 
Como estrangeiro ao grupo, o estagiário sabe-se observadopor aque-
les a quem observa, sabe-se significado por aqueles a quem significa. O grupo 
observado procura socializá-lo, mobilizando seus sistemas de classificação de 
modo a torná-lo socialmente reconhecido, com graus distintos de proximi-
dade. A proximidade e o distanciamento entre o estagiário e os grupos nos 
quais se insere se materializam em condições sociais e políticas particulares 
e assimétricas, orientadas pelas relações produzidas entre a escola básica e a 
universidade e pelos lugares ocupados historicamente, por ambas, nos siste-
mas políticos e culturais.
Embora as relações em que o estagiário se insere no processo de forma-
ção para a docência sejam familiares a ele, em função dos muitos anos vividos 
na escola, na condição de aluno, ao mesmo tempo elas lhe são estranhas, pois 
sua participação inscreve-se em condições de produção distintas daquelas 
28
ESTÁGIO - Do labirinto aos frágeis fios de Ariadne
29
que se vive como aluno. Como estagiário, ele vivencia as relações na escola 
na condição de observador, de interpretador deliberado. Ele experimenta-se 
no “difícil ofício de importunar” (SILVA, 2000, p.21), pois é orientado não 
só a conviver com o grupo, mas a manter um registro sistemático dessa convi-
vência de modo a que possa descrever suas formas de comunicação, seus cos-
tumes, suas rotinas e hábitos, suas escolhas, os textos, entendidos em sentido 
amplo como qualquer conjunto coerente de signos (BAKHTIN, 2003:307), 
que produzem. Ele é um participante estrangeiro. Ele é aquele que está e não 
está presente, porque olha o que acontece ao seu redor para poder anotar, 
descrever o acontecido, procurando ver além do visto e descrito.
A familiaridade assegura-lhe o conhecimento de vários aspectos e 
signos das relações escolares. Ele tem experiências mais ou menos comuns e 
partilháveis, que lhe permitem um nível de interação com as pessoas da es-
cola em que se insere. No entanto, como estagiário, é chamado a confrontar, 
intelectual e emocionalmente, versões e interpretações a respeito de fatos, 
situações e escolhas que constituem o cotidiano escolar. Nessas condições, 
evidencia-se que o familiar não é necessariamente conhecido e tudo aquilo 
que a situação de estágio dele solicita implica o distanciamento do grupo no 
qual é chamado a inserir-se. Cada pergunta do estagiário, cada gesto de es-
crever, mesmo que apressada e brevemente algo, o distancia do grupo com o 
qual se relaciona. 
Na tensão entre o familiar e o estranho ele experimenta a adequação 
(ou não) de seus gestos e dizeres, a dimensão do poder e da dominação que 
regem as relações intraescolares e aquelas da escola com a Universidade. 
Diante do fluxo ininterrupto de significados e sentidos postos em cir-
culação nessas relações, o estagiário caminha pelos corredores familiares da 
escola como se fossem um labirinto cheio de surpresas e escolhas a cada bi-
furcação. O desejo de aprender e de ser bem sucedido em sua empreitada, o 
medo de não ser aceito, a repugnância por certas práticas escolares já conhe-
cidas, a vontade de escapar a elas ou de modificá-las, medeiam a compreensão 
que o estagiário elabora das instruções e orientações recebidas dos formado-
res que o supervisionam e das relações vividas na escola. 
Esses sentimentos, juntamente com aquilo que o estagiário significa 
de suas leituras no processo de formação, com suas vivências na escola, com 
sua sensibilidade e intuição mediatizam suas escolhas em relação aos modos 
de agir e de conduzir as relações com as pessoas e grupos da escola e suas 
decisões quanto àquilo que vai registrar (gestos, falas, episódios interativos, 
nomes, objetos), quando e de que modo vai fazê-lo. 
Parafraseando Silva (2000), o estagiário tece, com seus registros, frá-
geis fios de Ariadne que o ajudam, precariamente, a não se perder no labirin-
to da experiência do outro, que busca conhecer. Esses registros, mais do que 
uma descrição objetiva dos fatos apreendidos na escola, dão visibilidade ao 
próprio estagiário e a sua experiência iniciática, eles evidenciam a presença do 
estagiário em campo como um dado em si mesmo, que aparece misturado aos 
fatos que ele é orientado, no processo de formação profissional, a observar e 
relatar.
Na descrição e interpretação do outro, de seus gestos, de seus dizeres, 
de suas práticas, dos valores nelas implicados, esboça-se o próprio estagiário, 
como professor em formação. O relato da relação com o outro é a réplica 
(BAKHTIN, 1986) do estagiário aos significados e sentidos por ele apreen-
didos nesse outro, é a expressão de seus valores, daquilo que privilegia e tam-
bém das emoções e sentimentos de temor, curiosidade, fascínio, repugnância 
mobilizadas pela inserção na escola. Os frágeis fios que ele tece, indiciam sua 
apreensão do universo da educação escolar, da docência e de si próprio em 
relação a eles. Esboçando o outro com quem se relaciona e a quem observa na 
escola, o estagiário encontra-se consigo mesmo, como personagem do estágio 
e como professor em formação. 
