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Estagio supervisionado e praticas educativas

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Roberto José

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1
Estágio Supervisionado
e Práticas Educativas:
Diálogos interdisciplinares
Adair Vieira Gonçalves
Alexandra Santos Pinheiro
Maria Eduarda Ferro
(organizadores)
Sumário
Prefácio 05
Apresentação 09
PRIMEIRA PARTE
Estágio: do labirinto aos frágeis Fios de Ariadne
Roseli A. Cação Fontana 19
Por uma docência babélica:
o cuidado de si na formação
de professores de biologia
Silvia Nogueira Chaves 33
Pressupostos Bachelardianos na sala de aula
Sérgio Choiti Yamazaki &
Regiani Magalhães de Oliveira Yamazaki 51
SEGUNDA PARTE
Formando professores de história a partir da prática
Antônio Dari Ramos & Eliazar João da Silva 79
O ensino em artes e a formação reflexiva:
olhares sobre a formação docente
Roberta Puccetti Polízio Bueno 101
Tecnologias e educação:
reflexões a formação de professores
Lucélio Ferreira Simião, Maria Eduarda Ferro &
Aline Maria de Medeiros Reali 125
TERCEIRA PARTE
Parcerias no desenvolvimento profissional do professor:
espaços de (re)significação para o Estágio Supervisionado
Vera Lúcia Lopes Cristóvão 145
5
Prefácio
POR UM CAMPO DE INVESTIGAÇÃO
INTERDISCIPLINAR PRÓPRIO
PARA OS ESTÁGIOS SUPERVISIONADOS
DAS LICENCIATURAS
A produção científica brasileira vem crescendo de forma bastante 
significativa nos últimos anos. Acompanhando esse crescimento, temos a sa-
tisfação de apresentar este livro sobre estágio supervisionado, em diferentes 
cursos de licenciatura. A satisfação se justifica pelo privilégio de desfrutar, em 
primeiríssima mão, da leitura de textos significativos para a formação inicial 
de professores e pela honrosa função exercida ao apresentarmos uma obra 
inovadora aos inúmeros leitores interessados no assunto focalizado.
Ao problematizar diferentes situações de conflito e tensão, seja na prá-
tica de observação ou de regência de aulas de professores em formação inicial, 
conforme configuração usual dos estágios nas licenciaturas, este livro se dife-
rencia da literatura especializada já existente sobre o assunto. Muda-se aqui o 
foco das normativas sobre estágios supervisionados e das concepções dessas 
disciplinas originárias dos referidos documentos, conforme característico das 
obras produzidas sobre as disciplinas por profissionais da pedagogia, no cam-
po de investigação da ciência da educação. Essas obras inquestionavelmente 
possuem o próprio mérito.
Este livro reúne a produção científica de profissionais inseridos em di-
ferentes campos de estudo que perpassam os cursos de licenciatura. São resul-
tados da experiência profissional de docentes responsáveis por disciplinas de 
estágio nas licenciaturas em artes, biologia, física, geografia, história, língua 
Estágio Supervisionado - diálogos possíveis
entre a instância formadora e a escola
Maria Ângela Paulino Teixeira Lopes 159
Desafios do Estágio Supervisionado
numa licenciatura dupla: flagrando demandas e conflitos
Wagner Rodrigues Silva & Selma Maria Abdalla Dias Barbosa 181
Estágio Supervisionado em letras:
teoria e prática nos documentos de estágio
Adair Vieira Gonçalves & Alexandra Santos Pinheiro 209
Estágio supervisionado na gestão e na docência
em pedagogia: inquietações e mudanças ao compasso
da legislação e da sensibilidade 
Maria Alice de Miranda Aranda &
Maria José de Oliveira Nascimento 231
O estágio supervisionado na formação do professor
em geografia
Flaviana Gasparotti Nunes & Sedeval Nardoque 257
O estágio supervisionado em prática de ensino de ciências 
e biologia: (des)construção de imagens do ser professor? 
Lenice Heloísa de Arruda Silva,
Roque Ismael da Costa Güillich & Fernando César Ferreira 277
A formação pela pesquisa:
o estágio como espaço de construção dos saberes
Nyuara Araújo da Silva Mesquita &
Márlon Herbert Flora Barbosa Soares 293
Reflexões e percepções sobre a prática docente
dos professores de química do ensino médio
da região de Dourados
Antonio Rogério Fiorucci, Claudia Andréa Lima Cardoso
& Edemar Benedetti Filho 309
6 7
estrangeira, língua portuguesa, pedagogia e química. Assumindo o risco de 
compor um grande mosaico disforme, os organizadores deste volume foram 
felizes ao apresentar um significativo panorama das demandas emergentes na 
formação inicial do professores em diferentes licenciaturas. 
 A organização desses textos de origem diversa permite-nos depreen-
der demandas convergentes na formação inicial de professores em diferentes 
licenciaturas. A antiga demanda pela articulação entre abordagens teóricas e 
práticas profissionais permanece, o que é um reflexo do diálogo ainda pouco 
estreito entre a escola de educação básica e as instituições de ensino superior. 
A formação de professores críticos, capazes de refletir sobre a própria atuação 
profissional, está condicionada à referida articulação. A teoria de referência 
precisa orientar as atividades didáticas em contextos de instrução.
Outras demandas para os cursos de licenciatura, dentre as diversas fo-
calizadas, correspondem à formação de professores capazes de orientar ativi-
dades didáticas de leitura e escrita, bem como de utilizar novas tecnologias da 
informação e comunicação como instrumentos de mediação na aprendiza-
gem do aluno da educação básica. Este livro mostra ainda que, muitas vezes, 
nem mesmo os professores em formação inicial demonstram familiaridade 
com as práticas de leitura e escrita, o que nos revela a necessidade de as licen-
ciaturas se responsabilizarem também pela formação de profissionais capazes 
de trabalharem com as referidas práticas de linguagem, não se restringindo às 
Licenciaturas em Letras, conforme normalmente é proposto.
A partir dos breves comentários aqui apresentados sobre as demandas 
na formação inicial de professores, deixamos para o leitor o seguinte ques-
tionamento a ser respondido com maior segurança a partir do significativo 
passeio ao longo das páginas deste livro: seriam as disciplinas de estágio su-
pervisionado exclusivamente responsáveis por essa situação desestabilizadora 
na formação profissional do professor? Conforme é do nosso conhecimento, 
esse questionamento se justifica por essas disciplinas frequentemente serem 
caracterizadas como um espaço de conflito e de tensão, na formação inicial 
de professores. 
No exercício da docência do ensino superior, em disciplinas de estágio 
supervisionado, surpreendemo-nos ironicamente com a pouca familiaridade 
dos professores em formação inicial com as salas de aula da educação básica. 
Ao ingressarem nas licenciaturas, esses professores em formação parecem ig-
norar os inúmeros anos de frequência à escola. Surpresa maior, justificando 
aí a referida ironia, é a prática de ensino ser desconsiderada nas disciplinas de 
fundamento, as denominadas disciplinas teóricas, e, até mesmo, nas discipli-
nas pedagógicas, em cursos de licenciatura. Portanto, parece improcedente 
atribuir os insignificantes resultados, na formação inicial de professores, ao 
trabalho pedagógico desenvolvido nos estágios supervisionados.
Conforme esclarecido nas páginas deste livro, os estágios supervisio-
nados demandam articulação entre teorias acadêmicas e práticas pedagógicas. 
O campo de estágio inviabiliza que essa articulação continue sendo protela-
da, conforme é comum acontecer ao longo das licenciaturas. Nos estágios, 
impreterivelmente, é chegado o momento de articulação entre diferentes 
saberes docentes, responsáveis pela orientação da ação profissional. A mobili-
zação de saberes acadêmicos em resposta às demandas da prática pedagógica 
produz os saberes da experiência, principais orientadores da ação realizada 
pelos professores em serviço.
A abordagem interdisciplinar que informa este livro é resultado da 
mobilização de saberes de diferentes áreas pelos autores dos capítulos reuni-
dos, em especial originários do vasto campo de estudos da ciência da educa-
ção. É expressivo aqui o número de textos produzidos em co-autoria, o que 
é sintomático da prática cooperativa de construção do conhecimento cientí-
fico, numa abordagem teórico-metodológica descomprometida coma frag-
mentação dos saberes ou disciplinarização. 
Enquanto leitores desta obra, somos convidados a participar dos di-
álogos interdisciplinares instaurados no interior de cada capítulo, como re-
sultado da mobilização de saberes específicos de cada licenciatura e de outras 
disciplinas de referência, como educação, filosofia, linguística e sociologia, 
8 9
todas com diversas abordagens teórico-metodológicas que lhes são inerentes. 
O diálogo é enriquecido ainda mais quando temos a oportunidade de estabe-
lecer comparações entre as questões de ensino tematizadas nos diferentes ca-
pítulos. Nesse momento, conforme destacamos anteriormente, percebemos a 
convergência das inúmeras demandas na formação inicial de professores.
Não querendo nos alongar nesta apresentação, caso contrário, arris-
camo-nos ainda mais em interferir excessivamente nas leituras que serão rea-
lizadas deste livro. Apenas acrescentamos que inúmeros foram os questiona-
mentos provocados a partir da leitura desta obra. Foram provocações sobre o 
trabalho de formação de professores e os desdobramentos emergentes para a 
educação básica. Excitar a formulação de questões parece-nos bastante pro-
dutivo, pois significa que o conhecimento está em constante deslocamento 
ou construção.
Os questionamentos nos sobrevieram juntamente com algumas res-
postas, das quais, para finalizar a apresentação deste livro, destacamos o for-
talecimento da nossa desconfiança de que as pesquisas científicas sobre os es-
tágios supervisionados das licenciaturas estariam provocando o surgimento 
de um campo de investigação interdisciplinar próprio desses estágios. Nesse 
sentido, finalizamos nossas considerações aqui com uma pergunta que nos 
acompanha há algum tempo, a qual é uma paráfrase do título atribuído à 
apresentação deste livro: as pesquisas científicas sobre estágios supervisiona-
dos das licenciaturas estariam se configurando como um campo próprio de 
investigações interdisciplinares? Acreditamos que a leitura deste livro permi-
tirá aos inúmeros leitores nos auxiliar na tentativa de encontrar alguma res-
posta para a pergunta apresentada, caso já estejamos num momento propício 
para essa empreitada. 
Wagner Rodrigues Silva (UFT/CNPq)
Universidade Federal do Tocantins,
Campus Universitário de Araguaína,
27 de junho de 2010.
Apresentação
O livro que ora apresentamos à comunidade escolar e científica é re-
sultado da preparação do I Seminário Nacional de Estágio Supervisionado: 
diálogos entre licenciaturas e II Fórum de Licenciaturas da UEMS, em se-
tembro de 2009. Os textos reunidos aqui resultam de pesquisas de docentes 
da Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD, da Universidade 
Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS, além de trabalhos dos docentes 
convidados do evento. 
Correndo o risco de sermos redutores e de fazermos um mosaico dis-
forme, o livro apresenta uma unidade dentro da variedade: o Estágio Supervi-
sionado e as práticas de ensino, nas mais distintas licenciaturas. Assim, temos 
discussões acerca do Estágio como preparação profissional do estudante e a 
consequente relação deste com o professor que o recebe nas escolas de En-
sino Fundamental e Médio; discussões acerca das associações entre a insti-
tuição formadora e escolas, destacando a necessidade de uma parceria forte 
no trabalho educacional, seja por meio dos NAPs – Núcleo de Assessoria 
Pedagógica para o Ensino de Línguas, seja por meio dos Centros de Recursos 
para o ensino/aprendizagem de língua Inglesa (CREALI), seja por meio da 
formação continuada e/ou projetos de extensão. 
Outros capítulos discutem o estágio (de observação, de semirregên-
cia e de regência) como atividade que permite o contato com a realidade e 
favorece a reflexão teórica. Outros ainda discutem as práticas de ensino e a 
formação docente e as prescrições de documentos de estágio, incidindo na 
formação docente. 
Trouxemos a experiência da pesquisadora Ivani Fazenda (1991) na 
licenciatura em Pedagogia, para o debate sobre o Estágio. A partir do rela-
10 11
to de uma pesquisa-ação, a autora mostra possíveis alternativas para superar 
os desafios dos estágios supervisionados nos cursos de licenciatura. Fazenda 
caracteriza a trajetória escolar dos acadêmicos de licenciatura como “estados 
de hibernação”, porque poucas vezes é-lhes possibilitado refletir sobre o con-
teúdo. Em geral, apenas copiam fragmentos quando uma pesquisa, ao longo 
dos ensinos Fundamental e Médio, é-lhes recomendada.
A denominação adotada por Ivani Fazenda (1991) levou-nos a inves-
tigar a concepção de pesquisa para Pedro Demo (1999), autor chave para 
a reflexão teórico-metodológica da pesquisa. De acordo com Demo, o pro-
fessor dos ensinos Fundamental e Médio não se coloca como pesquisador 
porque, na universidade, foi “domesticado” (palavra do autor) a imitar. Para 
deixar de ser um reles ensinador (novamente adotamos a terminologia do 
autor), o professor necessitaria repensar sua atitude e aprender a ser pesqui-
sador. Ao tratar da prática do educador, Demo (1999) recomenda que ela (a 
prática) esteja pautada na teoria e que esta, por sua vez, seja confrontada com 
a realidade histórica. 
Acreditamos que às disciplinas de Práticas de Ensino e Estágio Super-
visionado (e aos supervisores) são delegadas a função de formar professores 
com conhecimento teórico para atuar no ensino, adotando uma prática coe-
rente com o referencial teórico e com a realidade social, econômica e históri-
ca do grupo que pretende formar.
É interessante tratar, também, da importância do professor-orienta-
dor de estágio. Segundo Bueno (2007, p.6), o papel do orientador de estágio 
deve ser o de “abrir caminhos para que os alunos se exponham, coloquem-se 
como professores para ajudá-los a compreender a dinâmica do trabalho que 
escolheu seguir, as visões construídas sobre os docentes pela sociedade e por 
nós mesmos, professores ou futuros professores”. Nós acrescentaríamos às re-
flexões da autora, que o papel do orientador de estágio é, também nas etapas 
finais da graduação, de quaisquer licenciaturas, o de fazer imbricar aspectos 
trabalhados nas disciplinas (equivocadamente) concebidas como puramen-
te teóricas nas disciplinas de Práticas de Ensino e Estágio Supervisionado, 
tidas (também equivocadamente) como disciplinas exclusivamente práticas 
dos cursos de formação de professores. Nosso papel é o de fazer emergir a 
teoria na prática e esta naquela. É preciso haver um retorno aos documentos 
oficiais, PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), PCNEM (Parâmetros 
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio), OCEM (Orientações Cur-
riculares para o Ensino Médio), entre outros, para verificação de como são 
prescritas as atividades para os futuros docentes e as ações que eles verão/
analisarão em sala de aula, na observação e na regência.
Da organização do volume:
A primeira parte de obra é composta por três capítulos cuja ênfase 
recai no questionamento de modelos e concepções arraigadas sobre o fazer-se 
professor com vistas a propor o estágio como oportunidade singular de cons-
tituição e autopercepção do sujeito docente. No capítulo de abertura Roseli 
Cação Fontana traz as reflexões sobre o processo de inserção do estagiário na 
escola, assumindo a chegada ao campo de estágio como um momento deli-
cado e decisivo na constituição da profissionalidade docente. O estágio nos 
é apresentado pela autora como instância formadora recíproca e intersubje-
tiva, momento singular de múltiplas aprendizagens: aprende-se com o outro 
(estagiário, formador, professor em formação) e também aprende-se muito 
sobre si mesmo. Na mesma direção, Silvia Nogueira Chaves compartilha com 
os leitores inquietações oriundas de sua vivência como formadora de profes-
sores e a experiência do recurso à produção autobiográfica como dispositivo 
pedagógico. Convida-os a refletir sobre o desafio da formação docente para 
além da racionalidade científica. Sérgio Choiti Yamazaki e Regiani Magalhães 
de Oliveira Yamazaki também questioname criticam modelos cristalizados 
de formação docente, no capítulo que apresentam os princípios da epistemo-
logia bachelardiana, que aproxima emoção e cognição, afeto e aprendizagem, 
12 13
para ressaltar os (frequentemente ignorados) aspectos subjetivos envoltos no 
processo de produção do conhecimento.
A segunda parte da obra reúne três capítulos de áreas distintas (His-
tória, Artes e Tecnologias), que se singularizam ao discutir e problematizar 
questões afetas às práticas educativas na formação docente. Antonio Dari 
Ramos e Eliazar João da Silva relatam o papel que a prática desempenha na 
formação docente na área de História. Apontam a necessidade de inseri-la 
nos cursos de formação de professores, chegando aos desdobramentos da le-
gislação atual e desembocando nos desafios impostos ao curso de História 
para sua adequação à legislação vigente. Roberta Pucetti ressalta a relevância 
das licenciaturas e da formação continuada como fundamento para profissio-
nalização docente, ancorada na unidade entre teoria e prática e na reflexão 
das metodologias ativas de aprendizagem, pressupostos para a consolidação 
da Arte como conhecimento e na sua valorização para a formação integral 
do cidadão. Preocupados com formas originais de ensinar e de aprender, de 
acesso à informação e de experimentação do conhecimento, Lucélio Ferreira 
Simião, Maria Eduarda Ferro e Aline Maria de Medeiros Reali discutem a 
importância das diferentes licenciaturas contemplarem o desenvolvimento 
de competências para o emprego significativo das Novas Tecnologias de In-
formação e Comunicação (NTICs) no exercício da docência. 
Nove capítulos compõem a terceira e última parte do volume. Nela 
são apresentadas e discutidas experiências de estágio supervisionado em 
diferentes cursos de licenciatura. Vera Lúcia Lopes Cristóvão analisa as ex-
periências de desenvolvimento profissional colaborativo entre os professo-
res da rede estadual de ensino, os professores universitários das disciplinas 
de prática de ensino de inglês e alunos-professores. Apresenta alguns desses 
espaços de ações coletivas e individuais voltados para o aprimoramento do 
trabalho educacional e a instalação de comunidades de prática (científicas 
e de trabalho) por meio de atuação em projetos de extensão. Maria Ângela 
Teixeira Paulino Lopes examina as práticas discursivas envolvidas no âmbito 
da disciplina Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa e Tópicos sobre 
Educação, em um curso de Letras de uma universidade privada. A autora pro-
cura refletir sobre as representações de estagiários e de professores de língua 
materna (Educação Básica) acerca do próprio agir e do lugar que esse profis-
sional do ensino ocupa na sociedade. 
Por meio da metodologia de análise documental, Wagner Rodrigues 
Silva e Selma Maria Abdalla Dias Barbosa investigam desafios internos e 
externos à prática pedagógica do estágio supervisionado numa licenciatura 
dupla em Letras, que por tal singularidade gera demandas diferenciadas na 
formação inicial do professor. A prática de ensino interdisciplinar é apresen-
tada como alternativa pedagógica para minimizar os desafios instaurados, 
normalmente provocados pelo trabalho docente isolado ou disciplinar e com 
pouca articulação entre aspectos teóricos e práticos. Adair Vieira Gonçalves 
e Alexandra Santos Pinheiro discutem, a partir do Interacionismo Sociodis-
cursivo (ISD) (BRONCKART, 2003), a formação inicial de professores. O 
capítulo analisa o Regulamento de estágio e o projeto de intervenção, comu-
mente solicitado a professores em formação inicial como requisito parcial 
para a conclusão da disciplina Estágio Supervisionado e, em decorrência, 
para a efetiva conclusão de curso.
O capítulo de Maria Alice de Miranda Aranda e Maria José de Oli-
veira Nascimento discute o Estágio Supervisionado do Curso de Pedagogia 
da Faculdade de Educação/UFGD à luz das prescrições legais, de orienta-
ções teóricas e de reflexões acerca das práticas que movimentam o processo 
educacional no limiar do século XXI. As autoras propõem a reflexão sobre 
o tema com vistas a caminhar em direção à educação almejada, começando 
por transformar as mudanças em ações concretas, ainda que pareçam peque-
nas. Flaviana Gasparotti Nunes e Sedeval Nardoque abordam questões rela-
cionadas ao estágio supervisionado em Geografia, levando em consideração 
tendências encontradas nos cursos de licenciatura. Propõem a construção de 
uma perspectiva de estágio que faça o diálogo entre a prática e a teoria.
14 15
Lenice Heloisa de Arruda Silva, Roque Ismael da Costa Güllich e Fer-
nando Cesar Ferreira abordam o papel da etapa de observação no Estágio 
Supervisionado em Prática de Ensino de Ciências e Biologia. Apresentam os 
limites dessa etapa na constituição docente dos licenciandos, ao centrar seu 
foco somente na figura do professor da escola, desconsiderando as condições 
sociais que permeiam a prática educativa. Nyuara Araújo da Silva Mesquita 
e Márlon Herbert Flora Barbosa Soares defendem a necessidade de superar 
a visão simplista do estágio como cumprimento das horas formais exigidas 
pela legislação. Relatam a experiência dessa superação pela inserção da pes-
quisa na formação inicial utilizando o momento do estágio supervisionado. 
Por fim, Antonio Rogério Fiorucci, Claudia Andréa Lima Cardoso e Edemar 
Benedetti Filho discorrem sobre o ensino de Química no Ensino Médio nas 
escolas da região de Dourados, mostrando as dificuldades enfrentadas pelos 
professores, além de apontar para uma questão pertinente: a importância de 
se repensar a formação inicial desses profissionais.
Os organizadores
AGRADECIMENTOS
Agradecemos a todos os autores - colaboradores desta obra que, em 
tempo recorde se dispuseram (re) escrever seus textos. Momento singular 
para a troca de experiências. Agradecemos a Layla Cristina Iapechino Souto, 
bolsista de Iniciação Científica do CNPq 2010/2011 pela revisão técnica. 
Agradecemos ao LALIC- Laboratório das Licenciaturas da UEMS, pelo fi-
nanciamento integral dessa publicação com recurso proveniente do Edital 
MEC/CAPES Nº 002/2008 – Programa de Consolidação das Licenciaturas 
– PRODOCÊNCIA. 
 
