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Indaial – 2019 Psicologia da Educação dos surdos Prof. Kevin Daniel dos Santos Leyser 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2019 Elaboração: Prof. Kevin Daniel dos Santos Leyser Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: L685p Leyser, Kevin Daniel dos Santos Psicologia da educação dos surdos. / Kevin Daniel dos Santos Leyser. – Indaial: UNIASSELVI, 2019. 276 p.; il. ISBN 978-85-515-0352-2 1. Surdos - Educação. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 371.912 III aPrEsEntação Caro acadêmico, antes de apresentar o conteúdo deste livro, gostaria de me apresentar a você. Sou Bacharel e Licenciado em Psicologia (2005) e Licenciado em Filosofia (2004) pela Universidade Comunitária Regional de Chapecó, e Bacharel em Teologia pela Faculdade de Educação Teológica Logos (2002). Especialista em Psicopedagogia e Práticas Pedagógicas e Gestão Escolar pela Faculdade de Administração, Ciências, Educação, Letras (2007), Especialista em Educação a Distância: Gestão e Tutoria pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci (2018) e Mestre em Educação pela Universidade Regional de Blumenau (2011). Agora vamos ao Livro Didático. Este livro tem como objetivo sistematizar os elementos básicos da disciplina de Psicologia da Educação para Surdos, que proporcionará um contato com os principais tópicos, autores e obras, além dos instrumentos necessários, não apenas para acompanhar a presente disciplina, mas também para os estudos autônomos posteriores. A primeira unidade fornecerá uma introdução sobre como os alunos, incluindo os surdos, aprendem em contextos formais e informais. As relações entre ensino e aprendizagem também serão destacadas, pois nem sempre são tão óbvias quanto parecem. Nesse contexto, enfatizaremos o tema de que os alunos surdos não são simplesmente alunos que não podem ouvir, mas podem ter necessidades e pontos fortes acadêmicos diferentes de seus pares ouvintes. No nível mais básico, é somente pela compreensão dos fundamentos da aprendizagem e as maneiras pelas quais a educação e a instrução podem promovê-la, que seremos capazes de reconhecer os desafios que os alunos surdos enfrentam nos contextos educacionais e a necessidade de várias acomodações de ensino-aprendizagem. Em última análise, o objetivo desta unidade é fornecer uma compreensão completa de como podemos combinar melhor os métodos e materiais de ensino com os estilos de aprendizagem dos alunos surdos, ao mesmo tempo em que acomodamos as grandes diferenças individuais entre eles. A segunda unidade se concentrará em três temas centrais. Primeiro, exploraremos o desenvolvimento da linguagem, em sentido amplo, e da língua, em sentido estrito, para o aprendiz surdo. Com isso também introduziremos várias questões de aprendizagem que são influenciadas por esse desenvolvimento. Segundo, discutiremos especificamente as questões de ensino e avaliação da linguagem e da língua para indivíduos surdos. Finalmente, o terceiro tema será uma descrição dos perfis cognitivos de alunos surdos e suas implicações para a educação. IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! A terceira unidade introduzirá questões mais específicas da educação e aprendizagem para surdos no âmbito da educação formal. Primeiro, discutiremos as questões referentes à realização escolar e às instruções quanto a literacia. No mesmo teor, discutiremos as questões sobre a numeracia, no segundo tópico. Prosseguiremos então para apresentar as novas tecnologias de aprendizagem para aprendizes surdos. Finalizando com uma discussão sobre os contextos de aprendizagem para esse público específico. Desejo uma boa jornada a todos rumo à edificação da educação e sucesso frente aos desafios intelectuais, éticos e pessoais proporcionados pelo estudo da Psicologia da Educação para Surdos. Prof. Me. Kevin Daniel dos Santos Leyser NOTA V VI VII UNIDADE 1 – PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM E OS APRENDIZES SURDOS ............. 1 TÓPICO 1 – APRENDIZAGEM E ENSINO ....................................................................................... 3 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 3 2 DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM ................................................................................ 4 3 A NATUREZA ECOLÓGICA DA APRENDIZAGEM .................................................................. 6 4 AS ORIGENS DA APRENDIZAGEM .............................................................................................. 9 5 APRENDIZAGEM FORMAL EM ESCOLAS .................................................................................. 12 6 APRENDIZAGEM INDIVIDUAL, COOPERATIVA E COLABORATIVA ............................... 14 7 APRENDER E ENSINAR .................................................................................................................... 16 7.1 ENSINO E INSTRUÇÃO ................................................................................................................ 17 7.2 O ENSINO E O RELACIONAMENTOS ALUNO-PROFESSOR .............................................. 21 8 EDUCAÇÃO BASEADA EM EVIDÊNCIAS ................................................................................... 22 8.1 VIABILIDADE DOS DELINEAMENTOS DE PESQUISA ......................................................... 24 8.2 PRÁTICAS DE PUBLICAÇÃO ...................................................................................................... 25 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................... 25 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 26 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 29 TÓPICO 2 – APRENDIZES SURDOS ................................................................................................. 31 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 31 2 FALA, SOM E AUDIÇÃO ...................................................................................................................33 3 PERDA AUDITIVA .............................................................................................................................. 36 4 APARELHOS AUDITIVOS E IMPLANTES COCLEARES .......................................................... 40 5 DEFICIÊNCIA AUDITIVA E SURDEZ ............................................................................................ 44 6 SER SURDO NA ESCOLA .................................................................................................................. 46 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................... 48 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 49 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 52 TÓPICO 3 – O INÍCIO DA APRENDIZAGEM PARA SURDOS .................................................. 53 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 53 2 LÍNGUA E COMUNICAÇÃO ............................................................................................................ 55 3 FUNDAÇÕES DA INTERAÇÃO SOCIAL ...................................................................................... 57 4 O LÚDICO COMO JANELA E SALA ............................................................................................... 62 5 UMA CRIANÇA SURDA NA FAMÍLIA.......................................................................................... 63 LEITURA COMPLEMENTAR ............................................................................................................... 65 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 71 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 74 UNIDADE 2 – LINGUAGEM, COGNIÇÃO E EMOÇÃO NOS APRENDIZES SURDOS ...... 75 TÓPICO 1 – DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM ................................................................ 77 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 77 sumário VIII 2 A LINGUAGEM ................................................................................................................................... 77 3 LÍNGUAS DE SINAIS ......................................................................................................................... 80 4 MULTIMODALIDADE E SISTEMAS DE SINAIS ....................................................................... 83 5 O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM ................................................................................ 87 6 AQUISIÇÃO DO BILINGUISMO E APRENDIZAGEM DE LÍNGUA ESTRANGEIRA ...... 91 7 AQUISIÇÃO DE LÍNGUA FALADA POR CRIANÇAS SURDAS ............................................ 93 8 AQUISIÇÃO DA LÍNGUA DE SINAIS POR CRIANÇAS SURDAS ........................................ 97 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................... 101 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 103 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 106 TÓPICO 2 – ENSINO E AVALIAÇÃO DA LINGUAGEM .............................................................. 107 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 107 2 AQUISIÇÃO DE LÍNGUAS EM CASA E APRENDIZAGEM DE LÍNGUAS NA ESCOLA 108 3 AVALIAÇÃO DA PROFICIÊNCIA LINGUÍSTICA ...................................................................... 110 4 AUMENTANDO A ACESSIBILIDADE À LÍNGUA NA EDUCAÇÃO..................................... 