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1 Estágio Supervisionado e Práticas Educativas: Diálogos interdisciplinares Adair Vieira Gonçalves Alexandra Santos Pinheiro Maria Eduarda Ferro (organizadores) Sumário Prefácio 05 Apresentação 09 PRIMEIRA PARTE Estágio: do labirinto aos frágeis Fios de Ariadne Roseli A. Cação Fontana 19 Por uma docência babélica: o cuidado de si na formação de professores de biologia Silvia Nogueira Chaves 33 Pressupostos Bachelardianos na sala de aula Sérgio Choiti Yamazaki & Regiani Magalhães de Oliveira Yamazaki 51 SEGUNDA PARTE Formando professores de história a partir da prática Antônio Dari Ramos & Eliazar João da Silva 79 O ensino em artes e a formação reflexiva: olhares sobre a formação docente Roberta Puccetti Polízio Bueno 101 Tecnologias e educação: reflexões a formação de professores Lucélio Ferreira Simião, Maria Eduarda Ferro & Aline Maria de Medeiros Reali 125 TERCEIRA PARTE Parcerias no desenvolvimento profissional do professor: espaços de (re)significação para o Estágio Supervisionado Vera Lúcia Lopes Cristóvão 145 5 Prefácio POR UM CAMPO DE INVESTIGAÇÃO INTERDISCIPLINAR PRÓPRIO PARA OS ESTÁGIOS SUPERVISIONADOS DAS LICENCIATURAS A produção científica brasileira vem crescendo de forma bastante significativa nos últimos anos. Acompanhando esse crescimento, temos a sa- tisfação de apresentar este livro sobre estágio supervisionado, em diferentes cursos de licenciatura. A satisfação se justifica pelo privilégio de desfrutar, em primeiríssima mão, da leitura de textos significativos para a formação inicial de professores e pela honrosa função exercida ao apresentarmos uma obra inovadora aos inúmeros leitores interessados no assunto focalizado. Ao problematizar diferentes situações de conflito e tensão, seja na prá- tica de observação ou de regência de aulas de professores em formação inicial, conforme configuração usual dos estágios nas licenciaturas, este livro se dife- rencia da literatura especializada já existente sobre o assunto. Muda-se aqui o foco das normativas sobre estágios supervisionados e das concepções dessas disciplinas originárias dos referidos documentos, conforme característico das obras produzidas sobre as disciplinas por profissionais da pedagogia, no cam- po de investigação da ciência da educação. Essas obras inquestionavelmente possuem o próprio mérito. Este livro reúne a produção científica de profissionais inseridos em di- ferentes campos de estudo que perpassam os cursos de licenciatura. São resul- tados da experiência profissional de docentes responsáveis por disciplinas de estágio nas licenciaturas em artes, biologia, física, geografia, história, língua Estágio Supervisionado - diálogos possíveis entre a instância formadora e a escola Maria Ângela Paulino Teixeira Lopes 159 Desafios do Estágio Supervisionado numa licenciatura dupla: flagrando demandas e conflitos Wagner Rodrigues Silva & Selma Maria Abdalla Dias Barbosa 181 Estágio Supervisionado em letras: teoria e prática nos documentos de estágio Adair Vieira Gonçalves & Alexandra Santos Pinheiro 209 Estágio supervisionado na gestão e na docência em pedagogia: inquietações e mudanças ao compasso da legislação e da sensibilidade Maria Alice de Miranda Aranda & Maria José de Oliveira Nascimento 231 O estágio supervisionado na formação do professor em geografia Flaviana Gasparotti Nunes & Sedeval Nardoque 257 O estágio supervisionado em prática de ensino de ciências e biologia: (des)construção de imagens do ser professor? Lenice Heloísa de Arruda Silva, Roque Ismael da Costa Güillich & Fernando César Ferreira 277 A formação pela pesquisa: o estágio como espaço de construção dos saberes Nyuara Araújo da Silva Mesquita & Márlon Herbert Flora Barbosa Soares 293 Reflexões e percepções sobre a prática docente dos professores de química do ensino médio da região de Dourados Antonio Rogério Fiorucci, Claudia Andréa Lima Cardoso & Edemar Benedetti Filho 309 6 7 estrangeira, língua portuguesa, pedagogia e química. Assumindo o risco de compor um grande mosaico disforme, os organizadores deste volume foram felizes ao apresentar um significativo panorama das demandas emergentes na formação inicial do professores em diferentes licenciaturas. A organização desses textos de origem diversa permite-nos depreen- der demandas convergentes na formação inicial de professores em diferentes licenciaturas. A antiga demanda pela articulação entre abordagens teóricas e práticas profissionais permanece, o que é um reflexo do diálogo ainda pouco estreito entre a escola de educação básica e as instituições de ensino superior. A formação de professores críticos, capazes de refletir sobre a própria atuação profissional, está condicionada à referida articulação. A teoria de referência precisa orientar as atividades didáticas em contextos de instrução. Outras demandas para os cursos de licenciatura, dentre as diversas fo- calizadas, correspondem à formação de professores capazes de orientar ativi- dades didáticas de leitura e escrita, bem como de utilizar novas tecnologias da informação e comunicação como instrumentos de mediação na aprendiza- gem do aluno da educação básica. Este livro mostra ainda que, muitas vezes, nem mesmo os professores em formação inicial demonstram familiaridade com as práticas de leitura e escrita, o que nos revela a necessidade de as licen- ciaturas se responsabilizarem também pela formação de profissionais capazes de trabalharem com as referidas práticas de linguagem, não se restringindo às Licenciaturas em Letras, conforme normalmente é proposto. A partir dos breves comentários aqui apresentados sobre as demandas na formação inicial de professores, deixamos para o leitor o seguinte ques- tionamento a ser respondido com maior segurança a partir do significativo passeio ao longo das páginas deste livro: seriam as disciplinas de estágio su- pervisionado exclusivamente responsáveis por essa situação desestabilizadora na formação profissional do professor? Conforme é do nosso conhecimento, esse questionamento se justifica por essas disciplinas frequentemente serem caracterizadas como um espaço de conflito e de tensão, na formação inicial de professores. No exercício da docência do ensino superior, em disciplinas de estágio supervisionado, surpreendemo-nos ironicamente com a pouca familiaridade dos professores em formação inicial com as salas de aula da educação básica. Ao ingressarem nas licenciaturas, esses professores em formação parecem ig- norar os inúmeros anos de frequência à escola. Surpresa maior, justificando aí a referida ironia, é a prática de ensino ser desconsiderada nas disciplinas de fundamento, as denominadas disciplinas teóricas, e, até mesmo, nas discipli- nas pedagógicas, em cursos de licenciatura. Portanto, parece improcedente atribuir os insignificantes resultados, na formação inicial de professores, ao trabalho pedagógico desenvolvido nos estágios supervisionados. Conforme esclarecido nas páginas deste livro, os estágios supervisio- nados demandam articulação entre teorias acadêmicas e práticas pedagógicas. O campo de estágio inviabiliza que essa articulação continue sendo protela- da, conforme é comum acontecer ao longo das licenciaturas. Nos estágios, impreterivelmente, é chegado o momento de articulação entre diferentes saberes docentes, responsáveis pela orientação da ação profissional. A mobili- zação de saberes acadêmicos em resposta às demandas da prática pedagógica produz os saberes da experiência, principais orientadores da ação realizada pelos professores em serviço. A abordagem interdisciplinar que informa este livro é resultado da mobilização de saberes de diferentes áreas pelos autores dos capítulos reuni- dos, em especial originários do vasto campo de estudos da ciência da educa- ção. É expressivo aqui o número de textos produzidos em co-autoria, o que é sintomático da prática cooperativa de construção do conhecimento cientí- fico, numa abordagem teórico-metodológica descomprometida coma frag- mentação dos saberes ou disciplinarização. Enquanto leitores desta obra, somos convidados a participar dos di- álogos interdisciplinares instaurados no interior de cada capítulo, como re- sultado da mobilização de saberes específicos de cada licenciatura e de outras disciplinas de referência, como educação, filosofia, linguística e sociologia, 8 9 todas com diversas abordagens teórico-metodológicas que lhes são inerentes. O diálogo é enriquecido ainda mais quando temos a oportunidade de estabe- lecer comparações entre as questões de ensino tematizadas nos diferentes ca- pítulos. Nesse momento, conforme destacamos anteriormente, percebemos a convergência das inúmeras demandas na formação inicial de professores. Não querendo nos alongar nesta apresentação, caso contrário, arris- camo-nos ainda mais em interferir excessivamente nas leituras que serão rea- lizadas deste livro. Apenas acrescentamos que inúmeros foram os questiona- mentos provocados a partir da leitura desta obra. Foram provocações sobre o trabalho de formação de professores e os desdobramentos emergentes para a educação básica. Excitar a formulação de questões parece-nos bastante pro- dutivo, pois significa que o conhecimento está em constante deslocamento ou construção. Os questionamentos nos sobrevieram juntamente com algumas res- postas, das quais, para finalizar a apresentação deste livro, destacamos o for- talecimento da nossa desconfiança de que as pesquisas científicas sobre os es- tágios supervisionados das licenciaturas estariam provocando o surgimento de um campo de investigação interdisciplinar próprio desses estágios. Nesse sentido, finalizamos nossas considerações aqui com uma pergunta que nos acompanha há algum tempo, a qual é uma paráfrase do título atribuído à apresentação deste livro: as pesquisas científicas sobre estágios