Nesse esboço do outro e de si mesmo indiciam-se vozes sociais, acerca 
de educação escolar, em disputa na formação histórica em que o processo 
de formação desses estudantes está inscrito. Em suas elaborações sobre a do-
30
ESTÁGIO - Do labirinto aos frágeis fios de Ariadne
31
cência, produzidas na relação com a escola, encontram-se e confrontam-se 
conceitos e orientações colocados em circulação pelas disciplinas da forma-
ção inicial na universidade; concepções de docência, de ensino, de educação; 
princípios jurídicos que ordenam o funcionamento das escolas e as formas de 
sua organização real; os discursos que as configuram nos projetos pedagógi-
cos, práticas proferidas e observadas, tentativas de exercício do papel de pro-
fessor etc. Essas referências e significados culturais constituem vozes sociais 
que circulam nos processos de formação e de constituição da profissionalida-
de docente, expressando interesses e posições sociais diversas, em consenso e 
em conflito, a que formadores e estudantes respondem, seja como destinatá-
rios imediatos ou como sobredestinatários de seus discursos. 
Os sobredestinatários, de acordo com Bakhtin, são as visões de mun-
do, as orientações teóricas, as tendências filosóficas, as polêmicas políticas, 
estéticas, pedagógicas, econômicas, que constituem os interlocutores. Eles 
operam o presente (enunciados em circulação), o passado (enunciados lega-
dos pela tradição de que a atualidade é depositária) e o futuro (os enunciados 
que falam dos objetivos e das utopias dessa contemporaneidade) como me-
mória de sentidos (passada e futura), como história e cultura. 
A interação viva dessas vozes sociais e as condições em que é produzi-
da são constitutivas dos enunciados dos estudantes, das escolhas dos forma-
dores e da experiência de formação e de elaboração da sua profissionalidade 
nas situações de trabalho vividas na escola. 
Deter-se sobre o processo social da inserção do estagiário na escola, 
analisando sua complexidade e contradições, pode contribuir para que os 
jovens professores em formação elaborem uma compreensão do trabalho 
docente como uma atividade intersubjetiva, que exige o domínio do conhe-
cimento teórico e técnico, não como um sistema fechado de normas a serem 
seguidas, mas como conhecimento necessário às escolhas e julgamentos que 
as situações reais de trabalho estão sempre a exigir. Escolhas e julgamentos 
que não são da ordem do estritamente pessoal. Antes, configuram “um dra-
mático uso de si”, na medida em que remetem a decisões que afetam o outro, 
a quem nossa atividade se dirige e com quem se realiza, e a construção de um 
viver em conjunto as situações de trabalho no cotidiano da escola, inscreven-
do a formação no que ela tem de mais amplo, sua dimensão ética e política. 
Referências Bibliográficas
AUGE, Marc. Não lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. 
Campinas, SP: Papirus, 1994.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução:Maria Ermantina Perei-
ra Galvão Gomes. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
______. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução: Michel Lahud e Yara Fra-
teschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 1986.
EUGÊNIO, Fernanda. De como olhar onde não se vê: ser antropóloga e ser tia em 
uma escola especializada para crianças cegas. In: VELHO, Gilberto; KUSCHNIR, 
Karina (org.). Pesquisas Urbanas: desafios do trabalho antropológico. Rio de Janei-
ro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 208-220.
MAYOL, Pierre. A conveniência. In: CERTEAU, Michel; GIARD, Luce; ______. ; 
A invenção do cotidiano: 2. Morar, cozinhar. Tradução: Ephraim Ferreira Alves e 
Lúcia Endlich Orth. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.
SCHWARTZ, Yves. A comunidade científica ampliada e o regime de produção de 
saberes. Trabalho e Educação. Revista do NETE/UFMG. Belo Horizonte, n. 7, p. 
38-46, jul./dez., 2000.
_______. Trabalho e Educação. Presença Pedagógica. Belo Horizonte, v. 7, n. 38, 
p. 5-17, mar./abr., 2001.
SILVA, Vagner Gonçalves da. O antropólogo e sua magia. São Paulo: EDUSP, 
2000.
THOMPSON, Edward Palmer. A Miséria da teoria ou um planetário de erros: 
uma crítica ao pensamento de Althusser. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1981.
______. Una entrevista com E. P. Thompson. In: ______. Tradición, revuelta y 
conciencia de classe. Barcelona: Crítica, 1979, p. 294-318.
32
ESTÁGIO - Do labirinto aos frágeis fios de Ariadne
33
POR UMA DOCÊNCIA BABÉLICA:
O CUIDADO DE SI
NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE BIOLOGIA
Sílvia Nogueira Chaves
Se continua nos interessando ficcionar o passado, é para nos dotarmos de 
uma contra-memória, de uma memória que não confirma o presente, 
mas que o inquieta; que não nos enraíza no presente, mas que nos separa 
dele. O que nos interessa é uma memória que atue contra o presente, 
contra a seguridade do presente. E se continuarmos ficcionando o futuro 
não é para projetar nele nossas expectativas. Aquilo que ainda poderia 
depender de nós saber, de nosso poder e de nossa vontade, mas é para 
abri-lo como imprevisível e desconhecido.
