Buscar

A_Realidade_do_Sistema

Prévia do material em texto

11 
 
A Realidade do Sistema Penitenciário Brasileiro Frente Aos Direitos Humanos 
Autores 
Lígia Aparecida Alves Pimenta 
Diogo Henrique da Silva Paiva 
Resumo 
O presente trabalho objetiva a análise do Sistema Prisional Brasileiro frente aos Direitos Humanos, 
ressaltando o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, estabelecido no artigo 1º, inciso III da 
Constituição Federal. Para tal, através do método hipotético dedutivo, analisaremos na história o 
surgimento do direito que os Estados possuem de punir seus indivíduos infratores, tomando por base 
as ideias de Jean Jacques Rousseau e de Cesare Beccaria, além de verificar a evolução das penas 
impostas àqueles que infringem as leis, nos atendo à prática do suplício do corpo do condenado, as 
exibições públicas até a aplicação massiva da pena de prisão. Neste contexto, passamos à análise dos 
direitos humanos, ressaltando o princípio da dignidade da pessoa humana inserindo-os no contexto 
carcerário brasileiro, analisados na conjuntura atual. Trazendo à discussão, deste modo, a análise da 
legislação do país assim como a ratificação de tratados internacionais de proteção aos direitos 
humanos comparando a lei e a realidade prisional, partindo para a verificação da possibilidade de 
imposição de penas alternativas aos indivíduos condenados em uma busca pela humanização das 
penas impostas aos indivíduos infratores. 
 
Palavras-chave: sistema penitenciário, ressocialização, reeducação, direitos humanos, dignidade 
humana. 
 
12 
 
INTRODUÇÃO 
O sistema prisional brasileiro enfrenta atualmente grandes dificuldades, principalmente 
referentes ao alcance de seu objetivo ressocializador para devolver á sociedade um indivíduo 
regenerado. 
Tal dificuldade deve-se ao caos encontrado na maioria dos estabelecimentos prisionais no 
Brasil de um modo geral, que apresentam casos de superlotação, violência, falta de higiene, falta de 
atendimento médico, e vários outras situações vivenciadas pelos encarcerados no país. 
Surgiram, para tanto algumas outras formas de penas para tentar evitar mandar um número 
cada vez maior de pessoas para a prisão, como multa, prestação pecuniária, perda de bens e valores, 
tudo isso em uma tentativa de minimizar os efeitos negativos que as prisões têm causado à sociedade. 
Neste sentido, iniciamos o estudo analisando a origem das sociedades para encontramos a 
origem do direito de punir. A partir de então, passamos ao estudo dos meios punitivos, desde a 
utilização do suplício e da tortura como modo de punir o indivíduo infrator e coibir novos delitos 
através da exposição das penas ao público até chegarmos á utilização massiva da prisão como meio de 
punição às práticas delitivas. 
No desenrolar do estudo será analisado, também, os direitos humanos e o princípio da 
dignidade da pessoa humana inseridos no atual contexto carcerário brasileiro para que este seja por fim 
estudado como uma instituição em crise. 
E, finalmente, no terceiro e último capítulo, fechando o trabalho, analisaremos como a 
legislação brasileira porta-se frente ao sistema carcerário, ressaltando os Tratados de Direitos humanos 
ratificados pelo Brasil e as mudanças na lei penal em uma tentativa de substituição da pena de prisão 
por outras que impeçam o aumento da população carcerária no Brasil. 
13 
 
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PUNIÇÃO DE INDIVÍDUOS INFRATORES 
 
Neste capítulo nos direcionaremos a analisar o surgimento das penas como forma de punição. 
Para tal, analisaremos preliminarmente a liberdade original e a posterior união dos homens em 
sociedade, conforme ressaltado por Jean Jacques Rousseau em seu livro O Contrato Social, 
encontrando neste ponto uma base histórica do direito que o Estado possui de punir indivíduos 
infratores por meio das leis impostas. 
Analisaremos também a evolução histórica de tais punições, desde o uso da tortura como 
modo de repreensão e prevenção de novas práticas delitivas, a exibição do suplício e do corpo do 
condenado até a utilização massiva da prisão como forma de pena. 
 
 
1.1 A Origem da Punição e Surgimento das Primeiras Leis Penais 
 
Para encontrar a origem das penas infligidas aos indivíduos infratores, deve-se, primeiramente, 
ser levado em consideração o surgimento das primeiras formas de comunidade.Neste contexto, 
importa salientar que o homem, vivia, a princípio, de uma forma independente, isolado dos demais, 
sendo que as crianças permaneciam vinculadas a seus pais apenas o tempo necessário para sua 
formação e uma vez cessada essa necessidade, retornavam a sua liberdade.1 
Porém, ao notar-se desprotegido e vulnerável, cercado de iguais que também buscavam 
proteção devido às incertezas de uma vida sem regras, o homem viu-se obrigado a reunir-se em 
comunidade, sacrificando parte de sua liberdade para que tivesse garantida sua segurança. Neste 
sentido leciona Rousseau: 
Eu imagino os homens chegados ao ponto em que os obstáculos, prejudiciais 
à sua conservação no estado natural, os arrastam, por sua resistência, sobre 
as forças que podem ser empregadas por cada indivíduo a fim de se manter 
em tal estado. Então este estado primitivo não mais tem condições de 
subsistir, e o gênero humano pereceria se não mudasse sua maneira de ser.2 
Com a soma de todas estas parcelas de liberdade, surgiu a ideia de nação, a qual deveria 
garantir a seus membros uma vida segura e sem temores, na qual o fiel depositário dessa liberdade 
seria aquele que governaria todo o povo. Para tal, surgiram as leis como garantia da manutenção desse 
poder. De acordo com Cesare Beccaria“As leis foram as condições que reuniram os homens, a 
princípio independentes e isolados sobre a superfície da Terra”, porém ao desenvolver seu pensamento 
diz o autor que “não bastava, porém, ter formado esse depósito, era preciso protegê-lo, contra as 
usurpações de cada particular”.3 
Neste sentido, foram criadas as penas que seriam impostas contra todo aquele que infringisse 
as leis e tendesse a violar a segurança e a liberdade depositadas nas mãos do soberano, ou seja, o 
acordo realizado entre os homens justificava a existência da pena, a qual seria imposta a todo aquele 
que violasse o pacto, e como afirma Beccaria “eram necessários meios sensíveis e bastante poderosos 
 
1ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Versão para eBook. Disponível em: 
http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/contratosocial.pdf. Acesso em: 25/04/2017. p.11. 
2ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Versão para eBook. Disponível em: 
http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/contratosocial.pdf. Acesso em: 25/04/2017. p. 23 
3BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Versão para eBook. Disponível em: 
<http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/delitosB.pdf> Acesso em: 22/05/2017. p. 26. 
14 
 
para comprimir esse espírito despótico, que logo tornou a mergulhar a sociedade no seu antigo caos. 
Esses meios foram as penas estabelecidas contra os infratores das leis”.4 
Temos assim que o autor defende que a base do direito de punir está nas pequenas porções de 
liberdade cedidas por cada indivíduo, sendo que todo ato que se afaste dessa concepção será injusto, 
abusivo e uma forma de usurpação. Sendo que “as penas que ultrapassam a necessidade de conservar o 
depósito da salvação pública são injustas por natureza; e tanto mais justas serão quanto mais sagrada e 
inviolável for a segurança e maior a liberdade que o soberano conservar aos súditos”.5 
Desta forma, somente podem ser impostas ao indivíduo infrator penas que estejam instituídas 
em lei pelo legislador, o qual representa a sociedade unida em um contrato social. Sendo assim, não 
poderá o magistrado imputar a determinado cidadão uma pena que seja mais ou menos rígida daquilo 
que a lei estabelece, sob a constatação de estar cometendo uma injustiça. Deverá, por conseguinte, 
estabelecer apenas, se, de acordo com a lei o delito existiu ou não,tendo em vista que de um lado está 
o soberano afirmando o rompimento do contrato social por meio do delito e do outro o acusado que 
nega tal imputação. 6 
Complementando seu pensamento o autor discorre sobre a fixação das penas: 
Com leis penais executadas à letra, cada cidadão pode calcular exatamente 
os inconvenientes de uma ação reprovável; e isso é útil, porque tal 
conhecimento poderá desviá-lo do crime. Gozará com segurança de sua 
liberdade e dos seus bens; e isso é justo, porque é esse o fim da reunião dos 
homens em sociedade. 
É verdade, também, que os cidadãos adquirirão assim um certo espírito de 
independência e serão menos escravos dos que ousaram dar o nome sagrado 
de virtude à covardia, às fraquezas e às complacências cegas; estarão, porém, 
menos submetidos às leis e à autoridade dos magistrados.7 
 
Vê-se, então, a necessidade de leis fixas que sejam de conhecimento da população, a qual 
poderia pautar suas atitudes de acordo com a letra da lei para que não cometessem infrações. 
Salienta também Beccaria a importância não apenas da criação de leis para coibir a prática de 
delitos que rompessem com o contrato estabelecido entre os cidadãos, era necessário, antes de 
tudo, a familiarização do povo com suas leis: 
Enquanto o texto das leis não for um livro familiar, uma espécie de 
catecismo, enquanto forem escritas numa língua morta e ignorada do povo, e 
enquanto forem solenemente conservadas como misteriosos oráculos, o 
cidadão, que não puder julgar por si mesmo as conseqüências que devem ter 
os seus próprios atos sobre a sua liberdade e sobre os seus bens, ficará na 
dependência de um pequeno número de homens depositários e intérpretes 
das leis. 
Colocai o texto sagrado das leis nas mãos do povo, e, quanto mais homens 
houver que o lerem, tanto menos delitos haverá; pois não se pode duvidar 
que no espírito daquele que medita um crime, o conhecimento e a certeza 
das penas ponham freio à eloqüência das paixões.8 
 
4 Ibidem, p.27. 
5 Ibidem, p. 28. 
6BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Versão para eBook. Disponível em: 
<http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/delitosB.pdf> Acesso em: 22/05/2017. p.30 
7 Ibidem, p. 34-5 
8 Ibidem, p.36 
15 
 
Havia a necessidade de que aqueles que cederam parte de sua liberdade, fossem informados da 
letra da lei, para que dessa forma evitassem a prática de delitos e tivessem controle de seus atos e sua 
liberdade, evitando as punições corporais que se desenvolviam e tomavam por base o sacrifício do 
corpo humano como forma de restituição da ordem que havia sido quebrada pelo delito cometido. 
 