115 4.1 AUMENTANDO A ACESSIBILIDADE À LÍNGUA APRIMORANDO A ACÚSTICA DA SALA DE AULA ............................................................................................................................... 115 4.2 AUMENTANDO A ACESSIBILIDADE À LÍNGUA ADICIONANDO UM CÓDIGO MANUAL À LÍNGUA FALADA .................................................................................................. 117 4.3 AUMENTANDO A ACESSIBILIDADE À LÍNGUA ATRAVÉS DA LÍNGUA DE SINAIS .... 122 5 PROMOÇÃO DA COMPETÊNCIA EM LÍNGUAS ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO BILÍNGUE .............................................................................................................................................. 123 6 FACILITANDO O DESENVOLVIMENTO DA LÍNGUA ATRAVÉS DA INTERAÇÃO EM SALA DE AULA .................................................................................................................................... 127 7 INSTRUÇÃO DIRETA DE LÍNGUA ................................................................................................ 130 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................... 133 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 134 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 137 TÓPICO 3 – PERFIS COGNITIVOS DE ALUNOS SURDOS ........................................................ 139 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 139 2 INTELIGÊNCIA VERSUS COGNIÇÃO .......................................................................................... 140 3 ATENÇÃO VISUAL E COGNIÇÃO VISUAL ............................................................................... 144 4 MEMÓRIA E APRENDIZAGEM ...................................................................................................... 148 5 FUNCIONAMENTO EXECUTIVO E METACOGNIÇÃO ........................................................... 150 6 COGNIÇÃO SOCIAL E TEORIA DA MENTE .............................................................................. 153 6.1 PREDITORES DA TEORIA DO DESENVOLVIMENTO DA MENTE EM CRIANÇAS SURDAS ............................................................................................................................................ 155 6.2 TEORIA DA MENTE EM CRIANÇAS COM IMPLANTES COCLEARES ............................. 157 6.3 IMPLICAÇÕES MAIS AMPLAS DA TEORIA DO DESENVOLVIMENTO DA MENTE .... 160 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................... 162 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 163 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 166 UNIDADE 3 – REALIZAÇÃO ESCOLAR E INSTRUÇÕES .......................................................... 167 TÓPICO 1 – REALIZAÇÃO ESCOLAR E INSTRUÇÕES: LITERACIA ...................................... 169 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 169 2 ENTENDENDO A REALIZAÇÃO DOS APRENDIZES DE SURDOS ..................................... 170 3 LEITURA ................................................................................................................................................ 173 3.1 ELEMENTOS DA LEITURA ..........................................................................................................174 IX 3.1.1 Reconhecendo Palavras ......................................................................................................... 175 3.1.2 Entendendo o que palavras significam ............................................................................... 177 3.1.3 Gramática: as regras da língua ............................................................................................. 180 3.1.4 Então, o que devemos fazer sobre isso? .............................................................................. 181 4 EDUCAÇÃO BILÍNGUE PARA ALUNOS SURDOS .................................................................... 182 5 A ESCRITA ............................................................................................................................................ 184 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................ 189 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 192 TÓPICO 2 – REALIZAÇÃO ESCOLAR E INSTRUÇÕES: NUMERACIA .................................. 193 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 193 2 MATEMÁTICA ..................................................................................................................................... 193 2.1 ENTÃO, O QUE NÓS PODEMOS FAZER SOBRE ISSO? ......................................................... 198 3 A CIÊNCIA DA EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS ................................................................................ 200 3.1 BARREIRAS PARA A EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS PARA ALUNOS SURDOS .................. 200 3.2 ENTÃO, O QUE NÓS PODEMOS FAZER SOBRE ISSO? ......................................................... 203 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................ 207 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 210 TÓPICO 3 – NOVAS TECNOLOGIAS DE APRENDIZAGEM PARA APRENDIZES SURDOS ............................................................................................................................ 211 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 211 2 A REVOLUÇÃO DIGITAL ................................................................................................................. 211 2.1 REVOLUÇÃO NA COMUNIDADE SURDA .............................................................................. 212 2.2 REVOLUÇÃO NA EDUCAÇÃO DOS SURDOS ........................................................................ 213 3 APRENDIZAGEM MULTIMÍDIA .................................................................................................... 214 4 CARACTERÍSTICAS DO ALUNO QUE AFETAM A APRENDIZAGEM MULTIMÉDIA ..... 217 5 PROJETO DE MULTIMÍDIA INSTRUCIONAL EFICAZ ............................................................ 218 5.1 IMAGENS E ANIMAÇÕES ............................................................................................................ 218 5.2 EXIBIÇÃO DE INFORMAÇÕES ................................................................................................... 219 5.3 HIPERMÍDIA.................................................................................................................................... 220 5.4 NAVEGAÇÃO .................................................................................................................................. 222 6 SUPORTE EDUCACIONAL ............................................................................................................... 224 7 EFEITOS DA APRENDIZAGEM MULTIMÍDIA ASSISTIDA POR COMPUTADOR EM ESTUDANTES SURDOS .................................................................................................................... 225 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................ 232 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................................. 235 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................... 237 X 1 UNIDADE 1 PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM E OS APRENDIZES SURDOS OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • apresentar o modelo ecológico de ensino-aprendizagem para aprendizes surdos; • introduzir contexto da pessoa surda e os desafios educacionais iniciais; • compreender como ocorre o início da aprendizagem da criança surda em casa e a relação dela com os pais. Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – APRENDIZAGEM E ENSINO TÓPICO 2 – APRENDIZES SURDOS TÓPICO 3 – O INÍCIO DA APRENDIZAGEM PARA SURDOS 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 APRENDIZAGEM E ENSINO 1 INTRODUÇÃO Se quisermos ensinar efetivamente os alunos surdos, para que eles realmente aprendam com nosso ensino, então este deve estar firmemente fundamentado no que sabemos sobre a aprendizagem em geral e sobre o ensino em relação ao aprendizado em particular. O conhecimento dos processos básicos de aprendizagem é (ou deveria ser) um requisito para todos aqueles que ensinam. Por isso, iniciamos este livro com um tópico que fornece uma introdução sobre como os alunos, incluindo os surdos, aprendem em contextos formais e informais. As relações entre ensino e aprendizagem também serão destacadas, pois nem sempre são tão óbvias quanto parecem. Nesse contexto, enfatizaremos o tema de que os alunos surdos não são simplesmente alunos que não podem ouvir, mas podem ter necessidades e pontos fortes acadêmicos diferentes de seus pares ouvintes. No nível mais básico, é somente pela compreensão dos fundamentos da aprendizagem e as maneiras pelas quais a educação e a instrução podem promovê-la, que seremos capazes de reconhecer os desafios que os alunos surdos enfrentam nos contextos educacionais e a necessidade de várias acomodações de ensino-aprendizagem. Em última análise, o objetivo é fornecer uma compreensão completa de como podemos combinar melhor os métodos e materiais de ensino com os estilos de aprendizagem dos alunos surdos, ao mesmo tempo em que acomodamos as grandes diferenças individuais entre eles. A aprendizagem é o resultado de uma interação complexa entre características do indivíduo, fatores socioemocionais e variáveis instrucionais. É, portanto, um processo consideravelmente mais complexo do que muitos apreciam, mesmo porque o aprendizado geralmente parece tão automático. No entanto, como Alexander, Schallert e Reynolds (2009, p. 176) apontaram, “[...] não se pode começar a entender a verdadeira natureza da aprendizagem humana sem abraçar sua complexidade interacional”. O ensino tradicional aproxima-se na educação de surdos, em contraste, muitas vezes baseado na identificação e aplicação de respostas simples para questões complexas. O resultado tem sido o insucesso acadêmico de muitos alunos surdos. Se quisermos melhorar os resultados do ensino, ou seja, os resultados acadêmicos dos alunos surdos, os professores precisam aplicar o que é frequentemente chamado de abordagem ecológica da instrução, levando em conta as características dos alunos (incluindo os pontos fortes e fracos que descreveremos posteriormente), bem como o ambiente educacional. Em essência, se alguém estuda a aprendizagem, deve UNIDADE 1 | PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM E OS APRENDIZES SURDOS 4 estudaro desenvolvimento em contexto (BRONFENBRENNER, 1996). No decorrer deste tópico, descreveremos o que tal modelo ecológico significa para ensinar aprendizes surdos. 