supervisiona- dos das licenciaturas estariam se configurando como um campo próprio de investigações interdisciplinares? Acreditamos que a leitura deste livro permi- tirá aos inúmeros leitores nos auxiliar na tentativa de encontrar alguma res- posta para a pergunta apresentada, caso já estejamos num momento propício para essa empreitada. Wagner Rodrigues Silva (UFT/CNPq) Universidade Federal do Tocantins, Campus Universitário de Araguaína, 27 de junho de 2010. Apresentação O livro que ora apresentamos à comunidade escolar e científica é re- sultado da preparação do I Seminário Nacional de Estágio Supervisionado: diálogos entre licenciaturas e II Fórum de Licenciaturas da UEMS, em se- tembro de 2009. Os textos reunidos aqui resultam de pesquisas de docentes da Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD, da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS, além de trabalhos dos docentes convidados do evento. Correndo o risco de sermos redutores e de fazermos um mosaico dis- forme, o livro apresenta uma unidade dentro da variedade: o Estágio Supervi- sionado e as práticas de ensino, nas mais distintas licenciaturas. Assim, temos discussões acerca do Estágio como preparação profissional do estudante e a consequente relação deste com o professor que o recebe nas escolas de En- sino Fundamental e Médio; discussões acerca das associações entre a insti- tuição formadora e escolas, destacando a necessidade de uma parceria forte no trabalho educacional, seja por meio dos NAPs – Núcleo de Assessoria Pedagógica para o Ensino de Línguas, seja por meio dos Centros de Recursos para o ensino/aprendizagem de língua Inglesa (CREALI), seja por meio da formação continuada e/ou projetos de extensão. Outros capítulos discutem o estágio (de observação, de semirregên- cia e de regência) como atividade que permite o contato com a realidade e favorece a reflexão teórica. Outros ainda discutem as práticas de ensino e a formação docente e as prescrições de documentos de estágio, incidindo na formação docente. Trouxemos a experiência da pesquisadora Ivani Fazenda (1991) na licenciatura em Pedagogia, para o debate sobre o Estágio. A partir do rela- 10 11 to de uma pesquisa-ação, a autora mostra possíveis alternativas para superar os desafios dos estágios supervisionados nos cursos de licenciatura. Fazenda caracteriza a trajetória escolar dos acadêmicos de licenciatura como “estados de hibernação”, porque poucas vezes é-lhes possibilitado refletir sobre o con- teúdo. Em geral, apenas copiam fragmentos quando uma pesquisa, ao longo dos ensinos Fundamental e Médio, é-lhes recomendada. A denominação adotada por Ivani Fazenda (1991) levou-nos a inves- tigar a concepção de pesquisa para Pedro Demo (1999), autor chave para a reflexão teórico-metodológica da pesquisa. De acordo com Demo, o pro- fessor dos ensinos Fundamental e Médio não se coloca como pesquisador porque, na universidade, foi “domesticado” (palavra do autor) a imitar. Para deixar de ser um reles ensinador (novamente adotamos a terminologia do autor), o professor necessitaria repensar sua atitude e aprender a ser pesqui- sador. Ao tratar da prática do educador, Demo (1999) recomenda que ela (a prática) esteja pautada na teoria e que esta, por sua vez, seja confrontada com a realidade histórica. Acreditamos que às disciplinas de Práticas de Ensino e Estágio Super- visionado (e aos supervisores) são delegadas a função de formar professores com conhecimento teórico para atuar no ensino, adotando uma prática coe- rente com o referencial teórico e com a realidade social, econômica e históri- ca do grupo que pretende formar. É interessante tratar, também, da importância do professor-orienta- dor de estágio. Segundo Bueno (2007, p.6), o papel do orientador de estágio deve ser o de “abrir caminhos para que os alunos se exponham, coloquem-se como professores para ajudá-los a compreender a dinâmica do trabalho que escolheu seguir, as visões construídas sobre os docentes pela sociedade e por nós mesmos, professores ou futuros professores”. Nós acrescentaríamos às re- flexões da autora, que o papel do orientador de estágio é, também nas etapas finais da graduação, de quaisquer licenciaturas, o de fazer imbricar aspectos trabalhados nas disciplinas (equivocadamente) concebidas como puramen- te teóricas nas disciplinas de Práticas de Ensino e Estágio Supervisionado, tidas (também equivocadamente) como disciplinas exclusivamente práticas dos cursos de formação de professores. Nosso papel é o de fazer emergir a teoria na prática e esta naquela. É preciso haver um retorno aos documentos oficiais, PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais), PCNEM (Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio), OCEM (Orientações Cur- riculares para o Ensino Médio), entre outros, para verificação de como são prescritas as atividades para os futuros docentes e as ações que eles verão/ analisarão em sala de aula, na observação e na regência. Da organização do volume: A primeira parte de obra é composta por três capítulos cuja ênfase recai no questionamento de modelos e concepções arraigadas sobre o fazer-se professor com vistas a propor o estágio como oportunidade singular de cons- tituição e autopercepção do sujeito docente. No capítulo de abertura Roseli Cação Fontana traz as reflexões sobre o processo de inserção do estagiário na escola, assumindo a chegada ao campo de estágio como um momento deli- cado e decisivo na constituição da profissionalidade docente. O estágio nos é apresentado pela autora como instância formadora recíproca e intersubje- tiva, momento singular de múltiplas aprendizagens: aprende-se com o outro (estagiário, formador, professor em formação) e também aprende-se muito sobre si mesmo. Na mesma direção, Silvia Nogueira Chaves compartilha com os leitores inquietações oriundas de sua vivência como formadora de profes- sores e a experiência do recurso à produção autobiográfica como dispositivo pedagógico. Convida-os a refletir sobre o desafio da formação docente para além da racionalidade científica. Sérgio Choiti Yamazaki e Regiani Magalhães de Oliveira Yamazaki também questioname criticam modelos cristalizados de formação docente, no capítulo que apresentam os princípios da epistemo- logia bachelardiana, que aproxima emoção e cognição, afeto e aprendizagem, 12 13 para ressaltar os (frequentemente ignorados) aspectos subjetivos envoltos no processo de produção do conhecimento. A segunda parte da obra reúne três capítulos de áreas distintas (His- tória, Artes e Tecnologias), que se singularizam ao discutir e problematizar questões afetas às práticas educativas na formação docente. Antonio Dari Ramos e Eliazar João da Silva relatam o papel que a prática desempenha na formação docente na área de História. Apontam a necessidade de inseri-la nos cursos de formação de professores, chegando aos desdobramentos da le- gislação atual e desembocando nos desafios impostos ao curso de História para sua adequação à legislação vigente. Roberta Pucetti ressalta a relevância das licenciaturas e da formação continuada como fundamento para profissio- nalização docente, ancorada na unidade entre teoria e prática e na reflexão das metodologias ativas de aprendizagem, pressupostos para a consolidação da Arte como conhecimento e na sua valorização para a formação integral do cidadão. Preocupados com formas originais de ensinar e de aprender, de acesso à informação e de experimentação do conhecimento, Lucélio Ferreira Simião, Maria Eduarda Ferro e Aline Maria de Medeiros Reali discutem a importância das diferentes licenciaturas contemplarem o desenvolvimento de competências para o emprego significativo das Novas Tecnologias de In- formação e Comunicação (NTICs) no exercício da docência. Nove capítulos compõem a terceira e última parte do volume. Nela são apresentadas e discutidas experiências de estágio supervisionado em diferentes cursos de licenciatura. Vera Lúcia Lopes Cristóvão analisa as ex- periências de desenvolvimento profissional colaborativo entre os professo- res da rede estadual de ensino, os professores universitários das disciplinas de prática de ensino de inglês e alunos-professores. Apresenta alguns desses espaços de ações coletivas e individuais voltados para o aprimoramento do trabalho educacional e a instalação de comunidades de prática (científicas e de trabalho) por meio de atuação em projetos de extensão. Maria Ângela Teixeira Paulino Lopes examina as práticas discursivas envolvidas no âmbito da disciplina Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa e Tópicos sobre Educação, em um curso de Letras de uma universidade privada. A autora pro- cura refletir sobre as representações de estagiários e de professores de língua materna (Educação Básica) acerca do próprio agir e do lugar que esse profis- sional do ensino ocupa na sociedade. Por meio da metodologia de análise documental, Wagner Rodrigues Silva e Selma Maria Abdalla Dias Barbosa investigam desafios internos e externos à prática pedagógica do estágio supervisionado numa licenciatura dupla em Letras, que por tal singularidade gera demandas diferenciadas na formação inicial do professor. A prática de ensino interdisciplinar é apresen- tada como alternativa pedagógica para minimizar os desafios instaurados, normalmente provocados pelo trabalho docente isolado ou disciplinar e com pouca articulação entre aspectos teóricos e práticos. Adair Vieira Gonçalves e Alexandra Santos Pinheiro discutem, a partir do Interacionismo Sociodis- cursivo (ISD) (BRONCKART, 2003), a formação inicial de professores. O capítulo analisa o Regulamento de estágio e o projeto de intervenção, comu- mente solicitado a professores em formação inicial como requisito parcial para a conclusão da disciplina Estágio Supervisionado e, em decorrência, para a efetiva conclusão de curso. O capítulo de Maria Alice de Miranda Aranda e Maria José de Oli- veira Nascimento discute o Estágio Supervisionado do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação/UFGD à luz das prescrições legais, de orienta- ções teóricas e de reflexões acerca das práticas que movimentam o processo educacional no limiar do século XXI. As autoras propõem a reflexão sobre o tema com vistas a caminhar em direção à educação almejada, começando por transformar as mudanças em ações concretas, ainda que pareçam peque- nas. Flaviana Gasparotti Nunes e Sedeval Nardoque abordam questões rela- cionadas ao estágio supervisionado em Geografia, levando em consideração tendências encontradas nos cursos de licenciatura. Propõem a construção de uma perspectiva de estágio que faça o diálogo entre a prática e a teoria. 