 
1.2 O suplício como prática de correção e prevenção 
 
Até o final do século XVIII, na Europa, as penas físicas constituíam uma parte considerável 
das formas de punição dos indivíduos infratores. Porém, ao contrário do que se imagina, não eram as 
mais recorrentes, a maior parte delas era, na verdade, o banimento e a multa, contudo, estas penas não 
corporais recebiam acessoriamente outras penas consideradas como suplício “Exposição, roda, coleira 
de ferro, açoite, marcação com ferrete […] Qualquer pena um pouco séria devia incluir alguma coisa 
de suplício”9 
Mas o que era de fato o suplício? 
O suplício é uma técnica e não deve ser equiparado aos extremos de uma 
raiva sem lei. Uma pena, para ser um suplício deve obedecer a três critérios 
principais: em primeiro lugar, produzir uma certa quantidade de sofrimento 
que se possa, se não medir exatamente, ao menos apreciar, comparar e 
hierarquizar; a morte é um suplício na medida em que ela não é 
simplesmente privação do direito de viver, mas a ocasião e o termo final de 
uma graduação calculada de sofrimentos: desde a decapitação – que reduz 
todos os sofrimentos a um só gesto e num só instante: o grau zero do suplício 
– até o esquartejamento que os leva quase ao infinito, por meio do 
enforcamento, da fogueira e da roda, na qual se agoniza muito tempo […] O 
suplício faz correlacionar o tipo de ferimento físico, a qualidade, a 
intensidade, o tempo dos sofrimentos com a gravidade do crime, a pessoa do 
criminoso,o nível social de suas vítimas. 10 
A pena supliciante não era, contudo, aplicada ao infrator sem antes ser estuda, medida e 
calculada. Era primeiramente analisado o tempo da dor, o tipo de mutilação a ser imposto, o número 
de açoites, o local que seria aplicado o ferrete em brasa, constituindo um verdadeiro ritual organizado 
para imposição da força da justiça que pune.11 
A vítima destas punições deveria carregar consigo para todo o sempre a marca da vergonha de 
ter cometido um crime. Deveria haver a ostentação de uma marca, uma cicatriz deixada no corpo do 
condenado para que ele fosse a memória viva da roda, do açoite, da decapitação, da mutilação, do 
enforcamento que aguardava a cada um daquele que pretendesse em algum momento infringir a lei. 
Havia a necessidade também, do prolongamento da pena mesmo após a morte, deixando gravado o 
horror do suplício na memória de todos, por isso os corpos poderiam ser expostos à beira das estradas, 
queimados em fogueiras nas praças e terem suas cinzas jogas ao vento, tudo isso para reafirmar o 
poder do Estado que pune e a certeza da incidência de uma punição ao infrator.12 
 
9FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. 31. ed. Trad. Raquel Ramalhete. 
Petrópolis: Vozes, 2014. p. 36. 
10 Ibidem, p. 36-7. 
11 Ibidem, p.37. 
12FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. 31. ed. Trad. Raquel Ramalhete. 
Petrópolis: Vozes, 2014. p. 37-8. 
16 
 
Beccaria horrorizava-se com tais punições ao dizer: 
Como pode um corpo político, que, longe de se entregar às paixões, deve 
ocupar-se exclusivamente com pôr freio nos particulares, exercer crueldades 
inúteis e empregar o instrumento do furor, do fanatismo e da covardia dos 
tiranos? Poderão os gritos de um infeliz nos tormentos retirar do seio do 
passado, que não volta mais, uma ação já cometida? Não. Os castigos têm 
por fim único impedir o culpado de ser nocivo futuramente à sociedade e 
desviar seus concidadãos da senda do crime. 13 
O referido autor ressalta também a correlação entre a aplicação cruel das penas e os crimes 
cometidos, uma vez que “Os países e os séculos em que os suplícios mais atrozes foram postos em 
prática, são também aqueles em que se viram os crimes mais horríveis. O mesmo espírito de 
ferocidade que ditava leis de sangue ao legislador, punha o punhal nas mãos do assassino e do 
parricida.” 14 
Propunha, para tanto, para as punições uma outra perspectiva: 
Para que o castigo produza o efeito que dele se deve esperar, basta que o mal 
que causa ultrapasse o bem que o culpado retirou do crime. Devem contar-se 
ainda como parte do castigo os terrores que precedem a execução e a perda 
das vantagens que o crime devia produzir. Toda severidade que ultrapasse os 
limites se torna supérflua e, por conseguinte, tirânica.15 
Porém, à época, acreditava-se que a tortura era meio de restituição da soberania lesada, pois o 
crime era visto como uma afronta ao poder do soberano, por isso a pena apresentava um caráter 
jurídico-político, e nela deveria haver a demonstração da força física do soberano que se abateria sobre 
o condenado, marcando seu corpo e agindo na sociedade com a política do medo, pois todo o povo 
deveria assistir atemorizado as consequências da insubordinação à lei. Presenciariam o desfile dos 
condenados, as declarações de arrependimento, ouviriam atentos a leitura pública da sentença além 
dos castigos corporais aplicados.16 
Todas essas razões - quer sejam de precaução numa determinada conjuntura, 
ou de função no desenrolar de um ritual – fazem da execução pública mais 
uma manifestação de força do que uma obra de justiça; ou antes, a justiça 
como força física, material e temível do soberano que é exibida. Acerimônia 
do suplício coloca em plena luz a relação de força que dá poder à lei.17 
Bruneau descreve, em uma obra sua,a morte de um cidadão de nome La Massola ocorrido em 
Avignon, na França, o qual após morrer por um golpe de seu executor com uma barra de ferro na 
têmpora, tem seu pescoço cortado com uma faca, seus nervos são cortados até os calcanhares, e após, 
seus órgãos são arrancados e pendurados em um gancho de ferro, tudo isso à vista da população.18 
Vê-se que a soberania deveria ser restituída as vistas do povo, pois as pessoas deveriam não 
apenas ter o conhecimento da pena, elas deveriam ver o horror com seus próprios olhos. “Ele [povo] é 
chamado como espectador: é convocado para assistir às exposições, às confissões públicas; os 
 
13BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Versão para eBook. Disponível em: 
<http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/delitosB.pdf> Acesso em: 22/05/2017. p.85 
14 Ibidem, p. 86-7. 
15 Ibidem, p. 87. 
16 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. 31. ed. Trad. Raquel Ramalhete. 
Petrópolis: Vozes, 2014, p.50-1. 
17FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. 31. ed. Trad. Raquel Ramalhete. 
Petrópolis: Vozes, 2014. p. 52. 
18 BRUNEAU, A. apud FOUCAULT, Michel, 2014, p. 52. 
17 
 
pelourinhos, as forcas e os cadafalsos são erguidos nas praças públicas ou á beira dos caminhos […] 
porque é necessário que tenham medo”. 19 
A presença da população, contudo, permitiu que ela se revoltasse contra o carrasco ou contra o 
magistrado quando consideravam uma pena injusta.Havia gritos em favor dos condenados, aplausos, 
demonstrando solidariedade para com eles, como uma forma de recusar o poder que pune e a violência 
legalizada que não tinha proporções. Isso se deve ao fato de que o povo se sentia próximo daquele 
infeliz supliciado, pois a pena poderia variar também de acordo com a classe social do condenado, 
fazendo sofrer ainda mais as camadas mais baixas da sociedade.20 
O condenado era obrigado a dizer suas últimas palavras, sendo que ele deveria reconhecer sua 
culpa publicamente, pedir desculpas, alegar que a condenação era justa. Um discurso, na maioria das 
vezes, imposto. A sua história passava partir de então, a ser contada em folhetins, discursos populares, 
para que ficasse atestado a toda a população a probidade da pena aplicada. Algo, porém, não havia 
sido previsto: a glorificação do infrator, seja pelo fato de sua morte dolorosa, de seu arrependimento 
público, ou pelo fato de ser um popular, que ao ter sua história contada passa a ser herói do povo.21 
Neste sentido, “[…] a proclamação póstuma dos crimes justificava a justiça, mas também 
glorificava o criminoso”.22 
Para Benjamin Rush havia a esperança de que todo o suplício, um dia, fosse lembrado em um 
passado distante como uma marca vergonhosa na história: 
Só posso esperar que não esteja longe o tempo em que as forças, o 
pelourinho, o patíbulo, o chicote, a roda, serão considerados, na história dos 
suplícios, como as marcas da barbárie dos séculos e dos países e como as 
provas da fraca influência da razão e da religião sobre o espírito humano.23 
Desta forma, fazia-se necessário uma justiça que visasse à punição das infrações e não mais 
uma mera vingança do soberano. 
 