16 17
Primeira Parte 
18 19
ESTÁGIO - DO LABIRINTO
AOS FRÁGEIS FIOS DE ARIADNE
Roseli A. Cação Fontana 
Introdução – explicitando um ponto de vista
nas considerações sobre o estágio curricular. 
O estágio, como parte significativa da preparação profissional do estu-
dante, é uma atividade em que o aprendizado do processo de trabalho desen-
volve-se em duas condições de produção distintas e articuladas: a atividade 
da educação formal e a vivência de situações de trabalho. 
No caso da formação do professor, a educação formal ancora-se no 
ensino dos sistemas explicativos das ciências, da filosofia, da jurisprudência e 
das técnicas relativas à docência, apresentados na forma de saberes disciplina-
res sistematizados. A vivência de situações de trabalho, por sua vez, implica 
a inserção do estudante na dinâmica da escola e o exercício do papel de pro-
fessor. Nesta instância de aprendizado, o estudante apreende conhecimen-
tos que se elaboram, segundo Schwartz (2000), em estudos desenvolvidos 
sobre o trabalho como atividade humana, na negociação entre dois polos de 
exigências: o das normas antecedentes, que enquadram o trabalho docente 
como “trabalho prescrito”, e o da reconfiguração dessas normas na particula-
ridade das situações, como “trabalho real”, no qual cada professor recria o que 
estava supostamente antecipado (SCHWARTZ, 2000). Esses saberes, dife-
rentemente dos disciplinares, organizam-se de modo não linear, não siste-
matizado, estando ancorados nas histórias e situações concretas, e envolvem, 
notadamente, a dificuldade de traduzir, em palavras, a experiência. 
20
ESTÁGIO - Do labirinto aos frágeis fios de Ariadne
21
Dessa perspectiva, no estágio encontram-se e confrontam-se patrimô-
nios de conhecimentos e de valores distintos que, em sua relação, questio-
nam-se mutuamente produzindoo “desconforto intelectual”, conceito forja-
do por Schwartz (2000) para designar o sentimento de que o conhecimento 
sistematizado é defasado em relação à experiência e de que generalidades e 
modelos necessitam ser sempre reapreciados. 
O “desconforto intelectual” experimentado pelo estagiário afeta suas 
relações com o professor que o recebe e com seus formadores na Universida-
de, evidenciando que o estágio não é um problema exclusivamente pedagó-
gico, mas social e filosófico, necessitando considerar de outra maneira tanto 
a atividade de ensino do professor, quanto sua formação. E, nesse sentido, é 
reducionista a visão de que o estágio possibilitaria ao futuro professor expe-
rimentar-se naquilo que está estudando. O estudante passa, de fato, por essa 
experiência; entretanto é confrontado a muitas situações não estudadas. Nas 
salas de aula e em outros espaços da escola, ele vive episódios inesperados e 
vê-se diante de modos de ensinar e de conduzir as relações que evidenciam 
escolhas e julgamentos, por parte dos professores, que escapam aos modelos 
estudados. Muito mais do que experimentar-se naquilo que está estudando, 
o estágio é um momento em que se cotejam os papéis e responsabilidades 
respectivas dos estagiários, dos professores que recebem os estagiários e dos 
formadores na universidade. 
Trata-se, então, o estágio de uma atividade intersubjetiva que envol-
ve a proficiência, desconhecimentos e projetos dos estagiários e de seus for-
madores, na universidade e na escola básica. Nas relações instauradas pelo 
estágio, cada um dos sujeitos envolvidos tem sua “zona de cultura e incultu-
ra” (SCHWARTZ, 2001, p. 12). A aprendizagem dos saberes disciplinares 
é acompanhada de uma “zona de incultura”, relativa a tudo que a atividade 
do trabalho recria de saberes, de valores, de histórias particulares de que os 
professores em atuação nas escolas são portadores. Por sua vez, os saberes da 
experiência são acompanhados de uma “zona de incultura” relativa a sua con-
ceitualização e sistematização. 
No encontro entre o que se conhece e as “zonas de incultura” atuam 
“forças de convocação e de reconvocação”. Schwartz define os saberes disci-
plinares como “forças de convocação”, no sentido de buscarem trazer para 
o escopo de suas referências os eventos do estágio, neutralizando a história 
atual e local, dos homens e das atividades. Por sua vez, os saberes do traba-
lho são definidos como “forças de reconvocação” na medida em que testam, 
avaliam e invalidam, em parte, os conhecimentos disciplinares, quando os 
contrapõem ao universo de saberes da experiência. 
Nessas relações, nas dificuldades para trabalharem conjuntamente, 
todos os sujeitos envolvidos incorporam, a si, valores e práticas da docência, 
interiorizam tradições escolares, apropriam-se de modos de ação, de dizer e 
de valorar a docência, significando-os como adesão ou recusa, produzindo, 
nas réplicas ativas (BAKHTIN, 1986) ao vivido, sua experiência (THOMP-
SON, 1979). Nesse sentido, pode-se definir o estágio como uma instância 
de formação recíproca em que o outro (referindo-me à tríade – estagiário, 
formador, professor em atuação) é alguém com quem se vai aprender algo. 
Algo sobre o outro - o que ele faz, as especificidades da sua experiência - e, 
também, algo sobre si mesmo. 
Essa formação envolve as pressuposições sobre o outro, sobre o que 
faz e por que faz, sobre seus valores e como eles têm sido vividos, pressuposi-
ções acerca dos próprios saberes e projetos e as surpresas diante desse outro, 
que escapam às pressuposições, na medida em que a docência, como toda 
atividade de trabalho, envolve escolhas e julgamentos, tomadas de decisão em 
situações que, a despeito das determinações, escapam às prescrições. 
Schwartz refere-se às exigências de contemplar as normas anteceden-
tes e de recriá-las em função daquilo que se apresenta como novidade na situ-
ação imediata de trabalho como “uso dramático de si mesmo”. A apreensão e 
a compreensão do “uso dramático de si mesmo” só se tornam possíveis se não 
forem neutralizados os aspectos históricos da situação de trabalho em favor 
das pressuposições orientadas pelas explicações e modelos sistematizados. 
22
ESTÁGIO - Do labirinto aos frágeis fios de Ariadne
23
Ela só se torna possível quando se busca a “sempre-perseguida-embora-ina-
tingível-tentativa de adotar o ponto de vista do outro” (EUGÊNIO, 2003, p. 
209), em que se evidencia o próprio ponto de vista, uma clássica questão das 
ciências humanas. 
Os pressupostos assumidos por Schwartz na produção de conheci-
mentos sobre o trabalho aproximam-se das teses de Bakhtin (1986, 2003) e 
de Thompson (1979, 1981) acerca da apreensão do ponto de vista do outro 
e de sua experiência. Em seus campos específicos – o dos estudos da lingua-
gem e o da história - ambos apontam, a exemplo das análises de Schwartz, 
na direção da superação de análises abstratas e da aproximação das ações dos 
sujeitos e dos modos como significam essas ações a partir de lugares sociais 
específicos que ocupam.
1-Dialogia e experiência
Bakhtin assume a centralidade da linguagem na constituição dos co-
nhecimentos em circulação na vida social e focaliza a apreensão do ponto de 
vista do outro e de sua experiência como compreensão dialógica. 
O conceito de diálogo, em Bakhtin, supõe a tensão entre vozes sociais 
em disputa, que modulam os sentidos da linguagem, configurando a com-
preensão como uma réplica ativa às palavras dos outros. Produzindo-se no 
encontro/confronto entre essas palavras alheias e aquelas de que os sujeitos 
já se apropriaram e que os constituem, a compreensão é sempre uma partici-
pação no diálogo. Ela passa pelo reconhecimento dos significados e sentidos 
em jogo e vai além dele, implicando uma tomada de posição frente a eles – de 
adesão ou de recusa, de acordo ou desacordo, de divergência ou de conver-
gência, de conciliação ou de luta. 
Nesse sentido, não há significados intrínsecos aos conceitos sistemati-
zados que configuram o campo da formação docente, dos quais os estudantes 
apenas se apropriam. Do mesmo modo, não há um estudante genérico, nem 
relações de formação em abstrato. Os conceitos remetem às formações histó-
ricas em que se constituem e se sustentam, às coordenadas sociais, culturais e 
de subjetivação que atendem a necessidades práticas e a propósitos pragmá-
ticos específicos. A eles, os formadores e os estudantes concretos - síntese de 
relações sociais múltiplas e diversas - respondem ativamente, elaborando-os a 
partir das posições sociais que ocupam, tanto na relação de ensino (sua con-
dição imediata de produção) quanto nas muitas relações sociais em que se 
inscrevem e se constituem (relações de parentesco, de trabalho, de gênero, de 
grupo geracional, etc.). 
Nas relações intersubjetivas do processo de formação, os sentidos da 
docência e da escolarização produzem-se, reproduzem-se e transformam-
se e a linguagem, como princípio suposto de uma inteligibilidade comum, 
reconfigura-se como o lugar onde as dessemelhanças se revelam. Ou seja, os 
significados não são apenas refletidos pelos sujeitos, como as imagens em um 
espelho, mas também são refratados por eles, em sentidos múltiplos e con-
traditórios que remetem, como assinala Bakhtin, ao confronto de interesses 
sociais nos limites de uma só e mesma comunidade semiótica. 
Thompson aborda os processos de formação como formas de interio-
rização da experiência, através dos quais tradições culturais são apropriadas 
e significadas, remetendo à singularidade nas condições históricas comuns 
da existência. A experiência, como o conjunto das relações sociais vividas 
na cultura (THOMPSON, 1981), não se restringe ao âmbito das ideias, do 
pensamento e de seus procedimentos. Ela produz-se e singulariza-se como 
significação. Na sua raiz estão os signos, que constituem os diversos sistemas 
culturais que fazem parte da genética de todo o processo histórico, tais como 
os costumes, as regras visíveis e invisíveis de regulaçãosocial, hegemonia e 
deferência, formas simbólicas de dominação e de resistência, fé religiosa e im-
pulsos milenaristas, maneiras, leis, instituições, ideologias. Signos, que pro-
duzidos na relação com o outro, afetam os participantes das relações sociais, 
redimensionam e transformam a atividade humana, possibilitam a produção 
de sentidos, conforme assinala Bakhtin. 
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Longe de essencializar as subjetividades, a experiência traduz uma 
busca por apreender indícios de seus processos de constituição - sem esca-
motear as ambiguidades neles envolvidas - em meio à participação dos indi-
víduos em diferentes grupos de pertencimento. Assim, no entrecruzamento 
das condições de produção da vivência imediata com as determinações mais 
amplas da história social, a experiência é vivida como sentimento, como nor-
mas, obrigações e reciprocidades, como valores. Ela é mediada pelas formas 
elaboradas da arte, das ciências ou das convicções religiosas. Nela o humano 
é concebido como ser inscrito na cultura e na história, não apenas como re-
produção, mas como participação, atualização e reinvenção dos modos de 
ser, sentir e pensar.
Segundo Thompson, a experiência define um lugar a partir do qual, na 
análise da realidade social, determinação e agência humana podem ser apre-
endidas em seus nexos relacionais. É na e pela experiência que os sujeitos se 
constituem, como indivíduos e como coletividades. Dessa perspectiva, a es-
trutura social é transmutada em processo, entendido como prática humana, e 
os sujeitos são reinseridos na história.
Um conceito fundamental às duas abordagens é o de significação. A 
linguagem é significação e não existe experiência sem significação. Experi-
ência e significação constroem-se dentro dos limites possíveis às relações so-
ciais e não são observáveis como dados objetivos. Sua apreensão e análise só 
são possíveis através das relações intersubjetivas instauradas e mediadas pela 
linguagem, nas quais o complexo processo de sua elaboração indicia-se em 
enunciados concretos. A compreensão e a interpretação desses enunciados 
realizam-se em ligação estreita com as condições de produção imediatas e 
mais amplas da situação social em que eles se materializam.
Assumindo a aproximação histórica dos sujeitos, proposta por essas 
referências teóricas, proponho-me, neste texto, a analisar o processo de in-
serção do estagiário na escola da perspectiva dos percursos da singularização 
da experiência nos processos de formação nas situações de trabalho e na edu-
cação formal. 
Embora esse momento e essas dimensões do estágio sejam pouco 
abordados, eles mostram-se fundamentais à formação, uma vez que é nessas 
relações e por meio delas que o estagiário observa de perto e de dentro as con-
dições sociais cotidianas de produção da docência, que as interpreta e delas 
participa em um exercício de caráter iniciático.
2-O recorte – o processo de inserção do estagiário
na escola.
A chegada ao campo de estágio é um momento delicado e decisivo, 
que implica dificuldades e idiossincrasias, na aproximação do estudante com 
o complexo de situações e de planos interativos constituídos pela diversidade 
entre as pessoas que compõem a escola, em termos de classe social, de gera-
ção, de gênero, dos papéis e lugares sociais por elas ocupados, na hierarquia 
da própria escola e do sistema de ensino Essas relações geram particularidades 
que fornecem uma identidade, uma referência a cada escola e também a seus 
protagonistas, remetendo a diferentes universos de significação e a tipos de 
interlocuções distintas que aproximam o estagiário das particularidades do 
trabalho docente. 
Assim, apesar de as escolas serem muito parecidas em sua organização 
e em termos das normas antecedentes que as regulam, as redes de relações 
tecidas entre os papéis que as constituem e as pessoas que os ocupam, consti-
tuem uma “zona de incultura” do estagiário. 
A diferença entre papel e lugar social é interessante para explicitar as 
particularidades da escola. O papel social de professor, por exemplo, é defini-
do de acordo com referências e normas estáveis que permitem seu reconhe-
cimento e definem um conjunto de comportamentos esperados dos sujeitos 
que os ocupam. No entanto, esse papel é vivido por indivíduos com histórias 
distintas – alguns não dependem de seu salário para viver, outros são arrimo 
de família; há aqueles que ainda estudam na universidade e aqueles forma-
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dos há 20 anos -, que gozam de status distintos nas relações sociais da escola, 
como por exemplo o professor antigo de casa, o professor inexperiente; o 
professor que faz parte das relações pessoais da diretora; o professor presti-
giado pelos pais dos alunos, o professor querido pelos alunos, etc.. 
As diferenças das histórias pessoais e de status entre sujeitos que vivem 
o papel de professor conferem sentidos distintos a essa condição profissio-
nal. Esses sentidos ganham visibilidade no modo como os sujeitos realizam 
as tarefas diárias pertinentes à docência, reconfigurando-as em alguns de seus 
aspectos, na maneira como esses profissionais se relacionam entre si e como se 
posicionam nas relações de poder internas à escola.
Os sentidos produzidos nas relações cotidianas configuram uma espé-
cie de convenção coletiva que, vivida de forma tácita, define o lugar de cada 
um e indica a maneira de se comportar nas diferentes relações. 
A vida cotidiana das escolas baseia-se nessas relações de convivência 
e de conveniência (MAYOL, 1996), assentadas em relações de poder, que as 
pessoas e os grupos sociais, que compõem a escola, constroem entre si. Nela 
as pessoas são chamadas pelo nome e imediatamente localizadas em função 
dos papéis e lugares sociais que ocupam nas relações. 
Nessas condições, inserir-se significa apreender, compreender e apren-
der a lidar com os lugares sociais, as etiquetas e códigos em jogo nas relações 
e regras de conveniência, com os sentidos com que a hierarquia, o tempo e a 
organização do espaço são pensados e vividos pelos grupos que constituem 
a escola, bem como com os conflitos, negociações e rivalidades que compor-
tam. Compreendê-las implica compreender o papel de estagiário e o lugar 
por ele ocupado nas relações da escola. 
O papel de estagiário não se enquadra nos papéis sociais que compõem 
a escola. Os estagiários não são alunos na escola em que estagiam, tampouco 
são professores, diretores ou funcionários dessa escola, nem alguém ligado às 
famílias daqueles que ali estudam. As pessoas reunidas na escola vivem o seu 
cotidiano, vivem a produção coletiva de significados, situam-se dentro dela. 
O estagiário não. Sua relação com a escola é uma relação deliberada de conhe-
cimento. Sua ida à escola é precedida e acompanhada por leituras, conversas, 
orientações e reflexões. O estagiário sabe que se espera dele a discrição do que 
se vive e se produz na escola. 
Nessa condição, ele não tem um lugar definido na escola. É um estran-
geiro em relação ao grupo do qual se aproxima. Seu lugar dentro da escola 
pode ser definido como um “não-lugar” (AUGÉ, 1994), ou seja, uma posi-
ção e um modo de participação nas relações escolares que se caracteriza pela 
ausência de vínculos e pela provisoriedade. Os estagiários estão de passagem 
pela escola e não têm um lugar assegurado nas relações ali produzidas, sendo 
seu desafio o de produzir “algum lugar” nessas relações, vivendo-as. 
A produção desse lugar não preexiste à presença do estagiário na es-
cola e para realizá-la não há um roteiro pré-definido de abordagem, ainda 
que sua ida à escola seja precedida e acompanhada por leituras, conversas, 
orientações e reflexões. O estagiário sabe que se espera dele a aproximação da 
escola. Contudo, não sabe de antemão o que vai acontecer estando face a face 
com os sujeitos singulares que vivem a escola cotidianamente. 
Como estrangeiro ao grupo, o estagiário sabe-se observadopor aque-
les a quem observa, sabe-se significado por aqueles a quem significa. O grupo 
observado procura socializá-lo, mobilizando seus sistemas de classificação de 
modo a torná-lo socialmente reconhecido, com graus distintos de proximi-
dade. A proximidade e o distanciamento entre o estagiário e os grupos nos 
quais se insere se materializam em condições sociais e políticas particulares 
e assimétricas, orientadas pelas relações produzidas entre a escola básica e a 
universidade e pelos lugares ocupados historicamente, por ambas, nos siste-
mas políticos e culturais.
Embora as relações em que o estagiário se insere no processo de forma-
ção para a docência sejam familiares a ele, em função dos muitos anos vividos 
na escola, na condição de aluno, ao mesmo tempo elas lhe são estranhas, pois 
sua participação inscreve-se em condições de produção distintas daquelas 
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que se vive como aluno. Como estagiário, ele vivencia as relações na escola 
na condição de observador, de interpretador deliberado. Ele experimenta-se 
no “difícil ofício de importunar” (SILVA, 2000, p.21), pois é orientado não 
só a conviver com o grupo, mas a manter um registro sistemático dessa convi-
vência de modo a que possa descrever suas formas de comunicação, seus cos-
tumes, suas rotinas e hábitos, suas escolhas, os textos, entendidos em sentido 
amplo como qualquer conjunto coerente de signos (BAKHTIN, 2003:307), 
que produzem. Ele é um participante estrangeiro. Ele é aquele que está e não 
está presente, porque olha o que acontece ao seu redor para poder anotar, 
descrever o acontecido, procurando ver além do visto e descrito.
A familiaridade assegura-lhe o conhecimento de vários aspectos e 
signos das relações escolares. Ele tem experiências mais ou menos comuns e 
partilháveis, que lhe permitem um nível de interação com as pessoas da es-
cola em que se insere. No entanto, como estagiário, é chamado a confrontar, 
intelectual e emocionalmente, versões e interpretações a respeito de fatos, 
situações e escolhas que constituem o cotidiano escolar. Nessas condições, 
evidencia-se que o familiar não é necessariamente conhecido e tudo aquilo 
que a situação de estágio dele solicita implica o distanciamento do grupo no 
qual é chamado a inserir-se. Cada pergunta do estagiário, cada gesto de es-
crever, mesmo que apressada e brevemente algo, o distancia do grupo com o 
qual se relaciona. 
Na tensão entre o familiar e o estranho ele experimenta a adequação 
(ou não) de seus gestos e dizeres, a dimensão do poder e da dominação que 
regem as relações intraescolares e aquelas da escola com a Universidade. 
Diante do fluxo ininterrupto de significados e sentidos postos em cir-
culação nessas relações, o estagiário caminha pelos corredores familiares da 
escola como se fossem um labirinto cheio de surpresas e escolhas a cada bi-
furcação. O desejo de aprender e de ser bem sucedido em sua empreitada, o 
medo de não ser aceito, a repugnância por certas práticas escolares já conhe-
cidas, a vontade de escapar a elas ou de modificá-las, medeiam a compreensão 
que o estagiário elabora das instruções e orientações recebidas dos formado-
res que o supervisionam e das relações vividas na escola. 
Esses sentimentos, juntamente com aquilo que o estagiário significa 
de suas leituras no processo de formação, com suas vivências na escola, com 
sua sensibilidade e intuição mediatizam suas escolhas em relação aos modos 
de agir e de conduzir as relações com as pessoas e grupos da escola e suas 
decisões quanto àquilo que vai registrar (gestos, falas, episódios interativos, 
nomes, objetos), quando e de que modo vai fazê-lo. 
Parafraseando Silva (2000), o estagiário tece, com seus registros, frá-
geis fios de Ariadne que o ajudam, precariamente, a não se perder no labirin-
to da experiência do outro, que busca conhecer. Esses registros, mais do que 
uma descrição objetiva dos fatos apreendidos na escola, dão visibilidade ao 
próprio estagiário e a sua experiência iniciática, eles evidenciam a presença do 
estagiário em campo como um dado em si mesmo, que aparece misturado aos 
fatos que ele é orientado, no processo de formação profissional, a observar e 
relatar.
Na descrição e interpretação do outro, de seus gestos, de seus dizeres, 
de suas práticas, dos valores nelas implicados, esboça-se o próprio estagiário, 
como professor em formação. O relato da relação com o outro é a réplica 
(BAKHTIN, 1986) do estagiário aos significados e sentidos por ele apreen-
didos nesse outro, é a expressão de seus valores, daquilo que privilegia e tam-
bém das emoções e sentimentos de temor, curiosidade, fascínio, repugnância 
mobilizadas pela inserção na escola. Os frágeis fios que ele tece, indiciam sua 
apreensão do universo da educação escolar, da docência e de si próprio em 
relação a eles. Esboçando o outro com quem se relaciona e a quem observa na 
escola, o estagiário encontra-se consigo mesmo, como personagem do estágio 
e como professor em formação. 
Nesse esboço do outro e de si mesmo indiciam-se vozes sociais, acerca 
de educação escolar, em disputa na formação histórica em que o processo 
de formação desses estudantes está inscrito. Em suas elaborações sobre a do-
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cência, produzidas na relação com a escola, encontram-se e confrontam-se 
conceitos e orientações colocados em circulação pelas disciplinas da forma-
ção inicial na universidade; concepções de docência, de ensino, de educação; 
princípios jurídicos que ordenam o funcionamento das escolas e as formas de 
sua organização real; os discursos que as configuram nos projetos pedagógi-
cos, práticas proferidas e observadas, tentativas de exercício do papel de pro-
fessor etc. Essas referências e significados culturais constituem vozes sociais 
que circulam nos processos de formação e de constituição da profissionalida-
de docente, expressando interesses e posições sociais diversas, em consenso e 
em conflito, a que formadores e estudantes respondem, seja como destinatá-
rios imediatos ou como sobredestinatários de seus discursos. 
Os sobredestinatários, de acordo com Bakhtin, são as visões de mun-
do, as orientações teóricas, as tendências filosóficas, as polêmicas políticas, 
estéticas, pedagógicas, econômicas, que constituem os interlocutores. Eles 
operam o presente (enunciados em circulação), o passado (enunciados lega-
dos pela tradição de que a atualidade é depositária) e o futuro (os enunciados 
que falam dos objetivos e das utopias dessa contemporaneidade) como me-
mória de sentidos (passada e futura), como história e cultura. 
A interação viva dessas vozes sociais e as condições em que é produzi-
da são constitutivas dos enunciados dos estudantes, das escolhas dos forma-
dores e da experiência de formação e de elaboração da sua profissionalidade 
nas situações de trabalho vividas na escola. 
Deter-se sobre o processo social da inserção do estagiário na escola, 
analisando sua complexidade e contradições, pode contribuir para que os 
jovens professores em formação elaborem uma compreensão do trabalho 
docente como uma atividade intersubjetiva, que exige o domínio do conhe-
cimento teórico e técnico, não como um sistema fechado de normas a serem 
seguidas, mas como conhecimento necessário às escolhas e julgamentos que 
as situações reais de trabalho estão sempre a exigir. Escolhas e julgamentos 
que não são da ordem do estritamente pessoal. Antes, configuram “um dra-
mático uso de si”, na medida em que remetem a decisões que afetam o outro, 
a quem nossa atividade se dirige e com quem se realiza, e a construção de um 
viver em conjunto as situações de trabalho no cotidiano da escola, inscreven-
do a formação no que ela tem de mais amplo, sua dimensão ética e política. 
Referências Bibliográficas
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teschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 1986.
EUGÊNIO, Fernanda. De como olhar onde não se vê: ser antropóloga e ser tia em 
uma escola especializada para crianças cegas. In: VELHO, Gilberto; KUSCHNIR, 
Karina (org.). Pesquisas Urbanas: desafios do trabalho antropológico. Rio de Janei-
ro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 208-220.
MAYOL, Pierre. A conveniência. In: CERTEAU, Michel; GIARD, Luce; ______. ; 
A invenção do cotidiano: 2. Morar, cozinhar. Tradução: Ephraim Ferreira Alves e 
Lúcia Endlich Orth. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996.
SCHWARTZ, Yves. A comunidade científica ampliada e o regime de produção de 
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conciencia de classe. Barcelona: Crítica, 1979, p. 294-318.
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POR UMA DOCÊNCIA BABÉLICA:
O CUIDADO DE SI
NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE BIOLOGIA
Sílvia Nogueira Chaves
Se continua nos interessando ficcionar o passado, é para nos dotarmos de 
uma contra-memória, de uma memória que não confirma o presente, 
mas que o inquieta; que não nos enraíza no presente, mas que nos separa 
dele. O que nos interessa é uma memória que atue contra o presente, 
contra a seguridade do presente. E se continuarmos ficcionando o futuro 
não é para projetar nele nossas expectativas. Aquilo que ainda poderia 
depender de nós saber, de nosso poder e de nossa vontade, mas é para 
abri-lo como imprevisível e desconhecido.
Jorge Larrosa e Carlos Skliar
Cena I
O celular toca no meio da aula. Bruno retira de seu ouvido o fone de 
seu MP4 e entabula uma conversa com seu interlocutor. A professora faz sinal 
para ele desligar. Ele vira as costas e continua. A professora indignada sai de 
sala sem saber muito bem porque, mas não consegue tolerar a indiferença dos 
estudantes à sua autoridade. Desce correndo as escadarias e entra como um 
autômato na sala da direção. Porém, ao fazê-lo lembra que da última vez que 
esteve ali não deu em nada. A diretora incumbiu-se de lembrá-la que o aluno 
era o patrão. O que fazer agora? Voltar à sala? Conversar sobre indisciplina 
com os alunos? Defender a importância de se estudar a função das organelas 
citoplasmática para a vida deles? Expulsar Bruno de sua aula? Pedir demis-
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Por uma docência babélica
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são? Essas são as questões que rapidamente povoam sua cabeça aflita, ao mes-
mo tempo em que relembra das inúmeras piadas (ou seriam presságios?) que 
ouviu de colegas e parentes quando comunicou que iria cursar Licenciatura 
em Biologia. Lembra também das discussões sobre educação que aconteciam 
na ditas disciplinas pedagógicas. Quem a poderia ajudar naquele momento? 
Piaget, Vygotsky? O que Paulo Freire faria no lugar dela? E a professora de 
prática de ensino?
Cena II
Certa vez, durante meu curso de mestrado, ciceroneava minha orien-
tadora, uma paulistana, em um passeio de barco pelos rios e furos circunvi-
zinhos a Belém. Ela, encantada com a exuberância da paisagem, eu, com os 
olhos viciados de mato e rio, olhávamos para coisas diferentes. Os olhos dela 
deslumbravam-se com as plantas e bichos que avistávamos do barco, os meus 
estacionaram numa cena ribeirinha amazônica: Postados lado a lado estavam 
três edificações em forma de palafitas. A primeira era o bar “Deus pode”, a úl-
tima um templo da “Assembléia de Deus” e, situada estrategicamente a meio 
caminho das duas estava a “Escola de 1º Grau Graças a Deus”. A organização 
geográfica dos três prédios a mim parecia querer dizer: “Entre a perdição e 
a salvação está a educação”. Mas, qual educação? Era a pergunta que me in-
quietava. Do lugar onde estávamos dava para avistar, a suposta sala de aula 
enfeitada com cartazes ornamentando as paredes de madeira. Crianças de 
diferentes idades estavam sentadas no chão atentas a uma mulher, a quem 
deduzi ser a professora, que em pé a frente delas gesticulava como quem esti-
vesse explicando uma lição. Naquela ocasião me senti fútil fazendo mestrado. 
Olhei para minha orientadora e, apontando para a cena, disse: “para que es-
tou fazendo mestrado? O que posso diante disso?
Cena III
O dia começa cedo no acampamento. De manhã os adultos saem para 
o roçado e as crianças ficam na escola. De noite são os adultos que ocupam 
as salas de aula. Ali alguns aprendem as primeiras letras, outros já estão quase 
ingressando na universidade. Muitos desejam ser professores e retornar para 
as salas de aula do acampamento, com a visão dos que ali se constituíram 
homens e mulheres, brasileiros/as, que, como tantos outros sonham em ter 
trabalho e moradia decente. A professora ali lotada é da cidade. Antes de 
trabalhar no assentamento só ouvira falar do MST nos noticiários de jor-
nais e televisão. Quando foi designada para assumir a turma no lugar de uma 
professora que se aposentara entrou em pânico. O que ensinaria para aquela 
gente? Eles eram tão diferentes! Ouvira falar que cantavam hinos próprios no 
início das aulas, que questionavam muito e nem sempre aceitavam os profes-
sores que eram encaminhados para lá. Trabalharia de dia com as crianças e de 
noite com os adultos. Com as crianças estaria mais a vontade, afinal criança 
é igual em todo lugar, não é mesmo? Mas e com os adultos, o que fazer, por 
onde começar? Tanto tempo fora da escola, será que conseguiriam aprender? 
Por outro lado eles sabiam muitas coisas, fruto de suas vivências... e se per-
guntassem algo de que não soubesse? Se não se comportassem durante as au-
las não poderia dar uma bronca neles como faria com as crianças, ou poderia? 
E se tivesse pontos de vista diferentes dos deles, especialmente sobre reforma 
agrária, alimentos transgênicos, desmatamento, religião? A quem recorrer 
para tirar essas dúvidas? Não lembrava de ter discutido sobre isso quando se 
preparava para a docência...
Cena IV
Estampado na capa do jornal está a foto de Pedro estirado no chão da 
escola sobre uma poça de sangue. Outra foto menor traz a imagem de Joa-
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Por uma docência babélica
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quim, Kim como gosta de ser chamado, com uma expressão misto de medo 
e tristeza. A manchete anuncia em letras garrafais “ESTUDANTE MATA 
COLEGA DE SALA NA ESCOLA”. Lágrimas escorrem do rosto de Ana. 
Conhecia aqueles meninos, eram seus alunos. Nunca imaginou que aquelas 
arengas e piadas de mau gosto trocada em sala iriam acabar assim. Inúmeras 
vezes havia presenciado Pedro usar apelidos insinuativos da homossexualida-
de de Kim, algumas vezes chegou até a repreendê-lo, e quase sempre ouvia a 
mesma resposta; “isso é sem-vergonhice professora, ele tem que aprender a 
ser homem”. Não sabia muito como responder a isso, já tinha lido algumas 
matérias sobre a determinação genética da homossexualidade, outras vezes lia 
que esse é um processo psíquico desencadeado por algum trauma, poucas ve-
zes lera que é uma questão cultural. Não sabia bem o que pensar, o fato é que 
também a incomodava a “opção” de Kim, ainda que não concordasse com a 
forma desrespeitosa com que a maioria o tratava. Olhando a cena estampada 
no jornal vários sentimentos afluem; impotência, culpa, medo. O que pode-
ria ter feito para evitar que acabasse assim? Poderia ter feito algo? Até que 
ponto era seu papel como professora de ciências discutir esse tema tão deli-
cado em sua sala de aula? O que os pais dos alunos achariam se ela abordasse 
esse assunto? E o que falaria sobre isso? Era doença, desvio moral, opção e 
direito de cada um? O queela mesma pensava sobre homossexualidade?
Cenas da escola brasileira, cenas de um país tão múltiplo quanto múl-
tiplas são as situações que como professores vivemos. Daí as inquietantes 
questões formuladas por Oliveira (1997):
Para quem ensinamos? Quem seria o aluno-padrão brasileiro? Um me-
nino branco, de classe média vivendo no centro de uma grande cidade? 
Ou uma menina negra, sobrevivendo na periferia urbana? Quem sabe, 
descendentes de japoneses vivendo em lavouras no interior do Paraná, 
ou filhos de agricultores sem-terra no Pará? E qual seria a “idade es-
colar” destes diferentes grupos citados aqui? Seriam todos crianças?(p. 
9-10)
Acrescento a essas questões outras, não menos inquietantes, do ponto 
de vista da professora formadora, onde hoje profissionalmente me localizo: 
Quem estamos formando? Quem seria o professor-padrão brasileiro? Como 
formar professores para lidar com essa multiplicidade de gente, situações, 
ambientes? Estamos formando gente pra lidar com gente? Ou ainda estamos 
formando gente pra despejar “verdades científicas” em cabeças vazias de ilu-
sórios alunos-padrões, esses universais antropológicos a quem Larrosa (2002) 
atribui uma das inércias presentes no campo pedagógico?
Há poucos dias recebi mensagem de uma colega de trabalho solicitan-
do minha opinião sobre o formato de estágio dos estudantes da Licenciatura 
em Biologia que vínhamos desenvolvendo. Tradicionalmente temos procedi-
do da seguinte forma: lotamos o estudante em uma sala de aula da Educação 
Básica e ele acompanha um professor da disciplina objeto do estágio (Ciên-
cias/Biologia) por, no mínimo, um semestre letivo. A justificativa para esse 
formato é que é importante o estudante participar do desenvolvimento do 
processo de ensino-aprendizagem em termos longitudinais, desde o plane-
jamento, execução até a avaliação, acompanhando a dinâmica da turma. A 
situação que minha colega apresentava, na ocasião, é que por motivos institu-
cionais estava difícil manter a lotação de boa parte dos estudantes seguindo 
esse procedimento e a saída que se apresentava era vincular alguns deles a um 
professor e não mais a uma turma. Nesse formato o estudante acompanharia 
a atuação do professor em diferentes turmas e não mais o andamento de uma 
turma específica, situação que a preocupava sobremaneira.
Na ocasião meu ímpeto imediato foi aliar-me à sua preocupação e ten-
tar a todo custo manter o formato (nada) original do estágio. Passado o pri-
meiro impulso pensei que se na proposta inicial o vínculo se estabelece entre 
estagiário e turma e a ênfase recai sobre o processo de ensino-aprendizagem 
como um todo, na segunda o vínculo maior é entre estagiário e professor 
e a ênfase está na docência em múltiplos espaços. Ambas as alternativas se 
apresentam com perdas e ganhos, nenhuma tem só virtualidades ou só defei-
38
Por uma docência babélica
39
tos. Quem sabe essa situação que inesperadamente se apresentara não seria 
a oportunidade do candidato a professor experimentar antecipadamente a 
docência em múltiplos ambientes, acompanhando e exercitando a necessária 
versatilidade para lidar com a pluralidade étnica, sexual, lingüística, econô-
mica, cultural, enfim, de “estudantes reais” que nos aguardam em diferentes 
espaços de docência com que hoje se nos apresentam? Então, porque não 
experimentar a novidade?
Olhando no atacado e vendo a inércia em que vivemos desconfio que 
ainda estejamos em busca de um pacote de receitas de como formar o bom 
professor, tal qual o diabo de Andreiev1, que um dia desejou aprender a fazer 
o bem seguindo rigidamente os preceitos cristãos como receita segura, sere-
na, linear e acabada.
No varejo vejo algumas experiências que tentam investir em trilhas 
menos seguras e serenas, mas nem por isso menos sedutoras de formar pesso-
as para lidar com pessoas em processo de conhecer outras/novas culturas.
Diferentemente da possibilidade que temos de optar pelo campo de 
conhecimento (biologia, química, matemática...) em que queremos atuar 
como professores, não escolheremos os estudantes a quem temos por tarefa 
ensinar. É ele, portanto o elemento mais lábil da tríade que compõe o pro-
cesso de ensino aprendizagem (professor-aluno-conhecimento), mas como 
nos preparar para lidar com o novo, com o inesperado, fruto do encontro (às 
vezes confronto) com o outro, múltiplos outros que nos acontecem nos dife-
rentes espaços (escola, mídia, museus, assentamentos, centros comunitários, 
ruas...) de educação nos quais hoje circulamos como professores?
Para o múltiplo não há fórmulas possíveis, há apenas caminhos a espe-
ra de serem inventados, experimentados, transformados, repensados no hori-
zonte de quem por “gostar de gente”2 um dia se aventurou nessa profissão.
1 Conto do escritor russo Leonidas Andreiev intitulado “A conversão do diabo”.
2 Referência ao depoimento de um professor participante de curso que ministrei no in-
É um desses caminhos que estamos experimentando no âmbito do 
Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal do 
Pará, é ele que trago pra compartilhar hoje com vocês nesse Seminário. Nesse 
processo de experimentar caminhos temos dado ênfase particular às dimen-
sões estética e afetiva da formação docente, isso porque já é usual o investi-
mento na dimensão cognitivo-racional. Nessa perspectiva, vemos em nossa 
área de atuação inúmeras pesquisas envolvendo concepções de professores e 
estudantes sobre diferentes conteúdos de ensino e processos mentais de pro-
dução destes.
Vemos também as políticas públicas de formação de professores orien-
tadas por resultados de exames nacionais e internacionais aplicados aos estu-
dantes, que também privilegiam a dimensão cognitiva, fazendo uma espécie 
de tabela de correlações, isto é, se os resultados apontaram déficit de apren-
dizagem em dado conteúdo é esse que deve ser privilegiado na formação do-
cente. Em contrapartida, temos poucas investigações na área que põem em 
destaque a dimensão afetiva da formação e menos, ainda a estética.
Quem primeiro me chamou atenção para a importância dessas di-
mensões foi Thomas Kuhn (1975), quando sugere que o processo de ade-
são ou rejeição de um cientista a um novo paradigma comporta muito mais 
elementos da ordem do afetivo e do estético do que do cognitivo-racional. 
Daí porque usa termos como conversão, persuasão, fé..., na construção de 
explicações para este processo.
Entendo que, assim como acontece com os cientistas, nós, professores, 
somos formados a partir de paradigmas, de modelos de ver e ser na profissão. 
Paradigmas forjados em contextos que extrapolam, em muito, o espaço esco-
lar, ainda que nele esteja presente.
terior do Pará, que afirmava que: “para ser professor se precisa gostar de gente”. História 
já relatada em texto publicado em: CHAVES, Sílvia N. Quando a cultura produz 
diferença: um ensaio sobre escola e cultura a partir de minhas memórias. In: PERES, 
Eliane [et al.], Trajetórias e processos de ensinar e aprender: sujeitos currículos e cul-
tura. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.
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Por uma docência babélica
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Partindo desse pressuposto passei a buscar suporte teórico que me 
ajudasse a responder inquietações do tipo: Como fomos ensinados a ver e 
ser professores? Que processos nos persuadem a assumirmos essa ou aquela 
postura docente? A aderirmos ou rejeitarmos essa ou aquela concepção de 
conhecimento, de ciência, de aluno? Que dispositivos nos movem? Que ou-
tros nos podem mover?
Buscando respostas para tais questões encontrei na literatura sobre 
pesquisa (auto)biográfica, algumas pistas em direção a outras configurações 
possíveis de pensar a docência e o processo formação. Nessa perspectiva, for-
mação e docência são pensadas
(...) como um lugar privilegiado de experimentação, de transforma-
ção de si, de exercício genealógico lugar de indagação sobre de que 
modo nos fizemos desta e não daquela forma; de que modo temos 
aceitado isto e não aquilo; de que modo temos recusado ser isto ou 
aquilo nocaso, como docentes. Lugar de onde talvez seja possível não 
exatamente pensar nossos limites e as forças que nos constrangem, 
mas as condições e possibilidades infindas, imprevisíveis e indefinidas 
de nos transformarmos e de sermos diferentes do que somos (FIS-
CHER, 2007: 2).
É esse exercício genealógico que temos estimulado em nossos estudan-
tes-professores da Licenciatura em Ciências Biológicas (LCB) instigando-os 
a produzirem narrativas de si desde o momento que ingressam no curso de 
graduação. Ressalto, contudo, que o processo que ora relato não se circuns-
creve a práticas desenvolvidas apenas durante o estágio supervisionado. São 
práticas que o antecedem, que permanecem durante tal momento e que te-
mos esperança de que se prolonguem para além dele.
Fundados na noção de ascese3, defendida por Foucault (2006) com 
base no princípio grego do “cuidado de si”, incitamos os estudantes-professo-
3 “Trabalho de constituição de si mesmo, isto é, da formação de uma relação consigo mes-
mo (...) capaz de produzir essa transfiguração do sujeito que é a felicidade de estar consigo 
mesmo” (Xavier et AL, 2009: 45)
res a relatarem episódios de suas vidas buscando construir pontes entre estes 
e suas formas de verem e viverem a docência. Dito de outra forma, o objetivo 
da produção desses relatos escritos é mobilizar situações que os possibilitem 
ler as “tramas de fabricação” de suas formas de significar a si e aos outros nos 
diferentes espaços de suas trajetórias de formação.
O pressuposto que sustenta tal prática é a compreensão de que a sub-
jetividade não nos é dada quando nascemos, mas é imposta, fabricada, pro-
duzida por aparatos discursivos que nos atravessam histórica e culturalmente. 
Nessa perspectiva, as narrativas são utilizadas como “dispositivos pedagógi-
cos” no sentido empregado por Larrosa (2002: 57), como “lugar no qual se 
constitui ou se transforma a experiência de si”, com o intuito de promover 
a desfamiliarização ou desnaturalização dos lugares dados, das identidades 
fixas. 
Nesse processo é importante evitar o risco de sucumbir às falácias 
ontológica e representacional das narrativas de que nos falam Brockmeier e 
Harré (2003), a ilusão de que há uma estória a ser descoberta independente 
da construção analítica e do processo narrativo. A intenção é incitar a consti-
tuição de si mesmo, a partir da noção do “cuidado de si”, aqui pensado como 
“uma espécie de aguilhão que deve ser implantado na carne (...), cravados na 
existência [constituindo] um princípio de agitação, um princípio de movi-
mento, um princípio de permanente inquietude no curso da existência’ (Fou-
cault, 2006: 11). 
O registro das memórias põe em destaque os processos que nos sub-
jetivaram (e subjetivam), os lugares de onde fomos acostumados, a nos ver, 
a vermos os outros e ao mundo provocando desfamiliarização pelo desloca-
mento do ângulo de mirada. Tal deslocamento nos faz desconfiar dos luga-
res estabelecidos, que nos formam, (en)fôrmam e às vezes conformam com 
aquilo que disseram que somos ou deveríamos ser como pessoas, como pro-
fissionais, como professores. Aí reside o potencial formativo das narrativas, o 
dizer-se faz ver-se (LARROSA, 2002: 77). 
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Por uma docência babélica
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As narrativas produzidas ora são estimulados por recursos ou situ-
ações evocativas de memória4, tais como filme leitura de contos, poesias..., 
em ocasiões que antecedem a entrada do estudante-professor no campo de 
estágio, ora por situações vividas no exercício da docência durante o está-
gio supervisionado. Na produção dos relatos os licenciandos são orientados 
a narrarem não só os acontecimentos, mas os efeitos deles sobre si, uma vez 
que compreendemos que a percepção não é pura e simplesmente produto do 
sentido, mas fruto de operação complexa que envolve todas as dimensões do 
ser (racional, emocional, psíquica, mítica, simbólica...) (BERKENBROCK-
ROSITO, 2008).
Esses efeitos que aparecem nas narrativas, muitas vezes comparecem 
na docência no formato de encontros e confrontos com os outros, os estu-
dantes, que nos interpelam com suas próprias histórias e diferentes formas 
de estar sendo. Daí por que temos investido na perspectiva do cuidado de si, 
como princípio formativo e como estratégia de acesso ao outro. Esse outro 
tão múltiplo, mas com quem ao mesmo tempo no identificamos.
Alguns desses encontros e confrontos, registrados nas memórias de 
nossos estudantes-professores, trago agora para essa discussão:
Atopias e utopias
A parte da copiação deu trabalho, apesar de ser teoricamente fácil os 
alunos tinham preguiça (...). As alunas pareciam que nunca haviam 
visto um menino na vida. Teve uma que chegou a subir na cadeira 
para olhar para um menino, parece até que estavam em período de 
acasalamento, mas a situação foi contornada com um pouco de jei-
to e autoritarismo. Entendo que elas estão na idade em que querem 
4 Recurso utilizado para “estimular o debate e a produção de narrativas que ativem, pela 
memória, um conjunto de experiências, representações, desejos, sensações, crenças, valo-
res e raciocínios construídos pelos sujeitos em seu esforço de significação e de atribuição 
de sentidos em relação a si mesmos, ao mundo que os circunscreve e interpela e ao outro”. 
(CHAVES, 2006: 169).
namorar, paquerar, beijar etc..., mas certas atitudes mostram caracte-
rísticas de pessoas que pensam que não tem limites. (relato de Edu, 
estudante de LCB, do campo de estágio).
Preguiça, palavra que nomeia e institui um lugar social e a forma com 
que o estagiário percebe a atitude dos estudantes. Forma essa da qual deriva 
ação docente, autoritária, por estar na contramão da norma, da normalidade 
com que aqueles estudantes deveriam receber a fácil tarefa de copiar a lição. 
Há aí uma expectativa de aluno como aquele que aceita, acata e obedece que 
é transgredida pela preguiça, algo em desajuste que deve ser expurgado do 
espaço escolar. De onde herdamos essa noção? Que discursos tem instituído 
esse lugar de aluno como alguém dócil disposto a acolher os proveitosos en-
sinamentos daqueles que professam a educação, ainda que esses ensinamento 
se resumam a fáceis cópias de algo que muitas vezes já se sabe? Porque são 
desviantes os que se rebelam, rejeitam, resistem à norma?
Há que se abrir para outras leituras, porque assim como
A educação é, em muitos casos, um processo em que se realiza o proje-
to que o educador tem sobre o educando, também é o lugar em que o 
educando resiste a esse projeto, afirmando sua alteridade, afirmando-
se como alguém que não se acomoda aos projetos que possamos ter 
sobre ele, como alguém que não aceita a medida de nosso saber e de 
nosso poder, como alguém que coloca em questão o modo como nós 
definimos o que ele é, o que quer e o que necessita, como alguém que 
não se deixa reduzir a nossos objetivos e que não se submete a nossas 
técnicas (LARROSA, 1998, p.17-18).
Como a insubmissão esteve presente naquela experiência, nosso estu-
dante-professor valeu-se do autoritarismo, outra forma-fôrma na qual encer-
ramos, agora, a figura do professor.
A expectativa de submissão também aparece na narrativa como estra-
nhamento de (in)adequada maneira de ser menina, de ser mulher, situação 
que também foi contornada pela sujeição via autoritarismo. Ainda que te-
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Por uma docência babélica
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nha sancionado pela idade de namorar, paquerar e beijar a conduta das alu-
nas, nosso estudante-professor não deixou de registrar seu incômodo com 
transgressão de um padrão de moralidade que instituiu um jeito certo de ser 
mulher decente. De que lugar fala? Quem fala por ele? Que posição de sujei-
to assume ao enunciar esse discurso? Essas parecem ter sido as questões que 
impulsionaram o deslocamento de olhar ao ter sua narrativa problematizada 
durante as reuniões de estágio.
Agora, posso ver que, parte desta atitude talvez esteja relacionada aos 
meus valores, pois, sou um individuo que teve uma formação familiar 
enraizada nos preceitos religiosos. Épossível verificar nessa minha 
atitude um traço característico da sociedade que é a hegemonia da 
trindade machismo, heterossexualismo e cristianismo. Ter aquela ati-
tude com a menina era, talvez, uma formar de me defender da ousadia 
dela e procurar modelá-la de acordo com a minha formação pessoal 
(relato de Edu, estudante de LCB, do campo de estágio).
Família e igreja, eis duas instituições poderosas na fabricação de iden-
tidades, de lugares sociais fixos. Identidades que usamos para modelar, insti-
tuir formas corretas ou desviantes de ser, que nos produzem e com as quais 
produzimos o outro, estranhando-os, estranhando-nos quando não corres-
pondemos às expectativas de ser mulher, professor, aluno, filho, gente.
Cuidar-se, olhar para si, eis o convite para construirmos relações não 
alérgicas com o outro (MÈLICH, 1998, p.171). Outro que muitas vezes 
somos nós mesmos quando rejeitamos nossas formas de estar sendo infiéis 
àquilo que instituíram que deveríamos ser, levando-nos a uma espécie de rea-
ção auto-imune que nos corrói, envenena e paralisa.
Um dia em aula a professora falou algo que me deixou muito pensa-
tiva, era mais ou menos assim “precisamos saber o que fazer com os 
discursos que são impregnados na gente”. E agora eu penso que talvez 
em minha memória marcante5 eu devesse ter escrito como eu sem-
pre fui descrita pela minha mãe como a menina nota 8, não era boa 
em nada, mas não era ruim em nada, sempre mediana. Eu poderia 
ter escrito sobre o meu segundo dia de aula na universidade em que 
meu pai me disse que eu nunca ia ser boa em nada, porque eu fazia 
péssimas escolhas, poderia escrever sobre quantas vezes ele pergun-
tou o curso que eu fazia, quantas vezes ele debochou do que eu tinha 
escolhido. E com o término do curso chegando eu olhava para o lado 
e me perguntava aonde eu tinha chegado? O que eu tinha feito? Me 
comparava com os meus amigos de classe sempre pensando no mes-
trado fora, sempre pensando além e eu aqui sem saber o que fazer. Eu 
me transformei em nada. (Relato de Bia, estudante de LCB, durante 
módulo de ensino de Pratica I).
Que condições de possibilidade fabricaram a docência, o ser profes-
sora como o lugar de nada ser? Porque esse lugar destituído de valor social 
em algum momento se tornou atrativo para alguém que de antemão já foi 
cunhada como medíocre, nem boa, nem má, a menina nota 8? Tais questões 
permitem deslocar o foco de análise do problema da verdade, da oposição fal-
so-verdadeiro, acerca do que se é ou deixa de ser, para a discussão do porque 
algumas máximas relativas à profissão de professor se tornaram verdadeiras 
- o professor desvalido, a profissão medíocre de pessoas igualmente medí-
ocres - e as derivações dessas máximas – desprestígio social, baixos salários, 
péssimas condições de trabalho.
Em termos formativos, situar a discussão no âmbito da episteme 
(FOUCAULT, 2005) permite que nos posicionemos na docência de outro 
modo, localizando fora de nós, de nossas supostas e pré-determinadas defici-
ências e mediocridades o fracasso da educação, do ensino, o desinteresse do 
estudante, que nos fazem, muitas vezes, sermos autoritários para reivindicar 
um respeito que intimamente pensamos não merecer.
5 Referência a uma das narrativas desenvolvidas no curso.
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O exercício de olhar esses discursos apriosionantes de fora deles, à 
maneira sartriana, nos libera para transformar, a nosso favor, aquilo que nos 
fizeram acreditar que somos em novas formas de ser e de lidar com o outro.
Ao longo do módulo6 fui lembrando de experiências em sala de aula, 
no quanto eu não conseguir ter auto-controle perante a desordem 
dos alunos, eu não sabia o que fazer e fui tudo o que repudiei em mui-
tos professores meus, fui autoritária, eu gritei, não fui o que eu queria 
ser, mas porque? Eu sabia tantas coisas, sabia muita teoria sobre ser 
professora, mas a prática foi muito desmotivante. E foi nesses dois 
extremos, entre saber e praticar, que me questionei muito sobre que 
professora eu seria. A verdade simples é que eu não sei. O módulo, na 
verdade o semestre, me mostrou como as histórias da minha vida es-
tão marcadas a ferro e fogo em mim, no meu caráter, na minha perso-
nalidade, nas minhas relações pessoais e principalmente nas minhas 
práticas profissionais. Em meio a isso tudo que estou tentando fazer 
é aprender a lidar com todas as marcas que a vida nos deixa, sejam 
boas ou ruins, reforça-las quando necessárias, esquece-las quando for 
preciso, mas a lidar com elas. Elas estão aqui, não tem como fugir e 
tudo o que eu posso fazer é não desistir e sim levá-las para o melhor 
lugar que elas podem se encaixar na minha vida. 
O melhor lugar, qual será ele? Existe esse lugar? Gosto de pensar nesse 
lugar como o espaço da dúvida que nos mantenha abertos à metamorfoses, 
que nos possibilite ler o mundo de outras maneiras, por meio de palavras 
eternamente renovadas das quais possam surgir um (re)começar plenamente 
afirmativo, “formalmente selvagem” (Larrosa, 1998).
Das dúvidas iniciais, a maioria ainda fica, contudo já sinto uma curio-
sidade e vontade de experimentar mais uma vez entrar numa sala de 
aula, e tentar eu mesma redigir meu texto, dirigir minha história, não 
com personagens, mas sim com pessoas de verdade e tentar marcar ou 
fazer a diferença pra alguém. (Relato de Natalina, estudante de LCB, 
durante módulo de ensino Prática I)
6 A referência aqui ao módulo de ensino Prática I, do 5º semestre da LCB.
Mas a dúvida que paira no ar agora é como colocarei tudo em prática, 
como não me deixarei ir em pequenos detalhes para o lado de tudo 
aquilo que aprendi a não querer? Essas são perguntas para as quais 
ainda não tenho respostas. Mas sei que não adianta sonhar achando 
que você será como esses professores vistos em filmes espetaculares, 
verdadeiros heróis. Sim terei rotina cheia de falhas e fracassos diários, 
porém o lado bom de tudo isso é que estou construindo a realidade 
e não terei como nos filmes, que agir segundo um roteiro, mas sim 
com pequenos pedaços de vida que passarão pela minha frente, como 
sonhos remendados pelo destino, e uma grande vantagem, a de poder 
mudar o final, a de fazer o meu final e reinventar em sala de aula, um 
mundo a parte, capaz de formar pessoas livres a tal ponto que possam 
até optar por continuar do mesmo modo de antes (Relato de Rafa, 
estudante de LCB, durante módulo de ensino Pratica I)
Essa, como diz Larrosa (1998:62), “é uma bela imagem para um pro-
fessor: alguém que conduz alguém para si mesmo” livremente, a ponto de 
escolher permanecer onde está, escolhendo sua própria maneira de ser.
Mas, ainda estamos desejantes de controle, formatados em discursos 
com locais pré-definidos de chegada, em modos de ser estabilizados, san-
cionados, autorizados por porta-vozes que elegemos não como referências, 
mas como autoridades inquestionáveis. Autoridades que se esvaem quando 
nos deparamos com estudantes e situações semelhantes às do início de nossa 
história. Jovens, homens, mulheres, crianças, ribeirinhos, camponeses, todos, 
habitantes de um mundo babélico, muito distantes do aluno-padrão que um 
dia nos ensinaram a esperar.
Cuidar de si, ocupar-se de si, eis a lição que nos resta aprender, eis o 
caminho ao qual nos aventurar no processo de nos (trans)formarmos profes-
sores, mantendo-nos nessa busca incessante do encontro com o novo, com 
o outro, com a diferença, com o que seremos, com o que um dia fomos. Aí, 
(quem sabe?) Babel venha a ser nosso lar e assim, não mais temendo seus 
habitantes e seduzidos por sua pluralidade encantadora possamos nos tornar 
um deles, destemidamente.
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Referências Bibliográficas
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Por uma docência babélica
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PRESSUPOSTOS BACHELARDIANOS NA SALA DE AULA
Sérgio Choiti Yamazaki 
Regiani Magalhães de Oliveira Yamazaki 
Não é nada espantoso a nós quando, através do uso de teorias ou téc-
nicas que visam entender as emoções humanas, percebemos uma mudança 
radical no desenvolvimento cognitivo de alunos que pouco se interessavam 
pela escola. Assim como não é difícil perceber que os métodos de ensino, 
tradicionais ou alternativos, só alçam altos voos quando o professor está vivi-
damente presente, motivando a curiosidade, a lucidez, a imaginação. 
O que nos oferece essas vívidas experiências é a percepção de que o 
mestre feliz contagia os discípulos, proporcionando tal como um andarilho, 
um caminhar saudável e permanente. Entretanto, divagações à parte, planejar 
“aulas afetivas” não é nada fácil. 
Já há algum tempo os teóricos da aprendizagem têm percebido a com-
plexidade que permeia o ensino de forma geral e, particularmente, o ensino 
de ciências. Cada programa didático necessita de uma construção quase ar-
tesanal (VILLANI, BAROLLI, CABRAL, FAGUNDES & YAMAZAKI, 
1997) quando almeja um resultado promissor.
Contudo, é evidente a falta do fator afetivo nas mais variadas estraté-
gias de ensino; explicitamente falando, os Planos de Ensino deveriam conter 
metodologias de ensino aprendizagem que fizessem da emoção o principal 
motivo para a cognição. A cognição sem a emoção é fria demais para guardar 
após o ensino do conceito, um pós-conceito; não pode, pois, ser relembrada 
no futuro, é estéril.
52
Pressupostos Bachelardianos na sala de aula
53
Com relação a este ponto, no qual nos deteremos neste capítulo, esta-
remos fazendo uma discussão solitária sobre os fatores que levam a conside-
rar a epistemologia e a fenomenologia bachelardianas importantes reflexões 
tanto para interpretar as condições que levam à aprendizagem como para pla-
nejar e elaborar Planos de Ensino nas escolas. Dividimos, apenas para efeito 
de apresentação, a epistemologia bachelardiana em linhas de pensamento, 
apesar da extrema limitação inerente a todo tipo de classificação. 
É importante esclarecer que Bachelard não explica nenhum mecanis-
mo do pensamento de forma isolada, como nos fala Letícia Parente (1990), 
tampouco de forma descontextualizada. Portanto, temos consciência do ris-
co que corremos ao delinear a obra bachelardiana, obra diurna, com linhas 
de pensamento. 
Da mesma forma, Santos (1991), ao propor uma estratégia metodo-
lógica para o Ensino de Ciências, fundamentando-se na epistemologia de 
Bachelard, diz que foi por “razões pedagógicas”, e não de princípio, que de-
compôs o processo em etapas; com isso, é possível estudar melhor cada fase 
para aprofundar os vários aspectos inerentes ao método. Assim, nosso traba-
lho, em linhas de pensamento, constitui-se como uma forma de se concentrar 
nos aspectos que consideramos centrais na obra bachelardiana, e não como 
uma explanação de noções desconectadas entre si. As linhas de pensamento 
foram escolhidas levando-se em consideração o uso assistemático feito pelos 
pesquisadores da Educação Científica e publicadas nas mais conceituadas re-
vistas não só do Brasil, mas também do mundo; uma noção é usada de forma 
pontual, para explicar uma situação em específico e, muitas vezes, isolada de 
outras noções bachelardianas. 
As linhas são: resistências à aprendizagem científica; psicanálise do 
conhecimento e gênese da ciência. No final do texto, de forma breve, uma 
metodologia alternativa com perspectivas afetivas, é sugerida em meio à di-
vulgação de protótipos de estratégias de ensino que deram resultados didati-
camente positivos. 
1. Resistências à Aprendizagem Científica
Nesta linha de pensamento serão explanadas as seguintes noções ba-
chelardianas: primeiras impressões, obstáculo epistemológico e espírito cien-
tífico. 
As primeiras impressões podem ser definidas como as primeiras ob-
servações e sensações que temos com relação a algum objeto, conceito, ou 
situação particular. Ao amadurecê-las elas podem se tornar carregadas de afe-
tividade, fazendo parte de um arsenal de fortes convicções construídas ao 
longo da vida. Dessa forma, a visualização de um conceito pessoal tem uma 
estrutura moldada por uma trajetória de conquistas e de recusas, como nos 
ensina o filósofo:
Não haveria melhor maneira de determinar a dimensão psicológica de 
um conceito particular do que descrever a conceptualização ao longo 
da qual ele se formou. Ora, essa conceptualização é mais a história de 
nossas recusas que de nossas adesões. Um conceito nítido deve trazer 
a marca de tudo o que recusamos incorporar a ele. (BACHELARD, 
1994, p. 23)
 
Para Bachelard, as experiências pelas quais todos nós estamos sujeitos 
durante a vida são acomodadas em forma de sensações, valores, preconceitos 
que surtirão como obstáculos epistemológicos para a aceitação do conhe-
cimento científico. Ele vai mostrar, em uma de suas obras mais conhecidas 
(BACHELARD, 1996), a natureza dos mais variados tipos de obstáculos 
dando exemplos à luz da história da ciência. Não é nosso objetivo nesse tra-
balho, porém, discorrer sobre cada um dos obstáculos epistemológicos em 
particular. 
De forma geral, para Martins (2004), esses obstáculos “carregam valo-
res afetivos que dificultam a objetivação” (p. 25). Com relação a esse ponto, 
Bachelard afirma: “Acho surpreendente que os professores de ciências, mais 
do que os outros se possível fosse, não compreendam que alguém não com-
54
Pressupostos Bachelardianos na sala de aula
55
preenda” (BACHELARD, 1996, p. 23). E termina: “O educador não tem o 
senso do fracasso (...) porque se acha um mestre. Quem ensina manda”. (Ibid, 
p. 24)
Nesse sentido, para Bachelard, os hábitos intelectuais se constituem 
como obstáculos e ficam acomodados nos indivíduos, a ponto de bloquear 
constantemente o processo de edificação do novo conhecimento.
O hábito intelectual constitui-se como uso de uma tradição na ciência 
e exige que as leis e as normas sejam cumpridas com rigor e eficiência. Toda 
essa ostentação à normalização científica pode ser definida como espírito 
científico, na demarcação epistemológica bachelardiana. 
Em interessante artigo publicado na revista Theory, Culture & So-
ciety, em 2006, Remi Lenoir, referindo-se à leitura de Bourdieu (1977), 
lembra que a comunidadecientífica é comparável a uma equipe esportiva, 
quando se vê o treinamento regular das atividades específicas envolvidas em 
cada área. Como síntese desta contínua repetição, Bourdieu dá o nome de 
scientific habitus7. Do hábito deste exercício no imaginário dos indivíduos, 
deriva um espírito científico, na mesma acepção que encontramos nas teses 
bachelardianas. 
A noção de espírito científico parafraseia muitas de suas obras (sendo 
as mais conhecidas, as publicações originais de 1934, 1937, 19408), e se apre-
senta como um arsenal de leis e intuições instituídas pela ciência vigente. Mas 
antes de aderir à ciência, os indivíduos pertencem a outro espírito. 
Como expõe Bachelard: 
Quando o espírito se apresenta à cultura científica, nunca é jovem. 
Aliás, é bem velho, porque tem a idade de seus preconceitos. Aceder à 
ciência é rejuvenescer espiritualmente, é aceitar uma brusca mutação 
que contradiz o passado. (BACHELARD, 1996, p. 18)
7 Hábito Científico.
8 Le Nouvel Esprit Scientifique (1934); La Formation de l’Esprit Scientifique (1937); La 
Philosophie du Non (1940).
E completa:
O espírito científico proíbe que tenhamos uma opinião sobre ques-
tões que não compreendemos, sobre questões que não sabemos 
formular com clareza. Em primeiro lugar, é preciso saber formular 
problemas. E, digam o que disserem, na vida científica os problemas 
não se formulam de modo espontâneo. É justamente esse sentido do 
problema que caracteriza o verdadeiro espírito científico. (BACHE-
LARD, 1996, p. 18)
 
2. Psicanálise do Conhecimento
Para Bachelard, “a opinião pensa mal (...). Não se pode basear nada 
na opinião: antes de tudo, é preciso destruí-la. Ela é o primeiro obstá-
culo a ser superado” (BACHELARD, 1996, p. 18). Pois é superando 
esses obstáculos que, para Bachelard, o ensino deve ocorrer. 
Nesta linha de pensamento serão explanadas as seguintes noções ba-
chelardianas: ruptura e dialética.
Bachelard afirma categoricamente que as primeiras impressões, pri-
meiras convicções, são nocivas ao novo conhecimento (BACHELARD, sem 
data, p. 49) e, portanto, precisam ser destruídas para que outras convicções, 
mais racionais, substituam as primeiras. Quando o aniquilamento não é feito 
de forma satisfatória, a tendência à regressão é quase uma regra intransponí-
vel. Bachelard diz mesmo que “é necessário por um travão se [a convicção] 
tentar renascer” (BACHELARD, sem data, p. 206). 
O ensino da ciência deve, para Bachelard, caminhar no sentido de uma 
contraposição às primeiras impressões que, para ele, são “repletas de imagens 
pitorescas e concretas”; ele descreve: “são naturais, fáceis e basta descrevê-las 
para ficar encantado, parece até que as compreendemos” (BACHELARD, 
1996, p. 25). 
Por conseguinte, em sua epistemologia, ele defende o que chama de 
catarse intelectual, ou seja, o levantamento dessas primeiras impressões, ima-
56
Pressupostos Bachelardianos na sala de aula
57
gens primeiras sob as quais nos detemos e nos tornamos vulneráveis e insegu-
ros. Ao descobrir o velho, tendemos a uma correção, abrindo a possibilidade 
de aprender o novo. É perseguindo uma ruptura entre o velho e o novo co-
nhecimento, entre a observação primeira e a experimentação, que a formação 
científica deve caminhar. 
Não obstante, no curso da conceituação, a trajetória não acontece de 
forma linear, além da ruptura necessária para que um conhecimento científi-
co seja aceito, há ainda quase uma imposição dialética exigida pelo mecanis-
mo mental humano para que certa mudança aconteça.
Segundo Babette Babich, da Universidade Fordham, a epistemologia 
de Bachelard é chamada de Racionalismo Dialético, ou Naturalismo Dialéti-
co (BABICH, 2003, p. 159). 
Bachelard caracteriza a ciência como um empreendimento dialético 
por natureza. É dialético porque há um eterno confronto entre realismo e 
racionalismo, entre o real imediato (sendo comum) e o racional construí-
do (ciência), entre a experiência, a observação, e a razão. Além disso, em sua 
epistemologia não há nem realismo nem racionalismo absolutos (BACHE-
LARD, 1978a, p. 91); como ele mesmo afirma com relação à prática cientí-
fica: “se experimenta, precisa raciocinar; se raciocina, preciso experimentar” 
(Ibid, p. 92). 
Também no livro A Filosofia do Não (1978b), Bachelard, em seu dis-
curso, defende que o racionalismo contemporâneo não evolui apenas por 
uma complicação das noções de base, e sim numa dialética entre o próprio 
realismo e o racionalismo (p. 19).
A ciência tem este caráter dual porque é um produto da ação humana 
e, portanto, é preciso que sejam considerados dois aspectos, ao mesmo tem-
po necessários: o objetivo e o subjetivo. Nessa perspectiva, “o real científico 
coloca-se em relação dialética com a razão científica” (MARTINS, 2004, p. 
19). 
Apesar do modo dialético de se realizar a atividade científica, Bache-
lard assinala que é do real para o racional que avança o vetor epistemológico 
(Ibid, p. 19). 
Para Bachelard, a imagem provoca e inspira duas ações opostas, mas 
complementares da mente humana: a ciência e a estética. Em sua psicologia 
da imaginação ele traça sua dialética do funcionamento da razão e da emoção. 
Para Picart (1997), a “nova poética de Bachelard” resulta da transplantação 
e fertilização da epistemologia geral do “novo espírito científico” à sua esté-
tica.
Referindo-se à contemplação do objeto que forma uma projeção de 
imagens e que influenciam a formação da ciência, Le Moigne afirma:
A famosa fórmula de G. Bachelard convida-nos a reconhecer o ca-
ráter teleológico do exercício da inteligência humana, que assume a 
inseparabilidade recursiva das interações entre o sujeito e o objeto, 
sucessivamente, observador e observado. (LE MOIGNE, 2007, p. 
119) 
 