Jorge Larrosa e Carlos Skliar
Cena I
O celular toca no meio da aula. Bruno retira de seu ouvido o fone de 
seu MP4 e entabula uma conversa com seu interlocutor. A professora faz sinal 
para ele desligar. Ele vira as costas e continua. A professora indignada sai de 
sala sem saber muito bem porque, mas não consegue tolerar a indiferença dos 
estudantes à sua autoridade. Desce correndo as escadarias e entra como um 
autômato na sala da direção. Porém, ao fazê-lo lembra que da última vez que 
esteve ali não deu em nada. A diretora incumbiu-se de lembrá-la que o aluno 
era o patrão. O que fazer agora? Voltar à sala? Conversar sobre indisciplina 
com os alunos? Defender a importância de se estudar a função das organelas 
citoplasmática para a vida deles? Expulsar Bruno de sua aula? Pedir demis-
34
Por uma docência babélica
35
são? Essas são as questões que rapidamente povoam sua cabeça aflita, ao mes-
mo tempo em que relembra das inúmeras piadas (ou seriam presságios?) que 
ouviu de colegas e parentes quando comunicou que iria cursar Licenciatura 
em Biologia. Lembra também das discussões sobre educação que aconteciam 
na ditas disciplinas pedagógicas. Quem a poderia ajudar naquele momento? 
Piaget, Vygotsky? O que Paulo Freire faria no lugar dela? E a professora de 
prática de ensino?
Cena II
Certa vez, durante meu curso de mestrado, ciceroneava minha orien-
tadora, uma paulistana, em um passeio de barco pelos rios e furos circunvi-
zinhos a Belém. Ela, encantada com a exuberância da paisagem, eu, com os 
olhos viciados de mato e rio, olhávamos para coisas diferentes. Os olhos dela 
deslumbravam-se com as plantas e bichos que avistávamos do barco, os meus 
estacionaram numa cena ribeirinha amazônica: Postados lado a lado estavam 
três edificações em forma de palafitas. A primeira era o bar “Deus pode”, a úl-
tima um templo da “Assembléia de Deus” e, situada estrategicamente a meio 
caminho das duas estava a “Escola de 1º Grau Graças a Deus”. A organização 
geográfica dos três prédios a mim parecia querer dizer: “Entre a perdição e 
a salvação está a educação”. Mas, qual educação? Era a pergunta que me in-
quietava. Do lugar onde estávamos dava para avistar, a suposta sala de aula 
enfeitada com cartazes ornamentando as paredes de madeira. Crianças de 
diferentes idades estavam sentadas no chão atentas a uma mulher, a quem 
deduzi ser a professora, que em pé a frente delas gesticulava como quem esti-
vesse explicando uma lição. Naquela ocasião me senti fútil fazendo mestrado. 
Olhei para minha orientadora e, apontando para a cena, disse: “para que es-
tou fazendo mestrado? O que posso diante disso?
Cena III
O dia começa cedo no acampamento. De manhã os adultos saem para 
o roçado e as crianças ficam na escola. De noite são os adultos que ocupam 
as salas de aula. Ali alguns aprendem as primeiras letras, outros já estão quase 
ingressando na universidade. Muitos desejam ser professores e retornar para 
as salas de aula do acampamento, com a visão dos que ali se constituíram 
homens e mulheres, brasileiros/as, que, como tantos outros sonham em ter 
trabalho e moradia decente. A professora ali lotada é da cidade. Antes de 
trabalhar no assentamento só ouvira falar do MST nos noticiários de jor-
nais e televisão. Quando foi designada para assumir a turma no lugar de uma 
professora que se aposentara entrou em pânico. O que ensinaria para aquela 
gente? Eles eram tão diferentes! Ouvira falar que cantavam hinos próprios no 
início das aulas, que questionavam muito e nem sempre aceitavam os profes-
sores que eram encaminhados para lá. Trabalharia de dia com as crianças e de 
noite com os adultos. Com as crianças estaria mais a vontade, afinal criança 
é igual em todo lugar, não é mesmo? Mas e com os adultos, o que fazer, por 
onde começar? Tanto tempo fora da escola, será que conseguiriam aprender? 
Por outro lado eles sabiam muitas coisas, fruto de suas vivências... e se per-
guntassem algo de que não soubesse? Se não se comportassem durante as au-
las não poderia dar uma bronca neles como faria com as crianças, ou poderia? 
E se tivesse pontos de vista diferentes dos deles, especialmente sobre reforma 
agrária, alimentos transgênicos, desmatamento, religião? A quem recorrer 
para tirar essas dúvidas? Não lembrava de ter discutido sobre isso quando se 
preparava para a docência...
Cena IV
Estampado na capa do jornal está a foto de Pedro estirado no chão da 
escola sobre uma poça de sangue. Outra foto menor traz a imagem de Joa-
36
Por uma docência babélica
37
quim, Kim como gosta de ser chamado, com uma expressão misto de medo 
e tristeza. A manchete anuncia em letras garrafais “ESTUDANTE MATA 
COLEGA DE SALA NA ESCOLA”. Lágrimas escorrem do rosto de Ana. 