 
1.3 Fim do suplício do corpo e início das primeiras formas de processo penal 
 
No final do século XVIII e início do XIX, a punição por meio da tortura vai desaparecendo na 
Europa, tendo início a busca pela prática corretiva por meio da reeducação, isto é o que destaca Michel 
Foucault na qual relata a evolução das penas ao longo da história ressaltando as mudanças ocorridas: 
 
19FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. 31. ed. Trad. Raquel Ramalhete. 
Petrópolis: Vozes, 2014. p. 58. 
20 Ibidem, p.62-3 
21 Ibidem, p.66-9 
22FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. 31. ed. Trad. Raquel Ramalhete. 
Petrópolis: Vozes, 2014. p. 68. 
23 RUSH, B. apud FOUCAULT, Michel, 2014, p. 15. 
18 
 
[…] em algumas dezenas de anos, desapareceu o corpo suplicado, 
esquartejado, amputado, marcado simbolicamente no rosto ou no ombro, 
exposto vivo ou morto, dado como espetáculo. Desapareceu o corpo como 
alvo principal da repressão penal. No fim do século XVIII e começo do XIX, 
a despeito de algumas grandes fogueiras, a melancólica festa de punição vai-
se extinguindo.24 
A punição aos poucos ia se tornando algo abstrato, ficando gravado na subconsciência dos 
indivíduos, sumindo as visões diárias e bárbaras, pois a eficácia de tais punições deveria estar ligada à 
certeza de sua incidência e não mais ao horror das cenas fatídicas assistidas diariamente pela 
população.25 
Deste modo constata-se que “o desaparecimento dos suplícios, é, pois, o espetáculo que se 
elimina; mas é também o domínio sobre o corpo que se extingue”.26 
Pode ser percebido que, a partir de então, a punição deixa de visar unicamente o corpo do 
condenado: 
O castigo passou de uma arte de sensações insuportáveis a uma economia de 
direitos suspensos. Se a justiça ainda tiver que manipular e tocar o corpo dos 
justiçáveis, tal se fará à distância, propriamente, segundo regras rígidas e 
visando a um objetivo bem mais “elevado”. Por efeito dessa nova retenção, 
um exército inteiro de técnicos veio substituir o carrasco, anatomista 
imediato do sofrimento: os guardas, os médicos, os capelães, os psiquiatras, 
os psicólogos, os educadores; por sua simples presença ao lado do 
condenado eles cantam à justiça o louvor que ela precisa: eles lhes garantem 
que o corpo e a dor não são os objetos últimos de sua ação punitiva. É 
preciso refletir no seguinte: um médico hoje deve cuidar dos condenados à 
morte até ao último instante – justapondo-se destarte como chefe do bem-
estar, como agente de não sofrimento, aos funcionários que, por sua vez, 
estão encarregados de eliminar a vida.27 
Houve, portanto, um desvio do objeto da pretensão punitiva, não mais o corpo deveria sofrer 
as consequências do delito, o alvo passa a ser a alma do condenado. Segundo Foucault “À expiação 
que tripudia sobre o corpo deve suceder um castigo que atue, profundamente, sobre o coração, o 
intelecto, a vontade, as disposições.”28 
Outra grande mudança aplicada foi o desaparecimento do espetáculo do suplício. O condenado 
não deveria ser visto, não haveria mais as festas da tortura pública. A execução se passaria agora em 
segredo e todo deslocamento seja para a morte, seja para o trabalho forçado, seria feito em uma 
carruagem fechada.29 
Deste modo, as execuções bárbaras, como enforcamento, decapitação e tantas outras formas de 
suplício vão dando lugar às penas de prisão e de trabalho forçado, que aos poucos apareciam no 
cenário europeu. Sobre isso discorre Beccaria: 
 
24FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. 31. ed. Trad. Raquel Ramalhete. 
Petrópolis: Vozes, 2014. p. 13 
25 Ibidem, p. 14 
26 Ibidem, p.15 
27FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. 31. ed. Trad. Raquel Ramalhete. 
Petrópolis: Vozes, 2014. p. 16 
28 Ibidem, p. 21 
29 Ibidem, p. 19 
19 
 
O espetáculo atroz, mas momentâneo, da morte de um celerado é para o 
crime um freio menos poderoso do que o longo e contínuo exemplo de um 
homem privado de sua liberdade, tornado até certo ponto uma besta carga e 
que repara com trabalhos penosos o dano que causou à sociedade […] essa 
ideia terrível assombraria mais fortemente os espíritos do que o medo da 
morte, que se vê apenas um instante numa obscura distância que lhe 
enfraquece o horror.30 
E ainda que, 
[…] O legislador deve, por conseguinte, pôr limites ao rigor das penas, 
quando o suplício não se torna mais do que um espetáculo e parece ordenado 
mais para ocupar a força do que para punir o crime.31 
Sendo assim, o corpo deixade ser o local no qual recai a fúria e o poder do soberano, 
passando a ser objeto do poder público em favor da coletividade. 
Fazia-se necessário, neste contexto de mudanças estabelecer, primeiramente, o que era uma 
prática delitiva, havia a necessidade de punir os indivíduos infratores com segurança, definindo a pena 
a ser imposta e assegurando sua aplicação de fato, uma vez que a transformação da própria sociedade 
européia exigia uma mudança imediata.32 
Nota-se, desta forma, que os objetivos da punição começam a ser alterados, o alvo não é mais 
o suplício do condenado e sim a sua recuperação pela mudança de seu comportamento. E mais do que 
isso, era necessária uma delimitação do poder de punir controlando, contudo, as delinqüências da 
sociedade, deste modo pode-se dizer que “Em suma, a reforma penal, nasceu do ponto de junção entre 
a luta contra o super poder do soberano e a luta contra o infra poder das ilegalidades conquistadas e 
toleradas”33 
Inicia-se, a partir de então, a mudança em relação ao processo de identificação do delito e o 
procedimento de investigação e julgamento que levará a condenação ou absolvição do suspeito, ou 
seja, começa a se organizar as bases do atual processo penal: 
 
30BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Versão para eBook. Disponível em: 
<http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/delitosB.pdf> Acesso em: 22/05/2017. p. 87 
31BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Versão para eBook. Disponível em: 
<http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/delitosB.pdf> Acesso em: 22/05/2017. p. 94 
32FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. 31. ed. Trad. Raquel Ramalhete. 
Petrópolis: Vozes, 2014. p. 86 
33 Ibidem, p. 87 
20 
 
Sem dúvida, a definição das infrações, sua hierarquia de gravidade, as 
margens de indulgência, o que era tolerado de fato e o que era permitido de 
direito – tudo isso se modificou amplamente nos últimos duzentos anos. 
Muitos crimes perderam tal conotação, uma vez que estavam objetivamente 
ligados a um exercício de autoridade religiosa ou a um tipo de vida 
econômica […]. Mas tais transformações não são, por certo, o mais 
importante: a divisão de permitido e proibido manteve, entre um e outro 
século, certa constância. Em compensação, o objeto “crime”, aquilo a que se 
refere a prática penal, foi profundamente modificado: a qualidade, a 
natureza, a substância, de algum modo, de que se constitui o elemento 
punível, mais do que a própria definição formal. A relativa estabilidade da 
lei obrigou um jogo de substituições sutis e rápidas. Sob o nome de crimes e 
delitos, são sempre julgados corretamente os objetos jurídicos definidos pelo 
código. Porém, julgam-se também as paixões, os instintos, as anomalias, as 
enfermidades, as inadaptações, os efeitos de meio ambiente ou de 
hereditariedade.34 
O trabalho do magistrado também sofreu alterações, pois não mais estaria sozinho durante o 
desenrolar do processo penal ou na fase da execução da pena. Ele passa a ter colaboradores, como os 
educadores, peritos, psiquiatras, profissionais que poderiam esclarecer dúvidas, como por exemplo, a 
periculosidade do indivíduo, a possibilidade de insanidade mental, o cumprimento da pena em um 
presídio ou em um hospício, auxiliando-o, desta forma, em seu julgamento.35 
Pode-se dizer, portanto, que no contexto das referidas mudanças “O direito de punir se 
deslocou da vingança do soberano à defesa da sociedade”.36 
 
 
1.4 Prisão: o surgimento da instituição corretiva 
 
A prisão desde a antiguidade até o final do século XVIII servia apenas para a guarda e 
contenção dos réus, como um local para deixá-los até o momento em que seriam julgados ou 
executados. Era como um depósito de pessoas que ali ficavam aguardando seu suplício, geralmente em 
condições subumanas.37 
A maioria das nações durante todo este tempo, até mesmo Grécia e Roma, tratavam a prisão 
como um local, em regra, de custódia, e não como pena, servindo apenas como meio de guarda e 
garantia do cumprimento dos castigos impostos.38 
Contudo, a partir do século XIX, ela surge como uma marca das sociedades mais civilizadas, 
na qual a punição é exercida do mesmo modo para todo o povo, tornando a pena algo igualitário. 
“Desde os primeiros anos do século XIX, ter-se-á ainda consciência de sua novidade; e, entretanto ela 
surgiu tão ligada, e em profundidade, com o próprio funcionamento da sociedade, que relegou ao 
esquecimento todas as outras punições que os reformadores do século XVIIIhaviam imaginado” 39 
 
34 Ibidem, p. 22 
35FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. 31. ed. Trad. Raquel Ramalhete. 
Petrópolis: Vozes, 2014. p. 25-6 
36 Ibidem, p. 89 
37BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: Causas e Alternativas. 4. ed. São Paulo: 
Saraiva, 2011. p. 28 
38 Ibidem, p. 29-31 
39FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. 31. ed. Trad. Raquel Ramalhete. 
Petrópolis: Vozes, 2014. p. 224 
21 
 
