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Revista da SBDG - n.9, novembro de 2019 ISSN 1807-4863 Rua Jerônimo Coelho, 102 Sala 50 - Centro Histórico 90010-240 - Porto Alegre/RS Telefones: 51.3028 9114 e 3061 9115 E-mail: sbdg@sbdg.org.br Facebook: www.facebook.com/sbdg.oficial Site: www.sbdg.org.br Revista da Sociedade Brasileira de Dinâmica dos Grupos SBDG - v.9, n.9 (nov. 2019) - Porto Alegre : SBDG, 2019. v. : 23 cm. ISSN: 1807-4863 1. Psicologia. 2. Dinâmica dos Grupos. I. Sociedade Brasileira de Dinâmica dos Grupos CDD: 150.1 Bibliotecário Responsável Ginamara de Oliveira Lima CRB 10/1204 Catalogação na Fonte Diagramação e edição digital marcon.brasil Comunicação Direta - (51) 3221.7878 CONSELHO EDITORIAL Coordenação: Andréia Bonato da Silva Membros: Adriana Bortolin Ana Silvia Alves Borgo Carmem Maria Sant’Anna Doralício Siqueira Filho Isabel Doval Ivadete Marin Ravanello Eliane de Melo Meira Rank Laucemir Silveira Mauro Nogueira de Oliveira Neiva M. Michelon de Oliveira Roberto Scola Saara Häuber DIRETORIA Presidente: Elson Alves Duarte Filho Vice-Presidente: Isabel Doval Diretora de Ciência e Educação: Rosa Maria Campos de Souza Vice-Diretora de Ciência e Educação: Emiliana Maria Simas Cardoso da Silva Diretora Administrativo Financeiro Andreia Bonato da Silva Vice-Diretora Administrativo Financeiro Lisete Rosa e Silva Benzoni Diretora de Relacionamento e Marketing Claudia Penalvo Vice-Diretora de Relacionamento e Marketing Ana Luiza Isoldi mailto:sbdg@sbdg.org.br www.sbdg.org.br http://www.marconbrasil.com.br Editorial H á mais de três décadas desenvolvendo pessoas, a Sociedade Brasileira de Dinâmica dos Grupos – SBDG, chega ao momento atual com seus pés muito bem apoiados no presente, mas os olhos contemplando o futuro, seus movimentos e suas mudanças. Um futuro que se apresenta cada vez mais complexo diante das inúmeras variáveis sociais que a todo o momento surgem... um futuro que desafia, instiga, amedronta, encanta... dependendo da lente de quem observa. Nunca estivemos tão conectados e tão distantes ao mesmo tempo. Nunca fomos tão disruptivos e tivemos tanta necessidade de voltar ao que já era conhecido. Paradoxos de tempos líquidos, como bem dizia Bauman. Os artigos selecionados para esta edição perpassam por temas sempre atuais e em transformação, mas evidenciando a importância de compreendê-los a partir de um olhar profundo, complexo e enraizado em teorias robustas e autores brilhantes. Assim é a Uma Viagem Colorida ao Mundo Preto e Branco das Massas e seus Tabus, um artigo que aborda os conflitos decorrentes do encontro de dois modelos de comportamento: um conservador e o outro, revolucionário. Através da análise do filme Pleasantville, os autores abordam como se dão as relações entre pessoas que vivem em mundos psíquicos tão distintos e como o que é considerado a diferença, o diverso, pode ser tratado como algo agregador e positivo, ou indesejado e incompreensível. Pensando a sala de aula como um universo que agrega grupos diversos onde convi- vem pessoas, de cores, crenças e perspectivas de vida completamente diferentes, o artigo Fenômenos Grupais em Sala de Aula: a Perspectiva do Docente na Educação de Adultos enfatiza a importância de o docente compreender como os fenômenos grupais acontecem neste ambiente. Infelizmente pela característica do modelo vigente, os resulta- dos encontrados nesta pesquisa ainda apontam para o foco no individual e não no grupo, o que pode ser considerado um problema, por um lado, mas também uma oportunidade, um espaço de pensar em uma transformação neste modelo de relacionamento que potencialize inclusive o desempenho e o aprendizado dos alunos, por outro. Já o artigo a A Importância do Vínculo com Facilitador no Processo de Aprendizagem de Grupo traz a reflexão sobre o quanto a afetividade no relacionamento entre mestre e aprendiz é condição fundamental para que este último consolide seu apren- dizado. Um facilitador de grupos é alguém que deve agir como um catalisador, levando o grupo a desenvolver suas potencialidades. Quanto mais fortalecido é o vínculo, tão mais proveitosa é a experiência e, portanto, o resultado final do aprendizado. Seguindo nesta linha, Estratégias Adotadas por Coordenadores no Enfrentamento da Resistência em Grupos faz um apanhado de centenas de trabalhos de conclusão de curso produzidos na SBDG que tiveram como tema central a Resistência em seus mais variados vieses. Um tema extremamente relevante quando se fala em desenvolvimento de grupos, e que não deixa de estar intimamente vinculado à qualidade do vínculo que pode se estabelecer entre o integrante de um grupo e seu facilitador, e por consequência a quali- dade do aprendizado. Compreender como se dá a Resistência, observar seus movimentos se faz importante diante de qualquer tipo de grupo, seja: profissional, familiar ou social. E como último, mas não menos importante temos o artigo que trata de uma briga de ‘foice’ antológica: razão versus emoção! No artigo intitulado Música: Traumas que Trago – Razão x Emoção no Grupo de Tabagismo os autores abordam o este conflito existente tendo como pano de fundo a letra da música que dá nome ao trabalho. A leitura é uma forma, não só de ampliar horizontes, mas principalmente proporcionar novas conexões e inspirações em vários campos da vida. Ler é estabelecer novas sinapses, é quebrar crenças, é rever modelos mentais, e com isso mudar também comportamentos, que influenciarão a vida individual e também a vida em grupo de quem se aventura e se joga através das páginas de um bom livro, ou de um bom artigo. Por isso, convidamos você a se jogar na leitura da revista e navegar por este universo de novas conexões. Boa leitura! Andréia Bonato da Silva Coordenadora do Conselho Editorial Mensagem do Presidente V - ários são os caminhos que nos levam à verdade! Daí a reconhecê-la... é outra coisa. Sabemos que ela depende do ângulo do qual é constatada e dos vários tons que a ela são destinados. Com isso, cada um tem a forma única de percebê-la e um caminho a trilhar. Já que é a verdade, como não a seguir? Ao longo de sua trajetória, a SBDG vem procurando oferecer a seus associados, a descoberta dos vários tons com os quais à verdade se veste, dos muitos caminhos que se diz trilhar e em qual se dispõe a estar. Com esta simplicidade, os grupos possibilitam o reconhecimento de outras verdades e de novos e possíveis caminhos. Assumir e assumir-se é todo o desejo que deve conter esta relação. Nada mais lhe é lícito! Assim como é a verdade, também é legítimo o desejo de que você encontre, na leitura dos artigos selecionados, que compõem esta edição, outros e novos tons sobre grupos. Esses artigos são o resultado do trabalho de seus autores e autoras em nos proporcionar essas novas possibilidades, pois as pecu- liaridades constantes em cada um levam, aqueles que os leem atentamente, a novos caminhos, novos pensares e novas contribuições sobre o saber a respeito da dinâmica de funcionamento dos grupos. Com isso, convidamos você a desfrutar de cada uma das palavras escritas e dos vários tons, que certamente não escapam a um olhar atento e ávido, para reconhecer nelas, verdades sobre grupos. Elson Alves Duarte Filho Presidente – Gestão 2018/2020 SUMÁRIO Artigo 1 7 Uma viagem colorida ao mundo preto e branco das massas e seus tabus Alexandre Tremea Denise Heidi Süss Paulo Rogério de Souza Queila Coimbra Artigo 2 17 Fenômenos grupais em sala de aula: a perspectiva do docente na educação de adultos Natália Gomes da Silva Adriano Cavalleri Natália Salles Ribeiro Artigo 3 36 A importância do vínculo com facilitador no processo de aprendizagem de grupo Diego Dias de Vasconselos Jucelaine Borin Sccotti de Mattos Patrícia da Silva Moraes Artigo 4 46 Estratégias adotadas por coordenadoresno enfrentamento da resistência em grupos Rafael Rodrigo da Silva Pimentel Maynara Fernanda Carvalho Barreto Paula Graziela Pedrão Soares Perales Mariana Guimarães Cardoso Artigo 5 59 Música: traumas que trago – razão x emoção no grupo de tabagismo Camila Eduarda dos Santos Erica Bufalo Iulia Sessak Puls Pelaquin Viviane Cristina Pereira de Souza Colaboradores 69 Linha Editorial 71 SBDG 72 Revista da SBDG - n.9, p. 7-16, novembro de 2019 7 ARTIGO 1 Uma viagem colorida ao mundo preto e branco das massas e seus tabus Alexandre Tremea Denise Heidi Süss Paulo Rogério de Souza Queila Coimbra Revista da SBDG - n.9, p. 7-16, novembro de 20198 1 INTRODUÇÃO Realizar uma formação em processos grupais nos ajuda a pensar que os grupos, de fato, fazem parte da nossa vida. Dificilmente conseguiremos fugir do grupo da família, dos colegas de trabalho ou do grupo de estudos. E o que geralmente faze- mos nos grupos pelos quais circulamos é saborear os afetos, digerir os desafetos, adaptar-nos a esse grupo e resignar-nos a frases do tipo “sempre nos organizamos desta forma”. Pensando nestas questões, o presente tra- balho tem por objetivo fazer uma aproximação entre os conceitos de totem, tabu e psicologia das massas usando como fonte de investigação o filme Pleasantville – A vida em Preto e Branco. O longa servirá de dispositivo para nos ajudar a perceber e exemplificar como totens, tabus, resistências, ansiedades, contágio emocional e liderança podem se apresentar como sendo parte dos processos grupais. A estrutura metodológica se volta à análise de algumas cenas do filme e essas foram cruzadas com conceitos abordados nas obras Psicologia das multidões de Gustave Le Bon e as obras Totem e Tabu e Psicologia de Grupo de Sigmund Freud. O artigo traz uma seção referente aos con- ceitos de totem e tabu e psicologia das massas, a seção seguinte apresenta uma resenha do filme Pleaseantville, e a última segue com a análise do filme à luz dos conceitos de Freud e Le Bon e se encerra com as considerações finais. 