A dialetização do pensamento permite aumentar a segurança de criar 
fenômenos, do ponto de vista científico, mais completos; permite também 
rever conceitos que foram suprimidos na primeira imagem.
Desse modo, ao contrapor ideias simples com ideias complexas, é a 
favor deste último que deve apontar o vetor epistemológico, de tal modo que 
pensamento e experiência devem ser inseridos em uma complicada dinâmica 
onde um, repentinamente, decai em outra, e vice-versa. 
Essa dialética é orientada, pois, por uma correção contínua dos erros e 
pela remoção de problemas epistemológicos, como a valorização incondicio-
nal exigida pela primeira experiência. 
É pensando numa dialética como uma contraposição entre positivo e 
negativo, que Martins discorre: 
 “(...) ao afirmar a inevitabilidade dos erros, vinculando-os ao próprio 
ato de conhecer, Bachelard dialetiza a noção de erro, que passa a ter 
um duplo aspecto: negativo enquanto reflexo de um obstáculo a su-
perar; positivo na medida em que, “psicanalisado”, torna-se quase que 
um pré-requisito à aquisição de novos conhecimentos (mais elabora-
dos)”. (MARTINS, 2004, p. 25)
58
Pressupostos Bachelardianos na sala de aula
59
 Da mesma forma, a dialética do bem e do mal floresce no fenômeno 
do fogo: ele está no paraíso, mas arde no inferno. É inocente, mas tortura. 
(BACHELARD, 2008)
 
3. Gênese da Ciência
Nesta linha de pensamento serão explanadas as seguintes noções ba-
chelardianas: a Ciência como uma construção complexa e Problematização na 
educação científica.
Para Bachelard, a Ciência é uma construção complexa, longe do senso 
comum, não podendo, esta última, compreender por justaposição toda uma 
série de leis abstratas construídas historicamente. Esta forma de situar a ci-
ência como um sistema demasiadamente complexo quando comparado com 
as observações e experiências do senso comum, incluindo os experimentos 
do Laboratório Didático, vem de um profundo estudo das leis que regem as 
Ciências. 
No livro A Formação do Espírito Científico (1996), Bachelard mostra 
que nossas primeiras imagens do mundo são em geral “muito pitorescas” e 
que, para se ascender ao saber científico, é preciso ir, dessa fenomenologia 
primeira, para a formageométrica e por último para a forma abstrata. A geo-
metrização conquistada pela ciência do século XIX foi, pois, fortemente aba-
lada pelas descobertas do início do século XX; do quantum de luz, que dera 
origem à Física Quântica, e da Teoria da Relatividade; ambos os paradigmas 
detêm alta abstração. Para Bachelard, essa ciência, a Física Moderna, atinge, 
em direção a seu ápice, grande grau de abstração, suficiente para tornar a te-
oria, de complexidade concreta (anterior) para uma complexidade abstrata, 
inovadora e mais difícil.
Nesse sentido, para Bachelard, qualquer questão ou fenômeno deve 
percorrer essa trajetória: da imagem para a forma geométrica e para a forma 
abstrata. Logo, a ciência tende a uma complexidade cada vez mais abstrata, 
caminhando contra as primeiras impressões que guardamos dos primeiros 
contatos com o objeto estudado. A noção simples dá lugar a uma noção com-
plexa (BACHELARD, 1978b). A epistemologia de Bachelard “considera 
um caminho que vai do mais primitivo, (...), ao pensamento mais sofisticado, 
o ultra-racionalismo, como uma espécie de evolução” (PINTO & ZANE-
TIC, 1999). Assim, a ciência, pela sua complexidade não deve ser ensinada 
como uma construção simples, o que levaria a deformá-la. 
Com relação a essa visão da “atividade científica”, citamos um trecho 
de um trabalho feito por pesquisadores da Universidade de Valencia e da 
Universidade de Aveiro:
Em alguns casos deparamo-nos com uma visão deformada de sinal 
oposto que encara a atividade científica como algo simples, próximo 
do senso comum, esquecendo que a construção científica parte, pre-
cisamente, do questionamento sistemático do óbvio (...) e contra o 
senso comum. (GIL PEREZ, MONTORO, ALÍS, CACHAPUZ 
& PRAIA, 2001, p. 133) 
No que tange à sala de aula, o que se segue, neste texto, é uma crítica 
ao trabalho didático em vias experimentais que, apesar de seu apreço indis-
cutível, carrega em seu íntimo, o perigo de reforçar impressões constituintes 
de inúmeros obstáculos ao conhecimento complexo. Partindo da premissa, 
homogênea à discussão anterior de que “toda observação (recepção) é orien-
tada por uma hipótese” (GRECA & SANTOS, 2005), se faz necessário todo 
o cuidado tanto com relação ao planejamento como com relação à execução 
de aulas experimentais, sejam elas feitas em laboratório ou com aparatos de 
maior simplicidade em sala de aula. A visão de que a simples demonstração 
de uma atividade prática é suficiente para que os fenômenos científicos se-
jam vistos, é no mínimo ingênua, simplista, e no seu extremo, equivocada. 
A compreensão do fenômeno, por intermédio da experiência, acontece so-
mente após a compreensão teórica do fenômeno; caso contrário haverá boas 
possibilidades dos mais diversos entendimentos, carregados de conceituações 
pessoais apossadas durante as experiências da vida. 
60
Pressupostos Bachelardianos na sala de aula
61
Não questionamos a importância do Laboratório Didático, mas ele 
deve transcender a “intenção de demonstrar um conhecimento ‘verdadeiro’ 
através da experimentação” (GONÇALVES & MARQUES, 2006). 
Afinal, como atentam Souza e Bastos (2006): “Bachelard (...) tam-
bém atribui importância às práticas de laboratório, alertando-nos sobre os 
cuidados com as experiências, pois, conforme já mencionamos, este autor 
afirma que é fácil recorrer ao encantamento, ao lúdico, fazendo experiências 
que divertem, mas não instruem” (p. 324). Uma experiência precisa ter como 
fundo, leis claras, sem as quais “não pode ser pensada nem ensinada” (CUS-
TÓDIO & PIETROCOLA, 2004, p. 390). 
Bachelard sustenta categoricamente que as experiências marcantes e 
cheias de imagens são “falsos centros de interesse” e que é melhor a igno-
rância do que um “conhecimento esvaziado de seu princípio fundamental” 
(BACHELARD, 1996, p. 50).
É tão agradável para a preguiça intelectual limitar-se ao empirismo, 
chamar um fato de fato e proibir a busca de leis! Ainda hoje os maus 
alunos de física ‘compreendem’ as fórmulas empíricas. Acham que 
todas as fórmulas, inclusive as que decorrem de uma teoria bem orga-
nizada, são empíricas! (BACHELARD, 1996, p. 37) 
Seguindo ainda na via contrária ao senso comum, a ciência não res-
ponde a uma observação, e sim a um questionamento, ou seja, só há ciência se 
há problematizações para serem respondidas.
Para Bachelard, o conhecimento científico é construído pela insis-
tência em achar respostas a questionamentos (Bachelard, 1996). Ao buscar 
respostas a problematizações, a ciência é construída. É essencial ao processo 
investigativo, uma problematização a priori; por meio dela e para responder a 
ela, surgem as possibilidades teóricas, as hipóteses. Em “A Filosofia do Não” 
(1978b) e “O Novo Espírito Científico” (1978a), Bachelard afirma mesmo 
que sem uma interrogação instalada não pode haver conhecimento científico. 
Desse modo, nos ensina o filósofo, é no âmago do Espírito Científico que 
aparecem questões relevantes e por onde os cientistas percorrem o caminho 
das descobertas.
 
4. Breves Relatos de Experiências
O que se segue não são relatos sistematizados de experiências e mui-
to menos análises pormenorizadas sobre os fatos que ocorreram em sala de 
aula. São apenas relatos breves que contêm conceitos de Bachelard expostos 
acima, com a finalidade de dar uma razão para estudos posteriores de sua 
epistemologia. 
Em uma série de aulas programadas há alguns anos sobre o tema “vida”, 
numa escola de Dourados – MS foi trabalhada uma metodologia de ensino 
baseada no uso de vídeos de divulgação científica e de artigos científicos. An-
tes de cada exposição em vídeo ou leitura de artigo, havia uma discussão em 
torno de um questionamento9. As aulas foram dadas em três turmas de pri-
meiros anos do Ensino Médio, do período noturno.
Nesta experiência, percebemos que havia forte presença de duas con-
cepções que se constituíam como primeiras impressões sobre o conceito de 
vida: vida entendida como qualidade de vida e vida como um produto de 
criação divina, ligada às religiões. Estas formas de conceber o conceito eram 
organizadas como grandes obstáculos epistemológicos, que dificultavam a acei-
tação da versão científica do conceito e, portanto, comprometiam a própria 
compreensão do mesmo.
As primeiras impressões, em vista disso, selecionavam o espírito com 
o qual os estudantes veriam o conceito. Em alguns alunos, porém, a defini-
ção de vida tinha a conotação científica conforme os livros didáticos de sua 
respectiva série, revelando que seus espíritos eram mais racionalizados, mais 
próximos do espírito científico. 
9 A primeira questão levantada foi “O que é vida?”.
62
Pressupostos Bachelardianos na sala de aula
63
Apesar disso, grosso modo, cada aluno tinha um espírito que se con-
figurava como leituras de primeiras impressões que instituíam obstáculos epis-
temológicos para uma evolução conceitual em direção à racionalização. Eis a 
tríade bachelardiana numa situação não muito difícil de encontrar em sala de 
aula. Como trabalhar esse contexto com o objetivo de se ensinar o conteúdo 
científico de vida? 
As discussões em aula foram feitas para que os alunos pudessem, num 
primeiro momento, expor o que pensavam livremente. Em nenhum momen-
to houve interferência do docente no sentido de contrapor às argumentações 
dos alunos. Havia, entretanto, uma série de questionamentos a eles com o 
objetivo de proporcionar reflexões a respeito do que falavam. Nas últimas au-
las, percebemos nos alunos certa mudança de postura e de visão com relação 
ao tema; o espírito científico parecia estar próximo de ser construído. Havia 
mesmo muitos estudantes se queixando da falta de coerência que suas noções 
relatavam. Percebemos uma ruptura de suas primeiras versões e certa assimi-
lação da vertente científica, principalmente depois de trabalhada a atividade 
didática com o uso de vídeos ou artigos. 
É importante observar que durante essas aulas o docente informou 
aos alunos que as opiniõesdos mesmos não seriam levadas em consideração 
em notas e, por essa razão, eles poderiam falar sem restrições sobre o tema.
Sendo assim, muitos alunos, admitiam: “entendo o que a ciência fala, 
mas não acredito em nada disso”. Outros dramatizavam: “se eu não acreditar 
na versão religiosa e ela for verdadeira, o que vai acontecer comigo quando 
eu morrer?”
Apesar disso, boa parte dos alunos, no final do programa, mudou seu 
perfil com relação a esse tema, tendo um discurso próximo daquele que a ci-
ência construiu. A trajetória percorrida por cada aluno, porém, não se traduz 
como um caminho linear; muitos alunos regrediam às suas concepções pes-
soais em muitos momentos de suas falas, confirmando a leitura de Bachelard 
com relação à dialética da construção científica; a construção do conheci-
mento na sala de aula também obedece a uma dialética. 
Outro ponto a ressaltar, encontra-se na estratégia didática do ques-
tionamento. Foi com a solicitação de respostas para muitas questões que pu-
demos fazer um levantamento de como os estudantes pensavam e também 
fazê-los refletir melhor sobre o que falavam. Essa estratégia é baseada na po-
sição bachelardiana de que sem problematizações não se faz ciência; da mesma 
forma, pensamos que sem uma questão para pensar será muito difícil ensinar 
ciências. 
Uma segunda experiência vivida pelos autores trata-se do ensino do 
conceito de flor. Ela aconteceu também numa escola de Ensino Básico de 
Dourados, desta vez em uma turma de segunda série do Ensino Médio do 
período vespertino. Seguindo orientação da epistemologia de Bachelard no 
que diz respeito à importância da problematização inicial, a seguinte questão 
foi colocada para os alunos: qual é a função da flor na planta? 
Muitos alunos apresentaram, ao longo de suas explanações, ideias 
baseadas no senso comum, como: enfeitar o meio ambiente ou proporcionar 
demonstrações afetivas (amor ou morte). Mesmo as respostas envolvendo a 
conceituação científica não diziam respeito à função da flor, como por exem-
plo, “a flor é um componente da planta”, ou seja, a flor tem como função 
compor a planta. 
A visão dos estudantes acima parece seguir uma forma utilitarista 
de pensar sobre esse conceito. Trata-se de uma necessidade de dar crédito à 
primeira impressão causada pela observação subjetiva. É, não obstante, um 
obstáculo epistemológico à ascensão do espírito científico. Na epistemologia 
de Bachelard, é preciso que todo obstáculo seja destruído, causando uma rup-
tura no pensamento dos estudantes. Só assim, é que um novo conhecimento 
(científico) poderá de fato ser construído. Sem a desestabilização, os indiví-
duos têm a impressão que compreenderam; às vezes isso acontece, mas não 
significa que houve aceitação da construção científica, que na maioria das 
64
Pressupostos Bachelardianos na sala de aula
65
situações, mostra-se incoerente com as impressões edificadas pela vida. Há 
certa complexidade nesse processo; como já vimos, há avanços e retrocessos, 
mais avanços do que retrocessos, sendo eliminados aos poucos, os obstáculos 
epistemológicos. 
A estratégia didática envolveu a seguinte sequência: exposição de fil-
mes (documentários) sobre o desenvolvimento das plantas; solicitação de 
resenha sobre os filmes; discussão sobre o tema; redação final e teatro com 
texto feito pelos próprios alunos. Os filmes não definiam os conceitos que 
envolviam o tema flor, como, por exemplo, os conceitos de planta, raiz, caule, 
folha, fruto e semente.
Após a estratégia trabalhada, muitos alunos mostraram que suas pri-
meiras impressões foram abaladas, chegando mesmo a escrever e a falar que 
não sabiam da importância da flor para sua própria reprodução. 
Para efeito de exemplificação, nos deteremos sobre a evolução de um 
aluno (K) que representa muito bem a “turma”. Nas primeiras discussões, 
mesmo após a exposição do filme, ele afirmou: “as flores enfeitam o ambien-
te, acho que serve só para isso”. Com o processo em andamento, no entanto, 
na redação final, ele muda sua forma de explanar sobre a função da flor: “a 
função da flor é de atrair não só insetos, mas também mamíferos para que o 
pólen de uma flor seja levado para o estigma de uma outra flor”. No teatro, 
entretanto, como num retrocesso, ele colocou no texto que a flor serve para 
enfeitar a planta, mostrando que a visão anterior permanecia em sua mente. 
As duas versões parecem permanecer neste aluno. 
Na ótica da epistemologia de Bachelard, não há na evolução de K ne-
nhum problema não previsto pela sua epistemologia. A ruptura acontece por 
conflitos cognitivos e normalmente há recaídas devido à força dos obstáculos 
epistemológicos, havendo uma comunicação dialética entre a velha noção e a 
que está sendo construída. 
5. O Método da Criatividade
Como mudar uma visão de mundo construída durante toda uma 
vida? Se o aluno K resistir à mudança, não chegando à aceitação completa da 
conceituação científica, como planejar uma atividade didática para trabalhar 
essa falta? 
É na busca de respostas a essas questões que inserimos este tópico no 
capítulo. Mas a explanação terá pouco sentido se não percorrermos, antes, o 
histórico da construção da lógica que permeia esta pesquisa. Então, começa-
remos pela exposição de um resumo do que tem sido nosso objeto de estudo 
nos últimos anos: as vertentes bachelardianas diurna e noturna. 
As linhas de pensamento supracitadas são fragmentos da epistemolo-
gia de Gaston Bachelard, também conhecidos como elementos diurnos de 
sua obra; nesse sentido, ele é conhecido como Bachelard diurno. Há, porém, 
o Bachelard noturno, outro momento de sua obra, no qual irá valorizar a cria-
ção artística como uma construção diferente daquela que defendeu durante 
muitos anos em sua epistemologia. No livro Fragmentos de uma poética do 
fogo (1980), Bachelard medita sobre sua própria mudança com relação à ra-
cionalização científica a favor de uma psicologia da imaginação. Ele declara 
sua disposição inicial para estudar as imagens usando a mesma objetividade 
encontrada no estudo das ideias científicas. Houve decerto uma mudança em 
seu projeto; com o tempo percebeu nos impulsos da imaginação uma forma 
diferente de visualização do conhecimento, bem diferente daquela vista nos 
fenômenos objetivos. E, assim, conclui: 
Mas hoje em dia, após tanta labuta, agora que meu herbário de ima-
gens comentadas se estende por mais de duas mil páginas, eu gostaria 
de poder reescrever todos os meus livros. Parece-me que saberia dizer 
melhor as ressonâncias das imagens faladas nas profundezas da alma 
falante, descrever melhor a ligação das imagens novas e das imagens 
com profundas raízes no psiquismo humano. (p. 26-27) 
 
66
Pressupostos Bachelardianos na sala de aula
67
Flores Montero, ao apresentar o trabalho do renomado filósofo, diz 
que há dois importantes momentos filosóficos no trabalho de Bachelard: o 
primeiro após a publicação do livro O Novo Espírito Científico, em 1938, no 
qual a imaginação é vista como obstáculo epistemológico, e o segundo quan-
do passa a criticar a forma estática de vê-la (FLORES MONTERO, 1999); 
é dentro de uma dinâmica inspiradora, onde passa a valorizar a imaginação 
como importante fonte de criação artística, que irá se consagrar como um 
pensador completo, que uniu aspectos objetivos e subjetivos do fazer huma-
no. 
É na epistemologia que tece teias de saber sobre a racionalidade discor-
rendo sobre numerosos exemplos colhidos na história da ciência. Cria então 
conceitos e noções que darão forma ao que considerou revoluções científicas. 
Entretanto, é a fenomenologia que responde às indagações mais profundas 
sobre a invenção criativa, sobre a obra-prima dos homens sensíveis. Enquanto 
o epistemólogo explica o racionalismo científico, o fenomenólogo sente os 
impulsos da imaginação.
Apesar da apresentação em formato estanque, para Bachelard, tanto o 
racionalismo quanto a imaginação estão presentes quando afloram as grandesdescobertas; nesse sentido, toda conceituação nova tem algo de subjetivo. 
Assim, é com essa significação de descoberta científica que sugerimos 
um caminho para o desenvolvimento de um espírito que contenha a ideia de 
Complexo Científico (YAMAZAKI, 1998; YAMAZAKI & YAMAZAKI, 
2004, 2006; RODRIGUES & YAMAZAKI, 2009) nas atividades didáticas 
para sala de aula. 
É por meio do que chamamos de “Método da Criatividade” (YAMA-
ZAKI, YAMAZAKI & ZANON, 2008), que sugerimos algumas atividades 
que proporcionam o desenvolvimento de motivações internas que viabilizam 
a criação, nos vários sentidos que essa conotação pode aludir. 
Encontramos nas duas vertentes bachelardianas, a diurna e a noturna, 
uma união sadia, em alusão à criação de instruções didáticas que acomodem 
modelos de pensamento permanentes. Se por um lado temos um vigilante 
motivo racional nos guiando, por outro, temos uma necessidade grande de 
nos abrir a novas descobertas. Nesse sentido, o saber racional e a invenção 
poética se unem, complementando-se (BARROS, 2002, p. 41)
É com a noção definida por imaginação material que Bachelard faz 
renascer, na ciência, uma visão bilateral composta por uma subjetividade 
formalmente inexistente antes da descoberta da necessidade de transcendên-
cia dos artistas. Assim sendo, enquanto a causalidade formal é um obstáculo 
epistemológico, a causalidade material enriquece as imagens e faz nascer uma 
experiência poética que atinge a êxtase do devaneio; dessa forma, a imagem é 
assimilada como fonte criadora. 
No livro O ar e os Sonhos, Bachelard (2001) fala da imaginação formal 
e da imaginação material. A primeira molda o inconsciente e faz “análises” 
externas do objeto, enquanto a segunda, é a imagem da intimidade, interna 
ao objeto. A primeira prende a pessoa no pensamento previamente definido 
pelo objeto, a segunda liberta-a para novos pensamentos. Nesse contexto, ele 
exemplifica: a imaginação de um movimento pede a imaginação de uma ma-
téria, formando, na união, complexas formas de cultura.
Por conseguinte, é “um contra-senso pretender estudar objetivamente 
a razão” (ALVES, 2008, p. 74), pois somente recebemos uma imagem verda-
deira quando há admiração. Afinal, “aculturação sempre implica a transfor-
mação (reafirmação, impugnação, complementação, etc.) de uma base cultu-
ral espontaneamente adquirida, que está presente mesmo quando o indivíduo 
não tenha tido qualquer exposição prévia à educação formal” (ROJO, 1997, 
p. 58). Somam-se a isso, aspectos inerentes à didática convencional que des-
valorizam o poder da criação: “Os desdobramentos do processo de aquisição 
da cultura, não levam à “Criação”: assim como o material limita a inspiração 
do artista, uma base cultural impõe restrição ao seu professor” (ROJO G., 
1997, p. 58).
68
Pressupostos Bachelardianos na sala de aula
69
E nessa conjuntura, caracterizada pela interdependência entre razão e 
emoção, sugerimos atividades didáticas com o objetivo de inserir na estrutura 
cognitiva, cargas de conhecimento e raciocínio moldadas por razões subje-
tivas. Acreditamos que, dessa forma, a nova visão será, de fato, adquirida, e 
encontrará, depois de muito empenho, seu espaço de ação mesmo na vida 
cotidiana. Ao recordar os primeiros ensaios da vida e revivê-los, os aprendizes 
estarão, a partir das primeiras experiências com relação a um objeto, elucidan-
do novas perspectivas.
Sugerimos, nesta direção, provocar o espírito que habita cada apren-
diz, para que após a catarse intelectual, a imaginação possa florescer. Como 
nos ensina Bachelard: 
“(...) os lugares onde se viveu o devaneio se reconstituem por si mes-
mos num novo devaneio. É justamente porque as lembranças das 
antigas moradias são revividas como devaneios que as moradias do 
passado são em nós imperecíveis” (BACHELARD, 1978c, p. 201) 
 
Ao buscar revisar os conceitos revividos, a dupla instância, fantasia 
elaborada como atividade didática e sistema conceitual científico, indica que 
ora pensamos com a razão, ora imaginamos os sonhos. E nessa dialética didá-
tica, os sonhos se realizam e dão sentido à ciência, à aprendizagem, à escola: 
“Mais confusas, menos bem delineadas [que as coisas e seres que viveram na 
casa natal], são as lembranças dos sonhos que só a meditação poética nos 
pode ajudar a encontrar” (BACHELARD, 1978c, p. 207).
Revelando a profundidade dos sonhos, onde se enraizaram as lem-
branças, estudantes podem conferir os valores que ora interferem como obs-
táculos à aprendizagem científica, ora a sofisticam com onirismos revividos. 
E é na profundidade das relações mais ou menos estabelecidas que poderá 
ocorrer a compreensão de ciência e de seus limites, instigando o próprio exer-
cício criativo, a motivação para um pluralismo filosófico, alargando o pensa-
mento. Com relação a esta reflexão, não podemos deixar de transcrever a fala 
entusiasmada de Bachelard: 
“Mas o habitante apaixonado aprofunda o porão cada vez mais, tor-
nando-lhe ativa a profundidade. O fato não basta. O devaneio traba-
lha. Ao lado da terra cavada, os sonhos não têm limite. Revelaremos 
em seguida devaneios de além-porão.” (BACHELARD, 1978c, p. 
209) 
 
Apesar da complexidade que molda a noção de Complexo Científico, 
a simplificamos nesta análise através da definição seguinte: é uma pulsão re-
sultante de uma inspiração causada pelo momento (contexto). 
O Método Criativo vem da inspiração de um trabalho mais antigo 
(YAMAZAKI, 1998), no qual uma problematização foi levantada: comple-
xos psicológicos devem ser evitados pela substituição de Complexos Cientí-
ficos.
A ideia é promover, num ambiente inspirador, divagações científicas 
ou fantasias que gerem diálogos posteriores à inserção de conceitos científi-
cos. 
Os Complexos Científicos são criados pelo contexto no qual vivem as 
pessoas, ao levá-las a imaginar temas científicos e a estruturar suas ideias por 
escrito, na própria fala (desde que não seja imposta), ou em gravuras. Nesse 
sentido, Método Criativo e Complexo Científico coexistem no momento da 
construção de fenômenos pessoais. 
Por muitas vezes percebemos que muitos alunos, ao serem ouvidos, 
imaginam as mais incríveis histórias e têm divagações surpreendentes sobre 
temas científicos, dando grandes contribuições às aulas ao pensar possibili-
dades de extrapolação do conteúdo muitas vezes fechado da ciência. Essas 
divagações já nos proporcionaram ricas discussões em sala de aula, levando à 
criação de um estímulo para se pensar sobre temas científicos. 
Ao incluir o pensamento ou imaginação do aluno na estratégia didá-
tica, há valorização de suas impressões de vida, trazidas para sala através dos 
70
Pressupostos Bachelardianos na sala de aula
71
filtros que o contexto disponibiliza. Na curiosidade de buscar respostas às 
suas próprias indagações, o aluno se inspira e colabora com o processo, en-
riquecendo sobremaneira a aprendizagem que, na maioria das situações, de 
fato, aconteceu. 
Com relação a este ponto, em um trabalho muito interessante, embo-
ra embasado em referencial teórico da linha psicanalítica lacaniana, Villani, 
Santana e Arruda (2003) relatam resultados de uma pesquisa que, sob um 
Contrato de Trabalho oralmente firmado com os estudantes, os alunos ti-
veram um aproveitamento surpreendente apesar de usar uma ousada meto-
dologia. Esse trabalho colocou o aluno no centro das atividades ao requerer 
respostas dinâmicas a questões científicas cruciais. Ao elaborar as respostas, 
os estudantes são levados a criar alternativas coerentes que dão embasamento 
a suas falas, dando margem a percepção de falhas iniciais. 
O Método Criativo é sustentado principalmente na noção bachelar-
diana noturna que entende que a criação é um ato feliz que a razão não pode 
explicar, porque é um instante único do indivíduo (BACHELARD, 2007, 
2003).
Voltando ao aluno K, que parecia conviver com um conflito entre 
as primeiras impressões e as científicas, em se tratando do conceito de flor, 
ao contextualizar a escolacom ricos motivos para viver emoções e investir 
na profundeza conceitual do tema, ele certamente, em outros momentos de 
sua vida, voltaria a refletir sobre o assunto, até que, por uma dialetização da 
noção previamente vivida, teria condições de rever o passado e reconstruir 
novos caminhos. 
 
