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Hematologia 1 I – Anemia de Doença Crônica Anemia de Doença Crônica (ADC) é o estado anêmico moderado (queda de 5-15 no hematócrito ou de 2-5 na Hb) que frequentemente se desenvolvem em pacientes que apresentam condições inflamatórias ou neoplásicas por um período superior a 20-60 dias. Um achado comum na ADC é o achado paradoxal de ferro sérico baixo associado a ferritina normal (baixo ferro sérico em paciente com reserva de ferro normal). É importante entender que nem todas as “doenças crônicas” justificam o surgimento da ADC, mas somente aquelas que cursem com aumento das citocinas pró-inflamatórias. São as principais causas de ADC: 1) Inf. Subagudas ou Crônicas 2) Doenças inflamatórias não infecciosas Abcesso pulmonar Artrite reumatoide Empiema LES Tuberculose Vasculites sistêmicas Pneumonia bacteriana prolongada Doenças inflamatórias intestinais Endocardite infecciosa Sarcoidose Osteomielite Trauma severo DIP 3) Neoplasias Malignas ITU crônica Carcinomas Micoses profundas Neoplasia hematológica Meningite 4) Idiopática Infecção por HIV Patogênese Os estados inflamatórios e neoplásicos levam à liberação de várias citocinas que, em conjunto, acabam levando à seguintes consequências: (1) Redução da vida média das hemácias (80 dias) (2) Redução da produção renal de eritropoetina (3) Diminui as respostas dos precursores eritroides à eritropoetina (4) “Aprisionamento” do ferro em seus locais de depósitos (principal) As principais citocinas implicadas na ADC são: IL-1, IL-6, TNF-alfa e gama-interferon. Na ADC temos um “bloqueio” do transporte do ferro pela transferrina dos seus locais de depósito (ferritina e macrófagos do baço) para a M.O. A IL- 6 tem um papel essencial nesse processo: quando os macrófagos liberam IL-6 ela estimula o fígado a produzir hepcidina, A hepcidina inibe a síntese da ferroportina, diminuindo, assim, a absorção intestinal de ferro. Ocorre também o aprisionamento do ferro nos macrófagos e outros locais de depósito, o que compromete o abastecimento da produção eritrocitária – chamamos isso de eritropoiese restrita em ferro. A IL-1, por sua vez, estimula a produção, pelos polimorfonucleares, de lactoferrina, proteína semelhante à transferrina, compete com ela pelo ferro. Como a ligação da lactoferrina é mais forte, o ferro não é liberado na MO como deveria. O interferon-gama atua na ADC promovendo a apoptose e fazendo down-regulation dos receptores de eritropoetina nas células precursoras na MO. Clínica Na maioria das vezes a ADC não é grave e o quadro clínico é marcado pelos sinais e sintomas da doença de base. No entanto, muitas vezes pacientes assintomáticos com anemia leve acabam descobrindo, na investigação diagnóstica, uma doença oculta. Paciente com perda ponderal + anemia leve + aumento do VHS = investigue! A ADC em geral se instala progressivamente nos primeiros 1-2 meses de doença, na maioria das vezes (80%) o hematócrito não baixa de 25%. Em caso de ADC com hematócrito baixo procure fatores contribuintes para anemia (ex: ferropriva). Uma característica da ADC é que sua manifestação acompanha a atividade da doença. Ex: Um dos critérios para atividade da artrite reumatoide e LES é a anemia. 2 Laboratório De longe, a forma mais comum de ADC é normocítica-normocrômica (mas também pode ser normo-hipo ou micri-hipo). Quando há microcitose, é muito discreta (VHS quase nunca abaixo de 72fL). A hipocromia, no entanto, é mais comum e mais pronunciada que a microcitose. (Note que é uma diferença importante da ferropriva, em que a microcitose é mais pronunciada e surge antes na hipocromia). O índice de produção reticulocitária encontra-se normal. Quanto ao metabolismo do ferro, na ADC temos: (1) Ferro sérico baixo (<50mcg/dl) + Ferritina sérica normal ou alta = combinação que caracteriza a doença! (2)TIBC normal ou baixo (<300 mg/dl) (3) Saturação de transferrina