2 DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM Durante o curso de sua vida, os seres humanos se desenvolvem de várias maneiras. É claro que eles se desenvolvem fisicamente, ficando mais altos, maiores e mais velhos. No entanto, também, no desenvolvimento ao longo da vida, são igualmente importantes as funções mentais como linguagem, resolução de problemas e criatividade. O desenvolvimento dessas funções mentais está intimamente associado ao desenvolvimento do cérebro e é grandemente influenciado pela experiência. Em parte, o desenvolvimento dos seres humanos é geneticamente especificado e, portanto, predeterminado pela natureza. Os genes, espalhados nos cromossomos encontrados em todas as células do corpo, determinam o curso do desenvolvimento, mas também podem criar desvios do curso “natural”. Um desvio que pode ocorrer no desenvolvimento humano, com potencialmente muitas causas genéticas, é a perda auditiva. A perda auditiva, como outras características individuais, pode ser causada por mutações genéticas, mudanças permanentes de tamanhos variados nas sequências de DNA encontradas nos cromossomos. Essas mutações podem estar presentes no nascimento ou adquiridas a qualquer momento durante a vida de uma pessoa. No entanto, embora as especificações genéticas (o genótipo) sejam importantes para o desenvolvimento, o crescimento do indivíduo (o fenótipo) é influenciado não apenas pela natureza, mas também pelo que é adquirido, aprendido, no meio ambiente. A forma como os humanos crescem fisicamente, por exemplo, é amplamente especificada geneticamente, mas o crescimento físico das crianças fica em perigo se elas não receberem alimento e exercício suficientes. O cérebro e as funções mentais associadas a ele também precisam de nutrição para o desenvolvimento do pensamento e da linguagem na forma de diversidade experiencial no mundo. A contribuição ambiental, portanto, é de importância crucial para o desenvolvimento de estruturas e processos cerebrais geneticamente especificados. O cérebro consiste essencialmente em uma grande massa de células cerebrais ou neurônios, cerca de 86 bilhões deles, que estão conectados uns aos outros em vastas redes. Estruturalmente, as células cerebrais são agrupadas em várias partes do cérebro, das quais as mais proeminentes são os hemisférios cerebrais direito e esquerdo. O input ambiental não leva tanto a um aumento do número de neurônios, mas, mais importante, a conexões cada vez mais eficazes entre eles. Com o tempo, vários circuitos ou redes de neurônios tornam-se especializados para funções específicas. Por exemplo, em todas as pessoas destras e na maioria das canhotas, o hemisfério esquerdo do cérebro torna-se especializado (ou lateralizado) para o processamento, compreensão e produção da linguagem, independentemente da modalidade dessa língua, falada ou de sinais. Indivíduos TÓPICO 1 | APRENDIZAGEM E ENSINO 5 surdos que crescem usando a língua de sinais desde o nascimento, entretanto, tendem a ser mais organizados bilateralmente para a linguagem; isto é, ambos os hemisférios cerebrais estão provavelmente envolvidos. As crianças não adquirem sua língua nativa ouvindo fitas de áudio ou assistindo televisão, mas através de interações e comunicação próximas com seus pais (KUHL, 2004). Elas ouvem ou, no caso de pais que falam a língua de sinais, observam a língua sendo produzida sob várias situações, processam-na, criam representações mentais dela, e ativamente constroem e testam hipóteses sobre significados. As condições socioambientais em que o input da língua é dado, portanto, são tão importantes quanto o input em si, proporcionando treinamento complexo e variável em contextos de aprendizagem que destacam informações e características essenciais de várias tarefas linguísticas e não linguísticas. Durante toda a infância, enquanto a linguagem está sendo adquirida, o cérebro está amadurecendo e se desenvolvendo. É somente no início da idade adulta que o córtex motor pré-frontal, importante para o monitoramento e controle das ações, atinge seu estado maduro. Naquela época, o cérebro tornou-se bastante especializado e, em alguns aspectos, parece funcionar como um conjunto de módulos relativamente independentes. O cérebro adulto, portanto, pode ser visto como o resultado final de “interações multidirecionais dinâmicas entre genes, cérebro, cognição, comportamento e ambiente” (KARMILOFF-SMITH, 2009, p. 100). Todavia, isso não significa que o cérebro adulto seja uma entidade fixa. Em vez disso, ele permanece plástico (mutável) e dinâmico em suas funções ao longo da infância e na idade adulta. Por um lado, isso significa que o desenvolvimento das funções mentais e, assim, o aprendizado não precisam esperar até que o cérebro atinja seu estado adulto. Muito pelo contrário, a aprendizagem começa muito cedo, mesmo antes do nascimento (DECASPER; FIFER, 1980), e os processos de aprendizagem ajudam a moldar o cérebro ao longo do desenvolvimento. A falta de controle pré- frontal (maturação completa do cérebro) em crianças pequenas é realmente útil para o aprendizado. Como resultado, bebês e crianças pequenas são relativamente desinibidos em suas explorações, aumentando assim a aprendizagem flexível e estimulando a criatividade (GOPNIK, 2010). Por outro lado, a aprendizagem não para quando o cérebro termina de crescer. É a plasticidade do cérebro que permite que os humanos se envolvam na aprendizagem ao longo da vida. Onde isso deixa a noção de que há períodos críticos no desenvolvimento, por exemplo, na aprendizagem da língua nativa? Segundo Kuhl (2004), os sistemas visual, auditivo e de linguagem diferem em relação aos períodos em que podem ser aprendidos sem muito esforço. No entanto, mesmo dentro desses sistemas, há muito mais plasticidade do que frequentemente se supõe. Períodos críticos para alguns domínios da aprendizagem existem, mas parecem menos rígidos do que se pensava anteriormente. Em primeiro lugar, a aprendizagem de línguas implica o desenvolvimento de redes de atenção. Essas redes ajudam uma UNIDADE 1 | PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM E OS APRENDIZES SURDOS 6 criança a se concentrar em propriedades específicas da fala ou de expressões e gestos de sinais. Com a experiência e a exposição à linguagem, essas propriedades tornam-se codificadas, essencialmente catalogadas no cérebro. Essa codificação literalmente resulta em mudanças no cérebro, levando ao tecido neural que se torna especializado na análise de padrões de linguagem específicos. Kuhl (2004) chama isso de uma forma de comprometimento neural. O aprendizado inicial resulta em comprometimento neural que atua como um tipo de filtro, apoiando e restringindo o aprendizado futuro de idiomas. A aprendizagem de padrões de línguas não nativas torna-se mais difícil porque o cérebro já se tornou um tanto limitado pela aquisição da primeira língua. A ideia de um período crítico no desenvolvimento da linguagem, portanto, não deve ser vista tanto como uma janela que é fechada em algum momento, mas muito mais como um processo, determinado pela maturidade e pelo aprendizado. Como veremos na Unidade 2, no entanto, o processo não é aberto. O fraco acesso à linguagem de alta qualidade no início da vida, por exemplo, por perda auditiva significativa sem acesso a uma língua falada e/ou de sinais, pode resultar em dificuldades permanentes na linguagem, particularmente na área gramatical (MARKMAN et al., 2011). Isso não significa que inputs tardios impeçam totalmente a aquisição de linguagem, mas problemas persistentes com processamento, compreensão e produção de estruturas gramaticais devido a inputs degradados ou insuficientes terão impacto sobre a aprendizagem, a alfabetização e o sucesso pessoal na sociedade. 