14 15 Lenice Heloisa de Arruda Silva, Roque Ismael da Costa Güllich e Fer- nando Cesar Ferreira abordam o papel da etapa de observação no Estágio Supervisionado em Prática de Ensino de Ciências e Biologia. Apresentam os limites dessa etapa na constituição docente dos licenciandos, ao centrar seu foco somente na figura do professor da escola, desconsiderando as condições sociais que permeiam a prática educativa. Nyuara Araújo da Silva Mesquita e Márlon Herbert Flora Barbosa Soares defendem a necessidade de superar a visão simplista do estágio como cumprimento das horas formais exigidas pela legislação. Relatam a experiência dessa superação pela inserção da pes- quisa na formação inicial utilizando o momento do estágio supervisionado. Por fim, Antonio Rogério Fiorucci, Claudia Andréa Lima Cardoso e Edemar Benedetti Filho discorrem sobre o ensino de Química no Ensino Médio nas escolas da região de Dourados, mostrando as dificuldades enfrentadas pelos professores, além de apontar para uma questão pertinente: a importância de se repensar a formação inicial desses profissionais. Os organizadores AGRADECIMENTOS Agradecemos a todos os autores - colaboradores desta obra que, em tempo recorde se dispuseram (re) escrever seus textos. Momento singular para a troca de experiências. Agradecemos a Layla Cristina Iapechino Souto, bolsista de Iniciação Científica do CNPq 2010/2011 pela revisão técnica. Agradecemos ao LALIC- Laboratório das Licenciaturas da UEMS, pelo fi- nanciamento integral dessa publicação com recurso proveniente do Edital MEC/CAPES Nº 002/2008 – Programa de Consolidação das Licenciaturas – PRODOCÊNCIA. 16 17 Primeira Parte 18 19 ESTÁGIO - DO LABIRINTO AOS FRÁGEIS FIOS DE ARIADNE Roseli A. Cação Fontana Introdução – explicitando um ponto de vista nas considerações sobre o estágio curricular. O estágio, como parte significativa da preparação profissional do estu- dante, é uma atividade em que o aprendizado do processo de trabalho desen- volve-se em duas condições de produção distintas e articuladas: a atividade da educação formal e a vivência de situações de trabalho. No caso da formação do professor, a educação formal ancora-se no ensino dos sistemas explicativos das ciências, da filosofia, da jurisprudência e das técnicas relativas à docência, apresentados na forma de saberes disciplina- res sistematizados. A vivência de situações de trabalho, por sua vez, implica a inserção do estudante na dinâmica da escola e o exercício do papel de pro- fessor. Nesta instância de aprendizado, o estudante apreende conhecimen- tos que se elaboram, segundo Schwartz (2000), em estudos desenvolvidos sobre o trabalho como atividade humana, na negociação entre dois polos de exigências: o das normas antecedentes, que enquadram o trabalho docente como “trabalho prescrito”, e o da reconfiguração dessas normas na particula- ridade das situações, como “trabalho real”, no qual cada professor recria o que estava supostamente antecipado (SCHWARTZ, 2000). Esses saberes, dife- rentemente dos disciplinares, organizam-se de modo não linear, não siste- matizado, estando ancorados nas histórias e situações concretas, e envolvem, notadamente, a dificuldade de traduzir, em palavras, a experiência. 20 ESTÁGIO - Do labirinto aos frágeis fios de Ariadne 21 Dessa perspectiva, no estágio encontram-se e confrontam-se patrimô- nios de conhecimentos e de valores distintos que, em sua relação, questio- nam-se mutuamente produzindoo “desconforto intelectual”, conceito forja- do por Schwartz (2000) para designar o sentimento de que o conhecimento sistematizado é defasado em relação à experiência e de que generalidades e modelos necessitam ser sempre reapreciados. O “desconforto intelectual” experimentado pelo estagiário afeta suas relações com o professor que o recebe e com seus formadores na Universida- de, evidenciando que o estágio não é um problema exclusivamente pedagó- gico, mas social e filosófico, necessitando considerar de outra maneira tanto a atividade de ensino do professor, quanto sua formação. E, nesse sentido, é reducionista a visão de que o estágio possibilitaria ao futuro professor expe- rimentar-se naquilo que está estudando. O estudante passa, de fato, por essa experiência; entretanto é confrontado a muitas situações não estudadas. Nas salas de aula e em outros espaços da escola, ele vive episódios inesperados e vê-se diante de modos de ensinar e de conduzir as relações que evidenciam escolhas e julgamentos, por parte dos professores, que escapam aos modelos estudados. Muito mais do que experimentar-se naquilo que está estudando, o estágio é um momento em que se cotejam os papéis e responsabilidades respectivas dos estagiários, dos professores que recebem os estagiários e dos formadores na universidade. Trata-se, então, o estágio de uma atividade intersubjetiva que envol- ve a proficiência, desconhecimentos e projetos dos estagiários e de seus for- madores, na universidade e na escola básica. Nas relações instauradas pelo estágio, cada um dos sujeitos envolvidos tem sua “zona de cultura e incultu- ra” (SCHWARTZ, 2001, p. 12). A aprendizagem dos saberes disciplinares é acompanhada de uma “zona de incultura”, relativa a tudo que a atividade do trabalho recria de saberes, de valores, de histórias particulares de que os professores em atuação nas escolas são portadores. Por sua vez, os saberes da experiência são acompanhados de uma “zona de incultura” relativa a sua con- ceitualização e sistematização. No encontro entre o que se conhece e as “zonas de incultura” atuam “forças de convocação e de reconvocação”. Schwartz define os saberes disci- plinares como “forças de convocação”, no sentido de buscarem trazer para o escopo de suas referências os eventos do estágio, neutralizando a história atual e local, dos homens e das atividades. Por sua vez, os saberes do traba- lho são definidos como “forças de reconvocação” na medida em que testam, avaliam e invalidam, em parte, os conhecimentos disciplinares, quando os contrapõem ao universo de saberes da experiência. Nessas relações, nas dificuldades para trabalharem conjuntamente, todos os sujeitos envolvidos incorporam, a si, valores e práticas da docência, interiorizam tradições escolares, apropriam-se de modos de ação, de dizer e de valorar a docência, significando-os como adesão ou recusa, produzindo, nas réplicas ativas (BAKHTIN, 1986) ao vivido, sua experiência (THOMP- SON, 1979). Nesse sentido, pode-se definir o estágio como uma instância de formação recíproca em que o outro (referindo-me à tríade – estagiário, formador, professor em atuação) é alguém com quem se vai aprender algo. Algo sobre o outro - o que ele faz, as especificidades da sua experiência - e, também, algo sobre si mesmo. Essa formação envolve as pressuposições sobre o outro, sobre o que faz e por que faz, sobre seus valores e como eles têm sido vividos, pressuposi- ções acerca dos próprios saberes e projetos e as surpresas diante desse outro, que escapam às pressuposições, na medida em que a docência, como toda atividade de trabalho, envolve escolhas e julgamentos, tomadas de decisão em situações que, a despeito das determinações, escapam às prescrições. Schwartz refere-se às exigências de contemplar as normas anteceden- tes e de recriá-las em função daquilo que se apresenta como novidade na situ- ação imediata de trabalho como “uso dramático de si mesmo”. A apreensão e a compreensão do “uso dramático de si mesmo” só se tornam possíveis se não forem neutralizados os aspectos históricos da situação de trabalho em favor das pressuposições orientadas pelas explicações e modelos sistematizados. 22 ESTÁGIO - Do labirinto aos frágeis fios de Ariadne 23 Ela só se torna possível quando se busca a “sempre-perseguida-embora-ina- tingível-tentativa de adotar o ponto de vista do outro” (EUGÊNIO, 2003, p. 209), em que se evidencia o próprio ponto de vista, uma clássica questão das ciências humanas. Os pressupostos assumidos por Schwartz na produção de conheci- mentos sobre o trabalho aproximam-se das teses de Bakhtin (1986, 2003) e de Thompson (1979, 1981) acerca da apreensão do ponto de vista do outro e de sua experiência. Em seus campos específicos – o dos estudos da lingua- gem e o da história - ambos apontam, a exemplo das análises de Schwartz, na direção da superação de análises abstratas e da aproximação das ações dos sujeitos e dos modos como significam essas ações a partir de lugares sociais específicos que ocupam. 