[…] começou-se a observar que a prisão poderia ser útil instrumento não 
apenas à consecução dos fins gerais da pena a recair sobre os demais 
integrantes da sociedade, de modo a prevenir ou, ao menos, coibir a atuação 
dos predispostos à delinqüência. Viu-se na imposição de uma sanção estatal 
outras funções, entre as quais, a de regeneração e reeducação daqueles que 
se viam às voltas com o sistema carcerário […] 40 
A partir do seu surgimento como pena, a prisão teve como objetivo não somente a punição 
com a privação de liberdade, visava a regeneração dos indivíduos infratores. Sendo que, lá, deveria 
haver uma ação intensa sobre o condenado, seja em sua educação, seja no combate à ociosidade, ou 
em sua disciplina. Para Foucault “ […] sua ação sobre o indivíduo deve ser ininterrupta: disciplina 
incessante. Enfim, ela dá um poder quase total sobre os detentos; tem seus mecanismos internos de 
repressão e de castigo: disciplina despótica”.41 
Apesar da pena de reclusão ser igualitária, restringindo a liberdade dos infratores, ela deveria 
ser individualizada, ou seja, de acordo com o crime cometido seria aplicada determinada pena de 
modo que um condenado em faltas leves não estaria recluso com um condenado por faltas mais 
graves. 42 
Neste sentido, “[…] se dois crimes que atingem desigualmente a sociedade recebem o mesmo 
castigo, o homem inclinado ao crime, não tendo que temer uma pena maior para o crime mais 
monstruoso, decidir-se-á mais facilmente pelo delito que lhe seja mais vantajoso […]”, deste modo a 
prisão deveria ser uma pena igualitária, porém, individualizada.43 
Michel Foucault descreve a pena de prisão da seguinte forma “A prisão, essa região mais 
sombria do aparelho de justiça, é o local onde o poder de punir, que não ousa mais se exercer com o 
rosto descoberto, organiza silenciosamente um campo de objetividade em que o castigo poderá 
funcionar em plena luz como terapêutica e a sentença se inscrever entre os discursos do saber.”44 
Desta forma a prisão como um todo deveria corroborar no seu objetivo de reeducação do 
detento sendo que até mesmo o isolamento dentro da prisão deveria garantir uma reflexão do 
condenado sobre suas próprias atitudes, uma convivência diária com a culpa, “O isolamento assegura 
o encontro do detento a sós com o poder que se exerce sobre ele”45 
Mas qual deveria ser o tempo de permanência do condenado na prisão?Ela deveria ser o 
suficiente para transformar o detento durante sua pena: 
 
40JUNQUEIRA, Ivan de Carvalho. Dos Direitos Humanos do Preso. São Paulo: Lemos & Cruz, 2005. p. 
24. 
41FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. 31. ed. Trad. Raquel Ramalhete. 
Petrópolis: Vozes, 2014. p. 228 
42 Ibidem, p. 225-8 
43BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Versão para eBook. Disponível em: 
<http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/delitosB.pdf>Acesso em: 22/05/2017. p. 123 
44FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. 31. ed. Trad. Raquel Ramalhete. 
Petrópolis: Vozes, 2014. p. 249-250 
45FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. 31. ed. Trad. Raquel Ramalhete. 
Petrópolis: Vozes, 2014. p. 230. 
22 
 
A justa duração da pena deve, portanto, variar não só com o ato e suas 
circunstâncias, mas com a própria pena tal como ela se desenrola 
concretamente. O que equivale a dizer que, se a pena deve ser 
individualizada, não é a partir do indivíduo–infrator, sujeito jurídico de seu 
ato, autor responsável do delito. Mas a partir do indivíduo punido, objeto de 
uma matéria controlada de transformação, o indivíduo em detenção inserido 
no aparelho carcerário, modificado por este ou a ele reagindo.46 
Nota-se, desta forma, que a pena deveria visar a correção do infrator e quando houvesse um 
resultado satisfatório, deveria ser restabelecido o convívio social do condenado já regenerado. 
Outra questão discutida ao tempo da disseminação das prisões no continente europeu, era o 
trabalho do condenado, sendo que a ideia não era a realização de trabalhos forçados para dar exemplos 
à sociedade, como ocorreu com os suplícios, na verdade, a intenção era a de uma combinação, uma 
vez que a pena de prisão viria acompanhada dos trabalhos a serem realizados, fazendo com que o 
prisioneiro fosse o meio e o fim do funcionamento das prisões. O trabalho realizado transformaria o 
condenado violento em um trabalhador dócil, em alguns países como na França havia até mesmo 
remuneração na tentativa de estimulação ao amor pelo trabalho.47 
A utilidade do trabalho na prisão “ […] Não é um lucro; nem mesmo a formação de uma 
habilidade útil; mas a constituição de uma relação de poder, de uma forma econômica vazia, de um 
esquema da submissão individual e de seu ajustamento a um aparelho de produção.” 48 
Surge, deste modo, para garantir maior controle sobre os detentos dentro das prisões, uma 
administração disciplinar, sobre a qual discorre Foucault “É preciso que o prisioneiro possa ser 
mantido sob um olhar permanente; é preciso que sejam registradas e contabilizadas todas as anotações 
que se possa tomar sobre eles”. Sendo assim, a prisão deveria ser um local de vigilância e estudo do 
comportamento do condenado para que a partir da pena imposta, houvesse uma transformação do 
condenado viabilizada pela própria prisão. 49 
Trata-se de qualquer maneira de fazer da prisão um local de constituição de 
um saber que deve servir de princípio regulador para o exercício da prática 
penitenciária. A prisão não tem só que conhecer a decisão dos juízes e 
aplicá-la em função dos regulamentos estabelecidos: ela tem que coletar 
permanentemente do detento um saber que permitirá transformar a medida 
penal em uma operação penitenciária; que fará da pena tornada necessária 
pela infração uma modificação do detento, útil para a sociedade.50 
 
 
1.5 Início da aplicação da pena de prisão no Brasil 
 
No Brasil, no fim do século XVIII e início do século XIX, embora houvesse uma forte 
tendência a copiar as novas formas de punir do continente europeu a escravidão fez tardar tais 
 
46 Ibidem, p. 238. 
47 Ibidem, p. 233-6. 
48 Ibidem, p. 236-7. 
49FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. 31. ed. Trad. Raquel Ramalhete. 
Petrópolis: Vozes, 2014. p. 242 
50 Ibidem, 244. 
23 
 
modificações, sendo que até o final do século XIX, prisão e suplício se misturavam como forma de 
punição. 51 
Pode-se dizer que as pretensas mudanças nas formas de punição do país, começam a ocorrer 
de fato com a construção da Casa de Correção do Rio de Janeiro, “A nova penitenciária deveria ser o 
local destinado ao cumprimento de penas que visam – a princípio – transformar, através do trabalho, o 
criminoso em um cidadão “probo e laborioso”. Deveria também servir de coerção às classes populares 
[…]”52 
A imposição da pena de prisão pode ser verificada a partir da Constituição Federal de 1824, na 
qual pode ser observada em seu artigo 179 inciso IX que: 
IX- Ainda com culpa formada, ninguem será conduzido á prisão, ou nella conservado estando 
já preso, se prestar fiança idonea, nos casos, que a Lei a admitte: e em geral nos crimes, que não 
tiverem maior pena, do que a de seis mezes de prisão, ou desterro para fóra da Comarca, poderá o 
Réo livrar-se solto. 
Importa ressaltar ainda o inciso XXI do mesmo artigo, o qual traz uma ideia de humanidade 
dentro da prisão: 
XXI- as Cadêas serão seguras, limpas, o bem arejadas, havendo diversas casas para 
separação dos Réos, conforme suas circumstancias, e natureza dos seus crimes.53 
Porém, ao final do Primeiro Reinado e início do Período Regencial Brasileiro devido à 
intensificação dos tumultos e manifestações populares que se seguiram, no Rio de Janeiro algo 
precisava ser feito: 
As instabilidades políticas e as graves desordens no Rio de Janeiro forçavam 
uma atitude enérgica do governo em relação aos cárceres. Contudo, alguns 
melhoramentos nas prisões existentes não seriam suficientes para atender ao 
plano de controle que se pretendia exercer sobre os escravos, livres, pobres e 
libertos nas ruas da capital do império.54 
Em 1830, havia três prisões no Rio de Janeiro: Calabouço, Aljube e Santa Bárbara, mas foi 
durante o Período Regencial Brasileiro que houve uma maior intensificação na tentativa de estabelecer 
a ordem prisional, sendo que “os tumultos ocorridos nas ruas da cidade durante os primeiros meses do 
governo regencial contribuíram para piorar ainda mais a situação dos cárceres” 55 
Desta forma, em 1834 foi dado início ás obras da Casa de Correção do Rio de Janeiro, a 
primeira prisão com trabalhos no Brasil, em uma tentativa de adequar o sistema carcerário ao disposto 
na Constituição vigente.56 
 
51ARAÚJO, Carlos Eduardo Moreira de . Cárceres Imperiais: a Casa de Correção do Rio de Janeiro. 
2009. 328 f. Tese de Doutorado. ( Doutorado em História). Doutorado em História. Departamento de História do 
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2009. p. III. 
52 Ibidem, p. 1. 
53BRASIL. Constituição Federal de 1824.Outorgada em 25 de março de 1824. Disponível em: 
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm>. Acesso em: 03/07/2017. 
54ARAÚJO, Carlos Eduardo Moreira de . Cárceres Imperiais: a Casa de Correção do Rio de Janeiro. 
2009. 328 f. Tese de Doutorado. ( Doutorado em História). Doutorado em História. Departamento de História do 
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2009. p. 23 
55 Ibidem, p. 25. 
56 Ibidem, p. 46 
24 
 
Nota-se, desta forma, que com o passar dos anos, ao redor do mundo, as penas impostas aos 
indivíduos infratores sofriam mudanças significativas: 
A passagem dos suplícios, com seus rituais de ostentação, com sua arte 
misturada à cerimônia do sofrimento, as penas de prisões enterradas em 
arquiteturas maciças e guardadas pelo segredo das repartições, não é 
passagem a uma penalidade indiferenciada, abstrata e confusa; é a passagem 
de uma arte de punir a outra, não menos científica do que ela. Mutação 
técnica.57 
Chegamos, por fim, ao século XXI, o qual possui suas próprias técnicas punitivas advindas, 
porém, das mudanças dos séculos passados. 
 
57FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: o nascimento da prisão. 31. ed. Trad. Raquel Ramalhete. 
Petrópolis: Vozes, 2014. p. 251 
25 
 
2 DIREITOS HUMANOS E A REALIDADE DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO 
 
No presente capítulo analisaremos, primeiramente, as generalidades dos Direitos Humanos e 
do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana para termos uma visão geral de sua conceituação e 
evolução ao longo da história e assim inserir tais conceitos no âmbitocarcerário brasileiro. 
Analisaremos ainda a pena privativa de liberdade como meio de entrada das prisões, e deste 
modo passaremos á análise de fato do sistema prisional brasileiro com a crescente onda de violência 
experimentada no início de 2017. 
 