levemente baixa (4) Protoporfirina Livre Eritrocitária (PLE) elevada (5) Proteína Receptora de Transferrina (TRP) baixa Tratamento Por se tratar de uma anemia geralmente leve, o tratamento da ADC deve enfocar apenas na doença de base. Nos raros casos de anemia grave (hematócrito <25%) e em que o diagnóstico de outros tipos de anemia sobrepostas foi afastado, o tratamento é realizado com eritropoetina recombinante (evitar hemotranfusões repetidas) e tem boa resposta. Lembre que o tratamento com eritropoetina deve sempre ser acompanhado de reposição de ferro parenteral devido ao aumento do consumo desse elemento. II – Anemia da IRC A IRC acomete 1% da população e suas principais causas são nefropatia diabética, nefropatia hipertensiva e as glomerulopatias. Muitos dos sinais da síndrome urêmica crônica são devidos à anemia. Patogênese A anemia geralmente se instala de forma insidiosa quando a TGF baixa de 30-40 ml/min. Apesar de multifatorial, uma importante causa da anemia no doente renal crônico é a deficiência na produção de eritropetina pelo parênquima renal. Outros fatores incluem: (1) toxinas urêmicas que inibem a eritropoiese; (2) alterações na membrana das hemácias que fazem com que sejam mais reconhecidas pelos macrófagos esplênicos, diminuindo a vida média para 60-70 dias; (3) Paratormônio inibe a eritropoiese e promove mielofibrose leve a moderada. Clínica e Laboratório A anemia da síndrome urêmica é progressiva, chegando a valores de hematócrito 15-30%. Geralmente é normocítica-normocrômica e gravidade tente a ser proporcional ao grau de disfunção renal (exceções: Doença renal policística tem anemia menos intensa; IRC por diabetes e mieloma múltiplo têm anemia mais intensa). O índice de produção reticulocitária é normal na maioria das vezes, mas quando a ureia está muito elevada (>500mg/dl) pode haver reticulocitose. O esfregaço de sangue periférico pode mostrar múltiplos equinócitos (hemácias crenadas) e poucos esquizócitos em capacete. Quanto ao laboratório do ferro, é muito variável, mas em geral ferritina sérica > 100ng/ml. Tratamento Deve ser feito com eritropoetina recombinante subcutânea ou IV na dose de 80-120U/kg 3x semana a partir do momento em que os níveis de HB <10g/dl. O objetivo é manter a Hb entre 10- 12g/dl e, assim, o hematócrito de 30-36%. Hb não deve passar de 12, pois aumenta risco de eventos cardiovasculares. Os efeitos colaterais são HAS e aplasia eritroide pura (grave). 3 III – Anemia da Hepatopatia Crônica A hepatopatia crônica frequentemente cursa com anemia leve a moderada. Apesar de muito comum (75% dos casos), a anemia do paciente hepatopata, na maioria das vezes, é por mecanismo meramente dilucional, como resposta a retenção hidrosalina da hipertensão portal. Só 40% tem redução absoluta da massa de hemácias. Patogênese O principal mecanismo é a hemodiluição. No entanto, outros mecanismos podem levar a “anemia verdadeira” nos hepatopatas crônicos. Para isso, dois fatores costumam estar associados: redução da vida média das hemácias para 20-30 dias e redução da resposta medular à eritropoetina. Os principais fatores que levam à redução da vida média das hemácias são: (1) hiperesplenismo, devido à esplenomegalia congestiva; (2) alterações no metabolismo dos eritrócitos, tornando-os instáveis; (3) alterações na composição lipídica de suas membranas, com aumento de colesterol e lectina. Já a redução da resposta à eritropoetina pode ser explicada por: (1) efeito direto do álcool na MO, na hepatopatia alcoólica; (2) anemia megaloblástica por carência de folato, na hepatopatia alcóolica; (3) anemia ferropriva por sangramento crônico, geralmente do trato digestivo alto; (4) talvez queda da produção de eritropoetina hepática. Síndromede Zieve: Causa episódios autolimitados de anemia hemolítica aguda em etilistas crônicos que apresentam hepatopatia leve ou insipiente, em geral com predomínio de esteatose