1-Dialogia e experiência Bakhtin assume a centralidade da linguagem na constituição dos co- nhecimentos em circulação na vida social e focaliza a apreensão do ponto de vista do outro e de sua experiência como compreensão dialógica. O conceito de diálogo, em Bakhtin, supõe a tensão entre vozes sociais em disputa, que modulam os sentidos da linguagem, configurando a com- preensão como uma réplica ativa às palavras dos outros. Produzindo-se no encontro/confronto entre essas palavras alheias e aquelas de que os sujeitos já se apropriaram e que os constituem, a compreensão é sempre uma partici- pação no diálogo. Ela passa pelo reconhecimento dos significados e sentidos em jogo e vai além dele, implicando uma tomada de posição frente a eles – de adesão ou de recusa, de acordo ou desacordo, de divergência ou de conver- gência, de conciliação ou de luta. Nesse sentido, não há significados intrínsecos aos conceitos sistemati- zados que configuram o campo da formação docente, dos quais os estudantes apenas se apropriam. Do mesmo modo, não há um estudante genérico, nem relações de formação em abstrato. Os conceitos remetem às formações histó- ricas em que se constituem e se sustentam, às coordenadas sociais, culturais e de subjetivação que atendem a necessidades práticas e a propósitos pragmá- ticos específicos. A eles, os formadores e os estudantes concretos - síntese de relações sociais múltiplas e diversas - respondem ativamente, elaborando-os a partir das posições sociais que ocupam, tanto na relação de ensino (sua con- dição imediata de produção) quanto nas muitas relações sociais em que se inscrevem e se constituem (relações de parentesco, de trabalho, de gênero, de grupo geracional, etc.). Nas relações intersubjetivas do processo de formação, os sentidos da docência e da escolarização produzem-se, reproduzem-se e transformam- se e a linguagem, como princípio suposto de uma inteligibilidade comum, reconfigura-se como o lugar onde as dessemelhanças se revelam. Ou seja, os significados não são apenas refletidos pelos sujeitos, como as imagens em um espelho, mas também são refratados por eles, em sentidos múltiplos e con- traditórios que remetem, como assinala Bakhtin, ao confronto de interesses sociais nos limites de uma só e mesma comunidade semiótica. Thompson aborda os processos de formação como formas de interio- rização da experiência, através dos quais tradições culturais são apropriadas e significadas, remetendo à singularidade nas condições históricas comuns da existência. A experiência, como o conjunto das relações sociais vividas na cultura (THOMPSON, 1981), não se restringe ao âmbito das ideias, do pensamento e de seus procedimentos. Ela produz-se e singulariza-se como significação. Na sua raiz estão os signos, que constituem os diversos sistemas culturais que fazem parte da genética de todo o processo histórico, tais como os costumes, as regras visíveis e invisíveis de regulaçãosocial, hegemonia e deferência, formas simbólicas de dominação e de resistência, fé religiosa e im- pulsos milenaristas, maneiras, leis, instituições, ideologias. Signos, que pro- duzidos na relação com o outro, afetam os participantes das relações sociais, redimensionam e transformam a atividade humana, possibilitam a produção de sentidos, conforme assinala Bakhtin. 24 ESTÁGIO - Do labirinto aos frágeis fios de Ariadne 25 Longe de essencializar as subjetividades, a experiência traduz uma busca por apreender indícios de seus processos de constituição - sem esca- motear as ambiguidades neles envolvidas - em meio à participação dos indi- víduos em diferentes grupos de pertencimento. Assim, no entrecruzamento das condições de produção da vivência imediata com as determinações mais amplas da história social, a experiência é vivida como sentimento, como nor- mas, obrigações e reciprocidades, como valores. Ela é mediada pelas formas elaboradas da arte, das ciências ou das convicções religiosas. Nela o humano é concebido como ser inscrito na cultura e na história, não apenas como re- produção, mas como participação, atualização e reinvenção dos modos de ser, sentir e pensar. Segundo Thompson, a experiência define um lugar a partir do qual, na análise da realidade social, determinação e agência humana podem ser apre- endidas em seus nexos relacionais. É na e pela experiência que os sujeitos se constituem, como indivíduos e como coletividades. Dessa perspectiva, a es- trutura social é transmutada em processo, entendido como prática humana, e os sujeitos são reinseridos na história. Um conceito fundamental às duas abordagens é o de significação. A linguagem é significação e não existe experiência sem significação. Experi- ência e significação constroem-se dentro dos limites possíveis às relações so- ciais e não são observáveis como dados objetivos. Sua apreensão e análise só são possíveis através das relações intersubjetivas instauradas e mediadas pela linguagem, nas quais o complexo processo de sua elaboração indicia-se em enunciados concretos. A compreensão e a interpretação desses enunciados realizam-se em ligação estreita com as condições de produção imediatas e mais amplas da situação social em que eles se materializam. Assumindo a aproximação histórica dos sujeitos, proposta por essas referências teóricas, proponho-me, neste texto, a analisar o processo de in- serção do estagiário na escola da perspectiva dos percursos da singularização da experiência nos processos de formação nas situações de trabalho e na edu- cação formal. Embora esse momento e essas dimensões do estágio sejam pouco abordados, eles mostram-se fundamentais à formação, uma vez que é nessas relações e por meio delas que o estagiário observa de perto e de dentro as con- dições sociais cotidianas de produção da docência, que as interpreta e delas participa em um exercício de caráter iniciático. 2-O recorte – o processo de inserção do estagiário na escola. A chegada ao campo de estágio é um momento delicado e decisivo, que implica dificuldades e idiossincrasias, na aproximação do estudante com o complexo de situações e de planos interativos constituídos pela diversidade entre as pessoas que compõem a escola, em termos de classe social, de gera- ção, de gênero, dos papéis e lugares sociais por elas ocupados, na hierarquia da própria escola e do sistema de ensino Essas relações geram particularidades que fornecem uma identidade, uma referência a cada escola e também a seus protagonistas, remetendo a diferentes universos de significação e a tipos de interlocuções distintas que aproximam o estagiário das particularidades do trabalho docente. Assim, apesar de as escolas serem muito parecidas em sua organização e em termos das normas antecedentes que as regulam, as redes de relações tecidas entre os papéis que as constituem e as pessoas que os ocupam, consti- tuem uma “zona de incultura” do estagiário. A diferença entre papel e lugar social é interessante para explicitar as particularidades da escola. O papel social de professor, por exemplo, é defini- do de acordo com referências e normas estáveis que permitem seu reconhe- cimento e definem um conjunto de comportamentos esperados dos sujeitos que os ocupam. No entanto, esse papel é vivido por indivíduos com histórias distintas – alguns não dependem de seu salário para viver, outros são arrimo de família; há aqueles que ainda estudam na universidade e aqueles forma- 26 ESTÁGIO - Do labirinto aos frágeis fios de Ariadne 27 dos há 20 anos -, que gozam de status distintos nas relações sociais da escola, como por exemplo o professor antigo de casa, o professor inexperiente; o professor que faz parte das relações pessoais da diretora; o professor presti- giado pelos pais dos alunos, o professor querido pelos alunos, etc.. As diferenças das histórias pessoais e de status entre sujeitos que vivem o papel de professor conferem sentidos distintos a essa condição profissio- nal. Esses sentidos ganham visibilidade no modo como os sujeitos realizam as tarefas diárias pertinentes à docência, reconfigurando-as em alguns de seus aspectos, na maneira como esses profissionais se relacionam entre si e como se posicionam nas relações de poder internas à escola. Os sentidos produzidos nas relações cotidianas configuram uma espé- cie de convenção coletiva que, vivida de forma tácita, define o lugar de cada um e indica a maneira de se comportar nas diferentes relações. A vida cotidiana das escolas baseia-se nessas relações de convivência e de conveniência (MAYOL, 1996), assentadas em relações de poder, que as pessoas e os grupos sociais, que compõem a escola, constroem entre si. Nela as pessoas são chamadas pelo nome e imediatamente localizadas em função dos papéis e lugares sociais que ocupam nas relações. Nessas condições, inserir-se significa apreender, compreender e apren- der a lidar com os lugares sociais, as etiquetas e códigos em jogo nas relações e regras de conveniência, com os sentidos com que a hierarquia, o tempo e a organização do espaço são pensados e vividos pelos grupos que constituem a escola, bem como com os conflitos, negociações e rivalidades que compor- tam. Compreendê-las implica compreender o papel de estagiário e o lugar por ele ocupado nas relações da escola. O papel de estagiário não se enquadra nos papéis sociais que compõem a escola. Os estagiários não são alunos na escola em que estagiam, tampouco são professores, diretores ou funcionários dessa escola, nem alguém ligado às famílias daqueles que ali estudam. As pessoas reunidas na escola vivem o seu cotidiano, vivem a produção coletiva de significados, situam-se dentro dela. O estagiário não. Sua relação com a escola é uma relação deliberada de conhe- cimento. Sua ida à escola é precedida e acompanhada por leituras, conversas, orientações e reflexões. O estagiário sabe que se espera dele a discrição do que se vive e se produz na escola. Nessa condição, ele não tem um lugar definido na escola. É um estran- geiro em relação ao grupo do qual se aproxima. Seu lugar dentro da escola pode ser definido como um “não-lugar” (AUGÉ, 1994), ou seja, uma posi- ção e um modo de participação nas relações escolares que se caracteriza pela ausência de vínculos e pela provisoriedade. Os estagiários estão de passagem pela escola e não têm um lugar assegurado nas relações ali produzidas, sendo seu desafio o de produzir “algum lugar” nessas relações, vivendo-as. A produção desse