 
2.1 Generalidades dos Direitos Humanos 
 
O homem, desde sua concepção, é um sujeito de direitos, sendo que estes devem ser, 
indissociáveis da figura humana. O acesso à saúde, educação, moradia, alimentação, dentre vários 
outros devem ser analisados como direitos intrínsecos e indissociáveis da figura humana sendo que a 
definição da expressão “direitos humanos”, conforme Ivan de Carvalho Junqueira, “etimologicamente 
falando, envolve uma série de outros direitos e liberdades civis públicas de maneira que, sem embargo, 
a plenitude da contemplação desta expressão de forma cotidiana ensejaria elevado número de 
benefícios a todos os membros da coletividade, indistintamente”.58 
Já a definição dada pela UNESCO aos direitos humanos fundamentais, por um lado, os 
considera como uma forma institucionalizada de proteção aos direitos das pessoas contra o poder do 
Estado e por outro, como regras pelas quais se estabelecem condições humanas para a vida e o 
desenvolvimento da personalidade humana. 59 
“O importante é realçar que os direitos humanos fundamentais relacionam-se 
diretamente com a garantia de não ingerência do Estado na esfera individual 
e a consagração da dignidade humana, tendo um universal reconhecimento 
por parte da maioria dos Estados, seja em nível constitucional, 
infraconstitucional, seja em nível de direito consuetudinário ou mesmo por 
tratados e convenções internacionais.” 60 
Tais direitos apresentam diversas características próprias, colocando-os em elevada posição 
hermenêutica em relação aos outros direitos estabelecidos no ordenamento jurídico, como a 
imprescritibilidade, uma vez que não se esvaem com o decorrer do tempo, a inalienabilidade, pois tais 
direitos não são passíveis de transferência seja a título gratuito ou a título oneroso.61 
Os direitos humanos são, também, irrenunciáveis uma vez que não poderão ser renunciados, 
são invioláveis, porque não podem ser desrespeitados por autoridades públicas ou então por 
 
58JUNQUEIRA, Ivan de Carvalho. Dos Direitos Humanos do Preso. São Paulo: Lemos & Cruz, 2005. 
p.37 
59MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º 
da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 
20. 
60MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º 
da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 
21. 
61 Ibidem, p. 21-2 
26 
 
determinações infraconstitucionais. Apresentam também a característica da universalidade devido ao 
fato de que tais direitos englobam todos os indivíduos de um modo geral.62 
Por fim, apresentam as características da efetividade, pois através de mecanismos coercitivos o 
Poder Público deverá garantir a efetivação de tais direitos, da interdependência pois para sua garantia 
são necessárias várias outras previsões legais dentro do Ordenamento Jurídico e da 
complementaridade pois os direitos humanos deverão ser interpretados de forma conjunta e não 
isoladamente almejando alcançar todos os objetivos intentados pelo legislador.63 
Em relação ao desenvolvimento histórico de tais direitos, percebe-se que no decorrer do tempo 
e ao redor do mundo registraram-se marcos de grande valia à humanidade. Neste sentido, vale citar, a 
Carta Magna Libertatum, outorgada pelo Rei João, nos campos ingleses, na Alta Idade Média, com 
seu célebre dispositivo de número 39, o qual previa que nenhum homem livre seria privado de seus 
bens e de sua liberdade antes de ser julgado por seus pares ou pela lei de sua terra. 64 
A Bill ofRights, de 1689, na Inglaterra, elaborou um modo de organização estatal objetivando 
a proteção dos direitos fundamentais. A Declaração Americana, de 4 de julho de 1776, reconheceu a 
necessidade de delimitar os princípios referentes a soberania popular, assim como o respeito às 
diferenças de ordem étnica, religiosa, cultural, social.65 
Cita-se ainda, a Convenção de Genebra de 1864, pela qual muitas prerrogativas dos direitos 
humanos foram introduzidas internacionalmente, visando diminuir o sofrimento dos soldados e feridos 
de guerras. 66 
Há inúmeros documentos, ainda, que, em síntese, merecem destaque, como a Constituição 
Mexicana de 1917, a Constituição de Weimar, de 1919, a Carta das Nações Unidas, a Convenção 
Europeia de Direitos Humanos, de 1950; a Convenção Americana, aprovada na conferência de São 
José da Costa Rica e por fim a Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamada em 1948 na 
Assembleia Geral das Nações Unidas.67 
Em relação a sua classificação, atualmente, tem sido apresentada pela doutrina uma 
organização dos Direitos Humanos tomando por base a ordem histórica em que passaram a ser 
reconhecidos constitucionalmente, sendo classificados como direitos fundamentais de primeira, 
segunda e terceira geração.68 
Na primeira geração dos direitos humanos estão as liberdades públicas representadas pelas 
garantias e direitos individuais e políticos clássicos, já na segunda geração encontram-se os direitos 
econômicos, sociais e culturais e na terceira geração os direitos de fraternidade ou solidariedade, o 
qual representa o direito a uma qualidade de vida saudável, a paz, o progresso, a autodeterminação dos 
povos e um meio ambiente equilibrado.69 
Porém, mesmo com toda essa evolução ocorrida ao longo da história mundial e a adoção de 
tais normas por grande parte dos países, é incabível pensar em direitos humanos fora de um Estado 
 
62 Ibidem, p. 22 
63 Id Ibidem. 
64JUNQUEIRA, Ivan de Carvalho. Dos Direitos Humanos do Preso. São Paulo: Lemos & Cruz, 2005. p. 
38. 
65JUNQUEIRA, Ivan de Carvalho. Dos Direitos Humanos do Preso. São Paulo: Lemos & Cruz, 2005. p. 
41 
66 Ibidem, p. 44. 
67 Id Ibidem. 
68MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º 
da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 25 
69 Id Ibidem. 
27 
 
Democrático de Direito, uma vez que a democracia caracteriza-se justamente por ser uma soberania 
popular com total respeito aos direitos humanos. 70 
 
 
2.2 Do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana 
 
Importante também se faz o estudo do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, 
estabelecido pelo artigo 1º da Constituição Federal em seu inciso 3º, o qual o garante como um dos 
Princípios Fundamentais da República Federativa do Brasil. 
A conceituação de dignidade, é “[…] qualidade, irrenunciável e inalienável, ínsita a todo ser 
humano que veda a submissão deste a tratamentos degradantes e a situações em que inexistam ou 
sejam escassas as condições materiais ou morais mínimas para sua subsistência ou 
autodeterminação”71 
A dignidade da pessoa humana funda-se nas condições mínimas de existência que o Estado 
deve garantir ao indivíduo para que este tenha uma vida digna, levando em consideração os direitos 
inerentes à personalidade da pessoa e também aqueles estabelecidos para a coletividade.72 
Tal princípio inserto na CF, ao ser considerado como fundamental, demonstra que todo o 
ordenamento jurídico brasileiro deve tomá-lo por base, sendo deste modo, um princípio orientador.73 
Nas palavras de Ricardo Castilho, ao ser um princípio fundamental de todo o ordenamento, 
orientando todas as demais normas e princípios, pode ser chamado de supraprincípio e, assim sendo, a 
dignidade humana deve ser preservada e realizada ao máximo e em cada situação concreta. 74 
Deste modo, a dignidade humanadeve também ser inserta e analisada no âmbito carcerário 
isto porque, salvo as peculiares restrições inerentes ao instituto da prisão e, 
conseguintemente, à liberdade de locomoção (direito de ir, de vir, de restar 
e/ou permanecer), dever-se-á resguardar, ao menos, grandioso liame de 
garantias para com o ser humano preso, então não mais vinculadas aos 
efeitos da sentença penal condenatória. Neste diapasão, cediço é que “o 
preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, 
impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e 
moral” (CP, artigo 38). De maneira que, “ao condenado e ao internado serão 
assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela Lei”. 75 
Assim, torna-se evidente o quão importante é a discussão dos Direitos Humanos da pessoa do 
preso tanto quanto a sua Dignidade Humana, uma vez que a pena privativa de liberdade não lhe retira 
tais garantias.“À sanctio juris caberá tão-somente impor certas restrições á liberdade individual, o que 
já não se mostra pouco. Havendo, pois, inclusão de outras formas de apenamento (torturas, p. ex), 
estar-se á admitindo o retorno de abomináveis anseios de vingança privada.”76 
 
70JUNQUEIRA, Ivan de Carvalho. Dos Direitos Humanos do Preso. São Paulo: Lemos & Cruz, 2005. p. 
45. 
 
71CASTILHO, Ricardo. Direitos Humanos. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013 p. 17. 
72 Ibidem, p. 179. 
73 Ibidem, p.182-3. 
74 Ibidem, p. 184. 
75JUNQUEIRA, Ivan de Carvalho. Dos Direitos Humanos do Preso. São Paulo: Lemos & Cruz, 2005, p. 
62 
76 Ibidem, p. 63 
28 
 
Verificasse, desta forma, que a não observância de tais direitos à pessoa do condenado mostra-
se como um grande retrocesso, fugindo aos objetivos da pena privativa de liberdade e retrocedendo-se 
à muitos séculos na história, tempo em que a pena tinha apenas um caráter retributivo, como uma 
eterna lei de Talião. 
Neste sentido “sendo os presos, outrossim, sujeitos de direito, ressalte-se isto outra vez, 
enquanto não forem tratados como tal, incapazes serão os estabelecimentos penais à reeducação do 
Homem. Às palavras Oscar Wilde, “o que mais espanta não são os crimes praticados pelos maus, mas 
os castigos aplicados pelos chamados bons””. 77 
Por fim, salienta-se que a declaração Universal dos Direitos Humanos “reconhece a dignidade 
como inerente a todos os membros da família humana e como fundamento da liberdade, da justiça e da 
paz no mundo.”78 
 