2 MENTE GRUPAL Muito do que entendemos hoje como orga- nização social, arte, religião e atitude com a vida tem por base as lendas e mitos das relações dos povos primitivos (FREUD, 2006a, v. 18). Por isso, iniciamos o capítulo trazendo alguns aspectos sobre psicologia das massas e na sequência serão abordados aspectos referentes ao texto Totem e Tabu de Freud. Para Le Bon (2008) a mente grupal se cria mesmo entre pessoas de diferentes ocupações, ca- ráter e estilos de vida que componham um grupo. Para ele, essas pessoas fazem parte de uma mesma unidade mental. Spencer (apud LE BON, 2008) compara a junção das pessoas como uma fórmula química, pois nesta não há soma ou média como na ma- temática, mas a combinação e criação de novas características. Sendo assim, Le Bon (2008) percebe que os indivíduos terão algumas características que serão assumidas individualmente, mas também terão características que serão encontradas apenas na coletividade. No entanto, não se sabe o que causa essa diferença. Ao falar sobre essas diferenças entre indi- víduo e grupo, Le Bon (2008), traz os elementos conscientes e inconscientes. Ele nos diz que os elementos conscientes estão bem presentes nas reações individuais, mas nos grupos são os ele- mentos inconscientes que prevalecem. Além disso, Le Bon (2008) defende que os dotes individuais desaparecem, o caráter passa a ser médio, o indivíduo adquire sentimento de invencibilidade, o sentimento de responsabilida- de - que dá controle ao indivíduo - desaparece, fazendo com que ele aja mais pelo instinto incons- ciente do que pela razão, parecendo hipnotizado e sem consciência. Mas ao mesmo tempo em que algumas características do indivíduo podem ser destruídas outras podem ser potencializadas. “Ele [o indivíduo] já não é ele mesmo, é um autômato cuja vontade tornou-se impotente”. (LE BON, 2008, p. 36). Quanto ao caráter, dependerá de qual será o estímulo do líder. (LE BON, 2008). Ao falar sobre o indivíduo no grupo, Freud (2006a, v. 18) apresenta semelhança deste com os povos primitivos e com as crianças. Além disso, diz haver uma redução da capacidade intelectual do indivíduo quando em grupo. Le Bon (2008) segue e define um grupo como sendo crédulo, influenciável, sem senso crítico, com sentimentos simples e exagerados, não conhece dúvida e incerteza e a antipatia pode facilmente se transformar em ódio. Além disso, as inibições individuais, as primitividades e os instintos vêm à tona, podendo surgir atitudes de Revista da SBDG - n.9, p. 7-16, novembro de 2019 9 heroísmo e sacrifício típicos de grupo maiores como as multidões, o que dificilmente aconteceria individualmente. Sendo a multidão impressionável apenas por sentimentos excessivos, o orador que quiser seduzi-la deverá abusar de afirmações violentas. Exagerar, afirmar, repetir e nunca tentar demons- trar qualquer coisa por meio de um raciocínio são os procedimentos de argumentação familiares aos oradores de reuniões populares (LE BON, 2008, p. 52). Uma multidão é autoritária, intolerante, pos- sui sentimentos simples e extremos, mais favorável a mestres tiranos e dominadores. É conservadora, tem aversão a mudanças e prefere a tradição. Isso significa dizer que opiniões, ideias e crenças são vistas como verdades absolutas ou erros absolutos (LE BON, 2008). Os grupos de pessoas normalmente se co- locam sob a autoridade de um líder e a opinião deste é o centro de formação e identificação de opiniões. E geralmente este líder já foi conduzido, hipnotizado pela ideia da qual se torna referência. Dessa forma, ele é uma espécie de líder apóstolo e possui fortes convicções e as seguem sem muito refletir (LE BON, 2008). É importante ressaltar que nem todos os líderes possuem essas características, alguns estão voltados apenas aos seus interesses pessoais, mas a influência que estes exercem é passageira. Já aqueles que trazem consigo o fascínio no que acre- ditam, criam nas pessoas uma certa fé na qual as tornam escravas de seus sonhos (LE BON, 2008). “Não é a necessidade de liberdade que domina a alma das multidões, mas a da servidão. Sua sede de obediência as faz submeter-se instintivamente a quem se declarar seu mestre” (LE BON, 2008, p. 114). A liderança age baseada em algumas ações como: a afirmação, a repetição e o contágio. E os grupos se guiam por modelos e não por intermédio da argumentação. Sendo assim as informações devem ser simples, precisam ser repetidas nos mesmos termos e então tem-se a imitação que se transforma em contágio. Quando as pessoas são contagiadas pelos discursos do líder, ele será prestigiado, e, consequentemente, acompanhado de sentimentos de admiração, respeito, fascínio e temor (LE BON, 2008). A intensidade que a liderança pode gerar, é apresentada por Le Bon (2008, p. 122) como: “[...] um fascínio que paralisa todas as nossas fa- culdades críticas e nos enche a alma de admiração e respeito”. Além destas características da mente grupal que vimos até então, McDougall (apud FREUD, 2006, v. 18) diz que o resultado mais importante na formação de um grupo é o que o indivíduo expe- rimenta no próprio grupo: um contágio emocional que não aconteceria de forma individual. Outra consideração de McDougall (apud FREUD, 2006, v. 18) nos diz que é perigoso se opor ao grupo. [...] será mais seguro seguir o exemplo dos que o cercam, e talvez mesmo ‘caçar com a matilha’. Em obediência à nova autoridade, pode colocarsua antiga ‘consciência’ fora de ação e entregar- -se à atração do prazer aumentado, que é certa- mente obtido com o afastamento das inibições (MCDOUGALL apud FREUD, 2006, v. 18). McDougall (apud FREUD, 2006, v. 18) diz ainda que o sentimento de grupo se alastra entre os integrantes quando determinadas características e ações acontecem: a) o sentimento de continuidade de existência do grupo em questão é nítido; b) há relação emocional para como grupo; c) o grupo se colocado em interação e se afina. Mesmo que talvez sob a forma de rivalidade com outros grupos semelhante; d) tradições, costumes e hábitos são criados ou enaltecidos; e) possui estrutura definida. Outro fator importante na formação de um grupo são os laços de identificação, pois estão ba- seados em uma qualidade emocional comum que pode ser a natureza do laço com o líder ou pode ser a empatia (FREUD, 2006, v. 18). Revista da SBDG - n.9, p. 7-16, novembro de 201910 2.1 Totem O totem era o elemento mais importante do clã. A base de todas as relações, pois era o que hoje chamamos de elemento sagrado ou divindade. Geralmente era um animal compreendido como perigoso para todos, menos para o clã que o tinha como guardião, que lhe protegia e enviava oráculos (FREUD, 2006b, v. 13). O totem não podia ser escolhido, era heredi- tário e não mudava mediante o casamento. Cada clã tinha algumas obrigações sagradas para com seu totem que eram basicamente referentes a não matar o totem e não comer sua carne, por exemplo. Além disso, havia as festividades em torno do to- tem com danças e cerimoniais. Caso as obrigações não fossem seguidas a punição era severa, sendo geralmente a morte (FREUD, 2006b, v. 13). 2.2 Tabu O tabu era e ainda é compreendido como algo sagrado, misterioso, proibido, perigoso e im- puro. Apesar dessa perspectiva revela-se distinto de proibição religiosa e moral, já que se impõe por si só. Os tabus têm origem desconhecida. Suas proibições para aqueles que frequentam determi- nada sociedade são tidas como algo normal, como um código não expresso de forma escrita, apenas obedece-se sem questionar. Um dos objetivos dos tabus está relacionado à guarda dos principais atos da vida como o nascimento, a iniciação e as expe- riências sexuais (FREUD, 2006. v. 13). ‘(i) os tabus diretos visam (a) à proteção de pessoas importantes - chefes, sacerdotes etc. - e coisas, contra o mal; (b) à salvaguarda dos fra- cos - mulheres, crianças e pessoas comuns em geral - do poderoso mana (influência mágica) de chefes e sacerdotes; (c) à precaução contra os perigos decorrentes do manuseio ou entrada em contato com cadáveres, ingestão de certos alimentos etc.; (d) à guarda dos principais atos da vida - nascimento, iniciação, casamento e funções sexuais etc. contra interferências; (e) à proteção dos seres humanos contra a cólera ou poder dos deuses e espíritos; (f) à proteção de crianças em gestação e de crianças pequenas que mantêm uma ligação especialmente forte com um ou ambos os pais, das consequências de certas ações e mais especialmente da comu- nicação de qualidades que se supõem derivar de certos alimentos. (ii) Os tabus são impostos a fim de prevenir contra ladrões a propriedade de um indivíduo, seus campos, ferramentas etc’ (FREUD, 2006b, v. 13). Quanto à punição, inicialmente o próprio tabu se vingava, como um agente interno auto- mático. Com o passar do tempo, quando surge a noção de deuses e espíritos, é o divino que aplica penalidades ao transgressor. Com o processo de evolução a sociedade também aparece como punidora dos transgressores. E nesta questão de punição percebe-se que aquela pessoa que viola o tabu também se transforma em tabu, ou seja, aquele que transgride o proibido também se torna proibido. Como um sistema de contágio de algo perigoso, deixando a pessoa contagiada em uma posição diferente dos outros membros do grupo. (FREUD, 2006b, v. 13). Esse poder está ligado a todos os indivíduos especiais, como reis, sacerdotes, ou recém-nas- cidos, a todos os estados excepcionais, como os estados físicos da menstruação, puberdade ou nascimento, e a todas as coisas misteriosas, como a doença e a morte o que está associado a elas através do seu poder de infecção ou contágio (FREUD, 2006b, v. 13). Quando se diz que aquele que violou o tabu se torna tabu, tem-se medo de que os outros sigam seu exemplo, imitando-o