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SUMÁRIO MÓDULO I – TEORIA GERAL DA SOCIEDADE POR AÇÕES .................................................................. 5 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS ................................................................................................................ 5 CLASSIFICAÇÃO: COMPANHIAS DE CAPITAL ABERTO E DE CAPITAL FECHADO ........................ 8 CONSTITUIÇÃO DA COMPANHIA ................................................................................................... 10 Requisitos preliminares .......................................................................................................... 11 Constituição por subscrição pública ..................................................................................... 13 Constituição por subscrição privada ..................................................................................... 15 Formalidades complementares ............................................................................................. 17 CAPITAL SOCIAL................................................................................................................................ 17 Formação do capital social ..................................................................................................... 19 Aumento do capital social ...................................................................................................... 20 Redução do capital social ....................................................................................................... 21 MÓDULO II – ACIONISTAS ................................................................................................................... 23 DEVER ................................................................................................................................................ 23 DIREITOS ESSENCIAIS ...................................................................................................................... 25 VOTO .................................................................................................................................................. 27 Voto múltiplo ............................................................................................................................ 28 Voto plural ................................................................................................................................ 29 ACORDO DE ACIONISTAS ................................................................................................................ 30 REEMBOLSO ...................................................................................................................................... 31 RESGATE ............................................................................................................................................ 32 AMORTIZAÇÃO ................................................................................................................................. 32 MÓDULO III – VALORES MOBILIÁRIOS .............................................................................................. 35 AÇÕES ................................................................................................................................................ 35 Valores ....................................................................................................................................... 36 Espécies ..................................................................................................................................... 37 Forma de circulação ................................................................................................................ 39 Classes ....................................................................................................................................... 39 DEBÊNTURES .................................................................................................................................... 40 Espécies ..................................................................................................................................... 41 Garantias ................................................................................................................................... 41 Agente fiduciário debenturista .............................................................................................. 42 BÔNUS DE SUBSCRIÇÃO ................................................................................................................. 43 PARTES BENEFICIÁRIAS ................................................................................................................... 43 MÓDULO IV – ÓRGÃOS SOCIETÁRIOS................................................................................................ 45 ASSEMBLEIA GERAL ......................................................................................................................... 45 Assembleia geral ordinária ..................................................................................................... 46 Assembleia geral extraordinária ............................................................................................ 47 Assembleia especial ................................................................................................................. 47 Assembleia de constituição .................................................................................................... 48 CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO ................................................................................................... 48 DIRETORIA ......................................................................................................................................... 50 CONSELHO FISCAL ........................................................................................................................... 50 MÓDULO V – OPERAÇÕES SOCIETÁRIAS ........................................................................................... 53 TRANSFORMAÇÃO ........................................................................................................................... 53 GRUPO ECONÔMICO ....................................................................................................................... 55 GRUPO SOCIETÁRIO ........................................................................................................................ 58 CONSÓRCIO ...................................................................................................................................... 61 EXTINÇÃO DA COMPANHIA ............................................................................................................ 63 Dissolução da companhia ....................................................................................................... 64 Liquidação da companhia ................................................................................................. 66 Fusão ......................................................................................................................................... 68 Incorporação ............................................................................................................................ 69 Cisão .......................................................................................................................................... 71 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................................... 73 PROFESSORES-AUTORES ..................................................................................................................... 77 Caracterizamos as sociedades por ações como instrumentos societários eficientes no sentido de viabilizar a concentração de recursos financeiros necessários para a concretização de grandes empreendimentos,sendo esse arrimo do poder na grande empresa que tem na persecução do lucro a efetiva função social da empresa,1 assertiva confirmada a partir da leitura de Nelson Eizirik, segundo o qual: “No direito brasileiro, a sociedade anônima pressupõe sempre a intenção de lucro”.2 Noções introdutórias O cerne das sociedades por ações remete à participação da Casa di San Giorgio na República Gênova na guerra travada contra Veneza, em que a primeira cedia valores à referida instituição que os convertia em títulos de renda registrados no Banco di San Giorgio. A Casa di San Giorgio (1407 - 1805), empresa bancária criada no século XV para o financiamento público do principado de Gênova, viria a se tornar um agente central na capitalização de empreendimentos comerciais que caracterizaram uma parte final da primeira fase sistêmica do desenvolvimento do Capitalismo Mercantil [...].3 1 MENDONÇA, Saulo Bichara. Função social da empresa: análise pragmática. Revista de Estudos Jurídicos, a.16, n.23, 2012. Disponível em: <https://ojs.franca.unesp.br/index.php/estudosjuridicosunesp/article/view/479/643> Acesso em: 29 set. 2017. 2 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada: arts. 1º a 120. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 34. v. 1. 