 
2.3 A Pena Privativa de Liberdade como entrada da prisão: Instituições em Crise 
 
A pena privativa de liberdade, assim como as penas antecessoras, de morte e castigos 
corporais, surgiu com o fim de manter à exposição o condenado, para que houvesse a propagação de 
sua imagem de criminoso, visto pela sociedade como um perigo a ser combatido, um inimigo. “Essa 
personalização e a visibilidade do “criminoso” contribuem de maneira decisiva para a ocultação de 
desvios pessoais, assim contribuindo para o reforço de estruturas de dominação, para o reforço do 
poder”. 79 
Já no contexto jurídico atual, a pena, de um modo geral, é definida como um meio de sanção 
imposto pelo Estado para retribuir, através da ação penal, a prática de um ato ilícito, tendo como fim 
evitar novos delitos. A função geral da pena é a prevenção delitiva, já sua função especial, tem como 
objeto o agente infrator em uma tentativa de reintegrá-lo socialmente e impedi-lo de tornar a 
delinqüir.80 
No Brasil as características das penas estão embasadas no artigo 5º da Constituição Federal e 
são: personalidade (inciso XLV) e legalidade (inciso XXXIX) e ainda a inderrogabilidade e a 
proporcionalidade. 81 
Já o artigo 32 do Código Penal estabelece as espécies de pena, quais sejam: privativas de 
liberdade, restritivas de direito e multa. As penas privativas de liberdade se dividem em reclusão e 
detenção, conforme artigo 33, caput, do Código Penal, o qual ainda estabelece que a reclusão deve ser 
cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto, já a de detenção será cumprida em regime semi-
aberto ou aberto, salvo se for necessário o retorno ao regime fechado.82 
O primeiro parágrafo do referido artigo destina-se a estabelecer o modo de cumprimento da 
pena em cada um dos regimes, sendo que no fechado o cumprimento da pena se dá em 
 
77 WILDE, Oscar apud JUNQUEIRA, Ivan de Carvalho, 2005 p. 145. 
78MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º 
da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 
49. 
79MATTOS, Virgílio de. (Org). Desconstrução das Práticas Punitivas. Belo Horizonte: CRESS-MG e 
CRP-MG, 2010. p. 14-15. 
80MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Fabbrini. Código Penal Interpretado 7. ed. São 
Paulo: Atlas, 2011, p. 32 
81BRASIL. Constituição Federal de 1988. In: Vade Mecum Saraiva. 2. ed. atual. e ampl. São Paulo: 
Saraiva, 2013. p. 10. 
82BRASIL.Código Penal. Decreto Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Vade Mecum. São Paulo: 
Saraiva, 2013. p. 526. 
29 
 
estabelecimento de segurança máxima ou média, o semi-aberto em colônia agrícola, industrial ou 
estabelecimento similar e, por fim, o aberto será cumprido em casa de albergado ou estabelecimento 
adequado.83 
Ressalta-se ainda que, ressalvadas as hipóteses de transferência para regime mais rigoroso, o 
indivíduo que for condenado a uma pena superior a oito anos começará a cumpri-la em regime 
fechado, já o condenado não reincidente que tiver decretada a sua pena em mais de quatro anos e não 
excedente a oito, poderá cumpri-la desde o início em regime semi-aberto e aquele que condenado, não 
sendo reincidente, tenha uma pena igual ou inferior a quatro anos, poderá cumpri-la desde o início em 
regime aberto, conforme estabelecido no parágrafo 2º do mesmo artigo. 84 
Porém, é o artigo 59 do Código Penal que destina-se a estabelecer o regime inicial da pena, 
determinando que, o juiz, estabelecerá, embasado na conduta social, na personalidade do agente, nos 
motivos, conseqüências e circunstâncias do crime e ainda no comportamento da vítima a pena a ser 
aplicada dentre as cominadas, bem como, quando cabível, a substituição por outra espécie de pena.85 
Tudo isso, refere-se ao modo como o ordenamento jurídico brasileiro trata as penas, e mais 
especificamente a pena privativa de liberdade, mas, após o indivíduo ser conduzido ao estabelecimento 
prisional, como se dá a prática, e o dia-a-dia de tal indivíduo neste ambiente? 
Muito tem sido questionado a respeito da pena de prisão, principalmente quando se leva em 
conta o cenário carcerário e a infraestrutura de seus estabelecimentos. 
De acordo com Bitencourt, a partir do século XIX, quando houve uma acentuada tendência à 
aplicação de penas privativas de liberdade em estabelecimentos carcerários, havia a crença de que a 
prisão seria um meio eficaz de realização das finalidades da pena reabilitando o condenado.86 
Porém, as expectativas logo desapareceram e deram lugar às dúvidas sobre a capacidade de 
ressocialização do detento em um ambiente tão caótico como tem sido o sistema carcerário de um 
modo geral, uma vez que em tais condições seria impossível que a prisão alcançasse seu objetivo 
reabilitador. Conforme ressaltado: 
As graves deficiências das prisões não se limitam a narrações de alguns 
países; ao contrário, existem centros penitenciários em que a ofensa à 
dignidade humana é rotineira, tanto em nações desenvolvidas como em 
subdesenvolvidas. As mazelas da prisão não são privilégios apenas de países 
do terceiro mundo. De um modo geral, as deficiências prisionais 
compendiadas na literatura especializada apresentam muitas características 
semelhantes: maus tratos verbais ( insultos, grosserias etc.) ou de fato ( 
castigos sádicos, crueldades injustificadas e vários métodos sutis defazer o 
recluso sofrer sem incorrer em evidente violação do ordenamento etc.); 
superlotação carcerária, o que também leva a uma drástica redução do 
aproveitamento de outras atividades que o centro penal deve proporcionar 
[…]87 
Depreende-se, deste modo, que a crise enfrentada pela pena privativa de liberdade faz com que 
o objetivo de reeducar o condenado para uma vida em sociedade, não seja alcançado, pois ao invés de 
por freios à delinquência a prisão a tem estimulado. 
 
83BRASIL.Código Penal. Decreto Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Vade Mecum. São Paulo: 
Saraiva, 2013. p. 526. 
84 Id Ibidem. 
85 Ibidem, p. 529. 
86BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: Causas e Alternativas. 4. ed. São Paulo: 
Saraiva, 2011. p.162 
87BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: Causas e Alternativas. 4. ed. São Paulo: 
Saraiva, 2011. p. 163-4. 
30 
 
Christopher Hibber, em seu livro Lasraíces Del mal, expõe a influência negativa da prisão 
sobre um condenado que relata sua própria experiência prisional ao dizer que aos 15 anos foi enviado 
a uma instituição para jovens, saindo de lá com 16 anos convertido em um ladrão de bolsos. Ainda 
com 16 anos foi enviado a um reformatório como batedor de carteiras e de lá saiu como ladrão. Como 
ladrão foi enviado à uma instituição na qual diz ter adquirido todas as características de um 
delinquente profissional, praticando todo o tipo de delitos.88 
Tal relato faz crer que a prisão imposta ao indivíduo por meio da pena privativa de liberdade, 
inflinge uma série de efeitos negativos à pessoa do encarcerado, principalmente no que diz respeito 
aos fatores materiais, psicológicos e sociais. Sendo que os fatores materiais dizem respeito à 
deficiência das instalações carcerárias, algo que contribui para a deterioração da saúde física e 
psicológica dos reclusos. Já referente aos fatores psicológicos “sob o ponto de vista social, a vida que 
se desenvolve em uma instituição total facilita a aparição de uma consciência coletiva que, no caso da 
prisão, supõe a estruturação definitiva do amadurecimento criminoso”.89 
Por fim, os fatores sociais referem-se a desadaptação ocasionada pela retirada de um indivíduo 
de seu meio social, principalmente quando se leva em consideração as mudanças ocorridas na própria 
sociedade, sendo que, ao contrário do que se espera, uma segregação prolongada poderá, até mesmo, 
impedir a ressocialização do recluso.90 
Salienta-se que a prisão como meio de controle social fracassou em seu objetivo geral 
ressocializador, uma vez que na busca pela redução da criminalidade por meio da ressocialização do 
recluso, acaba por transmitir a ele seus efeitos criminogênicos. “Exatamente, porque a sua função real, 
ao contrário do que anuncia é de “sementeira” de criminalização e de reiteração criminal”.91 
Ressalta-se, ainda, que o cárcere além de nunca ter conseguido seu objetivo de reeducar e 
ressocializar seus agentes sempre reproduziu os valores das classes dominantes, daí a crítica ao 
sistema prisional, “dir-se-ia que, depois da euforia inicial da defesa social, vive-se uma profunda 
desilusão”. 92 
Neste sentido, também pode ser levado em consideração as palavras de Vera Regina Pereira de 
Andrade que defende que o sistema prisional tem promovido sua eficácia de forma inversa à 
prometida não conseguindo garantir o cumprimento de suas funções oficialmente declaradas, e,ainda, 
que não tem conseguido reduzir a criminalidade, pelo contrário, ela a fabrica e condiciona seus 
apenados à reincidência. 93 
Vê-se, deste modo que a prisão, de um modo geral, apesar de ter surgido como um 
aprimoramento das penas, um progresso no âmbito do direito penal 
[...] nunca evitou a formação de conflitos ou a ocorrência das condutas 
etiquetadas como crimes. O próprio discurso oficial acaba por revelar essa 
realidade. […] A realidade claramente indica que o surgimento de conflitos 
ou de condutas negativas ou indesejáveis pouco tem haver com o número de 
pessoas punidas ou com a intensidade das penas impostas.94 
 
88 HIBBERT, Christopher apud BITENCOURT, Cezar Roberto, 2011, p. 165. 
89BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: Causas e Alternativas. 4. ed. São Paulo: 
Saraiva, 2011. p. 166. 
90 Ibidem, p. 166-7. 
91TRINDADE, Lourival Almeida. Ressocialização...uma (dis) função da pena de prisão. s.l. Sergio 
Antonio Fabris Editor, 2002. p. 18. 
92 Ibidem, p. 29. 
93ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema Penal Máximo X Cidadania Mínima: códigos da 
violência na era da globalização. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2003.p. 89-91. 
94MATTOS, Virgílio de. (Org). Desconstrução das Práticas Punitivas. Belo Horizonte: CRESS-MG e 
CRP-MG, 2010. p. 11-12. 
31 
 
