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AN02FREV001/REV 4.0 79 PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA A DISTÂNCIA Portal Educação CURSO DE DIREITO PENAL Aluno: EaD - Educação a Distância Portal Educação AN02FREV001/REV 4.0 80 CURSO DE DIREITO PENAL MÓDULO IV Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este Programa de Educação Continuada. É proibida qualquer forma de comercialização ou distribuição do mesmo sem a autorização expressa do Portal Educação. Os créditos do conteúdo aqui contido são dados aos seus respectivos autores descritos nas Referências Bibliográficas. AN02FREV001/REV 4.0 81 MÓDULO IV 4 CRIME 4.1 ITER CRIMINIS É o percurso, caminho, fase do crime. No total são 4 (quatro) fases que o crime deve percorrer: 4.1.1 Cogitação Nesta fase o agente está apenas pensando, idealizando, planejando o crime. O aluno mais atento perguntaria: nesta fase o agente é punível? Há lei que puna tal atitude do agente? A resposta para os dois quesitos seria simples, pois cada ser humano tem o pensamento livre de qualquer regra, é o que diz aquele brocardo em latim Pensiero non paga gabella, cogitationis poena nemo patitur (o pensamento não paga imposto ou direito). 4.1.2 Preparação São atos externos, preparatórios para a prática do crime. Como já foi explicado anteriormente, para que a conduta do agente seja tipificada em um determinado tipo legal (artigo) faz-se necessário que ela seja moldada no núcleo do tipo (verbo como, subtrair, matar). Assim, conclui-se que também nesta fase o AN02FREV001/REV 4.0 82 agente não responde por crime nenhum. Como exemplo de atos preparatórios o magister Mirabete, no âmbito de sua didática, exemplifica: A aquisição de arma para a prática de um homicídio ou a de uma chave falsa para o delito de furto e o estudo do local onde se quer praticar o roubo. Ressalte-se, porém, que o legislador, por vezes, transforma atos preparatórios em tipos penais especiais quebrando a regra. Exemplos: “petrechos para falsificação de moeda” (art. 291), que seria apenas ato preparatório do crime de moeda falsa (art. 289). (MIRABETE, 2006) 4.1.3 Execução Agora o agente começa a praticar atos ligados ao crime. Para distinguir os atos de execução dos atos preparatórios o Código Penal adotou o critério do início da realização do tipo, ou seja, a execução inicia-se com a realização do núcleo do tipo (verbo como, subtrair, matar). Nesta fase o agente já responde penalmente por sua conduta delitiva. A jurisprudência assim se pronuncia: TJSP: Ato executivo (ou de tentativa) é o que ataca efetiva ou imediatamente o bem jurídico. Ato preparatório é o que possibilita, mas não é ainda, sob o prisma objetivo, o ataque ao bem jurídico. A mera cogitatio não basta para configurar o conatus (RT 605/287). 4.1.4 Consumação Fase em que todos os elementos do tipo legal foram realizados pela conduta delitiva do agente. 4.2 CRIME CONSUMADO AN02FREV001/REV 4.0 83 Para o artigo 14, inciso I do Código Penal, ocorre o crime consumado quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal. Na bela lição de Mirabete (1999), o crime está consumado totalmente quando o fato concreto se amolda no tipo legal descrito na norma penal. Para que o crime de furto se consuma é necessário que o agente pratique a conduta que subtraia a coisa alheia móvel. Distingue ainda o crime consumado do exaurido, uma vez que neste há um resultado a mais que no crime consumado, ou seja, no crime exaurido após a consumação o agente continua a sua conduta lesiva ao bem jurídico protegido pela norma penal. Exemplo prático do crime exaurido é o tipo legal previsto no artigo 317 do Código Penal, em que a conduta do funcionário público vai além da primeira figura do núcleo do tipo (solicitar), ou seja, para que se consuma o crime de corrupção passiva basta solicitar. Caso o funcionário público receba, aí se enquadra o crime exaurido. Fernando Capez (2006) cita a consumação nas seguintes espécies de crimes: a) Materiais: com a produção do resultado naturalístico; b) Culposos: com a produção do resultado naturalístico; c) De Mera Conduta: com a ação ou omissão delituosa; d) Formais: com a simples atividade, independente do resultado; e) Permanentes: o momento consumativo se protrai no tempo; f) Omissivos Próprios: com a abstenção do comportamento devido; g) Omissivos Impróprios: com a produção do resultado naturalístico; h) Qualificados pelo resultado: com a produção do resultado agravador; i) Complexos: quando os crimes componentes estejam integralmente realizados; j) Habituais: com a reiteração de atos, pois cada um deles, isoladamente, é indiferente à lei penal. O momento consumativo é incerto, pois não se sabe quando a conduta se tornou um hábito, por essa razão, não cabe prisão em flagrante delito nos crimes habituais. 