6. Reflexões Finais
Nossa intenção primeira, ao propor ações de ensino aprendizagem, é 
minimizar uma formação escolar aparente envolta por uma equivocada visão 
que valoriza mais as informações e o uso da técnica do que toda uma forma 
de estruturar fenômenos, dinamizar novos fazeres e, principalmente, de con-
templar cientificamente a natureza. A medíocre realidade tanto do Ensino 
Básico quanto do Ensino Superior parece querer mostrar que urgentemente, 
há necessidade de uma mudança na forma de conceber a Educação: 
“Investigações realizadas com adultos, incluindo pessoas com forma-
ção universitária, tem mostrado que a cultura científica que se supõe 
ter um indivíduo de formação média que tem cursado o bacharelado 
é só aparente: grande parte dos conhecimentos que adquiriu no pro-
cesso educativo não tem sido bem assimilados, ou tem sido esqueci-
dos, ou de novo substituídos por idéias pontuais e contraditórias com 
os conhecimentos dados na escola (Bachelard 1971, Astolfi 1978, 
Giordan y Martinand 1988).” (CABALLER y GIMÉNEZ, 1993, p. 
63). 
Foi buscando em Bachelard ousadas formas de organizar atividades 
didáticas que conseguimos resultados no mínimo animadores, afinal foram 
protótipos didáticos com resultados positivos, tanto em termos quantitati-
vos, mas principalmente, qualitativos. 
Estudantes, principalmente do Ensino Básico, muitas vezes não têm 
motivação suficiente para que haja grandes progressos do ponto de vista edu-
cacional. Como afirmam os autores do artigo a seguir:
(...) às vezes, os estudantes não têm nenhuma esperança em relação 
à escola. Nem mesmo esperam dela um diploma com significado de 
prestígio social. Enfim, eles estão numa outra. O papel inicial do pro-
fessor, nestes casos, é de surpreender seus estudantes, fazendo com 
que eles passem a acreditar que, mesmo na escola, existem coisas im-
previsíveis e interessantes. Isso significa atingir o imaginário dos estu-
dantes, introduzindo uma nova expectativa, que deverá ser trabalhada 
posteriormente. (VILLANI, BAROLLI, CABRAL, FAGUNDES, 
YAMAZAKI, 1997)
Aprender a aprender, aprender a conviver, aprender a fazer e aprender 
a ser, eis as metas atuais da educação (UNESCO). Para aprender a aprender e 
aprender a fazer, é preciso aprender a pesquisar e a manipular os objetos; mas 
72
Pressupostos Bachelardianos na sala de aula
73
para aprender a conviver e aprender a ser, é preciso ter um desenvolvimento 
emocional satisfatório, como, por exemplo, alta autoestima. E, quão idealista 
é pensar na autoestima do aluno, quando ele não é central no processo edu-
cacional! Faz-se necessária profunda mudança na forma de idealizar a escola, 
não só pelos professores, mas por toda população. 
Todavia, um movimento na contramão é facilmente desfeito. A mu-
dança de postura de professores em exercício é nosso principal desafio, afinal, 
como alerta Bachelard: é só depois que toda uma geração de profissionais 
deixa de trabalhar que pode haver mudança, pois os hábitos e concepções 
estão por demais enraizados. 
Os Planos de Ensino, atualmente fechados em torno de um realismo 
ingênuo que fazem jus a reclames de toda ordem, ao contemplar o complexo 
sistema de vigilância do professor, prejudicam o desenvolvimento cogniti-
vo ao desfavorecer o potencial afetivo natural do aprendiz. Em pleno século 
XXI não há mais espaço para ordem imposta sem negociação, sem ajusta-
mentos a priori. É preciso fazer um Contrato de Trabalho junto dos alunos, 
para que, ao perseguir objetivos em comum, professores e alunos possam ter 
compromissos comuns. 
Terminamos citando nosso próprio mestre: 
Aos cientistas reclamaremos o direito de desviar por um instante a 
ciência de seu trabalho positivo, da sua vontade de objetividade, para 
descobrir o que permanece de subjetivo nos métodos mais severos. 
(BACHELARD, 1978b, p. IV). 
Que todos nós, que temos o ensino como principal função, saibamos 
dar o devido valor às subjetividades envolvidas no fascinante exercício de le-
cionar... 
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Segunda Parte 
79
FORMANDO PROFESSORES DE HISTÓRIA
A PARTIR DA PRÁTICA
 Antonio Dari Ramos
 Eliazar João da Silva
Introdução
Analisar o papel destinado às Práticas de Ensino nas Licenciaturas 
em História tanto pela legislação educacional brasileira quanto pelo senso 
comum pedagógico pode parecer redundância. Tomando como base as dis-
cussões realizadas pelos Projetos Pedagógicos de diversos cursos de História, 
tem-se a sensação de que este é um assunto bem resolvido, restando pouco a 
ser dito sobre ele, pois tudo já estaria bastante evidente nos pareceres e reso-
luções que o normatizam. Quanto à necessidade das práticas de ensino nos 
cursos de formação de docentes, há um consenso. Porém, quando se trata da 
forma como cada curso interpreta a legislação, temos um conjunto de leituras 
tão diverso as quais levam a arranjos curriculares os mais variados. Nossa in-
tenção, neste capítulo, é discorrer sobre o papel que a Prática desempenha na 
formação docente na Área de História. Para dar conta desta proposta, dividi-
mos o texto em duas partes. Na primeira, trataremos das discussões realizadas 
pelos especialistas em educação desde a década de 1930 a respeito da necessi-
dade de inserir a prática nos cursos de formação de professores, chegando aos 
desdobramentos da legislação atual e desembocando nos desafios impostos 
ao curso de História para sua adequação à legislação vigente. Com isso, acre-
ditamos ser possível repensarmos, na segunda parte, a ação do docente em 
História numa perspectiva renovada.
80
Formando professores de história a partir da prática
81
A prática de ensino na formação do docente em História
A existência de práticas de ensino como parte integrante do currículo 
das licenciaturas não é algo proposto pela primeira pelas resoluções 1 e 2 do 
CNE/CP, nos anos 2000. Um estudo realizado por Silvia Moreira Goulart 
(2002) situa o início das discussões em 1930. A autora traça o percurso das 
discussões acontecidas desde então até a fixação do entendimento atual, em 
2002. Acompanhemos o itinerário das discussões.
Em 1932, através do Decreto 3.180, houve a regulamentação das Es-
colas de Educação. Tais instituições tinham por finalidade preparar os profes-
sores para o exercício do magistério nos vários níveis de ensino. As Faculdades 
de Educação tinham escolas de aplicação onde se dava a prática educacional. 
A prática de ensino foi, em tal experiência, tomada enquanto estágio, durante 
o qual o aluno entraria em contato com o ensino, acompanhado de um pro-
fessor de prática e do regente da turma (Teixeira apud Goulart, 2002).
Em 1939, o Decreto-Lei 1.190 dispunha sobre a organização da Fa-
culdade Nacional de Filosofia e do papel que deveria desempenhar na forma-
ção de candidatos ao magistério do ensino secundário. Através do ‘modelo 
3 + 1’, após o bacharelado, os candidatos ao magistério poderiam realizar o 
curso de Didática, em um ano, recebendo com isso a licença docente. O curso 
seria composto por aulas teóricas, práticas e por seminários. Em 1946, o De-
creto-Lei 9.053 estende a todas as Faculdades de Filosofia a obrigatoriedade 
de manter um ginásio de aplicação aos alunos matriculados no curso de Didá-
tica. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 4.024/1961 apenas 
regulamentou o funcionamento e o controle do sistema escolar, mantendo o 
sistema educacional anterior (Candau apud Goulart, 2002). 
O problema maior detectado quanto à aplicação da lei estava relacio-
nado a não existência de Colégios de Aplicação que pudessem dar conta das 
práticas docentes. Por conta disso, o então Conselho Federal de Educação 
fixou, em 1962, o currículo mínimo para a formação pedagógica do licencia-
do. A prática de ensino, realizada sob a forma de estágio supervisionado, foi 
tomada como um dos componentes curriculares. Em 1968, a Lei 5.540 abriu 
a possibilidade da realização de estágios em escolas da comunidade. Por sua 
vez, a LDB nº 5.692/71 passou a exigir habilitação específica de 2º Grau para 
o exercício no magistério das quatro primeiras séries do primeiro grau. Para 
o ensino de 1º e 2º graus, passou a ser necessário cursar uma Licenciatura. O 
estágio supervisionado foi mantido. Com a LDB nº 9394/96, a prática de 
ensino assume outro caráter ao ser proposta como componente curricular, 
como veremos a seguir.
O espírito da Resolução CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de 2002, que 
instituiu a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura, de graduação 
plena, de formação de professores da Educação Básica em nível superior é 
pautado na noção de imprescindibilidade da prática pedagógica na forma-
ção docente. A prática é tomada como uma das dimensões dos componentes 
comuns. Além das 400 (quatrocentas) horas de prática como componente 
curricular, vivenciadas ao longo do curso, outras 400 (quatrocentas) horas 
de estágio curricular supervisionado devem ser cursadas a partir do início da 
segunda metade do curso.
A noção de prática como componente curricular é evidenciada pelo 
Parecer CNE/CP 28/2001. Pelo parecer, o Conselho Pleno do Conselho 
Nacional de Educação pretendia dirimir quaisquer dúvidas que pudessem 
ser suscitadas pela minuta da Resolução CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de 
2002. 
Na definição da relação da prática com a teoria na formação docente, 
o parecer é enfático: “A prática não é uma cópia da teoria e nem esta é um 
reflexo daquela. A prática é o próprio modo como as coisas vão sendo feitas 
cujo conteúdo é atravessado por uma teoria”.
A explicação para a imbricação entre teoria e prática é dada por uma 
visão pragmática de ensino: 
82
Formando professores de história a partir da prática
83
Assima realidade é um movimento constituído pela prática e pela te-
oria como momentos de um dever mais amplo, consistindo a prática 
no momento pelo qual se busca fazer algo, produzir alguma coisa e 
que a teoria procura conceituar, significar e com isto administrar o 
campo e o sentido desta atuação. Esta relação mais ampla entre teoria 
e prática recobre múltiplas maneiras do seu acontecer na formação 
docente.
É baseado nos motivos acima que o Parecer CNE/CP 28/2001 reto-
ma o Parecer CNE/CP 9/2001 e a definição de prática como componente 
curricular:
Uma concepção de prática mais como componente curricular implica 
vê-la como uma dimensão do conhecimento, que tanto está presente 
nos cursos de formação nos momentos em que se trabalha na reflexão 
sobre a atividade profissional, como durante o estágio nos momentos 
em que se exercita a atividade profissional.
Por conta do exposto, o Parecer distingue entre prática como compo-
nente curricular, a prática de ensino e o estágio obrigatório definidos em lei, 
dizendo: “A primeira é mais abrangente: contempla os dispositivos legais e 
vai além deles”. 
A prática como componente curricular terá que ser uma atividade tão 
flexível quanto outros pontos de apoio do processo formativo, a fim 
de dar conta dos múltiplos modos de ser da atividade acadêmico-cien-
tífica. [...] Esta correlação teoria e prática é um movimento contínuo 
entre saber e fazer na busca de significados na gestão, administração e 
resolução de situações próprias do ambiente da educação escolar.
O que significa, no entanto, tomar a prática como componente cur-
ricular? Inquirido pela UFPA sobre a organização da matriz curricular de 
modo a integrar nos Projetos Políticos Pedagógicos as dimensões pedagógi-
cas, a Prática de Ensino, o Estágio e outras formas de atividades acadêmico-
científico-culturais, o Conselho Nacional de Educação elaborou o Parecer 
CNE/CES 213/2003.
No Parecer, a dimensão prática do curso é avaliada segundo o crité-
rio quantitativo de que as atividades práticas devem corresponder, 
no mínimo a 400 horas de atividades. A prática deve estar presente 
desde o início do curso e dissolvida no interior das áreas e disciplinas 
do curso, como dispõe a Res. 01/2002 [:] § 3º No interior das áre-
as ou das disciplinas que constituírem os componentes curriculares de 
formação, e não apenas nas disciplinas pedagógicas, todas terão a sua 
dimensão prática.
Assim, “ao aferir a dimensão prática do curso, o especialista soma as 
partes horárias previstas no interior de cada área ou disciplina para atividades 
práticas, devendo o total perfazer 400 horas.”
Em resposta ao pleito da Universidade Estadual do Vale do Acaraú 
(Ceará), o Conselho Nacional de Educação elaborou o Parecer CNE/CES 
0228/2004, texto elucidativo sobre a confusão existente em muitas institui-
ções a respeito da inclusão das práticas de ensino e do estágio supervisionado 
na dimensão pedagógica:
Todos os componentes curriculares que se vinculem à formação da 
competência pedagógica e seus fundamentos teóricos, excetuando-se a 
prática de ensino e estágio, pode ser considerado parte da carga horária 
mínima de 1/5 da carga horária total do Curso de Licenciatura a ser 
dedicada à dimensão pedagógica (...). É, portanto, correta a interpreta-
ção sugerida pela UVA no Of. 235/2003, enviado ao CNE, segundo 
a qual à carga horária de 1/5 da carga horária total dos cursos dedica-
da à dimensão pedagógica, devem ser acrescidas 400 (quatrocentas) 
horas de prática como componente curricular e 400 (quatrocentas) 
horas de estágio curricular supervisionado.
Questionada em todo o País, pesa sobre a legislação acerca da distri-
buição da carga horária dos cursos superiores, a acusação de invadir a parte 
84
Formando professores de história a partir da prática
85
específica dos cursos, roubando-lhe espaços. Passemos à análise da recepção 
da legislação sobre as práticas pedagógicas no curso de História.
O que significa pensar a formação docente a partir da prática? Para 
Perrenoud (1993, p. 200), “é pensar a profissão, a carreira, as relações de tra-
balho e de poder nas organizações escolares, a parte de autonomia e de res-
ponsabilidade aos professores individual ou coletivamente”. Tal assertiva per-
mite pensar os desafios para a implementação das Práticas de Ensino como 
componentes curriculares no curso de História ao associar a matriz curricular 
ao campo profissional do docente de História.
O contato que os acadêmicos de História têm com as escolas onde re-
alizam seus estágios supervisionados permite perceber diversos limites peda-
gógicos na formação docente possibilitada a eles pela universidade. Por isso, 
durante o processo de reestruturação do Projeto Político Pedagógico do cur-
so de História da Universidade Federal da Grande Dourados, fez-se a opção 
para que cada componente curricular participasse da formação docente, por 
meio da articulação entre saberes das Ciências Sociais, da Educação e da His-
toriografia. Partindo-se do pressuposto de que a formação das competências 
básicas para ensinar não é de responsabilidade somente das disciplinas tidas 
como pedagógicas, mas de todos os componentes curriculares, designou-se a 
cada disciplina específica uma parte prática agregada à teórica. 
Por conta disso, percebemos vários desafios impostos, uma vez que, 
historicamente, as licenciaturas de História têm se caracterizado pelo seu ca-
ráter de bacharelado, com forte aversão para as discussões de cunho pedagó-
gico, as quais sempre foram delegadas à Didática Geral, à Psicologia, Filoso-
fia e Sociologia da Educação, ao Estágio Supervisionado. Pensamos que tais 
desafios estão ligados à necessidade de tomar a prática a partir da finalidade 
do ensino de História, isto é, do público e da intencionalidade atingida. Isso 
nos leva diretamente à atuação do docente de História realizada na Educação 
Básica. Há que se associá-la, no entanto, às dinâmicas sócio-históricas e à pro-
dução e difusão do conhecimento histórico.
Preparar os egressos para a docência na Educação Básica tem sido a 
preocupação principal dos cursos de História. No entanto, inúmeras situa-
ções vivenciadas pelos docentes daquele nível educacional não chegam à Uni-
versidade. É praticamente generalizado o sentimento de despreparo dos no-
vos docentes, que sentem grande distanciamento do cotidiano escolar e, por 
isso, em pouco tempo esquecem a teoria recebida na universidade a fim de 
se adequar à cultura da escola básica. Trata-se de pensar a melhor forma para 
que os novos professores de História possam dirigir as atividades pedagógicas 
de maneira independente, e criar espaços de aprendizagem significativa.
Um primeiro desafio imposto, por conta disso, é o de articular os sa-
beres acadêmicos aos escolares. Nesse sentido, o necessário contato com a 
realidade educacional valoriza o espaço da escola pública como campo de 
experiência na formação de professores da Educação Básica, ao mesmo tem-
po em que permite oxigenar a formação de docentes. O movimento que cada 
componente curricular faz para aproximar-se da realidade do ensino escolar 
permite repensar o academicismo estéril, a contemplação que a História faz 
de si mesma, direcionando-a a projetos sociais, políticos e culturais com forte 
amparo local. Com isso, é possível pensar o lugar que a História ocupa na 
cultura escolar e a forma como se relaciona com a cultura geral. 
De outra sorte, a aproximação do cotidiano da escola básica permite à 
universidade acessar as idiossincrasias do modelo educacional brasileiro que, 
pautado na racionalidade técnico-científica, delega posição de inferioridade 
às Ciências Humanas. Na escola básica, o docente de História tem, em alguns 
momentos, de impor-se perante outras áreas consideradas mais importantes. 
Em outros momentos, tem de realizar a interdisciplinaridade forçada, sem 
que tenha tido a possibilidade de experienciá-la no curso superior, outro de-
safio a ser enfrentado nos cursos de História. 
Pensar na formação dodocente em História a partir da prática é atacar 
a dificuldade sentida pelos docentes de que os acadêmicos demonstram gran-
des e graves problemas de leitura/interpretação, além de demonstrar pouco 
86
Formando professores de história a partir da prática
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gosto por elas. Mais do que levantar estas questões, significa atacar o proble-
ma, resolvível somente a partir da disposição dos acadêmicos para o aprimo-
ramento da capacidade leitora. Significa, também, atacar a desmotivação dos 
alunos para a aprendizagem que acontece tanto nos cursos superiores quanto 
na Educação Básica, pensando-se estratégias para encantá-los com a História 
ensinada. Com isso, boa parte dos casos de indisciplina escolar estaria resol-
vida.
O trabalho com estratégias de encantamento para a aprendizagem de 
História força a revisão do modelo quadripartite, o qual se torna pouco atra-
ente para professores e alunos, levando ao uso exagerado de memorização 
de datas e fatos históricos. Com isso, é possível que os critérios de seleção de 
conteúdos sejam revistos, a intencionalidade da escrita da História revisada, 
os centros produtores de sentido repensados.
Há que se considerar ainda que a formação de professores pautada no 
cotidiano educacional desafia o enfrentamento consistente da burocracia es-
colar, repleta de etiquetas escolares e de normas para preenchimento de do-
cumentos escolares, por exemplo, e da política de progressão desinteressada 
do conhecimento, buscando estratégias de enfrentamento dessas situações. 
Se é possível detectar que muitos professores “desistiram de seus alunos”, é 
possível perceber que muitos deles estão impossibilitados de realizar for-
mação continuada, em virtude da enorme carga horária que têm de assumir 
para compensar parcos salários. O desafio imposto é o de formar os futuros 
professores sem escamotear as dificuldades que encontrarão no cotidiano do 
exercício docente. 
Outro desafio frente ao qual os futuros professores devem ser postos 
durante a formação é o da necessidade de os docentes transitarem entre as 
orientações governamentais e as políticas do livro didático, desde que cons-
truam uma visão de conjunto a respeito do campo educacional. Um ensino 
diferenciado é possível, desde que o docente tenha autonomia de ação, que 
demonstre segurança no cotidiano escolar a partir de denso domínio dos 
conteúdos específicos e dos saberes pedagógicos. Isso lhe permite estabelecer 
pontes entre saberes de diferentes ordens, além de agir com propriedade na 
‘modernização do ensino de História’ através da valorização das sensibilida-
des juvenis. Com isso, dá-se vazão à máxima de que deve-se partir da realida-
de dos alunos, favorecendo a ancoragem cultural dos conteúdos.
O mundo contemporâneo estabelece o desenraizamento dos indiví-
duos. Forasteiros em sua própria casa, os seres humanos não se reconhecem 
nos produtos culturais que consomem. À escola, nos meios populares – na 
verdade deveria ser toda a escola – é atribuído, por isso, o papel de auxiliar 
as pessoas a fazerem minimamente uma leitura de mundo para que possam 
ser agentes sociais. A História, ao debruçar-se sobre as relações humanas es-
tabelecidas ao longo dos tempos, pode demonstrar que as representações de 
mundo naturalizadas pela racionalidade técnico-científica podem ser desnu-
dadas, desconstruídas. Tais representações, por terem sido construídas histo-
ricamente, são parciais, questionáveis. 
A História, assim, assume o papel de (re) enraizamento das coleti-
vidades na continuidade histórica. Para que ela não seja mais um discurso 
que incida sobre os alunos fragmentando-os ainda mais, deve pautar-se na 
ancoragem sociocultural, tal como analisado por Doise (1992). Para que os 
conteúdos escolares façam sentido para o aluno, há que se considerar o nível 
psicológico, isto é, suas experiências individuais, o nível psico-sociológico, o 
espaço simbólico das relações sociais e o nível sociológico, as clivagens e in-
serções objetivas na estrutura social, como por exemplo, em diferentes posi-
ções de classe social. Assim, conteúdos que não possuam qualquer elo com as 
experiências individuais e sociais dos alunos tendem a serem desinteressantes 
para eles.
De forma mais ampla, destacar a prática na formação docente implica 
situar o estatuto epistemológico da licenciatura de História dentro das dinâ-
micas sócio-históricas da atualidade. Este aspecto leva-nos diretamente aos 
projetos sociais de construção/desconstrução de visões/versões históricas. 
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Formando professores de história a partir da prática
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Dado que é impossível à História a neutralidade ideológica, sua escrita es-
tará sempre a manejar interesses de grupos específicos que justificam ações 
específicas por meio de constructos teóricos bastante parciais. Cientes disso, 
os futuros professores de História desenvolverão a capacidade de relativizar 
os conhecimentos históricos produzidos pelos MCS, por entidades étnico-
culturais e de classe, por pessoas e grupos políticos e econômicos.
Considerar a importância da prática na formação dos docentes em 
História significa assumir também o compromisso de responder aos desa-
fios das políticas inclusivas da atualidade. Mesmo que as minorias possam ser 
contempladas pela Nova História, há ainda um longo caminho a ser trilha-
do na produção e na difusão do conhecimento histórico da academia para a 
Educação Básica. O principal motivo está ligado ao fato de que os conheci-
mentos produzidos pela academia dificilmente chegam à Educação Básica. 
Ademais, isso expõe um problema – tomado como um dos grandes desafios 
– sobre a existência de um grupo especializado em produzir o conhecimento 
histórico, outro em aplicá-lo na realidade educacional. De qualquer sorte, o 
professor que não produz conhecimento histórico é mero difusor do que é 
produzido pelos pesquisadores. O professor deve ser também produtor de 
conhecimento, caso contrário cairá no ativismo pedagógico, prisão que os 
cursos de formação de professores devem ter cuidado de prevenir em seus 
egressos.
Outro desafio a ser enfrentado é a problemática da pesquisa na sala 
de aula. Entendida na maioria das vezes pelos alunos como cópia de trechos 
de textos de livros ou da internet, reflete a falta de orientação dos professo-
res. Ordens do tipo ‘faça uma pesquisa sobre a Revolução Francesa’ indicam 
pouca familiaridade do professor com a pesquisa. Como o tema Revolução 
Francesa é amplo o suficiente para compor uma biblioteca com milhares de 
exemplares, o docente terá que aceitar tudo o que os alunos trouxerem por-
que, em seu comando, há a falta de critérios objetivos para a correção. 
De outra sorte, pela grande quantidade de turmas que cada professor 
possui, é comum não ter tempo para realizar a correção de tais ‘pesquisas’. 
Esse mesmo desafio torna-se mais premente quando pensamos na formação 
de docentes críticos, capazes de elaborar questões pertinentes ao objeto his-
tórico. A prática da pesquisa poderá ser um mecanismo eficaz para a proble-
matização histórica.
Resta ainda outro grande desafio no ensino de História, tanto na 
Educação Básica quanto na Superior. A explosão de estudos sobre a memó-
ria social acontecida nos últimos cinquenta anos tem inserido a temática no 
âmbito do ensino. Museus, arquivos, monumentos tornaram-se lugares pri-
vilegiados para o ensino de História. Impõe-se, desse modo, a necessidade de 
aproximar os futuros docentes desses espaços para que adquiram o mínimo 
de domínio de suas linguagens. Com isso, é possível realizar uma crítica fun-
damentada de tais acervos com intuito de evitar a reificação das memórias. 
Via de regra, a maioria dos lugares de memória contribuem para fixar a his-
tória oficial, distanciando cada vez mais o cidadão comum da participação 
histórica. Um trabalho efetivo para aproximar a disciplina do cotidiano das 
pessoas, dando-lhe vida, não pode prescindir de uma crítica sistemática das 
memórias oficiais.
Sem a pretensão de esgotar o assunto, destacamos, porfim, a proble-
mática do uso das TIC no ensino de História. Saudadas por muitos como 
a redenção do ensino, as tecnologias de informação e comunicação não ga-
rantem por si a melhoria da qualidade da educação. Nossa percepção é a de 
que falta à maioria dos professores o domínio de tais linguagens. Incapazes 
de adequar o uso às necessidades de instrumentação para o ensino, ficam à 
mercê das regras sociais de produção cultural. Perde-se, assim, grande opor-
tunidade de esboçar reação proativa frente à racionalidade técnico-científica 
ocidental e o papel que desempenha na massificação cultural. 
Professores e alunos devem ser postos frente a estas questões já no 
momento de formação. Mais do que falar sobre elas, há que se encontrar 
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Formando professores de história a partir da prática
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caminhos para praticá-los exaustivamente em cada componente curricular. 
Tal é o entendimento da prática como componente curricular que guiou a 
Comissão de Reestruturação do Projeto Pedagógico do Curso de História 
da UFGD, pensando que todas as ações propostas na Licenciatura deveriam 
levar à formação do professor de História. Objetiva-se, com isso, que os avan-
ços histórico-historiográficos possam chegar à sala de aula, ao mesmo tempo 
em que os saberes escolares possam oxigenar a formação de professores reali-
zada na Universidade.
Ação docente em História: métodos e abordagens
O trabalho com o ensino de História impõe atividades e procedi-
mentos que vão desde a tradicional aula expositiva (com quadro e giz), até as 
inovações proporcionadas pelos recursos tecnológicos, sobretudo a partir da 
década de 1980. Nesse percurso, há um conjunto de perspectivas que emergi-
ram, visando tornar um ensino de História mais participativo e interpretati-
vo. Paralelamente, neste período iniciou-se um intenso processo de discussão 
sobre o papel do professor e da própria disciplina História, cujas abordagens 
filiadas às chamadas “Historiografia Tradicional” e “Historiografia Renova-
da”, têm sido permanentemente objetos dos debates em diferentes fóruns, 
dentre eles, nos encontros da ANPUH – Associação Nacional dos Professo-
res de História - (tanto nos encontros estaduais, quanto nos nacionais).
A tentativa de vincular o ensino, a pesquisa e a extensão em História é 
recente, embora consideremos, no plano teórico, estas atividades indissociá-
veis. Gradativamente os cursos de Licenciatura em História buscam respon-
der à necessidade de aproximar o ensino e a pesquisa em sala de aula, o que 
tem como resultado o aprofundamento da profissionalização do professor/
historiador. Tal fato pode ser também verificado a partir da crescente expan-
são dos programas de pós-graduação no país, e, especificamente, quanto ao 
trabalho acerca da atividade inerente ao professor e ao ensino de História.
Um aspecto a ser considerado relaciona-se à acelerada produção das 
informações resultantes das inovações tecnológicas. Diante desses “novos 
tempos”, como seria possível democratizar tais informações em sala de aula? 
Os alunos, em seu conjunto, dispõem de recursos materiais e formação inte-
lectual desejáveis? Estas e tantas outras questões são objetos de preocupação 
do professor. Utilizar-se de novos recursos tecnológicos poderá condicionar 
um ensino de História “menos tedioso” para os alunos. Para tanto, o professor 
deve habilitar-se e ser capaz de acompanhar os ritmos das novas mudanças.
Ao explorar linguagens originadas em documentários ou em imagens, 
por exemplo, o livro didático continuará se constituindo como um impor-
tante instrumento na relação ensino/aprendizagem; porém, ele será tão so-
mente um desses instrumentos, e não o único, tal como ele foi durante déca-
das, e, convenhamos, continua a sê-lo em diversas escolas do Brasil, inclusive 
em cursos de formação de professores. Ao utilizar-se de outras linguagens, os 
próprios conceitos e conteúdos expressos em livros didáticos poderão adqui-
rir novas formas, e, consequentemente, um determinado evento historiográ-
fico poderá apresentar outras e renovadas interpretações. 
Trabalhar com o ensino História não significa estudar temas conge-
lados, mas, sobretudo, repensá-los. Nesse sentido, novas abordagens e novos 
métodos visam enriquecer as discussões, a exemplo do que Peter Burke já cha-
mou a atenção (BURKE, 1992). As “obrigações curriculares” não devem ser 
absorvidas tais como elas são, isto é, o professor deve ter autonomia sobre 
elas, e, por conseguinte, da sua aplicação em sala de aula. Evidentemente, para 
o confronto quanto a determinadas formas de interpretação dos conteúdos, 
o professor deverá estar adequadamente capacitado, não somente para dar 
conta dos conteúdos específicos da disciplina, mas também para estabelecer 
conexões com os saberes das Ciências Sociais e da Educação. Nesse sentido, 
formar docentes de História requer uma austera vinculação com a prática 
sócio-educacional.
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Formando professores de história a partir da prática
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Um dos aspectos que distinguirá o professor de História é a sua con-
dição de conferir profundidade teórica à abordagem, e nas perspectivas in-
terpretativas dos eventos historiográficos expressos em livros didáticos, tal 
como apregoam os pressupostos do “Programa Nacional do Livro Didático” 
(LUCCA & MIRANDA, 2004). Parece ser óbvia a constatação de que quan-
do se pesquisa um tema, pode-se chegar a diferentes percepções; entretanto, 
essa tarefa não é fácil, caso não se realize o esforço de discutir os conceitos a 
partir de sua alteridade e circularidade. 
Esta premissa reforça a ideia de que aulas expositivas, por exemplo, 
devem ser dialogadas com os alunos, tendo-se o discernimento de que dis-
cordar e/ou defender pontos de vista requer conhecimento e inserção em for-
mas específicas de pensar. Proporcionar a abertura ao diálogo com os alunos 
significa estabelecer um horizonte de criação ou de (re) construção de novos 
conceitos a partir das práticas sociais de professores e alunos em diálogo. O 
ambíguo exercício de aprender/ensinar História impõe uma exigência de in-
teresse e dedicação em quem queira realizá-lo, o que implica a ideia de que a 
tarefa é árdua, gradativa e principalmente continuada.
A utilização de diferentes documentos em sala, por exemplo, dá-nos 
a medida dos caminhos que podemos seguir, visando ao debate que não se 
prenda apenas aos livros didáticos. Nesse sentido, recortes de jornais e/ou 
análise de cronistas, por exemplo, poderão constituir-se em importantes ele-
mentos a serem explorados nas aulas. Atente-se ao fato, contudo, que o do-
cumento, seja ele qual for, é apenas um ponto de partida para a análise que se 
queira fazer, e não algo que se pretenda conclusivo.
É cada vez mais frequente o uso de documentos em livros didáticos. 
Entre outras coisas, a leitura e a pesquisa dos documentos encontrados em 
livros didáticos permite que o aluno possa compreender alteridades e ampliar 
seu vocabulário, além de melhor interpretar imagens, tabelas, sons, dentre 
outros. Para que esteja habilitado a fazê-lo, deverá ser alfabetizado na leitura e 
interpretação de tais linguagens. A rigor, um ensino menos essencialista por-
que comprometido com o cotidiano, possibilita ao aluno transbordar da sala 
de aula e invadir a realidade circundante com interpretações e proposições 
pertinentes.
A atenção à leitura dos documentos deve ter em vista que, em várias 
coleções, a ideia vem fragmentada. Diante disso, o professor deve historicizá-
la. Ao contrário, o documento poderá constituir-se em empecilho, na me-
dida em que não terá sido circunstanciado, isto é, ele não terá sido situado 
historicamente. Isso significa dizer, desse modo, que a leitura do documento 
deve ser necessariamente problematizada.
Se, por um lado, o documento não deve ser utilizado sem critérios e 
sem que alguns pressupostos sejam plenamente verificados, por outro lado, a 
utilização indiscriminada do livro didático também deverá ser objeto de bas-
tante atenção, a começar pela premissa de quenão deveria exercer um poder 
absoluto sobre o leitor. Nesse sentido, o professor não deve incorrer em equí-
vocos de tal modo a reforçar aspectos que levem, por exemplo, à imposição 
ortodoxa dos textos, aos maniqueísmos de ideias supostamente “críticas”, e às 
interpretações teleológicas (VILLALTA, 2001).
Muitas vezes, as visões unilaterais que são encontradas em livros di-
dáticos decorrem de preocupações exageradamente “conteudistas” em suas 
propostas, o que significa supor não haver problematização. Durante muito 
tempo, vários desses livros didáticos visavam atender a uma demanda de alu-
nos que buscavam seu ingresso em universidades, como Fonseca chamou a 
atenção (FONSECA, 2003). Diante disso, as questões que apareceriam nos 
vestibulares, é que deveriam ser objetos de mais preocupação nas aulas de 
História. 
Há professores que reproduzem, sem problematização, aquilo que os 
livros didáticos propõem, orientando-se a partir da simples transposição di-
dática (BITENCOURT, 2004). De qualquer modo, parece-nos ser correta a 
ideia de que um bom livro didático pode se tornar ruim se utilizado por um 
professor de limitada formação. Um livro didático eivado de equívocos de 
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Formando professores de história a partir da prática
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interpretação e/ou de ortodoxias e maniqueísmos também poderá ser bem 
explorado, se debatido por um professor de boa formação didática e técnica.
O que não se pode perder de vista é que o livro didático, seja ele qual 
for, também é um produto da cultura de massa, e, desse modo, deve ser obje-
to de atenção das escolas e dos professores que queiram optar por utilizá-lo 
junto aos seus alunos (se é que aos professores, no seu conjunto, é possibilita-
da a condição de fazerem tal opção). Esta premissa não significa uma recusa 
peremptória, mas sim, critérios de escolha que também levem em conta a 
condição do livro didático fazer parte de uma produção mercadológica.
Especialmente a partir da década de 1980, o livro didático vem sofren-
do várias e ferrenhas críticas de toda a parte. Se muitas delas podem ser absor-
vidas e refletidas, outras decorrem de um “criticismo” que não corresponde 
com o que se verifica (MUNAKATA, 2000). Há pressupostos generalizados 
de que o livro didático representaria um entrave para o processo de ensino-
aprendizagem (no que discordamos, a não ser que haja uma relativização de 
tal ideia). Cremos, inclusive, que este instrumento continua sendo, na maior 
parte das vezes, o principal objeto de apoio ao professor em sala de aula. Acu-
sar o livro didático (como já se fez e se faz) de “ideológico e “acrítico” requer 
fundamentação (MUNAKATA, 2000).
O fato concreto é que o professor deve ter o domínio do livro didático 
e não o inverso. Na medida em que o professor assume a desejável condição 
de protagonista das ações com seus alunos, questões relacionadas às noções 
de temporalidade e das diversidades interpretativas (porém não excludentes), 
certamente poderão ser pontos de partida para um diálogo mais produtivo. 
Isso significa supor, por exemplo, que a narrativa seja acompanhada da in-
vestigação que problematize as questões. As narrativas por si mesmas podem 
levar os alunos à massificação das aulas, e, por conseguinte, torná-las ente-
diantes.
Uma narrativa que se proponha a discutir temáticas como a cidadania, 
ou a identidade nacional, devem levar em consideração as diferentes tensões 
e conflitos que envolvem a definição desses conceitos na chamada “História 
Geral”, e, em particular na “História do Brasil”. Ao se referir à cidadania, de-
ve-se considerá-la na sua vertente mais ampla, isto é, no seu viés civil, político 
e social (nesta ordem). 
Chama-nos a atenção que, muitas vezes, a cidadania é discutida apenas 
a partir do ponto de vista político, de maneira que é compreendida apenas, 
e fundamentalmente, quanto ao ato de ir às urnas em períodos eleitorais, e, 
quanto aos “diretos e deveres” das pessoas, os quais abrangem uma infinidade 
de situações que poderiam ser aqui exemplificadas.
Para Carvalho, a reflexão sobre a cidadania no Brasil deveria conside-
rar as contradições de sua interpretação, e, fundamentalmente, de sua inser-
ção na sociedade (CARVALHO, 2001). Segundo o autor, houve uma inver-
são das garantias no Brasil, de modo que a lógica da conquista da cidadania 
que deveria ser, na sequência, a civil, a política e a social, no caso brasileiro, 
houve, num primeiro momento, a cidadania social (mesmo assim compre-
endida como “doada” na década de 1940, durante a vigência do regime do 
Estado Novo, e não conquistada), num segundo momento a cidadania civil, 
e, por fim, a cidadania política. Esta última foi caracterizada por várias inter-
rupções, verificadas no período que vai de 1937 a 1945 e no período que vai 
de 1964 a 1985. 
Tomada no seu conjunto, a sociedade brasileira, para o autor, ainda 
caminha a passos bastante lentos rumo à conquista da cidadania plena. Se 
concordarmos que a História é uma das disciplinas privilegiadas para discutir 
tais questões, poderíamos indagar o que leva, muitas vezes, o livro didático, 
e mesmo alguns professores, a apenas tangenciar a questão, sem enfrentá-la 
de modo mais reflexivo, visando atingir uma discussão aprofundada. Talvez 
uma das possíveis respostas resida nos limites da formação do professor e/ou 
na ausência da abordagem em determinados livros didáticos.
Eis aqui um dos problemas centrais na relação que situa, por um lado, 
a limitação intelectual/formação precária do docente, e, por outro, o livro 
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Formando professores de história a partir da prática
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didático construído sem as desejáveis preocupações metodológicas. Trata-se, 
entre outras coisas, de perspectivas de aprendizado em sala de aula que par-
tam de abordagens que poderão se prender à chamada “Historiografia tradi-
cional” em detrimento das proposições da chamada “Historiografia renova-
da”. Paralelamente a essas duas perspectivas, tem-se também a Historiografia 
voltada para as interpretações filiadas ao materialismo histórico.
A Historiografia tradicional (ou positivista) é invariavelmente critica-
da por suas interpretações que se baseiam em fontes oficiais, por sua narrativa 
linear e factual, por seu enaltecimento de “grandes heróis ou personalidades 
políticas”, dentre outras “acusações” bastante justificáveis. Não obstante tais 
críticas venham sendo feitas desde muitas décadas, as observações a ela dire-
cionadas são recorrentes e estão presentes em consideráveis volumes de livros 
didáticos que são utilizados em escolas do país (LUCCA & MIRANDA, 
2004).
A Historiografia renovada propõe uma ruptura com praticamente o 
conjunto daquilo que se verifica na Historiografia tradicional, de tal maneira 
que seus pressupostos se fundamentam, entre outros aspectos, na maior va-
riedade da utilização de fontes, problematizando-as e tomando-as como um 
dos variados pontos de partida para as análises. Nesse sentido, depoimentos, 
imagens, pinturas, fotografias, filmes e tantas outras modalidades de investi-
gação adquirem importância, especialmente, quanto ao embate que poderá 
travar-se entre essas modalidades de fontes e aquelas oficiais. 
Esta abordagem historiográfica procura dar voz também aos segmen-
tos sociais historicamente esquecidos ou “diminuídos” em suas análises. Ín-
dios, negros, mulheres, brancos pobres, homossexuais, dentre outros, são al-
guns desses segmentos que passam a ocupar espaço nas interpretações, tanto 
quanto os empresários bem sucedidos, fazendeiros e estancieiros (que histo-
ricamente tiveram poder de dominação), algumas personalidades políticas, 
bispos, generais; enfim, aqueles que seriam responsáveis pela construção de 
um Brasil “forte e belo”, tão afeito às proposições interpretativas do Instituto 
Histórico e Geográfico Brasileiro (SIMAN, 2001).
Paralelamente às vertentes rapidamente evocadas, temos as propo-
sições filiadas ao chamado materialismo histórico ou marxismo. Especial-
mente entre as décadas de 1960 e 1980, é possível encontrarvárias coleções, 
cujas abordagens filiam-se ao materialismo histórico. Há duas considerações 
- dentre tantas outras - sobre essa abordagem, merecedoras de apontamentos, 
ainda que de forma absolutamente breve. Uma delas liga-se ao fato de que ela 
foi (é) muito importante para a utilização de conceitos que, até então, eram 
debatidos de uma maneira um tanto desatenta. Destacam-se aqui as defini-
ções que têm as relações de trabalho como foco. Nesse sentido, a noção de 
riqueza e pobreza, por exemplo, passou por novas perspectivas interpretati-
vas, e não como algo que estaria predestinado para essa ou aquela pessoa e/
ou sociedade.
Outra consideração a respeito do materialismo histórico prende-se à 
ideia de que suas proposições seriam demasiadamente deterministas, o que 
as enfraqueceriam justamente a partir dessa suposta interpretação, que não 
levasse em conta questões que deveriam ser relativizadas. Seja como for, o ma-
terialismo histórico está presente em diferentes abordagens, e elas são impor-
tantes, em que pesem as recusas que possamos eventualmente fazer a algumas 
de suas visões supostamente deterministas dos fatos, sobretudo em relação ao 
“economicismo” (BITENCOURT, 2004).
Provavelmente a crítica mais contundente que se poderia fazer à His-
toriografia Tradicional, e que não se aplica à Historiografia renovada, diz 
respeito à noção de tempo. Nesse sentido, tanto professores quanto livros di-
dáticos deveriam romper com a ideia da linearidade e discutirem os diferen-
tes eventos historiográficos a partir do pressuposto de que os vários tempos 
coexistem. Simultaneamente, devem ser rejeitados os aspectos que possam 
dar uma noção peremptória de causa e efeito às interpretações desses mesmos 
eventos, evitando os debates teleológicos.
De alguma maneira, os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais 
trazem consigo indicativos que possam oferecer ao professor e ao aluno mais 
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Formando professores de história a partir da prática
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liberdade na sua relação com o livro didático e com o próprio conteúdo pro-
gramático. Entretanto, ainda que se confira tal liberdade, se o professor não 
estiver habilitado para identificar problemas metodológicos do livro didáti-
co, de nada adiantará a condição de se direcionar certa autonomia ao docente 
frente ao livro e ao currículo. No limite, o professor, em suas aulas, irá repro-
duzir equívocos de livros que se orientam numa perspectiva da Historiografia 
tradicional.
Ademais, ao utilizar apenas os livros didáticos em sala de aula, pode-
rá haver exclusão de sujeitos e de ações inerentes à própria História. Nesse 
sentido, ainda que seja possível a inclusão e seleção de documentos em livros 
didáticos, estes documentos se prestarão ao subsídio do debate e não para 
defini-lo. O livro, a partir desses pressupostos, não deve ser compreendido 
como um problema ou uma solução em si mesmo. Deve-se, permanentemen-
te, complementá-lo, e, sobretudo, procurar utilizá-lo corretamente.
Como instrumento “ideológico” explorado em vários momentos da 
História do Brasil, em especial, durante o regime do Estado Novo (1937-
1945), o livro didático é, e sempre foi objeto de muita discussão acerca de 
seus alcances e de seus limites, independentemente se “ideológico” ou não, ou 
ainda, se construído para atender “demandas de mercado” ou não. 
A partir de períodos mais recentes, tem havido um esforço no sentido 
de buscar alternativas para o trabalho com o ensino de História. Destacam-se 
alguns aspectos nessa direção. Como atribuição do professor, seria necessário 
seu dever de investigar empiricamente o que vem sendo aprendido no ensino 
de História, e, a partir daí, propor, ou não, mudanças nas suas práticas didáti-
cas. Num segundo momento, se deseja uma melhor e mais reflexão pedagógi-
ca do professor quanto ao que pode ser aprendido. Por fim, deveria haver um 
debate de forma legal e normativa, quanto ao que poderia ser aprendido em 
História. Esses três movimentos constituem-se, em nossa perspectiva, como 
exercícios muito importantes visando à melhoria do ensino. 
As boas intenções, a abertura para as possíveis mudanças nas práti-
cas de ensino, as perspectivas de maior e melhor criticidade frente aos livros 
didáticos e aos currículos, a utilização de diferentes estratégias de ensino, as 
tentativas de inserção dos alunos nos debates, enfim, todas as ações que visem 
a melhorias, não serão efetivamente sentidas, caso não haja percepção por 
parte do docente de que sua trajetória acadêmica é necessariamente continu-
ada. Se a sua formação iniciou-se e terminou na graduação, provavelmente 
enfrentará problemas em seu cotidiano.
É fundamental ter como horizonte que o exercício da docência impli-
cará a sua aplicação, ou não, de determinadas abordagens quanto ao ensino 
de história. As problemáticas levantadas pelo professor sobre um tema ape-
nas se constituirão como pontos de partida para que ocorram outras inúme-
ras problemáticas, a partir também da intervenção dos alunos. A partir de 
tal interlocução, é que se poderá conferir sentido à disciplina, bem como à 
própria história de todos e de cada um individualmente.
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O ENSINO EM ARTES
E A FORMAÇÃO REFLEXIVA:
OLHARES SOBRE A FORMAÇÃO DOCENTE
Roberta Puccetti
Introdução
O presente artigo tem como finalidade refletir sobre a formação de 
professores, mais especificamente a formação do professor de Artes, inserida 
no âmbito das precariedades históricas e perspectivas do cenário educacional 
brasileiro, na reflexão sobre o real papel da Arte na Educação. O texto ressalta 
a relevância das licenciaturas e da formação continuada como fundamento 
para profissionalização docente, ancorada na unidade entre teoria e prática, 
da reflexividade, das metodologias ativas de aprendizagem, como pressupos-
tos para a valorização da Arte como conhecimento e sua valorização social.
A formação do professor de Artes está enredada no âmbito da ques-
tão ampla da formação do professor da Educação Básica no Brasil. Por isso, 
organizamos este trabalho em três tópicos. No primeiro, apresentamos uma 
breve contextualização dasituação formação do professor no Brasil, situando 
a relevância das licenciaturas. No segundo, referenciamos especificamente a 
formação do professor de Artes. No terceiro, dedicamos à formação reflexiva 
do professor de Artes, enfatizamos questões relacionadas à epistemologia e a 
metodologia do ensino da Arte. Tal tratamento justifica-se em razão da práti-
ca docente não estar dissociada da realidade, aparecendo sempre circunstan-
102
O ensino em artes e a formação reflexiva: olhares sobre a formação docente
103
ciada pelas condições objetivas, que repercutem em outros espaços como a 
formação, a escola e o próprio lugar da Arte como conhecimento até mesmo 
porque “as teorias, diretrizes e práticas envolvidas na educação não são técni-
cas” (...), mas fundamentalmente “éticas e políticas” (APPLE, 1995, p. 39).
 