e fazendo o que é proi- bido e que tenham vontade de fazer, afinal não se proíbe o que as pessoas não têm vontade de fazer. Por isso a pessoa precisa ser evitada, para que sua atitude não seja contagiosa (FREUD, 2006b, v. 13). O que está em questão é o medo do exemplo infeccioso, da tentação a imitar, ou seja, do caráter contagioso do tabu. Se uma só pessoa consegue gratificar o desejo reprimido, o mesmo desejo está fadado a ser despertado em todos os outros membros da comunidade. A fim de sofrear a tentação o transgressor invejado tem de ser despojado dos frutos de seu empreendimento e o castigo, não raramente, proporcionará àqueles que o executam uma oportunidade de cometer Revista da SBDG - n.9, p. 7-16, novembro de 2019 11 o mesmo ultraje, sob a aparência de um ato de expiação. Na verdade, este é um dos fundamen- tos do sistema penal humano e baseia-se, sem dúvida corretamente, na pressuposição de que os impulsos proibidos se encontram presentes tanto no criminoso como na comunidade que se vinga (FREUD, 2006b, v. 13). O tabu foi se tornando também uma forma de legislação e inclusive era usado “[...] por chefes e sacerdotes para a proteção de seus próprios pri- vilégios e propriedades” (FREUD, 2006b, v. 13). Freud (2006b, v. 13) traz a temática da cons- ciência, culpa e ansiedade (pavor da consciência), que acredita ter surgido no contexto do tabu. [...] a ansiedade aponta para fontes inconscien- tes. A psicologia das neuroses nos fez ver que, se impulsos cheios de desejo forem reprimidos, sua libido se transformará em ansiedade. E isto nos faz lembrar que há algo de desconhecido e inconsciente em conexão com a sensação de culpa, a saber, as razões para o ato de repúdio. O caráter de ansiedade que é inerente à sensação de culpa corresponde ao fator desconhecido (FREUD, 2006b, v. 13). Segue a próxima seção com a descrição do filme para, na sequência fazer uma interface entre o referencial teórico e o filme. 3 PLEASANTVILLE, O FILME O filme norte americano Pleasantville ou como foi registrado no Brasil A Vida em Preto e Branco, é uma daquelas fábulas típicas que come- ça, inclusive, com era uma vez... O longa lançado em 1998, escrito e dirigido por Garry Ross, conta a história dos irmãos gê- meos e adolescentes Jennifer e David que vivem seus tradicionais dramas juvenis em plena virada de século. Tobey Maguire dá vida ao garoto David Wagner que tem sua introspecção alimentada pelo seu vício no seriado de TV dos anos 50, Pleasantville. Já sua irmã Jennifer, interpretada por Reese Witherspoon, é a garota descolada, que quer ser popular na escola e adora MTV. Os dois têm suas rotinas modificadas, como num passe de mágica, depois de uma briga pelo poder do controle remoto da televisão. Até aí nada que fuja da realidade, mas eis que surge - inesperadamente - um técnico de TV com a proposta de substituir o controle remoto quebrado. E um simples apertar no botão do play transporta os dois jovens ao seriado Pleasantville. A cidade fictícia da série, que se passa em preto e branco, mais parece um mundo paralelo e idealizado onde tudo é lindo e perfeito. Lá as pes- soas são brancas, ninguém precisa ir ao banheiro, eles não fazem sexo e as relações se dão de forma harmônica e utópica, sem conflitos, sem curiosi- dade e sem emoções profundas. Essa normalidade é quebrada com a chegada dos irmãos que incorporam personagens do seriado e trazem mudanças através de suas atitudes, pen- samentos e modo de viver real. Presos em um seriado de TV ou no “[...] mundo dos idiotas”como diz a garota, os dois iniciam, sem querer, uma revolução: a de dar cor ao mundo todo preto e branco. Mas o que o poderia colorir o mundo na- quela cidade? No desenrolar da trama vemos que relações interpessoais, bem-estar, conhecimento, sexo, mudanças de atitudes, emoções verdadeiras, se colocar em perigo e se relacionar de fato com o outro; colore a vida dos seus habitantes. A transformação incutida pelos dois jovens na sociedade pleasantvilleiense divide a cidade e gera segregação e preconceito. De um lado o grupo P&B que acredita que a vida em preto e branco, sem emoções e calcada na moral vigente e conservadora, mantém a ordem e o controle da sociedade. Do outro, o grupo dos Coloridos que experimentou o beijo, o sentir, o sexo, a leitura, a pintura, o risco, o dizer não, a liberdade que uma vida colorida pode ter. A música Across the Universe dos Beatles embala a trilha interpretada por Fiona Aplle. O refrão: “nada vai mudar meu mundo” conflita com a pergunta do garoto ao pai conservador: quer mes- mo que tudo volte a ser como era? Como resposta o pai diz: o que vai acontecer agora? O controle remoto traz os dois à vida real. Revista da SBDG - n.9, p. 7-16, novembro de 201912 4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS Pleaseantville, ou em tradução livre cidade agradável, conta a história de um seriado que se passa nos anos 50, e dá nome a cidade - cenário da trama. Nesse mundo de fábula vive-se sem confli- tos na qual todos os personagens agem de forma afável e previsível. A família central da série são os Parker: George, o pai; Betty, a mãe; e os irmãos gêmeos Mary-Sue e Bud. O filme, inicialmente em preto e branco, traz a sensação de uma vida sem cor, com relações e papeis pré-estabelecidos e com emoções ausentes. Exemplo disso é a cena na qual George chega em casa e diz “Querida, cheguei!” E a esposa Betty prontamente o recebe com uma bebida, a comida favorita posta a mesa e a resposta: “Olá querido, como foi seu dia?” Até então um retrato regular da família normativa ocidental. A vida na cidadela se dá sem imprevistos e incidentes e tudo é quase perfeito. Prova disso é o time de basquete da escola que sempre se consagra campeão. Nessa história os bombeiros não estavam ali para combater incêndios e sim salvar gatos, como vemos na cena na qual uma árvore está em chamas e os profissionais não sabem como acabar com elas. Nesse mundo, os livros da biblioteca são todos com folhas em branco, não havendo espaço para o conhecimento. A vida em Pleaseantville revela-se linear e diplomática. Esta forma opaca de vida é ameaçada com a chegada dos irmãos da vida real David e Jennifer que, transportados para dentro do seriado e da vida em Pleaseantville, assumem os personagens de filhos de George e Betty Parker. A jovem moderna Jennifer, que muito a contragosto decide ficar na cidade e na fantasia, assumindo o papel de Mary Sue, mexe nos padrões até então estabelecidos e nos tabus daquela sociedade. O papel dela é de trazer inquietação seja através de perguntas mais explicitas a professora durante uma aula no colégio ou fomentando seu desejo juvenil. O irmão tenta controlá-la já que ele conhece a trama por ser seu seriado favorito, mas não consegue, Jennifer no papel de Mary Sue faz o que deseja e não o que estava estipulado no roteiro. Nessa cidade na qual não se faz sexo e não se conhece o poder da arte, Mary rompe esse padrão normativo é a primeira a ter relações sexuais na Alameda dos Prazeres. Com isso, coloca a pitada de transgressão que traz a primeira cor para aque- la sociedade. O ato sexual confronta os tabus da rotina, das relações e do desejo. Outros personagens com o decorrer da his- tória vão sendo apresentados ao mundo colorido: o garçom do bar Bill que sonha em ser pintor e se colore quando começa a pintar telas escondido e Betty, mãe dos irmãos que nunca teve um orgas- mo e consegue um através da masturbação; são exemplos. No entanto, esses movimentos logo se alastram pela pacata vila e o confronto com as normas que regem aquele mundo ideal são colo- cados em cheque. Pode-se ver esse fenômeno quando o prefei- to da cidade é acionado para que como líder dessa comunidade traga a ordem de volta. A exemplifi- cação disso é mostrado na cena em que George conta aos amigos que chegou em casa certo dia e não mais encontrou sua comida pronta. “Se George não encontrou o jantar dele, qualquer um pode ser o próximo”, resmunga um dos amigos. Além disso, o prefeito cita o caso de um jo- vem que decidiu abandonar seu emprego, de uma esposa que queria adquirir uma cama maior para sua casa já que todas eram de solteiro e ainda a esposa de um amigo que não havia passado uma camisa direito chegando a queimá-la. Para acabar com essas ameaças à sua estru- tura de vida agradável, ele busca reforçar os tabus vigentes e a criação de novos, ou seja, novas leis para que a forma de organização social que estava até então estabelecida se mantivesse. Entretanto, a cidade havia sido dividida entre os que queriam a mesma vida de sempre e os que queriam o novo. Dois grupos, duas organizações e uma guerra movida por tabus. Estes resumos de cenas nos ajudam a com- preender alguns conceitos freudianos de totem e tabu (FREUD, 2006b, v. 13) no sentido de que Revista da SBDG - n.9, p. 7-16, novembro de 2019 13 estão arraigados à cultura e podem ser difíceis de serem modificados. Em outra cena do filme, quando o grupo dos pretos e brancos (P&B) se revoltam com o grupo dos coloridos, estão presentes a animosida- de e a agressividade por parte daqueles, já que os transgressores coloridos optaram por desbloquear alguns tabus que aquela sociedade não aceitava. Com isso, surge a rivalidade e tem-se um perigo para aquela organização dividida e assim pode-se relacionar com as afirmações de Freud (2006b, v. 13) sobre os transgressores darem luz aos tabus. Diante dos acontecimentos relatados perce- be-se que romper com os tabus gera consequências e uma possibilidade de se ser rechaçada pelo grupo. Nota-se isso na cena que a mãe Betty fica colorida e tenta esconder sua cor para não ser mal vista pe- las amigas, marido, família e pelo prefeito. Nesta perspectiva lembramos da seguinte frase de Freud (2006b, v. 13): “A violação de um tabu transforma o próprio