3 A NATUREZA ECOLÓGICA DA APRENDIZAGEMA aprendizagem impulsiona o desenvolvimento, refere-se essencialmente às mudanças no conhecimento de um indivíduo como resultado de experiências. O desenvolvimento, por sua vez, é impulsionado por vários mecanismos de aprendizagem, como aprendizado baseado em erros, aprendizado através da construção ativa de significado, aprendizado probabilístico e aprendizado auto-organizável (ALEXANDER; SCHALLERT; REYNOLDS, 2009). Se o desenvolvimento é governado pelo que precisa ser aprendido em fases específicas da vida, a aprendizagem é restringida por fatores intrínsecos a tarefas específicas e ao conhecimento e habilidades do indivíduo. Algumas tarefas são mais facilmente aprendidas do que outras através de um mecanismo de aprendizagem específico, mas a aprendizagem também é influenciada por fatores extrínsecos, como ambientes físicos e sociais. O ambiente físico, por exemplo, pode ter um impacto na aprendizagem através do número de pessoas no ambiente de aprendizagem (aglomeração), a quantidade de ruído de fundo irrelevante, o tamanho das escolas ou salas de aula, a qualidade dos edifícios como casas e escolas, a iluminação e o clima interno (EVANS, 2006). Aspectos do ambiente social que afetam a aprendizagem são o clima pedagógico, o número e a qualidade das interações e a qualidade da linguagem nas interações (HART; RISLEY, 1995). TÓPICO 1 | APRENDIZAGEM E ENSINO 7 Aprender assim é um processo ecológico moldado tanto por aspectos da situação de aprendizagem como pelas características do aprendiz. Ou seja, a aprendizagem sempre ocorre em contextos específicos, seja informalmente durante atividades em casa ou interações com outras pessoas ou formalmente como resultado de instrução em sala de aula ou outro ambiente educacional. Esses contextos moldam o processo e os resultados da aprendizagem, às vezes de forma sutil e às vezes não tão sutil (CAPRA et al., 2006). O contexto não determina totalmente a aprendizagem, no entanto. Os humanos aprendem ativamente e constantemente construindo o significado por si mesmos. Esse modo de aprendizagem resulta do processamento de informações verbais e visuais, geralmente por meio de vias separadas. Além do conteúdo em si, o indivíduo também aprende a atender e processar a correlação entre diferentes fontes de informação. A aprendizagem humana é, portanto, uma atividade cognitiva cumulativa e interativa, limitada, em certa medida, por causa das restrições de processamento, como a velocidade ou a discriminação do input ou a influência do conhecimento prévio, memória e funcionamento executivo (veremos mais sobre estes aspectos na Unidade 2 deste livro). Alexander, Schallert e Reynolds (2009, p. 186) definiram a aprendizagem da seguinte forma: um processo multidimensional que resulta em uma mudança relativamente duradoura em uma pessoa ou pessoas e, consequentemente, como essa pessoa ou pessoas perceberão o mundo e reciprocamente responderão física, psicológica e socialmente às possibilidades [affordances] oferecidas pelo ambiente. O processo de aprendizagem tem como base a relação sistêmica, dinâmica e interativa entre a natureza do aprendiz e o objeto da aprendizagem ecologicamente situado em um determinado tempo e lugar, bem como ao longo do tempo. Essa definição se encaixa bem com a sugestão que oferecemos no próximo tópico desta unidade, de que quando um indivíduo não tem acesso à informação em uma modalidade sensorial (uma dimensão do processo, por exemplo, audição), em certo sentido, todo o indivíduo é modificado, pelo menos em termos de processamento psicológico e cognitivo (MARSCHARK; KNOORS, 2012; MYKLEBUST, 1960). A aprendizagem é caracterizada por vários princípios fundamentais. Em primeiro lugar, aprender significa mudar, obviamente, a mudança no conhecimento armazenado na memória de longo prazo, seja quantitativamente (mais conhecimento) ou qualitativamente (em sua organização, veja o Tópico 3 da Unidade 2). Essa mudança no aluno pode levar a mudanças no ambiente do aluno, o que pode novamente afetar o aluno. Por exemplo, aprender a cozinhar com proficiência frequente leva os indivíduos a reorganizar suas cozinhas e, com utensílios específicos mais próximos, os hábitos de cozinhar podem mudar. Tornar-se especialista em um campo, por exemplo, a psicologia escolar, pode levar à reorganização das estantes de livros, o que, por sua vez, pode afetar a recuperação futura de informações (desses livros). Por meio de processos cíclicos UNIDADE 1 | PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM E OS APRENDIZES SURDOS 8 como esses, a aprendizagem é constante e contínua, e nem crianças, nem adultos podem impedir que o aprendizado aconteça, pois é inevitável, essencial e ubíquo. As crianças irão adquirir a linguagem e o idioma desde que haja alguma forma de input linguístico. Elas não podem decidir não aprender a linguagem e o idioma, em específico; o processo é inevitável. Sem aprendizagem, os humanos simplesmente não sobreviveriam. É de vital importância que muito ou talvez a maior parte da aprendizagem ocorra automaticamente. Os exemplos anteriores apontam que a aprendizagem pode ser não intencional e incidental ou consciente e intencional. Mesmo na educação, nem toda aprendizagem é explícita. Pelo contrário, grande parte dela que ocorre durante os anos escolares resulta de processos implícitos (dentro e fora da escola). Já observamos que a aprendizagem do primeiro idioma, primeira língua, geralmente evolui implicitamente, pelo menos se houver modelos de linguagem acessíveis para aprender. Quando tais modelos não estão disponíveis, como quando uma criança com surdez profunda está em uma família ouvinte não familiarizada com a língua de sinais, a aprendizagem geralmente implícita da língua tem que se tornar mais explícita. No entanto, mesmo que a aprendizagem ocorra explicitamente, o uso do que foi aprendido pode estar implícito. Ou seja, a maneira como aprendemos está fortemente relacionada à maneira como somos constituídos como humanos. A arquitetura neurocognitiva dos seres humanos molda amplamente a aprendizagem e é moldada pela aprendizagem, assim como a linguagem (e a língua, particularmente) molda a aprendizagem e é moldada por ela. Muitos dos processos envolvidos no desenvolvimento, portanto, são recíprocos. Certamente, há considerável variação entre os seres humanos nos processos e resultados da aprendizagem, em parte por causa do fato de que são muitas vezes pequenas, contudo importantes, diferenças em nossa arquitetura ou funcionamento neurocognitivo. Em estudos separados, por exemplo, McEvoy, Marschark e Nelson (1999) e Marschark et al. (2004) descobriram que a organização do conhecimento lexical nas memórias de longo prazo de estudantes universitários surdos e ouvintes se sobrepunha aproximadamente a 77% a 80%. Eles argumentaram, no entanto, que os 20% ou mais de conhecimento conceitual provavelmente desempenham um papel significativo nas diferenças observadas entre as duas populações em leitura, resolução de problemas e aprendizagem em geral. Em resumo, a aprendizagem é tanto um processo quanto um produto. O produto é a mudança que resulta da aprendizagem; o processo é o modo como essa mudança foi realizada. As pessoas podem aprender de maneira diferente em diferentes momentos no tempo. Em parte, aprender como um processo de desenvolvimento é o resultado de nossa arquitetura neurocognitiva se desenvolvendo com o tempo e amadurecendo. Todavia, como vimos, a TÓPICO 1 | APRENDIZAGEM E ENSINO 9 aprendizagem também é recursiva e iterativa: as mudanças estabelecidas por ela influenciam os processos de aprendizagens subsequentes. E, finalmente, a aprendizagem é interativa. As mudanças trazidas por ela não ocorrem apenas nos aprendizes, mas também no contexto da aprendizagem (BRONFENBRENNER, 1996). 4 AS ORIGENS DA APRENDIZAGEM Geary (2009) sugeriu que, se alguém quiser entender a aprendizagem, não só precisa abordar o quê, onde,quem e quando aprender, mas também o porquê. Por que aprendemos? Em um contexto evolucionário, a aprendizagem resulta em indivíduos que têm várias opções para resolver conflitos sociais ou desafios de subsistência. Eles podem prever o comportamento de outras pessoas ou de animais, onde conseguir alimentos, levando as vantagens competitivas em comparação com os seres humanos que aprenderam menos. No início de nossa evolução, essa aprendizagem foi amplamente implícita e seus objetivos muitas vezes não eram óbvios para os aprendizes. Hoje, muito da aprendizagem tornou- se mais explícito, e a busca de objetivos específicos muitas vezes tem que ser motivada explicitamente. Esforços bem-sucedidos para entender a aprendizagem humana, portanto, exigem ênfase simultânea em ambientes informais e formais de aprendizagem (BRANSFORD et al., 2010). A aprendizagem estruturada geralmente ocorre em contextos formais, principalmente, por meio de ensino explícito conduzido em salas de aula, laboratórios ou situações de tarefas específicas. O ensino e a aprendizagem em ambientes educacionais formais geralmente envolvem currículos planejados e predeterminados. A aprendizagem informal, em contraste, é frequentemente implícita, ocorrendo simplesmente através da participação em atividades cotidianas no mundo. Em contraste com a aprendizagem formal e estruturada, a informal parece ser rápida e sem esforço. Talvez até 90% de toda a aprendizagem ocorra dessa maneira, em contextos informais. Este processo informal está intimamente ligado ao conceito de aprendizagem situada, isto é, a ideia de que este processo está situado em contextos sociais e físicos particulares, o mesmo contexto no qual ele é aplicado (LAVE; WENGER, 1991). Procede, portanto, detectando (geralmente inconscientemente) padrões de covariação em eventos no ambiente. As crianças e os adolescentes trazem muito conhecimento informal para o contexto escolar, nas aulas, brincadeiras e momentos lúdicos. Em todos os