4.3 TENTATIVA AN02FREV001/REV 4.0 84 Para o artigo 14, inciso do Código Penal, ocorre o crime tentado quando, iniciada a execução, o crime não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Reforçando o entendimento do Código Penal brasileiro Luis Regis Prado (2009) diz que crime tentado é aquele em que a realização do tipo não é totalmente concluída por situações alheias à vontade do agente. São, portanto, elementos da tentativa: ato de execução, não consumação do crime e o dolo. Para o Professor Fernando Capez (2006), no lugar do dolo seria melhor colocar a interferência de circunstâncias alheias à vontade do agente. Para a configuração do ato de execução é necessário que o agente tenha praticado atos que levem a entender a vontade de praticar a conduta descrita no tipo legal. Assim, caso um estranho apenas tenha sido apanhado subindo a escada de certa pessoa, nesta situação não é possível tipificar como crime de furto, pois o estranho ainda não tinha iniciado nenhuma subtração. Poderia, sim, responder pelo crime de violação de Domicílio (artigo 150 do Código Penal). A este respeito a jurisprudência assim se pronuncia: Necessidade de risco de lesão - TJMG: Para que haja tentativa de um crime, é necessário que o bem tutelado pelo ordenamento jurídico tenha corrido o risco de lesão em consequência da conduta do sujeito ativo (RT 510/435). Aqui o aluno poderia perguntar: se a consumação não ocorre agora por vontade do agente, ainda configuraria a tentativa? Não, e sim o Arrependimento Eficaz ou a Desistência Voluntária, assuntos a serem ainda abordados. 4.3.1 Crimes que não Admitem a Tentativa 1º) Crime Culposo: A tentativa tem como um de seus elementos o dolo. AN02FREV001/REV 4.0 85 2º) Crime Preterdoloso: O resultado mais grave (morte da vítima) é atribuído ao agente como culpa (dolo no antecedente e culpa no consequente, assunto abordado no módulo III). 3º) Crime Unissubsistente: Não é possível o fracionamento dos atos de execução (é uno e indivisível, assunto abordado no módulo III). 4º) Crime Habitual: Os atos são penalmente indiferentes em razão da habitualidade (assunto abordado no módulo III). 5º) Crimes Omissivos Próprios. 6º) Contravenções Penais. 4.3.2 Espécies de Tentativa Em relação às espécies de tentativa, a doutrina diverge. Para o Professor Mirabete (1999), somente existem a Tentativa Perfeita e a Tentativa Imperfeita. Já o Professor Fernando Capez (2006) vai mais além ao acrescentar a Tentativa Branca e a Tentativa Cruenta. 1ª) Tentativa Imperfeita: O agente do crime não pratica todos os atos de execução em razão de circunstâncias alheias à sua vontade. 2ª) Tentativa Perfeita ou Crime Falho:O agente do crime pratica todos os atos de execução, mas consegue que o crime se consuma em razão de circunstâncias alheias à sua vontade. 3ª) Tentativa Branca: Tipo de tentativa que inclui a tentativa perfeita e a tentativa imperfeita. A única observação importante é que na tentativa branca o agente não consegue atingir a vítima. AN02FREV001/REV 4.0 86 4ª) Tentativa Cruenta: Tipo de tentativa que inclui a tentativa perfeita e a tentativa imperfeita. A única observação importante é que na tentativa cruenta o agente consegue atingir a vítima. 4.3.3 Pena da Tentativa Em relação à pena a ser aplicada ao crime tentado, assim estabelece o Código Penal, artigo 14 parágrafo único: “Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços”. Luis Regis Prado, ao analisar a pena nos crimes tipificados como tentado, assim comenta: Em relação à pena de tentativa, a própria Lei Penal, salvo disposição em contrário (art. 14, parágrafo único, CP), possibilita a equiparação punitiva, desde que existente dispositivo expresso. Exemplo é o artigo 352, CP (evasão mediante violência contra pessoa). (PRADO, 2009) Para os crimes de tentativa a norma penal decidiu aplicar uma pena inferior ao crime consumado, levando em consideração a não ocorrência do resultado maior (lesivo). Na redução de um a dois terços previstos para o crime de tentativa o magistrado, ao aplicá-la, afere não as circunstâncias do crime e, sim, o iter criminis, ou seja, o quantum o agente se aproximou ou distanciou do resultado. Para a aplicação da pena nos crimes de tentativa o Código Penal adotou a Teoria Objetiva (o que se pune é o iter criminis, assim os crimes tipificados como tentado devem ser punidos com penas menores que os crimes consumados). Neste sentido a jurisprudência assim se pronuncia: Redução da pena pelo iter criminis percorrido (STF): A fixação do percentual no caso concreto, tendo em vista causa de diminuição da pena – tentativa – não se faz aleatoriamente. Há de ser levado em conta o iter criminis, ou seja, os atos que chegaram a ser praticados pelo agente. (HC 69.342-3-DJU). AN02FREV001/REV 4.0 87 4.4 DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA E ARREPENDIMENTO EFICAZ O artigo 15 do Código Penal reza que: “O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados”. A doutrina entende que por motivos de política criminal o Código Penal brasileiro criou o artigo 15 como forma de estimular o agente que, podendo chegar à consumação de um crime, por sua vontade impede o resultado. 4.4.1 Desistência Voluntária Fernando Capez assim define a Desistência Voluntária: São espécies de tentativa abandonada ou qualificada. Como o próprio nome diz, havia uma tentativa, que foi abandonada. Em outras palavras, o agente pretendia produzir o resultado consumativo, mas acabou por mudar de ideia, vindo a impedi-lo por sua própria vontade. Desse modo, o resultado não se produz por força da vontade do agente, ao contrário da tentativa, na qual atuam circunstâncias alheias a essa vontade. (CAPEZ, 2006) Exemplo: agente que possuindo arma de fogo toda municiada dispara apenas um projétil contra o seu desafeto, acertando-o e ferindo-lhe com gravidade, mas por vontade própria presta socorro eficaz, impedindo a morte de seu inimigo. Na desistência voluntária o resultado não se consuma pela própria vontade do agente, enquanto na tentativa o resultado não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. O agente que não consegue praticar o crime de furto porque não consegue é exemplo de tentativa; se o mesmo agente não furtar porque não quis, é desistência voluntária. A diferença da tentativa para a desistência voluntária está no ânimo do agente. AN02FREV001/REV 4.0 88 Para o professor Luis Regis Prado (2009), a desistência voluntária apresenta dois requisitos essenciais: primeiramente, o objetivo do agente em interromper definitivamente o processo de execução e, em seguida, o requisito subjetivo da vontade própria do agente em desistir do resultado (não é necessário que seja espontâneo). Já o professor Fernando Capez (2006) entende que os requisitos são o início da execução, não consumação e interferência da vontade do próprio agente. 