transgressor em tabu.” Ainda sobre a ótica de papeis socioculturais, para Freud (2006b, v. 13), os totens representam as relações sociais e temos no filme uma organi- zação social na qual as mulheres precisam esperar seus maridos em casa com a comida pronta, além de serem esposas e mães adoráveis e reprimir os desejos. Já os jovens até podem ter pequenas transgressões, mas nada muito extremo, como ou- vimos nas falas de um dos personagens homens na barbearia: “Tudo bem ir à Alameda dos Prazeres, mas agora ir à biblioteca? Onde isso vai parar?” e “Alguém tem que fazer alguma coisa”. Porém mudanças podem trazer resistências. No início do filme, David que assume o papel de Bud, diz a sua irmã Jennifer que ela não poderia mexer na história daquelas pessoas pelo fato delas serem felizes assim. No entanto, ela mostra a ele que aquela população tem vários potenciais e que elas querem experimentar cores diferentes, ou seja, jeitos diferentes de ser, sentir e perceber. Nota-se ainda questões de Freud (2006b, v. 13) relacionadas a ansiedade. Exemplo disso é que o grupo P&B estava ansioso, inquieto, indignado e violento com os coloridos, mas no final do filme, quando acontece o julgamento de Bud e Bill, as pessoas começam a ficar coloridas, pelo fato de terem seus sentimentos acionados com as provo- cações do garoto. A mudança então acontece para todos e os ânimos se acalmam aos poucos. Le Bon (2008) também fala que nos grupos, geralmente, aflorarão características inconscientes. Vemos isso no movimento do colorizar-se, pois as pessoas começam a expressar seus desejos, sejam eles sexuais, artísticos ou literários antesadorme- cidos e até inconscientes. Vindo à tona as inibições individuais, os instintos e a primitividade. Freud (2006a, v. 18) remete a semelhança dos grupos com os povos primitivos e com as crianças. Já Le Bon (2008) pontua sobre as carac- terísticas primitivas de falta de controle emocional na qual antipatia rapidamente transforma-se em ódio. Estas características podem ser percebidas claramente nas placas que os P&B colocaram em seus estabelecimentos pós – divisão dos grupos e em prol da volta da ordem vigente que dizia: “Não aceitamos coloridos”. O que pode ser compreendi- do como antipatia. Na sequência esta característica de não aceitação transforma-se em depredação e violência contra os estabelecimentos e contra as pessoas coloridas o que pode ser interpretado como resistência a mudança e ao novo. Fica evidente no filme que o grupo dos colo- ridos se permitiram experiências novas e lutaram para continuar as experimentando e assim terem seu colorido legitimado, representando uma cora- gem advinda do próprio grupo. Da mesma forma, as características de agressividade e crueldade dos P&B que, em massa, atacaram os coloridos; parece algo que estas pessoas não fariam isoladas. Estes atributos nos lembram o conceito de Le Bon (2008): não há soma ou média de características entre os indivíduos do grupo, mas sim a absorção de novas. Le Bon (2008) diz ainda que o sentimento de responsabilidade que dá controle aos indivíduos tende a desaparecer. Isso é aparente no filme nas cenas em que as mulheres começam a fazer o que desejam e deixam a responsabilidade de cuidar Revista da SBDG - n.9, p. 7-16, novembro de 201914 da casa e de serem mães e esposas impecáveis. O estar hipnotizado pode ser visto, pois não encon- tramos falas sobre planejamento e possíveis con- sequências. As pessoas simplesmente vivem o que desejam viver. Seja ir à biblioteca, à Alameda dos Prazeres ou afrontar os transgressores coloridos. O sentimento de invencibilidade caracterís- tico dos grupos (LE BON, 2008) é percebido tanto no grupo dos coloridos - que invadem o julgamento de Bud e Bill -, bem como na assembleia que se reúne para defender a moral e os bons costumes dos P&B que viviam até então em suas vidas agradáveis. Ainda no quesito novas características, Le Bon (2008) pontua que as multidões são capazes de heroísmos e sacrifícios pelo grupo. Pode-se notar esses atos tanto no grupo dos coloridos - que brigam por sua liberdade – como no grupo dos P&B, representado aqui pela figura do prefeito que fazia articulações, defendia publicamente os seus interesses e os interesses daqueles que estavam se sentindo incomodados com as quebras de tabu. Para McDugall (apud FREUD, 2006a, v. 18) o indivíduo experimenta no grupo um contágio emocional que não teria isoladamente. Percebe-se esta perspectiva quando a mãe Betty logo no início do filme apresenta um interesse pelo dono do bar Bill, mas sufoca esse desejo e somente mais tarde, por contágio, o deixa aflorar. Freud (2006a, v. 18) fala dos laços de identificação. No filme percebemos como eles foram importantes para que muitas das mudanças acontecessem. Em uma cena a mãe dos irmãos se permite seguir os seus desejos e fazer experiências diferentes porque confia no que os filhos lhe dizem. Betty vai à lanchonete e encontra Bill pintando. Fica emocionada com o que vê e uma lágrima remove sua maquiagem de disfarce. Bill percebe e sugere a Betty que ela deveria se mostrar como esta agora: colorida e, delicadamente, ele inicia a remoção da maquiagem dela. E a partir daí ela passa a assumir a nova identidade. Freud (2006a, v. 18) fala também da redução da capacidade intelectual do indivíduo quando em grupo. E McDougall (apud FREUD, 2006a, v. 18) oferece como alternativa a esta questão que a atividade intelectual seja concentrada em alguns membros do grupo. Este desdobramento é perce- bido no filme, pois são Bud e Bill que engendram as formas de atuação do grupo dos coloridos. O mesmo se observa nos P&B que se deixam guiar cegamente pelo prefeito e não questionam se a vida realmente era tão agradável como ele anun- ciava em seu discurso. Aqui também se evidenciam as características citadas por Le Bon (2008) de credulidade e ingenuidade do grupo que acredita no seu líder sem contestar. Segundo a teoria de Le Bon (2008), a pessoa que deseja ser líder deve impressionar, fazer afir- mações violentas, exagerar na fala e nos gestos, repetir e não exigir raciocínio das pessoas. Como citamos acima, um exemplo de liderança no filme é a exercida pelo prefeito da cidade. Já Mary Sue e Bud tornam-se líderes, mas de um jeito dife- rente, pois eles fazem coisas atípicas que acabam por reverberar naquela população como o sexo de Mary Sue na Alameda dos Prazeres ou seus questionamentos à professora; enquanto que Bud sabe como apagar um incêndio e conta as histó- rias que não estavam nos livros. Diante disso, as pessoas começam a se encantar, a questionar e a efetivamente buscar uma vida diferente, surgindo uma nova forma de liderança. Le Bon (2008) diz que as características individuais podem ser destruídas ou potenciali- zadas. Vemos as características artísticas de Bill potencializadas, o mesmo acontece com o perfil de liderança de Jennifer. A menina Jennifer é realmente um caso de estudo e mostra-se um desafio até para a teoria das massas (FREUD, 2006, v. 18), se pensarmos que a tendência é as pessoas se nivelarem ao perfil do grupo. Ela, no entanto, consegue ter as mesmas ações como Mary Sue, mesmo sendo diferente de toda a cidade. Por outro lado, seu irmão Bud é uma clássica representação da teoria de Le Bon (2008), pois inicia sua atuação como um clássico morador de Pleaseantville, ou seja, deixa suas potencialidades desaparecem por um tempo em busca de se enquadrar. Revista da SBDG - n.9, p. 7-16, novembro de 2019 15 Além das características que diferenciaram Mary Sue das outras meninas da série, ela pode ser percebida como muito corajosa se levarmos em consideração a ideia de McDougall (apud FREUD, 2006a, v. 18): revela-se perigoso se opor ao grupo. E essa afirmativa faz muito sentido tendo em vista que os coloridos sofreram grande violência moral e psicológica, pois foram xingados, ridicularizados e no caso de Bill seu estabelecimento foi destruí- do. E o pai George que não conseguiu sair do seu padrão convencional por ignorância ou reatividade à mudança. O mesmo poderia ter acontecido com Jen- nifer e David quando entraram na série sem saber o que fazer, pois inicialmente a ideia foi de que deveriam seguir o roteiro dos personagens Mary Sue e Bud até uma nova aparição do técnico de TV para lhes dizer como poderiam sair do mundo fictício e voltar a realidade norte-americana. Mas Jennifer ousa e imprime um padrão diferente de comportamento em Mary Sue e convence David a fazer o mesmo com seu personagem Bud. E assim começa a revolução das cores. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este filme em conjunto com os conceitos dos teóricos Freud e Le Bon, nos ajudam a pensar sobre elementos que estão presentes nas repre- sentações de grupos denominados aqui de P&B e dos coloridos, e nas relações entre a estagnação e a mudança o normativo e o disruptivo. Tivemos a oportunidade de perceber a força de um grupo e da liderança, pois se a cidade não tivesse aceitado novos líderes, teria saboreado apenas os mandos do prefeito e assim nada de novo teria acontecido. Mesmo que tudo pareça já escrito e determinado é possível alterar os univer- sos. A jovem Jennifer ou Mary Sue tem esse papel: romper com o regimental. A teoria do contágio emocional que trouxe- mos na análise se mostrou presente quando come- çaram os questionamentos, papel até então da jovem Jennifer ou Mary. Mas, como algo que se alastra, as indagações começam e com elas vem a novidade. Vimos através do filme que o mensageiro do novo é absorvido pelo grupo de forma até egoísta, pois assim se tornapossível deter esse conheci- mento e, consequentemente, realizar a ruptura com o de sempre. Mas percebemos também que o ato de mudar ou de promover mudanças não é tarefa fácil, pois mexer na tradição, nos valores, nos totens e tabus de uma sociedade pode ser muito perigoso, além de gerar ansiedade, ódio, violência e segregações. O muro de proteção nesse cenário pode ser o próprio grupo. De um lado o grupo pode dar força para superarem as adversidades e não sucumbirem aos percalços, motivando uns aos outros. E por outro, o grupo pode fechar o círculo de forma que a visão externa se torne impossível ou inacessível. Uma das falas do filme que merece destaque é: qualquer um pode ser o próximo. Salientamos essa sentença, pois as características individuais quando bem desenvolvidas afetam o grau de influ- ência que o grupo exercerá no indivíduo. O poder de um grupo, como vimos no filme, é significativo na forma de construção da sociedade e na manu- tenção de seus valores. Uma vez que a mudança for feita será possível mudar de volta? O garoto Bud faz esse questionamento ao pai no fim da película: “quer mesmo que tudo volte a ser como era, pai?”