lugar não preexiste à presença do estagiário na es- cola e para realizá-la não há um roteiro pré-definido de abordagem, ainda que sua ida à escola seja precedida e acompanhada por leituras, conversas, orientações e reflexões. O estagiário sabe que se espera dele a aproximação da escola. Contudo, não sabe de antemão o que vai acontecer estando face a face com os sujeitos singulares que vivem a escola cotidianamente. Como estrangeiro ao grupo, o estagiário sabe-se observadopor aque- les a quem observa, sabe-se significado por aqueles a quem significa. O grupo observado procura socializá-lo, mobilizando seus sistemas de classificação de modo a torná-lo socialmente reconhecido, com graus distintos de proximi- dade. A proximidade e o distanciamento entre o estagiário e os grupos nos quais se insere se materializam em condições sociais e políticas particulares e assimétricas, orientadas pelas relações produzidas entre a escola básica e a universidade e pelos lugares ocupados historicamente, por ambas, nos siste- mas políticos e culturais. Embora as relações em que o estagiário se insere no processo de forma- ção para a docência sejam familiares a ele, em função dos muitos anos vividos na escola, na condição de aluno, ao mesmo tempo elas lhe são estranhas, pois sua participação inscreve-se em condições de produção distintas daquelas 28 ESTÁGIO - Do labirinto aos frágeis fios de Ariadne 29 que se vive como aluno. Como estagiário, ele vivencia as relações na escola na condição de observador, de interpretador deliberado. Ele experimenta-se no “difícil ofício de importunar” (SILVA, 2000, p.21), pois é orientado não só a conviver com o grupo, mas a manter um registro sistemático dessa convi- vência de modo a que possa descrever suas formas de comunicação, seus cos- tumes, suas rotinas e hábitos, suas escolhas, os textos, entendidos em sentido amplo como qualquer conjunto coerente de signos (BAKHTIN, 2003:307), que produzem. Ele é um participante estrangeiro. Ele é aquele que está e não está presente, porque olha o que acontece ao seu redor para poder anotar, descrever o acontecido, procurando ver além do visto e descrito. A familiaridade assegura-lhe o conhecimento de vários aspectos e signos das relações escolares. Ele tem experiências mais ou menos comuns e partilháveis, que lhe permitem um nível de interação com as pessoas da es- cola em que se insere. No entanto, como estagiário, é chamado a confrontar, intelectual e emocionalmente, versões e interpretações a respeito de fatos, situações e escolhas que constituem o cotidiano escolar. Nessas condições, evidencia-se que o familiar não é necessariamente conhecido e tudo aquilo que a situação de estágio dele solicita implica o distanciamento do grupo no qual é chamado a inserir-se. Cada pergunta do estagiário, cada gesto de es- crever, mesmo que apressada e brevemente algo, o distancia do grupo com o qual se relaciona. Na tensão entre o familiar e o estranho ele experimenta a adequação (ou não) de seus gestos e dizeres, a dimensão do poder e da dominação que regem as relações intraescolares e aquelas da escola com a Universidade. Diante do fluxo ininterrupto de significados e sentidos postos em cir- culação nessas relações, o estagiário caminha pelos corredores familiares da escola como se fossem um labirinto cheio de surpresas e escolhas a cada bi- furcação. O desejo de aprender e de ser bem sucedido em sua empreitada, o medo de não ser aceito, a repugnância por certas práticas escolares já conhe- cidas, a vontade de escapar a elas ou de modificá-las, medeiam a compreensão que o estagiário elabora das instruções e orientações recebidas dos formado- res que o supervisionam e das relações vividas na escola. Esses sentimentos, juntamente com aquilo que o estagiário significa de suas leituras no processo de formação, com suas vivências na escola, com sua sensibilidade e intuição mediatizam suas escolhas em relação aos modos de agir e de conduzir as relações com as pessoas e grupos da escola e suas decisões quanto àquilo que vai registrar (gestos, falas, episódios interativos, nomes, objetos), quando e de que modo vai fazê-lo. Parafraseando Silva (2000), o estagiário tece, com seus registros, frá- geis fios de Ariadne que o ajudam, precariamente, a não se perder no labirin- to da experiência do outro, que busca conhecer. Esses registros, mais do que uma descrição objetiva dos fatos apreendidos na escola, dão visibilidade ao próprio estagiário e a sua experiência iniciática, eles evidenciam a presença do estagiário em campo como um dado em si mesmo, que aparece misturado aos fatos que ele é orientado, no processo de formação profissional, a observar e relatar. Na descrição e interpretação do outro, de seus gestos, de seus dizeres, de suas práticas, dos valores nelas implicados, esboça-se o próprio estagiário, como professor em formação. O relato da relação com o outro é a réplica (BAKHTIN, 1986) do estagiário aos significados e sentidos por ele apreen- didos nesse outro, é a expressão de seus valores, daquilo que privilegia e tam- bém das emoções e sentimentos de temor, curiosidade, fascínio, repugnância mobilizadas pela inserção na escola. Os frágeis fios que ele tece, indiciam sua apreensão do universo da educação escolar, da docência e de si próprio em relação a eles. Esboçando o outro com quem se relaciona e a quem observa na escola, o estagiário encontra-se consigo mesmo, como personagem do estágio e como professor em formação. Nesse esboço do outro e de si mesmo indiciam-se vozes sociais, acerca de educação escolar, em disputa na formação histórica em que o processo de formação desses estudantes está inscrito. Em suas elaborações sobre a do- 30 ESTÁGIO - Do labirinto aos frágeis fios de Ariadne 31 cência, produzidas na relação com a escola, encontram-se e confrontam-se conceitos e orientações colocados em circulação pelas disciplinas da forma- ção inicial na universidade; concepções de docência, de ensino, de educação; princípios jurídicos que ordenam o funcionamento das escolas e as formas de sua organização real; os discursos que as configuram nos projetos pedagógi- cos, práticas proferidas e observadas, tentativas de exercício do papel de pro- fessor etc. Essas referências e significados culturais constituem vozes sociais que circulam nos processos de formação e de constituição da profissionalida- de docente, expressando interesses e posições sociais diversas, em consenso e em conflito, a que formadores e estudantes respondem, seja como destinatá- rios imediatos ou como sobredestinatários de seus discursos. Os sobredestinatários, de acordo com Bakhtin, são as visões de mun- do, as orientações teóricas, as tendências filosóficas, as polêmicas políticas, estéticas, pedagógicas, econômicas, que constituem os interlocutores. Eles operam o presente (enunciados em circulação), o passado (enunciados lega- dos pela tradição de que a atualidade é depositária) e o futuro (os enunciados que falam dos objetivos e das utopias dessa contemporaneidade) como me- mória de sentidos (passada e futura), como história e cultura. A interação viva dessas vozes sociais e as condições em que é produzi- da são constitutivas dos enunciados dos estudantes, das escolhas dos forma- dores e da experiência de formação e de elaboração da sua profissionalidade nas situações de trabalho vividas na escola. Deter-se sobre o processo social da inserção do estagiário na escola, analisando sua complexidade e contradições, pode contribuir para que os jovens professores em formação elaborem uma compreensão do trabalho docente como uma atividade intersubjetiva, que exige o domínio do conhe- cimento teórico e técnico, não como um sistema fechado de normas a serem seguidas, mas como conhecimento necessário às escolhas e julgamentos que as situações reais de trabalho estão sempre a exigir. Escolhas e julgamentos que não são da ordem do estritamente pessoal. Antes, configuram “um dra- mático uso de si”, na medida em que remetem a decisões que afetam o outro, a quem nossa atividade se dirige e com quem se realiza, e a construção de um viver em conjunto as situações de trabalho no cotidiano da escola, inscreven- do a formação no que ela tem de mais amplo, sua dimensão ética e política. Referências Bibliográficas AUGE, Marc. Não lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas, SP: Papirus, 1994. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução:Maria Ermantina Perei- ra Galvão Gomes. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. ______. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução: Michel Lahud e Yara Fra- teschi Vieira. São Paulo: Hucitec, 1986. EUGÊNIO, Fernanda. De como olhar onde não se vê: ser antropóloga e ser tia em uma escola especializada para crianças cegas. In: VELHO, Gilberto; KUSCHNIR, Karina (org.). Pesquisas Urbanas: desafios do trabalho antropológico. Rio de Janei- ro: Jorge Zahar Ed., 2003, p. 208-220. MAYOL, Pierre. A conveniência. In: CERTEAU, Michel; GIARD, Luce; ______. ; A invenção do cotidiano: 2. Morar, cozinhar. Tradução: Ephraim Ferreira Alves e Lúcia Endlich Orth. Petrópolis, RJ: Vozes, 1996. SCHWARTZ, Yves. A comunidade científica ampliada e o regime de produção de saberes. Trabalho e Educação. Revista do NETE/UFMG. Belo Horizonte, n. 7, p. 38-46, jul./dez., 2000. _______. Trabalho e Educação. Presença Pedagógica. 