Desenvolvendo seu raciocínio, o autor ressalta, ainda, a impossibilidade e incompatibilidade 
da utilização da pena de prisão para reintegrar um indivíduo à sociedade, uma vez que para alcançar 
tal objetivo, ela o retira do convívio social, mostrando-se como um meio totalmente ineficaz de 
recuperar alguém.95 
 
 
2.4 O Cenário Carcerário Brasileiro 
 
Conforme os últimos dados divulgados em 2014 pelo Levantamento Nacional de Informações 
Penitenciárias (INFOPEN), o Brasil possui uma população carcerária de mais de seiscentos e sete mil 
pessoas privadas de liberdade, representando uma média de trezentos presos para cada cem mil 
habitantes no país.96 
Ocorre, porém, que ao todo não passam de trezentos e setenta e sete mil vagas no sistema 
penitenciário, o que resulta em um déficit de mais de duzentas e trinta e uma mil vagas faltantes com 
uma taxa de ocupação média em torno de 161%. Em síntese, o relatório informa que uma cela 
destinada a dez presos, é ocupada por dezesseis.97 
Ressalta-se que conforme tais dados, desde 2000 até 2014, a população carcerária crescia uma 
média de 7% ao ano, ou seja, mais rápido que a própria população brasileira. Tudo isso, por si só, 
demonstra a fragilidade do sistema prisional no Brasil, que traz como uma de suas características mais 
notórias a superlotação. 98 
Outro importante documento para uma análise geral da situação dos presídios no Brasil é o 
relatório da II Caravana Nacional de Direitos Humanos, destinada à análise da realidade prisional 
brasileira com a realização de visitas em presídios, penitenciárias e delegacias em seis Estados do país 
reunindo cerca de 15 mil presos.99 
Em apresentação ao referido documento o Deputado Marcos Rolim, presidente da Comissão 
de Direitos Humanos, destaca que: 
Nossas inspeções se realizaram, todas, sem prévio aviso, o que garantiu a 
possibilidade de inúmeros flagrantes de situações irregulares e 
procedimentos ilegais. A sensação que temos, ao final dos nossos trabalhos, 
é a de que conhecemos um sistema absolutamente "fora da lei". Os 
imperativos definidos pela Lei de Execução Penal (LEP) são solenemente 
ignorados em todos os estados. Realidade do arbítrio, os presídios brasileiros 
são uma re-invenção do inferno. A resultante, entretanto, não é uma 
construção metafísica ou uma especulação religiosa. Aqui, os demônios tem 
pernas e visitam os presos a cada momento.100 
O referido relatório vai além de meros dados, números frios, ele entra nas celas e escancara a 
realidade dos presídios no Brasil. Relata sobre as condições precárias de infraestrutura, maus tratos 
 
95 Id Ibidem. 
96LEVANTAMENTO Nacional de Informações Penitenciárias. Justiça.gov. Disponível em: 
<http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-
versao-web.pdf>. Acesso em 24/07/2017. 
97 Id Ibidem. 
98 Id Ibidem. 
99RELATÓRIO da II Caravana Nacional de Direitos Humanos: uma amostra da realidade prisional 
brasileira. Dhnet. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/caravanas/br/iicaravana.html>Acesso em: 
24/07/2017. 
100 Id Ibidem. 
32 
 
recebidos pelos presos, violência, revistas vexatórias as quais são expostos seus familiares, falta de 
higiene, de prevenção de doenças, de iluminação, de alimentação e tantas outras ausências. 
Conforme visita surpresa realizada pela Caravana no II Distrito Policial no bairro de Aldeota 
em Fortaleza/CE, as celas daquele Distrito, assim como a maioria visitada nos demais Estados, 
possuem um odor fétido que exalam ao longe. São todas escuras e sem ventilação, no meio da sujeira e 
do lixo transitam dezenas de baratas, e os presos são obrigados a dormir no chão frio, sendo que a 
maioria desenvolveu doenças de pele e bronco-pulmonares.101 
De um modo geral o referido relatório demonstra que a população carcerária é doente, com 
vários casos de HIV, tuberculose, leptospirose, osteomilite, sendo que falta atendimento médico, que 
geralmente é prestado pelos próprios presos, algo que ocorre no Presídio Aníbal Bruno em Recife/PE, 
o qual, segundo o relatório, era, à época, um dos recordistas de superlotação, com históricos de motins, 
fugas, repressões e mortes violentas. Segundo relatos dos presos ao chegarem ao presídio ficam em 
uma cela de triagem e durante este período são espancados.102 
Problemas não faltam também quanto a estrutura dos estabelecimentos prisionais, a qual muito 
diz sobre a capacidade das prisões de reeducarem seus detentos. Toma-se como exemplo o Presídio 
Evaristo de Moraes no Rio de Janeiro, descrito no relatório como um ginásio com mais de vinte 
metros de altura, coberto com telhas de Brasilit, sendo que as celas não possuem teto, apenas a 
cobertura do próprio ginásio que vive infestada de pombos que defecam o tempo todo na cabeça dos 
presos.103 
Há ainda a informação de que as celas são fétidas, insalubres e cheias de ratos. Os espaços 
destinados à punição são cubículos de seis metros quadrados sem ventilação, sobre os quais diz o 
relatório que “Aí, chegamos a encontrar 16 presos. Um deles dormia sobre a água que inundava o 
“banheiro”. O calor ali dentro e o cheiro - que de tão forte impregna a roupa - tornam a permanência 
naquelas celas, ainda que por alguns minutos, um sofrimento."104 
Já no Rio de Janeiro foi visitada a Penitenciária Laércio da Costa Pellegrino, mais conhecida 
como Bangu I, local que assim como a maioria dos presídios no país, segundo o relatório, divide os 
presos em suas celas conforme as quadrilhas as quais pertençam, como o “Comando Vermelho” e 
tantas outras. Porém, as reclamações por parte dos presos foram sobre a ociosidade, uma vez que não 
lhes são oferecidos trabalho ou estudo, pois imagina-se que isso poderia trazer riscos à segurança do 
local.105 
Em São Paulo, foi visitada a DEPATRI, Delegacia especializada no combate aos crimes 
contra o patrimônio. Neste local, a Caravana colheu relatos de presos sobre ocorrências de maus tratos 
e espancamento. “Por esses relatos, os presos indicaram uma sala, na parte térrea da delegacia, onde 
alguns deles teriam sido torturados. Nos indicaram que a máquina utilizada para o suplício dos 
choques elétricos, aplicada normalmente sobre os testículos das vítimas […] estaria na sala indicada 
dentro de um armário”.106 
Ainda em São Paulo, na Penitenciária Feminina do Butantã (Doutora Maria Marigo Cardoso 
de Oliveira), assim como na maioria das prisões visitadas, há violação de correspondências, e neste 
local em específico foi encontrado um saco de lixo no qual estavam depositadas cartas e requerimentos 
 
101RELATÓRIO da II Caravana Nacional de Direitos Humanos: uma amostra da realidade prisional 
brasileira. Dhnet. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/caravanas/br/iicaravana.html> Acesso em: 
24/07/2017. 
102 Id Ibidem. 
103 Id Ibidem. 
104RELATÓRIO da II Caravana Nacional de Direitos Humanos: uma amostra da realidade prisional 
brasileira. Dhnet. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/caravanas/br/iicaravana.html> Acesso em: 
24/07/2017. 
105 Id Ibidem. 
106 Id Ibidem. 
33 
 
das presas à diretora da penitenciária. Houve pelas presas, também, a denúncia de espancamento e 
violência sexual por parte de um agente.107 
No Estado do Paraná, no Presídio Central de Piraquara, um detento chamado Valdir José 
Chamoskosvisk, conhecido como “general” foi encontrado em uma cela de isolamento havia sete anos, 
conforme registros do próprio presídio. Durante todo este tempo não havia recebido visitas ou tomado 
banho de sol.Não era, contudo, o único caso, foram encontrados outros presos em situações 
semelhantes de isolamento, um havia três anos e outro um ano e meio. 108 
Importante, ainda, se faz discorrer sobre a revista vexatória, que 
Em verdade, consiste em instrumento para atingir indiretamente o apenado e 
diretamente a família, podendo ser considerada, inclusive, um meio de 
tortura por oferecer tratamento cruel, desumano e degradante não somente 
aos detentos, mas a sua própria família, pois todos são suspeitos, por 
pertencerem todos ao mesmo celeiro e, por ser igual, também, a sua origem: 
negros, pobres, com baixa escolaridade e com alta vulnerabilidade social.109 
A Caravana de Direitos Humanos encontrou esta prática na maioria dos estabelecimentos 
prisionais pelos quais passou, uma vez que não possuem detector de metais. Tais revistas são feitas em 
regra pelo desnudamento, como no Presídio Central de Piraquara, local em que a Caravana recebeu até 
mesmo a denúncia de familiares dos presos que alegaram caso de abuso sexual contra a mulher de um 
preso por parte de um funcionário.110 
Dentre tantas adversidades encontradas pelos reclusos, outra grande preocupação é com a falta 
de assistência judiciária. Neste sentido Ivan de Carvalho Junqueira, em visita à Penitenciária do Estado 
de São Paulo, relata que ali muitos não tinham sequer procurador, e que a assistência fornecida pela 
FUNAP (Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso) é precária, levando-os a recorrerem diretamente 
ao Ministério Público em uma tentativa de resolução de questões como progressão de regime, 
unificação de penas, revisão criminal, dentre outras.111 
De um modo geral, a II Caravana de Direitos Humanos, constatou nos estabelecimentos 
prisionais brasileiros, várias outras formas de violações às garantias fundamentais dos presos. Cita-se 
como exemplo a vigilância feita com a utilização de armamento por parte dos funcionários e policiais, 
como no Presídio Central no Rio Grande do Sul. Celas com vedação acústica, conhecidas como 
“cofres”, as quais possuem uma dupla estrutura de encarceramento, uma cela dentro de outra como na 
Penitenciária do Estado em São Paulo. Presos já condenados cumprindo pena em Delegacias 
superlotadas como na Delegacia de Furtos e Roubos de Curitiba.112 
 