. Estas são apenas algumas das considerações possíveis, e não se encerra aqui a discussão sobre a potencialidade dos grupos nos processos de mudança. Uma das possíveis provocações que fica re- fere-se a refletir sobre o quão distante ou próximo da nossa realidade estão os conflitos produzidos por David e Jennifer como personagens de uma série dos anos 50? Será que poderíamos falar de um novo pa- drão de liderança que está surgindo na atualidade, calcado em valores e nas formas de se relacionar? O quanto de dicotomia, ansiedade pela dife- rença, resistência, ódio e contágio emocional estão presentes nos grupos que fazemos parte? A sociedade brasileira organizada em grupos reverberados pelas redes sociais são agentes de Revista da SBDG - n.9, p. 7-16, novembro de 201916 mudança ou mantenedores da ordem e dos valores normativos? Portanto, trazemos a frase final do filme que consideramos também o motivador de inquieta- ções das massas, dos totens e tabus da atualidade presente nos grupos que circulamos: o que vai acontecer agora? REFERÊNCIAS FREUD, Sigmund. Além do princípio de prazer, psicologia de grupo e outros trabalhos (1920- 1922). Rio de Janeiro: Imago, 2006a. v. 18. Disponível em: <http://conexoesclinicas.com.br/ wp-content/uploads/2015/01/freud-sigmund-o- bras-completas-imago-vol-18-1920-1922.pdf>. Acesso em: 2 jan. 2018. FREUD, Sigmund. Totem e tabu e outros trabalhos (1913-1914). Rio de Janeiro: Imago, 2006b. v. 13. Disponível em: <http://conexoesclinicas.com.br/ wp-content/uploads/2015/01/freud-sigmund-o- bras-completas-imago-vol-13-1913-1914.pdf>. Acesso em: 2 jan. 2018. LE BON, Gustave. Psicologia das multidões. 1. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2008. PLEASANTVILLE - a vida em preto e branco. Di- reção: Gary Ross. Intérpretes: Tobey Maguire, Jeff Daniels, Joan Allen. Estados Unidos da América: New Line Cinema, 1998. Disponível em: <https:// www.youtube.com/watch?v=kM3uVmvcATI>. Acesso em: 12 jan. 2018. Revista da SBDG - n.9, p. 17-35, novembro de 2019 17 ARTIGO 2 Fenômenos grupais em sala de aula: a perspectiva do docente na educação de adultos Natália Gomes da Silva Adriano Cavalleri Natália Salles Ribeiro Resumo – Com a forte expansão da Educação Superior no Brasil no início do século XXI, houve algumas mudanças no contexto de sala de aula. Tornou-se necessário cada vez mais considerar as relações entre professores e alunos nos processos de ensino-aprendizagem e nas práticas pedagógicas. Além da capacidade de liderança, do domínio técnico dos conteúdos e da própria natureza do trabalho pedagógico, o professor também precisa compreender os processos grupais envolvidos no processo de ensino-aprendizagem Partindo destes apontamentos, este trabalho tem como questão norteadora: os docentes de educação de adultos (Ensino Superior e Pós-graduação) consideram as relações grupais no contexto de aprendizagem? Buscou-se conhecer a percepção dos professores de Ensino Superior e Pós- graduação em relação a processos grupais e ao seu papel no grupo no processo de ensino-aprendizagem em sala de aula, na perspectiva de processos grupais de Pichon-Riviére (2005). Trata-se de estudo de abordagem quantitativa, de natureza exploratória e descritiva, tendo como público-alvo docentes que estavam na ativa e lecionavam para adultos (Ensino Superior e Pós-graduação) presencialmente. Empregou-se o método de survey, com questionário estruturado para coleta de dados. Verificou-se que os docentes da amostra pesquisada aparentam não ter consciência dos processos grupais em sala de aula e do papel das relações interpessoais no processo de ensino-aprendizagem, havendo um foco maior no aluno como indivíduo e não como membro de um grupo. Os resultados sugerem que há espaço para o desenvolvimento de competências docentes voltadas a lidar com processos grupais. Palavras-chave: Aprendizagem de adultos. Processos Grupais. Docência. Abstract – With the strong expansion of Higher Education in Brazil in the early 21st century, there have been some changes in the classroom context. It has become increasingly necessary to consider the relationships between professors and students in teaching-learning processes and pedagogical practices. Besides the leadership capacity, the technical mastery of the contents and the very nature of the pedagogical work, the professor also needs to understand the group processes involved in the teaching-learning process. From these notes, this work presents a question: “Do professors (higher education and postgraduate) consider group relationships in the learning context?” We sought to understand the perception of higher education and postgraduate professors in relation to group processes and their role in the group in the teaching- learning process in the classroom, from the perspective of Revista da SBDG - n.9, p. 17-35, novembro de 201918 group processes of Pichon-Riviére (2005). This is quantitative approach study, exploratory and descriptive nature, having professors as target (Higher Education and Postgraduate). The survey method was used, with a structured questionnaire for data collection. It was found that the professors in the researched sample seem to be unaware of the group processes in the classroom and the role of interpersonal relationships in the teaching-learning process, with a greater focus on the student as an individual and not as a member of a group. It was found that there is room for the development of teaching skills aimed at dealing with group processes. Keywords: Adult learning. Group processes. Teaching. 1 INTRODUÇÃO A Educação Superior no Brasil vivenciou forte expansão no início do século XXI, marcada pelo crescimento do número de instituições, cur- sos, vagas, ingressantes e matrículas. Entre 2004 e 2013, a proporção de pessoas de 25 a 34 anos com Ensino Superior praticamente dobrou, passando de 8,1% para 15,2% (IBGE, 2010). Este universo, em 2016, era constituído por 6,3 milhões alunos em cursos de graduação e 173 mil em pós-graduação, distribuídos em 2.407 instituições de ensino, das quais 87,7% eram privadas (MEC, 2017). O perfil do estudante também se alterou nes- te período, principalmente por meio de políticas públicas de acesso e permanência nas instituições. Estas ações tiveram papel central na inclusão dos grupos historicamente marginalizados, como ne- gros, quilombolas, indígenas, além de indivíduos de baixa renda. Os dados do Questionário Socio- econômico do ENADE (2012) revelam ainda que 56% dos estudantes de Ensino Superior trabalham e estudam, e que, portanto, para a maior parte do contingente de matriculados, dedicar-se exclusiva- mente aos estudos não é uma opção. Alguns destes estudantes estiveram afastados do ensino há anos, às vezes décadas, e as salasde aula de hoje com- preendem uma enorme diversidade em termos de idade, conhecimentos, valores e costumes. Essa mudança no perfil dos estudantes re- presentou um passo importante na busca de maior igualdade e acesso ao Ensino Superior. Ao mesmo tempo, essa mudança também se constitui em um desafio para o sistema atual das instituições de Ensino Superior. Garantir o ingresso dos estu- dantes não é suficiente para que eles completem seus estudos, sendo necessário ter meios eficientes para evitar a evasão do Ensino Superior. A evasão desses estudantes é consequência da interação de vários fatores, e a dificuldade para conciliar estu- dos e sustento financeiro é normalmente apontada como o principal deles (FIGUEIREDO; SALLES, 2017). Além dessas questões de conciliação entre estudos e trabalho, as relações interpessoais entre professores e alunos em sala de aula também têm impacto na aprendizagem e na evasão. Por exem- plo, Morbeck (2016) analisando a evasão em uma universidade federal, verificou que os estudantes evadidos apresentaram maior distanciamento afe- tivo dos professores que aqueles alunos em curso. Infelizmente, o impacto das relações interpessoais no ambiente escolar costuma ser ignorado ou simplesmente desconhecido por gestores, coor- denadores, professores e os próprios estudantes. Nesse cenário de turmas de estudantes hete- rogêneas, é necessário cada vez mais considerar as relações entre professores e alunos nos processos de ensino-aprendizagem e nas práticas pedagó- gicas. Para isso, é preciso incorporar estratégias de aprendizagem mais flexíveis e abrangentes, trabalhando com a noção de processos dinâmicos, principalmente no nível grupal. Isso implica que além da sua capacidade de liderança, do domínio técnico dos conteúdos e da própria natureza do trabalho pedagógico, o professor também tenha que compreender os processos grupais envolvidos no processo de en- sino-aprendizagem. Assim, é importante que os professores estejam conscientes dos processos de formação de normas, comunicação, cooperação e competição, divisão de tarefas e distribuição de poder e liderança