3 SOUZA, Luiz Eduardo Simões de; MACHADO, Beatriz Lima. A Casa di San Giorgio: notas sobre as instituições e finanças da fase genovesa do ciclo sistêmico mercantil, a partir do Statuto de 1568. Disponível em: <http://www.abphe.org.br/ uploads/ABPHE%202017/1%20A%20Casa%20di%20San%20Giorgio%20notas%20sobre%20as%20institui%C3%A7%C3%B5 es%20e%20finan%C3%A7as%20da%20fase%20genovesa%20do%20ciclo%20sist%C3%AAmico%20mercantil,%20a%20part ir%20do%20Statuto%20de%201568.pdf>. Acesso em: 29 set. 2017. MÓDULO I – TEORIA GERAL DA SOCIEDADE POR AÇÕES 6 A despeito de se verificar a defesa de proposituras doutrinárias4 no sentido de que a origem das sociedades por ações remonta ao Direito Romano – quando associações mercantis eram instituídas com objetivos de praticar o comércio por via terrestre e marítima bem como a compra de terras para a edificação e o guarnecimento de exércitos, vindo a se aprimorar na Idade Média – boa parte dos autores5 adota a premissa de “estudiosos que apontam, como a experiência mais antiga no domínio das sociedades anônimas, o Banco de S. Jorge, em Gênova, que operou entre 1407 e 1805”.6 Em solo pátrio, o início do Império registra também o início do desenvolvimento de atividades comerciais por meio das sociedades de capitais, por exemplo, o Banco do Brasil, constituído em 1808 mediante alvará subscrito pelo Príncipe Regente D. João VI, segundo consta: “O capital da instituição seria constituído de 1.200 ações de um conto de réis cada uma. O lançamento público destinava-se à subscrição por grandes negociantes ou pessoas abastadas”.7 Posteriormente, um decreto do Imperador instituiu o sistema autorizativo para a instituição de sociedades por ações, o que foi reproduzido pelo Código Comercial de 1850, mas “em 1882, a autorização governamental foi abolida, e o direito brasileiro, acompanhando a tendência dos países centrais do capitalismo, incorporou o sistema de regulamentação”.8 Em 1965, uma reforma governamental alterou o procedimento do mercado de capitais e passou a exigir o registro prévio no Banco Central de títulos emitidos por sociedades anônimas, negociáveis em bolsa de valores. Porém, no início da década de 1970, verificou-se fragilidade desse sistema de monitoramento governamental, os efeitos do boom de 1971, decorrente da especulação realizada nas bolsas de valores de São Paulo e Rio de Janeiro. Os prejuízos financeiros e o descrédito do sistema de investimento foram os pressupostos materiais para a formalização de um sistema autorizativo mais complexo, instituído com a criação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), entidade autárquica em regime especial, vinculada ao Ministério da Fazenda, com personalidade jurídica e patrimônio próprios, dotada de autoridade administrativa independente, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade dos seus dirigentes, além de autonomia financeira e orçamentária, consoante determina o art. 5º da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976. 4 MENDONÇA, José Xavier Carvalho de. Tratado de direito comercial brasileiro. 5. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1954. p. 270. v. 3. 5 VALVERDE, Trajano de Miranda. Sociedade por ações. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1953. p. 10. v. 1. REQUIÃO, Rubens Edmundo. Curso de direito comercial. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 25. v. 2. BORGES, Eunápio. Curso de direito comercial terrestre. 5. ed. Rio de Janeiro; Forense, 1991. p. 360-361. 6 CORDEIRO, António Menezes. Manual de direito das sociedades. Coimbra: Almedina, 2004, p. 38. v. 1. 7 BANCO DO BRASIL. Relações com investidores. Disponível em: <http://www.bb.com.br/portalbb/page3,136,5577,0,0,1,8. bb>. Acesso em: 29 set. 2017. 8 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 87. v. 2. 7 O modelo legal de sociedade anônima foi desenvolvido para conciliar 2 (dois) problemas essenciais na prática dos negócios: o financiamento de empreendimentos de maior monta; e a participação de um grande número de investidores cuja responsabilidade é limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas.9 Dessa forma, a Lei nº 6.404/76 regulamenta um tipo societário próprio para grandes investimentos, detentor de uma estrutura funcional, operacional, apta para desenvolver o objeto social concomitantemente com um objetivo natural da sua essencial, qual seja, a arrecadação de recursos financeiros por capitalização e securitização, como se verifica com a leitura do art. 1º da citada lei. A sociedade anônima pode ser definida como a pessoa jurídica de direito privado, de natureza empresarial, cujo capital divide-se em ações, em princípio livremente negociáveis, ficando limitada a responsabilidade de cada um dos acionistas ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas. O dispositivo menciona as 2 (duas) características essenciais das sociedades anônimas: (i) o seu capital é dividido em ações; e (ii) a responsabilidade dos acionistas é limitada ao preço de emissão das ações.10 Assim, como se verá ainda nesta unidade, as companhias de capital aberto se instituem mediante ato administrativo de autorização proferido pela CVM, nos termos determinados pela Lei nº 6.404/76 e pela Lei nº 6.385/76; e as companhias de capital fechado, mediante registro realizado no Registro Público de Empresas Mercantis (RPEM) a cargo das Juntas Comerciais, nos termos da Lei nº 8.934, 18 de novembro de 1994. 9 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada: arts. 1º a 120. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 586. v. 1. 10 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada: arts. 1º a 120. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 26. v. 1. 8 Classificação: companhias de capital aberto e de capital fechado Até o presente momento, utilizamos a expressão sociedade por ações porque as companhias podem proceder à captação de recursos para a composição do seu capital social por meio de emissão pública ou privada de valores mobiliários, especificamente as ações, daí a companhia poder ser classificada como de capital aberto ou de capital fechado, consoante o art. 4º da Lei nº 6.404/76. Assim, tem-se por aberta a companhia que capta recursos financeiros junto ao público, emitindo publicamente valores mobiliários a serem negociados no mercado de capitais,11 em bolsa de valores ou no mercado de balcão, conforme o art. 22 da Lei nº 6.385/76. A contrario sensu, as companhias de capital fechado negociam os seus valores mobiliários privativamente, sem utilizar-se de expedientes de publicização das ofertas,deve(m), o(s) fundador(es) buscar, entre os seus contatos, pretensos investidores ou mesmo ver o capital social integralmente subscrito pelo grupo que fundou a companhia de capital fechado. Isso permite constatar uma aproximação sistêmica entre a companhia de capital fechado e as sociedades limitadas. Por ser pacífico o reconhecimento da affectio societatis nas companhias de capital fechado, nesse sentido, lê-se Rubens Edmundo Requião12 e os REsp. nº 111.294/PR13 e REsp. nº 507.490/RJ14, ambos do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ou seja, as sociedades anônimas de capital aberto são caracterizadas pelo seu intuitu pecuniae, inexistindo o intuitu personae característico das sociedades de pessoas e presente também nas sociedades híbridas, como as sociedades limitadas. É o intuitu pecuniae que assegura a livre negociabilidade e circulação dos valores mobiliários, notadamente das ações, sendo tal característica típica das companhias de capital aberto, podendo as companhias de capital fechado limitar a livre negociabilidade e circulação das ações, como se depreende da leitura do art. 36 da Lei nº 6.404/76. 11 Ressalva-se que mercado de capitais consiste em temática não tratada neste material em razão da extensão e especificidade do tema que consiste objeto de disciplina própria. Dessa forma, as menções pontuais realizadas têm por escopo apenas consolidar raciocínios atinentes à temática das sociedades por ações. 12 REQUIÃO, Rubens Edmundo. Sociedade anônima de capital fechado: dissolução parcial ou mais uma hipótese de direito retirada. Disponível em: <http://www.requiao.adv.br/artigo10.htm>. Acesso em: 29 set. 2017. 13 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 111.294. Relator: Ministro Castro Filho. Paraná, 15 de junho de 2005. In: DJ, 24 de junho de 2005. 14 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 507.490. Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros. Rio de Janeiro: 19 de setembro de 2006. In: DJ, 13 de novembro de 2006. 9 Além disso, tal aproximação se nota pela interpretação das recentes alterações determinadas pela Instrução Normativa nº 38/2017 do Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI),15 atinente à prática registral das sociedades limitadas. Esse fator diferencial é responsável pela distinção da forma de instituição das companhias de capital aberto e das de capital fechado, como se fará constatar, bem como justifica a maior complexidade burocrática imposta às companhias de capital aberto, na sua constituição e no seu funcionamento. A oferta pública de distribuição de valores mobiliários constitui a operação por meio da qual a companhia ou os titulares de valores mobiliários de sua emissão realizam, mediante apelo ao público, a colocação de ações ou outros valores mobiliários no mercado de capitais. Essas ofertas são usualmente designadas, na prática do mercado, pela sigla IPO – Initial Public Offer, a qual se refere às ofertas mediante as quais uma companhia fechada acessa o mercado pela primeira vez, promovendo a distribuição pública de valores mobiliários de sua emissão; as regras a ela aplicáveis estendem-se, também, às ofertas realizadas por companhias que já tenham os valores mobiliários de sua emissão atingidos à negociação no mercado.16 Na referida oferta de valores mobiliários, notadamente no que tange às ações, verifica-se uma divisão em dois momentos, o que permite a distinção do referido título por duas perspectivas, a saber: ações primárias, ou seja, ações novas, recém-emitidas pela companhia com o propósito de compor ou ampliar o seu capital social; e ações secundárias, ações velhas que consistem em objeto de revenda que o acionista subscritor desenvolve com novos investidores. No caso das ações primárias, a relação jurídica se desenvolve entre a companhia emissora do valor mobiliário e o acionista que será o seu primeiro titular. Já no caso das ações secundárias, a relação jurídica se desenvolve entre o titular da ação e o novo investidor interessado em adquirir o valor mobiliário objeto de uma revenda. As ofertas primárias atendem à principal função econômica do mercado de valores mobiliários, qual seja, a de permitir o financiamento de médio e longo prazos das empresas, que poderão direcionar os recursos obtidos, entre outras aplicações, para a execução de projetos e/ou adequação de seu passivo. 