4.4.2 Arrependimento Eficaz Mirabete assim define o Arrependimento Eficaz: É o arrependimento eficaz também hipótese de inadequação típica de tentativa, pois o agente, após ter esgotado os meios de que dispunha para a prática do crime, arrepende-se, evitando que o resultado ocorra. Também não se exige que o agente atue espontaneamente, bastando sua vontade de evitar o resultado, praticando atos para impedir o evento. É o que chama ponte de ouro para o agente retroceder. (MIRABETE, 1999) Exemplo: agente que possuindo arma de fogo toda municiada dispara apenas um projétil contra o seu desafeto. Não acerta e desiste por vontade própria de efetuar novos disparos. A diferença entre a desistência voluntária e o arrependimento eficaz consiste em que no segundo o agente conclui a execução do crime, porém o próprio agente impede o resultado, enquanto que no primeiro o agente interrompe a execução do crime por sua própria vontade. A Doutrina tem usado a fórmula de Hans Frank para estabelecer diferença entre Tentativa e Desistência Voluntária. Para Hans Frank, na Tentativa (art. 14, II, CP) o agente quer prosseguir na execução do crime, mas não pode, enquanto que na Desistência Voluntária (art. 14, II, CP) o agente, embora pudesse prosseguir na execução do crime, desiste. AN02FREV001/REV 4.0 89 4.4.3 Consequência Penal para a Desistência Voluntária e o Arrependimento Eficaz Tanto na Desistência Voluntária como no Arrependimento Eficaz o agente abandonou sua conduta evitando a consumação do crime por sua própria vontade. Nestas hipóteses afasta-se a tentativa e o agente responde somente pelos atos até então praticados. É o que prescreve o artigo 15 do Código Penal, in fine: “O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados”. Embora não seja unânime o pensamento doutrinário no sentido de que tanto a desistência voluntária como o arrependimento eficaz são causas pessoais de exclusão de punibilidade ou isenção de pena, a jurisprudência, neste sentido, assim se pronuncia: Caso de exclusão de tipicidade (TJMT): A desistência voluntária e o arrependimento eficaz não são hipóteses de atipicidade, mas sim causas pessoais de exclusão da punibilidade não enumeradas no artigo 107 do CP. Trata-se de um benefício concedido por razões de política criminal, o que não importa em dizer que o agente ficará isento de responsabilidade pelos crimes ou contravenções menos graves, já consumados. (RJDTACRIM 1/92). Observação: No caso do agente, apesar de atuar voluntariamente, seu arrependimento é ineficaz, uma vez que o resultado se consumou. Neste caso o agente responderá pelo crime praticado. 4.5 ARREPENDIMENTO POSTERIOR O arrependimento posterior consiste em aplicar um quantum de um a dois terços de redução na pena nos casos dos crimes praticados sem que o agente faça uso da violência ou de grave ameaça contra a vítima, reparando o dano até o recebimento da peça processual pelo magistrado. Assim prescreve o artigo 16 do código Penal: “Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, AN02FREV001/REV 4.0 90 reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços”. Fernando Capez assim conceitua arrependimento posterior:Causa de diminuição de pena que ocorre nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, em que o agente, voluntariamente, repara o dano ou restitui a coisa até o recebimento da denúncia ou queixa. (CAPEZ, 2006) A própria Exposição de Motivos da parte geral do Código Penal Brasileiro refere-se ao arrependimento Posterior como forma de Política Criminal, estimulando o agente causador de um dano ao patrimônio da vítima a sua reparação. O instituto do Arrependimento Posterior não é causa de extinção da pena nem tampouco causa de atipicidade da conduta do agente e sim causa obrigatória de redução da pena. Para que o Arrependimento Posterior seja concedido ao sujeito ativo (agente) de um crime contra o patrimônio da vítima, além de que não tenha atuado com violência ou grave ameaça é preciso que o agente atue sem provocação (iniciativa própria). Neste sentido a jurisprudência assim se pronuncia: TACRSP: Para que o arrependimento previsto no art. 16 do CP seja reconhecido é preciso que o agente aja sem provocação, consubstanciando a iniciativa própria, sem nenhum estímulo. (RJDTACRIM 8/114). A doutrina achou por bem estabelecer a diferença entre Arrependimento Posterior e Arrependimento Eficaz. Segundo Fernando Capez (2006), o arrependimento eficaz aplica-se aos crimes cometidos com violência ou grave ameaça; o arrependimento posterior, ao contrário, somente se aplica aos crimes praticados sem violência ou grave ameaça. O arrependimento eficaz é anterior à consumação, enquanto o arrependimento posterior é posterior à consumação. 4.5.1 Requisitos do Arrependimento Posterior AN02FREV001/REV 4.0 91 1. O crime cometido pelo agente não pode ser com violência ou grave ameaça, porém pode ser aplicada a diminuição da pena nos crimes culposos, apesar de o agente atuar com violência ou grave ameaça (exemplo do homicídio culposo). 