em sala de aula. Revista da SBDG - n.9, p. 17-35, novembro de 2019 19 Os caminhos delineados pelas turmas na construção de sua história grupal influenciam no cotidiano da relação pedagógica em sala de aula. Desse modo, o grupo funciona como um campo de referências cognitivas e afetivas, onde os in- divíduos se integram e se reconhecem, podendo bloquear ou estimular processos criativos e críticos em sala de aula (AFONSO; VIEIRA-DA-SILVA; ABADE, 2009). A turma pode atingir graus e tipos de organização grupais muito diferentes: agrupamentos efêmeros, consolidação de formas de inter-relação rígidas, com papéis demarcados, ou uma estruturação vincular mais dinâmica e cooperativa (CORD, 2008). Considerando a expansão do Ensino Supe- rior no país mencionada anteriormente, o número de professores também cresceu consideravelmente nas últimas décadas. Entretanto, os cursos de for- mação de tais professores geralmente não abordam aspectos sobre o funcionamento dos grupos. Um melhor entendimento sobre a dinâmica de grupos em sala de aula pode tornar o processo de ensi- no-aprendizagem mais eficiente, humanizado e de maior impacto social. Infelizmente, em muitas situações, o professor não está consciente de sua própria prática, atuando como um mero executor de tarefas e desconsiderando os movimentos do grupo e o impacto das suas práticas e comporta- mentos no processo educativo. O professor desavisado ou despreparado no do- mínio das relações interpessoais ou o professor inseguro, tímido, que não superou seus limites emocionais e afetivos, ou o professor equivo- cado, pensando que com atitudes autoritárias em relação à classe (ao grupo) irá conseguir disciplina ou resultados no controle da classe ou no produto da aprendizagem dos alunos, terá grandes dificuldades de ensinar, de lidar com a classe, isto é, com o grupo que será tanto mais coeso, quanto mais ameaçado pelo professor (CHAVES, 2004, p.1) Partindo destes apontamentos, este trabalho tem como questão norteadora: os docentes de edu- cação de adultos (Ensino Superior e Pós-gradua- ção) consideram as relações grupais no contexto de aprendizagem? Este trabalho visa conhecer a percepção dos professores de Ensino Superior e Pós-graduação em relação a processos grupais e ao seu papel no grupo no processo de ensino-aprendi- zagem em sala de aula. Adicionalmente, propõe-se a investigar se os docentes estão conscientes do papel das relações interpessoais (professor x aluno e aluno x aluno) no processo de ensino-aprendi- zagem, e se eles sentem-se capacitados para lidar com os processos grupais em sala de aula. Inicia-se por uma breve revisão de conceitos relacionados ao questionamento central, alicerçado especialmente em Pichon-Riviére (1994; 2005). Na sequência, relatam-se os procedimentos me- todológicos. Na terceira parte, apresentam-se e analisam-se os dados coletados, para então trazer as considerações finais. 2 ABORDAGEM COMPORTAMENTALISTA VERSUS ABORDAGEM HUMANISTA Em um sentido mais amplo, podemos enca- rar o aprendizado por meio de duas teorias contras- tantes: o comportamentalismo (ou behaviorismo) e o humanismo (MILHOLLAN; FORISHA, 1995). A influência destas duas visões no ensino contem- porâneo é inegável, e apresentam impacto signi- ficativo no campo cognitivo e afetivo do aluno. Segundo a teoria comportamentalista, o ambiente pode controlar o homem, mas esse am- biente foi inteiramente construído por ele. Essa abordagem teve como principal protagonista o norte-americano B.F. Skinner, que enfatizava os estímulos externos como sendo fundamentais à aprendizagem. Em outras palavras, a aprendiza- gem para Skinner concentra-se na capacidade de estimular ou reprimir comportamentos, desejáveis ou indesejáveis, como uma instrução programada aonde o aluno é visto como passivo neste processo (MOREIRA, 1995). A Teoria Behaviorista de Skinner teve uma gran- de aplicabilidade na educação, sendo consubs- tanciada pela “tendência tecnicista” traduzida pelos métodos de ensino programado, o controle Revista da SBDG - n.9, p. 17-35, novembro de 201920 e organização das situações de aprendizagem e da tecnologia de ensino. No Brasil, principal- mente na década de 1970, a tendência tecnicista influenciou as abordagens do processo de ensino/ aprendizagem, a partir da inserção do conceito de uma aprendizagem por condicionamento, sendo ratificada pelos novos modelos de currículo, pelas políticas educacionais que valorizavam a formação técnica do educador e a inserção de recursos didáticos que estimulassem a aprendi- zagem nas escolas. (SANTOS, 2006, p. 1). A visão humanista enfatiza que a aprendiza- gem deve se dar de forma integral, considerando tanto o cognitivo, quanto o motor e o afetivo. Esta abordagem eleva o aluno como um sujeito ativo e líder do seu próprio processo de aprendi- zagem. Uma das características desse modelo é a não-diretividade do processo de aprendizagem, em que o professor não interfere diretamente no campo cognitivo e afetivo do aluno. O psicólogo norte-americano Carl Rogers foi um dos principais representantes da corrente humanista na educação. Rogers propõe a sensibilização, a afetividade e a motivação como fatores atuantes na construção do conhecimento. Nesta perspectiva, a função do professor consistiria no desenvolvimento de uma relação pessoal com seus alunos e o estabelecimento de um clima nas aulas que possibilitasse a realização natural dessas tendências; portanto o professor é um facilitador da aprendizagem significativa, fazendo parte do grupo e não estando colocado acima dele; este também é um dos pressupostos básicos da teoria de Rogers, ou seja, o aspecto interacional da situação de aprendizagem, visando às relações interpessoais e intergrupais (FUNDE- PAR, 2017, s/p). Nessa perspectiva, a educação autêntica nãose faz do professor para o aluno ou do professor sobre o aluno, mas do professor com o aluno. No cenário de uma educação mais humanizada, destaca-se as contribuições do brasileiro Paulo Freire, como por exemplo a Pedagogia da Autonomia (FREIRE, 1996). Um dos princípios gerais desta Pedagogia é o de que ensinar não é transferir conhecimento (ao contrário da visão comportamentalista), mas criar as possibilidades para sua própria produção ou a sua construção. 3 PROCESSOS GRUPAIS NA PERSPECTIVA DE PICHON- RIVIÉRE Para conduzir a análise deste trabalho, fo- ram utilizados como aporte teórico os conceitos de Enrique Pichón-Rivière, considerado mestre pela Psiquiatria Psicanalítica argentina. Os funda- mentos dos trabalhos desse autor estão presentes em técnicas de famílias, grupais, comunitárias, aprendizagem, entre outras. Dentre suas teorias estudadas, focou-se em especial, na de ECRO (Esquema Conceitual-Referencial-Operativo) - Cone invertido e Teoria do Vínculo; levantando a possibilidade de que com uma consciência do movimento do grupo, observação das atividades e algumas intervenções do líder/professor, se pode interferir de forma efetiva no ensino de adultos, em grupos de aprendizagem, na formação superior. Para Pichón-Rivière (2005) um grupo é definido pelo conjunto de pessoas reunidas pela proposta de uma tarefa/objetivo, que é a finalidade para sua união. O fator principal de se definir um objetivo comum é perceber que os membros do grupo devem realizar um trabalho ou tarefa co- mum para alcançarem estes objetivos. Essa ideia é importante, pois “a tarefa é um organizador dos processos de pensamento, de comunicação e de ação que ocorrem na situação de grupo” (FER- NANDES et al., 2003, p. 197). O processo grupal é marcado pelas relações entre sujeitos, e admite-se que há dois níveis que operam no grupo: o da intencionalidade consciente e o da interferência dos fatores inconscientes. A primeira é o objetivo direto do grupo, ou seja, o trabalho a ser produzido. Observando-se como opera um grupo ao resolver uma determinada ta- refa de aprendizagem, é possível compreender que se trata de um grupo operativo centrado na tarefa de dominar o problema e dar a ele uma solução. O referencial de grupos operativos busca informar sobre o segundo, pois ele focaliza os elementos que mobilizam as estruturas internas dos sujeitos, fazendo com que eles superem suas dificuldades de aprendizagem e comunicação. Isso implica dizer Revista da SBDG - n.9, p. 17-35, novembro de 2019 21 que, ao operar em grupo, o sujeito revela aquilo que está implícito por meio de comportamentos repetitivos que interpretamos como “sintomas” de algo que não está caminhando bem (PICHON- -RIVIÈRE, 2005). Com base na observação de determinados comportamentos grupais, Pichón-Rivière propôs o cone invertido dos vetores do grupo, que avalia a dinâmica relacional do grupo. A figura 1 apresenta o cone: Figura 1: Cone invertido Fonte: Luchese e Barros (2002, p. 68) O primeiro grau de identificação do grupo com a tarefa é a afiliação, quando o integrante se aproxima, mas ainda com um distanciamento. Quando a intensidade nessa identificação é maior, denomina-se pertença, onde se permite a elabora- ção da tarefa. A partir daí propicia-se o vetor da cooperação - capacidade do grupo ajudar-se entre si e ao terapeuta. A pertinência é o vetor que indica estar coerente com o foco do grupo, centrando-se na tarefa. A comunicação é fundamental para o processo de integração do grupo, envolve um emissor, um receptor e uma mensagem, cabe ao coordenador grupal detectar ruídos nesta comu- nicação para que os mal-entendidos possam ser resolvidos. O vetor de aprendizagem soma as in- formações e contribuições que cada membro leva para a tarefa, gerando melhora e amadurecimento no grupo. Tem-se ainda a tele, que é o clima em que se desenvolve o grupo, aproximação/afastamento entre participantes, resultado de uma transferência positiva ou negativa para trabalhar a tarefa grupal. Já a