casos, fornece uma base importante para a aprendizagem mais formal em contextos acadêmicos. Aprender, em última instância, pode levar à especialização ou expertise. O que distingue os experts dos novatos é a quantidade e a qualidade das informações que eles possuem sobre um determinado tópico. Isso fornece aos experts a capacidade de perceber aspectos específicos de problemas e situações que podem passar despercebidos aos novatos. Em outras palavras, os alunos experts são muito melhores no reconhecimento de padrões e na identificação UNIDADE 1 | PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM E OS APRENDIZES SURDOS 10 de características distintas que colocam algo em uma categoria ou outra em comparação com os alunos novatos. Alunos experts, portanto, não apenas aprenderam com as experiências, mas também aprenderam a experimentar e experienciar. Seu conhecimento é estreitamente conectado e bem organizado em torno de conceitos fundamentais. A maior parte da aprendizagem durante a primeira infância, do nascimento até cerca de quatro ou cinco anos de idade, ocorre em casa. É informal e, em grande medida, implícita (ver Tópico 3 desta unidade), procedendo rapidamente e aparentemente sem muito esforço. Um scaffolding (uma estrutura de suporte) eficaz de experiências precoces por parte dos pais, não apenas no domínio da língua, mas também em outros domínios cognitivos, contribui para a facilidade de aprendizagem. Essa pode ser uma das razões pelas quais os filhos de professores parecem ter melhor desempenho na escola do que muitos de seus colegas. Seus pais-professores aprenderam (explícita e implicitamente) a melhor forma de estruturar situações de aprendizagem que correspondam às habilidades de uma criança. De maneira mais geral, o ambiente intrinsecamente familiar e autônomo em casa também é uma base importante para a aprendizagem. Esse ambiente e as pessoas e os eventos vivenciados são altamente previsíveis para as crianças pequenas, devido a sua frequência, transparência em termos da progressão ordenada das atividades e da linguagem que normalmente a acompanha. Às vezes, porém, os pais simplificam demais as atividades e a linguagem dirigida aos filhos pequenos, com a expectativa de que sejam menos competentes do que realmente são. Essa tendência tem sido vista particularmente entre os pais de crianças com necessidades especiais, o que pode levar essas crianças a se tornarem excessivamente dependentes dos outros. As crianças parecem aprender sobre o mundo ao seu redor da mesma maneira que os cientistas conduzem experimentos. De acordo com a "teoria da teoria", as crianças têm teorias intuitivas sobre o mundo, análogas às teorias científicas. Essas teorias mudam de maneira semelhante à ocorrência de mudanças nas teorias científicas (GOPNIK, 2018). Ou seja, as crianças analisam o ambiente, prestam atenção às regularidades e formam teorias intuitivas sobre o mundo biológico, físico ou psicológico. Piaget (1970) referiu-se a isso como raciocínio hipotético-dedutivo e presumiu que não ocorria até a infância tardia, nos anos pré- adolescentes. Reconhecemos agora que as crianças pequenas são aprendizes mais sofisticados, percorrendo o mundo de uma maneira analítica mais deliberada e compreendendo muito mais do que Piaget jamais imaginou. Por exemplo, como provou Stanislas Dehaene (1997) em relação ao senso numérico das crianças. O que caracteriza a aprendizagem exuberante que ocorre durante a infância? Meltzoff et al. (2009) resumiram pesquisas relevantes, resultando no estabelecimento de fundamentos para uma nova teoria da aprendizagem em bebês e crianças. Eles identificaram três principais forças motrizes na aprendizagem inicial. TÓPICO 1 | APRENDIZAGEM E ENSINO 11 A primeira força motriz refere-se ao fato de a aprendizagem das crianças ser computacional. Elas prestam atenção às regularidades estatísticas e à covariação na linguagem e nos eventos ao seu redor, derivando informações de seus ambientes que lhes permitem reconhecer e prever implicitamente as relações de causa e efeito em torno delas. A segunda força motriz refere-se à aprendizagem das crianças ser social. As interações sociais com outras pessoas oferecem uma fonte rica de informações para a aprendizagem das crianças, não apenas na linguagem, mas também em termos de dinâmica comportamental, cognitiva e social. A imitação, a atenção compartilhada e a compreensão dos sentimentos e perspectivas dos outros (veremos mais sobre este aspecto no Tópico 3 da Unidade 2) são pedras angulares desses processos de aprendizagem social. A aprendizagem é acelerada pela imitação, e as oportunidades de aprendizado são multiplicadas pela imitação, levando a um processo mais rápido com menos erros em comparação com a descoberta individual ou a aprendizagem de tentativa e erro. No entanto, a imitação pelas crianças não é simplesmente a cópia da linguagem ou comportamento de adultos ou colegas. Em vez disso, geralmente envolve a reconstrução de metas, ações e intenções de outros para alcançar resultados semelhantes. Assim, compartilhar a atenção com os outros facilita a aprendizagem social, porque essa atenção compartilhada por um evento ou objeto cria um terreno comum para comunicação e ensino. Tomadas em conjunto, as capacidades para tomar a perspectiva dos outros e compreender suas emoções são os ingredientes essenciais da aprendizagem cooperativa (ver Tópico 3, Unidade 2), atividades que se tornarão cada vez mais importantes à medida que a criança se envolve com os colegas e ingressa na escola. A terceira força motriz refere-se ao fato de a aprendizagem ser toda baseada em redes cerebrais neurais. Estas redes ligam a percepção e a ação em suporte à aprendizagem. A aprendizagem das crianças, portanto, é, até certo ponto, determinada pela arquitetura neurocognitiva específica que elas possuem em virtude de serem humanas. Aprendizagem e o brincar, muitas vezes, fundem-se em crianças pequenas. Vamos consideraro brincar com alguma profundidade no Tópico 3 desta unidade, no que se refere especificamente ao desenvolvimento linguístico, cognitivo e social. Neste ponto, é suficiente notar que o brincar é um componente natural e importante na vida das crianças (JOIA, 2018). O brincar – e a ludicidade, no sentido mais amplo – envolve as crianças no explorar de seus ambientes físicos e sociais, estabelecendo assim a base para a posterior exploração e aprendizagem acadêmica, bem como a descoberta dos seus próprios potenciais físicos (HIRSH- PASEK et al., 2009). Como veremos, a brincadeira é uma base essencial para a formação do conhecimento cognitivo e procedimental, atenção sustentada, representação simbólica, resolução de problemas e desenvolvimento da memória. UNIDADE 1 | PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM E OS APRENDIZES SURDOS 12 5 APRENDIZAGEM FORMAL EM ESCOLAS Quando as crianças vão à escola, a aprendizagem formal – a capacidade de se beneficiar da instrução explícita – torna-se cada vez mais importante. A aprendizagem informal também ocorre em contextos educacionais, mas a aprendizagem formal envolve um conjunto diferente de habilidades e aptidões do que é necessário na aprendizagem informal. Dependendo de onde moram, as crianças nos países ocidentais costumam frequentar a escola entre quatro e seis anos de idade. As crianças surdas, muitas vezes, frequentam a escola com menos de três anos de idade, muitas vezes em programas destinados a aumentar a prontidão escolar. Na escola, as crianças se transformam em estudantes. Elas precisam aprender informações cada vez mais complexas, muitas vezes novas, bem como usar seus conhecimentos existentes de novas maneiras. Aprender, no entanto, é muito mais do que a aquisição de informações. Na verdade, é a construção do conhecimento, a construção de representações mentais. Este é um processo ativo em que a instrução orienta os alunos a atribuir significado à instrução e aos materiais didáticos, ao mesmo tempo em que promove habilidades que permitem que as crianças se tornem aprendizes independentes no sentido formal, assim como já estão no sentido informal. A informação é assim transformada em conhecimento. O objetivo essencial da instrução é aprimorar a aprendizagem significativa pelo estímulo do processamento ativo do conteúdo pelos alunos, enquanto reduzindo a carga cognitiva. Vamos descompactar essa noção a seguir. Os seres humanos têm vias separadas para perceber e processar informações (BADDELEY; ANDERSON; EYSENCK, 2011). Devido aos limites de memória de trabalho, só podemos processar quantidades limitadas de novas informações em cada via. Para criar uma aprendizagem significativa, temos que colocar o esforço consciente em processos cognitivos, como selecionar, organizar e integrar novas informações com conhecimento prévio. O Tópico 3 da Unidade 2 descreverá como isso envolve memória de curto prazo ou de trabalho, memória de longo prazo e funcionamento executivo (que essencialmente controla o fluxo interno de informações). O processo é uma combinação de processamento “de cima para baixo” (top down) e “de baixo para cima” (bottom up), pois o que sabemos influencia a maneira como percebemos e lidamos com as informações recebidas e as informações recebidas alteram o que sabemos. O elemento-chave da aprendizagem, portanto, é que ela leva a mudanças na informação armazenada na memória de longo prazo, tanto quantitativa quanto qualitativamente. A memória de longo