Conhecia aqueles meninos, eram seus alunos. Nunca imaginou que aquelas 
arengas e piadas de mau gosto trocada em sala iriam acabar assim. Inúmeras 
vezes havia presenciado Pedro usar apelidos insinuativos da homossexualida-
de de Kim, algumas vezes chegou até a repreendê-lo, e quase sempre ouvia a 
mesma resposta; “isso é sem-vergonhice professora, ele tem que aprender a 
ser homem”. Não sabia muito como responder a isso, já tinha lido algumas 
matérias sobre a determinação genética da homossexualidade, outras vezes lia 
que esse é um processo psíquico desencadeado por algum trauma, poucas ve-
zes lera que é uma questão cultural. Não sabia bem o que pensar, o fato é que 
também a incomodava a “opção” de Kim, ainda que não concordasse com a 
forma desrespeitosa com que a maioria o tratava. Olhando a cena estampada 
no jornal vários sentimentos afluem; impotência, culpa, medo. O que pode-
ria ter feito para evitar que acabasse assim? Poderia ter feito algo? Até que 
ponto era seu papel como professora de ciências discutir esse tema tão deli-
cado em sua sala de aula? O que os pais dos alunos achariam se ela abordasse 
esse assunto? E o que falaria sobre isso? Era doença, desvio moral, opção e 
direito de cada um? O queela mesma pensava sobre homossexualidade?
Cenas da escola brasileira, cenas de um país tão múltiplo quanto múl-
tiplas são as situações que como professores vivemos. Daí as inquietantes 
questões formuladas por Oliveira (1997):
Para quem ensinamos? Quem seria o aluno-padrão brasileiro? Um me-
nino branco, de classe média vivendo no centro de uma grande cidade? 
Ou uma menina negra, sobrevivendo na periferia urbana? Quem sabe, 
descendentes de japoneses vivendo em lavouras no interior do Paraná, 
ou filhos de agricultores sem-terra no Pará? E qual seria a “idade es-
colar” destes diferentes grupos citados aqui? Seriam todos crianças?(p. 
9-10)
Acrescento a essas questões outras, não menos inquietantes, do ponto 
de vista da professora formadora, onde hoje profissionalmente me localizo: 
Quem estamos formando? Quem seria o professor-padrão brasileiro? Como 
formar professores para lidar com essa multiplicidade de gente, situações, 
ambientes? Estamos formando gente pra lidar com gente? Ou ainda estamos 
formando gente pra despejar “verdades científicas” em cabeças vazias de ilu-
sórios alunos-padrões, esses universais antropológicos a quem Larrosa (2002) 
atribui uma das inércias presentes no campo pedagógico?
Há poucos dias recebi mensagem de uma colega de trabalho solicitan-
do minha opinião sobre o formato de estágio dos estudantes da Licenciatura 
em Biologia que vínhamos desenvolvendo. Tradicionalmente temos procedi-
do da seguinte forma: lotamos o estudante em uma sala de aula da Educação 
Básica e ele acompanha um professor da disciplina objeto do estágio (Ciên-
cias/Biologia) por, no mínimo, um semestre letivo. A justificativa para esse 
formato é que é importante o estudante participar do desenvolvimento do 
processo de ensino-aprendizagem em termos longitudinais, desde o plane-
jamento, execução até a avaliação, acompanhando a dinâmica da turma. A 
situação que minha colega apresentava, na ocasião, é que por motivos institu-
cionais estava difícil manter a lotação de boa parte dos estudantes seguindo 
esse procedimento e a saída que se apresentava era vincular alguns deles a um 
professor e não mais a uma turma. Nesse formato o estudante acompanharia 
a atuação do professor em diferentes turmas e não mais o andamento de uma 
turma específica, situação que a preocupava sobremaneira.
Na ocasião meu ímpeto imediato foi aliar-me à sua preocupação e ten-
tar a todo custo manter o formato (nada) original do estágio. Passado o pri-
meiro impulso pensei que se na proposta inicial o vínculo se estabelece entre 
estagiário e turma e a ênfase recai sobre o processo de ensino-aprendizagem 
como um todo, na segunda o vínculo maior é entre estagiário e professor 
e a ênfase está na docência em múltiplos espaços. Ambas as alternativas se 
apresentam com perdas e ganhos, nenhuma tem só virtualidades ou só defei-
38
Por uma docência babélica
39
tos. Quem sabe essa situação que inesperadamente se apresentara não seria 
a oportunidade do candidato a professor experimentar antecipadamente a 
docência em múltiplos ambientes, acompanhando e exercitando a necessária 
versatilidade para lidar com a pluralidade étnica, sexual, lingüística, econô-
mica, cultural, enfim, de “estudantes reais” que nos aguardam em diferentes 
espaços de docência com que hoje se nos apresentam? Então, porque não 
experimentar a novidade?
Olhando no atacado e vendo a inércia em que vivemos desconfio que 
ainda estejamos em busca de um pacote de receitas de como formar o bom 
professor, tal qual o diabo de Andreiev1, que um dia desejou aprender a fazer 
o bem seguindo rigidamente os preceitos cristãos como receita segura, sere-
na, linear e acabada.
No varejo vejo algumas experiências que tentam investir em trilhas 
menos seguras e serenas, mas nem por isso menos sedutoras de formar pesso-
as para lidar com pessoas em processo de conhecer outras/novas culturas.