aprendizagem, para Pichón-Rivière, está estreitamente relacionada com o vínculo, pois, para aprender precisamos de algum tipo de interação, ou relação com um objeto, seja ele animado ou inanimado. Desde a relação do bebê com a mãe, baseada no alimento, inicia-se a vida do indivíduo baseada nos vínculos criados nas Revista da SBDG - n.9, p. 17-35, novembro de 201922 inter-relações entre necessidade e satisfação. Con- forme Pichón-Rivière (2005, p. 47): O vínculo é um conceito instrumental da Psicologia Social que toma uma determinada estrutura e que é ajustável operacionalmente. O vínculo é sempre um vínculo social, ainda que seja com uma pessoa; através da relação com essa pessoa se repete uma história de vínculos determinados em um tempo e espaço determi- nados. Por ele o vínculo se relaciona poste- riormente com na noção de rol, de status e de comunicação (PICHÓN-RIVIÉRE, 2005, p. 47). A teoria do vínculo aplicada ao contexto do ensino propõe a quebra da polaridade professor- -aluno. Ela introduz outro elemento que deve ser considerado. O sujeito e o outro, com quem está interagindo, se dão conta de que há um mundo inteiro em cada um, em interação contínua, que atinge também o nível inconsciente, produzindo imagens ilusórias e ansiedades que necessitam de elaboração. As dúvidas são compartilhadas e uma representação comum é construída criando condições para a solução surgir. Se, por exemplo, conheço alguém que me faz lembrar de outra pes- soa ou situação que não me agrada, essa lembrança pode ser perturbadora o suficiente para gerar an- siedades com relação a quem se está encontrando agora. Mas, se me dou conta de que essa situação/ pessoa de agora não é a mesma de antes, não te- nho por que ter ansiedade. Se compartilho esses meus sentimentos com o outro e ele, por sua vez, compartilha comigo as suas ansiedades, criamos uma representação comum que estimula o vínculo. Na aprendizagem centrada no estudante, os conceitos de papel e vínculo se entrecruzam e por isso é importante abordar tanto a estrutura do vínculo como os diversos papéis, os quais profes- sor e aprendizes se atribuem. O papel é decisivo na situação do vínculo, é transitório e possui uma função determinada, que pode aparecer de forma específica e particular em uma determinada situa- ção e em cada pessoa. Um grupo orientado pela tarefa tem em sua sequência de desenvolvimento para a tarefa, três fases descritas por Pichón-Riviére como a pré-tare- fa, a tarefa em si, e o projeto. Na pré-tarefa o grupo apresenta muita resistência a mudança através de técnicas defensivas, ansiedade de perda e ataque. Nesta fase o grupo precisa ser trabalhado, se neces- sário com a ajuda de um instrutor/líder, para seguir para a tarefa e o projeto. Traçando uma relação com o tema do ensino-aprendizagem, o professor não deveria esperar uma tarefa simples objetiva ao solicitar uma atividade ao grupo de alunos, pois isso seria considerar que ele, enquanto na escola, separa-se da vida pessoal e fatores subjetivos in- dividuais, o que não acontece (SILVA, 2008). Na fase da tarefa, as ansiedades são trazidas a consci- ência por abordagem e elaboração, volta-se para a realidade visando à transformação (do sujeito para o sujeito). O projeto é onde essas transformações e noções abordadas se estabelecem, e o grupo atinge a pertença entre ele, capaz de fazer objetivos novos além do proposto inicialmente. Quando um indivíduo traz sua história pes- soal e evolução, dizemos ter uma verticalidade deste membro no grupo, entretanto, quando mais se fortificam os vínculos, compartilham-se neces- sidades comuns e criam sua história, temos uma horizontalidade e a identidade do grupo. Para Pichón-Rivière, quando um grupo está centrado na realização de uma tarefa, seus membros desempenham uma série de papéis complementares, que contribuem para o êxito ou fracasso da tarefa. Assim, há aqueles papéis que favorecema aprendizagem grupal e aqueles que funcionam como obstáculos e causas de resistên- cias às mudanças. A dinâmica grupal depende da circulação ou rigidez de papéis desempenhados e de seus significados no âmbito do grupo Para o autor, existem quatro papéis princi- pais: porta-voz, líder, bode expiatório e sabotador. O porta-voz que surge diante de uma necessidade de anunciar ou denunciar um acontecer grupal, ele emerge algo que está latente no grupo, fala em nome do grupo para expressar ansiedade que estejam perturbando. Ao fazer isso, ou os demais membros encaram as dificuldades e passam a re- solvê-las, ou o grupo entende que esta dificuldade é somente daquele sujeito. No primeiro caso, o porta-voz vai se tornar o líder da tarefa, e o grupo Revista da SBDG - n.9, p. 17-35, novembro de 2019 23 inicia um momento de cooperação. No entanto, se o porta-voz não é ouvido, ele passa a ser o bode expiatório do grupo. O papel do sabotador surge quando o nível de ansiedade é tal que fugir da tarefa lhe parece mais agradável do que ter de rea- lizá-la. O sabotador torna-se o líder da resistência à mudança, e tanto ele quando o líder operativo tem seguidores partidários. Ao observar os movimentos do grupo entre um subgrupo e outro, mede-se sua coesão. O bode expiatório é aquele que se torna o depositário das coisas negativas do grupo. Nesta seção, apresentaram-se os principais conceitos que nortearam a elaboração do ins- trumento de pesquisa, destacando-se os vetores do ECRO e da teoria do vínculo, bem como as abordagens comportamentalista e humanista da aprendizagem. 4 MÉTODO Este estudo tem abordagem predominan- temente quantitativa, de natureza exploratória e descritiva. Exploratória porque procura captar livres impressões de docentes sobre como os co- nhecimentos e experiências com grupos podem impactar em sala de aula, no processo de ensino- -aprendizagem; descritivo porque também procura apresentar percepções a partir de entendimentos prévios compartilhados na literatura sobre o tema. O público-alvo estabelecido foram docen- tes que estavam na ativa (isto é, em sala de aula) e lecionavam para adultos (Ensino Superior e Pós-graduação) presencialmente. Para avaliar a percepção deste grupo sobre os fundamentos da teoria de grupos, empregou-se o método de survey. O principal instrumento de coleta de dados foi um questionário estruturado da seguinte forma: a) na primeira parte, coletaram-se dados demo- gráficos e relativos à experiência e formação dos respondentes; b) na segunda parte, o objetivo foi identificar o emprego ou não de atividades em grupo em sala de aula, como os grupos eram estruturados e por que este tipo de recurso era utilizado; c) a terceira parte foi composta por sentenças elaboradas a partir da literatura disponível sobre aprendizagem de adultos, grupos, vínculo, entre outros. O respondente deveria manifestar seu grau de concordância/discordância, considerando uma escala de Likert de cinco pontos; d) no último bloco, o foco foi captar a experiência pregressa com grupos (não só em sala de aula, mas em outros contextos, como em projetos, equipes de trabalho, trabalho voluntário) e o interesse em se capacitar no tema. O resultado foi um instrumento com 37 questões, sendo 35 fechadas (33 obrigatórias) e duas abertas (não obrigatórias), de livre resposta (motivações para realizar atividades em grupo em sala de aula e desafios ao se considerar grupos nos processos de aprendizagem). O primeiro e o terceiro bloco inserem-se na parte descritiva da pesquisa, enquanto o segundo e o último na parte exploratória. Inicialmente, o instrumento continha 35 questões fechadas e não havia o segundo bloco. Esta primeira versão foi submetida à apreciação de quatro profissionais: uma especialista (psicóloga social) em Pichón-Riviére e didata em coordena- ção de grupos, que contribuiu para a validação de conteúdo; dois docentes, um de Administração e outro de Publicidade e Propaganda, assim como uma psicopedagoga especialista em método fi- zeram a validação de face, verificando o quão compreensível e acessível estava o instrumento. Considerando esta validação, chegou-se ao ins- trumento final de 37 questões. O questionário foi inserido na plataforma Google Forms, permanecendo aberto para respos- tas no período de nove a 21 de setembro de 2017. O link do questionário foi enviado por e-mail pelos autores para sua rede de contatos (docentes, coordenadores de curso, gestores de instituições voltadas à educação de adultos, etc). Utilizou-se a técnica da “bola de neve”, isto é, solicitava-se que essas pessoas repassassem para outros docentes que representassem o público-alvo do estudo, e estima-se que cerca de 300 profissionais foram alcançados. Ao final do período, foram obtidas 86 respostas ao questionário (todas aptas a análise), Revista da SBDG - n.9, p. 17-35, novembro de 201924 isto é, considerando a estimativa de envio para 300 pessoas, a amostra de respondentes representa 29%. A análise dos dados quantitativos foi re- alizada basicamente por estatística descritiva (frequência, percentual, média, desvio-padrão…). Para os dados qualitativos (questões abertas) foi realizada de análise de conteúdo. Na sequência, apresentam-se os dados e as respectivas análises. 5 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS Para apresentar os dados, optou-se por seguir os blocos do questionário. 