2. A reparação do dano ou a restituição da coisa tem que ser completa (integral). 3. Na reparação do dano ou restituição da coisa a legislação não é tão rigorosa, pois admite que o ato voluntário do agente seja oriundo de conselho ou sugestão de terceira pessoa ou que esta reparação seja até praticada por outra pessoa devidamente autorizada pelo agente. 4. Até o recebimento pelo magistrado da denúncia ou queixa. Observações: 1. No caso de concurso de agentes (mais de um agente sujeito ativo), o arrependimento posterior aproveita-se aos coautores e partícipes; 2. No instituto do arrependimento posterior o juiz deve reduzir a pena de um terço a dois terços; 3. A reparação do dano ou a restituição da coisa tem que ser até o despacho judicial do recebimento da denúncia (peça privativa do Ministério Público) ou da queixa (peça privativa da vítima); caso seja posterior não é caso de arrependimento posterior e sim circunstância atenuante genérica. 4.6 CRIME IMPOSSIVEL O crime impossível também é denominado de tentativa impossível, tentativa inidônea, tentativa inadequada ou quase crime. O artigo 17 do Código Penal assim AN02FREV001/REV 4.0 92 define: “Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”. O crime impossível é uma forma de delito putativo (imaginário), uma vez que o agente imagina que está praticando um crime, mas que na verdade não existe. 4.6.1 Hipóteses em que ocorre o Crime Impossível 1. Crime impossível por ineficácia absoluta do meio: Neste caso o crime é impossível em razão do agente utilizar, empregar instrumentos ou meios incapazes (inidôneos) para a obtenção do resultado. Exemplo prático da doutrina é aquele em que o agente utiliza-se de um palito de dente para matar um adulto. Note- se que a ineficácia do meio tem que ser absoluta para poder configurar o crime impossível, caso contrário, se a ineficácia for relativa configura-se Crime de Tentativa e não Crime Impossível. No mesmo exemplo, caso o agente utilizasse do mesmo palito, mas agora visasse matar um recém-nascido, este meio empregado (palito) não seria absolutamente ineficaz para matar o recém-nascido e, sim, relativo. Caso não configura o crime de homicídio, o agente responderá pelo crime na forma tentada. 2. Crime Impossível por Absoluta Impropriedade do Objeto: Para Fernando Capez (2006), o Crime Impossível pela absoluta impropriedade do objeto é aquele em que a conduta do agente é atípica por recair sobre pessoa ou coisa absolutamente inidônea para a produção de algum resultado lesivo. Exemplo prático: Agente “A”, pensando que seu desafeto está dormindo, passa a golpeá-lo com uma arma branca (faca), porém na verdade fere um cadáver. Caso a impropriedade do objeto seja relativa o agente responderá pelo crime na forma tentada. Exemplo doutrinário da impropriedade relativa do objeto: punguista (ladrões) que enfia a mão no bolso errado da vítima. Damásio de Jesus assim se pronúncia em relação ao crime impossível: AN02FREV001/REV 4.0 93 A teoria objetiva pura, adotada pelo Código Penal vigente, tornou claro o fundamento da atipicidade do crime impossível: “quando absoluta a ineficácia do meio ou a impropriedade do objeto material, o fato é atípico a título de tentativa, subsistindo esta quando meramente relativa”. (JESUS, 2001) Conclusão: O Código Penal adotou para o crime impossível a Teoria Objetiva Temperada, ou seja, o crime será impossível se forem absolutas a ineficácia do meio e a impropriedade do objeto (fato atípico). Caso seja relativa, o agente responderá por tentativa. 4.7 CRIME IMPOSSÍVEL X DELITO PUTATIVO Na análise simples das palavras, delito é fato praticado por alguém que constitui crime, e putativo é aquele em que o agente, ao praticar certa conduta, imagina que seja crime. Este existe na mente do agente, por isso também é conhecido como crime putativo. Ocorre quando o sujeito ativo pratica uma conduta e acredita erroneamente tratar-se de crime quando, na verdade, é um fato atípico, ou seja, só existe na imaginação do agente; sua conduta constitui um fato atípico. O agente acredita que sua conduta é punível (crime), mas na verdade é fato atípico. Exemplo: Mulher que comete aborto sem estar grávida. No crime impossível ocorre a atipicidade do fato por razões objetivas, quer pela inidoneidade do meio ou a impropriedade do objeto. Para você fixar a diferença entre delito putativo e crime impossível basta relacionar o primeiro com a conduta que não constitui fato típico e o segundo com a ineficácia do meio e a impropriedade do objeto. 4.8 ESPÉCIES DE DELITO PUTATIVO AN02FREV001/REV 4.0 94 1. Delito Putativo por erro de tipo: O agente, ao apreciar a realidade de maneira errada, não sabe que está cometendo um crime, ou seja, o agente se engana não sobre a norma mas sim sobre os elementos do crime. Exemplo doutrinário é aquele em que o agente compra cocaína imaginando que seja talco. O delito putativo por erro de tipo nada mais é do que o crime impossível pela impropriedade do objeto. 