prazo, portanto, pode ser vista como um depósito dinâmico e em evolução, contendo informações sobre experiências passadas e conhecimento de vários domínios. Alguns desses conhecimentos são explícitos (por exemplo, a circunferência da Terra) e alguns deles são implícitos (por exemplo, como se mediria a circunferência da Terra). TÓPICO 1 | APRENDIZAGEM E ENSINO 13 A aprendizagem pode ser mediada por fatores motivacionais que aumentam ou diminuem o engajamento. A metacognição, essencialmente a cognição sobre a cognição ou pensamento sobre o pensamento (ver Tópico 3, Unidade 2), também medeia a aprendizagem regulando o processamento cognitivo e o afeto. Diferenças nos conhecimentos prévios e nas habilidades dos aprendizes podem influenciar a aprendizagem de novas informações diretamente, em relação à medida em que as novas informações são capazes de se “encaixar” com o que já é conhecido (MORENO; MAYER, 2007), ou indiretamente, em relação à medida em que o aluno é motivado a se envolver no esforço cognitivo necessário. De qualquer maneira, um risco potencial é que as demandas cognitivas das tarefas de aprendizagem ou a quantidade de informação que precisa ser processada excedem as habilidades de processamento cognitivo dos aprendizes, o que é usualmente referido como sobrecarga cognitiva (PAAS; VAN GOG; SWELLER, 2010). Quando os processos cognitivos necessários não são capazes de lidar com a taxa ou a complexidade da informação recebida, o indivíduo pode ficar sobrecarregado antes que a aprendizagem significativa comece. Consistente com a descrição anterior, isso pode ocorrer porque as informações ou eventos que estão sendo experimentados não são familiares (ou seja, não se encaixam bem com o que está na memória de longo prazo) ou o aluno não é motivado ou capaz de alocar os processos necessários, ou pode ser uma consequência da qualidade da interação ou da comunicação entre pessoas, como professores e alunos. Quanto mais complexa a tarefa cognitiva em relação ao conhecimento e habilidades do aprendiz, maior a probabilidade de criar um "gargalo" no processamento cognitivo (SWELLER; VAN MERRIENBOER; PAAS, 1998). Informações irrelevantes, não relacionadas à tarefa, podem levar à distração nas quais o aluno processa informações de maneira inadequada à tarefa em questão (KIRSCHNER; PAAS; KIRSCHNER, 2009). Evitar a sobrecarga cognitiva durante a construção do significado a partir de novas informações envolve lidar com a capacidade limitada da memória operacional. Como a instrução geralmente envolve novas informações, um objetivo do professor (formal ou informal) é projetar ou agrupar as informações de maneira a acomodar essas limitações e, assim, ajudar o aluno a evitar ou superar os gargalos. Tais ajustes são ainda mais importantes – mas também mais difíceis – se os professores e alunos não compartilharem uma língua comum fluente ou se o acesso à língua de ensino for limitado por parte dos alunos. Nesses casos, e mais notavelmente entre os alunos surdos, grande parte da capacidade de memória de trabalho dos alunos deve ser dedicada apenas à compreensão da língua – compreensão de palavras e frases individuais –, deixando menos capacidade de construir o significado real que resulta na aprendizagem. Quando um aprendiz consegue integrar efetivamente novas informações com conhecimento prévio por meio de uma combinação de habilidades cognitivas, características da informação e adaptação à memória de longo prazo, UNIDADE 1 | PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM E OS APRENDIZES SURDOS 14 as limitações de processamento desaparecem. Quantidades muito grandes de informações podem ser armazenadas, recuperadas e utilizadas para obter ainda mais informações. Em outras palavras, a aprendizagem ocorre. 6 APRENDIZAGEM INDIVIDUAL, COOPERATIVA E COLABORATIVA Embora os professores desempenhem um papel importante na aprendizagem dos alunos na escola, a aprendizagem não se restringe às interações professor-aluno. Aprender com os colegas também é importante, não apenas fora da sala de aula, mas também dentro dela. Assim, os alunos na escola não apenas aprendem como indivíduos, mas também coletivamente, durante o trabalho em grupo e com as discussões. O trabalho em grupo nas escolas pode implicar tutoria entre pares, aprendizagem cooperativa e aprendizagem colaborativa. Estas três formas de trabalho em grupo distinguem-se por níveis crescentes de igualdade e envolvimento mútuo entre estudantes (TOLMIEet al., 2010). A tutoria entre pares é caracterizada por uma relação vertical entre os alunos: um aluno, o tutor, sabe mais do que o(s) outro(s) ou, por algum motivo, é mais capaz de lidar com a tarefa em mãos. A aprendizagem cooperativa faz uso de programas altamente estruturados de atividade nos quais os alunos completam tarefas individualmente e discutem os resultados uns com os outros. Em ambos os casos, os alunos precisam ser capazes de implantar uma variedade de habilidades sociais, incluindo fazer turnos, expressar opiniões, estimular colegas, fornecer e receber ajuda, ouvir outras pessoas e esclarecer tarefas. Também precisa haver um senso de coesão e interdependência do grupo. O comportamento pró-social é, portanto, absolutamente necessário para a aprendizagem cooperativa e está positivamente associado ao sucesso acadêmico (WENTZEL, 1994). Na medida em que a aprendizagem colaborativa requer atividade conjunta e compreensão compartilhada, ela não tem apenas um impacto cognitivo, mas também social. Além dos ganhos sociais, os indivíduos engajados na aprendizagem colaborativa frequentemente adquirem melhores habilidades de diálogo e melhoram ainda mais suas habilidades de trabalho em grupo. Nesse sentido, o trabalho em grupo oferece uma mistura de aprendizagem formal e informal semelhante àquela em que as crianças se envolvem mais cedo, durante as interações entre pais e filhos. A colaboração pode levar a uma melhor resolução de problemas do que trabalhar individualmente (JOHNSON; JOHNSON, 1981). Isso é especialmente verdadeiro para tarefas complexas, em que múltiplos indivíduos podem essencialmente expandir a capacidade de processamento disponível, levando a uma solução de problemas mais eficiente e eficaz (PAAS; VAN GOG; SWELLER, 2010). A solução colaborativa de problemas, no entanto, exige claramente uma comunicação fluente em grupo e habilidades eficientes de gerenciamento de grupo (KIRSCHNER; PAAS; KIRSCHNER, 2009). Isso pode ser um desafio quando os alunos não são fluentes em uma língua comum, assim como no caso TÓPICO 1 | APRENDIZAGEM E ENSINO 15 de interações aluno-professor. Em tais situações, há também a possibilidade de que os alunos que são mais fluentes na língua de instrução ou talvez mais velhos possam dominar a aprendizagem colaborativa, mesmo que não sejam os mais conhecedores ou proficientes na tarefa em questão. Esta é obviamente uma dificuldade potencial em salas de aula mistas com surdos e ouvintes. No entanto, também é problemática em grupos de surdos por causa do efeito Dunning-Kruger, em que o mecanismo de superioridade ilusória faz com que indivíduos que possuem pouco conhecimento sobre um assunto passem a acreditar que sabem mais que outros mais competentes (KRUGER; DUNNING, 1999). Tal efeito pode levá-los a tomar decisões erradas e chegar a resultados indevidos. Diversos estudos demonstraram que os alunos surdos tendem a pensar que aprenderam ou sabem mais do que realmente sabem em maior grau do que os alunos ouvintes (MARSCHARK et al., 2005). Como resultado, a aprendizagem colaborativa ou a tutoria de pares em um grupo de alunos surdos pode ser mais lenta ou até mesmo desviada de sua meta. O progresso da aprendizagem colaborativa em grupos de alunos surdos, portanto, pode exigir um acompanhamento mais próximo do professor do que em grupos de alunos ouvintes, para garantir que os líderes compreendam verdadeiramente a tarefa e a meta, mas também, reconhecendo que sempre existe o potencial da autocorreção no interior do grupo como um todo. Dada a necessidade de interdependência no trabalho em grupo, não deveria surpreender que a qualidade da aprendizagem cooperativa e colaborativa seja prevista pela percepção da disponibilidade de suporte socioemocional e acadêmico dos pares (HIJZEN; BOEKAERTS; VEDDER, 2006). O contexto educacional e o tom estabelecido pelo professor também desempenham um papel importante no estabelecimento de uma boa qualidade de aprendizagem colaborativa. Os professores precisam conscientizar os alunos sobre o que é necessário aprender e trabalhar juntos, habilidades que as crianças surdas, em particular, podem não ter adquirido antes de irem à escola. O acompanhamento dos professores da colaboração e aprendizagem cooperativa na sala de aula, portanto, precisa ocorrer em vários níveis. Isso é facilitado pela consulta regular com grupos de alunos, em vez de esperar que os indivíduos levantem questões, mas isso precisa ocorrer sem que o professor se torne intrusivo ou controlador. Em suma, a aprendizagem baseada na escola é uma atividade cognitiva e social. Requer um ambiente de apoio em que os alunos interajam uns com os outros e em que as interações sejam construídas não apenas em habilidades comunicativas e proficiências de linguagem, mas também em habilidades sociais. Em todos esses domínios, os aprendizes surdos correm mais riscos do que os aprendizes ouvintes, particularmente em salas de aula onde os pares ouvintes dominam o ambiente. Habilidades de comunicação insuficientes, incompatibilidades no modo de comunicação entre os alunos, proficiências na língua relativamente baixas (ver Tópico 1, Unidade 2) e problemas com regras sociais e regulação emocional (ver Tópico 4, Unidade 2) podem contribuir para um ambiente de sala de aula no qual os alunos surdos têm problemas em serem UNIDADE 1 | PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM E OS APRENDIZES SURDOS 16 aceitos por seus pares. Tal ambiente de sala de aula pode influenciar negativamente as oportunidades de aprendizagem para os alunos surdos tanto a curto como a longo prazo. 