Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Os médicos graduados em currículos PBL são mais competentes que os formados em currículos tradicionais? José Batista C. Tomaz A pergunta apresentada no título desta resenha é feita corriqueiramente entre os que defendem e os que se opõem ao PBL, entre os que acabam de conhecê-lo, entre os gestores interessados (ou seduzidos) em implantá-lo no seu novo curso, entre os estudantes que ingressam em cursos que o utilizam e, obviamente, entre os curiosos e pesquisadores que, de uma maneira isenta, buscam evidências de sua efetividade. O artigo de Schmidt e cols., aqui resenhado, traz uma grande contribuição para responder, de uma maneira consistente, essa questão. A Aprendizagem Baseada em Problemas (Problem-based Learning- PBL) é uma abordagem educacional que vem sendo utilizada nas últimas três décadas, de maneira crescente, por diversas escolas de vários países, para a formação de diferentes categorias de profissionais na área da saúde, em particular os da área médica. Um grande debate instalado desde então é se o PBL é realmente efetivo, ou seja, se o PBL alcança os resultados a que se propõe: desenvolver competências nos graduados, principalmente a capacidade para resolver problemas, maior habilidades para comunicar- se e maior preparo para o estudo auto-dirigido e aprendizagem para toda a vida (lifelong learning). Uma outra questão em discussão, não menos importante, é se o PBL é superior ao método convencional no que se refere ao desenvolvimento de competências necessárias para responder aos desafios da prática médica atual. Responder essas questões é crucial para justificar o grande esforço requerido para implantar com sucesso uma abordagem educacional tão complexa como o PBL. Vários estudos, incluindo meta-análises, têm sido realizados em busca de evidências da efetividade do PBL, muitos deles comparando-o com o método tradicional. 1, 3, 4 . Boa parte destes estudos revelou que estudantes de currículos PBL tendem a adquirir mais e melhores habilidades clínicas, maior capacidade para resolver problemas, maiores habilidades psicossociais e interpessoais. Por outro lado, evidenciou que os alunos de cursos tradicionais adquirem uma quantidade discretamente maior de conhecimentos médicos da área básica e clínica mensurados em testes acadêmicos2. No entanto, a maioria destes estudos foi, em geral, realizado em pequena escala, entre estudantes, portanto, ainda não graduados, e tem sido mais descritivos que preditivos5. Poucos estudos avaliaram a performance de graduados de currículos PBL durante a prática profissional, e não fizeram comparação com currículos tradicionais. Alguns desses estudos mostraram que os graduados provenientes de currículos PBL sentem-se melhor preparados para a prática profissional do que seus colegas de escolas tradicionais, comunicam-se melhor com os pacientes, manejam de maneira mais adequada pacientes com problemas psicossociais e têm maior capacidade para o estudo autodirigido. No entanto, para se ter evidências mais consistentes sobre os efeitos em longo prazo do PBL se faz necessária a realização de mais estudos que envolvam um número maior de cursos e que avaliem a performance dos graduados ao longo de um período mais extenso e inclua um número mais abrangente de competências relevantes para o exercício da medicina, sejam elas interpessoais, cognitivas, acadêmicas ou relacionadas às atividades de suporte à prática médica, como capacidade para planejar e trabalhar de forma mais eficiente. De fato, alguns dos desafios relacionados à efetividade do PBL apresentados pela Network - Towards Unity for Health (TUFH) (entidade que congrega a maioria das escolas que utilizam PBL em todos os continentes) referem-se à avaliação dos efeitos em longo prazo do PBL, como: 1. Até que ponto o PBL contribui para uma aprendizagem ao longo da vida? e 2. Que dados permitem determinar se os graduados em currículos PBL têm uma prática diferente quando comparados com os graduados em programas tradicionais?5 O artigo de Schmidt e cols. vem cobrir esta lacuna e contribui de maneira significativa para este debate devido a pelo menos três aspectos. Primeiro, foi realizado na Holanda, um dos berços do PBL, conduzido por um dos pioneiros na utilização desta abordagem