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Aquilo que ainda poderia depender de nós saber, de nosso poder e de nossa vontade, mas é para abri-lo como imprevisível e desconhecido. Jorge Larrosa e Carlos Skliar Cena I O celular toca no meio da aula. Bruno retira de seu ouvido o fone de seu MP4 e entabula uma conversa com seu interlocutor. A professora faz sinal para ele desligar. Ele vira as costas e continua. A professora indignada sai de sala sem saber muito bem porque, mas não consegue tolerar a indiferença dos estudantes à sua autoridade. Desce correndo as escadarias e entra como um autômato na sala da direção. Porém, ao fazê-lo lembra que da última vez que esteve ali não deu em nada. A diretora incumbiu-se de lembrá-la que o aluno era o patrão. O que fazer agora? Voltar à sala? Conversar sobre indisciplina com os alunos? Defender a importância de se estudar a função das organelas citoplasmática para a vida deles? Expulsar Bruno de sua aula? Pedir demis- 34 Por uma docência babélica 35 são? Essas são as questões que rapidamente povoam sua cabeça aflita, ao mes- mo tempo em que relembra das inúmeras piadas (ou seriam presságios?) que ouviu de colegas e parentes quando comunicou que iria cursar Licenciatura em Biologia. Lembra também das discussões sobre educação que aconteciam na ditas disciplinas pedagógicas. Quem a poderia ajudar naquele momento? Piaget, Vygotsky? O que Paulo Freire faria no lugar dela? E a professora de prática de ensino? Cena II Certa vez, durante meu curso de mestrado, ciceroneava minha orien- tadora, uma paulistana, em um passeio de barco pelos rios e furos circunvi- zinhos a Belém. Ela, encantada com a exuberância da paisagem, eu, com os olhos viciados de mato e rio, olhávamos para coisas diferentes. Os olhos dela deslumbravam-se com as plantas e bichos que avistávamos do barco, os meus estacionaram numa cena ribeirinha amazônica: Postados lado a lado estavam três edificações em forma de palafitas. A primeira era o bar “Deus pode”, a úl- tima um templo da “Assembléia de Deus” e, situada estrategicamente a meio caminho das duas estava a “Escola de 1º Grau Graças a Deus”. A organização geográfica dos três prédios a mim parecia querer dizer: “Entre a perdição e a salvação está a educação”. Mas, qual educação? Era a pergunta que me in- quietava. Do lugar onde estávamos dava para avistar, a suposta sala de aula enfeitada com cartazes ornamentando as paredes de madeira. Crianças de diferentes idades estavam sentadas no chão atentas a uma mulher, a quem deduzi ser a professora, que em pé a frente delas gesticulava como quem esti- vesse explicando uma lição. Naquela ocasião me senti fútil fazendo mestrado. Olhei para minha orientadora e, apontando para a cena, disse: “para que es- tou fazendo mestrado? O que posso diante disso? Cena III O dia começa cedo no acampamento. De manhã os adultos saem para o roçado e as crianças ficam na escola. De noite são os adultos que ocupam as salas de aula. Ali alguns aprendem as primeiras letras, outros já estão quase ingressando na universidade. Muitos desejam ser professores e retornar para as salas de aula do acampamento, com a visão dos que ali se constituíram homens e mulheres, brasileiros/as, que, como tantos outros sonham em ter trabalho e moradia decente. A professora ali lotada é da cidade. Antes de trabalhar no assentamento só ouvira falar do MST nos noticiários de jor- nais e televisão. Quando foi designada para assumir a turma no lugar de uma professora que se aposentara entrou em pânico. O que ensinaria para aquela gente? Eles eram tão diferentes! Ouvira falar que cantavam hinos próprios no início das aulas, que questionavam muito e nem sempre aceitavam os profes- sores que eram encaminhados para lá. Trabalharia de dia com as crianças e de noite com os adultos. Com as crianças estaria mais a vontade, afinal criança é igual em todo lugar, não é mesmo? Mas e com os adultos, o que fazer, por onde começar? Tanto tempo fora da escola, será que conseguiriam aprender? Por outro lado eles sabiam muitas coisas, fruto de suas vivências... e se per- guntassem algo de que não soubesse? Se não se comportassem durante as au- las não poderia dar uma bronca neles como faria com as crianças, ou poderia? E se tivesse pontos de vista diferentes dos deles, especialmente sobre reforma agrária, alimentos transgênicos, desmatamento, religião? A quem recorrer para tirar essas dúvidas? Não lembrava de ter discutido sobre isso quando se preparava para a docência... Cena IV Estampado na capa do jornal está a foto de Pedro estirado no chão da escola sobre uma poça de sangue. Outra foto menor traz a imagem de Joa- 36 Por uma docência babélica 37 quim, Kim como gosta de ser chamado, com uma expressão misto de medo e tristeza. A manchete anuncia em letras garrafais “ESTUDANTE MATA COLEGA DE SALA NA ESCOLA”. Lágrimas escorrem do rosto de Ana. Conhecia aqueles meninos, eram seus alunos. Nunca imaginou que aquelas arengas e piadas de mau gosto trocada em sala iriam acabar assim. Inúmeras vezes havia presenciado Pedro usar apelidos insinuativos da homossexualida- de de Kim, algumas vezes chegou até a repreendê-lo, e quase sempre ouvia a mesma resposta; “isso é sem-vergonhice professora, ele tem que aprender a ser homem”. Não sabia muito como responder a isso, já tinha lido algumas matérias sobre a determinação genética da homossexualidade, outras vezes lia que esse é um processo psíquico desencadeado por algum trauma, poucas ve- zes lera que é uma questão cultural. Não sabia bem o que pensar, o fato é que também a incomodava a “opção” de Kim, ainda que não concordasse com a forma desrespeitosa com que a maioria o tratava. Olhando a cena estampada no jornal vários sentimentos afluem; impotência, culpa, medo. O que pode- ria ter feito para evitar que acabasse assim? Poderia ter feito algo? Até que ponto era seu papel como professora de ciências discutir esse tema tão deli- cado em sua sala de aula? O que os pais dos alunos achariam se ela abordasse esse assunto? E o que falaria sobre isso? Era doença, desvio moral, opção e direito de cada um? O queela mesma pensava sobre homossexualidade? Cenas da escola brasileira, cenas de um país tão múltiplo quanto múl- tiplas são as situações que como professores vivemos. Daí as inquietantes questões formuladas por Oliveira (1997): Para quem ensinamos? Quem seria o aluno-padrão brasileiro? Um me- nino branco, de classe média vivendo no centro de uma grande cidade? Ou uma menina negra, sobrevivendo na periferia urbana? Quem sabe, descendentes de japoneses vivendo em lavouras no interior do Paraná, ou filhos de agricultores sem-terra no Pará? E qual seria a “idade es- colar” destes diferentes grupos citados aqui? Seriam todos crianças?(p. 9-10) Acrescento a essas questões outras, não menos inquietantes, do ponto de vista da professora formadora, onde hoje profissionalmente me localizo: Quem estamos formando? Quem seria o professor-padrão brasileiro? Como formar professores para lidar com essa multiplicidade de gente, situações, ambientes? Estamos formando gente pra lidar com gente? Ou ainda estamos formando gente pra despejar “verdades científicas” em cabeças vazias de ilu- sórios alunos-padrões, esses universais antropológicos a quem Larrosa (2002) atribui uma das inércias presentes no campo pedagógico? Há poucos dias recebi mensagem de uma colega de trabalho solicitan- do minha opinião sobre o formato de estágio dos estudantes da Licenciatura em Biologia que vínhamos desenvolvendo. Tradicionalmente temos procedi- do da seguinte forma: lotamos o estudante em uma sala de aula da Educação Básica e ele acompanha um professor da disciplina objeto do estágio (Ciên- cias/Biologia) por, no mínimo, um semestre letivo. A justificativa para esse formato é que é importante o estudante participar do desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem em termos longitudinais, desde o plane- jamento, execução até a avaliação, acompanhando a dinâmica da turma. A situação que minha colega apresentava, na ocasião, é que por motivos institu- cionais estava difícil manter a lotação de boa parte dos estudantes seguindo esse procedimento e a saída que se apresentava era vincular alguns deles a um professor e não mais a uma turma. Nesse formato o estudante acompanharia a atuação do professor em diferentes turmas e não mais o andamento de uma turma específica, situação que a preocupava sobremaneira. Na ocasião meu ímpeto imediato foi aliar-me à sua preocupação e ten- tar a todo custo manter o formato (nada) original do estágio. Passado o pri- meiro impulso pensei que se na proposta inicial o vínculo se estabelece entre estagiário e turma e a ênfase recai sobre o processo de ensino-aprendizagem como um todo, na segunda o vínculo maior é entre estagiário e professor e a ênfase está na docência em múltiplos espaços. Ambas as alternativas se apresentam com perdas e ganhos, nenhuma tem só virtualidades ou só defei- 38 Por uma docência babélica 39 tos. Quem sabe essa situação que inesperadamente se apresentara não seria a oportunidade do candidato a professor experimentar antecipadamente a docência em múltiplos ambientes, acompanhando e exercitando a necessária versatilidade para lidar com a pluralidade étnica, sexual, lingüística, econô- mica, cultural, enfim, de “estudantes reais” que nos aguardam em diferentes espaços de docência com que hoje se nos apresentam? Então, porque não experimentar a novidade? Olhando no atacado e vendo a inércia em que vivemos desconfio que ainda estejamos em busca de um pacote de receitas de como formar o bom professor, tal qual o diabo de Andreiev1, que um dia desejou aprender a fazer o bem seguindo rigidamente os preceitos cristãos como receita segura, sere- na, linear e acabada. No varejo vejo algumas experiências que tentam investir em trilhas menos seguras e serenas, mas nem por isso menos sedutoras de formar pesso- as para lidar com pessoas em processo de conhecer outras/novas culturas. Diferentemente da possibilidade que temos de optar pelo campo de conhecimento (biologia, química, matemática...) em que queremos atuar como professores, não escolheremos os estudantes a quem temos por tarefa ensinar. É ele, portanto o elemento mais lábil da tríade que compõe o pro- cesso de ensino aprendizagem (professor-aluno-conhecimento), mas como nos preparar para lidar com o novo, com o inesperado, fruto do encontro (às vezes confronto) com o outro, múltiplos outros que nos acontecem nos dife- rentes espaços (escola, mídia, museus, assentamentos, centros comunitários, ruas...) de educação nos quais hoje circulamos como professores? Para o múltiplo não há fórmulas possíveis, há apenas caminhos a espe- ra de serem inventados, experimentados, transformados, repensados no hori- zonte de quem por “gostar de gente”2 um dia se aventurou nessa profissão. 