7 APRENDER E ENSINAR Em contextos educacionais formais, o ensino é, por definição, um processo importante no estabelecimento da aprendizagem. Mais comumente, isso envolve instrução direta de profissionais, mas, como observamos, o ensino também pode ocorrer entre pares e, de formas mais indiretas, por meio de processos mediados (por exemplo, com a ajuda de intérpretes) ou através da aprendizagem a distância com a ajuda de tecnologia e materiais multimídia (BRANSFORD et al., 2010). No entanto, alguma aprendizagem ocorre em situações em que os aprendizes constroem significado sem instrução explícita. Normalmente, isso envolve o que Geary (2008) chamou de informação biologicamente primária. Informações biologicamente primárias são informações que podem ser adquiridas pelos alunos sem esforço consciente ou com mínimo esforço. A capacidade de fazê-lo se desenvolveu no curso da evolução dos seres humanos. Um exemplo de tal informação referida anteriormente é a nossa primária ou primeira língua. Em contraste com a informação biologicamente primária, a informação biologicamente secundária não pode ser aprendida sem instrução explícita e encorajamento motivacional. Ler, escrever e resolver problemas matemáticos são exemplos de informações biologicamente secundárias. Apesar de haver, de acordo com Geary (1995), um sistema biologicamente primário de habilidades quantitativas que incluem um tipo de compreensão implícita da criança de contagem e outras operações mais simples, a resolução de problemas matemáticos é de ordem secundária. A quantidade deste tipo de informação biologicamente secundária cresceu tanto durante a evolução humana que escolas e outros tipos de instalações educacionais tiveram que ser criados para a transmissão efetiva desta informação culturalmente importante, mas não necessariamente óbvia. Nas palavras de Geary (2008, p. 186), “escolas [...] são uma inovação cultural imposta a crianças e adolescentes por adultos para facilitar as transmissões entre gerações de habilidades secundárias (por exemplo, escrita) e conhecimento”. A aprendizagem secundária nas escolas refere-se à aquisição de informações e habilidades que são consideradas pela cultura ou comunidade como importantes. A aquisição de tais informações procede através de mecanismos criados para permitir que indivíduos processem e compreendamnovas informações que podem não ser adquiridas espontaneamente. Em essência, a aprendizagem de informação biologicamente secundária é tipicamente a aprendizagem formal que ocorre principalmente nas escolas. TÓPICO 1 | APRENDIZAGEM E ENSINO 17 7.1 ENSINO E INSTRUÇÃO Espera-se que as escolas não apenas promovam a aprendizagem acadêmica, mas também melhorem a saúde e previnam ou evitem comportamentos problemáticos (GREENBERG et al., 2003). A instrução em sala de aula que é culturalmente apropriada e adaptada ao desenvolvimento produz resultados sociais e emocionais positivos, bem como resultados cognitivos. Os alunos precisam reconhecer e gerenciar suas emoções e apreciar as perspectivas dos outros, habilidades que serão usadas dentro e fora da sala de aula. Além disso, os alunos precisam aprender a tomar decisões positivas, a lidar efetivamente com as relações interpessoais e a responder aos inputs apropriados (e inapropriados) de outras pessoas. A competência social e emocional contribui, assim, para a motivação dos aprendizes e para seu desempenho acadêmico. Os contextos formais de aprendizagem nas escolas, no entanto, são amplamente moldados pelos professores. Eles desenvolvem e gerenciam o ambiente social, bem como o ambiente acadêmico, preparando o terreno para a formação de relacionamentos entre pares e apoiando os alunos por meio do incentivo e do fornecimento de feedback (JENNINGS; GREENBERG, 2009). O que os professores sabem sobre a aprendizagem certamente contribui para o seu ensino, mas o conhecimento da aprendizagem não se traduz simplesmente em conhecimento de ensino. Ensinar requer mais que isso. Além de ensinar sobre o conteúdo da disciplina, o ensino envolve a aplicação cuidadosa do conhecimento, a manutenção do controle apropriado sobre os fatores instrucionais e contextuais, e a garantia de que as relações professor-aluno, assim como os relacionamentos entre os pares, apoiem o ensino e a aprendizagem. Ensinar, assim, é essencialmente apoiar os aprendizes na aquisição de informação e na construção de conhecimento. No núcleo do ensino está a instrução (contudo, o ensino não pode ser reduzido à instrução). O objetivo da instrução é ajudar os aprendizes a compreender o conteúdo do que é instruído (MORENO; MAYER, 2007). O que os alunos apreendem da instrução, no entanto, também é mediado por sua motivação para aprender e por sua capacidade de controlar seus próprios processos de aprendizagem por meio de estratégias metacognitivas. Em um sentido amplo, isso significa que a instrução se refere a todas as ações de instrutores que melhoram a aprendizagem (MAYER, 2008). Não se trata apenas de transmitir informações, mas também de orientar os alunos em seus esforços para resolver problemas e aprender sozinhos, inclusive aprender a aprender. Poderíamos presumir que os alunos aprenderiam simplesmente ao ser expostos a informações e experiências com o mínimo de orientação, ou precisariam de instrução explícita e direta? Eles descobrem conceitos e procedimentos por meio do manuseio de informações, ou precisam de ensino formal? Temos enfatizado que, na aprendizagem, os alunos constroem ativamente o significado. Todavia, será isso suficiente? UNIDADE 1 | PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM E OS APRENDIZES SURDOS 18 Aprender/construir significado sem ensino explícito parece estar limitado a domínios biologicamente primários. Aprender o conteúdo de disciplinas acadêmicas, domínios biologicamente secundários, requer orientação instrucional direta, especialmente quando a informação é nova ou o aprendiz é novo (KIRSCHNER; SWELLER; CLARK, 2006). Para estabelecer as mudanças na memória de longo prazo que definem a aprendizagem, é mais eficaz e eficiente que os professores expliquem completamente novos conceitos, procedimentos e estratégias de aprendizagem para seus alunos. Em outras palavras, ao contrário das suposições frequentes, a instrução direta geralmente leva a resultados melhores e mais rápidos em comparação com a aprendizagem da descoberta, ou seja, “deixar o aluno descobrir por si mesmo”. Alunos inexperientes ou aprendizes experientes diante de novas informações, tarefas ou contextos, normalmente, terão conhecimento insuficiente na memória de longo prazo e talvez habilidades cognitivas insuficientes para uma aprendizagem totalmente independente. Essas situações frequentemente levam a esforços improdutivos de solução de problemas. Em termos da teoria da carga cognitiva, quando os alunos se deparam com tarefas cognitivamente desafiadoras, como aprender a ler, escrever e calcular, cargas pesadas de memória afetarão negativamente a aprendizagem. Os novos alunos, em particular, enfrentam dificuldades porque lhes faltam esquemas mentais adequados para incorporar novas informações e sintetizá-las com seu conhecimento prévio. Existem várias possibilidades instrucionais que permitem aos professores gerenciar a carga cognitiva em seus alunos (PAAS; VAN GOG; SWELLER, 2010). Uma abordagem é usar “exemplos trabalhados” nos quais o aluno é orientado não apenas para o problema, mas também para possíveis soluções. Isso evita que o aluno tenha que resolver um problema do zero, em vez disso, é levado a entender o problema e a ver como resolvê-lo. Os exemplos permitem que a aprendizagem ocorra, dando aos alunos a oportunidade de refletir sobre uma solução e alternativas, bem como caminhos para a solução. O fornecimento de instruções diretas, apresentando exemplos trabalhados, reduz a carga de memória de trabalho direcionando a atenção, restringindo a busca do aluno pela solução e evitando o efeito labirinto (garden paths) no qual consumirá muito tempo e talvez será confuso retornar. IMPORTANT E A teoria de Garden Path (traduzido literalmente como “caminho do jardim”), ou teoria do labirinto, foi desenvolvida por Frazier (1979). Este modelo teórico argumenta que os leitores consideram apenas uma estrutura sintática para uma sentença e o significado não está envolvido na seleção do significado sintático preliminar. Assim, leitores e ouvintes podem ser enganados por frases ambíguas (ou seja, frases tipo labirintos). TÓPICO 1 | APRENDIZAGEM E ENSINO 19 A carga cognitiva na aprendizagem também pode ser reduzida pela chamada abordagem parte-todo. Nesta abordagem, a quantidade de informação (por exemplo, elementos problemáticos e operações) é reduzida dividindo uma tarefa complexa em tarefas mais simples. Como o aluno demonstra a capacidade de entender e resolver