1-A formação do professor no Brasil
A formação do professor tem sido um tema recorrente no âmbito da 
pesquisa em nosso País, além (ou talvez em razão) de constituir-se em dívida 
social no que diz respeito à proposição de políticas públicas para o enfreta-
mento deste problema. Quando a Educação ganha centralidade, a formação 
do professor segue-a de forma irrenunciável.
A elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 199610 este-
ve cercada de grande expectativa no sentido de propiciar as condições legais 
para o enfretamento de algumas questões candentes do campo da Educação, 
a exemplo da formação de professor. Entretanto, como produto histórico a 
legislação educacional reflete as contradições, acordos e dissonâncias de seu 
tempo. Nesse sentido, a última LDB foi resultado “de um processo polêmi-
co” na medida em que a concepção de educação como direito de todos foi 
obliterada pela concepção de um Estado mínimo que se desobriga de sua 
responsabilidade com as questões sociais “ao mesmo tempo em que pactua 
com o aligeiramento e barateamento da formação das novas gerações”, como 
assinala Dias-Da-Silva (2005, p. 382). 
Por outro lado, como lembra a mesma autora, a década de 1990 tam-
bém pode ser lembrada positivamente, especialmente no que diz respeito à 
ampliação e ao adensamento das pesquisas científicas sobre o espaço social da 
escola, que propiciaram o aprofundamento sobre a concepção do papel do 
professor no sentido de superar a visão tecnicista, que o colocava como mero 
10 Lei nº. 9.394/1996.
executor de planos de ensino para colocá-lo como parte essencial do processo 
de ensino e aprendizagem. No limite, as pesquisas sobre o espaço social da 
escola contribuíram para tornar complexa a questão da formação docente. 
No plano político, contudo, os avanços do campo da pesquisa não têm 
sido suficientes para influenciar decisivamente o processo de definição de po-
líticas públicas no campo da educação, particularmente no que diz respeito 
à formação de professores. Apesar do reconhecimento da importância e das 
conquistas do movimento dos educadores, a formação de professores conti-
nua um problema a espera de solução, entranhada nas questões estruturais 
de nosso sistema educativo e agravada pela situação geral de precarização das 
condições de trabalho.
Sob a perspectiva histórica, os cursos de licenciatura não são reco-
nhecidos em sua relevância sócio-política e, com isso, vivenciam as susceti-
bilidades inerentes às hierarquias entre as áreas do conhecimento e entre as 
modalidades de formação superior. Nesse embate as modalidades bachare-
lado e licenciatura são colocadas em oposição. E os cursos de formação de 
professores acabam sendo visto como cursos de segunda classe para cidadãos 
de segunda classe, como parece sugerir a segmentação do “mercado educacio-
nal” a que estamos assistindo. A demanda por formação de professores tem 
sido respondida por políticas de formação caracterizadas pelo imediatismo e 
pelo aligeiramento para atender necessidades específicas.
A concepção tecnicista presente no pensamento educacional brasilei-
ro na década de 1970, que enfrentamos na década seguinte, ressurgiu no âm-
bito das reformas iniciadas em 1990, mobilizadas pela necessidade de ajustar 
a atuação da escola às novas demandas do setor produtivo.
Na esteira dos princípios instituídos pela LDB de 1996, em 2002, o 
Conselho Nacional de Educação (CNE) expediu a Resolução CNE/CP nº. 
1, de 18/02/2002, que estabeleceu as Diretrizes Nacionais para a Formação 
de Professores da Educação Básica. Na sequência, expediu a Resolução CNE/
104
O ensino em artes e a formação reflexiva: olhares sobre a formação docente
105
CP nº. 2 de 19/02/2002, que instituiu a duração e a carga horária mínima 
para os cursos de licenciatura.11 São esses dois documentos que materializam 
o novo perfil pretendido para a formação de professores para a educação bá-
sica. 
Esse novo ordenamento não superou as dicotomias existentes entre a 
formação generalista x especialista ou bacharelado versus licenciatura, mas 
antes elas foram reforçadas. Se, de um lado incorporou “reivindicações histó-
ricas do movimento, de outro acabou fragilizando a formação do professor, 
como por exemplo, ao ceder às pressões do setor privado reduzindo “a carga 
horária prevista no documento original de 3.200 horas para 2.800 horas” a 
serem cumpridas no período mínimo de três anos, conforme assinala Freitas 
(2002, p. 151). 
É, pois, nesse cenário que se deve analisar a formação do professor de 
Artes e a própria Arte enquanto campo do saber, ainda dicotomizada entre os 
cursos de bacharelado e licenciatura que, conforme assinala Frange (2002):
(...) têm investido, em sua maioria, superficialmente na compreensão 
da Arte. De um lado, os bacharelados pensam ser a discussão sobre 
Arte uma função da licenciatura, de outro, as licenciaturas pensam 
na compreensão, mas escanteiam os artistas e suas produções em 
seus ateliês. Tanto uns quanto os outros se discriminam e pouco 
aprofundam a crítica de Arte, ou seja, as análises ficam na superfície, 
sem aprofundamentos na estética e na estesia (as sensações, os senti-
mentos enquanto operações significativas e não apenas constatações) 
(FRANGE, 2002, p. 42).
Enquanto bacharelado e licenciatura não se entendem, quem perde é 
o campo da Arte que, desse modo, tem dificuldades em adensar seu papel for-
11 De acordo com a Resolução CNE/CP nº. 2/002, a carga horária de 2.800 horas mí-
nimas deve ser distribuída de forma que desse total 400 horas sejam destinadas à prática 
como componente curricular, distribuídas ao longo do curso e outras 400 horas desti-
nadas ao estágio supervisionado a partir da segunda metade do curso, restando 1.800 
horas para os conteúdos curriculares de natureza científico-cultural e 200 horas para as 
atividades de natureza acadêmica, científica e cultural.
mativo e sua constituição como corpus sistematizado de saberes e do mesmo 
modo de fazer avançar as metodologias de ensino. 
A formação do professor de Artes
Mas, que devemos pensar da formação do arte-educador? Quais as 
relações da arte com a educação que poderão melhor delimitar o lu-
gar e a natureza do processo de formação do educador? O que dá mais 
a pensar sobre a questão que ainda não foi pensado? Que é necessá-
rio desaprender para encontrar o caminho mais sábio que nos leve 
à elaboração mais rica do processo de formação do arte-educador? 
(VARELA, 1986, p. 12).
As palavras de Varela (1986) transcritas retratam o cerne da discussão 
sobre a formação de professores de Arte, intensificada a partir da década de 
1980, quando a questão ganhou relevância social e política:
(...) Os estudos relacionados com a formação de professores para o 
ensino de Artes foram publicadas de forma mais intensa no final do 
século XX e na primeira década do século XXI. (...) só a partir da 
década de 1980, o campo de formação de professores passou a ser 
considerado como uma área estratégica para o avanço dos índices de 
qualidade da educação escola, constituindo-se como um campo prio-
ritário da agenda governamental e da política pública em educação 
(SILVA; ARAÚJO, 2008, p. 7).
A formaçãodo professor para o ensino da Arte está inscrita neste cená-
rio mais amplo, conforme assinalamos no tópico anterior, apesar de conviver 
com problemas específicos, próprios do campo da Arte relacionados a fatores 
históricos, culturais, educacionais e mesmo de ordem epistemológica.
Sob a perspectiva histórica, a questão da formação do professor surgiu 
de forma não institucionalizada, no âmbito da preparação extraescolar, quan-
do a Arte não era um componente obrigatório nos currículos da Educação 
Básica. Tal preparação foi concebida e conduzida pelo Movimento Escoli-
nhas de Arte (1948), notadamente a partir de 1950, com a oferta de curso de 
106
O ensino em artes e a formação reflexiva: olhares sobre a formação docente
107
“formação inicial e continuada, especialmente, para os professores que atua-
vam no 1º Grau” (SILVA; ARAÚJO, 2008, p. 2).
Na década de 1960, essa experiência formativa converteu-se no Cur-
so Intensivo de Arte na Educação: “Sob uma orientação modernista, em 20 
anos de sua existência (1961-1981), esse curso formou aproximadamente mil 
e duzentos (1.200) arte/educadores de diferentes regiões do Brasil” (SILVA; 
ARAÚJO, 2008, p. 2).
Outra experiência de formação intensiva aconteceu no início de dé-
cada de 1980 sob a coordenação de Anna Mae Barbosa, por ocasião da reali-
zação do Festival de Inverno de Campos do Jordão, no interior do estado de 
São Paulo.
Essas iniciativas não estavam previstas ou recepcionadas em políticas 
públicas, tampouco davam-se no âmbito das universidades ou outras institui-
ções de ensino superior, o que viria acontecer somente a partir de década de 
1970. De fato, a LDB de 1971 (Lei nº. 5.692/1971), ao estabelecer a obriga-
toriedade do ensino de Artes nas escolas de 1º e 2º Graus, deu contornos mais 
densos para a questão da formação de professores, inserido-a no âmbito das 
preocupações nacionais. Conforme lembra Barbosa (1989, p. 170), “isto não 
foi uma conquista de arte-educadores brasileiros, mas uma criação ideológica 
de educadores norte-americanos que, sob um acordo oficial (Acordo MEC-
USAID), reformulou a Educação Brasileira (...)” 12.
12 Cabe lembrar que os denominados professores primários (que ministram aulas na 1ª 
a 4ª séries) continuavam a ser formado pelas escolas normais ou nem isso. O resultado 
dessa situação é claro nas palavras de Barbosa (1989, p. 177), quando afirma que “após 83, 
apesar de alguns esforços feitos pelo governo do estado para desenvolver o conhecimento 
de arte-educação, mais de 50% dos professores primários (1ª a 4ª séries) estudaram apenas 
até a 4ª série. Eles não têm nenhum preparo, mas lecionam todas as matérias incluindo 
arte. Uma das razões são os baixos salários. (...) Como resultado, nós temos professores 
dando aulas de arte que nunca leram nenhum livro sobre arte-educação e pensam que arte 
na escola é dar folhas para colorir com corações para o Dia das Mães, soldados no Dia da 
Independência, e assim por diante”. Essa diversificação no modelo de formação de profes-
sores ainda persiste: os professores generalistas (1ª a 4ª séries) e professores especialistas 
Entretanto, a formação de professores para atender a demanda surgi-
da a partir da obrigatoriedade introduzida pela Lei preconizou a criação dos 
cursos de licenciaturas curtas em Educação Artística. Antes do advento le-
gal, “não tínhamos cursos de arte-educação nas universidades, apenas cursos 
para preparar professores de desenho, principalmente desenho geométrico” 
(BARBOSA, 1989, p. 170).
De modo precário e apressado, “o Governo Federal decidiu criar um 
novo curso universitário para preparar professores para a disciplina Educação 
Artística”, visto que “os artistas que tinham sido preparados pelas Escolinhas” 
não puderam ser absorvidos como professores de Artes, porquanto passou-se 
a exigir “o grau universitário” para lecionar a partir da 5ª série, que a maio-
ria dos egressos dos cursos promovidos pelas Escolinhas de Arte não tinha 
(BARBOSA, 1989, 170).
Assim, a partir de 1973, começaram a surgir os cursos de licenciatura 
em Arte no Brasil, concebidos de forma a possibilitar a formação aligeirada 
de professores em cursos com duração de dois anos e com a expectativa de que 
o profissional aí formado pudesse dar conta de várias linguagens artísticas:
O currículo de Licenciatura em Educação Artística na universidade 
pretende preparar um professor de arte em apenas dois anos, que seja 
capaz de lecionar música, teatro, artes visuais, desenho, dança e dese-
nho geométrico, tudo ao mesmo tempo, da 1ª a 8ª séries e, em alguns 
casos, até o 2º grau. É um absurdo epistemológico ter a intenção de 
transformar um jovem estudante (a média de idade de um estudante 
ingressante na universidade no Brasil é de 18 anos) com um curso 
de apenas dois anos, num professor de tantas disciplinas artísticas 
(BARBOSA, 1989, p. 170-171). 
No âmbito da fundamentação epistemológica, esses cursos eram con-
cebidos a partir de uma idéia da Arte como livre expressão. De tal modo, 
para as séries ou etapas subseqüentes do ensino fundamental.
108
O ensino em artes e a formação reflexiva: olhares sobre a formação docente
109
enfatizava a criatividade como algo espontâneo, ao deixar fluir a intenção do 
aluno como princípio do ensino da Arte na escola. Nas palavras de Barbosa 
(1989, p. 172), durante toda a década de 1980 prevaleceu o laissez-faire, o en-
sino do desenho geométrico, “temas banais, as folhas para colorir, a variação 
de técnicas e o desenho de observação, os mesmos métodos, procedimentos 
e princípios ideológicos encontrados numa pesquisa feita em programas de 
ensino de artes de 1971 e 1973”.
A própria designação Educação Artística tinha como pressuposto a 
formação polivalente do professor, pretensamente habilitando-o a lecionar 
as diversas linguagens artísticas depois de dois anos de curso (licenciatura 
curta). Depois, se assim desejasse o professor, poderia complementar sua for-
mação com a habilitação plena em Artes Plásticas, Desenho, Música ou outra 
linguagem artística:
Educação Artística é termo instituído oficialmente no Brasil a partir 
da Lei 5692/1971, por meio da qual se implantou os cursos de Licen-
ciatura Curta, com duração de dois anos e conteúdos polivalentes e 
concomitantes: Artes Plásticas, Música, Teatro e Dança (...) em uma 
visão redutora e adversa a algumas experiências significativas no Bra-
sil, e aos pressupostos da Educação através da Arte (FRANGE, 2002, 
p. 40).
Por outro lado, no mesmo período (década de 1970), as necessidades 
de atender as demandas específicas do mundo do trabalho fizeram com que 
a escola passasse a enfatizar os aspectos tecnicistas da Arte. O importante era 
aprender a fazer. O ensino precisava ser eficiente para atender às necessidades 
da sociedade industrial, à dinâmica do sistema produtivo.
Epistemologicamente, portanto, mesmo depois da institucionaliza-
ção da formação docente e da obrigatoriedade curricular, a Arte permaneceu 
relegada a um plano inferior no processo de formação do aluno:
A apreciação artística e história da arte não têm lugar na escola. As 
únicas imagens na sala de aula são as imagens ruins dos livros didáti-
cos, as imagens das folhas de colorir, e no melhor dos casos, as ima-
gens produzidas pelas próprias crianças. (...) Visitas a exposições são 
raras e em geral pobremente preparadas. A viagem de ônibus é mais 
significativa para as crianças do que a apreciação das obras de arte.
(...) Mesmo nas escolas particulares mais caras a imagem não é usada 
nas aulas de arte. Eles lecionam arte sem oferecer a possibilidade de 
ver (BARBOSA, 1989, p. 172).
Parte da responsabilidade pelo não lugar da Arte na formação do alu-
no cabia ao modo de formação dos professores nos cursos de licenciatura, 
que ainda relutavam em assumir a Arte como um campo de conhecimento 
em construção, mas que já reunia possibilidades epistemológicas mais consis-
tentes. Como resultado, a formação de professores de Arte permanecia arrai-
gada na concepção de Arte comoexpressão, como intuição e profundamente 
marcada pelo fazer por fazer, sem nenhuma relação com a educação estética, 
compreendida “as várias formas de leitura, de fruição que podem ser possibi-
litadas (...) tanto a partir do seu cotidiano como de obras de Arte” (PILLAR, 
2002, p. 71).
Algumas mudanças políticas aconteceram em relação ao ensino da 
Arte a partir da LDB de 1996, graças à luta e à organização dos Arte-Educa-
dores especialmente mobilizados para garantir a presença da obrigatoriedade 
do ensino expressa em lei. Cabe lembrar o processo complexo e demorado 
de criação de leis em nosso país. O projeto inicial da LDB foi modificado, 
substituído, emendado e, nesse percurso, a luta foi árdua, pois sempre pairava 
a ameaça ao ensino da Arte.13
13 A obrigatoriedade do ensino da Arte foi assegurada no texto substitutivo do projeto 
de LDB apresentado pelo Deputado Jorge Hage. No artigo 35 “O ensino da arte cons-
tituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, para 
desenvolver a criatividade, a percepção e a sensibilidade estética, respeitadas as especifici-
dades de cada linguagem artística, pela habilitação em cada uma das áreas, sem prejuízo 
110
O ensino em artes e a formação reflexiva: olhares sobre a formação docente
111
De fato, a LDB de 1996 tornou seu ensino obrigatório, no nível mé-
dio e fundamental (Educação Básica), apesar de não ter explicitado as di-
mensões dessa obrigatoriedade, o que certamente deu margem a todo tipo de 
interpretação, prevalecendo aquelas mais restritivas até mesmo em razão da 
hierarquização das áreas do conhecimento. De acordo com essa lógica tradi-
cional, existem conhecimentos que devem ser priorizados na formação dos 
alunos e, nesse caso, a Arte acaba sendo relegada a um plano inferior.
Tal hierarquia dos saberes não foi superada nem mesmo com a edição 
dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) que deram “à Arte a mes-
ma importância que deu às outras disciplinas”, conforme observou Barbosa 
(2002, p. 14), acrescentando que:
Entretanto, os PCN’s estão resultando muito pouco (...). No Brasil, 
como vemos nem a mera obrigatoriedade, nem o reconhecimento da 
necessidade são suficientes para garantir a existência da Arte no currí-
culo. Leis tão pouco garantem um ensino/aprendizagem que torne os 
estudantes aptos para entender a Arte ou a imagem (...).
Ao fazer tal ponderação, a autora dá contornos à complexidade do 
problema do ensino de Arte. A questão da formação do professor coloca-se 
como primordial para que a garantia legal torne-se efetiva e supere-se defini-
tivamente a polivalência que se observa ainda na prática, motivada pelo aco-
lhimento restritivo da determinação legal pelos sistemas estaduais de ensino, 
que têm preferido, principalmente por razões de ordem econômica, manter 
um único professor para dar contar das linguagens artísticas:
da integração das artes com as demais disciplinas”, que tramitava na Câmara Federal. En-
tretanto, estava ausente do texto apresentado pelo Senador Darcy Ribeiro, que tramitava 
paralelamente no Senado. A intensa mobilização dos Arte-Educadores conseguiu incluir 
a obrigatoriedade no texto final da Lei na forma do parágrafo 2º do Artigo 26, que assim 
se expressa: “o ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos 
níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos” 
(SAVIANI, p.85 e 171).
Somente a ação inteligente e empática do professor pode tornar a 
Arte ingrediente essencial para favorecer o crescimento individual e 
o comportamento de cidadão como fruidor de cultura e conhecedor 
da construção de sua própria nação.
Portanto, os poderes públicos, além de reservarem um lugar para a 
Arte no currículo e se preocuparem em como a Arte é ensinada, pre-
cisam propiciar meios para que os professores desenvolvam a capa-
cidade de compreender, conceber e fruir Arte. Sem a experiência do 
prazer da Arte por parte de professores e alunos, nenhuma teoria de 
Arte-Educação será reconstrutora (BARBOSA, 2002, p. 14).
Nessa perspectiva, os problemas da formação de professores em Artes 
não estão dissociados do quadro geral do ensino superior brasileiro, apesar 
da extraordinária expansão a partir da década de 1990. Nesta época, ocorreu 
a proliferação das instituições de ensino e da oferta de cursos; Porém, com 
a preocupação de atender as demandas emergentes do mercado e “a falta de 
uma preparação de pessoal para entender Artes antes de ensiná-la é um pro-
blema crucial, no levando muitas vezes a confundir improvisação com criati-
vidade” (BARBOSA, 2002, p. 15).
Apesar da expansão do ensino superior, a formação de professores de 
Artes continua sendo realizada de modo bastante precário, desarticulada 
tanto em relação à teoria e à prática, como em relação ao conhecimento pe-
dagógico. Em nosso país, é comum que as disciplinas sejam ministradas sem 
integração, com grandes defasagens em relação às discussões mais atuais na 
área da Arte-Educação e mesmo do ensino da Arte, com confusões conceitu-
ais e metodológicas.
É necessário, então, refletir sobre a formação do professor para ir ao 
centro do problema do ensino da Arte na escola. Por isso, nossa proposta é 
refletir sobre a concepção de Arte e seu ensino numa prática pedagógica re-
flexiva, em que teoria e prática estejam vinculadas ao saber, ao fazer artístico 
e ao fazer pedagógico. 
112
O ensino em artes e a formação reflexiva: olhares sobre a formação docente
113
Esta abordagem parte do pressuposto de que há ainda um caminho a 
trilhar na formação dos professores e no ensino da Arte que devem estar com-
prometidos com a “ênfase na inter-relação entre o fazer, a leitura da obra de 
Arte (apreciação interpretativa) e a contextualização histórica, social, antro-
pológica e/ou estética da obra” e que somente “um saber consciente e infor-
mado torna possível a aprendizagem em Arte” (BARBOSA, 2002, p. 17).
Em nosso entendimento, a aprendizagem em Arte deve estar assenta-
da na conjugação do fazer, do conhecer, do exprimir para transformar, para 
criar e, assim, construir o conhecimento artístico. Somente esses elementos 
amalgamados podem tornar a aprendizagem em Arte significativa.
A formação reflexiva do professor de Artes
A defesa do ensino de Arte na escola já reuniu inúmeros argumentos, 
nenhum deles desprezível, mas quase todos alheios aos processos que 
compreendem a atividade artística (conceber, fazer/criar, perceber, 
ler, interpretar), seus produtos (obras, manifestações), ações e refle-
xões. Esse distanciamento entre argumentos de defesa e a realidade 
da escola gerou um tratamento curricular da Arte que, além de outras 
implicações, despiu esse ensino da reflexão, da crítica e da compreen-
são histórica, social e cultural desta atividade na sociedade (TOURI-
NHO, 2002, p.31).
As palavras de Tourinho (2002) resumem apropriadamente o que tem 
sido o ensino da Arte. Tais argumentos estão implicados com a questão da 
formação dos professores de Arte e não se originaram no vácuo histórico e 
teórico, embora não tenham produzido “uma fundamentação educacional-
mente sólida para o ensino desta disciplina” (TOURINHO, 2002, p. 31).
Com efeito, no nível epistemológico, podemos sistematizar as con-
cepções teóricas que orientaram a formação do professor de Artes. Tais con-
cepções enfatizam o fazer, o exprimir e a forma, como elemento definidor 
do papel da Arte. Sobre esses elementos foram construídos os diferentes pa-
radigmas sobre a Arte, várias maneiras de conceber a Arte e a função que 
desempenha na Educação. A partir desses paradigmas foram construídas me-
todologias para o ensino da Arte.14
Historicamente, podemos reunir tais concepções em duas tendências 
metodológicas principais no que diz respeito às práticas educativas a que de-
ram origem: a tradicional e reflexiva (emergente ou crítica). Tendências que 
ainda coexistem na realidade educacional brasileira.
Quanto à tendência tradicional, encontra-se vinculada à filosofiaide-
alista liberal e reflete-se numa prática do ensino da arte descomprometida 
com a história e com os fundamentos do conhecimento artístico, conforme 
vimos no tópico anterior, oficializada pela LDB de 1971, que enfatizou o 
“espontaneísmo” preconizando a Arte como mera atividade e o domínio das 
linguagens (Artes Plásticas, Música e Teatro) pelo mesmo professor. Na es-
cola, a tendência tradicional consubstanciou-se numa abordagem não crítica 
da Educação e da Arte. Nesse sentido, as práticas realizavam-se no sentido de 
privilegiar o ensino e o domínio de técnicas por meio da utilização de mo-
delos a serem reproduzidos ou a expressão individual, sob a égide dos pres-
supostos teóricos da Escola Nova, de tal forma que o Movimento Escolinhas 
de Arte (1948), considerado um dos precursores do novo modelo, enfatizou 
suas práticas na Arte como expressão, na valorização do fazer individual.
A articulação crítica dos professores e o momento de abertura política 
vivido pelo Brasil a partir da década de 1980 possibilitaram o surgimento 
da tendência: o modelo crítico/reflexivo, amparado numa perspectiva sócio-
construtivista, no qual o aluno passou a ser compreendido como um ser his-
tórico e social, dotado de um tipo de conhecimento (senso comum), cabendo 
à escola a função de mediar o seu acesso a formas mais críticas, criativas e 
elaboradas de conhecimento. 
14 Fusari e Ferraz (1992) consolidam duas vertentes para situar a Arte na Educação esco-
lar. São elas: idealista liberal e a realista progressista. A primeira caracteriza a Escola Tradi-
cional, Escola Renovada Progressista, Escola Renovada Não-Diretiva e Escola Tecnicista. 
A segunda marca as concepções da Escola Libertadora, Escola Libertária; Crítico-Social 
dos Conteúdos.
114
O ensino em artes e a formação reflexiva: olhares sobre a formação docente
115
Trazidas para o âmbito da Arte–Educação, esses pressupostos con-
substanciaram-se na ruptura com o modelo tecnicista, reprodutivista e in-
dividualista, incluindo o ensino de Arte na perspectiva interdisciplinar, 
compreendendo-a como dimensão do conhecimento. O princípio básico do 
paradigma crítico/reflexivo é que a Arte é forma de produção humana que 
não se esgota num único sentido ou função. Nessa perspectiva, as práticas 
pedagógicas não devem ser reducionistas:
A arte é uma das mais inquietantes e eloqüentes produções do ho-
mem. Arte como técnica, lazer, processo intuitivo e criativo, genia-
lidade, intelectualidade, comunicação, expressão, transformação são 
variantes do conhecimento em arte que fazem parte de nosso univer-
so conceitual, ligado à visão de mundo e à expressão da humanidade 
(FUSARI; FERRAZ, 1992, p. 99).
O paradigma crítico/reflexivo parte, portanto, da concepção de ho-
mem como ser integral, como ser racional e sensível, social e político que se 
relaciona com outros homens e se constrói nessas relações, um ser singular e 
coletivo que interpreta o mundo; que emprega sentido ao que vivencia. Ser 
dotado de corpo, razão, emoção e espiritualidade (FREIRE, 2004; CHAR-
LOT, 2000). 
Para o modelo crítico/reflexivo, a Educação constitui-se num processo 
pelo qual o sujeito se constrói e a Arte coloca-se como uma forma de produ-
ção social que lhe é inerente, uma linguagem construída pelo ser, que é huma-
no e histórico, modo construído de comunicação com o mundo, que pode ser 
aprendido, capaz de promover transformações, proporcionando a construção 
do conhecimento. Contudo, as reflexões teóricas sobre a Arte ainda estão em 
descompasso com a formação dos professores e o ensino da Arte. Dito de 
outro modo: a preocupação com os fundamentos que embasam a Arte, sua 
relevância na educação dos cidadãos ainda não são valores predominantes 
na formação de boa parte de professores e professoras em nosso país, assim 
como ainda são frágeis, em termos quantitativos e qualitativos, as pesquisas 
que se voltem para uma prática pedagógica coerente, estruturada do ensino 
da Arte, que reconheça sua relevância para o desenvolvimento e à formação 
dos sujeitos em suas dimensões criativa, histórica e social. É preciso haver pes-
quisas que contribuam para superação da prática descontextualizada, o fazer 
por fazer, dissociado da teoria e a produção de conhecimento científico que 
possa adensar a prática pedagógica, por intermédio de metodologias ativas, 
que considerem a realidade do aluno e, a partir dela, desvele possibilidades de 
apreensão do mundo, de construção de conhecimento artístico. Uma forma-
ção reflexiva do professor passa pelo reconhecimento da Arte como conheci-
mento nos termos propostos por Ianni (2001), quando afirma que:
A arte, a ciência e a filosofia podem ser vistas como formas de ‘conhe-
cimento’ e ao mesmo tempo como formas de ‘encantamento’. Tudo 
sobre o que se debruçam realidades ou imaginárias, fragmentos ou 
plenitudes do presente, do passado ou do futuro, adquire outras e no-
vas significações; esclarece, obscurece ou resplandece. Cada uma a seu 
modo, tanto clarificam meandros e situações, impasses e perspectivas 
ou modos de ser e fantasias, quanto apontam tendências, imaginam 
possibilidades, inventam horizontes. Sim, as linguagens artísticas, 
científicas e filosóficas podem ser vistas como narrativas de distintas 
modalidades e potencialidades, com as quais se elucidam, compre-
endem ou explicam situações e eventos, impasses e crises, transfor-
mações e retrocessos, desencontros e tendências, possibilidades e im-
possibilidades envolvendo indivíduos e coletividades, povos e nações, 
culturas e civilizações. (IANNI, 2001, p. 12)
Trata-se de reconhecer a Arte como forma de produção social, dotada 
de compreensibilidade e autonomia, que expressa a pessoalidade e espiritua-
lidade de seu criador. É construção de linguagem, modo singular de reflexão 
humana, onde interagem o racional e o sensível. O elemento racional exis-
tente no processo de produção artística afirma o seu valor cognitivo. Arte, 
consequentemente, é conhecimento, pois, no fazer artístico, estão presentes 
processos mentais de raciocínio, memória, imaginação, abstração, compa-
116
O ensino em artes e a formação reflexiva: olhares sobre a formação docente
117
ração, dedução, generalização, indução e esquematização, conforme afirma 
Castanho (1982, p.17-18). 
O processo criativo, enquanto materialização do fazer, constitui-se 
em pura intencionalidade. Portanto, insere-se num processo mais amplo que 
revela o universo de cada ser, seu olhar, sua visão de mundo, num contexto 
de interação social, referindo-se a um registro geral de acontecimentos en-
volvendo a interioridade e a contemplação, desencadeando a atribuição de 
significados, carregando consigo as potencialidades cognitivas. Na produção 
artística, revela-se o esforço de explicitar a ideia, o pensamento e a visão. É a 
representação simbólica da realidade, do mundo interior e exterior. Sob esse 
olhar, a Arte constitui-se num sistema de representações, construtora de sím-
bolos, que envolvem processos psicológicos e intelectuais que propiciam o 
desvelar da cultura e o acesso a ela, a um modo de saber e de construir conhe-
cimento. São esses fundamentos que sustentam a função social da Arte e seu 
ensino, diante das necessidades educacionais contemporâneas.
O processo de produção artística é em si um processo de conheci-
mento, visto que compreende uma série de ações/operações conectadas ao 
sujeito, que compreende, relaciona, ordena, classifica, transforma e cria. O 
sujeito participa ativamente desse processo, percebe a realidade, sua capaci-
dade de transformar, inovar. A criação, portanto, implica aprendizagem e a 
Arte tem o desafio de transformar e “a pretensão de capturar a vida onde ela se 
esconde ou se camufla (...)”. De tal forma que as propostas de ensinar a Arte, 
inseridas numa Filosofia da criação, demandam relacionar Arte e vida, onde 
o conhecer, o fazer, o expressar, o comunicar e o interagir, instauram práticas 
inventivas a partir das vivências de cada um. Enfim, compreende o sujeitocomo ser cultural, histórico e social dotado de percepções estéticas (MEIRA, 
2003, p.122).
A formação do professor de Artes também deve compreender a pers-
pectiva da leitura da Arte. O conhecimento da linguagem visual, por exem-
plo, assume fundamental importância quando se reconhece que vivemos 
na “civilização da imagem”, conforme assinala Durand (apud Meira, 2003, 
p.40).
Eco (1972, p.154) assinala que “a arte é uma linguagem que cria um 
discurso aberto, que pode ser interpretado de variadas perspectivas. O objeto 
artístico terá sempre a interpretação singular, pessoal de cada fruidor, dentre 
uma pluralidade de fruidores”. A fruição da obra está além das oscilações do 
gosto pessoal e dos aspectos psicológicos que se verificam no sujeito quando 
este se depara com a Arte. Está além da intuição, mas como reveladora de 
“um sentido das coisas”, que faz com que “um particular fale de modo novo 
e inesperado, ensina uma nova maneira de olhar e ver a realidade”. Olhares 
que são reveladores, “sobretudo, porque são construtivos, como o olho do 
pintor, cujo ver já é um pintar e para quem contemplar se prolonga no fazer.” 
(PAREYSON, 1984, p.31).
A formação reflexiva do professor de Artes deve compreender a for-
mação do “conhecedor, fruidor e decodificador (...)” (ARAGÃO, 2002, p. 
40). Dessa assertiva, podemos concluir que uma das funções da arte é con-
tribuir para o processo de construção do conhecimento integral do sujeito, 
por meio da construção de habilidades e olhares que permitam apreciar, ler, 
compreender a obra. Isso porque a concebemos como expressão, por excelên-
cia, da subjetividade. Expressão que possibilita múltiplas leituras, em que o 
processo de produção transita entre o sensível e o racional. E do movimento 
dialético entre o racional e o sensível se origina seu potencial transformador 
social na medida em que fornece elementos para compreender a produção 
artística a partir de seu contexto histórico, social e político, com a presença 
da sensibilidade. Em outras palavras, no que se refere à Arte, o processo de 
produção, a linguagem e a expressão artística aproximam o sujeito de outros 
modos de olhar o mundo, a partir de seu próprio olhar/fazer, possibilitando a 
convivência entre sujeitos heterogêneos e multiculturais. É nessa perspectiva 
que atua a subjetividade, que se constitui socialmente pela linguagem, que 
implica a assunção de postura reflexiva diante da realidade e na compreensão, 
118
O ensino em artes e a formação reflexiva: olhares sobre a formação docente
119
num movimento dialético entre o pessoal e o social, atuando em sua dimen-
são criativa.
De tal modo, o professor “antes de ser preparado para explicar a im-
portância da Arte na Educação, o professor deverá estar preparado para en-
tender e explicar a função da Arte para o indivíduo e para a sociedade”, con-
forme aconselha Barbosa (1975, p. 90). Sobre o papel de Arte-Educador, a 
autora fornece os contornos da necessária formação crítica, em decorrência 
da responsabilidade social que lhe cabe:
Todas as classes têm direito de acesso aos códigos da cultura erudita 
porque esses são códigos dominantes – os códigos do poder. É ne-
cessário conhecê-los, ser versado neles, mas tais códigos continuarão 
a ser um conhecimento exterior a não ser que o indivíduo tenha do-
minado as referências culturais da própria classe social, a porta de 
entrada para assimilação do “outro”. A mobilidade social depende da 
inter-relação entre os códigos culturais das diferentes classes sociais 
(BARBOSA, 1998, p. 15).
O professor de Arte reflexivo, o Arte-Educador, portanto, deve estar 
comprometido com a ruptura do modelo elitista e erudito ampliando sua 
formação, de modo a poder ampliar também as possibilidades de acesso à per-
cepção estética de seus alunos, para que compreendam a Arte como expressão 
humana, inserida em contexto histórico, social e político, apreendendo-as a 
partir de seu entorno como sujeito também histórico, social e político para 
compreender a cultura popular e a erudita e os aspectos hegemônicos que a 
definem, num mundo multicultural. Do Arte-Educador, do professor refle-
xivo de Artes espera-se o compromisso com a mudança de olhar, a ousadia, 
a articulação entre o seu fazer pedagógico reflexivo e sua vivência cotidiana 
na escola, além, é claro, da formação continuada, no sentido de melhorar de 
construir novos conhecimentos, de aperfeiçoar sua prática e não apenas de 
suprir carências de outras etapas formativas.
Considerações finais
Arte e seu ensino não são apenas uma questão, mas muitas questões; 
não um problema, mas inúmeros desafios, uma tensão instalando es-
tados de tensividades entre olhares, buscas e encontros aprofundados, 
pois Arte é conhecimento a ser construído incessantemente (FRAN-
GE, 2002, p. 35).
Contemporaneamente, é preciso que o significado da Arte esteja 
comprometido com a significação que assume para o sujeito como fruidor 
ou como sujeito da produção artística. Como fruidor, a ênfase é percepção 
estética, no processo de conhecer e interpretar a obra, enquanto produção 
social e cultural. Como sujeito de produção artística, do fazer artístico, a ên-
fase está presente nos processos mentais de raciocínio, memória, imaginação, 
abstração, comparação, dedução, generalização, dedução, indução e esque-
matização.
Desse modo, a formação do professor reflexivo, o ensino da Arte inse-
re-se no contexto da transição paradigmática vivenciada pela Educação e pela 
escola. Compreendemos que a Arte desempenha função social na formação 
do cidadão para além do modelo cartesiano, presa ao realismo materialista 
para o qual a realidade é constituída de objetos, independentes dos sujeitos 
que os produzem e os conhecem. A função social da Arte está além da visão 
racionalista, dualista e mecanicista do mundo. A formação reflexiva do Arte-
Educador deve estar implicada com o ser humano que se constrói nas rela-
ções com os outros, que dá sentido ao mundo e às experiências que vivencia; 
que constrói seu modo de ser pelo aprendizado; um ser composto de matéria, 
razão e emoção. Essa concepção abrangente e heurística do ser humano con-
templa a valorização de outras formas de conhecimento, como o conheci-
mento artístico. Vislumbramos sua atuação no sentido da humanização e da 
formação integral do cidadão.
A Arte transita entre o racional e o sensível e desse modo propicia o 
desenvolvimento da percepção estética e daí decorre seu atributo de favore-
120
O ensino em artes e a formação reflexiva: olhares sobre a formação docente
121
cer o relacionamento criativo com outras áreas do saber, mas isso, de modo 
algum, a coloca em posição de inferioridade ou de mero apêndice. A Arte 
tem uma dimensão social porque é um produto do fazer humano, histórico e 
social. Assim, o conhecimento da Arte amplia a concepção do mundo. Não 
vemos a Arte descolada da produção social e da vida humana, embora seu 
sentido ainda seja buscado como conhecimento teórico e sistematizado cons-
truído, o que somente acontecerá a partir de um olhar desencadeador, uma 
leitura crítica do mundo, que permitirá identificar as bases e os fundamentos 
sobre os quais se assentam a escola, ensino e as políticas públicas, assim como 
as outras dimensões em que se organiza a sociedade. A análise crítica é fun-
damental diante da necessidade de promover mudanças sociais profundas 
na escola, quando se almejam práticas e processos escolares humanizados e 
equitativos:
Como professores de Arte, temos de conhecer desde os conceitos 
fundamentais da linguagem da Arte até meandros da linguagem ar-
tística em que se trabalha. Temos de saber como ela se produz – seus 
elementos, seus códigos – e também como foi e é sua presença na cul-
tura humana, o que implica numa visão multicultural, na valorização 
da diversidade cultural. É preciso, ainda, conhecer seu modo específi-
co de percepção, como se estabelece um contato mais sensível, como 
são construídos os sentidos a partir das leituras, como aprimorar oolhar, o ouvido, o corpo.
Mas é preciso saber ainda como mobilizar estes saberes, por se tratar 
de uma trama de transmissões, oriundas e tecidas não apenas por par-
te do professor de Arte, mas também pelos alunos, pelas mídias, por 
outras pessoas, pelo entorno cultural (MARTINS, 2002, p. 53).
A partir desses fundamentos, devemos considerar a formação do pro-
fessor como um processo contínuo, no sentido de que não se encerra ao con-
cluir uma licenciatura consistente. Falar de educação continuada implica em 
considerar os ensinamentos de Nóvoa para quem:
A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de conheci-
mentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho de reflexivi-
dade crítica sobre as práticas e de (re) construção permanente de uma 
identidade pessoal. Por isso é tão importante investir a pessoa e dar 
um estatuto ao saber da experiência (NOVOA, 1992, p. 3).
Sob esse olhar, entendemos que a Educação implica a busca do dife-
rente (novo), da transformação e transposição de algo já existente e a criação 
do inexistente. Sob este enfoque Educação e Arte se fundem, pois “a educa-
ção é alteração, ou ela não é absolutamente nada” (ARDOINO apud BAR-
BOSA, 2004, p.17).
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124
O ensino em artes e a formação reflexiva: olhares sobre a formação docente
125
TECNOLOGIAS E EDUCAÇÃO:
REFLEXÕES SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Lucélio Ferreira Simião
Maria Eduarda Ferro
Aline Maria de Medeiros Reali
“Nenhuma atividade humana se reduz à tecnologia, mas todas a inte-
gram. (...) Elas [as tecnologias] são um tanto técnicas, é verdade. Mas 
quem poderia dizer que são inumanas?” (Oliver Maulini, 2005)
Introdução
Nas últimas décadas, a sociedade experimentou grandes avanços cien-
tíficos e tecnológicos que influenciaram o desenvolvimento do setor indus-
trial, as relações de trabalho, a saúde, o estilo de vida, as formas de comunica-
ção e de aquisição do conhecimento. Também houve alterações na maneira 
de divertir-se, de comunicar-se, nas maneiras de ensinar e de aprender. Não 
se trata apenas de uma modernização ou revolução tecnológica, mas de um 
conjunto de avanços científicos e tecnológicos que estão transformando as 
relações na sociedade.
No dia 20 de julho de 2009 comemoraram-se 40 anos da maior 
aventura da humanidade na história moderna: o pouso de uma aeronave e 
os primeiros passos do homem na superfície lunar. A célebre frase “Este é 
um pequeno passo para o homem, mas um grande salto para a humanidade”, 
dita pelo astronauta Neil Armstrong e ouvida por um bilhão de pessoas que 
assistiam ao vivo pela televisão à chegada do homem à Lua, prenunciaria os 
126
Tecnologias e educação: reflexões a formação de professores
127
grandes avanços científicos e tecnológicos que atualmente estão disponíveis 
em nosso cotidiano15. 
Podemos mencionar avanços em praticamente todas as áreas do co-
nhecimento que influenciam nossa forma de ser e de relacionar-se com esse 
mundo em transformação. Na educação, contudo, as mudanças ocorrem em 
outro ritmo. Em A Máquina das Crianças, Seymour Papert (1994) propõe 
uma historieta para ilustrar a questão. As personagens são grupos de viajantes 
no tempo, de aproximadamente cem anos atrás, entre eles cirurgiões e profes-
sores, ansiosos para verem as inovações em suas profissões nos dias atuais. 
Os cirurgiões, espantados ao adentraremem uma sala de cirurgia 
moderna, talvez pudessem identificar o órgão alvo da intervenção; porém, 
é provável que fossem incapazes de imaginar o procedimento em curso e a 
finalidade de muitos aparelhos em uso. Supõe-se, que o grupo de professores 
responderia de forma diferente ao adentrarem em uma sala de aula “moder-
na”. Eles se sentiriam intrigados em relação a alguns objetos desconhecidos, 
perceberiam que técnicas mudaram – questionariam se as mudanças foram 
positivas ou negativas –, mas, muito provavelmente, reconheceriam as práti-
cas em curso.
O autor cria essa parábola para ilustrar a discrepância que existe entre 
o emprego da ciência e da tecnologia desenvolvida recentemente em diferen-
tes setores da sociedade e o seu uso na escola e finaliza propondo a seguinte 
reflexão: “Por que, durante um período em que tantas atividades humanas 
foram revolucionadas, não vimos mudanças comparáveis na forma como aju-
damos nossas crianças a aprender?” (PAPERT, 1994, p. 10). 
15 Os programas espaciais que culminaram com a ida do homem à lua foram responsáveis 
pelo desenvolvimento de diversas tecnologias presentes em nosso dia a dia. O sistema de 
telemetria, criado para monitorar a saúde dos astronautas, propiciou o desenvolvimento 
do marca-passos. Os satélites espaciais hoje são empregados no monitoramento meteo-
rológico, nas comunicações (sinais de TV, celulares, Internet) e no sistema de posiciona-
mento global. O teflon, o velcro e as comidas desidratadas também foram desenvolvidos 
nesse mesmo contexto.
Apesar da provocação de Papert (1994) não ser nova e aparentemente 
soar agressiva, a pergunta ainda é latente, seja quando falamos sobre o sistema 
de ensino de uma forma geral seja quando refletimos especificamente sobre a 
formação de professores. Neste capítulo, nos reportaremos à discussão sobre 
o potencial das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs)16 
na Educação, com atenção especial para a formação inicial de professores.
No primeiro momento, apresentamos o lugar das tecnologias de in-
formação e comunicação nas Diretrizes legais dos cursos de licenciatura e os 
pressupostos norteadores da profissionalização docente para transformação 
das NTICs em ferramentas de acesso à informação e à mobilização de novos 
saberes. No segundo momento, sem a intenção de sermos prescritivos, nos 
reportamos à proposta da pedagogia de Projetos de Trabalho como uma al-
ternativa, entre outras possíveis, de resignificação das práticas educativas para 
além da estratificação curricular, com o auxílio das NTICs.
1. Educação, Informática e Formação de Professores
Com o desenvolvimento das NTICs, a forma de acessar, elaborar e di-
vulgar conhecimentos transformou-se. A informática, nesse contexto, apre-
senta-se como um dos mais importantes agentes de mudanças e moderniza-
ção. Para a Educação, as novas tecnologias apresentam-se com um potencial 
considerável, já que a escola é parte integrante desse cenário de transforma-
ções, e com os sucessos obtidos com a introdução da informática em outras 
áreas, pode incorporar esse novo recurso sob a forma de um instrumento para 
16 O termo Novas Tecnologias da Informação e Comunicação (NTICs) é a designa-
ção dos recursos tecnológicos que englobam o uso de computadores e redes telemáticas 
(Internet), que são um conjunto de processos e produtos derivados da informática e que 
possuem três características distintas: imaterialidade, interatividade e instantaneidade.
128
Tecnologias e educação: reflexões a formação de professores
129
auxiliar na comunicação didática, na geração de novos conhecimentos e me-
todologias ou no apoio às atividades docentes e administrativas17.
As atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial de 
professores da Educação Básica (BRASIL, 2002) enfatizam a responsabilida-
de das Instituições de Ensino Superior em formarem docentes nas diferentes 
especialidades que sejam aptos ao “(...) uso de tecnologias de informação e 
comunicação e de metodologias, estratégias e materiais de apoio inovado-
res” (Art. 2º, Inc.VI). Tratando-se especificamente da formação do profissio-
nal pedagogo, compete a este a capacidade de “(...) relacionar as linguagens 
dos meios de comunicação à educação, nos processos didático-pedagógicos, 
demonstrando domínio das tecnologias de informação e comunicação ade-
quadas ao desenvolvimento de aprendizagens significativas” (BRASIL, 2006, 
Art. 5º, Inc. VII).
As Diretrizes que dispõem sobre a formação de professores da Edu-
cação Básica (BRASIL, 2002) também apontam para a necessidade do cur-
rículo de todos os cursos de licenciaturas promoverem, desde os primeiros 
anos da formação inicial para a docência, reflexões e situações concretas de 
utilização das NTICs na prática pedagógica. Também cabe às instituições 
formadoras de professores a responsabilidade de ofertar especializações e 
pós-graduações na utilização das NTICs em sala de aula, o que ainda é uma 
realidade um tanto esparsa.
Posto isso, pergunta-se: como promover uma “cultura informática” no 
professor em processo de formação inicial, se este não a vivenciar no meio 
17 O primeiro e talvez mais fundamental impacto das tecnologias de informação e co-
municação na Educação foi ocasionado pelo advento dos computadores e a multiplicação 
nas capacidades de processamento numérico e de processamento simbólico/lógico. Em 
seguida, uma terceira capacidade, a de comunicação, veio amplificar o impacto dos com-
putadores em duas vertentes: a interação multimídia e a instrumentação de dispositivos 
físicos para interação via imagens, sons, controle e comando de ações concretas no mun-
do real. Com a interligação de computadores e pessoas em locais distantes, abriram-se 
novas possibilidades de relação espaço-temporal entre educadores e educandos. (BRA-
SIL, 2000, p. 46).
acadêmico? Como esperar que o professor demonstre postura reflexiva e o 
desenvolvimento de atividades significativas com o uso das tecnologias, se 
hoje a universidade não lhe proporcionou vivências, reflexões, trocas de ex-
periências sobre essa questão? Como esperar que o professor desenvolva me-
todologias, estratégias, materiais de apoio inovadores, se nem ao menos o (in-
suficiente) domínio instrumental lhe é assegurado? Diante dessas questões, 
buscamos dialogar com alguns referenciais que nos apontassem caminhos 
para pensarmos a formação inicial do profissional docente e o seu preparo 
para exploração de recursos tecnológicos em atividades didáticas.
Sette (1999) aconselha que a formação docente para o uso das NTICs 
não seja vivenciada de forma padronizada e homogênea, já que todo processo 
educativo de ensino-aprendizagem envolve formandos em diversos estágios 
de conhecimentos e experiências. É recomendável uma proposta de formação 
que atenda às especificidades e o nível de conhecimento de cada turma e não 
propostas de formação caracterizadas pelo modelo da racionalidade técni-
ca18. Neste último modelo, a aprendizagem do futuro professor se restringe 
à aquisição mecânica e descontextualizada de conhecimentos instrumentais, 
sistematizados por outrem (FERNANDES, 2002, p. 45).
Para que a utilização de qualquer recurso didático contribua para o 
processo de ensino-aprendizagem, é necessário que o professor saiba utilizá-
lo adequadamente. Isso significa dizer que a utilização do computador no 
ensino supõe mais do que conhecimentos específicos e operacionais de in-
formática, nas palavras de Lollini “(...) fornecer aos professores competência 
18 Nesse modelo, a concepção de professor é a de um profissional que aplica determina-
dos conhecimentos em situações específicas, como uma atividade instrumental, dirigida 
para a solução de problemas mediante a aplicação estrita de teorias e técnicas científicas, 
sem considerar a complexidade, a incerteza, a instabilidade, a singularidade e o conflito 
de valores característicos da atividade de ensinar. Discute-se atualmente uma nova abor-
dagem de formação de professores, a qual propiciaa superação da racionalidade técnica 
com vistas a uma concepção centrada no saber profissional, tomando como base o con-
ceito de reflexão (SCHÖN, 1992; PÉREZ GOMEZ, 1992).
130
Tecnologias e educação: reflexões a formação de professores
131
técnica para uso do computador não garante que os mesmos saibam o uso 
didático do instrumento” (1991, p. 94).
Se não é possível fazer uso adequado do computador sem que se com-
preenda o mínimo do seu funcionamento, também é impossível, somente 
com conhecimentos técnicos, fazer bom uso das NTICs na educação. Então, 
a formação dos professores não deve estar centrada somente na competência 
técnica, no domínio dos computadores e de seus utilitários, mas, sobretudo, 
numa reflexão crítica sobre os aspectos psicocognitivos e psicopedagógicos 
da relação entre os alunos e a informática na sala de aula (CHAVES, 1983).
Há escolas com professores interessados no uso de novas tecnologias, 
porém, muitas vezes os computadores são subutilizados, seja pela falta de um 
projeto pedagógico que lhes dê suporte, seja pela falta de formação docente 
adequada. É preciso incentivar essa discussão nos espaços educativos a fim de 
que as práticas, as organizações didáticas e as metodologias sejam repensadas 
para o uso efetivo do recurso tecnológico em atividades pedagógicas (CHA-
VES, 1998; SANTANA & BORGES NETO, 2001; COELHO, 2002; SIL-
VA, 2002). 
Colocar um computador à disposição dos estudantes, sem a imple-
mentação de novos projetos escolares que envolvam objetivos e metodologias 
voltadas a uma aprendizagem autônoma e cooperativa, certamente não fará 
diferença. Para alcançar resultados positivos na utilização da informática no 
processo de ensino-aprendizagem, entendemos ser preciso ter claras as suas 
contribuições. O professor precisa saber onde, quando e por que o compu-
tador pode lhe ser útil, além de saber lidar com ele, pois corre-se o risco de 
não atingir os objetivos esperados ou ter uma experiência frustrante, caso se-
lecione algum recurso sobre o qual não tenha domínio (LIMA, 2001, p. 15). 
Assim sendo, a formação de professores não deve traduzir-se na criação de 
especialistas em informática, mas em formar professores que saibam utilizar 
essa tecnologia de maneira refletida, adaptada à sua disciplina e aos níveis de 
ensino em que atuam. 
PONTE e SERRAZINA (1998) identificam-se como principais 
competências necessárias ao professor, neste domínio: o conhecimento de 
implicações sociais e éticas das NTICs; a capacidade de uso e avaliação de 
softwares utilitários e softwares educativos; e a capacidade de uso de NTICs 
em situações de ensino e aprendizagem. 
É ingênuo imaginar que o impacto positivo do uso das NTICs na Edu-
cação possa se vislumbrar sem que se operem mudanças nas formas de ensinar 
e aprender, condizente com o paradigma da sociedade do conhecimento19, 
em que a informática desempenha papel relevante nos processos de acesso 
à informação e de ascensão ao conhecimento. Essa mudança implica ter em 
vista a superação das tradicionais limitações de espaços e tempos da organi-
zação das atividades didáticas. Quando desvinculado do compromisso com 
a promoção da acessibilidade ao conhecimento às pessoas de diversas idades, 
segmentos sociais, identidades étnicas, culturais, o emprego das NTICs não 
rompe (portanto mascara e intensifica), os mecanismos de exclusão e estrati-
ficação social existentes. 
2. Ensinar e aprender
com o apoio das Novas Tecnologias de Informação
e Comunicação
Ensinar com as novas mídias será uma revolução se mudarmos simul-
taneamente os paradigmas convencionais do ensino, que mantém 
distantes professores e alunos. Caso contrário, conseguiremos dar um 
verniz de modernidade, sem mexer no essencial (MORAN, 2000, p. 
63).
19 O termo sociedade do conhecimento foi cunhado nas últimas décadas do século XX 
para designar a ascensão de um novo paradigma nos meios de produção e de serviços. 
Neste novo modelo o conhecimento e seus processos de aquisição assumem papel de des-
taque em detrimento dos fatores tradicionais de produção como matéria-prima, trabalho 
e capital (VALENTE, 1999).
132
Tecnologias e educação: reflexões a formação de professores
133
Ao refletir sobre os rumos da Educação na contemporaneidade e a 
necessidade da revisão de seus métodos, Canellas (1994) confere à escola o 
estatuto de “espaço de síntese”. Libâneo (2007) complementa as palavras do 
autor esclarecendo que os espaços educativos são convocados a exercer me-
nos o papel de transmissores de informações e assumirem mais a condição de 
fomento a situações de produção do conhecimento. A materialização dessa 
realidade implica o desafio de pensar ambientes que integrem as múltiplas 
linguagens, recursos catalisadores de informações e mecanismos de media-
ção e interpretação do processo de produção de novas informações junto aos 
alunos como sujeitos do seu próprio conhecimento. 
Projetos dessa natureza efetivam mediante a integração das comuni-
dades escolares: professores, diretores, supervisores ou coordenadores peda-
gógicos que, juntos, constroem empreendimentos coletivos. Repensar o pro-
cesso educacional na e para a sociedade do conhecimento20, com a intenção 
de favorecer o desenvolvimento do aluno como cidadão participativo e críti-
co, implica pensar a sua formação para lidar com as inovações tecnológicas de 
forma não submissa ou ingênua aos interesses do capital. 
Nas palavras de Moran (2004), “ensinar e aprender estão sendo de-
safiados como nunca antes. Há informações demais, múltiplas fontes, vi-
sões diferentes de mundo. Educar hoje é mais complexo porque a sociedade 
também é mais complexa e também o são as competências necessárias” (p. 
246). A questão não é o emprego deste ou daquele recurso tecnológico, essa é 
uma discussão de superfície (para não dizer superada). Parafraseando Moran 
(idem), precisamos reaprender a ensinar, a orientar atividades, a definir o que 
vale e o que não vale ser ensinado. 
20 O termo sociedade do conhecimento foi cunhado nas últimas décadas do século XX 
para designar a ascensão de um novo paradigma nos meios de produção e de serviços. 
Neste novo modelo o conhecimento e seus processos de aquisição assumem papel de des-
taque em detrimento dos fatores tradicionais de produção como matéria-prima, trabalho 
e capital (VALENTE, 1999).
O uso das NTICs, especialmente o acesso à Internet, pode contribuir 
para a ampliação do acesso à informação atualizada, na criação e promoção 
de comunidades colaborativas de aprendizagem que privilegiam a comuni-
cação e possibilitam o estabelecimento de relações com o saber para além 
da instituição escolar e dos limites de materiais instrucionais tradicionais. 
Tal uso pode proporcionar oportunidades de redimensionamento dos am-
bientes educativos, tornando-os abertos e flexíveis, permitindo uma gestão 
participativa e o ensino-aprendizagem num processo colaborativo. A escola 
transforma-se em um espaço de troca de saberes e experiências (professor/
alunos/demais membros da comunidade escolar) que também podem ser so-
cializadas com agentes externos (ALMEIDA, 2002).
Ao mesmo tempo em que se espera que os profissionais tenham uma 
predisposição para a aprendizagem ao longo da vida (VALENTE, 2001; 
BELLONI, 1999), recomenda que as propostas para formação de professores 
voltem-se para problemas cotidianos que desenvolvam nos futuros educado-
res uma postura reflexiva21 e investigativa da sua própria ação. Moraes (1997) 
defende que a ênfase do processo formativo deve estar na aprendizagem do 
sujeito coletivo e na consciência da necessidade de construção e reconstrução 
do homem e do mundo. Dessa forma, a Educação, usando ou não as novas 
tecnologias, deverá voltar-se para o desenvolvimento das potencialidades hu-
manas no sujeito protagonista histórico. 
Almeida (2002) ressalta que a formação de professores para a integra-
ção das NTICs a essa concepção de prática pedagógica de forma contextua-
lizada, criando ambientes que propiciem aos futuroseducadores as oportu-
21 Sobre a noção de professor-reflexivo, a valorização do pensamento e dos saberes pro-
venientes da prática docente não pode confundir-se com o mero pensar experiências cor-
riqueiras. A postura reflexiva tem por finalidade a tomada de consciência das práticas e o 
desenvolvimento de competências necessárias para o desempenho profissional. “Aí é que 
se destaca o papel da teoria, não como direção da prática, mas como apoio à reflexão sobre 
a prática” (LIBÂNEO, 2007, p. 85).
134
Tecnologias e educação: reflexões a formação de professores
135
nidades de: i) aprender a aprender para resolver problemas com os quais se 
deparará na vida e na profissão; ii) assumir uma postura de abertura para o 
novo, o inesperado e o imprevisível; iii) dominar recursos tecnológicos para 
usá-los em sua prática conforme os objetivos pedagógicos; iv) orientar os alu-
nos para a seleção dos recursos mais adequados à atividade em desenvolvi-
mento; v) compreender como se aprende e como se ensina com o uso da tec-
nologia; vi) descobrir processos e resultados positivos do uso da tecnologia 
em sua prática; vii) criar ambientes de aprendizagem, nos quais a tecnologia 
é utilizada pelo aluno para a busca, articulação e troca de informações e expe-
riências, a resolução de problemas e a reconstrução contínua do conhecimen-
to, a reflexão, a interação e a colaboração; viii) questionar crenças e práticas 
institucionais; ix) investigar a própria ação e formação, tomar consciência 
de suas dificuldades e estratégias adotadas para sobrepujá-las; e, por fim, x) 
desenvolver a autonomia para tomar decisões em relação aos recursos e me-
todologias a utilizar em sua prática pedagógica e para intervir no processo de 
aprendizagem individual e grupal.
Diante das reflexões realizadas a respeito do potencial das NTICs, 
como apoio para o trabalho docente na proposição de situações de aprendi-
zagens ativas e contextualizadas, apresentamos as possibilidades vislumbradas 
pela organização didática por Projetos de Trabalho (HERNÁNDEZ, 1998) 
ou Projetos de Aprendizagem (FAGUNDES, et al. 1999). Optamos por tra-
tar, ainda que brevemente, dos fundamentos dessa proposta por considerá-la 
uma estratégia de inversão da lógica de currículos estanques, tanto para pro-
fessores da Educação Básica, que a empregam com maior frequência, quanto 
para os formadores de professores dos cursos de licenciaturas e de formação 
continuada. Consideramos que as NTICs podem exercer importante papel 
nas metodologias ativas de aprendizagem, dentre elas, as atividades desenca-
deadas por projetos de trabalho. 
Os projetos de trabalho surgem de indagações dos problemas reais 
que servem de condutores para os alunos pensarem e aprenderem por meio 
da observação, interpretação e pesquisa (HERNÁNDEZ, 1998). O autor 
define o projeto de trabalho como uma atividade intencional, orientada para 
um objetivo que dará sentido às atividades desenvolvidas. Para isso, os grupos 
envolvidos traçam planos, usam diversos recursos e refletem individual e co-
letivamente na produção de algo que terá características diversas.
O planejamento do projeto de trabalho é de cunho flexível, de modo 
que o tempo e as condições para desenvolvê-lo sejam sempre reavaliados em 
função dos objetivos inicialmente propostos, dos recursos à disposição do 
grupo e das circunstâncias que envolvem o projeto. Não há realidade ou ver-
dade única. O caminho escolhido por um grupo pode ser diferente daque-
les escolhidos por outros grupos, daí a necessidade de cada um encontrar a 
orientação necessária para o percurso. 
Cada grupo é único e, portanto, seu trabalho não deve ser comparado 
com outros. A questão a ser investigada surge de inquietações compartilha-
das, relacionadas às experiências e expectativas dos sujeitos que o compõem. 
Os participantes têm ritmos e estilos diferentes e, por isso, é preciso dar tem-
po e condições do coletivo se conhecer e construir o seu próprio ritmo.
Ao propor o trabalho com projetos, o professor deve considerar algu-
mas etapas importantes: (I) planejamento; (II) escolha do tema; (III) proble-
matização; (IV) pesquisa, sistematização e produção do conhecimento; (V) 
divulgação dos resultados e (VI) avaliação do projeto. 
O planejamento do projeto requer uma visão ampla de sua realização, 
ter em conta a quantidade de pessoas envolvidas e os recursos disponíveis 
(computadores, livros, revistas, jornais), que podem variar de acordo com as 
particularidades. É importante elaborar um cronograma com a previsão dos 
procedimentos e prazos para execução das tarefas. 
É importante que a escolha do tema do projeto seja interessante e de-
safiadora para todos os envolvidos. Se pensarmos em uma turma de 40 alunos 
organizada em cinco Projetos de Trabalho (com oito alunos em cada Proje-
to), pode haver um único tema que norteará as atividades de pesquisa dos 
136
Tecnologias e educação: reflexões a formação de professores
137
cinco Projetos de Trabalho. Também é possível trabalhar com cinco temas 
distintos ou temas complementares. A produção final de cada Projeto de Tra-
balho será única em função do caminho percorrido por cada grupo. Essa de-
cisão sobre os recortes temáticos dependerá das possibilidades do professor e 
da heterogeneidade dos grupos.
No momento da problematização, os alunos expressarão ideias, cren-
ças, conhecimentos e questões sobre o tema que escolheram. Ao professor 
cabe acompanhar atentamente as experiências e as histórias de vida sociali-
zadas para promover o respeito às vivências e aos saberes revelados. Muitas 
vezes, esses saberes baseiam-se no senso comum, mas é a partir deles que se 
efetivará a mediação e a intervenção do professor. Nesse momento, a expe-
riência social dos alunos é valiosa para discutir aspectos da realidade, traçar 
paralelos entre diferentes visões de mundo, efetuar trocas de experiências, 
fazer análises de concepções sob outros pontos de vista e provocar questiona-
mentos de opiniões e atitudes.
Na fase da operacionalização, sistematização e produção do conheci-
mento, o grupo desenvolverá ações no sentido de buscar respostas às questões 
norteadoras definidas na etapa anterior. A atuação do professor será cons-
tante no acompanhamento e na mediação das atividades. Suas intervenções 
acontecem no sentido de auxiliar os alunos a confrontar concepções, crenças 
e conhecimentos com outras visões de mundo, analisando-as e relacionando-
as a novos elementos. Como ferramentas de apoio, as NTICs integram di-
ferentes linguagens, promovem o acesso e o processamento de informações 
(bibliotecas, centros de pesquisas, museus, portais, etc.), podem minimizar 
distâncias geográficas e permitir a comunicação e o recurso a entrevistas com 
pessoas da comunidade externa. O confronto com diferentes concepções 
acerca de uma mesma temática favorecerá o exercício da autonomia e da res-
ponsabilidade do aluno sobre sua própria aprendizagem. A sistematização 
das informações auxilia professores e alunos a responderem às questões ini-
ciais e às novas questões que surgirem no processo da pesquisa. Nesse proces-
so, sistematização e produção, as ideias, crenças e conhecimentos iniciais são 
superados ou transformados e novos conhecimentos são construídos. 
A divulgação dos resultados dos Projetos de Trabalho tem por obje-
tivo socializar o conhecimento produzido. É desejável que as discussões, as 
pesquisas e os resultados obtidos não fiquem restritos ao espaço da instituição 
em que o Projeto de Trabalho foi desenvolvido. A interação com a comunida-
de é importante porque estende a produção do conhecimento e das reflexões 
para além do grupo. Divulgar os resultados valoriza e atribui sentido às pro-
duções, além de promover a autoestima das pessoas envolvidas e permitir a 
constituição de outros significados ao trabalho realizado. Essa atividade pode 
assumir múltiplas formas, das mais simples às mais elaboradas, como cartazes 
afixados na sala de aula e nos espaços públicos, cartas dirigidasàs autoridades, 
um boletim confeccionado e distribuído à comunidade, multimídias e outras 
publicações concebidas para a Internet. 
A avaliação das aprendizagens desenvolvidas por meio de Projetos de 
Trabalho implica o acompanhamento sistemático do professor, tendo sem-
pre um olhar direcionado aos objetivos propostos por cada um e aos papéis 
desempenhados. Atribui-se à avaliação caráter diagnóstico, como parâmetro 
para o planejamento e o replanejamento das ações, tendo em vista o desen-
volvimento da capacidade do aluno de apropriar-se do conhecimento e não 
apenas a capacidade executora das atividades.
3. Considerações Finais
Ainda é um desafio aos cursos de formação inicial ofertar aos futuros 
professores experiências de aprendizagem com as mesmas características que 
terá de proporcionar aos seus futuros alunos, para se apropriarem de recursos 
tecnológicos e reformularem espaços, tempos e organizações curriculares. Os 
documentos oficiais sinalizam que essas experiências deveriam refletir novas 
maneiras de ensinar, aprender e desenvolver o currículo de forma a integrar 
138
Tecnologias e educação: reflexões a formação de professores
139
diferentes tecnologias à prática pedagógica, voltada à aprendizagem signi-
ficativa. Entendemos que, mais do que isso, as discussões reflexivas sobre a 
não neutralidade das tecnologias e as efetivas potencialidades educativas das 
NTICs devam ser prioritárias na pauta das discussões proporcionadas pelos 
cursos de formação de educadores.
Não pretendemos esgotar a discussão aqui iniciada sobre a aprendiza-
gem com Projetos de Trabalho, nem apontar essa estratégia como um modelo 
a ser seguido. Antes, o que pretendemos, foi recuperar a pergunta latente, 
formulada por Papert (1994), há aproximadamente duas décadas: O que te-
mos feito para ajudar nossas crianças aprenderem? Acreditamos que novas 
formas de organização trabalho pedagógico, como a proposta de aprendiza-
gens por projetos de trabalho possa se beneficiar das NTICs nesse intento de 
re-significar o processo ensino-aprendizagem. 
No entanto, consideramos oportuno asseverar que não se trata de apre-
sentar essa ou aquela proposta como a mais completa ou a definitiva, como 
se a adesão ao método X ou o emprego da estratégia Y pudesse constituir-se 
em uma espécie de panacéia para os problemas da educação. Imprescindível é 
ter clareza quanto às concepções e princípios que orientam a prática antes de 
aderir a um método ou a recursos de apoio didático. 
Os projetos de trabalho permitem potencialmente (embora não ga-
rantam) que a aprendizagem se dê por meio da participação ativa dos alunos, 
pela vivência de situações-problema que conduzem à reflexão e à tomada de 
atitude diante dos fatos. Por meio deles aprende-se a formular hipóteses, pes-
quisar, reconstruir o conhecimento, portanto, o professor assume o papel de 
mediador na promoção de situações de aprendizagem.
Propor-se a organizar o trabalho didático a partir de projetos de tra-
balho é assumir o desafio e o compromisso em formular questões, equacionar 
problemas, lidar com as incertezas, testar hipóteses, planejar, desenvolver e 
documentar seus projetos de pesquisa. Compete a ele resgatar as experiências 
do educando, auxiliá-lo na identificação das situações, nas reflexões sobre as 
problemáticas e na concretização das reflexões em ações. A prática e a re-
flexão sobre a própria prática são fundamentais para a melhoria das ações 
docentes e o uso da informática na educação e de outras mídias disponíveis 
na escola são alternativas interessantes para a melhoria do processo de ensino 
aprendizagem.
É fundamental manter registros de todo o processo, pois a mediação 
pedagógica implica clareza em relação às proposições pedagógicas, acom-
panhamento sistemático do percurso percorrido pelos alunos e dos avanços 
conquistados por eles. A pedagogia de projetos de trabalho pode propiciar 
ao aluno e ao professor um novo modo de aprender e ensinar, calcado na in-
tegração entre conteúdos de diversas áreas do conhecimento e entre as várias 
mídias disponíveis na escola, entre elas o computador, a televisão e os livros.
O uso do computador nos projetos pode assumir uma dupla função, a 
de ferramenta e a de um instrumento de mediação. Pode ser uma ferramenta 
porque permite a realização de atividades que, sem ele, seriam muito difíceis 
ou mesmo impossíveis, como simulações, modelagens e cálculos complexos. 
Também pode se tornar um instrumento de mediação que possibilita o esta-
belecimento de novas relações para a construção do conhecimento e novas 
formas de atividade mental.
Por fim, é importante que o professor não tenha medo de errar quan-
do se propõe a usar o computador como uma ferramenta para a sua prática 
pedagógica, visto que esta ferramenta só estará a seu serviço quando este se 
deixar conduzir pela curiosidade, pelo prazer de inventar e de explorar as no-
vidades, como fazem as crianças.
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Terceira Parte 
145
PARCERIAS NO DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL
DO PROFESSOR: ESPAÇOS DE (RE)SIGNIFICAÇÃO
PARA O ESTÁGIO SUPERVISIONADO
Vera Lúcia Lopes Cristovão
Introdução
Com base em experiências envolvendo a atuação de formadores em 
práticas de colaboração na formação continuada de professores, este traba-
lho procura apresentar propostas de parceria por meio de atividades em pro-
gramas/projetos de extensão e discutir as possibilidades de desenvolvimento 
profissional dos participantes dessas comunidades (de prática) instituídas. 
Para atingir tais objetivos, o texto é iniciado com a apresentação de conceitos 
que fundamentam tanto minha prática quanto a reflexão que ora compar-
tilho. Para essa análise parcial, apresento uma descrição de projetos (alguns 
ainda em andamento) e reporto-me às atividades desenvolvidas pelos partici-
pantes com o intuito de trazer à tona os tipos de ações desenvolvidas (coletiva 
e individualmente), o aprimoramento do trabalho, o desenvolvimento pro-
fissional dos participantes bem como o funcionamento da(s) comunidade(s) 
de prática. 
1. Relações Universidade-escola
A aprendizagem de língua estrangeira em contextos escolares da rede 
oficial de ensino tem sido alvo de pesquisas não só voltadas para a apreciação 
146
Parcerias no desenvolvimento profissional do professor
147
da melhoria dos alunos (COSTA-SOUZA, SOUZA, 2002) mas também 
do desenvolvimento profissional dos professores (GIMENEZ et. al.,2005) . 
Em textos prescritivos (BRASIL, 1999) e em muitos relatos de pesquisa que 
investigam a ação docente (CRISTOVÃO, MACHADO, 2005), a imagem 
do professor é a de um executor do trabalho educacional. Há ampla difusão 
acerca da docência enquanto ação de realização do que é pensado, elaborado 
e decidido pelo outro, como no caso das deliberações feitas pelo sistema edu-
cacional e mesmo de ensino, cabendo aos participantes do sistema didático a 
implementação do trabalho. Esse resultado deve-se muito à expansão de uma 
visão neoliberal de organização da sociedade, incluindo a área educacional. 
“O campo da educação tornou-se para o capital, estratégico, tendo em vista 
as necessidades postas pela reestruturação produtiva, pela inovação tecnoló-
gica, pelo neoliberalismo e pela globalização da economia.” (CARVALHO, 
2005, p.1). 
Muitas iniciativas vêm sendo tomadas no sentido de proporcionar 
um espaço de conhecimento em “via de mão dupla” estabelecido entre uni-
versidades e escolas (ORTENZI et. al., 2004; MIZUKAMI, 2005; CRIS-
TOVÃO, 2005; FURTOSO et al. , 2009; MATEUS, 2005; 2009). A ênfase 
está na criação ou, em alguns casos, na solidez da colaboração e parceria no 
trabalho educacional desenvolvido pelo profissional universitário e pelo que 
atua na rede pública. O trabalho em parceria vem crescendo e é alvo de mui-
ta pesquisa e publicação. Mizukami (2000) apresentou relatos de projetos 
desenvolvidos no eixo da parceria universidade-escola com análises sobre a 
pesquisa colaborativa e produção de conhecimento sobre desenvolvimento 
profissional. Em seus apontamentos, a autora enfatiza que os participantes 
reconhecem mudanças em suas representações sobre o trabalho educacional 
e em suas práticas, ressaltando a necessidade de tempo, colaboração, ativida-
des coletivas, espaço institucional e discernimento para lidar com conflitos 
e dificuldades. A autora também discutiu potencialidades de impacto dos 
projetos para os participantes e para a elaboração de políticas públicas, bem 
como possíveis caminhos metodológicos.
Outro trabalho relatado é a pesquisa de Marin et. al. (2000, p. 23) em 
que enfocam o desenvolvimento profissional docente e as transformações na 
escola. Na exposição de algumas de suas considerações, os autores destacam 
aspectos que fizeram parte da agenda de pesquisa sobre a ação docente:
(…) concepções e práticas dos professores, conflitos e dilemas viven-
ciados e resolvidos no cotidiano escolar, tipos de situações mais for-
mativas ou menos formativas detectadas nesse cotidiano, processo de 
estudar, debater e implementar alternativas de trabalho em sala de 
aula, hipóteses geradas pelos professores sobre e para seu trabalho, 
necessidades profissionais que possuem e que não são atendidas pelos 
cursos de formação inicial ou pelas ações de formação continuada ao 
longo da carreira tipos de situações mais formativas ou menos for-
mativas. 
Tais aspectos parecem também constituir-se como questões centrais 
nas atividades de formação continuada vivenciadas e trazidas para discussão 
neste trabalho. No levantamento de resultados atingidos pela pesquisa de Al-
meida et. al. (2000), ressalta-se a necessidade da parceria como um meio de 
ocupar o distanciamento comumente vivido entre universidades e escolas e 
possibilitar a construção coletiva de conhecimento e a melhoria na qualidade 
do trabalho do professor. 
Analogamente, o projeto de Pimenta et al. (2000) ratifica a perspec-
tiva reflexiva do docente ao implicar a necessária formação continuada por 
meio de práticas que viabilizem a construção coletiva de conhecimento e a 
reflexão. Como resultados alcançados, os autores destacam a prática reflexi-
va; a implementação de atividades educacionais aliadas a novas tecnologias 
e a pesquisa-ação. 
De modo geral, os apontamentos revelados nos relatos de pesquisa 
também fazem parte do escopo das preocupações e das ações dos participan-
tes dos projetos de extensão de minha atuação profissional. A necessidade de 
aprimoramento da parceria e da compreensão do desenvolvimento profissio-
nal possibilitado motivou a análise parcial que ora apresento.
148
Parcerias no desenvolvimento profissional do professor
149
Como desdobramento da síntese das discussões relativas à prática de 
ensino no curso de Letras e a relação das instituições de ensino superior e 
escolas, apontei em outras oportunidades (CRISTOVÃO, 2005; CRISTO-
VÃO et al 2009) a necessidade de relações colaborativas e mais simétricas; 
práticas reflexivase investigativas e apoio pedagógico e acadêmico. No pro-
cesso voltado para o atendimento das necessidades levantadas, tenho partici-
pado do desenvolvimento de atividades de extensão que vêm privilegiando os 
espaços construídos para uma intervenção caracterizada pela parceria entre 
universidade e escolas. 
A busca por resultados satisfatórios na aprendizagem de língua inglesa 
tem revelado a necessidade de reformas simultâneas dos programas da escola 
e nos de formação de professores. Para tanto, faz-se necessário rever o proces-
so de formação inicial e continuada de professores e os benefícios do trabalho 
conjunto para a aprendizagem do aluno. Acreditando que o investimento na 
formação contextualizada do professor, em harmonia com a comunidade es-
colar, seja um passo importante para a melhoria na aprendizagem dos alunos 
em sala de aula, alguns formadores de professores de inglês da Universidade 
Estadual de Londrina (UEL) atuam em espaços construídos para efetivarem 
parcerias construtivas.
2. Espaços de parcerias
Na literatura sobre parcerias entre universidade e escola, fica evidente 
a inter-relação ensino, pesquisa e extensão. Assim, destaco alguns espaços 
de parcerias em que atuam professores formadores, alunos-professores e pro-
fessores colaboradores da rede pública de ensino e colaboram para um meio 
diferenciado para o estágio supervisionado da licenciatura em Letras Estran-
geiras Modernas – Inglês- da UEL. 
2.1 Programa NAP-
Núcleo de Assessoria Pedagógica
para o Ensino de Línguas
O Programa NAP - Núcleo de Assessoria Pedagógica para professores 
de Línguas-visa implementar a educação continuada de professores da rede 
pública de ensino de Londrina e região. O programa tem por objetivo pro-
piciar aos alunos de Letras e professores de línguas a oportunidade de viven-
ciar e refletir sobre sua realidade de ensino, além de participar ativamente na 
elaboração de materiais didáticos e de planejamento de atividades ligadas à 
sua profissionalização, juntamente com os docentes envolvidos no progra-
ma. Por meio de projetos (“Parceria universidade/escola: contribuições para 
aprendizagem de língua inglesa”; “Materiais didáticos para ensino de línguas 
para educação básica”; “Centro de Recursos para ensino/aprendizagem de 
língua inglesa (CREALI)”; “Aprendizagem Sem Fronteiras: ressignificando 
os limites da formação inicial e contínua de professores”), como também de 
eventos de extensão e outras ações, o Programa NAP coloca-se como um 
conjunto de ações voltadas para a educação permanente de professores e a 
articulação entre o ensino superior e a educação básica no campo das línguas 
estrangeiras.
 