107 Id Ibidem. 
108 Id Ibidem. 
109MATTOS, Virgílio de. (Org). Desconstrução das Práticas Punitivas. Belo Horizonte: CRESS-MG e 
CRP-MG, 2010. p. 95. 
110RELATÓRIO da II Caravana Nacional de Direitos Humanos: uma amostra da realidade prisional 
brasileira. Dhnet. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/caravanas/br/iicaravana.html> Acesso em: 
24/07/2017. 
111JUNQUEIRA, Ivan de Carvalho. Dos Direitos Humanos do Preso. São Paulo: Lemos & Cruz, 2005. 
p. 115-6 
112RELATÓRIO da II Caravana Nacional de Direitos Humanos: uma amostra da realidade prisional 
brasileira. Dhnet. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/caravanas/br/iicaravana.html> Acesso em: 
24/07/2017. 
34 
 
Nas palavras de Virgílio de Mattos, 
Às dores inerentes à privação de liberdade somem-se dores físicas 
provocadas pela falta de ar, de sol, de luz, pela promiscuidade dos 
alojamentos, pela precariedade das condições sanitárias, pela falta de 
higiene, pela alimentação muitas vezes deteriorada, o que resulta na 
propagação de doenças, especialmente doenças transmissíveis que atingem 
os presos em proporçõesmuito superiores aos índices registrados nas 
populações em geral.113 
Como se não bastassem tantas precariedades, algo que também chama a atenção é que a 
maioria destas pessoas que passam por esta situação dentro destes estabelecimentos prisionais, nem 
mesmo foram condenadas. Conforme dados do Infopen de junho de 2014, 41% das pessoas em 
situação de privação de liberdade são presos sem condenação e ainda que “apenas 3% das pessoas 
privadas de liberdade estão em regime aberto e 15% em semiaberto. Para cada pessoa no regime 
aberto, há cerca de 14 pessoas no regime fechado; para cada pessoa do regime semiaberto, há 
aproximadamente três no fechado” , algo que colabora ainda mais com a superlotação carcerária.114 
O relatório do Infopen, traçou ainda o perfil da população carcerária no país, chegando à 
constatação de que a maior parte é formada por jovens de 18 à 29 anos. Quanto à raça, cor ou etnia, 
dois em cada três presos são negros, o que representa 67% desta população, foi constatado também 
que 57% é solteira. Já em relação à escolaridade, constata-se que o nível de estudo dos presos é muito 
baixo, sendo que cerca de oito em cada dez pessoas presas estudaram até o ensino fundamental. 115 
A respeito do sistema penitenciário brasileiro, importante, ainda, é ressaltar que no início de 
2017, ocorreu uma série de rebeliões em alguns presídios brasileiros originadas pelas maiores facções 
de narcotráfico do país, as quais incentivavam ou promoviam rebeliões em unidades prisionais de 
alguns Estados Brasileiros.116 
No dia 1º de janeiro no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, segundo 
autoridades estaduais, o motim foi originado por uma guerra entre as facções, Família do Norte e 
Primeiro Comando da Capital, resultando em 56 mortes, tornando-se o segundo caso com maior 
número de mortos, perdendo apenas para o chamado Massacre do Carandiru, com 111 mortes.117 
No dia 6 de janeiro, na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo em Boa Vista/RR em uma 
rebelião iniciada ainda de madrugada foram constatadas a morte de 33 presos, já em Natal no Rio 
Grande do Norte, 26 presos morreram em rebelião ocorrida na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, 
sendo que o motim iniciado dia 14 foi contido apenas dia 15 de janeiro sendo mais um episódio, 
segundo o secretário Estadual da Justiça e Cidadania, de guerra entre facções para controlar o 
narcotráfico local.118 
Já na Penitenciária Estadual de Piraquara, situada na região metropolitana de Curitiba houve 
registro da morte de dois e a fuga de 28 presos na madrugada do dia 15 de janeiro. No dia 16 de 
janeiro em Ribeirão das Neves/MG, presos reivindicaram melhorias nos atendimentos dentro do 
Presídio Antônio Dutra Ladeira, inclusive em relação ao tratamento de seus parentes. Em santa 
 
113MATTOS, Virgílio de. (Org). Desconstrução das Práticas Punitivas. Belo Horizonte: CRESS-MG e 
CRP-MG, 2010. p. 19. 
114LEVANTAMENTO Nacional de Informações Penitenciárias. Justiça.gov. Disponível em: 
<http://www.justica.gov.br/noticias/mj-divulgara-novo-relatorio-do-infopen-nesta-terca-feira/relatorio-depen-
versao-web.pdf>. Acesso em 24/07/2017. 
115 Id Ibidem. 
116JADE, Líria. Entenda a Crise no Sistema Penal Brasileiro. EBC. Disponível em: 
<http://www.ebc.com.br/especiais/entenda-crise-no-sistema-prisional-brasileiro> Acesso em: 26/07/2017. 
117JADE, Líria. Entenda a Crise no Sistema Penal Brasileiro. EBC. Disponível em: 
<http://www.ebc.com.br/especiais/entenda-crise-no-sistema-prisional-brasileiro> Acesso em: 26/07/2017. 
118 Id Ibidem. 
35 
 
Catarina, dia 19 de janeiro, no Presídio Regional de Lages, dez presos ficaram feridos em um motim, 
no qual foi ateado fogo em colchões. Por fim, em Bauru/SP uma rebelião no Instituto Penal Agrícola 
resultou a fuga de 200 presos. 119 
Conforme citação feita por Virgílio de Mattos das palavras do Ministro Evandro Lins e Silva : 
“Prisão é de fato uma monstruosa opção. O cativeiro das cadeias perpetua-se 
ante a insensibilidade da maioria, como uma forma ancestral de castigo. Para 
recuperar, para ressocializar, como sonharam nossos antepassados? 
Positivamente, jamais se viu alguém sair de um cárcere melhor do que 
quando entrou […] Legalmente, dentro dos padrões convencionais não 
podem viver ou sobreviver.”120 
Diante deste cenário caótico, verifica-se como urge a humanização do sistema prisional do 
país para que a população carcerária seja de fato ressocializada e reeducada conforme objetivo 
primordial das prisões. 
 
119 Id Ibidem. 
120 SILVA, Evandro Lins e apud MATTOS, Virgílio de, 2010 p. 18-19. 
36 
 
3 APLICAÇÃO DA LEI: A DISTÂNCIA ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA 
 
No presente capítulo analisaremos o modo como a legislação brasileira se posiciona em 
relação ao indivíduo preso, fazendo uma comparação com a realidade carcerária vivenciada por todo 
país. Passaremos então á análise dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil é 
signatário e a recente condenação pela ONU às rebeliões ocorridas em presídios brasileiros no início 
de 2017. 
Por fim, discorreremos sobre a imposição de penas alternativas aos condenados, em uma 
tentativa de humanização das punições impostas, dada a atual conjuntura prisional do país. 
 
 
3.1 Dos Direitos do Preso 
 
Em relação ao Sistema Prisional, existe, no Brasil, uma grande diferença entre o que é 
estabelecido por lei e o que ocorre na prática. O preso, como qualquer pessoa, ainda continua a ser um 
sujeito de direitos, o que bem pode ser verificado pela análise da lei 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei 
de Execução Penal), em seu capítulo IV, seção II, que aborda de forma direta os direitos do preso, 
além da Constituição Federal e legislações esparsas. 
Conforme inciso I do artigo 41 da Lei de Execução Penal, é direito do preso ter alimentação 
suficiente e vestuário. Ressalta-se que a aplicação do referido direito é urgente uma vez que, conforme 
Ivan de Carvalho Junqueira “não raro é preciso “recortar” os alimentos, procedimento este consistente 
na lavagem e, conseguinte, cozimento pelos próprios internos, da refeição antes servida, até então, 
imprópria ao consumo”.121 
O referido autor ainda cita o testemunho de Luiz Alberto Mendes feito em seu livro Memórias 
de um Sobrevivente, o qual relata uma situação vivida em sua passagem pela prisão: 
A fome e o frio começaram a nos preocupar. Passaram-se os dias e as noites 
sem que ninguém se lembrasse de nós. Três dias depois, veio o carcereiro 
para ver se estávamos vivos. Pedimos comida. Respondeu que, naquela 
delegacia, ladrão não comia, e saiu batendo o portão de ferro da carceragem 
[…] No décimo dia, o carcereiro apareceu com uma dessas latas de dezoito 
litros de óleo, cheia até a metade de macarrão. De longe cheirava azedo. 
Derrubamos a lata no chão, pois ficou para fora da grade e, como animais, 
devoramos até o último foi de macarrão, qual fosse a comida mais gostosa 
do mundo! 122 
Outro direito do preso é o trabalho e sua remuneração, conforme inciso II do mesmo artigo. 
Embora este seja um direito que deve ter a concordância do preso, é algo que pode diminuir os efeitos 
negativos da prisão sobre ele com a redução do ócio, possibilidade de remição da pena e remuneração. 
Neste sentido, torna-se clara a necessidade de valorização e incentivo ao trabalho intramuros em uma 
tentativa de ressocialização por meio do labor. 123 
 
121JUNQUEIRA, Ivan de Carvalho. Dos Direitos Humanos do Preso. São Paulo: Lemos & Cruz, 2005. 
p, 84. 
122 MENDES, Luiz Alberto apud JUNQUEIRA, Ivan de Carvalho, 2005, p. 85-6. 
123JUNQUEIRA, Ivan de Carvalho. Dos Direitos Humanos do Preso. São Paulo: Lemos & Cruz, 2005. 
p. 86-7 
37 
 
Ao preso deve ser garantida a Previdência Social, constituição de pecúlio, proporcionalidade 
na distribuição do tempo para o trabalho,

Continue navegando