5.1 Perfil da amostra No que diz respeito aos aspectos sociode- mográficos, a maior parte dos respondentes era do gênero feminino, com idade entre 30 e 39 anos. A média etária da amostra ficou em torno de 42 anos, ou seja, docentes não tão jovens em termos de idade e com alguma experiência de vida. Na Tabela 1, detalham-se estas informações: Tabela 1: Faixa etária e gênero da amostra Faixa Etária Gênero Masculino Feminino Até 29 anos 3,53% 1,18% Entre 30 e 39 anos 17,65% 27,06% Entre 40 e 49 anos 7,06% 20,00% Entre 50 a 59 anos 9,41% 12,94% Acima de 60 anos 1,18% 0,00% Total 38,82% 61,18% Fonte: dados de pesquisa (2017) Em termos de tipo de instituição, houve um certo equilíbrio na amostra: 44,19% dos res- pondentes declararam que atuam em instituições privadas e 48,84% em instituições públicas. Os demais (6,98%) acumulam responsabilidades tanto em instituições públicas quanto privadas. Com relação a aspectos de educação formal concluída, a grande maioria da amostra tem mes- trado e doutorado (90,70%). Apenas um caso de curso superior (1,16%) e cinco de especialização (4,65%). Houve ainda registro de três casos de pós- -doutorado (3,49%). Como o foco desta pesquisa são docentes de Ensino Superior e Pós-graduação, a amostra reflete as exigências legais do MEC. Ainda, sendo boa parte da amostra professores de instituições públicas, é usual a seleção (concurso público) para docência exigir, no mínimo, mes- trado para cargos de Ensino Superior e doutorado para Pós-graduação. Quanto às áreas de conhecimento de forma- ção dos respondentes, apresenta-se a distribuição na Tabela 2. Revista da SBDG - n.9, p. 17-35, novembro de 2019 25 Tabela 2: Área de Conhecimento de Formação da Amostra Área de conhecimento % Ciências Exatas e da Terra 21,98% Ciências Biológicas 10,99% Engenharias 6,59% Ciências da Saúde 1,10% Ciências Agrárias 3,30% Ciências Sociais Aplicadas 42,86% Ciências Humanas 13,19% Nota: cursos agrupados conforme critérios do CNPq (2017) Fonte: dados de pesquisa (2017) Constata-se a preponderância de profes- sores formados em Ciências Sociais Aplicadas (Administração, Direito, Ciências Contábeis, Economia, Arquitetura, Design, Gestão de RH e Comunicação), seguida pela formação em Ciências Exatas e da Terra (Computação, Matemática, Físi- ca, Química e Sistemas de Informação). Pode-se observar que a área de saúde é a que teve menor representatividade. No geral, a amostra apresentou diversidade. Outro aspecto pesquisadodo perfil dos docentes foi sobre a realização ou não de estágio docente na educação superior e também, tempo de experiência em sala de aula. Sobre o estágio docente, 59,30% dos respondentes afirmaram ter realizado. Quanto ao tempo de experiência na do- cência de adultos, a média foi de cerca de 10 anos e meio. A distribuição por faixas é apresentada na Tabela 3: Tabela 3: Tempo de Experiência Docente Tempo de experiência Percentual da amostra Até 1 ano 5,81% Entre 2 e 10 anos 60,47% Entre 11 e 20 anos 23,26% Entre 21 e 30 anos 8,14% Acima de 30 anos 2,33% Fonte: dados de pesquisa (2017) Os dados da Tabela 3 mostram que prati- camente dois terços da amostra atua no Ensino Superior e de Pós-graduação há pouco tempo. Se conjugarmos com os dados sobre a idade deste grupo (média etária de 42 anos, na faixa entre 30 e 49 anos), pode-se supor que a docência foi uma carreira escolhida em idade madura, ou até mesmo, pode ser uma carreira paralela. Com isso, conclui-se a descrição do perfil da amostra, constatando-se que, à exceção do equi- líbrio entre respondentes de instituições privadas e públicas, nos demais quesitos, reflete os dados presentes no Censo da Educação Superior 2016 (MEC, 2017). Revista da SBDG - n.9, p. 17-35, novembro de 201926 5.2 Atividades em grupo em sala de aula Questionados se costumam promover ati- vidades em grupo em sala de aula, 95,35% da amostra afirma que sim e, adicionalmente, tais atividades são consideradas na avaliação da apren- dizagem. Quanto à formação dos grupos, 44,48% dos docentes permitem que os alunos estruturem os grupos por conta própria, enquanto 44,19% às vezes permite e noutras define os grupos. Somente 2,33% da amostra que promove atividades em grupo sempre define os grupos sem participação dos alunos em todos os casos. As razões que levam os professores a pro- moverem atividades em grupo – uma das questões abertas da pesquisa – foram categorizadas e são apresentadas no Quadro 1. Quadro 1: Motivações dos professores de Ensino Superior para o desenvolvimento de atividades em grupo em sala de aula. Motivação / Frequência / Excertos das Entrevistas Motivação - Desenvolver habilidades intrapessoais para trabalhar em equipe/grupo (comunicação, liderança, cola- boração, tomada de decisão) Frequência - 56% Excertos dos Questionários - “Saber como colaborar e dividir as tarefas em um projeto é uma estratégia similar às atividades que eles irão encontrar no mercado de trabalho. É muito raro - praticamente impossível, uma pessoa desenvolver projetos de forma independente em qualquer empresa e na maioria nos ambientes de pesquisa. Res- pondente 32. Motivação - Propiciar a troca de conhecimentos e experiências Frequência - 44% Excertos dos Questionários - “O fomento da troca de ideias e compartilhamento de experiências e saberes.” Res- pondente 12 Motivação - Estimular a aprendizagem coletiva/colaborativa Frequência - 26% Excertos dos Questionários - “Penso que os estudantes aprendem mais facilmente quando um explica para o outro e quando discutem o que está sendo trabalhado”. Respondente 70. Motivação - Gerar produtos mais complexos por parte dos alunos a partir de diferentes pontos de vista Frequência - 21% Excertos dos Questionários - “Desenvolver a capacidade de trabalhar em grupo, propiciar a discussão de assuntos mais “complexos”, resolução de problemas em grupo” Respondente 10. Notaa: N=79. bOutras motivações apareceram em menos de 5% das respostas e não foram computadas aqui. Fonte: dados de pesquisa (2017) Os docentes indicaram que a principal moti- vação para utilizar atividades em grupo é desenvol- ver habilidades/competências dos estudantes para trabalhar em equipes (59%). Entre as habilidades mais comumente referidas nas respostas estão: a colaboração, a comunicação, a liderança e o rela- cionamento interpessoal. Entre outras motivações relatadas pelos professores estão a troca de saberes, conhecimentos e experiências entre alunos (47%), estimular a aprendizagem coletiva/colaborativa (28%) e a geração de produtos mais complexos por parte dos alunos (23%). Estes dados sugerem que os professores percebem estas as atividades como uma opor- Revista da SBDG - n.9, p. 17-35, novembro de 2019 27 tunidade para os alunos desenvolverem habili- dades individuais para trabalhar em grupos. Por outro lado, nenhum docente indicou que uma das motivações seria desenvolver o grupo de alunos ou a turma como um todo. Uma hipótese seria que o desenvolvimento do grupo (=turma) não é considerado de maneira integrada, e que o foco professores respondentes está centrado apenas no desenvolvimento individual. A partir das respostas obtidas, há indícios que a maioria dos professores possuem uma vi- são tradicional dos grupos de trabalho, em detri- mento de grupos em aprendizagem colaborativa e cooperativa. Quando se consideram trabalhos colaborativos e cooperativos, existe uma busca por uma parceria entre os sujeitos participantes que vá além da simples soma de mãos para a execução de uma tarefa. Em um contexto escolar, a aprendizagem colaborativa seria duas ou mais pessoas trabalhando em grupos com objetivos compartilhados, auxiliando-se mutuamente na construção de conhecimento (TORRES; IRALA, 2014). Ao professor não basta apenas colocar, de forma desordenada, os alunos em grupo, deve sim criar situações de aprendizagem em que possam ocorrer trocas significativas entre os alunos e entre estes e o professor. No Quadro 2 apresentamos algumas dife- renças fundamentais do grupo cooperativo e do trabalho em grupo tradicional: Quadro 2. Tabela comparativa do grupo cooperativo e do trabalho em grupo tradicional. Grupo em aprendizagem cooperativa Grupo de trabalho tradicional Interdependência positiva Não há interdependência Responsabilidade individual Não há responsabilidade individual Heterogeneidade Homogeneidade Ênfase na tarefa e também na sua manutenção Ênfase apenas na tarefa Preocupação com a aprendizagem dos Ausência de preocupação com a aprendizagem dos outros elementos do grupo outros elementos do grupo Ensino direto das habilidades sociais Assume-se a existência das habilidades sociais, mas ignora-se seu ensino Professor observa e intervém (facilitador) Professor ignora o funcionamento do grupo Fonte: adaptado de Freitas e Freitas (2003). 5.3 Percepção quanto aos fenômenos grupais em sala de aula Na terceira parte do questionário, os docen- tes foram convidados a compartilhar sua percepção em relação a sentenças pré-definidas. Essas senten- ças foram elaboradas a partir dos conceitos teóricos sobre aprendizagem e grupos. Os resultados são apresentados nas Tabelas 4, 5, 6, 7 e 8. Revista da SBDG - n.9, p. 17-35, novembro de 201928 Tabela 4: Teorias da Aprendizagem – Comportamentalismo X Humanismo Sentenças Média DP 1 - Professor é aquele que planeja, organiza e controla os meios para atingir os objetivos do processo de aprendizagem. 4,01 0,74 2 - Professor é aquele que atua como facilitador no processo de aprendizagem em sala de aula. 4,66 0,73 3 - O professor exerce o papel de líder do grupo, coordenando o processo de aprendizagem em sala de aula. 4,00 1,02 4 - A aprendizagem resulta das experiências do aluno, que é capaz de buscar por si só os conhecimentos. 3,63 0,87 DP. Desvio-padrão. Fonte: dados de pesquisa (2017) As sentenças 1 e 3 estão relacionadas à abordagem Comportamentalista, que vê o aluno como produto do meio. Ela assume que o professor é responsável e controla planejamento e organi- zação da aprendizagem. A sentença 3 indica um processo centrado no professor e criando “lidera- dos”. As sentenças 2 e 4 se referem à abordagem Humanista, que enfatiza as relações interpessoais e do crescimento que delas resulta. A sentença 4 por exemplo, revela que a maior preocupação do professor deve ser a
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