2.2 Materiais didáticos para ensino de línguas
para educação básica (2004 – 2007)
O projeto de elaboração de material didático para Educação Básica 
pretendeu proporcionar aos participantes (alunos do curso de Letras Anglo-
Portuguesas e professores de inglês da rede pública) a oportunidade de cons-
truir conhecimentos e estabelecer princípios para que o professor em serviço 
e os futuros professores possam produzir materiais didáticos voltados para 
o exercício da cidadania e para a interdisciplinaridade e interculturalidade. 
150
Parcerias no desenvolvimento profissional do professor
151
As etapas preveem: a) discussão acerca do contexto de ensino (condições da 
escola, condições socioeconômicas e culturais, materiais empregados nos ní-
veis fundamental e médio, exames de admissão para o ensino superior) e de 
documentos oficiais, leituras; discussão de textos teóricos; b) seleção de tex-
tos e elaboração de materiais; c) aplicação do material didático e observação 
de aulas; d) análise crítica do material aplicado; e) divulgação dos resultados 
do projeto. 
2.3 Parceria universidade-escola:
contribuições para aprendizagem
de língua inglesa (2006 – 2008)
O projeto Parceria universidade-escola visava à institucionalização da 
parceria universidade e escolas para uma melhor aprendizagem da língua in-
glesa, buscando criar um ambiente favorável para a formação de futuros pro-
fessores, além de proporcionar espaço simultâneo de formação continuada. 
Os procedimentos metodológicos são caracterizados por etapas de trabalho 
que permitiam ao grupo encaminhamento de propostas, execução e avaliação 
contínua do processo com vistas às alterações sempre que necessárias. Esta 
avaliação é conduzida pela equipe do projeto (docentes e discentes do curso, 
professores de língua inglesa de escolas das redes pública e privada de Lon-
drina, bem como diretores, supervisores, orientadores e alunos das escolas 
envolvidas) bimestralmente com descrição de ações, resultados e propostas 
de recondução se necessária. 
2.4 Aprendizagem Sem Fronteiras:
ressignificando os limites da formação inicial
e contínua de professores (em andamento) 
“Aprendizagem Sem Fronteiras, inserido no Programa NAP - Núcleo 
de Assessoria Pedagógica para o Ensino de Língua Inglesa, pauta-se num pa-
radigma de aprendizagem participativa e emancipatória em que professores-
formadores, alunos-professsores e professores-colaboradores assumem múl-
tiplos papéis na tarefa de ensinar-aprender a língua inglesa” (http://www2.
uel.br/cch/nap/).
2.5 Centro de Recursos para ensino/aprendizagem
de língua inglesa (CREALI) (em andamento) 
“O Centro de Recursos do Programa NAP é um local de consulta para 
alunos de graduação, professores da UEL e da rede de ensino fundamental 
e médio na área de língua inglesa. Seu acervo, constituído de livros, mate-
riais didáticos, periódicos, artigos acadêmicos entre outros, procura oferecer 
oportunidades de formação a futuros professores e em atuação” (http://
www2.uel.br/cch/nap/). 
2.6 Oferta de cursos e eventos
O Programa NAP oferta cursos e eventos a fim de proporcionar o 
aperfeiçoamento linguístico e cultural por parte dos professores de inglês 
da região. Alguns desses cursos foram: “Aprimoramento linguístico-cultural 
para professores de inglês da rede pública” e “Aprimoramento linguístico 
para professores da rede pública: foco na interculturalidade”. 
A rede entre a universidade (UEL) e sua comunidade local, regional e 
nacional é tecida por diversos meios. Nosso breve panorama pôde apresentar 
as atividades desenvolvidas no Programa de Extensão com distintas formas 
de ação e diferentes objetivos, quais sejam: a) propiciar oportunidades de atu-
alização profissional para professores de línguas estrangeiras assessorando-os 
com diversos meios de divulgação profissional; b) disponibilizar materiais 
de apoio na área de línguas estrangeiras que possam servir para reflexões so-
bre práticas pedagógicas e decisões curriculares; c) sensibilizar o professor e 
152
Parcerias no desenvolvimento profissional do professor
153
futuros professores de língua inglesa para questões relevantes para o ensino 
de língua inglesa na atualidade; d) oferecer um acervo constituído de livros, 
revistas, artigos acadêmicos e materiais didáticos para alunos e professores 
de Londrina e região; e) oferecer oportunidade de divulgação de trabalhos 
de professores e alunos do curso de Letras; f ) articular-se com os demais 
instituições formadoras de professores de língua inglesa do Estado do Para-
ná para troca de experiências e propostas de atuação conjunta; g) compro-
meter-se com o desenvolvimento dos professores e alunos por meio de das 
oportunidades de atualização profissional; h) fortalecer os vínculos entre a 
universidade, os professores da rede pública e associações através de eventos 
em conjunto. 
3. Implementações vivenciadas
O processo de formar redes para construir e manter comunidades de 
prática objetiva também a aprendizagem. Tal processo é composto de confli-
tos, compreensão das diferenças e vivência em situações diversas (MIZUKA-
MI, 2004). O principal princípio é que os participantes engajem-se de forma 
colaborativa em aprendizagem produtiva e significativa. Nesse engajamento, 
os participantes criam condições para seu desenvolvimento profissional nas 
diferentesdimensões do trabalho docente (PLACCO, 2006). Apresento na 
sequência um breve panorama de duas parcerias em que atuei.
3.1 Parceria Universidade/Escolas:
contribuições para a aprendizagem de língua inglesa 
O Projeto teve como objetivo intervir na formação de professores de 
forma a contemplar uma proposta de reflexão em colaboração num contexto 
de parceria. Em meu estudo de caso, os participantes eram: uma universidade 
pública e uma escola pública de Londrina; um professor formador com dou-
torado; duas professoras colaboradoras – ambas com especialização na área e 
uma iniciando seu mestrado; quatro alunos-professores de 4º. Ano - um com 
experiência de ensino; trezentos e vinte alunos da Educação Básica. O qua-
dro sintetiza atividades e procedimentos realizados para a implementação da 
proposta.
Atividades Procedimentos
Apresentação da proposta de projeto para 10 (dez) 
escolas/campo de estágio e selecionar aquelas 
interessadas na parceria, discutindo possíveis 
contribuições ao desenvolvimento do trabalho. 
Levantamento do que a universidade pode oferecer à 
comunidade escolar. 
Aplicação de 1 (um) questionário inicial aos 
professores, alunos e gestores das escolas/campos 
de estágio, sendo cada um deles complementado 
com especificidades referentes aos papéis que 
desempenham. O instrumento também é aplicado 
aos estagiários e professores supervisores. 
Produção de 
um contrato de 
responsabilidade dos 
participantes
Implementação da parceria com grupos de discussão 
e ações a serem definidas pelo próprio grupo. Grupos de estudo
Avaliação do processo de implementação após o 
primeiro ano de parceria e propostas de modificação 
para o ano posterior. 
Reuniões semestrais
Reestruturação da proposta de trabalho e 
implementação de ações a partir dos resultados 
parciais.
Análises individuais e 
coletivas parciais
Avaliação do trabalho e definição de uma política 
de parceria universidade/escola na formação de 
professores de inglês.
Reuniões e análises 
para o relatório final
 Quadro 1: Atividades no Projeto Parceria
3.2 Atividades realizadas na escola parceira
Reuniões de duas horas-aula a cada quinze dias para discussões sobre: 
a) o projeto didático escolar; b) o contexto escolar; c) o planejamento (do 
projeto de intervenção e das aulas); d) o material didático produzido por eles 
154
Parcerias no desenvolvimento profissional do professor
155
no projeto de extensão ELABORAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO; 
e) o feedback das aulas ministradas; f ) a avaliação dos alunos-professores; g) 
atividades e textos propostos pelo material usado na prática de ensino (OR-
TENZI et al., 2008). 
3.3 Atividades realizadas na universidade
Grupos de estudo semanais orientados pelos Roteiros Pedagógicos 
(ORTENZI et al., 2008) e discussões das experiências dos alunos-professo-
res em sua prática docente.
Nesse cenário, houve mudanças de papéis nas atividades desenvolvi-
das, a saber: as professoras colaboradoras contextualizavam as necessidades 
quanto ao material didático, as dificuldades dos alunos, ao gerenciamento do 
tempo na sala de aula e à importância de um ensino contextualizado. Além 
disso, conduziam reuniões de trabalho na escola, explicavam conceitos teó-
ricos, avaliavam os alunos-professores, e colaboraram no feedback dado aos 
alunos-professores. Outro papel a ser comentado é o de colaboradora da es-
cola assumido pela professora-formadora presente na escola no período de 
observação de aulas das professoras colaboradoras e de regência dos alunos-
professores. Quanto aos alunos-professores, além das sessões de planejamen-
to de aulas e de feedback de regências na escola, estes participavam de ativida-
des extraclasse promovidas pela escola, como por exemplo: reunião de pais, 
reunião com professores de outras disciplinas, etc.
Além das mudanças nos papéis dos participantes, conflitos e negocia-
ções puderam ser vivenciados. Tais experiências resultaram em desenvolvi-
mento profissional na comunidade de prática sustentada/apoiada pela rede/
parceria construída. Algumas conquistas que destaco são: criação do Boletim 
da Escola; envolvimento das professoras colaboradoras com a pesquisa; dis-
seminações de trabalhos produzidos com apresentações em eventos da área e 
publicações entre outras.
3.4 Materiais didáticos para ensino de línguas
para educação básica
O projeto defendeu o trabalho do professor de planejar sua prática 
pedagógica e responsabilizar-se pela produção de ferramentas que pudessem 
orientar suas ações docentes. O quadro 2 sintetiza o plano global das ativida-
des desenvolvidas. 
Agir Tarefas
Grupos de estudo
Discussão acerca do contexto de ensino (condições da 
escola, condições sócio-econômicas-culturais, materiais 
empregados níveis fundamental e médio, exames de 
admissão para o ensino superior) e dos PCN, OCEN, 
Diretrizes, leituras e dicussão de textos teóricos, relato e 
feedbacksobre aplicação do material.
Oficinas Estabelecimento de objetivo, seleção de gêneros e de tex-to, elaboração coletiva de mateirais.
Produção Elaboração individual de atividades e produção escrita de artigos.
Pilotagem Aplicação de material didático; Observação de aulas.
Avalialiação Análise crítica do material aplicado.
Refacção Revisão e refacção de sequências didáticas produzidas e aplicadas.
Divulgação dos 
resultados do 
projeto
Participação em eventos científico-culturais e publica-
ção.
Quadro 2: Atividades do Projeto Materiais Didáticos
O domínio da construção de um artefato possibilitou seu uso como 
instrumento para práticas sociais transformadas e para o desenvolvimento 
das diferentes dimensões da formação docente. 
Tendo em vista as experiências de desenvolvimento profissional cola-
borativo para os professores colaboradores da rede estadual de ensino, para 
156
Parcerias no desenvolvimento profissional do professor
157
os professores supervisores universitários das disciplinas de prática de ensino 
de inglês e para os alunos-professores, a institucionalização das parcerias uni-
versidade/escola para a formação inicial de futuros professores e a contínua 
para aqueles já em exercício profissional visaram à preparação dos educadores 
ao desenvolvimento profissional dos educadores, à melhora na aprendizagem 
dos alunos, à pesquisa e à inquietação para avanços teóricos e práticos no 
trabalho educacional. 
4. (IN) CONCLUSÕES:
Reflexões sobre contextos de parceria
Este trabalho teve como objetivo apresentar espaços de ações coleti-
vas e individuais voltados para o aprimoramento do trabalho educacional e 
instalação de comunidades de prática por meio da atuação em programa/
projetos de extensão. A partir das intervenções em práticas sociais excluden-
tes e desiguais por meio de propostas colaborativas entre os participantes na 
construção e reconstrução de conhecimento, no direito à autoria, no espaço 
para a pesquisa, procurei enfocar traços da tessitura do desenvolvimento pro-
fissional dos participantes desse coletivo de trabalho (em rede).
O estágio supervisionado/prática de ensino de inglês vivenciado no 
espaço criado pelo Projeto Parceria Universidade-Escola (FURTOSO et al., 
2009, p. 58) representou:
a) uma oportunidade de vivenciar o contexto escolar para além da 
sala de aula; b) propiciação de prática reflexiva no processo de forma-
ção inicial; c) articulação teoria-prática; d) implementação de ações 
voltadas à melhoria da qualidade do ensino com a colaboração dos 
participantes; e) avaliação do processo de aprendizagem da prática 
pedagógica do aluno-professor e não apenas do produto final; f ) 
problematização da prática pedagógica e da atitude dos discentes da 
escola.
 A relação ensino-pesquisa-extensão efetivou-se em atividades realiza-
das no projeto de elaboração de material. O aspecto de ensino ocorreu não 
apenas para os alunos-professores que participaram do projeto enquanto es-
tagiários, mas também para o ensino/aprendizagem de inglês na Educação 
Básica, alvo da sequências didáticas produzidas. A pesquisa foirealizada por 
meio de práticas exploratórias e projetos de pesquisa-ação dos professores 
participantes. Com o caráter de extensão, adquirimos solidez na relação uni-
versidade-escola em contextos que se configuraram como campos de estágio 
para nossos alunos (CRISTOVÃO, 2009). 
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Parcerias no desenvolvimento profissional do professor
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ESTÁGIO SUPERVISIONADO - 
DIÁLOGOS POSSÍVEIS
ENTRE A INSTÂNCIA FORMADORA E A ESCOLA
Maria Angela Paulino Teixeira Lopes
Introdução
No âmbito da licenciatura, considerando a universalização da edu-
cação básica, as mudanças nas relações entre o ensino/aprendizagem, entre 
educandos e educadores, o processo de construção do conhecimento, os 
avanços das novas tecnologias, o desenvolvimento das ciências da linguagem, 
as novas demandas sociais, como temos encarado as práticas de estágio? Ou, 
como deve ser pensada a dimensão prática de formação docente? Neste ar-
tigo, apresento um exame de práticas de estágio sob uma perspectiva multi-
disciplinar, de modo a redimensionar o papel da prática no desenvolvimento 
do futuro professor da educação básica e a pensar o campo de estágio como 
campo de pesquisa. 
Para alcançar a complexidade do processo de formação desse profissio-
nal, procurarei, em uma perspectiva etnográfica de análise, estabelecer uma 
interface entre os estudos do interacionismo sociodiscursivo, especialmente 
os que se voltam para uma semântica da ação, e as contribuições das teorias 
que tratam das representações sociais e da constituição do ethos para inves-
tigar processos identitários dos sujeitos. Tal exame terá como pano de fundo 
a experiência vivenciada no nível da graduação em Letras da PUC Minas 
(Unidade Coração Eucarístico). 
160
Estágio Supervisionado - diálogos possíveis entre a instância formadora
161
Novos paradigmas, novas práticas
Se ponderarmos sobre os avanços decorrentes das Diretrizes Curricu-
lares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica 22 cons-
tataremos que, além de orientar para o desenvolvimento das práticas ao longo 
do curso com consequente aumento na carga horária dedicada ao estágio23, 
o documento enfatiza a necessidade de que a prática, na matriz curricular, 
não se reduza “a um espaço isolado, que a restrinja ao estágio, desarticulado 
do restante do curso” (cf. parágrafo 1º do artigo 12)24. Tal conjunto de orien-
tações determinadas pelo Conselho Nacional de Educação chama a atenção, 
também, para a coerência que deve existir entre a formação e a prática, uma 
vez que o campo de atuação do futuro profissional é semelhante ao campo 
mesmo de sua atuação enquanto estagiário, “o que demanda consistência en-
tre o que faz na formação e o que dele se espera” (cf. artigo 3º, inciso II, a). 
Avança também o documento quando preconiza, no inciso III do mesmo ar-
tigo, “a pesquisa, com foco no processo de ensino e de aprendizagem, uma vez 
que ensinar requer não só dispor de conhecimentos e mobilizá-los para a 
ação, como também compreender o processo de construção do conheci-
mento.” (grifo acrescido) 
Distanciando-se da concepção de estágio como “treinamento pratica-
do apenas ao fim do curso e/ou isolado das demais disciplinas de conteúdo 
específico”, o projeto do curso de Letras da PUC Minas, implantado a partir 
de 2006, prevê que 
22 Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, 
em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena (RESOLUÇÃO CNE/CP 
Nº 1, de 18 de Fevereiro de 2002).
23 Para ensejar o que diz o parágrafo 2º do artigo 12 das Diretrizes – “A prática deverá 
estar presente desde o início do curso e permear toda a formação do professor.”, o Parecer 
de 2001, do Conselho Federal de Educação, estabelece a carga horária de 400 horas para 
o Estágio Supervisionado.
24 A Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008, que dispõe sobre estágio de estudantes, 
não apresenta elementos para se pensar a prática de estágio na formação profissional. 
o futuro professor deve atuar na escola estagiada de forma contínua e 
deve ser e estar preparado para desenvolver ações de intervenção pe-
dagógica, tendo sempre a pesquisa como foco de todo o processo de 
ensino/aprendizagem. Além disso, ressalta-se que todo o processo de 
estágio deve constituir uma prática como um componente curricular 
e como um dos principais eixos articuladores entre as dimensões te-
óricas e práticas de todo o curso. Alia-se a isto a necessidade de que a 
atividade de estágio deva também ter um caráter de extensão, visando 
à integração entre o curso de Letras PUC Minas, escolas de educação 
básica e comunidade escolar, promovendo uma parceria que englobe 
ações relativas aos projetos pedagógicos de Letras e da escola/campo 
de estágio (2005, p. 29).
De modo a possibilitar a construção dos saberes pertinentes à forma-
ção acadêmica e profissional do estudante, o projeto pedagógico do curso 
de Letras apresenta uma estrutura transdisciplinar organizada em três ciclos 
de formação: a formação crítica nos três primeiros períodos (bacharelado e 
licenciatura); a formação acadêmica nos 4º e 5º períodos (bacharelado e li-
cenciatura) e o terceiro ciclo de consolidação da formação profissional, nos 
5º e 6º períodos,no caso do bacharelado, e nos 5º, 6º, 7º e 8º períodos, no 
caso das licenciaturas, e ao especialista na elaboração, revisão e editoração de 
textos técnicos e oficiais, no caso do bacharel.
Além dos três ciclos, o projeto propõe Áreas de Competência: i) Pro-
dução e Recepção de Textos; ii) Leitura do Texto Literário; iii) Metalingua-
gens: teorias linguísticas e literárias e iv) Ensino de Língua e de Literatura. 
As Atividades curriculares são constituídas de Núcleos de Interseção, Disci-
plinas, Práticas e Processos Avaliativos.
Cada Núcleo de Interseção atua como princípio organizador dos ob-
jetos a serem trabalhados em cada período, tendo em vista as diferentes ati-
vidades que neles se realizam. Isso implica uma carga horária ampliada que 
inclui a realização de atividades de diferentes naturezas: aulas para aborda-
gem dos pilares teórico-conceituais e metodológicos; pequenas pesquisas 
de campo ou bibliográficas; participação em minicursos, palestras, oficinas, 
162
Estágio Supervisionado - diálogos possíveis entre a instância formadora
163
debates, mesas-redondas; práticas educativas (aulas-laboratório sobre o(s) 
conteúdo(s) a serem ministrados em instituições de ensino fundamental ou 
médio ou no próprio Curso de Letras, para períodos anteriores ao do discen-
te etc.).
Os Núcleos de Interseção Pedagógica (NIP 1, 2, 3, 4) possibilitam 
que os alunos efetivamente se integrem, de forma sistemática e reflexiva, às 
práticas escolares da Educação Básica, em instituições públicas e privadas. 
Objetiva-se, com esses núcleos, “promover a integração entre ação de estágio, 
sua supervisão, as disciplinas específicas do Curso e aquelas que se dedicam 
a pensar as práticas didáticas e as políticas educacionais (2005, p. 16)”. No 
NIP1, são estudados os parâmetros legais do sistema de ensino brasileiro e 
suas diversas implicações políticas, sociais e institucionais iniciando a obser-
vação e a análise da estrutura e organização dos vários espaços educativos e 
do funcionamento das práticas de ensino/aprendizagem, à luz dos projetos 
pedagógicos empreendidos com base em abordagens etnográficas. No NIP2, 
o foco de análise é a interação professor/aluno(s), tendo em vista abordagens, 
procedimentos e recursos empregados no processo de ensino/aprendizagem; 
incrementa-se a reflexão sobre o processo de transposição didática, à luz de 
diferentes concepções de língua e de linguagem e de seu ensino/aprendiza-
gem; variadas propostas de leitura e de produção de textos, apresentadas em 
manuais didáticos e nas atividades observadas em campo (Educação Básica), 
são submetidas à análise crítica, além de iniciar-se a elaboração de propostas 
de intervenção pedagógica. No NIP3, dá-se continuidade ao acompanha-
mento do processo de ensino/aprendizagem em escolas de ensino básico e da 
atuação em sala de aula, com vistas ao aperfeiçoamento, aplicação e análise do 
projeto de intervenção proposto pelo aluno-estagiário. Além do projeto de 
intervenção didática, os alunos elaboram propostas de atividades extraclas-
se, analisam procedimentos de avaliação praticados pela escola e elaboram 
critérios de avaliação da leitura e da produção de textos, com base no desen-
volvimento ‘real’ da turma observada. O NIP4 é voltado para as práticas de 
elaboração de propostas de intervenção didática em língua estrangeira. 
Partindo-se, pois, da síntese do projeto acima, passaremos a situar as 
perspectivas teórico-metodológicas que têm orientado nossa reflexão sobre 
as práticas de estágio supervisionado, de modo a compreender também os 
processos constitutivos da identidade do futuro profissional da área da lin-
guagem.
Constituição identitária do sujeito - 
estagiário: de observador a pesquisador 
Desde as discussões iniciais a respeito do redimensionamento do pro-
jeto do Curso de Letras, impunha-se a necessidade de, não somente aumentar 
a permanência do estagiário no campo de estágio, mas, sobretudo, alterar as 
relações entre o objeto a ser investigado e a formação a ser implementada, 
uma vez que se objetivava levar o aluno, futuro professor, a perceber-se como 
agente do/no processo formativo e não como mero executor de tarefas curri-
culares. Nesses termos, buscou-se na abordagem etnográfica o viés interpre-
tativo que permitiria aos estagiários compreender o trabalho do professor, as 
atividades que desenvolve, a partir das relações socioculturais, dos comporta-
mentos, ritos, técnicas, saberes e práticas desse profissional, no contexto em 
que ocorrem. Em suma, o instrumental etnográfico possibilitaria o entendi-
mento de uma realidade eivada de representações: a realidade escolar. 
Oriundo da antropologia social, o método etnográfico viabiliza a 
pesquisa qualitativa, de grande relevância quando se trata de compreender 
a instância escolar, objetivando-se não a simples observação e compilação de 
dados, porém o aprimoramento do olhar do estagiário pesquisador, que lhe 
permita “(...) captar e descrever os significados atribuídos pelos sujeitos a si 
próprios e suas experiências (ANDRÉ, 1995, apud VIÉGAS, 2007, p. 105)”. 
Isso significa que, na tentativa de 
164
Estágio Supervisionado - diálogos possíveis entre a instância formadora
165
compreender como variadas situações são interpretadas por diver-
sas pessoas, o pesquisador não busca uma realidade uníssona, mas a 
pluralidade de vozes (nas quais se inclui a do próprio pesquisador), 
mesmo se contraditórias entre si. Atento ao contexto, compreendido 
como multidimensional, o foco de olhar reside nos processos e não 
nos produtos, suscitando perguntas do tipo ‘como’ e ‘por que’ (AN-
DRÉ, 1995, apud VIÉGAS, 2007, p. 105). 
Para viabilizar a construção de uma nova postura diante do campo de 
estágio, procedeu-se à leitura de experiências em pesquisa qualitativa no âm-
bito da formação de professores e da organização escolar, dentre as quais se 
destacam André (1995, 2001), Bortoni-Ricardo e Pereira (2006), Bortoni-
Ricardo (2008) e Viégas (2006). Para a geração dos dados, deu-se continui-
dade a um trabalho que vínhamos desenvolvendo com gêneros acadêmicos 
desde 200125, cujo objetivo centra-se particularmente na compreensão dos 
fatores envolvidos no ensino/aprendizagem dos gêneros textuais e na impor-
tância desses no processo de letramento e na formação de estudantes de Le-
tras, futuros professores. 
Nesse sentido, desde a sua entrada no curso de Letras, o aluno vivencia 
o trabalho com textos para tentar compreender o modo de funcionamento 
das práticas de linguagem e, nessa perspectiva, o objeto é concebido como 
atividade social mediada pelo discurso em interação que propicia o acesso 
do indivíduo ao mundo do conhecimento. Partindo, pois, de atividades de 
exposição e análise das práticas vivenciadas no campo – diário de campo, en-
trevista semidirigida (gravada com consentimento prévio do(a) educador(a) 
pesquisado(a)), relatório de estágio e produção de comentários críticos26, 
25 A organização e o funcionamento dos gêneros acadêmicos têm sido estudados no âm-
bito do grupo de pesquisa “Leitura, produção de textos e construção de conhecimento”, 
LePTeCCo, por meio de projetos desenvolvidos por professores pesquisadores da PUC 
Minas. O grupo, anteriormente coordenado pela Profª Drª Maria de Lourdes Meirelles 
Matencio, encontra-se atualmente sob a coordenação da Profª Drª Juliana Alves Assis. 
26 Além dos debates e seminários promovidos ao longo do processo de orientação 
acompanhamos os alunos em sua formação como pesquisadores. Todos es-
ses gêneros textuais permitem esboçar, ao final do 5º período, um pequeno 
projeto de pesquisa cujo objetivo é a investigação de um aspecto identificado 
como relevante – quer por sua feição facilitadora, quer por seu caráter difi-
cultoso – da/na interação entre os agentes –, no contexto pesquisado. 
O excerto a seguir compõe a parte final do 2º relatório de estágio de 
um aluno e pode ilustrar a conexão entre as ações observadas e os prováveis 
objetos de pesquisa:
(1) O conteúdo trabalhadoem sala de aula foi observado a fim de 
contribuir para a pesquisa de produção de texto e leitura proposta 
pela professora M.A. Coletei alguns exemplos de exercícios de pro-
dução de textos aplicados em trabalhos conjunto (sic) por Soraia. 
Os textos elaborados pelos alunos foram baseados em transcrição de 
tirinhas de revistas em quadrinhos do inglês para o português. Nos 
diálogos dos personagens foi possível perceber a ocorrência de vários 
marcadores discursivos entre eles o “mas”. Contudo a professora So-
raia focou mais na tradução das palavras. Senti falta da análise lin-
guística. (R.14).
Embora ainda esteja preso a informações oriundas do conteúdo cur-
ricular, é possível perceber movimentos do olhar de pesquisador que se volta 
para a importância discursiva dos dados a serem examinados. A descrição dos 
procedimentos usados pela professora não se dá de modo estático, contu-
do demonstra posicionamento de um sujeito, futuro profissional, engajado 
em uma tarefa analítica maior, trazendo para (e buscando em) o campo de 
observação suas motivações de pesquisa, além dos subsídios fornecidos pela 
disciplina Estudos linguísticos V: Morfossintaxe e processamento do texto. 
das práticas de estágio, os comentários críticos (CC) e os relatórios (R) integrantes 
do portfólio de estágio possibilitam ouvir a “voz” do estagiário, suas dúvidas, suas 
ansiedades, seus receios e também os questionamentos acerca dos textos teóricos, dos 
documentos educacionais nacionais ou das situações presenciadas no campo profis-
sional. 
166
Estágio Supervisionado - diálogos possíveis entre a instância formadora
167
Cabe enfatizar que, no momento inicial da entrada do aluno-estagi-
ário no campo de pesquisa/estágio (NIP1), o foco situava-se nos aspectos 
interacionais do trabalho escolar, não somente por uma coerência aos prin-
cípios que regem uma postura sociointeracionista, cuja análise das práticas 
discursivas volta-se para o modo de organização das atividades humanas 
(SCHNEUWLY, 2004; BRONCKART, 1999, 2006, 2008), mas por uma 
necessidade de levantar as perguntas iniciais exploratórias, importantes para 
qualquer processo investigativo a ser desenvolvido. 
Tal perspectiva interacionista de investigação implica o alargamento 
do campo de atuação do professor em formação, que passa a agir como sujei-
to pesquisador, em lugar das tradicionais e ultrapassadas práticas de estágio, 
em que o estagiário, distanciado da complexidade do universo a ser examina-
do, limitava-se a observar no fundo de uma sala de aula um professor e sua 
turma de alunos. Desse modo, possibilita-se compreender e interpretar o agir 
dos professores – de língua portuguesa e de língua estrangeira – a partir da 
atividade docente, de discursos produzidos nas situações de trabalho e nas 
trocas entre professor e alunos e entre professor e estagiário-pesquisador.
Para demonstrar a alteração provocada pela perspectiva de estudo 
proposta, vejamos o parágrafo introdutório da conclusão do 2º relatório de 
estágio de uma aluna:
(2) A experiência que vivenciei ao fazer esse estágio supervisionado 
foi muito boa, visto que foi a primeira vez que entrei em uma escola, 
não com o olhar de aluna, mas com o olhar de pesquisadora. Posso 
dizer que senti um pouco de medo e ao mesmo tempo, uma vontade 
enorme de fazer a diferença e dar tudo de mim. (R 24).
Na finalização do relatório, o discurso destaca a avaliação favorável da 
vivência do estágio, ainda que sentimentos considerados negativos estives-
sem pressupostos nessa fase inicial da tarefa no campo de observação, o que 
poderia justificar uma experiência não tão bem sucedida. A locutora parece 
atribuir a apreciação positiva à mudança de postura referentemente ao objeto 
a ser estudado. Interessante observar, pela explicitação dos sentimentos con-
traditórios experimentados (senti um pouco de medo e ao mesmo tempo, 
uma vontade enorme de fazer a diferença e dar tudo de mim), a força das 
representações subjacentes à percepção sobre o trabalho docente e a realidade 
escolar. 
Como o sujeito-estagiário constrói os objetos de estudo – a ação do-
cente, a escola – e a si mesmo como futuro profissional? Qual é o papel das 
representações trazidas pelos alunos para a construção das identidades profis-
sionais e para as mediações formativas? Trataremos de alguns desses proces-
sos constitutivos na próxima seção.
Constituição identitária do sujeito - 
estagiário e (des) construção de representações
Desde os primeiros períodos do Curso de Letras, antes mesmo da 
entrada no campo de estágio, têm início as reflexões sobre o fazer docente 
na educação básica brasileira. A participação em seminários, a elaboração de 
pequenos projetos investigativos interdisciplinares desenvolvidos no âmbi-
to dos núcleos de interseção (linguística e literatura) já objetivam levar os 
graduandos de letras a analisar os modos como geralmente são tratados al-
guns temas e objetos de estudo em sala de aula. As formas como os gêne-
ros de textos são trabalhados na esfera escolar já fazem parte das discussões 
empreendidas nos quatro primeiros períodos do curso, especialmente com 
os alunos-oficineiros que atuam no âmbito do Projeto Oficinas de Leitura e 
Produção de Textos27. 
27 Tendo como público-alvo alunos de graduação da PUC Minas, as oficinas tra-
balham práticas de leitura e produção textual, por meio de gêneros que circulam na 
academia e em diferentes contextos socioculturais, visando à construção de conheci-
mentos que viabilizem a compreensão dos usos e do funcionamento dessas práticas.
168
Estágio Supervisionado - diálogos possíveis entre a instância formadora
169
Assim, quando iniciamos os debates introdutórios para situar o traba-
lho a ser desenvolvido no âmbito das práticas, é possível perceber tendências 
em relação às preferências por determinadas linhas de pesquisa. Os alunos 
mostram-se, de certa forma, seguros referentemente às opções pelos objetos 
de estudo; no entanto, podem ser apreendidas percepções mitificadas a res-
peito da atividade educacional e de seus atores, em especial os professores.
Em uma das atividades propostas no NIP 1, num debate acerca de 
matérias jornalísticas veiculadas pela mídia impressa e eletrônica a respeito 
da educação básica brasileira, muitas falas e opiniões sobre a realidade edu-
cacional foram imediatamente respaldadas por alguns alunos da turma – en-
tre elas a reportagem de título “A escola pública que ensina”28. As discussões 
iniciais deixavam entrever justificativas cujos argumentos não se sustentavam 
em comprovações, mas eram construídos a partir do senso comum, do ‘ouvir 
dizer’, redundando em generalizações, a exemplo da passagem retirada do pri-
meiro relatório de estágio de uma aluna: Apesar de ser escola pública, as salas 
de aulas estão bem cuidadas e a cantina é limpinha (...) (R1). 
Para tentar redimensionar as práticas no processo de formação dos fu-
turos professores, não basta identificar as representações, os pré-construídos, 
os estereótipos trazidos pela turma; é necessário compreender, em conjunto 
com os alunos, como essas representações se constituem e como elas guiam 
o olhar do pesquisador frente ao objeto de estudo – a instituição escolar e o 
trabalho docente. 
Perseguindo esse objetivo, iniciamos uma série de discussões sobre os 
modos como essas representações vão sendo construídas e como elas podem 
ser determinantes nos modos como os sujeitos se constituem diante das prá-
ticas acadêmicas e profissionais. Levamos para a sala de aula alguns estudos 
que focalizavam as teorias das representações sociais (MOSCOVICI, 2003; 
PY, 2000) e as representações sociais na esfera escolar ou na constituição do 
28 Reportagem publicada em O Estado de São Paulo, em 26 de março de 2008.
profissional docente (ASSIS, 2009; LOPES, 2007, 2008, 2009; SILVA e 
MATENCIO, 2005).
Tomando como base discursos produzidos em interações na institui-
ção educacional, além dos produzidos pelas instâncias oficiais (documentos 
de parametrizaçãoe outros), esses estudos apontam o que Moscovici (2003) 
denomina fenômenos relativamente estabilizados que refletem uma compre-
ensão coletiva, fruto das condições de vida social, da organização comunica-
cional e, particularmente, das ideias e da cultura construídas coletivamente. 
Cabe salientar que, na medida do possível, buscávamos tornar acessí-
vel a compreensão da complexidade dos dois processos geradores de repre-
sentações sociais (RS): a ancoragem e a objetivação. A ancoragem implica 
um processo de tornar comum, familiar, o que parece estranho; envolve ope-
rações de classificação e categorização, segundo moldes paradigmáticos esta-
belecidos por dada comunidade. A objetivação corresponde a um processo 
semelhante a uma “domesticação” do que antes seria não familiar. “Percebida 
primeiramente como um universo puramente intelectual e remoto, a objeti-
vação aparece, então, diante de nossos olhos, física e acessível (MOSCOVI-
CI, 2003, p. 71).” 
Como se trata de níveis de realidade, “criados e mantidos pela coletivi-
dade”, não existindo fora dela, assemelham-se a graduações existentes entre a 
“ilusão total e a realidade total” (2003, p. 71), instituídas pela necessidade de 
materializar uma abstração, por isso mesmo constituindo-se tarefa intrincada 
para análise, como ilustra o trecho de um comentário crítico produzido por 
uma aluna a respeito do trabalho docente com língua portuguesa:
(3) A escola onde estagio investe muito em excursões, teatro, clubes, 
visam a diversão dos alunos deixando o ensino/aprendizagem a de-
sejar. A atual professora se sente incomodada por não conseguir o 
devido andamento às aulas, fazendo com que a matéria a ser dada 
fique atrasada. A professora acompanha o livro do C. que é muito de-
sorganizado: gramática, literatura e redação ficam misturados, assim 
ela necessita dividir a matéria, o que dificulta o trabalho. Ela também 
170
Estágio Supervisionado - diálogos possíveis entre a instância formadora
171
passa exercícios de uma apostila de um curso de aperfeiçoamento que 
ela faz. (CC - La).
O exemplo (3) possibilita demonstrar como as representações podem 
ser definidas em termos de valores, ideias e imagens, que desempenham du-
pla função: a) permitir aos indivíduos estruturar sua ação no mundo social 
e b) permitir comunicá-la, dotando-a de um código comum. O enunciado 
inicial indica que a locutora, La, partilha das representações construídas a 
partir de uma concepção de ensino e de aprendizagem calcada exclusivamen-
te no cumprimento dos conteúdos disciplinares. Também no que se refere à 
estrutura do manual didático, a estagiária compactua de uma representação 
fragmentada dos ‘objetos de ensino’, bastante comum em determinadas insti-
tuições escolares que chegam a ter um professor para cada ‘objeto da lingua-
gem’ a ser estudado. As dificuldades observadas na realização das atividades 
da docente atrelam-se mais às condições materiais da tarefa do que à natureza 
do trabalho com as práticas de linguagem, por exemplo.
A identificação das representações (do outrem e de si mesmo) para a 
análise das relações e das interações constitui momento importante para o 
desenvolvimento da percepção do objeto e da “atribuição de sentido à experi-
ência”, conforme assinala Py (2000, p. 8-9). Em relação à pesquisa no campo 
da didática de línguas, o autor salienta que as representações de língua têm 
papel relevante. Por exemplo, a apropriação dos processos didáticos seguirá 
caminhos diferentes se os sujeitos (professores ou estudantes) concebem o 
texto como discurso (e suas relações com o extralinguístico) ou como suces-
são de frases (2000, p. 9).
A análise das representações dos sujeitos possibilitada pelas reflexões 
no momento das práticas de estágio – aqui entendidas não somente as reali-
zadas no campo – permite reconfigurar os conhecimentos referentes não so-
mente ao objeto de ensino e ao saber fazer, mas sobretudo ao posicionamento 
identitário dos sujeitos, tendo em vista o que Py (2000, p. 16) denomina as 
“representações de referência (RR) e as representações de uso (RU)”. 
As RR, oriundas da memória discursiva coletiva, constituem o núcleo 
central, uma espécie de bagagem comum aos membros de um grupo. Cons-
tituídas de “crenças reconhecidas pelo conjunto dos membros de um grupo”, 
pautam-se pela estabilidade, pela fixidez. Em um plano mais periférico, as RU 
constituem-se no processo de interação social, em nível individual, particular, 
por isso seu caráter instável, mutável. Para Matencio e Ribeiro (2008), as “RU 
ilustram momentos em que os sujeitos expressam de forma mais evidente sua 
singularidade”. Pressupondo que as RR e as RU influenciam-se mutuamente, 
cabe impulsionar o trabalho discursivo e linguageiro que permite flagrar as 
RR e as RU que compõem as RS.
Obviamente, temos consciência de que a argúcia na interpretação dos 
fatos observados implica tempo e amadurecimento por parte do aluno; por 
isso mesmo, nas discussões em torno dos primeiros textos produzidos (1º re-
latório, comentário crítico, anotações no diário de campo), aprofundamos 
o questionamento das percepções particulares materializadas nos discursos, 
lugares por excelência da emergência das Representações Sociais. Sob o im-
pacto da pesquisa de campo e submetidas a uma releitura, as representações 
sobre o trabalho docente, o papel da escola e as interações entre seus agentes, 
como também o tratamento didático dado aos conteúdos da área da lingua-
gem assumem novos sentidos, afastando-se das representações estereotipadas 
das RR, ao mesmo tempo em que se questionam as RU, calcadas na experi-
ência pragmática. 
De posse de novos dados sobre a experiência no campo educacional, 
viabilizados em especial pelas entrevistas com os profissionais e pelo diário 
de campo, tornou-se necessário construirmos uma metodologia de estudo, 
cujas categorias analíticas permitissem desenvolver uma semântica da ação tal 
como propõe Bronckart (2006, 2008). Apoiando-se na semiologia do agir 
de Habermas, o autor salienta duas dimensões que não podem ficar de fora 
quando se estudam as interações humanas: i) a intencional e ii) a motivacio-
nal. Bronckart (2006, p. 237-8) admite que, nas Ciências da Educação, para 
172
Estágio Supervisionado - diálogos possíveis entre a instância formadora
173
“poder ter o domínio do conjunto dos elementos que intervêm” nos sistemas 
(e processos) institucionais de intervenção formativa, seria necessário reorga-
nizá-los em consonância com o estatuto de cada disciplina. 
Tal formulação impõe considerar que as práticas de estágio, por per-
tencerem ao campo das mediações formativas, precisam repensar o escopo de 
sua ação em estreita relação com os saberes elaborados nas áreas afins. Desse 
modo, não podemos “abrir mão” de um trabalho coletivo com as disciplinas 
que “elaboram os saberes conexos”, como os estudos nos campos da linguísti-
ca, da psicolinguística, da literatura, da historiografia, do latim, da filosofia, 
da sociologia, da análise do discurso, da morfologia, da fonologia, entre mui-
tos outros.
As reflexões sobre as instituições educacionais (e aqui nos incluímos, 
certamente!) necessitam partir de uma concepção do agir como “mecanismo 
de pilotagem das condutas em redes de determinações complexas e entrecruza-
das” (SHUTZ, 1987, apud BRONCKART, 2006), de modo a avaliar o agir 
por meio de movimentos de semiotização, ou seja, de práticas discursivas que 
possibilitam que os sujeitos organizem e regulem suas atividades coletivas 
(2006, p. 242-6). 
No que concerne às representações construídas sobre as intenções e 
os motivos para a ação, constatamos que, na prática refletida à luz das teorias 
dos discursos e das RS, os alunos graduandos desenvolvem a capacidade ava-
liativa, isto é, a capacidade de julgar “a pertinência do agir dos outros”. Nesse 
movimento, há uma tomada de “consciência de que ele mesmo é avaliado sob 
esses critérios, tornando-se capaz de aplicá-los a si mesmo”, ao mesmo tempo 
em que passaa assumir uma posição enunciativa própria (2006, p. 243-54).
(4) Na maioria das aulas que observei, o professor de português valeu-
se única e exclusivamente do livro didático para ensinar o conteúdo 
da disciplina. As aulas iniciavam, geralmente, com a leitura em voz 
alta de trechos do livro: enquanto um aluno lia para os colegas, estes 
acompanhavam o texto escrito. (...) o professor fazia intervenções, 
oferecendo explicações. A seguir, ele instruía os alunos a fazer os exer-
cícios do livro didático. Cumprida a tarefa, os alunos apresentavam a 
folha de respostas à conferência do professor, que se certificava de sua 
autenticidade para dar vistos. Por fim, acontecia a correção oral do 
exercício, com a participação de alguns poucos alunos. No decorrer 
do estágio, a isso se resumiu a produção textual dos alunos, indepen-
dente da série que cursavam. Tanto os matriculados na 8ª série do E. 
F., quanto aqueles matriculados no 3º ano do E. M. não tiveram ou-
tras oportunidades para atuar na prática de linguagem. Como conse-
quência, a experiência dos alunos assumiu um caráter muito restrito, 
condizente com a metodologia que o professor adotou. (CC - I).
No comentário crítico da aluna (exemplo 4), podemos perceber um 
grau maior de amadurecimento da análise sobre as relações entre o agir do-
cente e o desenvolvimento dos alunos. No relato, as descrições evidenciam a 
regularidade das atividades, a organização da aula e sua rotina por meio de 
índices avaliativos (única e exclusivamente), de modalizadores (geralmente) 
e de organizadores discursivos do discurso relatado (As aulas iniciavam... en-
quanto um aluno lia... A seguir,... Cumprida a tarefa... Por fim...).
No início das aulas de estágio, os comentários críticos e os relatórios 
apontavam como qualidades do professor as relativas à capacidade de organi-
zação e cobrança, representadas muitas vezes pela execução de tarefas mecâ-
nicas que visavam mais ao controle e à disciplina do que à interação entre os 
agentes e à construção de seus conhecimentos. No exemplo 4, ao correlacio-
nar a exposição feita (No decorrer do estágio, a isso se resumiu a produção tex-
tual dos alunos, independente da série que cursavam) aos efeitos decorrentes 
dessa prática (Como consequência, a experiência dos alunos assumiu um caráter 
muito restrito, condizente com a metodologia que o professor adotou.), observa-
se que a aluna-estagiária posiciona-se frente a um modelo tradicional de aula, 
recorrente em manuais didáticos de alta vendagem no País. 
Esse posicionamento decorre, provavelmente, de estratégias interpre-
tativas que lhe permitem significar o agir, ao mesmo tempo em que enseja 
entrever o próprio amadurecimento diante da realidade escolar, sua consti-
174
Estágio Supervisionado - diálogos possíveis entre a instância formadora
175
tuição como agente de um futuro projeto educativo. Ao explicar as condutas 
humanas sob a perspectiva do agir dos agentes e seus discursos, a aluna-esta-
giária define motivos para as ações e reconhece as responsabilidades de todos 
os envolvidos no desenvolvimento dos indivíduos. 
Nesse sentido, mais do que analisar as atividades observadas no está-
gio, para fins da avaliação de sua pertinência ou de sua eficácia, em termos de 
resultados, é importante pensar as condições em que se dá o trabalho docente 
e os discursos que o atravessam. Praticar uma semântica do agir implica exa-
minar as representações que os professores constroem acerca das ações envol-
vidas na organização do trabalho docente e da própria formação profissional, 
buscando flagrar o papel que a linguagem assume nesse processo.
Um estudo realizado a partir de discursos e práticas de três professo-
ras da Educação Básica, de níveis fundamental e médio, revelou uma rede 
complexa de motivações e condições que condicionam o fazer docente na 
contemporaneidade (LOPES, 2008, 2009). Muitas são as representações do 
“fazer docente” emergentes dos discursos dos sujeitos da pesquisa, que deli-
neiam a identidade do ‘ser professor’. Ora a professora assume a tarefa de mis-
sionária, cujo dom é servir à educação de crianças e jovens carentes, às vezes 
muito problemáticos no tocante à estrutura econômica e familiar; ora atribui 
as razões para a (im) possibilidade de um ‘fazer escolar de sucesso’ a causas 
como – falta de apoio da direção da escola, falta de incentivo da instância 
governamental – ou às condições materiais da escola e à falta de interesse dos 
alunos. Em outras vezes, é possível flagrar também a representação de um su-
jeito agente, que conduz seu projeto didático, tendo em vista a percepção da 
situação revelada na própria gestão pedagógica, na mediação entre os alunos 
e os saberes didatizados. 
Nesses momentos, a professora informante atribui as determinações 
das ações às restrições do fazer pedagógico, ligadas à atividade professoral, 
não destacando, como muitas vezes se presume, uma subserviência ao ma-
nual didático adotado e/ou a princípios e prescrições estabelecidos por do-
cumentos institucionais e/ou por obras acadêmico-científicas e didáticas do 
campo educacional (planejamento anual, projeto pedagógico etc). 
A passagem a seguir, retirada da primeira pergunta de uma entrevista 
realizada por uma estagiária com um professor de língua portuguesa, pode 
também ilustrar movimentos de autonomia de um sujeito ativo:
(5) E: Como lidar com a dispersão dos alunos? 
P: Acredito que temos de alguma forma chamar a atenção deles [os 
alunos], geralmente eles são dispersos porque o assunto é chato, não 
lhes interessa ou até mesmo porque consideram o professor/a aula 
“chatos”. Procuro tratar de assuntos que fazem parte do cotidiano 
deles. Por exemplo, uma redação, quando peço para fazer, troco o 
assunto do livro e peço algo do dia-a-dia ou relacionado à fase deles. 
(E - 19).
O exame do exemplo 5 pode contribuir para a compreensão do papel 
do professor no processo de preparação e elaboração de seu planejamento e 
para o aprofundamento de questões envolvidas na formação de professores 
de língua materna. O posicionamento do sujeito frente à própria atividade 
parece indicar que, em sala de aula, há espaço para um agir mais livre, mais 
autônomo, no que diz respeito à sua prática e ao conteúdo curricular que 
deve lecionar, considerando os documentos que regem o seu trabalho, bem 
como o uso do livro didático (quando peço para fazer, troco o assunto do livro 
e peço algo do dia-a-dia ou relacionado à fase deles.) 
Por meio das questões elaboradas e realizadas pelos estagiários, é pos-
sível apreender a complexidade constitutiva das representações sobre o papel 
social do professor, o agir docente, as práticas pedagógicas, a aula, o processo 
de ensino e de aprendizagem, a avaliação, entre outros aspectos. As reflexões 
possibilitadas pelas práticas de estágio e pelas análises críticas dos discursos 
dos sujeitos – na instância midiática e na instância educativa – permitiram 
reelaborar representações em patamares mais científicos, em redes multidis-
176
Estágio Supervisionado - diálogos possíveis entre a instância formadora
177
ciplinares, de modo a compreender a complexidade da constituição da iden-
tidade profissional do professor e de seu trabalho29.
Pelo refinamento do olhar do estagiário-pesquisador e sua postura de 
parceria com os agentes no campo de estágio, compreende-se que sujeitos 
diferentes, ainda que pertencentes ao mesmo contexto profissional, cons-
troem representações distintas acerca do próprio agir, motivados por razões 
específicas que podem estar ligadas tanto às representações sociais, quanto à 
imagem que têm do próprio trabalho30. 
Considerações finais
Ainda são muitos os desafios quando se trata do redimensionamento 
de nossas ações como orientadores e professores da disciplina Estágio Super-
visionado, porém já podemos asseverar que somente o trabalho conjunto, no 
âmbito da universidade, e a atitude de parceria com as escolas de educação 
básica podem de fato alterar os ‘modos’ de interagircom o objeto, a maneira 
de observar e entender a atividade docente e o seu papel na sociedade. Os 
avanços decorrentes dos dispositivos legais só se consolidarão se alterarmos 
as práticas reflexivas sobre o objeto de análise – a escola – e isso só será pos-
sível se recorrermos a procedimentos metodológicos que viabilizem a análise 
qualitativa, interpretativista, tal como nos oferece a abordagem etnográfica. 
Tendo como eixo do trabalho de pesquisa os discursos e as ações de 
linguagem, será possível apreender a emergência das representações sociais 
29 As discussões em torno das obras fílmicas Pro dia nascer feliz ( João Jardim), Escri-
tores da liberdade (Richard La Gravenese) e Entre os muros da escola (Laurent Cantet) 
possibilitaram a socialização das questões que conectam linguagem, valores culturais e 
representações nas (inter) ações dos sujeitos na esfera educacional. 
30 Em Lopes (2008), apresento uma análise do processo de constituição de posiciona-
mento identitário de docentes de língua materna, marcado, ao mesmo tempo, por repre-
sentações construídas a partir de um determinismo institucional, social e cultural e por 
uma necessidade de resgatar um espaço na prática docente.
construídas pelos sujeitos em suas práticas cotidianas, nas relações com os 
objetos envolvidos nas esferas acadêmica e profissional, como nos efeitos des-
sas representações sobre as interações estabelecidas com os saberes aí cons-
tituídos. A compreensão dos processos constitutivos dessas representações 
poderá fornecer subsídios relevantes para o entendimento das determinações 
desses processos sobre a construção identitária dos profissionais da docência 
e sobre as decisões de ordem teórica e metodológica que esses assumem na 
didatização dos objetos de ensino. Nesses termos, será possível não somente 
pensar a prática para significar a prática, mas também pensar a prática para 
transformar a prática.
 