Diferentemente da possibilidade que temos de optar pelo campo de 
conhecimento (biologia, química, matemática...) em que queremos atuar 
como professores, não escolheremos os estudantes a quem temos por tarefa 
ensinar. É ele, portanto o elemento mais lábil da tríade que compõe o pro-
cesso de ensino aprendizagem (professor-aluno-conhecimento), mas como 
nos preparar para lidar com o novo, com o inesperado, fruto do encontro (às 
vezes confronto) com o outro, múltiplos outros que nos acontecem nos dife-
rentes espaços (escola, mídia, museus, assentamentos, centros comunitários, 
ruas...) de educação nos quais hoje circulamos como professores?
Para o múltiplo não há fórmulas possíveis, há apenas caminhos a espe-
ra de serem inventados, experimentados, transformados, repensados no hori-
zonte de quem por “gostar de gente”2 um dia se aventurou nessa profissão.
1 Conto do escritor russo Leonidas Andreiev intitulado “A conversão do diabo”.
2 Referência ao depoimento de um professor participante de curso que ministrei no in-
É um desses caminhos que estamos experimentando no âmbito do 
Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal do 
Pará, é ele que trago pra compartilhar hoje com vocês nesse Seminário. Nesse 
processo de experimentar caminhos temos dado ênfase particular às dimen-
sões estética e afetiva da formação docente, isso porque já é usual o investi-
mento na dimensão cognitivo-racional. Nessa perspectiva, vemos em nossa 
área de atuação inúmeras pesquisas envolvendo concepções de professores e 
estudantes sobre diferentes conteúdos de ensino e processos mentais de pro-
dução destes.
Vemos também as políticas públicas de formação de professores orien-
tadas por resultados de exames nacionais e internacionais aplicados aos estu-
dantes, que também privilegiam a dimensão cognitiva, fazendo uma espécie 
de tabela de correlações, isto é, se os resultados apontaram déficit de apren-
dizagem em dado conteúdo é esse que deve ser privilegiado na formação do-
cente. Em contrapartida, temos poucas investigações na área que põem em 
destaque a dimensão afetiva da formação e menos, ainda a estética.
Quem primeiro me chamou atenção para a importância dessas di-
mensões foi Thomas Kuhn (1975), quando sugere que o processo de ade-
são ou rejeição de um cientista a um novo paradigma comporta muito mais 
elementos da ordem do afetivo e do estético do que do cognitivo-racional. 
Daí porque usa termos como conversão, persuasão, fé..., na construção de 
explicações para este processo.
Entendo que, assim como acontece com os cientistas, nós, professores, 
somos formados a partir de paradigmas, de modelos de ver e ser na profissão. 
Paradigmas forjados em contextos que extrapolam, em muito, o espaço esco-
lar, ainda que nele esteja presente.
terior do Pará, que afirmava que: “para ser professor se precisa gostar de gente”. História 
já relatada em texto publicado em: CHAVES, Sílvia N. Quando a cultura produz 
diferença: um ensaio sobre escola e cultura a partir de minhas memórias. In: PERES, 
Eliane [et al.], Trajetórias e processos de ensinar e aprender: sujeitos currículos e cul-
tura. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.
40
Por uma docência babélica
41
Partindo desse pressuposto passei a buscar suporte teórico que me 
ajudasse a responder inquietações do tipo: Como fomos ensinados a ver e 
ser professores? Que processos nos persuadem a assumirmos essa ou aquela 
postura docente? A aderirmos ou rejeitarmos essa ou aquela concepção de 
conhecimento, de ciência, de aluno? Que dispositivos nos movem? Que ou-
tros nos podem mover?
Buscando respostas para tais questões encontrei na literatura sobre 
pesquisa (auto)biográfica, algumas pistas em direção a outras configurações 
possíveis de pensar a docência e o processo formação. Nessa perspectiva, for-
mação e docência são pensadas
(...) como um lugar privilegiado de experimentação, de transforma-
ção de si, de exercício genealógico lugar de indagação sobre de que 
modo nos fizemos desta e não daquela forma; de que modo temos 
aceitado isto e não aquilo; de que modo temos recusado ser isto ou 
aquilo nocaso, como docentes. Lugar de onde talvez seja possível não 
exatamente pensar nossos limites e as forças que nos constrangem, 
mas as condições e possibilidades infindas, imprevisíveis e indefinidas 
de nos transformarmos e de sermos diferentes do que somos (FIS-
CHER, 2007: 2).
É esse exercício genealógico que temos estimulado em nossos estudan-
tes-professores da Licenciatura em Ciências Biológicas (LCB) instigando-os 
a produzirem narrativas de si desde o momento que ingressam no curso de 
graduação. Ressalto, contudo, que o processo que ora relato não se circuns-
creve a práticas desenvolvidas apenas durante o estágio supervisionado. São 
práticas que o antecedem, que permanecem durante tal momento e que te-
mos esperança de que se prolonguem para além dele.
Fundados na noção de ascese3, defendida por Foucault (2006) com 
base no princípio grego do “cuidado de si”, incitamos os estudantes-professo-
3 “Trabalho de constituição de si mesmo, isto é, da formação de uma relação consigo mes-
mo (...) capaz de produzir essa transfiguração do sujeito que é a felicidade de estar consigo 
mesmo” (Xavier et AL, 2009: 45)
res a relatarem episódios de suas vidas buscando construir pontes entre estes 
e suas formas de verem e viverem a docência. Dito de outra forma, o objetivo 
da produção desses relatos escritos é mobilizar situações que os possibilitem 
ler as “tramas de fabricação” de suas formas de significar a si e aos outros nos 
diferentes espaços de suas trajetórias de formação.