15 DEPARTAMENTO DE REGISTRO EMPRESARIAL E INTEGRAÇÃO. Instrução Normativa DREI nº 38, de 2 de março de 2017. Disponível em: <http://drei.mdic.gov.br/clientes/drei/drei/documentos/instrucao-normativa-no-38-retificacao.pdf>. Acesso em: 29 set. 2017. 16 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada: arts. 1º a 120. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 55. v. 1. 10 As ofertas secundárias, por sua vez, são aquelas em que os acionistas da companhia ou os titulares de outros valores mobiliários de sua emissão vendem no mercado os títulos de sua propriedade já emitidos pela companhia. Neste caso, os recursos pagos pelos investidores para adquirir as ações ou outros valores mobiliários ofertados não são destinados à companhia emissora, mas aos proprietários ofertantes. As ofertas secundárias constituem, normalmente, a forma utilizada pelos acionistas controladores ou outros investidores estratégicos para obter retorno financeiro de seus investimentos e/ou dar liquidez aos títulos de sua propriedade.17 Compreendida a distinção formal e material entre as espécies de companhias privadas regulamentadas pela Lei nº 6.404/76, passa-se à análise da sua estruturação jurídica. Constituição da companhia A constituição da companhia, seja de capital aberto ou de capital fechado, demanda atenção a requisitos burocráticos distintos dos exigíveis às sociedades limitadas e aos demais tipos societários regulados em lei, considerando a natureza das sociedades por ações (sociedade de capitais) e a maior quantidade e diferente qualidade de interesses inerentes à sua existência e ao seu funcionamento. Para a sua constituição, deve-se atentar para os requisitos preliminares determinados pelo art. 80 da Lei nº 6.404/76. Esses requisitos podem ser atendidos simultaneamente, permitindo a pronta e imediata constituição da companhia, o que é mais comum quando o número de sócios é restrito, ou sucessivamente, elemento a elemento o que é mais comum quando a companhia se constitui pela adesão de investidores diversos, sem prévio reconhecimento ou ajuste, segundo, aliás, a ideia geral que norteia o instituto.18 Depois do atendimento dos requisitos complementares, atentar-se-á às distinções naturais da constituição por subscrição pública e por subscrição privada de valores mobiliários. 17 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada: arts. 1º a 120. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 55-56. v. 1. 18 MAMEDE, Gladston. Direito societário: sociedades simples e empresárias. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 311. v. 2. 11 Requisitos preliminares Independentemente do tipo de companhia, os requisitos preliminares aos atos constitutivos são os mesmos, consoante se verifica no art. 80 da Lei nº 6.404/76, a saber: Art. 80. A constituição da companhia depende do cumprimento dos seguintes requisitos preliminares: I - subscrição, pelo menos por 2 (duas) pessoas, de todas as ações em que se divide o capital social fixado no estatuto; II - realização, como entrada, de 10% (dez por cento), no mínimo, do preço de emissão das ações subscritas em dinheiro; III - depósito, no Banco do Brasil S/A., ou em outro estabelecimento bancário autorizado pela Comissão de Valores Mobiliários, da parte do capital realizado em dinheiro. Parágrafo único. O disposto no número II não se aplica às companhias para as quais a lei exige realização inicial de parte maior do capital social.Atente-se que, em relação ao primeiro requisito, a determinação legal é no sentido de que todo o valor do capital social proposto pelos fundadores na minuta do estatuto social seja subscrito por, pelo menos, duas pessoas. A exigência é feita nesse sentido em respeito ao princípio da pluralidade societária sobre o qual se fundamentam as regras societárias pátrias que preveem a unipessoalidade apenas em caráter excepcional, seja a unipessoalidade incidental, na forma do art. 206, I, d, da Lei nº 6.404/76, ou a subsidiária incidental, na forma do art. 251 da mesma lei. Outra razão que justifica a exigência do inc. I do art. 80 citado funda-se na necessidade de ver o comprometimento de investidores com a integralização do capital social. A integralização pode ocorrer de forma parcelada, mas a subscrição deve ser imediata, pois o compromisso assumido com a integralização do capital social representa para o mercado uma espécie de garantia informal de que o empreendimento será, efetivamente, instituído. “A insuficiência da subscrição não vincula os subscritores, porquanto a proposição dos fundadores encontra-se subordinada à condição suspensiva, consiste na subscrição completa do capital projetado”.19 Isso porque a sociedade anônima tem prazo para ser regulamente instituída a partir do depósito realizado nos termos do art. 81 da Lei nº 6.404/76. Caso isso não seja respeitado, os valores devem ser restituídos aos investidores iniciais. 19 CAMPINHO, Sérgio. Curso de direito comercial: sociedade anônima. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 98. 12 A exigência constante no inc. II do art. 80 da Lei nº 6.404/76, no sentido de que o capital social seja realizado com pelo menos 10% em dinheiro, justifica-se pela necessidade de liquidez mínima da companhia quando do início das suas atividades. Observe que a lei não determina de que forma os 90% restantes devem ser integralizados, podendo ser em bens ou direitos, conforme determina o art. 7º da mesma lei. Assim, se os bens destinados à integralização das ações subscritas forem avaliados em valor menor do que o montante devido, a diferença deverá ser integralizada em dinheiro e à vista. Ainda sobre o inc. II, verifica-se a relevância de considerar que, em se tratando de instituições financeiras privadas, deve-se observar o parágrafo único do mesmo art. 80 da Lei nº 6.404/76. Neste caso, o capital social precisa ser integralizado na ordem de 50% em dinheiro, em atenção ao que determina a Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, em cujo art. 27 se lê: “na subscrição do capital inicial e na de seus aumentos em moeda corrente, será exigida no ato a realização de, pelo menos 50% (cinquenta por cento) do montante subscrito”. O inc. III do citado art. 80 da Lei nº 6.404/76 exige que a quantia apurada no inc. II seja depositada em conta bancária. Observa-se que essa exigência só se justifica nos casos de integralização de ações primárias emitidas quando da constituição da companhia, sendo desnecessário o depósito quando a integralização de ações novas se der por ocasião do aumento do capital social, quando a companhia poderá levantar a importância em seu favor de imediato. A realização do depósito nos termos do inc. III se deve em razão de a companhia, neste momento, ainda estar em organização, consoante prescreve o art. 81 do mesmo diploma legal. Art. 81. O depósito referido no número III do artigo 80 deverá ser feito pelo fundador, no prazo de 5 (cinco) dias contados do recebimento das quantias, em nome do subscritor e a favor da sociedade em organização, que só poderá levantá-lo após haver adquirido personalidade jurídica. Parágrafo único. Caso a companhia não se constitua dentro de 6 (seis) meses da data do depósito, o banco restituirá as quantias depositadas diretamente aos subscritores. Observe, por oportuno, que o citado dispositivo legal representa exceção flagrante à regra geral atinente à aquisição da personalidade jurídica pela sociedade descrita no art. 985 do Código Civil (CC), o qual determina que: “a sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150)”. 13 Não se questiona ou critica a presente exceção em razão do critério da especificidade decorrente da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB (Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942), segundo a qual, em caso de eventual conflito entre lei geral e lei especial, devem prevalecer as determinações da lei especial (lex specialis derogat legi generali). Observados e respeitados os requisitos preliminares, passa-se à observação dos requisitos específicos impostos a cada caso, seja subscrição pública ou subscrição privada de valores mobiliários. Constituição por subscrição pública A constituição da companhia por subscrição pública de valores mobiliários depende da atuação da figura do fundador, que deve contar com o apoio e a responsabilidade solidária de ao menos uma instituição financeira. Art. 92. Os fundadores e as instituições financeiras que participarem da constituição por subscrição pública responderão, no âmbito das respectivas atribuições, pelos prejuízos resultantes da inobservância de preceitos legais. Parágrafo único. Os fundadores responderão, solidariamente, pelo prejuízo decorrente de culpa ou dolo em atos ou operações anteriores à constituição. A presente exigência legal representa garantia de certeza jurídica no aporte de capital realizado pelos investidores. Considerando que a figura do fundador é caracteristicamente volátil, a participação de forma solidária da instituição financeira assegura ao investidor o mínimo de certeza de reaver o montante investido caso a companhia não se constitua dentro de seis meses da data do depósito, conforme preceitua o parágrafo único do citado art. 81 da Lei nº 6.404/76. Os fundadores, portanto, promovem a constituição da companhia em seu nome e risco. Suportam a incerteza do êxito do projeto, sendo de se mencionar que a assembleia geral dos subscritores pode deliberar pela não criação da sociedade. Assim sendo, atuam como verdadeiros empreendedores de um negócio e, com a sua instalação, encontra-se ultimado o seu mister, não tendo que aderir, como se viu, necessariamente ao projeto criado como acionista. Em face dos serviços profissionais que realizam, de caráter eminentemente técnico, por conta e risco, fazem jus, mormente na constituição sucessiva, a uma correspondente remuneração, sem prejuízo de serem reembolsados, pela sociedade criada, das despesas suportadas em prol da constituição.20 20 CAMPINHO, Sérgio. Curso de direito comercial: sociedade anônima. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 102. 14 A ação conjunta do fundador com a instituição financeira proporcionará a disponibilização das ações no mercado de capitais, viabilizando a subscrição de títulos que vinculem os investidores ao capital social a ser integralizado. A Lei das S.A. determina que os fundadores e as instituições financeiras intermediárias são responsáveis, de acordo com as respectivas atribuições, pelos prejuízos resultantes da inobservância dos preceitos legais (art. 92). A instituição financeira intermediária deverá tomar todas as cautelas, respondendo pela falta de diligência ou omissão, para assegurar que as informações constante no estudo de viabilidade econômico-financeira do empreendimento são corretas, suficientes, verdadeiras e consistentes, permitindo aos investidores a tomada de decisão fundamentada a respeito da oferta.21 O ato de disponibilizar ações junto ao mercado investidor prescinde não apenas de uma ação conjunta do fundador com uma instituição financeira, mas também do registro prévio dos títulos em tela na CVM, por força do art. 19 da Lei nº 6.385/76. Assim, a Lei nº 6.385/76estabelece normas a serem observadas no momento da negociação dos referidos valores mobiliários, e a Lei nº 6.404/76 estabelece normas programáticas atinentes à organização e à constituição da companhia, como se depreende da leitura do art. 82 desta lei. Art. 82. A constituição de companhia por subscrição pública depende do prévio registro da emissão na Comissão de Valores Mobiliários, e a subscrição somente poderá ser efetuada com a intermediação de instituição financeira. § 1º O pedido de registro de emissão obedecerá às normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários e será instruído com: a) o estudo de viabilidade econômica e financeira do empreendimento; b) o projeto do estatuto social; c) o prospecto, organizado e assinado pelos fundadores e pela instituição financeira intermediária. § 2º A Comissão de Valores Mobiliários poderá condicionar o registro a modificações no estatuto ou no prospecto e denegá-lo por inviabilidade ou temeridade do empreendimento, ou inidoneidade dos fundadores. 21 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada: arts. 1º a 120. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 489. v. 1. 15 Vale ressaltar que a negligência ou a má-fé propriamente dita, por parte do fundador ou dos representantes legais da instituição financeira, acarreta não apenas responsabilidade civil e administrativa, mas também responsabilidade criminal, nos termos do art. 177 do Código Penal (CP). A disponibilização das ações junto ao mercado de capitais realizada pela instituição financeira que assumir o encargo junto ao fundador de responder solidariamente pelos procedimentos de constituição da companhia de capital aberto deve ocorrer a partir de um contrato que contenha cláusulas assecuratórias de um resultado eficiente. Nestes termos assevera Nelson Eizirik: Os fundadores celebrarão com a instituição financeira intermediária contrato de distribuição de valores mobiliários, que deverá conter, entre outras (i) regras sobre as condições de revenda dos valores mobiliários, (ii) a descrição do procedimento adotado para distribuição; e (iii) menção a contratos de estabilização de preços e de garantia de liquidez, se houver. Assim, deverá constar do contrato se a obrigação assumida pela instituição financeira intermediária é: (i) firme ou com garantia de subscrição total, em que a instituição financeira compromete-se a subscrever todos os valores mobiliários emitidos pela companhia para, posteriormente, vendê-los ao público; (ii) com garantia de sobras, na qual a instituição financeira assume a obrigação de subscrever as sobras, após a colocação dos títulos no mercado; ou (iii) de melhor esforço, em que a instituição financeira não garante a subscrição dos títulos emitidos pela companhia, comprometendo-se apenas a realizar seus melhores esforços para vender os papéis junto ao público, não sendo obrigada a adquiri-los no caso de insucesso da colocação.22 Assim, negociados os termos do contrato firmado entre o fundador e a instituição financeira, e registrados os valores mobiliários na CVM – a qual deve autorizar a sua disponibilização junto ao mercado de capitais – as subscrições podem ser realizadas, seguidas pelas integralizações equivalentes, permitindo a vinculação dos investidores, agora acionistas, com a companhia de capital aberto, tornando-os aptos a comporem a assembleia de constituição a ser estudada. Constituição por subscrição privada Na constituição de companhia de capital fechado, não se faz oferta pública de valores mobiliários, o que torna desnecessário o registro e a autorização da CVM, sendo tais valores subscritos individual e diretamente pelas pessoas procuradas pelos fundadores, pretensos subscritores. 22 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada: arts. 1º a 120. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 488-489. v. 1. 16 Assim, o art. 88 da Lei nº 6.404/76 regulamenta a constituição de uma “sociedade anônima de poucos acionistas, constituída discretamente, sem muita publicidade por não necessitar do concurso de outro capital a mais que o de seus organizadores”.23 Art. 88. A constituição da companhia por subscrição particular do capital pode fazer-se por deliberação dos subscritores em assembleia-geral ou por escritura pública, considerando-se fundadores todos os subscritores. § 1º Se a forma escolhida for a de assembleia-geral, observar-se-á o disposto nos artigos 86 e 87, devendo ser entregues à assembleia o projeto do estatuto, assinado em duplicata por todos os subscritores do capital, e as listas ou boletins de subscrição de todas as ações. § 2º Preferida a escritura pública, será ela assinada por todos os subscritores, e conterá: a) a qualificação dos subscritores, nos termos do artigo 85; b) o estatuto da companhia; c) a relação das ações tomadas pelos subscritores e a importância das entradas pagas; d) a transcrição do recibo do depósito referido no número III do artigo 80; e) a transcrição do laudo de avaliação dos peritos, caso tenha havido subscrição do capital social em bens (artigo 8°); f) a nomeação dos primeiros administradores e, quando for o caso, dos fiscais. Assim, caberá ao(s) fundador(es) optar pela deliberação dos subscritores em assembleia-geral ou por escritura pública para a constituição da companhia de capital fechado e tomar as providencias registrais no RPEM, a cargo das Juntas Comerciais, consoante determinam o art. 32, II, a, e o art. 41, I, a, ambos da Lei nº 8.934/94. 23 FERREIRA, Waldemar. Tratado de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 1961. p. 115. v. 4. 17 Formalidades complementares As formalidades complementares à constituição das companhias são atinentes ao arquivamento e à publicação dos atos constitutivos, em respeito aos termos do art. 94 da Lei nº 6.404/76, o qual proíbe o funcionamento de companhias que não tenham arquivado e publicado os seus atos constitutivos, em respeito aos termos do inc. I do art. 1º da Lei nº 8.934/94. As formalidades complementares à constituição têm por fim atribuir personalidade jurídica à companhia, dar publicidade dos atos constitutivos a terceiros, bem como conferir autenticidade, segurança e eficácia a esses atos.24 Uma vez registrados e arquivados, os atos constitutivos se toram públicos, logo, acessíveis a quaisquer interessados. Por essa razão, concluídos os atos constitutivos, os fundadores entregaram aos primeiros administradores, componentes do Conselho de Administração, se houver, ou Diretoria, os documentos, livros e todos os papéis atinentes à constituição da companhia ou a ela pertencentes, para que façam, no prazo de 30 dias, o aludido registro e arquivamento, consoante determina o art. 98 da Lei nº 6.404/76, prazo igual ao determinado pelo art. 36 da Lei nº 8.934/94. Capital social O capital social representa o núcleo do patrimônio da sociedade. Constituído pela soma da contribuição dos acionistas, o seu valor total é fracionado em ações, títulos conferidos aos sócios, investidores. O estatuto social deve fixar o número das ações em que se divide o capital social e estabelecer se as terão, ou não, valor nominal, conforme prescreve o art. 11 da Lei nº 6.404/76. O estatuto preverá se as ações em que o capital esteja fracionado terão ou não um número nominal, que é correspondência exata entre o valor total do capital e o valor total das ações emitidas, mencionado de modo expresso no estatuto.25 A despeito de o capital social ser composto da soma da contribuição dos acionistas, pode ser que essa se dê em um valor maior do que o montante necessário para compor o capital social, valor representativo do ágio, montante com o qual se constitui a reserva de capital que, segundo o art. 200 da Lei nº 6.404/76, somente poderá ser utilizada para a absorção de prejuízos que24 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada: arts. 1º a 120. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 534. v. 1. 25 BRUSCATO, Wilges. Manual de direito empresarial brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 317. v. 1. 18 ultrapassarem os lucros acumulados e as reservas de lucros; resgate, reembolso ou compra de ações; resgate de partes beneficiárias (valor mobiliários emitido apenas por companhias de capital fechado); incorporação ao capital social (situação na qual o capital social será aumentado sem a entrada de novos recursos, nos termos do art. 169 da Lei nº 6.404/76); e pagamento de dividendo a ações preferenciais, quando essa vantagem lhes for assegurada (art. 17, § 5º). Os princípios que norteiam o capital social são: (i) o da unidade, que significa que o capital social é único, ainda que a companhia tenha diversas filiais; (ii) o da fixidez, pelo qual, uma vez definido o capital social no estatuto social, só pode ser alterado nos casos taxativamente previstos na Lei das S.A. (arts. 166, 168, 169, 170 e 173); (iii) o da realidade, pelo qual o capital estipulado no estatuto deve ser real, ou seja, efetivamente formado no ativo da companhia mediante contribuição dos acionistas subscritores das ações e (iv) o da intangibilidade, segundo o qual os acionistas e administradores não podem transferir bens do ativo social para o patrimônio dos sócios caso o montante do capital social aplicado no ativo fique reduzido a valor inferior ao fixado no estatuto. No plano econômico, o capital pode ser considerado como o conjunto de recursos com que conta a companhia para o desenvolvimento de suas atividades. Sob o aspecto contábil, o capital social é uma conta integrante do patrimônio líquido; nesse sentido, determina o art. 182 que a conta do capital social discriminará o montante subscrito e, por dedução, a parcela ainda não realizada.26 A lei não fixa valor mínimo para o capital social, devendo o fundador proceder ao estudo de viabilidade econômica do negócio e apurar o quanto de investimento se fará necessário para constituir a companhia de forma eficiente. Ressalta-se que, mesmo não havendo previsão legal sobre valor mínimo do capital social, sendo a companhia de capital aberto, a CVM poderá impor-lhe exigências para autorizar o seu registro e funcionamento, nos termos do art. 19, § 6º, da Lei nº 6.385/76, o qual encontra fundamento no interesse público que envolve a atividade empresarial desenvolvida por companhias. 26 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada: arts. 1º a 120. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 89-90. v. 1. 19 Formação do capital social O estatuto social da companhia deve fixar o valor do capital social, expresso em moeda nacional. A sua formação se dá com contribuições em dinheiro ou em qualquer outra espécie de bens suscetíveis de avaliação pecuniária, ou seja, bens e direitos, não sendo permitida a constituição do capital social com serviços. A sua composição pode ser em espécie, não há maiores detalhes a compreender, basta que o acionista investidor faça um aporte de capital em favor da companhia, recebendo em troca as ações, para que a relação jurídica se concretize. Em relação à sua composição por direitos, exige-se que os créditos sejam atuais e efetivamente existentes no momento da sua incorporação ao capital social, ficando o acionista subscritor solidariamente responsável pela solvência desse crédito, respondendo inclusive por vícios redibitórios. O crédito ao qual se refere o parágrafo único do art. 10 da Lei nº 6.404/76 pode ser real, pessoal ou um título de crédito propriamente dito. Entretanto, no que se refere à integralização com bens, o procedimento é mais detalhista e exige maior atenção por parte do acionista investidor e da companhia em si. Os bens que servirão à formação e integralização do capital devem obrigatoriamente ser avaliados a fim de que os credores da companhia e aqueles que subscreveram ações em dinheiro recebam garantia adicional contra eventuais fraudes, evitando a apresentação de bens inúteis ou que sejam incorporados ao capital por valor superior ao real. A supervalorização dos bens pode lesar os acionistas ou subscritores que contribuíram em dinheiro, os investidores e os credores, assim como prejudicar a continuidade normal da empresa.27 Neste momento, a leitura do art. 8º da Lei nº 6.404/76 deve considerar os termos do art. 89 da mesma lei (art. 108, CC), o que permite compreender a excepcional forma pela qual a propriedade é transferida de forma oficial. Sendo o valor aprovado pelo subscritor e pelos demais sócios em assembleia, os bens incorporar-se-ão ao patrimônio da sociedade, competindo aos seus administradores cumprir as formalidades necessárias à respectiva transmissão, em observância ao que determina os artigos 89 e 98, § 2º da Lei nº 6.404/76 combinado com art. 64 da Lei nº 8.934/94 que atribuem à ata da assembleia societária devidamente registrada na 27 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada: arts. 1º a 120. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p.104-105. v. 1. 20 Junta Comercial a força necessária para comprovar a transferência da propriedade do bem imóvel, isentando o sócio investidor e a sociedade da realização da escritura pública de transferência patrimonial.28 Ainda no que tange à transferência de bens para a composição do capital social, observa-se o art. 156, § 2º, I, da Constituição Federal de 1988 no que alude à imunidade fiscal em relação ao Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), que, naturalmente, encontra no ato de transmissão de bens o seu fato gerador. A imunidade que recai sobre o recolhimento de imposto derivado de transmissão de bens imóveis por ato oneroso inter vivos, de natureza ou acessão física, por meio de quaisquer títulos se aplica à transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de sociedade (pessoas jurídicas, de forma geral), quando da integralidade do seu capital social. A imunidade se estende a atos de transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica. Verifica-se exceção nos casos em que a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda de bens ou direitos sobre imóveis, como locação ou arrendamento mercantil e cessão de direitos relativos à sua aquisição.29 Uma vez constituído, o capital social poderá ser modificado somente com observância dos preceitos determinado pela Lei nº 6.404/76, arts. 166 a 174, e do estatuto social. Aumento do capital social O aumento do capital social pode ocorrer por meio de subscrição de novas ações, incorporação de lucros ou reservas (art. 169, Lei nº 6.404/76) ou pela conversão de debêntures e partes beneficiárias em ações ou pelo exercício do direito decorrente de bônus de subscrição ou opção de compra de ações. 28 MENDONÇA, Saulo Bichara; BARRETO, Ana Carolina Carvalho. A integralidade de capital social com bens imóveis e inexigibilidade de escritura pública. In: GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; OLIVEIRA, Carla Fernandes (Orgs.). Direito imobiliário, notarial e registral: perspectivas contemporâneas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. p. 217. 29 MENDONÇA, Saulo Bichara; BARRETO, Ana Carolina Carvalho. A integralidade de capital social com bens imóveis e inexigibilidade de escritura pública. In: GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da; OLIVEIRA, Carla Fernandes (Orgs.). Direito imobiliário, notarial e registral: perspectivas contemporâneas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. p. 225-226. v. 1. 21 O aumento do capital social pela capitalização dos lucros ou reservas é classificado por alguns doutrinadores como aumento gratuito, porque não acarreta aumento direto do patrimônio líquido da companhia, apenas incorre em uma transferência entre contas do seu ativo,proporcionando o aumento do capital social a partir de recursos gerados pela própria companhia.30 Quando a opção para o aumento do capital social for pela subscrição de novas ações, há de se respeitar o direito de preferência garantido pelos arts. 109, IV, e 171 da Lei nº 6.404/76, quando o referido direito não for mitigado ou suprimido nos termos do art. 172 do mesmo diploma legal. O aumento do capital vai se realizar, embora em muitos casos na subscrição particular se manifestem concomitantemente, em três fases distintas: deliberação sobre aumento, subscrição integral das ações emitidas e homologação. Somente após este último ato é que o capital social estará elevado. Essa homologação, entretanto, é um ato vinculado, impondo-se sua efetivação quando atendidos os requisitos legais e estatutários para o aumento.31 Ressalta-se, por oportuno que, para que se dê o efetivo aumento do capital social não se exige que este esteja totalmente integralizado, bastando que 3/4 (três quartos) estejam, conforme se verifica nos termos do art. 170 da Lei nº 6.404/76. Redução do capital social O capital social pode ser reduzido de forma voluntária ou compulsória. A primeira prescinde de assembleia geral extraordinária e, sendo essa redução uma proposta dos administradores, o ponto será deliberado em plenária a partir de um parecer do conselho fiscal, se em funcionamento. Se compulsória, deve-se verificar se a causa decorre do exercício do direito de recesso pelo acionista, que deverá ser reembolsado nos termos do art. 45, § 6º, da Lei nº 6.404/76, ou se decorre da extinção de ações de acionista remisso, consoante prescreve o art. 107, § 4º, da mesma lei. 30 GALGANO, Francesco. Trattato di diritto commerciale e di diritto pubblico dell’economia. 2. ed. Padova: CEDAN, 1988. p. 368. 31 CAMPINHO, Sérgio. Curso de direito comercial: sociedade anônima. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 82. Acionistas são os sócios da companhia, os titulares do investimento feito na integralização de ações, frações do capital social. A responsabilidade patrimonial desses investidores é limitada ao valor das ações subscritas ou adquiridas, consoante determina o art. 1º da Lei nº 6.404/76. Em razão do aporte de capital feito pelo acionista, a lei lhe estabelece um dever e direitos correspondentes, essenciais e não essenciais, como se verá. Dever O dever do acionista consiste na integralização das ações que subscreveu. Neste termo, lê-se o art. 106 da Lei nº 6.404/76. Sendo o estatuto social e o boletim de subscrição das ações omissos quanto ao valor da prestação e do prazo para o seu pagamento, exigirá dos órgãos da administração efetuar chamada de capital por avisos publicados na imprensa por três vezes, no mínimo, estabelecendo prazo, não inferior a 30 dias, para o acionista adimplir a sua obrigação. Não realizando o pagamento nas condições estabelecidas no estatuto social, no boletim de subscrição ou na chamada de capital, o acionista ficará de pleno direito constituído em mora, sujeitando-se a juros, correção monetária e multa determinada pelo estatuto social, em valor que não pode ser superior a 10% do valor da prestação devida. Constatando do contrato ou do boletim discriminados o montante da obrigação e a data do cumprimento, desde o momento da inadimplência opera-se a constituição em mora, com a incidência de juros à taxa de doze por cento ao ano (por aplicação dos arts. 591 e 406 do Código Civil), de multa de dez por cento e da correção monetária, ficando a sociedade habilitada para a cobrança ou as providências. Já não aparecendo os referidos elementos, inicia a mora com o decurso do prazo de trinta dias das chamadas publicações [...].32 32 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de empresa. 5. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 468. MÓDULO II – ACIONISTAS 24 Assim, uma vez subscrevendo ações, o acionista deve honrar o compromisso financeiro assumido; caso contrário, a companhia poderá proceder à chamada de capital. Não sendo esta eficiente ao fim de ver a obrigação quitada, a companhia poderá valer-se do boletim de subscrição ou dos termos da chamada de capital como títulos executivos extrajudiciais, permitindo a fundamentação de ação de execução, uma vez que o crédito fundar-se em título de obrigação certa, líquida e exigível, conforme exige o art. 783 do Código de Processo Civil (CPC). Sendo infrutífera a ação de execução, a companhia poderá resgatar as ações subscritas, declará- las caducas, fazer suas as entradas eventualmente realizadas pelo então investidor e mandar vender as ações em bolsa de valores por sua conta e risco, integralizando-as com lucros ou reservas, exceto a legal, se não houver lucros e reservas suficientes. A companhia terá o prazo de um ano para colocar as ações caídas em comisso, período no qual as ações ficaram depositadas na tesouraria da companhia. Findo o prazo legal, não tendo sido encontrado comprador, a assembleia geral deliberará sobre a redução do capital social em importância correspondente. A Lei das S.A. não regulou a questão do subscritor que integraliza o valor de suas ações com bens móveis e não os entrega à sociedade, hipótese em que não se trata de cobrança do preço das ações – pois o título constitutivo da propriedade da companhia já se acha formado –, mas de reivindicação dos bens que já passaram a pertencer à companhia emissora.33 Verifica-se que as alternativas previstas em lei pretendem evitar a redução do capital social, considerando que a redução deste pode corresponder a uma mensagem negativa aos investidores no mercado, haja vista que o capital social representa a solidez do patrimônio societário, muito embora apenas uma parte dele represente a sua parte nuclear. 33 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada: arts. 1º a 120. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 579. v. 1. 25 Direitos essenciais Atendida a obrigação perante a companhia, a lei estende ao acionista direitos essenciais nos termos dos cinco incisos do art. 109 da Lei nº 6.404/76, segundo o qual: Art. 109. Nem o estatuto social nem a assembleia-geral poderão privar o acionista dos direitos de: I - participar dos lucros sociais; II - participar do acervo da companhia, em caso de liquidação; III - fiscalizar, na forma prevista nesta Lei, a gestão dos negócios sociais; IV - preferência para a subscrição de ações, partes beneficiárias conversíveis em ações, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição, observado o disposto nos artigos 171 e 172; V - retirar-se da sociedade nos casos previstos nesta Lei. No que tange ao inc. I, do artigo em tela, observa-se que a assembleia geral pode reter parcialmente valores classificados como lucro, para fins de reinvestimento na estrutura operacional da companhia, mas não pode reter todo o valor, como se verifica na leitura do art. 202, § 2º, da Lei nº 6.404/76: “se não resultarem lucros, não há de impor a distribuição de dividendos por impossibilidade material”.34 Em relação ao inc. II do mesmo dispositivo legal, verifica-se que, no momento da constituição da companhia, o investidor converte parte do seu patrimônio pessoal em ações, proporcionando à companhia liquidez necessária para o desenvolvimento do objeto social. Em contrapartida, sendo liquidada a companhia, eventual saldo positivo remanescente deverá ser reembolsado aos investidores de forma proporcional ao investimento realizado. Em relação ao inc. III, registra-se que a fiscalização, embora direito garantido, não se dá pessoalmente, mas sim por meio do seu conselho fiscal, objeto do item Conselho fiscal deste estudo. O exame das contas é garantido pelo art. 122, inc. III, da Lei nº 6.404/76, pelo qual a administração deve, anualmente, prestar contas e apresentaras demonstrações financeiras. Nas assembleias-gerais ou extraordinárias faculta-se o pedido de explicações, assegurado pelo art. 157, § 1º. A exibição dos livros também está garantida pelo art. 105.35 34 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de empresa. 5. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 458. 35 RIZZARDO, Arnaldo. Direito de empresa. 5. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 460. 26 O inc. IV do art. 109 da Lei nº 6.404/76 assegura o direito de preferência na subscrição de novos valores mobiliários. Contudo, esse direito decai em 30 dias, consoante se verifica pela leitura do § 4º do art. 171, e pode ser mitigado ou mesmo suprimido, na forma do art. 172, ambos do mesmo diploma legal. O direito de retirada apresenta natureza excepcional, uma vez que, (i) como é a própria companhia que deve arcar com o pagamento do reembolso devido ao acionista dissidente, o seu exercício pode colocar em risco a saúde financeira da sociedade, além de impedir ou dificultar mudanças estruturais necessárias ao desenvolvimento da empresa; (ii) constitui medida que privilegia o interesse individual do acionista dissidente em detrimento do interesse social.36 O exercício do direito de retirada, previsto no inc. V do art. 109 da Lei nº 6.404/76, está vinculado ao direito ao reembolso das ações integralizadas (art. 45 da mesma lei), despesa esta que deve ser custeada pela companhia e as situações que autorizam legalmente o exercício desse direito essencial estão previstos no art. 136, I a IV e IX, no prazo do inc. V do art. 137, ambos da citada lei. Observe-se, por fim, que os direitos essenciais são, por natureza, irrenunciáveis. É lícito ao acionista não exercê-lo, mas não renunciá-lo em situação determinada sob pena de proporcionar repercussão negativa sobre patrimônio de futuro investidor, o que resultaria em uma injustificável diluição patrimonial de terceiro. Tais direitos também asseguram proteção ao pequeno investidor, considerando que as decisões nas assembleias societárias são tomadas pela maioria detentora do capital social. Os direitos essenciais não se confundem com a tutela dos acionistas minoritários. Os direitos previstos no dispositivo legal são individuais, ou seja, de cada um dos acionistas, e não de um grupo minoritário de acionistas. Dentre os direitos tidos como essenciais, apenas o de fiscalizar a gestão dos negócios sociais pode, em certas circunstâncias, demandar um percentual determinado de ações, como ocorre para a eleição de membro do conselho fiscal ou para requerer a exibição dos livros da companhia. Todos os demais são atribuídos a cada acionista, singularmente considerado, independentemente de integrar o grupo minoritário ou o grupo controlador.37 36 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada: arts. 1º a 120. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 606. v. 1. 37 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada: arts. 1º a 120. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 589. v. 1. 