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180
Estágio Supervisionado - diálogos possíveis entre a instância formadora
181
DESAFIOS DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO
NUMA LICENCIATURA DUPLA:
FLAGRANDO DEMANDAS E CONFLITOS31*
Wagner Rodrigues Silva 
Selma Maria Abdalla Dias Barbosa
Introdução
Conforme são conhecidas em cursos superiores de formação docen-
te, as disciplinas de estágio supervisionado ou prática de ensino possuem 
características bastante peculiares se comparadas às demais disciplinas com-
ponentes de matrizes curriculares de cursos de licenciaturas. No estágio su-
pervisionado, demanda-se ainda mais do formador a criação de situações de 
aprendizagem em que questões referentes à prática pedagógica da educação 
básica sejam articuladas aos conteúdos teóricos trabalhados. Conforme mos-
trado em estudos realizados no campo da Educação (SILVA e MIRANDA, 
2008; PIMENTA e LIMA, 2004; PERRENOUD, 2002) e da Linguística 
Aplicada (SILVA,2008; SILVA e MELO, 2008; ROJO, 2001), a conciliação 
entre teoria acadêmica e prática pedagógica é um grande desafio a ser enfren-
tado pelos formadores de professores, o que não está restrito às atividades do 
estágio supervisionado, mas é componente de todas as disciplinas curricula-
res, em curso de licenciatura. 
31* Este trabalho contribui para o projeto de pesquisa “Implicações dos relatórios de es-
tágio supervisionado para a formação inicial de professores” (CNPQ 501123/2009-1); 
UFT AG4 # 003/2009).
182
Desafios do Estágio Supervisionado numa licenciatura dupla
183
Esse desafio é apenas uma das questões focalizadas neste trabalho, 
uma vez que desafios de origem interna e externa às disciplinas de estágio 
supervisionado nos permitem ir além dessa questão mais geral. Na realidade, 
retomamos aqui a discussão entre teoria acadêmica e prática profissional em 
função de um desafio que nos é apresentado de forma ainda mais inquie-
tante: as múltiplas demandas do estágio supervisionado duplo na formação 
inicial do professor.
O objeto de investigação deste trabalho são os desafios instaurados na 
prática de estágio supervisionado da licenciatura dupla do Curso de Letras, 
no Campus Universitário de Araguaína, Universidade Federal do Tocantins 
– UFT. A denominação licenciatura dupla é justificada porque os profissio-
nais egressos desse curso são licenciados duplamente em Língua Portuguesa 
e Língua Inglesa. Ao falarmos de desafios, referimo-nos a demandas instau-
radas, conflitos, tensões ou perturbações, envolvendo questões teóricas e prá-
ticas pertinentes às disciplinas de estágio. Os desafios são provocados pelo 
constante esforço em busca da prática pedagógica inovadora, compreenden-
do a seleção de conteúdos disciplinares, bem como metodologias ou estraté-
gias de ensino em conformidade com recentes pesquisas acadêmicas.
Para efeito de análise, considerando a universidade e a escola de ensino 
básico como espaços em que acontecem os estágios supervisionados, desdo-
bramos o que estamos aqui denominando de desafios em duas categorias de 
análise: desafios internos e externos. Os desafios internos compreendem entra-
ves teóricos e práticos, ainda não resolvidos nas pesquisas acadêmicas, prin-
cipalmente, quando se pensa no ensino. Esses desafios estão situados mais no 
espaço universitário. Questionamentos sobre o ensino, que são deixados à 
margem, nas demais disciplinas curriculares, tradicionalmente identificadas 
como teóricas, emergem durante os estágios de língua materna e estrangeira: 
são momentos em que o professor em formação precisa planejar práticas de 
leitura, escrita e análise linguística, necessitando, portanto, articular a teo-
ria estudada às demandas da prática de ensino, as quais só começam a ser 
vivenciadas pelos professores em formação a partir do 5º período do curso 
de Letras, com a introdução das disciplinas Investigação da Prática Pedagó-
gica e Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa: Língua e Literatura I, 
e Investigação da Prática Pedagógica e Estágio Supervisionado em Língua In-
glesa: Língua e Literatura I, ficando, assim, distantes as orientações teóricas 
e os saberes da área pedagógica, relacionadas ao ensino de língua e literatura. 
No ensino de Língua Inglesa, encontramos um desafio interno ainda maior, 
conforme mostraremos adiante. Referimo-nos à baixa competência comuni-
cativa do estagiário na língua-alvo, objeto de ensino na educação básica, de-
sencadeando uma significativa insegurança, falta de motivação e criatividade 
no planejamento de aulas e material didático.
Os desafios externos, por sua vez, compreendem fatores provocados 
por atores de natureza humana e não-humana32 que participam da trajetó-
ria do estagiário da universidade à escola campo de estágio. Exemplos desse 
último desafio são: resistência de educadores da escola em aceitarem estagi-
ários; indisciplina dos alunos do ensino básico; uso exclusivo do livro didá-
tico; indisponibilidade de tempo dos professores em formação para estagiar 
em turnos diferentes ao do curso de graduação, principalmente os alunos do 
período noturno, que, em sua maior parte, encontram-se no mercado de tra-
balho.
Sobre a metodologia de pesquisa utilizada neste trabalho, utilizamo-
nos da análise de alguns documentos produzidos para o pleno funcionamen-
to do estágio supervisionado. Na realidade, este texto funcionou como um 
32 Conforme estudo realizado num outro momento (SILVA, 2006:9), trabalhamos com 
as categorias de humanos e não-humanos para caracterizar os atores que participam ou 
informam a dinâmica de um espaço mais restrito ao focalizado neste texto, a saber: sala 
de aula. Os primeiros compreendem as pessoas que exercem alguma função que podem 
interferir diretamente ou não nas situações formais de ensino, como educadores em geral, 
alunos e familiares. Os segundos compreendem mobiliários, materiais ou recursos didáti-
cos que impõem comportamentos e atitudes aos humanos, trazendo histórias de práticas 
escolares incorporadas em sua materialidade. 
184
Desafios do Estágio Supervisionado numa licenciatura dupla
185
espaço discursivo em que pudemos registrar algumas das ações realizadas no 
curso focalizado para aprimorar a prática do estágio. Os documentos aqui 
utilizados diretamente para análise foram: normativa de estágio supervisio-
nado, que regulamenta o funcionamento das atividades de estágio no curso, e 
relatos reflexivos, produzidos por professores em formação inicial. O primei-
ro corresponde a um documento que ainda está passando por processo de 
aprovação, juntamente com o Projeto Pedagógico do Curso, atualmente em 
reformulação. O segundo são trabalhos produzidos em disciplinas de estágio, 
compõem o banco dados sobre o estágio supervisionado, arquivado no Cen-
tro Interdisciplinar de Memória dos Estágios das Licenciaturas – CIMES. Os 
documentos analisados nos levam a repensar de forma mais crítica o trabalho 
pedagógico realizado, além de servirem para ilustrar as experiências relatadas 
neste trabalho.
No tocante à organização deste trabalho, este texto é composto por 
quatro momentos principais, a saber: (i) Demandas para a prática de ensino 
de língua e literatura; (ii) Concepção de estágio assumida; (iii) Caracterização 
do espaço investigado; (iv) Desafios no estágio duplo. No primeiro momento, 
discutimos algumas demandas da atualidade para uma prática de ensino ino-
vadora, a qual é oposta à tradição do ensino de língua e literatura. No segun-
do momento, apresentamos os pressupostos teóricos orientadores da prática 
de estágio supervisionado, alguns dos quais utilizados como fundamentação 
teórica deste trabalho. No terceiro momento, apresentamos de forma mais 
sistematizada a organização das atividades de estágio no curso focalizado, 
destacando alguns conflitos ou tensões em meio a transformações a serem 
implementadas no estágio. No último momento, misturamos nossas vozes às 
dos professores em formação inicial com propósito de mostrar os desafios de 
cunho teórico e prático, emergentes do trabalho pedagógico na universidade 
à escola de ensino básico.
Demandas para a prática de ensino de língua e literatura
Avanços nas pesquisas sobre ensino de língua e literatura desenca-
deiam novas demandas para o ensino. Antigos objetos de ensino são substi-
tuídos, sofrem modificações. No ensino de Língua Portuguesa, por exemplo, 
os estudos desenvolvidos, principalmente, no campo da Linguística Aplicada 
(SILVA, 2003) mostram que categorias gramaticais, como sujeito, predicado 
e complemento nominal, focalizadas no nível linguístico da palavra ou da 
frase, não devem ser objetos de ensino quando se pretende formar alunos 
capazes de interagir nas modalidades falada e escrita da língua, em diferen-
tes situações de interação social. Nos estudos linguísticos, pesquisas recentes 
propõem que o texto seja concebido como principal unidade de análise ou 
objeto de estudo em aulas de Língua Portuguesa. Em outras palavras, o pro-
fessor dessa disciplinaprecisa ampliar o ângulo de sua lente para só depois 
delimitar um pouco mais o olhar: inicialmente, focaliza-se o texto e, pos-
teriormente, passa-se ao enfoque do nível linguística da frase e da palavra, 
mas, ainda assim, sem perder o texto como referência. Para o professor dessa 
disciplina, o distanciamento da prática pedagógica tradicional, em função da 
assunção desse novo objeto de estudo se configura como um desafio diário 
para o professor em sala de aula (SILVA, 2006; ROJO, 2001). 
Transformações na vida cotidiana, provocadas por uma sociedade tec-
nologizada, também implicam em novos desafios para o trabalho docente. 
Conforme destacado por Brito & Purificação (2006: viii), “estar atenta às 
novas formas de aprender, propiciadas pelas tecnologias da informação e da 
comunicação, e criar novas formas de ensinar são prescrições imprescindíveis 
para a escola sob pena de esta tornar-se obsoleta”. No ensino de Língua Ingle-
sa, por exemplo, o professor talvez esteja vivenciando um dos momentos mais 
angustiantes da história de ensino de línguas estrangeiras no Brasil, visto que 
as experiências de formação desse profissional, tanto em serviço como em 
pré-serviço – na graduação – estão inseridas num mundo altamente tecnolo-
186
Desafios do Estágio Supervisionado numa licenciatura dupla
187
gizado, dinâmico, fluido, fragmentado e de verdades provisórias (FREITAS, 
1996). 
Ainda no tocante ao ensino de língua estrangeira, destacamos que o 
professor-educador não mais se encontra limitado à transmissão de conhe-
cimentos em contextos formais de ensino e aprendizagem, restritos à sala 
de aula. Como aponta Weininger (2006), o ensino moderno passa de um 
ambiente irreal de simulações comunicativas do “aquário” (sala de aula) em 
direção ao “mar aberto”, ou seja, situações autênticas de comunicação, como 
diferentes ambientes propiciados pela Internet – mensagens eletrônicas, 
orkut e blog –, além de diferentes programas de computador capazes de pro-
porcionar uma interação real, autêntica, dinâmica e criativa na língua estran-
geira alvo da aprendizagem, aumentando, consecutivamente, a competência 
comunicativa dos aprendizes. Por essa razão, muitos professores de língua 
estrangeira perderam os pontos norteadores de uma prática de ensino segu-
ra, na qual ainda se encontra fortemente arraigada uma visão estruturalista/
behaviorista skinneriana, em que o ensino é concebido por automatizações 
de hábitos através da sequência Estímulo (exposição ao conteúdo), Resposta 
(do aluno) e Reforço (retorno ao aluno dado pelo professor); ou numa visão 
cognitivista de inspiração chomskiana, na qual se pressupõe que qualquer 
aprendiz exposto à instrução está apto a adquiri-la (habilidade inata do ser 
humano), isto é, “o aluno é capaz de elaborar hipóteses sobre a nova língua 
tendo em vista as regras já internalizadas de sua língua-materna” (CHIMEN-
TÃO, 2006, p. 61). 
Precisamos redimensionar a formação dos professores de língua es-
trangeira, até mesmo, de língua materna, considerando agora uma perspectiva 
comunicativista, a qual não ignora os aportes teóricos anteriores, mas insere o 
professor num desafio pós-moderno de propostas de ensino inter/transdisci-
plinar (SILVA, 2009; ALMEIDA FILHO, 1999; WIDDOWSON, 1978). 
O professor de língua pode trabalhar os conteúdos disciplinares atrelados a 
saberes provenientes de outras disciplinas – história, matemática, ciências e 
outras –, procurando privilegiar os interesses e necessidades dos alunos, pro-
porcionando um ensino voltado para o uso linguístico cotidiano, não mais 
um estudo centrado nas estruturas gramaticais. 
Concepção de estágio assumida
As pesquisas acadêmicas sobre o funcionamento dos estágios super-
visionados usualmente estão restritas ao campo da educação. Tratando-se do 
ensino de língua e, até mesmo, de literatura33, também podemos contar com 
valiosas contribuições teóricas desenvolvidas na Linguística Aplicada, campo 
de investigação caracterizado pela realização de pesquisas transdisciplinares, 
compreendendo a investigação de situações pontuais de ensino. No curso de 
Letras focalizado neste trabalho, há quatro professores efetivos com formação 
específica nessa área, atuando nas disciplinas de estágio em língua materna e 
estrangeira. Assim como assumido na normativa de estágio supervisionado 
do curso, utilizamos como principais referenciais teóricos desta investigação 
estudos desenvolvidos nos dois campos de estudos mencionados.
Concebendo a linguagem como principal via de análise, nos estudos 
linguísticos aplicados ao ensino, são objetos de investigação, por exemplo: 
práticas escolares de linguagem – ensino de leitura, escrita e análise linguísti-
ca –, interação em sala de aula; materiais didáticos; identidade do professor e 
do aluno. Na Linguística Aplicada, tem-se cuidado em exercer uma aborda-
gem investigativa crítica que visa a contribuir não só para a formação, como 
para o fortalecimento dos professores, em função do contexto macrossocial 
pouco favorável à (auto) imagem do professor (KLEIMAN, 2001:22). 
33 O ensino de literatura não é concebido propriamente como objeto de investigação 
da Linguística Aplicada, o que não elimina a possibilidade de realização de pesquisas na 
área, concebendo o trabalho didático com texto literário em sala de aula como objeto de 
pesquisa, conforme investigações realizadas na área (cf. RODRIGUES 2004).
188
Desafios do Estágio Supervisionado numa licenciatura dupla
189
Conforme a versão preliminar do projeto pedagógico do curso, o 
professor em formação é o ator principal das atividades realizadas no estágio 
supervisionado, o que pode ser observado adiante nos objetivos gerais e espe-
cíficos do estágio supervisionado:
Quadro I
OBJETIVOS DO ESTÁGIO
Objetivo geral
Desenvolver as competências de planejamento e implementação de aulas 
de língua materna e estrangeira para o Ensino Fundamental II e o Ensino 
Médio, bem como o planejamento a implementação de cursos diferencia-
dos para propósitos específicos nesses mesmos níveis, compreendendo o 
trabalho com conteúdos de cunho linguístico e literário.
Objetivos específicos 
1
Propiciar a investigação do funcionamento da escola e da sala de aula de 
ensino de línguas, por meio da observação crítica de aulas no Ensino Fun-
damental e no Ensino Médio;
2
Potencializar o aprendizado de atividades de planejamento e regência de 
aulas, compreendendo a elaboração ou confecção de materiais didáticos 
adequados ao trabalho pedagógico de práticas de leitura, produção textual 
e análise lingüística;
3
Apresentar a atividade de reflexão do professor sobre as ações instauradas 
em sala de aula como uma prática necessária para as constantes tomadas de 
avaliação diagnóstica do ensino e da aprendizagem e de planejamento das 
aulas;
4
Possibilitar a troca de experiência ou de saberes entre os professores em 
formação e os professores em serviço como uma prática necessária para o 
aperfeiçoamento do trabalho do educador; 
5
Integrar o professor em formação às práticas profissionais no âmbito de ins-
tituições do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, as quais são represen-
tativas do espaço de atuação do professor licenciado em Letras.
(J
an
ei
ro
/2
0
0
9
)
Versão preliminar da Normativa de Estágio Supervisionado – 
Curso de Letras
Conforme os objetivos elencados, o estágio supervisionado é conce-
bido como o momento em que são viabilizadas formalmente trocas de expe-
riência entre professores em formação, professores em serviço e formadores, 
como proposta de superação da distância entre teoria acadêmica e prática 
pedagógica, onde todos envolvidos passam a assumir papéis colaborativos, 
resultando, portanto, em ganhos efetivos não apenas para os acadêmicos, mas 
para a formação do próprio docente de instituições de ensino básico envol-
vidas.
Como o estágio supervisionado está vinculado à investigação, procu-
ramos não perder de vista a importância da formação do professor reflexivo 
(PERRENOUD, 2002), aqui compreendidocomo o profissional que procu-
ra incessantemente manter um olhar crítico sobre a própria prática pedagó-
gica, procurando transformá-la a partir das constatações ou diagnósticos rea-
lizados, objetivando sempre ampliar o aprendizado do aluno. Nesse sentido, 
assumimos, na normativa de estágio, a pesquisa-ação como uma metodologia 
de investigação que potencializa a formação do professor reflexivo. Inspira-
dos em Mcniff (1988) e em Morin (2004), compreendemos a pesquisa-ação 
como uma metodologia composta minimamente por três momentos conse-
cutivos, na investigação da prática pedagógica e no estágio supervisionado: 
(i) reconhecimento ou diagnóstico da dinâmica do espaço escolar, verifican-
do as principais demandas do local; (ii) planejamento e implementação de 
exercícios e projetos didáticos; (iii) avaliação diagnóstica e reorientação do 
trabalho pedagógico. Esses momentos se complementam em um movimento 
cíclico e contínuo.
Fundamentar teoricamente o trabalho do professor em formação na 
metodologia da pesquisa-ação significa conceber as aulas de língua e litera-
tura como um espaço alvo de constantes reflexões, realizadas pelo próprio 
graduando, podendo ser corroboradas pelo professor orientador do estágio34, 
34 No estágio supervisionado, a função de professor orientador de estágio pode ser de-
senvolvida pelo formador de professor que acompanha o estagiário na instituição de ensi-
190
Desafios do Estágio Supervisionado numa licenciatura dupla
191
na unidade de ensino básico, pelo professor de estágio e pelos demais gradu-
andos, na universidade. Essas reflexões são realizadas sobre as ações desen-
cadeadas pelos atores componentes do espaço complexo da sala de aula, na 
educação básica.
As ações, às vezes seguidas por retroações, desencadeadas em sala de 
aula, nem sempre são planejadas. São ações provocadas por diversos saberes 
profissionais que interferem no trabalho do professor em formação. Dentre 
tais saberes, destacamos os acadêmicos e os escolares. Os saberes acadêmicos 
são compreendidos como os conhecimentos produzidos no âmbito acadêmi-
co ou universitário, e eleitos como os principais informadores do trabalho a 
ser realizado pelos graduandos nas unidades de ensino. Os saberes escolares 
são os conhecimentos construídos durante a tradição do ensino de línguas e 
principais informadores do trabalho do professor em sala de aula. 
Na parceria entre a universidade e as unidades de ensino básico, a pri-
meira tem por função propiciar uma transformação dos saberes escolares, o 
que não significa sobrepor os recentes saberes construídos na academia aos 
saberes escolares mobilizados pelos professores em serviço, em aula de língua 
materna e língua estrangeira. Por meio da troca de experiências, esperamos 
provocar a construção de um saber misto que responda às necessidades do 
ensino de língua e literatura, contribuindo, portanto, para o letramento35 do 
graduando, do professor em serviço e, principalmente, dos alunos do Ensino 
Fundamental II e do Ensino Médio.
Para desencadear a reflexão sobre a prática pedagógica, procuramos 
solicitar, como trabalho de final de disciplina, a produção de textos que levas-
sem os professores em formação a reflexão sobre as aulas por eles observadas 
no básico ou pelo próprio professor da turma em que os estagiários observam e ministram 
aulas. 
35 De acordo com Kleiman (1995:19), concebemos letramento como um “conjunto de 
práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, 
em contextos específicos, para objetivos específicos”. 
e ministradas. Normalmente, os textos produzidos são projetos pedagógicos 
de intervenção e relatos reflexivos, ambos originários de anotações de campo 
que os acadêmicos são orientados a fazer. O projeto pedagógico de interven-
ção tem o propósito de propor alguma ação, na escola campo de estágio, para 
melhorar as práticas pedagógicas de ensino de língua e literatura. Usualmen-
te, essa atividade é proposta na disciplina em que o estagiário apenas observa 
aulas. A ação proposta deve estar preferencialmente fundamentada teorica-
mente. O relato reflexivo corresponde a um texto marcadamente narrativo 
em que os estagiários se posicionam criticamente sobre as práticas de ensino 
em aulas de língua e literatura, tendo sempre a preocupação de apontar alter-
nativas para inovar o ensino. As reflexões desse relato também devem estar 
preferencialmente fundamentadas teoricamente.
Esses trabalhos de final de disciplina podem se caracterizar como uma 
oportunidade para o professor em formação produzir um texto escrito mais 
sistematizado, utilizando inclusive procedimentos de pesquisa acadêmica. 
Essa atividade se torna ainda mais significativa pela ausência de trabalho de 
conclusão de curso, na graduação aqui focalizada. Sobre a importância da 
pesquisa no estágio, Pimento e Lima afirmam:
“a pesquisa no estágio como método de formação dos estagiários, 
futuros professores, se traduz pela mobilização de investigações que 
permitam a ampliação e análise dos contextos onde os estágios se 
realizam. E também, em especial, na possibilidade de os estagiários 
desenvolverem posturas e habilidades de pesquisador a partir das si-
tuações de estágio, elaborando projetos que lhes permitam ao mes-
mo tempo compreender e problematizar as situações que observam” 
(2004, p. 236).
Caracterização do espaço investigado
A licenciatura dupla não é uma especificidade local, mas é caracterís-
tica da graduação de Letras, nas universidades brasileiras, uma vez que esse 
192
Desafios do Estágio Supervisionado numa licenciatura dupla
193
curso habilita profissionais para lecionar diferentes línguas. O Curso de Le-
tras aqui focalizado possui habilitação exclusiva em Licenciatura em Língua 
Portuguesa e Língua Inglesa36. Neste trabalho, as disciplinas de estágio super-
visionado a que fazemos referência são: Investigação da Prática Pedagógica e 
Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa: Língua e Literatura; e Inves-
tigação da Prática Pedagógica e Estágio Supervisionado em Língua Inglesa: 
Língua e Literatura.
A própria denominação das disciplinas traz a investigação da prática 
e o estágio supervisionado como eixos norteadores das atividades didáticas 
a serem realizadas nos cursos oferecidos. Ministrada em sala de aula, uma 
pequena parte da carga horária das disciplinas é reservada ao estudo sistema-
tizado de questões envolvendo a articulação entre a teoria acadêmica e a prá-
tica profissional. Esse estudo sistematizado serve de referência teórica para 
orientar a investigação da prática pedagógica em atividades de observação e 
regência de aulas, planejamento de atividades e produção de materiais didá-
ticos. A carga horária restante se destina à realização de atividades práticas 
supervisionadas, como o planejamento e a produção mencionados, culmi-
nando na regência de aulas.
A resolução Nº. 2, de 19 de fevereiro de 2002, do Conselho Nacional 
de Educação – CNE, a qual institui a duração e a carga horária dos cursos de 
licenciaturas, propõe 400 horas de estágio supervisionado a partir do início 
da segunda metade do curso. Para uma licenciatura dupla, a carga horária 
do estágio supervisionado significa o dobro do proposto para a licenciatura 
única, 800 horas, ou seja, um desafio monumental para os professores em 
formação e os formadores de professores. Para os primeiros, tal carga horá-
ria significa, algumas vezes, por exemplo, perda do emprego, pois não con-
seguem conciliar o tempo para as atividades universitárias e para o serviço. 
Para os segundos, tal carga horária, somada às demais disciplinas curriculares 
dos semestres letivos, ainda desconsiderando o tempo dos alunos para o ser-
36 O enfoque deste curso não está limitado a estudos lingüísticos, mas compreende tam-
bém estudos literários e culturais de países em que as línguas estudadas são faladas.
viço, pode se desdobrar em queda da qualidade das atividades desenvolvidas 
nas disciplinas de estágio.
Reproduzimosadiante uma passagem do relato reflexivo em que é 
exposto o desafio da conciliação do tempo para realização de inúmeras ativi-
dades acadêmicas (devemos conciliar o nosso tempo de maneira que possa-
mos estudar fora do horário de nossas aulas na universidade e ainda fazer os 
trabalhos da faculdade), durante o período de estágio supervisionado. Além 
da preocupação com o cumprimento das atividades, é destacado no Relato 1 
a garantia da qualidade dessas atividades (requerem muita leitura, pesquisa e 
mente descansada para funcionar e escrever coisas que convençam os nossos 
professores), de forma que convençam os formadores.
Relato 1. 2006.2
Eu e minha nova companheira fomos à unidade escolar Futuro Garantido, 
observamos os horários e as turmas que melhor se encaixavam no nosso 
tempo. Assim escolhemos os 1º. Anos ‘F’, ‘G’, ‘H’ e ‘I’. Você meu leitor, 
deve saber que como universitárias e futuras professoras devemos conciliar 
o nosso tempo de maneira que possamos estudar fora do horário de nossas 
aulas na universidade e ainda fazer os trabalhos da faculdade que requerem 
muita leitura, pesquisa e mente descansada para funcionar e escrever coisas 
que convençam os nossos professores, mestres e doutores, anda fáceis de 
lidar. Não são quaisquer argumentos que os satisfazem.
Ainda seguindo a resolução supramencionada, as disciplinas de está-
gio supervisionado do curso aqui focalizado são ministradas a partir do ter-
ceiro ano de graduação, mais precisamente no quinto período do curso, o 
qual é composto por oito períodos, totalizando quatro anos para integraliza-
ção da dupla licenciatura. Para cada licenciatura há quatro disciplinas de está-
gio supervisionado, conforme as tabelas expositivas adiante37. Tal desafio do 
37 A exposição da tabela corresponde às ementas do novo Projeto Pedagógico do Curso 
em produção. São essas ementas que orientam a atual prática do estágio, pois, no projeto 
em vigor, há uma única ementa para todas as disciplinas de estágio em Língua Portuguesa 
194
Desafios do Estágio Supervisionado numa licenciatura dupla
195
duplo estágio ainda se fortalece com a média das demais seis disciplinas por 
semestre letivo que devem ser cursadas pelos acadêmicos juntamente com as 
disciplinas de investigação da prática e estágio supervisionado.
Tabela 1
LICENCIATURA EM LÍNGUA MATERNA
DISCIPLINAS EMENTAS
(1) Investigação da 
Prática Pedagógica 
e Estágio 
Supervisionado em 
Língua Portuguesa: 
Língua e Literatura I
A escola e a organização do trabalho docente. 
Saberes docentes e formação do professor. Reflexão 
na/sobre a ação em situação de trabalho pedagógico. 
Desafios e demandas da atualidade para o ensino de 
língua materna.
(2) Investigação da 
Prática Pedagógica 
e Estágio 
Supervisionado em 
Língua Portuguesa: 
Língua e Literatura II
Planejamento de projetos e de aulas. 
Interdisciplinaridade e ensino de língua materna. 
Concepções de avaliação: classificatória, mediadora, 
diagnóstica. Ensino e aprendizagem de língua 
materna e literatura em turmas diferenciadas: 
educação de jovens e adultos; educação indígena; 
educação especial.
(3) Investigação da 
Prática Pedagógica 
e Estágio 
Supervisionado em 
Língua Portuguesa: 
Língua e Literatura 
III
Tradição gramatical normativa frente às práticas 
de leitura, produção textual e análise linguística. 
Implicações das noções de gênero e texto para o 
trabalho pedagógico em aula de língua materna. 
Usos do texto literário na escola do Ensino 
Fundamental II. Análise de material didático. 
Produção de material didático.
(4) Investigação da 
Prática Pedagógica 
e Estágio 
Supervisionado em 
Língua Portuguesa: 
Língua e Literatura 
IV
Leitura e produção de textos de diferentes 
gêneros discursivos. Trabalho pedagógico com 
diferentes linguagens e mídias, compreendendo as 
modalidades escrita e oral da língua. Usos do texto 
literário na escola do Ensino Médio e os desafios 
para professor de literatura. Análise de material 
didático. Produção de material didático.
e Língua Inglesa. É impossível ministrar o mesmo curso em oito momentos diferentes, 
sendo dois momentos simultâneos por semestre letivo.
A leitura das ementas das disciplinas de estágio supervisionado em 
Língua Portuguesa mostra um esforço em caracterizar de forma bastante pre-
cisa as atividades nos quatro momentos do estágio, evitando repetição dos 
conteúdos propostos. Na disciplina (1), procuramos atribuir um caráter mais 
pedagógico às atividades, os trabalhos estão orientados principalmente pela 
literatura do campo da Educação, enfatizando-se a metodologia da pesquisa-
ação como instrumento para repensar a prática da tradição do ensino de Lín-
gua Portuguesa. Nesse primeiro momento, o aluno apenas observa aulas em 
qualquer série do ensino básico.
A abrangência das demais disciplinas é delimitada pelo tipo de ensino 
desenvolvido na escola de ensino básico. Na disciplina (2), o enfoque o en-
sino de língua materna recai sobre o ensino não regular, são as denominadas 
turmas diferenciadas, como o estágio na Educação de Jovens e Adultos – EJA 
–, em salas de recursos com alunos portadores de necessidades especiais, 
educação de grupos minoritários e outros. Na disciplina (3), são focalizadas 
especificidades do ensino de língua materna no Ensino Fundamental II, en-
quanto que, na disciplina (4), são priorizadas as especificidades do trabalho 
didático com Língua Portuguesa no Ensino Médio. Conforme as ementas 
elencadas na Tabela 1, é proposto o trabalho com questões teóricas e práticas 
específicas do ensino de língua materna, considerando as especificidades dos 
grupos focalizados em cada disciplina.
Tabela 2
LICENCIATURA EM LÍNGUA ESTRANGEIRA
DISCIPLINAS
Língua Estrangeira
EMENTAS
(1) Investigação da Prática 
Pedagógica e Estágio 
Supervisionado em 
Língua Inglesa: Língua e 
Literatura I
Conceitos da Língua Inglesa, tais como: língua 
franca, Inglês como Língua Estrangeira (EFL), 
Inglês como Segunda Língua (ESL), World 
English(es). Métodos de Ensino da Língua 
Inglesa como língua estrangeira e a abordagem 
de Língua Inglesa com fins específicos (ESP). 
Conhecimento da escola e da organização do 
trabalho docente numa tentativa de mapear a 
abordagem do professor. 
196
Desafios do Estágio Supervisionado numa licenciatura dupla
197
(2) Investigação da Prática 
Pedagógica e Estágio 
Supervisionado em 
Língua Inglesa: Língua e 
Literatura II
Competências e habilidades para o planejamento 
e implementação de aulas com base nas diretrizes 
curriculares para o ensino de língua estrangeira/
inglês no Ensino Fundamental II. Prática reflexiva 
e teorias metodológicas específicas para o ensino 
e aprendizagem de Língua Inglesa. Planejamento 
e implementação de aulas. Seleção e confecção 
de materiais didáticos. Recursos adequados ao 
contexto e nível da sala de aula.
(3) Investigação da Prática 
Pedagógica e Estágio 
Supervisionado em 
Língua Inglesa: Língua e 
Literatura III
Estudo das competências do professor e do aluno, 
análise crítica e reflexiva da operação Global de 
Ensino do professor de LE (planejamento, escolha 
de material didático, experiência na/com a língua 
alvo e a avaliação). Iniciação da pedagogia de 
projetos a serem desenvolvidos no ensino básico. 
Foco no ensino/aprendizagem de línguas para 
turmas diferenciadas: EJA (Educação de Jovens 
e Adultos), escola pública, escola de idiomas, e 
educação especial.
(4) Investigação da Prática 
Pedagógica e Estágio 
Supervisionado em 
Língua Inglesa: Língua e 
Literatura IV
Competências e habilidades para o planejamento 
e implementação de aulas e projetos com base 
nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) 
e Orientações Curriculares para o Ensino Médio 
(OCEM) para o ensino de Língua Estrangeira/
Inglês no Ensino Médio. Uso de textos literários 
e tradução em sala de aula. Uso da linguagem 
formal e informal da mídia, internet e outros.
A partir da leitura das ementas das disciplinas de Estágio de Língua 
Inglesa, podemos observar quatro momentos distintos. Na primeiradiscipli-
na (1), tentamos colocar o graduando em contato com diferentes métodos, 
concepções e visões da Língua Inglesa e do seu complexo processo de ensino/
aprendizagem, por meio de uma perspectiva social, cultural, política, étnica, 
econômica. Depois do graduando ter sistematizado essas concepções e abor-
dagens, é orientado a observar de forma crítica e reflexiva a escola, o material 
didático e a abordagem predominante do professor regente.
Na disciplina (2), focalizamos a leitura dos Parâmetros Curricula-
res Nacionais para o Ensino Fundamental de forma que os professores em 
pré-serviço sejam induzidos a uma reflexão crítica e comparativa entre essas 
orientações e o mundo real das salas de aulas de língua estrangeira, confecção 
de materiais pedagógicos e planejamento de aulas. Na disciplina (3), o foco 
recai sobre as competências a serem desenvolvidas tanto pelo professor em 
formação quanto pelos alunos das escolas básicas. Segundo Almeida Filho 
(2002), devemos centralizar um número mínimo de competências a serem 
trabalhadas na formação do professor de Língua Estrangeira, a saber: compe-
tência implícita, competência linguístico-comunicativa, competência teóri-
ca, competência aplicada, competência profissional.
Na disciplina (4), o foco recai sobre a elaboração e execução de projeto 
diagnóstico, interventivos e de caracteres colaborativos no intuito de otimi-
zar e aproximar a relação entre escola e universidade, estreitando a relação 
entre teoria acadêmica e prática pedagógica. Nos excertos de relatos reflexi-
vos, reproduzidos adiante, observamos conflitos no tocante às contribuições 
teóricas e práticas da licenciatura para formação profissional do professor. 
Relato 2. 2006.2
Refleti sobre minha regência, e percebi que essas condições metodológicas, 
partem de nós, professores mediadores capazes de possibilitarmos e criarmos 
estratégias para o aluno desenvolver a aprendizagem.... e, durante minha 
regência de Língua Inglesa, só enriqueci meu conhecimento, percebi que 
prática é o momento que nos deparamos com a realidade e também valorizei 
que uma boa base teórica nos ajuda a vencer os obstáculos...foram dias 
importantes para minha vida profissional e intelectual.
Relato 3. 2006.2
Ao principiar esse trabalho, procurei expor minhas experiências em sala 
de aula durante todo o período de estágio da universidade, no qual pude 
constatar que, embora o discurso seja maçante, a realidade difere em grande 
escala quanto às teorias aprendidas durante o curso.
No Relato 2, a acadêmica expressa a prática pedagógica como con-
tribuição das disciplinas de estágio para a formação do professor (enriqueci 
198
Desafios do Estágio Supervisionado numa licenciatura dupla
199
meu conhecimento, percebi que prática é o momento que nos deparamos 
com a realidade e também valorizei que uma boa base teórica nos ajuda a 
vencer os obstáculos), o que desencadeia a valorização da teoria acadêmica, 
como facilitadora ou orientadora da prática pedagógica do professor em for-
mação. Diferentemente dessa reflexão expressa, no Relato 3, o estágio super-
visionado fortaleceu a crença de que as teorias trabalhadas ao longo do curso 
pouco contribuem para as demandas da prática pedagógica, em escolas cam-
po de estágio (embora o discurso seja maçante, a realidade difere em grande 
escala quanto às teorias aprendidas). No estágio supervisionado, a função das 
teorias deveria ser “iluminar e oferecer instrumentos e esquemas para análise 
e investigação que permitam questionar as práticas institucionalizadas e as 
ações dos sujeitos e, ao mesmo tempo, colocar elas próprias em questiona-
mento, uma vez que as teorias são explicações sempre provisórias da realida-
de” (Pimenta e Lima, 2004, p. 43).
Desafios no estágio duplo
Conforme discutimos anteriormente, inúmeros são os desafios para 
os formadores e professores em formação inicial, durante a prática de estágio 
supervisionado. Os dois recortes de relatos, justapostos adiante, mostram o 
medo dos estagiários em ministrar aulas em turmas de Ensino Médio. Para 
os acadêmicos, a experiência do estágio com outros níveis de escolaridades, 
nas três disciplinas antecedentes a do trabalho no Ensino Médio, parece não 
se configurar como preparo para o ensino em turmas mais avançadas. Talvez, 
conforme apresentado no Relato 5, o medo possa resultar da fadiga, cansaço, 
esgotamento e desânimo, provocados pelo acúmulo de atividades ao se apro-
ximar do final da graduação.
Relato 4. 2006.2 Relato 5. 2006.2
Entramos na fase mais complicada de 
nosso Estágio – o 2º. Grau. Muitos 
sentimentos perpassaram nossa alma, 
dos quais podemos citar: apreensão, 
ansiedade e medo. Uma escola 
para nos instalarmos por algumas 
semanas. Logo após vinham a escolha 
da turma, seguidos pela preparação 
do conteúdo e da Unidade Temática.
Outra vez estou aqui, chegando 
perto da escola onde irei estagiar. 
Sentimentos se repetem na minha 
emoção, só que dessa vez, acrescido 
de outros que dificultam ainda mais 
minha chegada ao estágio. Fadiga, 
cansaço, esgotamento e desânimo, 
era o que sentia naquele momento, 
a sensação era de pré-paredão Big 
Brother Brasil, tensão total! Na 
verdade nem eu mesma sabia o motivo 
de toda aquela tensão, pois tinha sido 
tão feliz na minha experiência anterior, 
porém, foi o que inevitavelmente senti.
Nos Relatos 4 e 5 reproduzidos, são apresentados cenários de tensão, 
angustia e incerteza, criados por demandas externas, provocadas pela inserção 
do estagiário nas escolas de educação básica. O estágio é caracterizado como 
situação bastante particularizada, tempo de reclusão num espaço diferente da 
interação cotidiana (Uma escola para nos instalarmos por algumas semanas), 
daí comparação do estágio com o programa televisivo de desafios e testes de 
resistência, denominado Big Brother38 (a sensação era de pré-paredão Big 
Brother Brasil, tensão total!).
A resistência de alunos do ensino básico em aceitar o trabalho dos 
professores em formação é outro desafio externo emergente no estágio su-
pervisionado, conforme observamos no Relato 6, adiante. Provavelmente, tal 
resistência poderia ser evitada caso houvesse uma prática de estágio consoli-
38 “Big Brother” é um popular reality show onde durante cerca de três meses, um grupo 
de pessoas (geralmente menos de 15) tenta se manter numa casa isolada do convívio so-
cial. O participante que tiver o melhor desempenho e/ou relacionamento dentro da casa, 
com a ajuda dos telespectadores, através de votos, e conseguir ficar até o final do jogo, é o 
vencedor. Ganha uma grande quantia em dinheiro (geralmente um milhão de reais).
200
Desafios do Estágio Supervisionado numa licenciatura dupla
201
dada na escola. Na universidade aqui focalizada, ainda não há um espaço de 
educação básica para consolidação de pesquisas interventivas, resultando na 
criação da cultura do estágio no ensino básico, conforme dinâmica das anti-
gas escolas de aplicação.
Relato 6. 2006.2
Lembro-me que, em uma das aulas, um aluno disse-me que a turma se 
comportava mais com a professora Glória porque ela tinha moral, indaguei 
se eu também não tinha, e ele respondeu: “não professora, é que a senhora 
é novata e ela não, já tem muitos anos de estrada”. Por um momento fiquei 
um pouco chateada, mas logo vi que era realmente muita pretensão chegar do 
nada e querer ocupar o lugar que a professora Glória tinha no coração deles. 
Porém percebi que nós também havíamos preenchido um cantinho no coração 
deles, até porque como disse a professora, eles não estavam reclamando, isso 
significava que estavam gostando das aulas, o que nos animou bastante.
O planejamento didático, com estratégias de ensino dinâmicas, per-
mitindo que os alunos compreendam os usos ou a importância do conteúdo 
disciplinar na vida prática, é uma maneira bastante significativa de amenizar 
a resistência mencionada. Essa prática se distancia da tradição do ensino de 
língua e literatura, cujo funcionamento discutimos na primeira seção destetrabalho. De acordo com Pimenta e Lima (2004, p. 116), “o período de está-
gio, ainda que transitório, é um exercício de participação, de conquista e de 
negociação do lugar do estagiário na escola”.
Na formação de professores de língua estrangeira, há um desafio in-
terno bastante significativo, pois esse profissional lida com língua e cultura 
do outro, somente aos poucos a língua em estudo vai se desestrangeirizando 
(ALMEIDA FILHO, 1993) para se tornar o meio de interação nessa nova 
língua, mostrando ao mesmo tempo as identidades do falante. Na formação 
inicial de professores de língua estrangeira, o maior desafio que nos depara-
mos é a pouca capacidade ou total incapacidade dos mesmos em se comuni-
car ou, até mesmo, pronunciar corretamente uma palavra ou frase. Esse desa-
fio interno é somado aos demais desafios comuns à formação profissional de 
qualquer professor. 
Adiante, o Relato 7 exemplifica a pouco fluência do professor em 
formação na língua estrangeira, levando-o a procurar cursos de idioma para 
suprir tal dificuldade (procurei logo um cursinho de aperfeiçoamento na lín-
gua inglesa, visualizando que as aulas de inglês oferecidas na graduação são 
poucas), pois a universidade é responsável apenas pela formação profissional, 
diferentemente da formação do usuário da língua estrangeira:
Relato 7. 2006.2
Sabendo das minhas limitações em função da língua inglesa (baixa competência 
comunicativa), procurei logo um cursinho de aperfeiçoamento na língua 
inglesa, visualizando que as aulas de inglês oferecidas na graduação são poucas 
em relação às disciplinas da língua portuguesa, ambas preparando o futuro 
professor duplamente licenciado.
Conforme exposto adiante, no Relato 8, a grandiosidade desse desafio 
é justificada pela pouca fluência no uso da língua ser associada ao perfil do 
professor de língua estrangeira (é difícil ser professor em nosso país, imagine 
ser professor de inglês). Ao perceber em tal situação, o professor em forma-
ção se vê desafiado pelos alunos (dizem que nem o professor sabe e chegam 
a questionar), ainda que também reconheçam o desconhecimento da língua 
estrangeira pelos alunos do ensino básico.
Relato 8. 2006.2
Se já é difícil ser professor em nosso país, imagine ser professor de inglês onde 
o que os alunos sabem a todo o momento é repetir que não sabem inglês e, 
em muitos casos, dizem que nem o professor sabe e chegam a questionar 
com perguntas bobas como se o professor fosse um dicionário onde ‘todas’ as 
dúvidas da língua estrangeira são esclarecidas.
202
Desafios do Estágio Supervisionado numa licenciatura dupla
203
Todos os exemplos reproduzidos neste trabalho são bastante repre-
sentativos dos desafios enfrentados no curso de licenciatura dupla. Por meio 
de um pequeno trocadilho, diríamos que, na licenciatura dupla, enfrenta-
mos desafios duplos, no estágio supervisionado. Esses desafios justificam a 
constante reflexão sobre a ação pedagógica que procuramos desencadear na 
formação inicial do professor. Talvez, a reflexão, atrelada à intervenção peda-
gógica, sejam as atividades que realmente caracterizam o estágio supervisio-
nado, pois a prática deve ser trabalhada em todas as disciplinas, assim como a 
teoria acadêmica. Conforme Pimenta e Lima:
“o estágio, ao contrário do que se propugnava, não é a atividade práti-
ca, mas teórica, instrumetalizadora da práxis docente, entendida esta 
como atividade de transformação da realidade. Nesse sentido,o está-
gio curricular é atividade teórica de conhecimento, fundamentação, 
diálogo e intervenção na realidade, esta, sim, objeto da práxis. Ou 
seja, é no contexto da sala de aula, da escola, dos sistema de ensino e 
da sociedade que práxis se dá” (2004, p. 45).
Considerações finais
Na troca de saberes entre a universidade e a escola, almejamos não 
mais atitudes ou ações tradicionais, na qual o formador possui um papel ex-
clusivo de observador; o estagiário como aplicador de métodos e cumpridor 
de atividades dentro do que lhe é solicitado; a escola como mero local de 
aplicação desses métodos e planejamentos; e o professor colaborador apenas 
como o responsável por ceder aulas para realização do estágio, ficando assim, 
muitas vezes, à margem da produção de novos saberes. 
Na prática de estágio supervisionado, esperamos uma ação reflexiva, 
crítica e colaborativa entre todos os proponentes, ou seja, o formador tam-
bém passa a participar mais diretamente das aulas, conhecendo melhor a re-
alidade e necessidades da escola. Os professores colaboradores contribuem 
para a construção de novas práticas pedagógicas e teorias na área de formação 
de professores. E, por meio de pesquisas interventivas, os estagiários se cons-
cientizam das abordagens e crenças por eles assumidas, resultando, portanto, 
em ganhos mais signitificativos para a formação docente nas instituições de 
ensino envolvidas: universidade e escola.
Finalmente, destacamos aqui a necessidade da prática interdisciplinar 
não apenas no trabalho pedagógico da educação básica, mas, até mesmo, no 
ensino superior. Nos estágios supervisionados de Língua Portuguesa e Língua 
Inglesa focalizados neste trabalho, por exemplo, há conteúdos disciplinares 
que são comuns às duas disciplinas, mas não são trabalhados conjuntamen-
te. Assim como necessários no ensino básico, na universidade, precisamos 
aprender a driblar os desafios e desenvolver trabalhos em parceria com profis-
sionais responsáveis por outras disciplinas componentes curriculares, pois o 
conhecimento se configura como uma grade rede, tecida pela junção de fios 
que ligam diferentes pontos – saberes, perspectivas, vieses, abordagens. Este 
texto revela a existência do ensino compartimentado ou fragmentado entre 
as disciplinas de estágio supervisionado, pois admitimos que, em momento 
algum, discutimos aqui trabalhos coletivos entre as disciplinas de investiga-
ção da prática e estágio supervisionado, componentes da licenciatura dupla 
focalizada. Ansiamos que a oportunidade da redação dupla deste texto sig-
nifique o início de um trabalho pedagógico mais estreito. De imediato, o 
despertar para essa necessidade evidencia o mérito deste trabalho.
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206
Desafios do Estágio Supervisionado numa licenciatura dupla
207
Anexos
Anexo (1) 
Música Sertaneja
Vida Boa
Victor e Leo
Composição: Victor Chaves 
Moro num lugar
Numa casinha inocente do sertão
De fogo baixo aceso no fogão 
Fogão à lenha ai ai 
Tenho tudo aqui 
Umas vaquinha leiteira, um burro bão 
Uma baixada ribeira, um violão 
E umas galinha ai ai
Tenho no quintal uns pé de fruta e de flor 
E no meu peito por amor 
Plantei alguém / Plantei alguém
Refrão
Que vida boa ô ô ô
Que vida boa
Sapo caiu na lagoa 
Sou eu no caminho do meu sertão
Vez e outra vou
Na venda do vilarejo pra comprar
Sal grosso, cravo e outras coisa que fartá, 
Marvada pinga ai ai
Pego o meu burrão
Faço na estrada a poeira levantar
Qualquer tristeza que for não vai passar 
do mata-burro ai ai
Galopando vou
Depois da curva tem alguém
Que chamo sempre de meu bem 
A me esperar / A me esperar
Fonte: http://letras.terra.com.br/victor-leo/797049/ (acesso em 03/05/2010)
Anexo (2) Anexo (3)
Publicidade Modelo de Publicidade Escolar
208
Desafios do Estágio Supervisionado numa licenciatura dupla
209
ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM LETRAS:
TEORIA E PRÁTICA
NOS DOCUMENTOS DE ESTÁGIO
 