1 Conto do escritor russo Leonidas Andreiev intitulado “A conversão do diabo”. 2 Referência ao depoimento de um professor participante de curso que ministrei no in- É um desses caminhos que estamos experimentando no âmbito do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pará, é ele que trago pra compartilhar hoje com vocês nesse Seminário. Nesse processo de experimentar caminhos temos dado ênfase particular às dimen- sões estética e afetiva da formação docente, isso porque já é usual o investi- mento na dimensão cognitivo-racional. Nessa perspectiva, vemos em nossa área de atuação inúmeras pesquisas envolvendo concepções de professores e estudantes sobre diferentes conteúdos de ensino e processos mentais de pro- dução destes. Vemos também as políticas públicas de formação de professores orien- tadas por resultados de exames nacionais e internacionais aplicados aos estu- dantes, que também privilegiam a dimensão cognitiva, fazendo uma espécie de tabela de correlações, isto é, se os resultados apontaram déficit de apren- dizagem em dado conteúdo é esse que deve ser privilegiado na formação do- cente. Em contrapartida, temos poucas investigações na área que põem em destaque a dimensão afetiva da formação e menos, ainda a estética. Quem primeiro me chamou atenção para a importância dessas di- mensões foi Thomas Kuhn (1975), quando sugere que o processo de ade- são ou rejeição de um cientista a um novo paradigma comporta muito mais elementos da ordem do afetivo e do estético do que do cognitivo-racional. Daí porque usa termos como conversão, persuasão, fé..., na construção de explicações para este processo. Entendo que, assim como acontece com os cientistas, nós, professores, somos formados a partir de paradigmas, de modelos de ver e ser na profissão. Paradigmas forjados em contextos que extrapolam, em muito, o espaço esco- lar, ainda que nele esteja presente. terior do Pará, que afirmava que: “para ser professor se precisa gostar de gente”. História já relatada em texto publicado em: CHAVES, Sílvia N. Quando a cultura produz diferença: um ensaio sobre escola e cultura a partir de minhas memórias. In: PERES, Eliane [et al.], Trajetórias e processos de ensinar e aprender: sujeitos currículos e cul- tura. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008. 40 Por uma docência babélica 41 Partindo desse pressuposto passei a buscar suporte teórico que me ajudasse a responder inquietações do tipo: Como fomos ensinados a ver e ser professores? Que processos nos persuadem a assumirmos essa ou aquela postura docente? A aderirmos ou rejeitarmos essa ou aquela concepção de conhecimento, de ciência, de aluno? Que dispositivos nos movem? Que ou- tros nos podem mover? Buscando respostas para tais questões encontrei na literatura sobre pesquisa (auto)biográfica, algumas pistas em direção a outras configurações possíveis de pensar a docência e o processo formação. Nessa perspectiva, for- mação e docência são pensadas (...) como um lugar privilegiado de experimentação, de transforma- ção de si, de exercício genealógico lugar de indagação sobre de que modo nos fizemos desta e não daquela forma; de que modo temos aceitado isto e não aquilo; de que modo temos recusado ser isto ou aquilo nocaso, como docentes. Lugar de onde talvez seja possível não exatamente pensar nossos limites e as forças que nos constrangem, mas as condições e possibilidades infindas, imprevisíveis e indefinidas de nos transformarmos e de sermos diferentes do que somos (FIS- CHER, 2007: 2). É esse exercício genealógico que temos estimulado em nossos estudan- tes-professores da Licenciatura em Ciências Biológicas (LCB) instigando-os a produzirem narrativas de si desde o momento que ingressam no curso de graduação. Ressalto, contudo, que o processo que ora relato não se circuns- creve a práticas desenvolvidas apenas durante o estágio supervisionado. São práticas que o antecedem, que permanecem durante tal momento e que te- mos esperança de que se prolonguem para além dele. Fundados na noção de ascese3, defendida por Foucault (2006) com base no princípio grego do “cuidado de si”, incitamos os estudantes-professo- 3 “Trabalho de constituição de si mesmo, isto é, da formação de uma relação consigo mes- mo (...) capaz de produzir essa transfiguração do sujeito que é a felicidade de estar consigo mesmo” (Xavier et AL, 2009: 45) res a relatarem episódios de suas vidas buscando construir pontes entre estes e suas formas de verem e viverem a docência. Dito de outra forma, o objetivo da produção desses relatos escritos é mobilizar situações que os possibilitem ler as “tramas de fabricação” de suas formas de significar a si e aos outros nos diferentes espaços de suas trajetórias de formação. O pressuposto que sustenta tal prática é a compreensão de que a sub- jetividade não nos é dada quando nascemos, mas é imposta, fabricada, pro- duzida por aparatos discursivos que nos atravessam histórica e culturalmente. Nessa perspectiva, as narrativas são utilizadas como “dispositivos pedagógi- cos” no sentido empregado por Larrosa (2002: 57), como “lugar no qual se constitui ou se transforma a experiência de si”, com o intuito de promover a desfamiliarização ou desnaturalização dos lugares dados, das identidades fixas. Nesse processo é importante evitar o risco de sucumbir às falácias ontológica e representacional das narrativas de que nos falam Brockmeier e Harré (2003), a ilusão de que há uma estória a ser descoberta independente da construção analítica e do processo narrativo. A intenção é incitar a consti- tuição de si mesmo, a partir da noção do “cuidado de si”, aqui pensado como “uma espécie de aguilhão que deve ser implantado na carne (...), cravados na existência [constituindo] um princípio de agitação, um princípio de movi- mento, um princípio de permanente inquietude no curso da existência’ (Fou- cault, 2006: 11). O registro das memórias põe em destaque os processos que nos sub- jetivaram (e subjetivam), os lugares de onde fomos acostumados, a nos ver, a vermos os outros e ao mundo provocando desfamiliarização pelo desloca- mento do ângulo de mirada. Tal deslocamento nos faz desconfiar dos luga- res estabelecidos, que nos formam, (en)fôrmam e às vezes conformam com aquilo que disseram que somos ou deveríamos ser como pessoas, como pro- fissionais, como professores. Aí reside o potencial formativo das narrativas, o dizer-se faz ver-se (LARROSA, 2002: 77). 42 Por uma docência babélica 43 As narrativas produzidas ora são estimulados por recursos ou situ- ações evocativas de memória4, tais como filme leitura de contos, poesias..., em ocasiões que antecedem a entrada do estudante-professor no campo de estágio, ora por situações vividas no exercício da docência durante o está- gio supervisionado. Na produção dos relatos os licenciandos são orientados a narrarem não só os acontecimentos, mas os efeitos deles sobre si, uma vez que compreendemos que a percepção não é pura e simplesmente produto do sentido, mas fruto de operação complexa que envolve todas as dimensões do ser (racional, emocional, psíquica, mítica, simbólica...) (BERKENBROCK- ROSITO, 2008). Esses efeitos que aparecem nas narrativas, muitas vezes comparecem na docência no formato de encontros e confrontos com os outros, os estu- dantes, que nos interpelam com suas próprias histórias e diferentes formas de estar sendo. Daí por que temos investido na perspectiva do cuidado de si, como princípio formativo e como estratégia de acesso ao outro. Esse outro tão múltiplo, mas com quem ao mesmo tempo no identificamos. Alguns desses encontros e confrontos, registrados nas memórias de nossos estudantes-professores, trago agora para essa discussão: Atopias e utopias A parte da copiação deu trabalho, apesar de ser teoricamente fácil os alunos tinham preguiça (...). As alunas pareciam que nunca haviam visto um menino na vida. Teve uma que chegou a subir na cadeira para olhar para um menino, parece até que estavam em período de acasalamento, mas a situação foi contornada com um pouco de jei- to e autoritarismo. Entendo que elas estão na idade em que querem 4 Recurso utilizado para “estimular o debate e a produção de narrativas que ativem, pela memória, um conjunto de experiências, representações, desejos, sensações, crenças, valo- res e raciocínios construídos pelos sujeitos em seu esforço de significação e de atribuição de sentidos em relação a si mesmos, ao mundo que os circunscreve e interpela e ao outro”. (CHAVES, 2006: 169). namorar, paquerar, beijar etc..., mas certas atitudes mostram caracte- rísticas de pessoas que pensam que não tem limites. (relato de Edu, estudante de LCB, do campo de estágio). Preguiça, palavra que nomeia e institui um lugar social e a forma com que o estagiário percebe a atitude dos estudantes. Forma essa da qual deriva ação docente, autoritária, por estar na contramão da norma, da normalidade com que aqueles estudantes deveriam receber a fácil tarefa de copiar a lição. Há aí uma expectativa de aluno como aquele que aceita, acata e obedece que é transgredida pela preguiça, algo em desajuste que deve ser expurgado do espaço escolar. De onde herdamos essa noção? Que discursos tem instituído esse lugar de aluno como alguém dócil disposto a acolher os proveitosos en- sinamentos daqueles que professam a educação, ainda que esses ensinamento