O pressuposto que sustenta tal prática é a compreensão de que a sub-
jetividade não nos é dada quando nascemos, mas é imposta, fabricada, pro-
duzida por aparatos discursivos que nos atravessam histórica e culturalmente. 
Nessa perspectiva, as narrativas são utilizadas como “dispositivos pedagógi-
cos” no sentido empregado por Larrosa (2002: 57), como “lugar no qual se 
constitui ou se transforma a experiência de si”, com o intuito de promover 
a desfamiliarização ou desnaturalização dos lugares dados, das identidades 
fixas. 
Nesse processo é importante evitar o risco de sucumbir às falácias 
ontológica e representacional das narrativas de que nos falam Brockmeier e 
Harré (2003), a ilusão de que há uma estória a ser descoberta independente 
da construção analítica e do processo narrativo. A intenção é incitar a consti-
tuição de si mesmo, a partir da noção do “cuidado de si”, aqui pensado como 
“uma espécie de aguilhão que deve ser implantado na carne (...), cravados na 
existência [constituindo] um princípio de agitação, um princípio de movi-
mento, um princípio de permanente inquietude no curso da existência’ (Fou-
cault, 2006: 11). 
O registro das memórias põe em destaque os processos que nos sub-
jetivaram (e subjetivam), os lugares de onde fomos acostumados, a nos ver, 
a vermos os outros e ao mundo provocando desfamiliarização pelo desloca-
mento do ângulo de mirada. Tal deslocamento nos faz desconfiar dos luga-
res estabelecidos, que nos formam, (en)fôrmam e às vezes conformam com 
aquilo que disseram que somos ou deveríamos ser como pessoas, como pro-
fissionais, como professores. Aí reside o potencial formativo das narrativas, o 
dizer-se faz ver-se (LARROSA, 2002: 77). 
42
Por uma docência babélica
43
As narrativas produzidas ora são estimulados por recursos ou situ-
ações evocativas de memória4, tais como filme leitura de contos, poesias..., 
em ocasiões que antecedem a entrada do estudante-professor no campo de 
estágio, ora por situações vividas no exercício da docência durante o está-
gio supervisionado. Na produção dos relatos os licenciandos são orientados 
a narrarem não só os acontecimentos, mas os efeitos deles sobre si, uma vez 
que compreendemos que a percepção não é pura e simplesmente produto do 
sentido, mas fruto de operação complexa que envolve todas as dimensões do 
ser (racional, emocional, psíquica, mítica, simbólica...) (BERKENBROCK-
ROSITO, 2008).
Esses efeitos que aparecem nas narrativas, muitas vezes comparecem 
na docência no formato de encontros e confrontos com os outros, os estu-
dantes, que nos interpelam com suas próprias histórias e diferentes formas 
de estar sendo. Daí por que temos investido na perspectiva do cuidado de si, 
como princípio formativo e como estratégia de acesso ao outro. Esse outro 
tão múltiplo, mas com quem ao mesmo tempo no identificamos.
Alguns desses encontros e confrontos, registrados nas memórias de 
nossos estudantes-professores, trago agora para essa discussão:
Atopias e utopias
A parte da copiação deu trabalho, apesar de ser teoricamente fácil os 
alunos tinham preguiça (...). As alunas pareciam que nunca haviam 
visto um menino na vida. Teve uma que chegou a subir na cadeira 
para olhar para um menino, parece até que estavam em período de 
acasalamento, mas a situação foi contornada com um pouco de jei-
to e autoritarismo. Entendo que elas estão na idade em que querem 
4 Recurso utilizado para “estimular o debate e a produção de narrativas que ativem, pela 
memória, um conjunto de experiências, representações, desejos, sensações, crenças, valo-
res e raciocínios construídos pelos sujeitos em seu esforço de significação e de atribuição 
de sentidos em relação a si mesmos, ao mundo que os circunscreve e interpela e ao outro”. 
(CHAVES, 2006: 169).
namorar, paquerar, beijar etc..., mas certas atitudes mostram caracte-
rísticas de pessoas que pensam que não tem limites. (relato de Edu, 
estudante de LCB, do campo de estágio).
Preguiça, palavra que nomeia e institui um lugar social e a forma com 
que o estagiário percebe a atitude dos estudantes. Forma essa da qual deriva 
ação docente, autoritária, por estar na contramão da norma, da normalidade 
com que aqueles estudantes deveriam receber a fácil tarefa de copiar a lição. 
Há aí uma expectativa de aluno como aquele que aceita, acata e obedece que 
é transgredida pela preguiça, algo em desajuste que deve ser expurgado do 
espaço escolar. De onde herdamos essa noção? Que discursos tem instituído 
esse lugar de aluno como alguém dócil disposto a acolher os proveitosos en-
sinamentos daqueles que professam a educação, ainda que esses ensinamento 
se resumam a fáceis cópias de algo que muitas vezes já se sabe? Porque são 
desviantes os que se rebelam, rejeitam, resistem à norma?