27 A despeito de não ser classificado como essencial, o voto é um direito também e será exercido de acordo com a espécie de cada ação subscrita ou adquirida. Voto O voto do acionista é a forma pela qual ele manifesta a sua vontade de forma plena e autônoma, segundo Fábio Ulhoa Coelho: “voto do acionista é a manifestação de sua vontade ou entendimento em assembleia, na fase de tomada de decisão relativa a cada ponto de pauta da sessão”.38 Todos os acionistas têm o direito de participar – através do voto – da direção da companhia, mas muitos não têm condições para exercer esse direito, e a tendência é a especialização de alguns como participantes na direção e de outros como aplicadores de capital financeiro. O Princípio do voto majoritário na Assembleia Geral permite que um acionista (ou grupo de acionistas) reúna ações em número suficiente para determinar as deliberações da Assembleia Geral, e essa concentração do poder de voto cria o fenômeno do controle da companhia – o exercício permanente do poder político por um acionista ou grupo de acionista.39 Via de regra, cada ação ordinária corresponde a um voto nas deliberações em assembleias, contudo, o estatuto social pode mitigar esse direito. No que diz respeito às ações preferenciais, a restrição ao direito de voto decorre da vantagem na participação sobre os dividendos auferidos pela companhia em decorrência do exercício da empresa. Esse fato é o que justifica a regra contida no art. 111, §§ 1º, 2º e 3º, da Lei nº 6.404/76 que excepciona o direito ao voto do preferencialista sempre que se encontrar prejudicado no seu direito de participação privilegiada dos dividendos por três exercícios sociais seguidos. Há exceção também no art. 161, § 2º, da mesma lei, a qual autoriza que 5% das ações sem direito a voto solicitem em assembleia geral o funcionamento do conselho fiscal, quando este não for permanente. O acionista preferencialista também tem direito ao voto garantido nas assembleias e constituição, nos moldes do art. 87 da legislação em tela. 38 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 340. v. 2. 39 LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões. A Lei das S.A.: pressupostos, elaboração, aplicação. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. v. 1. 28 A natureza jurídica do direito de voto é objeto de grande discussão doutrinária: ora é tido como direito próprio do acionista, a ser exercido no seu direito individual, ora é tido como um direito social, embora exercido individualmente pelo acionista. Se constituir um direito próprio pode ser exercido no interesse direto de cada acionista, em seu benefício pessoal e exclusivo. Tratando-se, por outro lado, de um direito social, deve ser exercido para beneficiar diretamente a companhia, contribuindo para a formação da vontade social.40 Sendo exercido como direito pleno ou excepcional, exige-se que o voto seja manifestado com responsabilidade, atenção à lei e aos normativos do estatuto social, “o próprio artigo 115 deixa claro que a abusividade (e ilicitude) do voto prescinde, para sua caracterização, de que efetivamente se aufira vantagem indevida ou que determine prejuízo para a companhia ou para os acionistas”.41 Essa é a razão de a lei regulamentar o voto múltiplo e o acordo de acionistas e classificar como ilícito, inclusive de natureza penal, o voto plural. Voto múltiplo O voto múltiplo é regulado e garantido pelo art. 141 da Lei nº 6.404/76 que teve a sua redação alterada pela Lei nº 10.303, de 31 de outubro de 2001, visando a proporcionar aos acionistas minoritários, titulares de ações preferenciais ou ordinárias, uma participação mais eficiente no conselho de administração da companhia. As principais modificações foram as seguintes: (i) permitiu-se aos titulares de ações com direito de voto de companhia aberta representando pelo menos 15% (quinze por cento) do capital votante eleger 1 (um) membro do conselho de administração; (ii) permitiu-se aos titulares de ações preferenciais da companhia aberta sem direito de voto ou com voto restrito e sem a prerrogativa estatutária prevista no art. 18, que representem pelo menos 10% (dez por cento) do capital, elegerem 1 (um) membro do conselho; (iii) permitiu-se cumulação das ações para apuração do quórum de 10% (dez por cento), caso nem as ações preferenciais nem as ações com direito a voto atinjam o percentual necessário para eleger um conselheiro; (iv) vedou-se a participação do acionista controlador nas votações em separado antes mencionadas; (v) permitiu-se o exercício dos direitos acima 40 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada: arts. 1º a 120. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 623. v. 1. 41 MAMEDE, Gladston. Direitosocietário: sociedades simples e empresárias. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 367. v. 2. 29 apenas aos minoritários que comprovarem a titularidade ininterrupta da participação acionária durante o período de 3 (três) meses, no mínimo, antes da assembleia geral; e (vi) em contrapartida aos maiores direitos assegurados aos minoritários, garantiu-se ao acionista controlador o direito de eleger sempre a maioria dos membros do conselho.42 Assim, na assembleia em que forem eleitos os conselheiros de administração, será garantido aos acionistas que representem, no mínimo, 10% do capital social com direito a voto, a despeito de previsão estatutária, requerer a aplicação do procedimento de voto múltiplo, considerando atribuído a cada ação o peso equivalente à quantidade de membros a serem eleitos para o referido conselho, reconhecendo ao acionista o direito de cumular os votos em um só candidato ou distribuí- los entre vários, como melhor lhe aprouver. Ressalta-se, por oportuno, que, sempre que a eleição tiver sido realizada valendo-se desse expediente, a destituição de qualquer membro do conselho de administração importará destituição dos demais membros, sendo exigível nova eleição. Tal procedimento não se confunde com o voto plural, apesar da confusão que pode ser feita em razão da semelhança da semântica das expressões. Voto plural O § 2º do art. 110 da Lei nº 6.404/76, ao estabelecer que “é vedado atribuir voto plural a qualquer classe de ações”, exigiu a sua aplicação em consonância com o art. 177, § 2º, do CP que impõe pena ao “acionista que, a fim de obter vantagem para si ou para outrem, negocia o voto nas deliberações de assembleia geral”. Nesse sentido, Nelson Eizirik esclarece: O voto plural tem como objetivo assegurar a determinadas categorias de acionistas, usualmente os fundadores, uma influência preponderante na direção da companhia, desproporcional ao capital que representam e é repudiado, face ao seu caráter antidemocrático, por quase todas as legislações societárias.43 42 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada: arts. 121 a 188. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 278. v. 2. 43 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada: arts. 1º a 120. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 621. v. 1. 30 O objetivo é que a autonomia da vontade seja assegurada e que interesses de ordem pessoal não influenciem decisões tomadas em plenárias societárias, garantido que questões pessoais não interfiram nas metas e nos projetos da companhia. Contudo, o voto plural não se confunde com o acordo de acionista que, se feito nos moldes determinados pela legislação, não representa ilícito. Acordo de acionistas Os acordos de acionistas podem ser celebrados tendo como objeto a compra e venda das suas ações, a preferência para adquiri-las, o exercício do direito a voto ou do poder de controle, tendo natureza jurídica de “contrato parassocial, acessório e plurilateral”.44 O acordo de acionistas constitui um contrato celebrado entre acionistas de determinada companhia visando à composição de seus interesses individuais e ao estabelecimento de normas de atuação na sociedade, harmonizando seus interesses próprios ao interesse social. Embora disciplinado na Lei das S.A., o acordo de acionistas é um contrato, submetido, assim, às normas comuns de validade dos negócios jurídicos de direito privado. Como negócio jurídico, requer, para sua validade, agentes capazes – acionistas de uma mesma companhia –, objeto lícito e forma escrita. A sua inclusão na disciplina societária objetivou apenas estabelecer os pressupostos necessários a que tais contratos sejam observados pela companhia e produzam efeitos perante terceiros. [...] Os acionistas são inteiramente livres para convencionar ou não o acordo, assim como para estabelecer o seu conteúdo, uma vez que a Lei das S.A. não esgota a relação de matérias que dele podem constar, os limites são apenas a licitude do objeto e a conformidade ao interesse social. O pactuado entre as partes – e somente entre elas – deve ser fielmente exigido, o que justifica a previsão legal de sua execução específica. Assim, na interpretação dos acordos de acionistas devem ser enfatizados (i) o cumprimento das obrigações pactuadas, já que o foram livremente; e (ii) a aplicação de seus termos apenas às partes contratantes, exceto no caso do acordo de controle, que pode gerar efeitos para outras companhias, “em cascata” [...].45 44 CAMPINHO, Sérgio. Curso de direito comercial: sociedade anônima. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 263. 45 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada: arts. 1º a 120. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 702-703. v. 1. 