na educação médica – Prof. Henk Schmidt, o que, além de dá indiscutível credibilidade, permite avaliação de uma experiência da utilização do PBL já bem consolidada ao longo de quase três décadas. Segundo, trata-se de um estudo de larga escala e abrangente – envolveu todos os graduados de cursos médicos holandeses, tradicionais e baseados em PBL, desde 1980. Terceiro, incluiu a avaliação do desenvolvimento de 18 competências profissionais relevantes para a prática médica (Quadro 1), ou seja, avaliou a performance de graduados de currículos PBL durante a prática profissional, o que difere da maioria dos estudos que envolveram estudantes antes da graduação. Quadro 1. Lista de competências 1. Habilidades para resolver problemas 2. Habilidades para colaboração 3. Posse de conhecimentos profissionais relevantes 4. Habilidades interpessoais 5. Habilidades para conduzir reuniões 6. Escrever relatórios e artigos 7. Habilidades para apresentar artigos 8. Habilidades de pesquisa científica 9. Estudo auto-dirigido 10. Uso de recursos para busca de informação 11. Habilidades profissionais (por exemplo, realizar exame físico) 12. Produção de novas idéias para realizar seu trabalho de uma maneira melhor 13. Ajudar colegas 14. Produtividade 15. Capacidade para trabalhar de maneira independente 16. Planejamento 17. Eficiência, gerenciamento do tempo 18. Capacidade para trabalhar sob pressão O objetivo do estudo aqui resenhado foi o de investigar os efeitos em longo prazo do PBL no desenvolvimento de competências de graduados durante o exercício da prática médica, comparando com graduados de cursos tradicionais. Os principais resultados revelaram que os graduados de cursos baseados em PBL obtiveram escores maiores em 14 das 18 competências profissionais estudadas, dentre as quais melhores habilidades interpessoais, maior competência para resolver problemas, para aprender de forma autodirigida e para buscar informações, além de maiores habilidades profissionais (como por exemplo, realizar exame físico). O estudo mostrou também que os graduados provenientes de currículos PBL acharam que têm maior capacidade para planejar e trabalhar de forma mais eficiente. Não houve diferença significativa nas competências acadêmicas gerais, como conduzir pesquisa científica e escrever artigo. Em relação à quantidade de conhecimento médico relevante para a prática, os graduados vindos de programas tradicionais acharam que possuem um pouco mais, comparando com seus colegas de currículos PBL. Os autores concluem que o PBL não só afeta as competências tipicamente relacionadas ao PBL no campo interpessoal e cognitivo, mas influencia positivamente no desenvolvimento de competências mais gerais relacionadas com as próprias atividades médicas que são fundamentais para o sucesso profissional, como a capacidade de trabalhar mais eficientemente. Uma limitação deste estudo, admitida pelos próprios autores, é que o método utilizado foi só a auto- avaliação, embora os dados obtidos sejam consistentes, tomando como base evidências de outros estudos. Os autores admitem que há necessidade de validação desses resultados por meio de diferentes métodos. Referências 1. Albanese MA & Mitchell S. (1993). Problem-based Learning: a review of literature on its outcomes and implementation issues. Academic Medicine; 68: 52-81. 2. Sá, HLC. (2001). Análise Crítica da Aprendizagem Baseada em Problemas (Cap. 8). In: Mamede, S & Penaforte, J (Orgs.) Aprendizagem Baseada em Problemas – Anatomia de uma nova abordagem educacional. Escola de Saúde Pública do Ceará/HUCITEC.Fortaleza - Brasil. 3. Schmidt HG, Dauphinee WD & Patel VL (1987). Comparing the effects of Problem-based and conventional curricula in an international sample. Journal of Medical Education; 62: 305-315. 4. Vernon DTA & Blake RL (1993). Does Problem-based Learning work? A meta-analysis of evaluative research. Academic Medicine; 68: 550-563. 5. The Network – Towards Unity for Health (2002). Problem-Based Learning (Position Paper). Maastricht, The Netherlands. Artigo original Medical Education 2006; 40: 562-567 Longterm effects of problem-based learning: a comparison of competencies acquired by graduates of a problem-based and a conventional medical school Henk G Schmidt, Lyanda Vermeulen & Henk T van der Molen
Compartilhar