Há que se abrir para outras leituras, porque assim como
A educação é, em muitos casos, um processo em que se realiza o proje-
to que o educador tem sobre o educando, também é o lugar em que o 
educando resiste a esse projeto, afirmando sua alteridade, afirmando-
se como alguém que não se acomoda aos projetos que possamos ter 
sobre ele, como alguém que não aceita a medida de nosso saber e de 
nosso poder, como alguém que coloca em questão o modo como nós 
definimos o que ele é, o que quer e o que necessita, como alguém que 
não se deixa reduzir a nossos objetivos e que não se submete a nossas 
técnicas (LARROSA, 1998, p.17-18).
Como a insubmissão esteve presente naquela experiência, nosso estu-
dante-professor valeu-se do autoritarismo, outra forma-fôrma na qual encer-
ramos, agora, a figura do professor.
A expectativa de submissão também aparece na narrativa como estra-
nhamento de (in)adequada maneira de ser menina, de ser mulher, situação 
que também foi contornada pela sujeição via autoritarismo. Ainda que te-
44
Por uma docência babélica
45
nha sancionado pela idade de namorar, paquerar e beijar a conduta das alu-
nas, nosso estudante-professor não deixou de registrar seu incômodo com 
transgressão de um padrão de moralidade que instituiu um jeito certo de ser 
mulher decente. De que lugar fala? Quem fala por ele? Que posição de sujei-
to assume ao enunciar esse discurso? Essas parecem ter sido as questões que 
impulsionaram o deslocamento de olhar ao ter sua narrativa problematizada 
durante as reuniões de estágio.
Agora, posso ver que, parte desta atitude talvez esteja relacionada aos 
meus valores, pois, sou um individuo que teve uma formação familiar 
enraizada nos preceitos religiosos. Épossível verificar nessa minha 
atitude um traço característico da sociedade que é a hegemonia da 
trindade machismo, heterossexualismo e cristianismo. Ter aquela ati-
tude com a menina era, talvez, uma formar de me defender da ousadia 
dela e procurar modelá-la de acordo com a minha formação pessoal 
(relato de Edu, estudante de LCB, do campo de estágio).
Família e igreja, eis duas instituições poderosas na fabricação de iden-
tidades, de lugares sociais fixos. Identidades que usamos para modelar, insti-
tuir formas corretas ou desviantes de ser, que nos produzem e com as quais 
produzimos o outro, estranhando-os, estranhando-nos quando não corres-
pondemos às expectativas de ser mulher, professor, aluno, filho, gente.
Cuidar-se, olhar para si, eis o convite para construirmos relações não 
alérgicas com o outro (MÈLICH, 1998, p.171). Outro que muitas vezes 
somos nós mesmos quando rejeitamos nossas formas de estar sendo infiéis 
àquilo que instituíram que deveríamos ser, levando-nos a uma espécie de rea-
ção auto-imune que nos corrói, envenena e paralisa.
Um dia em aula a professora falou algo que me deixou muito pensa-
tiva, era mais ou menos assim “precisamos saber o que fazer com os 
discursos que são impregnados na gente”. E agora eu penso que talvez 
em minha memória marcante5 eu devesse ter escrito como eu sem-
pre fui descrita pela minha mãe como a menina nota 8, não era boa 
em nada, mas não era ruim em nada, sempre mediana. Eu poderia 
ter escrito sobre o meu segundo dia de aula na universidade em que 
meu pai me disse que eu nunca ia ser boa em nada, porque eu fazia 
péssimas escolhas, poderia escrever sobre quantas vezes ele pergun-
tou o curso que eu fazia, quantas vezes ele debochou do que eu tinha 
escolhido. E com o término do curso chegando eu olhava para o lado 
e me perguntava aonde eu tinha chegado? O que eu tinha feito? Me 
comparava com os meus amigos de classe sempre pensando no mes-
trado fora, sempre pensando além e eu aqui sem saber o que fazer. Eu 
me transformei em nada. (Relato de Bia, estudante de LCB, durante 
módulo de ensino de Pratica I).
Que condições de possibilidade fabricaram a docência, o ser profes-
sora como o lugar de nada ser? Porque esse lugar destituído de valor social 
em algum momento se tornou atrativo para alguém que de antemão já foi 
cunhada como medíocre, nem boa, nem má, a menina nota 8? Tais questões 
permitem deslocar o foco de análise do problema da verdade, da oposição fal-
so-verdadeiro, acerca do que se é ou deixa de ser, para a discussão do porque 
algumas máximas relativas à profissão de professor se tornaram verdadeiras 
- o professor desvalido, a profissão medíocre de pessoas igualmente medí-
ocres - e as derivações dessas máximas – desprestígio social, baixos salários, 
péssimas condições de trabalho.
Em termos formativos, situar a discussão no âmbito da episteme 
(FOUCAULT, 2005) permite que nos posicionemos na docência de outro 
modo, localizando fora de nós, de nossas supostas e pré-determinadas defici-
ências e mediocridades o fracasso da educação, do ensino, o desinteresse do 
estudante, que nos fazem, muitas vezes, sermos autoritários para reivindicar 
um respeito que intimamente pensamos não merecer.