 Adair Vieira Gonçalves
 Alexandra Santos Pinheiro
“O pedagogismo é acreditar em soluções pedagógicas desvinculando-
as do seu caráter sócio-histórico mais amplo” (ORLANDI, 2006). 
Introdução 
Este artigo pretende discutir, a partir do Interacionismo Sociodiscur-
sivo (BRONCKART, 2003), a formação inicial de professores a partir de 
dois gêneros textuais, um deles, o Regulamento de estágio, que são as normas 
que regem a prática de estágio da Universidade Federal da Grande Dourados, 
doravante UFGD, nas duas habilitações do curso de Letras da FACALE 
- Faculdade de Artes e Letras da UFGD: Literatura e Inglês, como língua 
estrangeira. O segundo gênero, projeto de intervenção, é comumente soli-
citado para professores em formação inicial como requisito parcial para a 
conclusão da disciplina de Estágio Supervisionado e, em decorrência, para a 
efetiva conclusão de curso. 
Nos projetos de intervenção elaborados pelos acadêmicos, nós, pro-
fessores orientadores de Estágio Supervisionado de Língua Portuguesa e Li-
teratura, priorizamos um trabalho que envolva ensino, pesquisa e estensão. 
As orientações em sala de aula, a investigação do funcionamento da institui-
ção escolar, resultam na elaboração dos projetos de intervenção. No processo 
de elaboração dos Projetos de Intervenção, os acadêmicos são orientados a 
210
Estágio Supervisionado em letras: teoria e prática nos documentos de estágio
211
pensar a partir da concepção teórica dos gêneros textuais, que, para Bakhtin 
(2000, p. 279), é “um enunciado de natureza histórica, sociointeracional, ide-
ológica e linguística”. E acrescenta (idem): “a utilização da língua efetua-se em 
forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos 
integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana”.
conteúdo temático, o estilo e a construção composicional “fundem-se 
indissoluvelmente no todo39do enunciado, e todos são marcados pela especi-
ficidade de uma esfera de comunicação”. Bakhtin (1997), a respeito dos gê-
neros, afirma que em cada época e em cada grupo social há um repertório de 
discursos na comunicação socioideológica. Desse modo, os gêneros aqui em 
análise Regulamento de Estágio e Projetos de Intervenção pertencem à esfera 
acadêmica e servem a fins distintos: conduzir as atividades das disciplinas 
de estágio e interferir, por meio de um projeto, numa realidade X, a fim de 
propor-lhe melhorias. Analisar esses gêneros implica refletirsobre o curso em 
que atuamos, na perspectiva de avaliar o processo de formação dos estudantes 
e de buscar alternativas para os desafios que a formação impõe. 
1. Estágio Supervisionado:
aspectos teórico-metodológicos
O Campus de Dourados (CPDO) – criado pela Lei N.º11.153, de 
29/7/2005, tornou-se a Universidade Federal da Grande Dourados, por des-
membramento da UFMS, tendo sua implantação definitiva em 6/1/2006. 
Independente da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul há apenas cin-
co anos, suas faculdades encontram-se em processo de reformulação da grade 
curricular. A faculdade de Letras recentemente aprovou o novo regulamento 
de estágio. Entre seus objetivos, pretende (2009, p.2)
39 Destaque do autor
I – integrar o estudante e futuro profissional à realidade educacional 
vigente na região e no país;
II – enriquecer a formação acadêmica do aluno e promover a inte-
gração das várias disciplinas cursadas, permitindo que esse conjunto 
resulte na formação de um profissional crítico e comprometido com 
a formação escolar;
III – despertar no estagiário, por meio da supervisão docente e da 
orientação pedagógica, novas habilidades e aptidões para o exercício 
pleno da profissão;
IV – possibilitar a formação de um banco de dados que ofereça subsí-
dios à Universidade para a revisão dos currículos, atualização de me-
todologias de ensino;
V – servir de instrumento que estimule o intercâmbio da UFGD com 
outras instituições e com a comunidade em geral.
Diante do exposto, o trabalho do professor de estágio em Língua Por-
tuguesa e de Literatura concentra-se em orientar os acadêmicos na elabo-
ração de projetos de Ensino e Pesquisa e na reflexão sobre as observações e 
regências realizadas nas instituições escolares de Ensino Fundamental e Mé-
dio. Acreditamos ser o estágio o responsável por apresentar ao graduando a 
realidade escolar e por incutir-lhe o sentimento de que os conhecimentos ad-
quiridos ao longo da graduação não são suficientes para o exercício docente, 
mostrando-lhe, assim, a necessidade de constante pesquisa.
Selma Pimenta (2006) constata um fato que, muitas vezes, pode ser 
percebido nos cursos de licenciatura do ensino superior. Conforme a auto-
ra, os estagiários ficam confusos durante a regência porque percebem que os 
conteúdos aprendidos duranteo curso não condizem com a realidade da sala 
de aula do Ensino Fundamental. Se pensarmos no curso de licenciatura em 
Letras, quantos graduados, diante de sua primeira experiência profissional, 
sentem-se perdidos diante dos conteúdos a serem ministrados? A carga ho-
rária destinada ao estudo da linguística não lhes dá subsídios para trabalhar 
com alunos que, muitas vezes, chegam ao final do Ensino Fundamental, ou 
mesmo do Ensino Médio, sem as capacidades necessárias para estruturar um 
212
Estágio Supervisionado em letras: teoria e prática nos documentos de estágio
213
texto escrito com o mínimo de coerência e coesão. E o que dizer das aulas de 
Teoria Literária? Como ler com os educandos do Ensino Médio as obras de 
Machado de Assis, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto? Cânones 
que, no discurso dos professores de teoria literária, pareciam tão inteligíveis, 
mas que para a maioria dos “leitores” são incompreensíveis.
O Estágio Supervisionado precisaria possibilitar essa reflexão. Deveria 
representar o momento em que o acadêmico pensaria o curso de Letras, o co-
nhecimento adquirido e as limitações dele (graduando) e de seu curso diante 
da realidade que o espera do lado de fora da Universidade. Nesse sentido, o 
Estágio deveria oferecer ao futuro licenciado a oportunidade de compreen-
der que o conteúdo teórico do curso seria tão importante quanto pensar a 
melhor metodologia para transmitir aos seus futuros alunos, em quaisquer 
níveis. 
Retomando os principais documentos que nortearam a questão do 
Estágio no Brasil. Cronologicamente temos:
a) Em 1931, por meio do decreto 19.852/31, há a criação da Faculda-
de de Educação, Ciências e Letras, responsável pela formação inicial 
dos professores. Este decreto entra em vigor em 1939;
b) Em 1939, criação da Universidade do Brasil, responsável pela pre-
paração dos candidatos ao magistério secundário e normal;
c) Promulgação da LDB (Lei n° 4.024, de 20/12/1961). Garantia da 
flexibilidade curricular para os estados;
d) Após 64, com a ditadura militar, vivemos uma época tecnicista. 
O importante é, nos termos de Bueno (2007), modernizar a prática 
docente para torná-la operacional com vistas à preparação para o tra-
balho;
e) Com a publicação da Constituição de 1988, retoma-se o objeto 
“formação docente”;
Com a LDB/96, ficam determinadas 400 horas para a disciplina de 
Estágio Supervisionado, ratificado pelo Parecer 21/2001. 
Concluindo a trajetória cronológica, a lei nº 11.788 de 25 de setembro 
de 2008 define o estágio como uma vivência educativa escolar supervisionada 
cuja prática deve ocorrer no ambiente de trabalho e promover a integração 
do estudante às escolas campos de estágio, da comunidade e da universidade 
em consonância com o projeto pedagógico do curso. Portanto, a experiência 
de estágio supervisionado tem como objetivo principal: 
formar profissionais críticos, resilientes e protagonistas para atuar no 
Ensino Fundamental e Médio. Igualmente, estes futuros profissionais 
devem ser capazes de intervir na sociedade de forma transformadora, 
compromissada e ética, com responsabilidade social e educacional” 
(REGULAMENTO DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO DA 
FACALE, p.1, 2009). 
Em nossa instituição, além da lei federal que parametriza os estágios 
em nível federal nº. 11.788/2008 de 25/09/2008, temos a Resolução nº. 118 
- CEPEC, de 13/09/2007. Delineadas as leis que nortearam/norteiam o es-
tágio no Brasil, ficam as questões: como ele deve ser feito? Como fazer e para 
quê? Pensando nas questões metodológicas, na UFGD, como na maioria das 
licenciaturas, a disciplina de Estágio Supervisionado é ministrada nos dois 
últimos anos do curso. No 3° ano, faz-se o estágio de observação e no 4° ano o 
estágio de regência, ambos no Ensino Fundamental e Médio. Em geral, para 
o cumprimento das atividades e obtenção de uma média final satisfatória, o 
estudante precisa: 
a) assistir a uma quantidade X de aulas em escolas do Ensino Funda-
mental e Médio40;
40 Pela norma que regulamenta o estágio supervisionado, a COES- Comissão de 
Estágio- acordou nos seguintes termos a carga horária para o estágio: Língua Por-
tuguesa – 20 horas no Ensino Fundamental e 20 horas no Ensino Médio. Língua 
Inglesa – 20 horas no Ensino Fundamental ou no Ensino Médio e/ou em escolas de 
idiomas. Literatura – 20 horas no Ensino Fundamental e/ou no Ensino Médio.
214
Estágio Supervisionado em letras: teoria e prática nos documentos de estágio
215
b) escolher um tema a ser aprofundado teórico-metodologicamente 
numa sala de aula do ensino básico;
c) construir planos de aula para a regência das aulas;
e) escrever projeto de intervenção41, na UFGD/FACALE, no pe-
núltimo semestre do curso, abordando um determinado problema 
específico da área de Letras: análise linguística, leitura, compreensão, 
produção de textos e ensino da Literatura42. Neste projeto de inter-
venção, os graduandos devem, apoiando-se nas teorias linguísticas e 
literárias estudadas durante o curso, escrever o referido projeto com 
metodologia, referencial teórico, justificativa, objetivos, etc. 
e) ministrar aulas no Ensino Fundamental e Médio, tendo antes pro-
duzido seus planos de aula;
f ) participar de seminários e discussões durante o ano letivo, para le-
vantamento de problemas observados em sala de aula e suas possíveis 
intervenções;
g) finalmente, como solicitado no Regulamento de estágio da UFGD, 
deve entregar relatório de estágio que, em síntese, vai mostrar o per-
curso do estudante em todas as atividades elencadas de a - f.
As disciplinas de estágio preveem, por exemplo, para o Estágio Su-
pervisionado em Língua Portuguesa I, a observação e regência no Ensino 
Fundamental do 6º ao 9º ano, e para a disciplina Estágio Supervisionado em 
Língua Portuguesa II, a observação e a regência no Ensino Médio. Em ambos 
41 O referido projeto, como ficou acordado entre as turmas e os docentes orientadores de 
estágio, deviam guardar a maior semelhança possível com um projeto de pesquisa. Nosso 
objetivo era/é o de evitar a mesmice nos relatórios, o copiar/colar. Destacamos que, para 
realidades distintas, há necessidade de projetos de intervenção também distintos. 
42 Como temos duas habilitações, é necessário destacar que temos duas disciplinas no 
4° ano letivo: Estágio Supervisionado de Língua Portuguesa, na habilitação PORTU-
GUÊS/INGLÊS e estágio supervisionado em Literatura de Língua Portuguesa. O pre-
sente artigo é de autoria dos professores responsáveis pelas disciplinas supracitadas.
os níveis de ensino, são sugeridos como conteúdo programático os itens: a) 
concepção de letramento e as implicações para a prática de ensino de Língua 
Portuguesa; b) gêneros do discurso/de texto: abordagem sócio-histórica de 
Bakhtin e a vertente interacionista sociodiscursiva de caráter psicolinguístico 
e a atenção voltada para língua materna; c) prática de uso de tecnologias na 
educação; d) discussão sobre os PCN de Língua Portuguesa para o ensino; e) 
elaboração de um projeto de pesquisa para o Estágio Supervisionado; f ) exe-
cução do projeto em planos de aula; g) Estágio Supervisionado: orientação e 
regência de aula; h) Normas e legislação.
Para a disciplina Estágio Supervisionado em Literatura, nas reformu-
lações já feitas no projeto político pedagógico, como ementa, temos:
a) reflexões teórico-metodológicas acerca do Estágio Supervisionado 
e do ensino de Literatura nos últimos anos do Ensino Fundamental, visando 
à formação do profissional de Letras;
b) Usos de tecnologia na educação;
c) Normas e legislação.
2. O documento regulador do estágio na UFGD/FACALE
Para a efetiva análise dos documentos Regulamento de estágio super-
visionado e projeto de intervenção, vamos utilizar a metodologia para análise 
de textos, tal como abaixo transcrita. 
Figura 1: capacidades de linguagem 
216
Estágio Supervisionado em letras: teoria e prática nos documentos de estágio
217
Nesta seção, faremos uma discussão, como antecipadamente fora pre-
visto, do Regulamento de EstágioSupervisionado para a FACALE/UFGD. 
Tal objeto aqui se justifica na medida em que ele é o documento que norteia 
todas as ações posteriores: produção de projeto de intervenção, produção de 
planos de aula, observação e regência, etc. 
É senso comum que as prescrições acompanham o trabalho docente. 
Dentre algumas prescrições podemos citar: LDB (Lei de Diretrizes e Bases), 
PCN, PCNEM, OCEM, além das diretrizes dos diretores e coordenadores 
da escola. Bueno (2007) constatou que, muitas vezes, as prescrições são vagas, 
não explicitando com exatidão o que os docentes devem fazer/como devem 
fazer, etc. Para a autora, as prescrições são tão vagas que obrigam os docentes 
a redefinirem para si próprios as ações a serem feitas a fim de construir tais 
tarefas e, desse modo, prescrever as ações aos alunos. Assim, neste momento, 
colocamos em foco outro documento prescritivo, daqui para frente Regula-
mento de Estágio Supervisionado.
O documento em análise apresenta, em alguns trechos, a formulação 
linguística de uma prescrição do agir do estagiário em Letras: 
 I – conhecer e cumprir o regulamento de Estágio; II – participar da 
elaboração do Programa de Estágio; III – cumprir o Programa de Es-
tágio e respeitar suas normas de funcionamento e datas estabelecidas 
pelo supervisor; IV – manter sigilo sobre as atividades e informações a 
que tiver acesso em razão de suas atividades no Estágio (p. 10-11). 
O lugar de produção do documento foram as dependências da insti-
tuição, nos anos de 2008/2009. Os emissores/enunciadores43 são os profes-
43 Para o delineamento das capacidades de ação, em se tratando da dificuldade de separar, 
neste caso específico, o papel do emissor do papel do enunciador, juntamo-los, para facili-
tar/encurtar a análise. Os papeis desempenhados por ambos se entrecruzaram. 
sores responsáveis pelas disciplinas de estágio e os destinatários, o conselho 
diretor da faculdade, além dos próprios docentes responsáveis pela disciplina, 
como forma de orientar o trabalho docente. O objetivo da interação, confor-
me supracitado, é o regular as ações docentes e discentes, nas dependências 
da FACALE e fora dela.
Bueno (2007), que também analisou as normas do estágio para uma 
instituição particular da região de Campinas, afirma que o documento re-
gulamentador das ações “acaba normatizando o agir do estagiário durante 
o estágio e durante a produção do projeto de intervenção” (p.90). Constata 
sobretudo que “o projeto de intervenção produzido pelo aluno não será o 
resultado da obediência cega a uma prescrição, mas uma reação a essa pres-
crição junto a seu conhecimento de mundo, de sua formação, de sua situação 
de produção” (p.90), nos projetos de intervenção dos acadêmicos do curso 
de Letras. 
A presença do documento regulador das ações de estágio, além da ne-
cessidade de compor o Projeto Político Pedagógico do curso, parte da ava-
liação do curso realizada pelo MEC. Este documento será objeto de nossas 
reflexões na seção seguinte. 
2.1 O plano global e a arquitetura textual
do Regulamento de Estágio Supervisionado
O Regulamento de estágio supervisionado é constituído de 25 artigos, 
divididos por incisos, o que lhe confere status de lei, com estatuto jurídico. 
A infraestrutura geral do texto é constituída pelo plano geral do texto, pelos 
tipos de discurso, pelas articulações entre os tipos de discurso e pelas sequ-
ências textuais que nele aparecem44. O plano geral refere-se à organização 
44 Para aprofundamento nas questões epistemológicas, remetemos o leitor a Bronckart 
(2003). 
218
Estágio Supervisionado em letras: teoria e prática nos documentos de estágio
219
do conteúdo temático e, por isso, é visível no processo de leitura e pode ser 
condensado num resumo, que apresentamos a seguir:
Artigos Conteúdo temático
Artigos 1º e 2º Da lei que prescreve o estágio e de suas finalidades gerais
Artigos 3º e 4º
Das exigências do estágio para o ensino de Língua 
Portuguesa, Literatura e Língua Inglesa. Aborda ainda 
os locais onde podem/devem ser feitas as atividades do 
estágio. 
Artigos 4º ao 6º
Apresentação da organização dos estagiários, a carga 
horária a ser cumprida nas duas habilitações e as 
atividades que lhes competem. 
Artigos 11 a 13 Apresentação dos papéis que cabem à COES. Descreve-se também o papel do líder da COES. 
Artigos 14 a 19
Apresentam-se os objetivos do Estágio Supervisionado, 
como deve ser a assessoria do professor orientador e 
os papéis que lhe cabem, além de prescrever diretrizes 
para o estágio a distância, isto é, a ser feito na região da 
Grande Dourados. 
Artigos 20 a 23
Apresentam-se os direitos/deveres dos estagiários, além 
das formas de avaliação pelo professor orientador de 
estágio. 
Artigos 24 e 25 Dispõe sobre aspectos jurídicos do regulamento e dos casos omissos. 
Em relação às capacidades discursivas do documento, temos: trata-se 
de um discurso teórico e monologado, isto é, a produção, ainda que saibamos 
das condições de sua produção, parece ter origem num único agente. Não 
há ocorrência de dêiticos espacio-temporais. Há presença de organizadores 
lógico-discursivos, tais como os conectivos que indicam finalidade, causa ou 
apenas conectivos que fazem a ligação, por exemplo, que, por sua vez, e estes 
dividem-se em dois tipos: justaposição (coordenação) ou de encaixamento 
(subordinação). Sua tarefa é articular orações de um só período.
No documento Regulamento de Estágio Supervisionado há ainda au-
sência de frases interrogativas e exclamativas, dado seu caráter não dialogal e 
presença maciça de frases assertivas, já que o conteúdo temático mobilizado 
é acessível e conjunto ao mundo ordinário dos agentes produtores das ações 
de linguagem.
Quando um texto explicita as instâncias do agente produtor com os 
parâmetros materiais da ação de linguagem (produtor, interlocutor e sua si-
tuação no tempo e no espaço), dizemos que o texto implica os parâmetros 
com elementos dêiticos integrados ao tema e, para interpretar, na íntegra, 
essa produção empírica, é necessário ter acesso às condições de produção, 
contextualmente falando. Se, por outro lado, tal relação não é explicitada e 
“as instâncias de agentividade do texto mantêm uma relação de interdepen-
dência ou indiferença em relação aos parâmetros da ação de linguagem em 
curso” (BRONCKART, 2003, p.154). 
Em se tratando das sequências textuais, predomina a sequência argu-
mentativa, cujo objetivo principal é o de mostrar os processos da lógica, do 
pensamento, do raciocínio. A semiotização de uma sequência argumentativa 
em um texto concreto ocorre em quatro fases distintas, a saber: a existência 
de uma tese a respeito de um dado tema, junção de provas/argumentos que, 
inferencialmente, encaminharão o destinatário a uma determinada conclu-
são. Há ainda, em grande número, a sequência explicativa, que, diferente-
mente da argumentativa, tem origem na confirmação de um objeto de estudo 
incontestável. Além das formas supracitadas, ocorreu, em grande número, o 
que Bronckart (2003) denomina de “outras formas de planificação” do con-
teúdo temático. Como exemplo, trazemos o artigo 9º, em que se prescrevem 
as ações dos estagiários:
a) execução e audição de palestras;
b) frequência às aulas teóricas;
c) execução de aulas práticas em forma de minicursos e/ou oficinas;
220
Estágio Supervisionado em letras: teoria e prática nos documentos de estágio
221
d) observação e análise do ambiente escolar (aspecto físico, adminis-
trativo e dos recursos humanos);
e) produção de trabalhos escritos;
confecção e entrega, no prazo estipulado, do Relatório Final de Está-
gio.
Como estamos no mundo discursivo do expor e, quando ocorre de o 
objeto apresentar-se “neutralizado”, ele se desenvolve em um segmento tex-
tual simplesmente informativo ou expositivo. Não se apresentando de forma 
convencional, concretiza-se através de outras formas de esquematizações da 
lógica (definição, enumeração, causa-efeito, etc.). Para corroborar status de 
norma, os verbos aparecem,

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