2. Delito Putativo por obra do agente provocador: Também denominado crime de flagrante preparado ou delito de ensaio. Consiste no fato em que a polícia ou qualquer agente provocador prepara de forma insidiosa uma situação em que o agente é levado a cometer um crime. Há uma encenação para que o agente venha a praticar o crime. Exemplo de Fernando Capez (2006): “investigadora grávida pede para médico fazer aborto ilegal e depois o prende em flagrante”. O Supremo Tribunal Federal, através da Súmula 145, trata do delito putativo por obra do agente provocador e entende não haver crime ante a atipicidade do fato. O delito putativo por obra do agente provocador nada mais é do que o crime impossível pela ineficácia do meio empregado. Veja abaixo a transcriçãoda Súmula 145 do Supremo Tribunal Federal: Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação. Não se confunde com o “delito de flagrante esperado”, em que alguém, vítima ou terceiro, normalmente a polícia, tomando conhecimento de que um delito vai ser praticado, espera sua execução para prender o delinquente em flagrante. (SÚMULA 145 DO STF). No caso de flagrante esperado a conduta do agente é típica e ilícita, caso ocorra a prisão ela será legal e válida. Neste caso não houve na vontade do agente qualquer tipo de induzimento para a prática do crime. Não se trata de crime putativo, pois não existe qualquer provocação. É exemplo corriqueiro trazido da rotina policial a situação em que investigadores de polícia ficam de tocaia até que determinando traficante chegue com a droga para poder efetuar a sua prisão. AN02FREV001/REV 4.0 95 3. Delito Putativo por Erro de Proibição: Neste caso o agente pratica determinada conduta pensando que é permitida (legal), mas na verdade a lei proíbe. Exemplo: O agente comete o crime de furto pensando que a norma não proíbe. 4.9 DO ERRO NO DIREITO PENAL Antes da reforma do Código Penal de 1984 o erro era tratado como de erro de fato, mas hoje existem três tipos de erros na legislação penal: erro de tipo (artigo 20, caput do Código Penal), erro de proibição ou erro sobre a ilicitude do fato (artigo 21 do Código Penal) e erro de tipo permissivo ou de descriminantes putativas (artigo 20, § 1º do Código Penal). 4.9.1 Erro de Tipo O erro de tipo está previsto no artigo 20, caput do Código Penal, que assim prescreve: “O erro sobre o elemento do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei”. Assim se preocupou o legislador especificamente pelo dolo do agente ao criar o instituto do erro do tipo, ou seja, se o sujeito ativo de um crime não conhece ou até mesmo se engana sobre os elementos que estruturam legalmente um crime responderá somente a título de culpa, isto se o crime que cometeu admitir a modalidade culposa. A respeito do erro de tipo Damásio de Jesus assim se pronuncia: É o que incide sobre as elementares, circunstâncias da figura típica, sobre os pressupostos de fato de uma causa de justificação ou dados secundários da norma penal. (JESUS, 1994) AN02FREV001/REV 4.0 96 No erro de tipo o agente desconhece a existência de uma condição de fato que integra a figura penal. É, por exemplo, o que ocorre no caso do crime de Furto previsto no artigo 155 do Código Penal, em que o agente desconhece que a coisa que subtraiu é alheia (condição de fato que integra a figura penal). Luiz Regis Prado em seu livro Curso de Direito Penal Brasileiro assim conceitua erro de tipo: O erro sobre o fato típico diz respeito ao elemento cognitivo ou intelectual do dolo, sendo sua contraface. É aquele que recai sobre os elementos essenciais ou constitutivos – fáticos ou normativos – do tipo de injusto, em os quais deixa de existir (coisa alheia, no delito de furto, art. 155, CPP). Nele o agente não sabe o que está fazendo; falta representação mental exigível para o dolo típico (lado inverso do dolo do tipo). (PRADO, 2009, p.). Portanto, o erro de tipo é aquele que incide sobre as elementares ou circunstâncias de tipo incriminador (fato típico), sobre os pressupostos de fato de uma causa de justificação e sobre dados acessórios da norma penal incriminadora. 4.9.2 Erro de Tipo X Erro de Direito O erro de tipo é aquele em que o agente erra sobre a realidade concreta, ou seja, o agente ao praticar determinada conduta não se engana a respeito de tipos legais. Os seus erros incidem sobre a realidade do cotidiano. Para encurtar a discussão é só compreender que no erro de direito o agente se engana (ignorância ou falso conhecimento) na compreensão do texto da lei, enquanto que no erro de tipo o agente se engana sobre a situação de fato ou jurídica. Abaixo seguem exemplos práticos do magistério do Professor Fernando Capez (2006): a) Exemplo de erro de tipo que incide sobre situação de fato descrita como elementar do tipo incriminador: caso do aluno que pega uma caneta alheia imaginando ser a sua. O erro do aluno não incide sobre nenhuma regra legal e, sim, em um dado concreto da realidade. Esta realidade desconhecida pelo aluno está AN02FREV001/REV 4.0 97 descrita no artigo 155 do Código Penal (crime de furto) como sua elementar (coisa alheia móvel). Em razão do erro o agente (aluno) ficou impedido de saber que estava cometendo o crime de furto (subtração de coisa alheia móvel), pois a falta de conhecimento eliminou a sua vontade. Neste caso, por ser erro incidente sobre situação de fato definida como elemento do tipo incriminador (coisa alheia móvel), exclui o dolo. b) Exemplo de erro de tipo que incide sobre relação jurídica descrita como elementar do tipo incriminador: o agente casa-se com mulher já casada, supondo ser ela solteira. Neste exemplo, o erro do agente não incidiu sobre uma situação de fato e, sim, sobre uma situação jurídica. Esta situação encontra-se prevista no artigo 235 do Código Penal que trata do crime de bigamia: “Contrair alguém, sendo casado, novo casamento”. Ao ser confundido pela realidade o agente não tinha condições de conhecer um elemento