5 Referência a uma das narrativas desenvolvidas no curso.
46
Por uma docência babélica
47
O exercício de olhar esses discursos apriosionantes de fora deles, à 
maneira sartriana, nos libera para transformar, a nosso favor, aquilo que nos 
fizeram acreditar que somos em novas formas de ser e de lidar com o outro.
Ao longo do módulo6 fui lembrando de experiências em sala de aula, 
no quanto eu não conseguir ter auto-controle perante a desordem 
dos alunos, eu não sabia o que fazer e fui tudo o que repudiei em mui-
tos professores meus, fui autoritária, eu gritei, não fui o que eu queria 
ser, mas porque? Eu sabia tantas coisas, sabia muita teoria sobre ser 
professora, mas a prática foi muito desmotivante. E foi nesses dois 
extremos, entre saber e praticar, que me questionei muito sobre que 
professora eu seria. A verdade simples é que eu não sei. O módulo, na 
verdade o semestre, me mostrou como as histórias da minha vida es-
tão marcadas a ferro e fogo em mim, no meu caráter, na minha perso-
nalidade, nas minhas relações pessoais e principalmente nas minhas 
práticas profissionais. Em meio a isso tudo que estou tentando fazer 
é aprender a lidar com todas as marcas que a vida nos deixa, sejam 
boas ou ruins, reforça-las quando necessárias, esquece-las quando for 
preciso, mas a lidar com elas. Elas estão aqui, não tem como fugir e 
tudo o que eu posso fazer é não desistir e sim levá-las para o melhor 
lugar que elas podem se encaixar na minha vida. 
O melhor lugar, qual será ele? Existe esse lugar? Gosto de pensar nesse 
lugar como o espaço da dúvida que nos mantenha abertos à metamorfoses, 
que nos possibilite ler o mundo de outras maneiras, por meio de palavras 
eternamente renovadas das quais possam surgir um (re)começar plenamente 
afirmativo, “formalmente selvagem” (Larrosa, 1998).
Das dúvidas iniciais, a maioria ainda fica, contudo já sinto uma curio-
sidade e vontade de experimentar mais uma vez entrar numa sala de 
aula, e tentar eu mesma redigir meu texto, dirigir minha história, não 
com personagens, mas sim com pessoas de verdade e tentar marcar ou 
fazer a diferença pra alguém. (Relato de Natalina, estudante de LCB, 
durante módulo de ensino Prática I)
6 A referência aqui ao módulo de ensino Prática I, do 5º semestre da LCB.
Mas a dúvida que paira no ar agora é como colocarei tudo em prática, 
como não me deixarei ir em pequenos detalhes para o lado de tudo 
aquilo que aprendi a não querer? Essas são perguntas para as quais 
ainda não tenho respostas. Mas sei que não adianta sonhar achando 
que você será como esses professores vistos em filmes espetaculares, 
verdadeiros heróis. Sim terei rotina cheia de falhas e fracassos diários, 
porém o lado bom de tudo isso é que estou construindo a realidade 
e não terei como nos filmes, que agir segundo um roteiro, mas sim 
com pequenos pedaços de vida que passarão pela minha frente, como 
sonhos remendados pelo destino, e uma grande vantagem, a de poder 
mudar o final, a de fazer o meu final e reinventar em sala de aula, um 
mundo a parte, capaz de formar pessoas livres a tal ponto que possam 
até optar por continuar do mesmo modo de antes (Relato de Rafa, 
estudante de LCB, durante módulo de ensino Pratica I)
Essa, como diz Larrosa (1998:62), “é uma bela imagem para um pro-
fessor: alguém que conduz alguém para si mesmo” livremente, a ponto de 
escolher permanecer onde está, escolhendo sua própria maneira de ser.
Mas, ainda estamos desejantes de controle, formatados em discursos 
com locais pré-definidos de chegada, em modos de ser estabilizados, san-
cionados, autorizados por porta-vozes que elegemos não como referências, 
mas como autoridades inquestionáveis. Autoridades que se esvaem quando 
nos deparamos com estudantes e situações semelhantes às do início de nossa 
história. Jovens, homens, mulheres, crianças, ribeirinhos, camponeses, todos, 
habitantes de um mundo babélico, muito distantes do aluno-padrão que um 
dia nos ensinaram a esperar.
Cuidar de si, ocupar-se de si, eis a lição que nos resta aprender, eis o 
caminho ao qual nos aventurar no processo de nos (trans)formarmos profes-
sores, mantendo-nos nessa busca incessante do encontro com o novo, com 
o outro, com a diferença, com o que seremos, com o que um dia fomos. Aí, 
(quem sabe?) Babel venha a ser nosso lar e assim, não mais temendo seus 
habitantes e seduzidos por sua pluralidade encantadora possamos nos tornar 
um deles, destemidamente.
48
Por uma docência babélica
49
Referências Bibliográficas
BROCKMEIER, Jens e HARRÉ, Rom. Narrativas: problemas e promessas de um 
paradigma alternativo. Psicologia: reflexão e crítica. v.16, n. 3, 2003 p.525-535.
CHAVES, Sílvia Nogueira. Memória e autobiografia: nos subterrâneos da formação 
docente. In: SOUZA, Elizeu Clementino de (org.).

Outros materiais