hepática. Anemia Hemolítica com Acantócitos: em 5% dos paciente com degeneração hepatocelular avançada há o desenvolvimento de uma anemia hemolítica grave, marcada pela presença de múltiplos acantócitos na periferia. Clínica e Laboratório Como na maioria das vezes a anemia é leve, o quadro é marcado pelos sinais e sintomas da hepatopatia. A anemia é normo ou macrocítica com reticulocitose (2,5-24%). O esfregaço mostra macrócitos finos (aumento do diâmetro com manutenção do volume corpuscular normal), hemácias em alvo e acantócitos (em 5%). IV – Anemia das Endocrinopatias • Hipotireoidismo Entre 20-60% dos pacientes com hipotireoidismo desenvolvem anemia. Em geral, a anemia é leve, com hematócrito sempre superior a 30%. A tireoidite de Hashimoto pode estar associada à anemia perniciosa, uma vez que ambas são condições autoimunes. Nesses casos, teremos achados clássicos da anemia megaloblástica por carência de B12. A anemia do hipotireoidismo em geral é normo- normo ou discretamente macrocítica. Macrocitose também pode ocorrer sem anemia, como resposta ao baixo consumo de O2 nos tecidos. O menor consumo de O2 também leva a queda dos níveis de eritropoetina. Ainda, a influência direta da queda de T3 é a diminuição da eritropoiese medular. A reposição hormonal nesses casos corrige a anemia vagarosamente. • Hipertireoidismo De 10-25% dos pacientes desenvolvem anemia. A anemia é discreta e seu mecanismo é desconhecido. Trata-se de uma anemia normo-normo ou microcítica. A microcitose não responde ao ferro. A anemia é corrigida tratando-se a doença. • Outras Além disso, uma anemia leve pode ocorrer em: hipoadrenalismo (Ex: Doença de Addison), hipogonadismo masculino, hipopituitarismo e hiperparatireoidismo. Geralmente normo-normo, a anemia desses casos se resolve com a correção hormonal. 4 V – Anemia por Ocupação Medular Chamada de Anemia Mieloftísica, na época em que a tuberculose (tise) não apresentava tratamento, frequentemente evoluía para a infeção de múltiplos sítios, entre eles a MO. A MO desses pacientes apresentava múltiplos focos de granuloma caseoso e áreas de fibrose. Esses pacientes evoluíam com uma pancitopenia progressiva associada ao aparecimento de células jovens na periferia (eritroblastos e granulócitos imaturos) = leucoeritroblastose. Hoje, com o tratamento, a TB não costuma mais evoluir com esse quadro. Contudo, outras desordens mostram evolução semelhante a mieloftíse, causando o que chamamos de anemia por ocupação medular: (1) Neoplasias Malignas Hematológicas Leucemias agudas ou crônicas Linfomas Mieloma múltiplo Metaplasia mieloide agnogênica Policitemia vera Trombocitemia essencial (2)Neoplasias Malignas Não-Hematológicas Carcinomas metastáticos (Principalmente em: mama, pulmão, próstata e estômago.) (3) Infecções Granulomatosas Disseminadas Tuberculose Miliar Micoses profundas (4) Doenças Inflamatórias Não Infecciosas Sarcoidose LES (5) Miscelânea Osteopetrose Doença de Gaucher Patogênese O mecanismo é infiltração medular pelas células neoplásicas malignas (nas neoplasias hematológicas e não hematológicas). Elas estimulam os megacariócitos medulares a liberar substâncias fibrosantes, levando à mielofibrose progressiva. Clínica e Laboratório O quadro clínico é marcado pelos sinais e sintomas da neoplasia hematológica, da doença neoplásica metastática ou da infecção disseminada. A pancitopenia é um achado comum. A anemia é normocítica (ou em uma proporção menor, macrocítica) e é o achado mais precoce e mais comum da mielofibrose secundária. No esfregaço de sangue periférico encontramos leucoeritroblastose em grande quantidade na vigência de anemia e leucopenia. Dracócitos (hemácias em lágrima) também podem estar presentes. Em estágios avançados, o aspirado de MO pode ser “seco” e a biópsia demonstrar extenso grau de fibrose. Tratamento É voltado para a doença de base.
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