indispensável para a caracterização do crime de bigamia, eliminando assim a sua consciência. Neste caso, por ser erro incidente sobre relação jurídica definida como elemento do tipo incriminador exclui o dolo. c) Exemplo de erro de tipo que incide sobre situação de fato descrita como elementar do tipo permissivo (são as causas de excludentes de ilicitude: legítima defesa, assunto a ser abordado): a vítima enfia a mão no bolso para tirar um lenço e o agente, supondo que ela vai sacar uma arma de fogo, imagina-se em legítima defesa e atira. Neste caso, por ser erro incidente sobre situação de fato definida como elemento do tipo permissivo, exclui o dolo. d) Exemplo de erro de tipo que incide sobre circunstância de tipo incriminador: Ladrão que com sua conduta delitiva pretendia furtar um relógio de ouro, mas por erro seu furta um relógio de lata. Neste caso o erro incide sobre uma situação concreta descrita como circunstância privilegiadora do tipo de furto (furto de pequeno valor ou privilegiado). Assim, não há que se falar em exclusão do dolo, porque o erro do agente não incidiu sobre dado essencial da existência do crime (exemplo item a), mas sim sobre mera circunstância privilegiadora, que apenas diminui a pena. O dolo, nesse caso, não é excluído, ficando eliminada apenas a circunstância. AN02FREV001/REV 4.0 98 e) Exemplo de erro de tipo que incide sobre dado irrelevante: Pai que, desejando matar seu filho, assassina um sósia. Percebe-se que o erro do pai incidiu sobre dado irrelevante para tipificar sua conduta como homicídio (para que ocorra o crime previsto no artigo 121 do Código Penal Matar alguém, isto é, basta que a vítima seja pessoa humana viva). O dolo, nesse caso, não é excluído, o agente (pai) responde pelo crime de homicídio, incidindo na pena as características da vítima que pretendia atingir (seu filho). 4.9.3 Formas de Erro de Tipo 1. Erro de tipo essencial: O erro de tipo essencial é aquele que incide sobre elementares e circunstâncias do tipo legal, levando o agente a não compreender a sua conduta delitiva. Neste sentido Fernando Capez (2006) comenta que o erro essencial “tem como característica impedir o agente de compreender o caráter criminoso do fato ou de conhecer a circunstância”. Exemplo clássico doutrinário é a conduta do advogado que por engano pega o guarda-chuva do colega. O erro do advogado configura erro de tipo na forma do erro essencial, haja vista, tivesseele percebido o erro não teria cometido o crime de furto previsto no artigo 155 do Código Penal. O erro de tipo essencial pode ser vencível ou invencível: a) Erro de tipo essencial vencível ou inescusável: O agente poderia ter evitado o resultado ser fosse mais prudente (evitável). O erro de tipo essencial vencível exclui o dolo, mas não a culpa. Neste caso o agente responderá pela modalidade culposa se houver previsão legal. Caso não haja previsão legal na modalidade culposa para o tipo a consequência será a exclusão do crime por ausência do tipo legal. A conduta do agente que subtrai coisa não sabendo que era alheia exclui o dolo, como todo erro de tipo. Responderia por furto culposo, porém como o Código Penal não prevê a modalidade culposa para o tipo legal de crime de furto não há que se cogitar em crime. Existem tipos legais que admitem a AN02FREV001/REV 4.0 99 modalidade culposa, é o caso do crime de homicídio culposo previsto no artigo 121 § 3º do Código Penal. b) Erro de tipo essencial invencível ou escusável: O agente não tinha condições de evitar o resultado mesmo se fosse mais prudente (inevitável). O erro de tipo essencial invencível ou escusável exclui o dolo (o dolo é sempre excluído no erro de tipo) e a culpa. A conduta do agente é excluída pela ausência simultânea do dolo e da culpa e, consequentemente, sem elas não há fato típico. Caçador dispara sua garrucha naquilo que imagina ser um cervo, mas na verdade trata-se de uma pessoa que estava vestida com pele de um animal campestre. Analisando a conduta do caçador ela seria atípica, pois ele não poderia evitar o erro. Neste caso, por erro de tipo essencial invencível, o caçador praticou um fato atípico, pois não houve dolo e culpa em sua conduta. No caso do erro essencial que recai sobre circunstâncias (genéricos, agravantes) desconhecidas. Neste caso, tais circunstâncias serão excluídas, ou seja, não incidirão no cômputo da pena. Exemplo: agente furtar relógio de lata pensando ser de ouro. Ele não poderá fazer jus ao privilégio do artigo 155, § 2º do Código Penal: “se o criminoso é primário e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa”. 2. Erro de Tipo Acidental: Segundo Luiz Regis Prado (2009), o erro de tipo acidental atinge aspectos ou dados secundários do delito, sendo irrelevante para os efeitos da figura típica. Na oportuna síntese de Mirabete: Se for acidental, recaindo sobre circunstâncias acessórias da pessoa ou coisas estranhas ao tipo, o ilícito permanece íntegro. Assim é o erro relativo à pessoa, e por isso não se consideram na apreciação do fato concreto as condições e qualidades da vítima real e sim as daquelas que o agente pretendia agir, fazendo-se incluir ou excluir agravantes, atenuantes, causas de aumento e causas de diminuição de penas. (MIRABETE, 1999) No erro de tipo acidental não há erro na apreciação do fato. O agente sabe e quer cometer um crime. O erro incide sobre dados acessórios que não constituem o AN02FREV001/REV 4.0 100 tipo legal. No erro acidental não há exclusão do dolo ou da culpa respondendo o agente pelo crime. Exemplo: A, desejando matar B, acerta C por engano. 