31 Tais acordos devem ser arquivados na sede da companhia e averbados nos livros de registro e nos certificados das ações, se emitidos, para que sejam observados, exigíveis e oponíveis a terceiros. Mesmo assim, tais acordos não poderão ser invocados com o fim de eximir o acionista da responsabilidade pelo exercício do voto ou do poder de controle, quando exercidos abusivamente. A fim de evitar mal-entendido de qualquer ordem, a companhia poderá solicitar aos membros do acordo de acionistas esclarecimento sobre as suas cláusulas. Os acionistas vinculados ao referido acordo deverão indicar, no ato formal de arquivamento, quem será o representante a comunicar-se com a companhia, autorizado a prestar ou receber informações, quando solicitadas. O presidente da assembleia ou do órgão colegiado de deliberação da companhia não poderá computar voto proferido com infração de acordo de acionistas devidamente arquivado. Da mesma forma, o não comparecimento à assembleia ou às reuniões dos órgãos de administração da companhia, as abstenções de voto de qualquer parte de acordo de acionistas, ou de membros do conselho de administração eleitos nos termos de acordo de acionistas, assegurará à parte prejudicada o direito de votar com as ações pertencentes ao acionista ausente ou omisso, e, no caso de membro do conselho de administração, pelo conselheiro eleito com os votos da parte prejudicada. O acordo ainda poderá prever o meio de se promover a execução específica das obrigações assumidas e somente poderá ser denunciado segundo as suas estipulações, caso o prazo for fixado em função de termo ou condição resolutiva. Limitará, porém, a negociação das ações averbadas nos termos do art. 118 da Lei nº 6.404/76, as quais não poderão ser negociadas em bolsa de valores ou mercado de balcão. Reembolso O ato do reembolso, regulado pelo art. 45 da Lei nº 6.404/76, representa operação pela qual a companhia paga aos acionistas dissidentes de deliberação da assembleia geral o valor das suas ações, observadas as hipóteses expressamente previstas em lei (art. 136, I a IV e IX, e art. 137 da Lei nº 6.404/76). Em regra, consideram-se os valores constantes no último balanço patrimonial aprovado, se ocorrido há menos de 60 dias. Porém, se já houver ultrapassado mais de 60 dias da aprovação do último balanço, é licito ao acionista que requer o reembolso pedir o levantamento de um balanço especial de verificação. Nesse caso, o citado dispositivo legal determina que a companhia pagará imediatamente 80% do valor do reembolso calculado com base no último balanço patrimonial e pagará o saldo remanescente no prazo de 120 dias a contar da data da deliberação da assembleia geral. “O último balanço aprovado não é o balanço do último exercício, embora na maioria das vezes, pela prática das sociedades, haja tal identificação”.46 46 MAMEDE, Gladston. Direito societário: sociedades simples e empresárias. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 379. v. 2. 32 Resgate O § 1º do art. 44 da Lei nº 6.404/76 estabelece que o pagamento do valor das ações pela companhia, pararetirá-las definitivamente de circulação, com redução ou não do capital social, define-se como resgate. Mantido o mesmo capital, será atribuído, quando for o caso, novo valor nominal às ações remanescentes, se este for estabelecido no estatuto social (art. 11 da Lei nº 6.404/76). O resgate voluntário ocorre por decisão da assembleia geral extraordinária da companhia ou por determinação estatutária que autorize a sociedade a promovê-lo a qualquer tempo. [...] O resgate compulsório (sempre do ponto de vista da companhia) é aquele previsto desde a emissão da ação, que, por esta razão, é conhecida como “ação resgatável”. No caso a companhia obriga-se a resgatar uma determinada classe de ação criada com essa fidelidade, dentro das condições estabelecidas no estatuto. O resgate estipulado no estatuto ao tempo da criação da ação integra o conjunto de seus direitos e obrigações.47 A lei é omissa quanto ao valor da ação para fim de resgate, contudo, há indicativos48 de que seria razoável a aplicação do § 1º do art. 170 da Lei nº 6.404/76 de forma análoga, visando a prevenir prejuízos injustificados aos titulares das ações que representem objeto da presente operação. Amortização Segundo se depreende da leitura dos §§ 2º e 3º do art. 44 da Lei nº 6.404/76, a distribuição, por antecipação aos acionistas, de quantias que lhes seriam devidas em caso de liquidação da companhia, consiste em amortização. Nesta, porém, não se fala em redução do capital social, podendo ser integral ou parcial e abranger todas as classes de ações ou só uma delas. 47 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada: arts. 1º a 120. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 282-283. v. 1. 48 CAMPINHO, Sérgio. Curso de direito comercial: sociedade anônima. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 155. 33 As ações integralmente amortizadas poderão ser substituídas pelas chamadas ações de fruição (art. 15 da Lei nº 6.404/76), observadas as restrições fixadas pelo estatuto social ou assembleia geral que deliberar sobre a amortização. “Assim como ocorre no resgate, a amortização poderá, na constituição da companhia, ser regulada no estatuto, que deverá estabelecer as condições e o modo de proceder à operação”.49 Entretanto, ocorrendo liquidação da companhia, as ações amortizadas só concorrerão ao acervo liquidado depois de assegurado às demais ações, não amortizadas, valor igual ao pago no ato da amortização, com as devidas correções monetárias. 49 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada: arts. 1º a 120. São Paulo: Quartier Latin, 2011. p. 293. v. 1. Valores mobiliários são títulos representativos de direitos disponibilizados pelas companhias em favor dos investidores que os adquirem ou subscrevem e efetivamente os integralizam. Nesse sentido, lê-se Wilges Bruscato. Os valores mobiliários cumprem a função de autofinanciamento da empresa, sendo utilizados para captar recursos em suas modalidades: capitalização, quando a sociedade anônima emite ações e quem as adquire se torna sócio – recurso que não precisará ser restituído, exceto na hipótese de dissolução da companhia –, e securitização, quando se emitem outros tipos de títulos que conferirão direitos variados contra a companhia: direito de crédito, direito de participar dos lucros, direito a adquirir ações, entre outros.50 Apesar de a Lei nº 6.404/76 não definir os valores mobiliários especificamente, a Lei nº 6.385/76, no seu art. 2º, define-os e delimita-os. Ações As ações são frações do capital social, títulos de crédito propriamente dito, negociáveis com o propósito inicial de constituir o capital social da companhia. Em outro momento, a negociação destes títulos se desvincula das finanças da companhia e se limita à movimentação patrimonial dos investidores. Assim, as ações são classificadas por valores, espécies, formas de circulação e classes, que variam de acordo com a forma como são emitidas e com o momento no qual são negociadas, como se verificará. 50 BRUSCATO, Wilges. Manual de direito empresarial brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 339-340. MÓDULO III – VALORES MOBILIÁRIOS 36 Valores O art. 11 da Lei nº 6.404/76 deixa a cargo do estatuto social determinar se as ações terão ou não valor nominal, sendo este o resultado da divisão do capital social pelo número de ações emitidas. Quando o estatuto social não determinar valor nominal para as ações, o resultado dessa divisão será reconhecido como valor quociente. A relevância de se definir um valor nominal para as ações no estatuto social reside na imprescindibilidade de se evitar aos investidores acionistas a diluição da sua participação societária, conforme os termos do art. 13 da citada lei. Considerando os termos do aludido dispositivo legal, verifica-se que o estatuto pode determinar um valor mínimo para a emissão das ações novas, objeto de uma relação jurídica primária, mas, a contrario sensu, não impõe a limitação ao valor máximo, podendo o preço de emissão ser superior ao valor nominal (ou valor quociente). Nesse caso, quando se emite uma ação nova por um valor superior ao resultado da divisão do capital social pelo número de ações emitidas, a companhia arrecada um montante maior do que o necessário para a integralização do capital social. Esse valor excedente é reconhecido como ágio e será destinado à conta reserva de capital que não sofre a incidência dos princípios tutelares do capital social, tratados no item Capital social retro, podendo ser utilizados nos termos do art. 200 da Lei nº 6.404/76, conforme igualmente tratado. Deixando de ser nova, a ação pode ser objeto de outra relação jurídica, estabelecida entre o acionista (titular da ação) e novo investidor que se proponha a adquiri-la em segunda mão, sendo reconhecida como uma ação velha, objeto de uma relação jurídica secundária. Nesse momento da revenda da ação, o alienante considerará na sua oferta o valor de negociação alcançado pela aplicação da regra básica a partir da qual os mercados definem valores das mercadorias, qual seja, a oferta x procura. Contudo, a liberdade das partes de pactuar o valor pelo qual vai ocorrer a revenda da ação pode ter como base o valor patrimonial dela. Esse valor é auferido pela análise do patrimônio líquido da companhia, ou seja, considera-se todo o patrimônio registrado em escrituração contábil, e subtraem-se as despesas para verificar o patrimônio líquido total da companhia. Dividindo-se este pelo total de ações em circulação, chega- se ao valor patrimonial de cada ação, que corresponde efetivamente à parte desembaraçada de cada uma, isto é, o quanto o acionista receberia em caso de dissolução da companhia. O valor patrimonial pode ser alcançado pelo método histórico, considerando os dados informados no último balanço patrimonial apresentado em assembleia geral ordinária, quando as contas apresentadas pelo conselho de administração foram analisadas; ou pode ser alcançado pelo método atual, segundo o qual se faz um balanço de verificação, considerando as alterações patrimoniais sofridas pela companhia, a produtividade e os dados registrados a partir da data de realização do último balanço patrimonial, bem como o dia exato da verificação do patrimônio líquido. 37 Ainda para fins de alcançar um valor de negociação, pode-se considerar também o valor econômico que prescinde da análise do fluxo de caixa descontado para que se apurem as perspectivas que se podem nutrir sobre os resultados futuros a serem apresentados pela companhia. Assim, pode-se compreender o valor de negociação a partir da análise dos dados financeiros e patrimoniais pretéritos e as perspectivas futuras em relação à companhia. Espécies As ações podem ser classificadas em espécies de acordo
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