se resumam a fáceis cópias de algo que muitas vezes já se sabe? Porque são desviantes os que se rebelam, rejeitam, resistem à norma? Há que se abrir para outras leituras, porque assim como A educação é, em muitos casos, um processo em que se realiza o proje- to que o educador tem sobre o educando, também é o lugar em que o educando resiste a esse projeto, afirmando sua alteridade, afirmando- se como alguém que não se acomoda aos projetos que possamos ter sobre ele, como alguém que não aceita a medida de nosso saber e de nosso poder, como alguém que coloca em questão o modo como nós definimos o que ele é, o que quer e o que necessita, como alguém que não se deixa reduzir a nossos objetivos e que não se submete a nossas técnicas (LARROSA, 1998, p.17-18). Como a insubmissão esteve presente naquela experiência, nosso estu- dante-professor valeu-se do autoritarismo, outra forma-fôrma na qual encer- ramos, agora, a figura do professor. A expectativa de submissão também aparece na narrativa como estra- nhamento de (in)adequada maneira de ser menina, de ser mulher, situação que também foi contornada pela sujeição via autoritarismo. Ainda que te- 44 Por uma docência babélica 45 nha sancionado pela idade de namorar, paquerar e beijar a conduta das alu- nas, nosso estudante-professor não deixou de registrar seu incômodo com transgressão de um padrão de moralidade que instituiu um jeito certo de ser mulher decente. De que lugar fala? Quem fala por ele? Que posição de sujei- to assume ao enunciar esse discurso? Essas parecem ter sido as questões que impulsionaram o deslocamento de olhar ao ter sua narrativa problematizada durante as reuniões de estágio. Agora, posso ver que, parte desta atitude talvez esteja relacionada aos meus valores, pois, sou um individuo que teve uma formação familiar enraizada nos preceitos religiosos. Épossível verificar nessa minha atitude um traço característico da sociedade que é a hegemonia da trindade machismo, heterossexualismo e cristianismo. Ter aquela ati- tude com a menina era, talvez, uma formar de me defender da ousadia dela e procurar modelá-la de acordo com a minha formação pessoal (relato de Edu, estudante de LCB, do campo de estágio). Família e igreja, eis duas instituições poderosas na fabricação de iden- tidades, de lugares sociais fixos. Identidades que usamos para modelar, insti- tuir formas corretas ou desviantes de ser, que nos produzem e com as quais produzimos o outro, estranhando-os, estranhando-nos quando não corres- pondemos às expectativas de ser mulher, professor, aluno, filho, gente. Cuidar-se, olhar para si, eis o convite para construirmos relações não alérgicas com o outro (MÈLICH, 1998, p.171). Outro que muitas vezes somos nós mesmos quando rejeitamos nossas formas de estar sendo infiéis àquilo que instituíram que deveríamos ser, levando-nos a uma espécie de rea- ção auto-imune que nos corrói, envenena e paralisa. Um dia em aula a professora falou algo que me deixou muito pensa- tiva, era mais ou menos assim “precisamos saber o que fazer com os discursos que são impregnados na gente”. E agora eu penso que talvez em minha memória marcante5 eu devesse ter escrito como eu sem- pre fui descrita pela minha mãe como a menina nota 8, não era boa em nada, mas não era ruim em nada, sempre mediana. Eu poderia ter escrito sobre o meu segundo dia de aula na universidade em que meu pai me disse que eu nunca ia ser boa em nada, porque eu fazia péssimas escolhas, poderia escrever sobre quantas vezes ele pergun- tou o curso que eu fazia, quantas vezes ele debochou do que eu tinha escolhido. E com o término do curso chegando eu olhava para o lado e me perguntava aonde eu tinha chegado? O que eu tinha feito? Me comparava com os meus amigos de classe sempre pensando no mes- trado fora, sempre pensando além e eu aqui sem saber o que fazer. Eu me transformei em nada. (Relato de Bia, estudante de LCB, durante módulo de ensino de Pratica I). Que condições de possibilidade fabricaram a docência, o ser profes- sora como o lugar de nada ser? Porque esse lugar destituído de valor social em algum momento se tornou atrativo para alguém que de antemão já foi cunhada como medíocre, nem boa, nem má, a menina nota 8? Tais questões permitem deslocar o foco de análise do problema da verdade, da oposição fal- so-verdadeiro, acerca do que se é ou deixa de ser, para a discussão do porque algumas máximas relativas à profissão de professor se tornaram verdadeiras - o professor desvalido, a profissão medíocre de pessoas igualmente medí- ocres - e as derivações dessas máximas – desprestígio social, baixos salários, péssimas condições de trabalho. Em termos formativos, situar a discussão no âmbito da episteme (FOUCAULT, 2005) permite que nos posicionemos na docência de outro modo, localizando fora de nós, de nossas supostas e pré-determinadas defici- ências e mediocridades o fracasso da educação, do ensino, o desinteresse do estudante, que nos fazem, muitas vezes, sermos autoritários para reivindicar um respeito que intimamente pensamos não merecer. 5 Referência a uma das narrativas desenvolvidas no curso. 46 Por uma docência babélica 47 O exercício de olhar esses discursos apriosionantes de fora deles, à maneira sartriana, nos libera para transformar, a nosso favor, aquilo que nos fizeram acreditar que somos em novas formas de ser e de lidar com o outro. Ao longo do módulo6 fui lembrando de experiências em sala de aula, no quanto eu não conseguir ter auto-controle perante a desordem dos alunos, eu não sabia o que fazer e fui tudo o que repudiei em mui- tos professores meus, fui autoritária, eu gritei, não fui o que eu queria ser, mas porque? Eu sabia tantas coisas, sabia muita teoria sobre ser professora, mas a prática foi muito desmotivante. E foi nesses dois extremos, entre saber e praticar, que me questionei muito sobre que professora eu seria. A verdade simples é que eu não sei. O módulo, na verdade o semestre, me mostrou como as histórias da minha vida es- tão marcadas a ferro e fogo em mim, no meu caráter, na minha perso- nalidade, nas minhas relações pessoais e principalmente nas minhas práticas profissionais. Em meio a isso tudo que estou tentando fazer é aprender a lidar com todas as marcas que a vida nos deixa, sejam boas ou ruins, reforça-las quando necessárias, esquece-las quando for preciso, mas a lidar com elas. Elas estão aqui, não tem como fugir e tudo o que eu posso fazer é não desistir e sim levá-las para o melhor lugar que elas podem se encaixar na minha vida. O melhor lugar, qual será ele? Existe esse lugar? Gosto de pensar nesse lugar como o espaço da dúvida que nos mantenha abertos à metamorfoses, que nos possibilite ler o mundo de outras maneiras, por meio de palavras eternamente renovadas das quais possam surgir um (re)começar plenamente afirmativo, “formalmente selvagem” (Larrosa, 1998). Das dúvidas iniciais, a maioria ainda fica, contudo já sinto uma curio- sidade e vontade de experimentar mais uma vez entrar numa sala de aula, e tentar eu mesma redigir meu texto, dirigir minha história, não com personagens, mas sim com pessoas de verdade e tentar marcar ou fazer a diferença pra alguém. (Relato de Natalina, estudante de LCB, durante módulo de ensino Prática I) 6 A referência aqui ao módulo de ensino Prática I, do 5º semestre da LCB. Mas a dúvida que paira no ar agora é como colocarei tudo em prática, como não me deixarei ir em pequenos detalhes para o lado de tudo aquilo que aprendi a não querer? Essas são perguntas para as quais ainda não tenho respostas. Mas sei que não adianta sonhar achando que você será como esses professores vistos em filmes espetaculares, verdadeiros heróis. Sim terei rotina cheia de falhas e fracassos diários, porém o lado bom de tudo isso é que estou construindo a realidade e não terei como nos filmes, que agir segundo um roteiro, mas sim com pequenos pedaços de vida que passarão pela minha frente, como sonhos remendados pelo destino, e uma grande vantagem, a de poder mudar o final, a de fazer o meu final e reinventar em sala de aula, um mundo a parte, capaz de formar pessoas livres a tal ponto que possam até optar por continuar do mesmo modo de antes (Relato de Rafa, estudante de LCB, durante módulo de ensino Pratica I) Essa, como diz Larrosa (1998:62), “é uma bela imagem para um pro- fessor: alguém que conduz alguém para si mesmo” livremente, a ponto de escolher permanecer onde está, escolhendo sua própria maneira de ser. Mas, ainda estamos desejantes de controle, formatados em discursos com locais pré-definidos de chegada, em modos de ser estabilizados, san- cionados, autorizados por porta-vozes que elegemos não como referências, mas como autoridades inquestionáveis. Autoridades que se esvaem quando nos deparamos com estudantes e situações semelhantes às do início de nossa história. Jovens, homens, mulheres, crianças, ribeirinhos, camponeses, todos, habitantes de um mundo babélico, muito distantes do aluno-padrão que um dia nos ensinaram a esperar. Cuidar de si, ocupar-se de si, eis a lição que nos resta aprender, eis o caminho ao qual nos aventurar no processo de nos (trans)formarmos profes- sores, mantendo-nos nessa busca incessante do encontro com o novo, com o outro, com a diferença, com o que seremos, com o que um dia fomos. Aí, (quem sabe?) Babel venha a ser nosso lar e assim, não mais temendo seus habitantes e seduzidos por sua pluralidade encantadora possamos nos tornar um deles, destemidamente. 48 Por uma docência babélica 49 Referências Bibliográficas BROCKMEIER, Jens e HARRÉ, Rom. Narrativas: problemas e promessas de um paradigma alternativo. Psicologia: reflexão e crítica. v.16, n. 3, 2003 p.525-535. CHAVES, Sílvia Nogueira. Memória e autobiografia: nos subterrâneos da formação docente. In: SOUZA, Elizeu Clementino de (org.).
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