2.1 Espécies de erro acidental: a) Erro sobre o objeto (erro in objecto): Neste tipo de erro acidental o agente se engana sobre o objeto (coisa), ou seja, o agente que praticar uma conduta contra objeto material A (coisa), mas por erro acaba atingindo o objeto material B (coisa). Não existe artigo no Código Penal prevendo a figura do erro acidental sobre o objeto. A consequência jurídica da conduta do agente que atua por erro de tipo acidental sobre o objeto: não há exclusão do dolo nem da culpa e não há isenção de pena. Exemplo: agente quer furtar açúcar e subtrai farinha. Não confundir erro de tipo acidental sobre o objeto com o erro de tipo essencial. Neste o erro atua sobre as elementares e circunstâncias do crime enquanto naquele o erro atua sobre o objeto material de um crime. b) Erro sobre a Pessoa (erro in persona): O art. 20, § 3° do Código Penal prevê o erro sobre a pessoa da vítima: o erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima atingida, senão a da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime. Diferentemente do erro sobre o objeto o erro sobre a pessoa possui previsão legal. No erro de tipo acidental sobre a pessoa o agente quer atingir a pessoa X, mas por engano atinge pessoa Y (o agente confunde a vítima real/Y a com a pretendida/X). Neste tipo de erro o agente não tem o dolo excluído nem a culpa, e não é isento de pena. Sua responsabilidade penal será tipificada como se tivesse atingido a vítima pretendida e não a vítima real (efetiva), ou seja, para a aplicação da pena leva-se em consideração a qualidade da pessoa que o agente desejava atingir, e não da vítima real. Exemplo: certo assassino de aluguel recebe volumosa quantia em dinheiro para matar certo empresário. No dia marcado para a execução o assassino avista a vítima e efetua um disparo fatal, mas na verdade confundiu a vítima com um AN02FREV001/REV 4.0 101 transeunte. Neste exemplo o assassino de aluguel responderá pelo crime de homicídio doloso qualificado, previsto no artigo 121, § 2º, I do Código Penal (mediante paga ou promessa de recompensa). c) Erro na execução do crime (aberratio ictus): Damásio de Jesus assim compreende o erro na execução do crime: Essa espécie de erro de tipo acidental é também conhecida como desvio no golpe, uma vez que ocorre um verdadeiro erro na execução do crime. O agente não se confunde quanto à pessoa que pretende atingir, mas realiza o crime de forma desastrada, errando o alvo e atingindo vítima diversa. O erro na execução do crime pode dar-se de diversas maneiras: “por acidente ou erro no uso dos meios de execução, como p. ex., erro de pontaria, desvio da trajetória do projétil por alguém haver esbarrado no braço do agente no instante do disparo, movimento da vítima no momento do tiro, desvio de golpe de faca pela vítima, defeito da arma de fogo, etc”. (JESUS, 2000) No erro na execução do crime o agente não se confunde quanto à vítima como ocorre no erro sobre a pessoa. O que o agente erra é o alvo (execução) ao atingir outra pessoa. O erro na execução apresenta previsão legal prevista no artigo 73 do Código Penal: “Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no parágrafo 3º do artigo 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código”. O artigo 73 do Código Penal conduz à interpretação de que existem duas espécies de erro na execução: 1ª) Aberratio ictus com unidade simples: O agente não atinge a pessoa pretendida, vindo a acertar outra pessoa. Note-se que somente uma pessoa é atingida, por isso a doutrina classificou o erro como aberratio ictus com unidades simples. A sua previsão legal está prescrita no artigo 73, primeira parte, e artigo 20, § 3º, do Código Penal. Neste caso aplica-se a regra do erro sobre a pessoa, em que o agente responde como se estivesse praticado o crime contra a pessoa visada, ou seja, consideram-se as condições da vítima pretendida. Exemplo: certo assassino AN02FREV001/REV 4.0 102 de aluguel recebe volumosa quantia em dinheiro para matar certo empresário. No dia marcado para a execução o assassino avista a vítima e efetua um disparo fatal, mas no momento do disparo espirrou e sua mira não foi precisa, vindo a atingir um transeunte.Neste exemplo o assassino de aluguel responderá da mesma forma que no erro sobre a pessoa, pelo crime de homicídio doloso qualificado, previsto no artigo 121, § 2º, I do Código Penal (mediante paga ou promessa de recompensa). 2ª) Aberratio ictus com unidade complexa: O agente atinge a vítima pretendida e outra pessoa (vítima real). Note-se que mais de uma pessoa é atingida, por isso a doutrina classificou o erro como aberratio ictus com unidade complexa. A sua previsão legal está prescrita no artigo 73, segunda parte, e artigo 70 do Código Penal. Neste caso aplica-se a regra do concurso formal. Aqui se faz necessário entender o concurso formal ou concurso ideal de crimes. O agente com uma só conduta (ação ou omissão) pratica dois ou mais crimes idênticos (homogêneos) ou não (heterogêneos). Por hora é necessário apenas entender que no concurso formal homogêneo os crimes são idênticos, enquanto no concurso formal heterogêneo os crimes são distintos (em momento posterior haverá uma discussão mais acentuada do assunto). Mirabete, a propósito da aberratio ictus, com unidade complexa entende: Se também for atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, pela unidade aberratio ictus com unidade complexa, aplica-se a regra do art. 70, ou