partes da tarefa maior, informações ou subtarefas podem ser adicionadas até que a tarefa original requeira apenas mais uma pequena etapa. Alternativamente, os alunos podem ser solicitados a explicar em voz alta como conseguiram resolver um problema, muitas vezes chamado de "pensar em voz alta". O uso de planilhas de processo é outra maneira de orientar a instrução e reduzir a carga cognitiva. As planilhas contêm descrições explícitas das várias etapas na solução de um problema complexo ou na conclusão de uma tarefa, incluindo dicas e heurísticas relevantes para a classe de problemas/tarefas. Grande parte da instrução nas escolas é voltada para ajudar os alunos a automatizar estratégias de aprendizagem para que a resolução de problemas se torne mais eficiente. Problemas não rotineiros tornam-se problemas rotineiros quando os alunos podem aplicar estratégias de solução de problemas que já possuem em situações novas (uma definição comum de inteligência). Esse processo é referido como transferência de esquema (BRANSFORD et al., 2010). A aprendizagem inicial meticulosa, a prática de aplicar conceitos abstratos em contextos variados e o uso de estratégias de processamento destinadas a estabelecer o vínculo entre informações antigas e novas contribuem para a transferência de esquemas. A transferência de esquemas impede que os aprendizes se tornem sobrecarregados pelas demandas de atenção e pela carga cognitiva, porque o não familiaré tornado familiar. Com prática suficiente, os processos relevantes tornam-se automáticos, não exigindo mais alocação explícita de atenção ou pesquisa de informação na memória de longo prazo (FELDON, 2007). Há uma desvantagem na automatização, no entanto, porque uma vez que uma habilidade é automatizada, ela não está mais sujeita ao monitoramento ativo pelo indivíduo. Torna-se difícil mudar um processo tão automático, por exemplo, aprender a amarrar o cadarço do sapato na direção oposta à direção que você usou toda a sua vida. No caso de processos acadêmicos, é crucial que os processos sejam automatizados corretamente na primeira vez. Uma parte da instrução, portanto, é a orientação dos alunos no processamento e armazenamento de novas informações na memória de longo prazo, acabando por automatizar sua recuperação e uso (FELDON, 2007). Professores experientes mostram vantagens distintas a esse respeito em comparação com os novos professores. Eles demonstram como levar em conta que, durante a instrução nas salas de aula, vastas quantidades de informações sensoriais e semânticas estão sendo disponibilizadas aos alunos. Dada a capacidade limitada da memória de trabalho, eles utilizam técnicas que orientam os alunos para informações mais relevantes e os ensinam a distingui- las das informações irrelevantes, reduzindo novamente a carga cognitiva. Ao mesmo tempo, com base em sua experiência, informações concretas e princípios UNIDADE 1 | PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM E OS APRENDIZES SURDOS 20 abstratos relacionados ao ensino e à aprendizagem, também são mais capazes de diferenciar entre dicas relevantes e irrelevantes de seus alunos. Assim como no caso de alunos mais experientes, os professores mais experientes têm a capacidade de interpretar e reagir a eventos em sala de aula porque possuem procedimentos de interpretação mais automatizados. Assim, eles são capazes de acomodar uma maior complexidade na sala de aula em comparação com os professores novos, adaptando-se mais efetivamente a situações inesperadas ou incomuns. Professores mais experientes também são capazes de atribuir mais atenção a diferenças individuais específicas entre os alunos, permitindo-lhes responder de forma mais suave e eficaz aos desafios encontrados por cada aluno. Tudo isso permite que professores experientes sejam mais eficazes em ensinar e gerenciar simultaneamente os alunos da turma. Como o exposto acima deve deixar claro, o principal desafio para a formação de professores é preencher a lacuna entre a teoria e a prática, automatizando os processos cognitivos, instrucionais e gerenciais apropriados a diferentes subgrupos de alunos. A formação de professores, portanto, deve envolver não apenas o ensino da teoria, mas também estratégias para traduzir a teoria em habilidades de ensino que ajudem os alunos a alcançar seu potencial. Paralelamente aos seus futuros alunos, os professores precisam praticar essas habilidades intensiva e repetidamente antes de trabalhar na sala de aula para se tornarem automatizados. Os graduados em cursos de formação de professores que oferecem oportunidades práticas abrangentes e bem orientadas tendem a ser mais eficazes e consistentes em seu ensino, em comparação àqueles que recebem prioritariamente instrução circunscrita em teoria e em sala de aula. Tanto para os futuros professores quanto para os professores que já atuam no campo, a orientação do mentor usando o feedback em vídeo, que visa identificar pontos cruciais de decisão no ensino, pode ser muito eficaz. A reflexão sobre esses pontos de decisão deve acompanhar a discussão de respostas alternativas viáveis, da mesma forma que encorajamos essas atividades em crianças aprendizes. É claro que os professores precisam de um conhecimento considerável sobre o assunto que estão ensinando, algo que está faltando frequentemente entre os professores de surdos (PAGLIARO, 1998). Ao mesmo tempo, é importante que os professores evitem perder suas intuições sobre o que é aprender como um novato. Professores eficazes precisam ter conhecimento pedagógico, que é mais do que apenas conhecimento de conteúdo. Implica também conhecimento sobre os conflitos dos jovens aprendizes e sobre formas de apoiá-los na sua aprendizagem. TÓPICO 1 | APRENDIZAGEM E ENSINO 21 7.2 O ENSINO E O RELACIONAMENTOS ALUNO- PROFESSOR Bergin e Bergin (2009) argumentam que o bem-estar social e emocional dos estudantes é fundamental para o sucesso escolar. Uma das bases sobre as quais o bem-estar socioemocional é construído é o apego. Como veremos no Tópico 3 desta unidade, o apego se refere ao vínculo emocional entre os indivíduos no tempo e no espaço (BOWLBY, 1969, 2002). O apego entre pais e bebês resulta em crianças se sentindo seguras, permitindo que explorem livremente seus ambientes. O apego está envolvido de forma mais ampla na socialização das crianças durante toda a infância, não apenas durante a primeiríssima infância e a primeira infância. A segurança no apego dos pais, portanto, tem sido encontrada fortemente ligada a uma variedade de efeitos para a criança, incluindo o sucesso na escola. Embora considerado com menos frequência, o apego professor-aluno também é muito importante (BERGIN; BERGIN, 2009). Alunos que experienciam bons relacionamentos professor-aluno tendem a ter um bom desempenho acadêmico. Eles obtêm pontuações mais altas nos testes de desempenho, experimentam atitudes mais positivas em relação à escola, mostram mais envolvimento na sala de aula e são menos propensos a serem retidos (HAMRE; PIANTA, 2001). De um modo mais geral, as variáveis dos professores centrados nos alunos são importantes indicadores de resultados positivos dos alunos. As variáveis do professor, como ter relações positivas com os alunos, ser não diretivo, demonstrar empatia e cordialidade e incentivar o pensamento e a aprendizagem (CORNELIUS-WHITE, 2007) fornecem aos alunos bases “seguras” as quais poderão explorar academicamente. Como os professores podem desenvolver relacionamentos mais seguros com seus alunos? Primeiro, os professores precisam estar bem preparados para a aula. Novamente em paralelo aos seus alunos, uma melhor preparação permite aos professores mais capacidade cognitiva de atender a aspectos da sala de aula além do conteúdo em si, incluindo o funcionamento interpessoal. Em segundo lugar, os professores precisam de autenticidade. Mostrar aos alunos quem eles realmente são, seus “selves verdadeiros”, ajuda os professores a apoiarem laços socioemocionais. Em terceiro lugar, manter altas expectativas para os alunos também contribui para relacionamentos positivos professor-aluno. Isso é especialmente benéfico quando associado à compreensão precisa das competências do aluno e das diferenças individuais. Finalmente, os professores precisam ter uma atitude de apoio à autonomia em vez de serem controladores (GURLAND; GROLNICK, 2003). O apoio à autonomia pode ser estabelecido por ser sensível aos objetivos de cada criança e por oferecer às crianças escolhas. UNIDADE 1 | PSICOLOGIA DA APRENDIZAGEM E OS APRENDIZES SURDOS 22 Os professores parecem reagir mais negativamente aos alunos inseguros do que aos alunos seguros. As crianças que foram maltratadas em casa ou na escola muitas vezes anseiam por relações seguras com seus professores, mas geralmente é mais difícil para os professores realmente gostarem delas. Mesmo nesses casos, no entanto, é possível desenvolver relacionamentos seguros professor-aluno (BERGIN; BERGIN, 2009). Indo um passo além, assim como no apego entre pais e filhos e entre professores e alunos, o vínculo com a escola pode contribuir para os sentimentos de segurança e bem-estar dos alunos. Quando os alunos experimentam um sentimento de pertencer a sua escola, eles participam de redes de amizade com os colegas e têm relações positivas com seus professores. O vínculo escolar muitas vezes parece mais difícil no Ensino Médio, provavelmente
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