seja, do concurso formal, com emprego da pena do crime consumado ou tentado, aumentada de um sexto até a metade. (MIRABETE, 1999) O que se nota na aberratio ictus com unidade complexa é que o agente almejou somente um resultado, porém produziu dois: o almejado e outro não querido. Para facilitar o entendimento aproveitarei o exemplo do assassino de aluguel com algumas adaptações. Certo assassino de aluguel recebe volumosa quantia em dinheiro para matar determinado empresário. No dia marcado para a execução o assassino, armado de uma pistola, avista a vítima e efetua diversos disparos em sua direção, matando-a e atingindo também outro transeunte. Neste AN02FREV001/REV 4.0 103 exemplo o assassino de aluguel responderá pelo resultado duplo (um almejado e outro não desejado). Aplica-se ao agente (assassino de aluguel) a regra do concurso formal exasperando a pena. Caso tanto a vítima pretendida como a não querida venham a falecer o assassino responderá pela regra do concurso formal homogêneo (crimes idênticos), a pena a ser aplicada será a de um dos homicídios, aumentada de um sexto até a metade. Caso a vítima pretendida morra e a vítima não desejada sofra lesões, o assassino responderá pela regra do concurso formal heterogêneo (crimes distintos), a pena a ser aplicada será a do crime mais grave (homicídio), aumentada de um sexto até a metade. O quantum do aumento depende da quantidade de vítimas atingidas pelo erro. d) Resultado diverso do Pretendido (aberratio criminis ou aberratio delicti): Aqui o erro na execução não é sobre a pessoa atingida e, sim, sobre outro crime. O agente deseja atingir um bem jurídico, mas atinge outro de natureza distinta. O resultado diverso do pretendido apresenta previsão legal prescrita no artigo 74 do Código Penal: “Fora dos casos do artigo anterior, quando, por acidente ou erro na execução do crime, sobrevém resultado diverso do pretendido, o agente responde por culpa, se o fato é previsto como crime culposo; se ocorre também o resultado pretendido, aplica-se a regra do art. 70 deste Código”. O artigo 74 do Código Penal conduz à interpretação de que existem duas espécies de aberratio criminis: 1. Aberratio criminis com unidade Simples: O agente só atinge bem jurídico diverso, não alcançando o bem jurídico pretendido. Nos termos do artigo 74, primeira parte do Código Penal, o agente somente responde pelo resultado produzido a título de culpa, observando a existência legal de tal previsão. Hipóteses de aberratio criminis com unidade simples: 1ª Hipótese: O agente pretende atingir um objeto, mas atinge bem jurídico diverso. Neste caso uma pessoa. De acordo com o Código Penal o agente responderá pelo resultado produzido a título de culpa (homicídio culposo ou lesão AN02FREV001/REV 4.0 104 corporal culposa). Exemplo: o agente joga uma pedra na janela de seu vizinho, porém acerta um transeunte provocando lesões. 2ª Hipótese: O agente pretende ofender uma pessoa, mas atinge bem jurídico diverso. Neste caso uma coisa. Como não há previsão legal para o dano culposo, o agente responderá penalmente por tentativa de homicídio ou tentativa de lesão corporal. O Professor Fernando Capez (2006) entende que se o agente pretende atirar e matar seu desafeto, mas acerta uma vidraça, a conduta é atípica, pois não há previsão legal para o dano culposo, e este não tem forças para absorver a tentativa branca. Conclusão: No caso de aberratio criminis com unidade simples o agente responde somente pelo resultado produzido, no caso de culpa se houver previsão legal. 2. Aberratio criminis com unidade complexa: O agente atinge além do bem jurídico pretendido o bem jurídico diverso. No exemplo acima seria o caso do agente que quebra a vidraça e atinge a pessoa ou vice-versa. Nos termos do artigo 74, segunda parte, do Código Penal o agente responderá pela regra do concurso formal. Hipóteses de aberratio criminis com unidade complexa: 1ª Hipótese: O agente pretende agredir seu vizinho, mas atinge ele e um objeto. O agente não responderá pelo resultado produzido a título de dano culposo no objeto, uma vez que não há previsão legal para este crime. Em relação ao vizinho atingido o agente responderá no caso por lesões corporais dolosas. 2ª Hipótese: O agente pretende atingir uma coisa, mas acaba atingindo a coisa e uma pessoa. Existem dois delitos: o crime de dano doloso (art. 163, CP) e homicídio culposo ou lesão corporal culposo (depende do resultado). Neste caso aplica-se ao agente a regra do concurso formal, a pena será a do crime mais grave, com o acréscimo de um sexto até a metade. Conclusão: No caso de aberratio criminis com unidade complexa o agente responde pela regra do concurso formal prevista no artigo 70 do Código Penal. A AN02FREV001/REV 4.0 105 pena aplicada será a do crime mais grave aumentada de um sexto à metade, variando de acordo com o número de resultados diferentes produzidos. e) erro sucessivo ou dolo geral (aberratio causae): Tipo de erro que ocorre quando o agente alcança o resultado pretendido, porém com uma conduta distinta da prevista. Exemplo: o agente quer matar a vítima por afogamento e para tanto joga a mesma da ponte, porém, tal pessoa bate a cabeça em um poste da ponte e morre por traumatismo craniano. A consequência jurídica da conduta do agente que por erro sucessivo pratica determinado crime é irrelevante, pois não exclui o dolo, o fato é típico. No exemplo citado o agente responderá por homicídio doloso. FIM DO MÓDULO IV
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