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1 Os Fundamentos da Inteligência Artificial • TEXTO 1 / PARTE A (Artigo) – Inteligência Artificial: Uma Breve Abordagem Sobre Seu Conceito Real e o Conhecimento Popular. • TEXTO 1 / PARTE B (Artigo) - O Homem e a Máquina: O Match Kasparov vs Deep Blue. 2 • TEXTO 1 / PARTE C (Capítulo de Livros) – O Momento Sputinik da China. 14 páginas INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL: UMA BREVE ABORDAGEM SOBRE SEU CONCEITO REAL E O CONHECIMENTO POPULAR Siuari Santos Damaceno1 Rafael Oliveira Vasconcelos2 Ciência da Computação Ciências exatas e tecnológicas ISSN IMPRESSO 1980-1777 ISSN ELETRÔNICO 2316-3135 RESUMO Ao longo dos séculos, observamos vários avanços tecnológicos. Certamente, a Inteligência Artificial é um grande passo nessa jornada. Tendo em vista que os veículos midiáticos possuem um forte poder em formação de opinião, torna-se necessário a conscientização da sociedade dando clareza sobre os reais conceitos do que há de novo e o que está em alta no mercado tecnológico. PALAVRAS-CHAVE Inteligência Artificial. Machine Learning. Deep Learning. Novas tecnologias. 1. INTRODUÇÃO A medida que os tempos avançam, novos rumos são traçados. Os primórdios da Inteligência Artificial (IA) precede a própria construção de máquinas como desktops, notebooks, smartphones etc. 1 Graduando em Jogos Digitais, Universidade Tiradentes – UNIT. E-mail: iuari.santos@souunit.com.br 2 Professor Doutor do curso de Ciências da Computação, Universidade Tiradentes – UNIT. E-mail: rafael.oliveira@souunit.com.br 3 Em seu artigo, “Computing Machinery and Intelligence” publicado em 1950, Alan Turing (1912 - 1954) já estava apresentando os princípios do funcionamento de uma máquina inteligente. Questionamentos surgem, colocando os avanços no campo da IA em xeque. Há quem acredite que esta será a substituta da humanidade e em contramão há aqueles que propõem que a IA irá coexistir com a humanidade em um ambiente de mútuo interesse. Obviamente, a falta de conhecimento leva ao pensamento fictício e pode-se perceber que a ignorância da sociedade sobre esse assunto leva a um caos que pode promover a não aceitação da IA. 2. O QUE É INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL? O artificial é o que não é natural, feito para imitar a natureza produzida nas formas artística ou industrial (MICHAELIS, 2018a). Assim podemos começar a entender o conceito de Inteligência Artificial. Inteligência ainda não é algo que tenha uma definição exata. Pode-se dizer brevemente que está associado ao entendimento, raciocínio, interpretação e a utilização do conhecimento adquirido para resolver situações e problemas propostos (MICHAELIS, 2018b). Conhecendo os significados individuais dessas duas palavras, tem-se como Inteligência Artificial a confecção de máquinas como capacidade de aprender sendo estas programadas previamente, fazendo uso de algoritmos bem elaborados e complexos que proporcionem a tomada de decisões, especulações e até interações baseadas nos dados fornecidos. No entanto, IA pode ser subdividida em camadas ou em partes que a compõe, e dessa forma é introduzido os conceitos de Machine Learning e Deep Learning. Machine Learning, como o próprio nome já sugere, é o processo de aprendizado contínuo de máquina. Consiste basicamente em fornecer dados de entrada e assim a máquina pode aprender com esses dados e elaborar saídas que satisfaçam a situação problema. Algoritmos de Machine Learning são estruturados com equações pré-definidas para organizar e executar os dados conforme a demanda (SAS, on-line). Um exemplo do uso de Machine Learning é a identificação de spams, onde inicialmente é fornecido 4 e-mails rotulados como spams e a partir disso o software anti-spam deverá identificar, nos próximos e-mails que forem recebidos, padrões para que possa classificá-los como spam ou não spam. Em um aprofundamento nesse assunto, encontrar-se-á o Deep Learning. Este é um tipo de Machine Learning que capacita a máquina a realizar tarefas mais complexas, como reconhecimento de fala, identificação de imagens e realizar previsões. “O Deep Learning estabelece parâmetros básicos sobre esses dados e treina o computador para aprender sozinho ao usar várias camadas de processamento no reconhecimento de padrões” (SAS, on-line). Trata-se de imitar o aprendizado intuitivo humano onde, com a experiência, tem-se a capacitação de executar uma série de atividades. Dessa forma, interessa a máquina analisar os dados, dividindo em várias camadas e as analisando constantemente, tornando desnecessária a intervenção humana para fornecer explicitamente todo o conhecimento necessário para a máquina (GOODFELLOW, 2016 p. 1). A exemplo disso existe o reconhecimento de fala, pelo qual a máquina deve analisar os padrões de intensidade, frequência, volumes etc. e chegar a uma aproximação quase que perfeita, capacitando-se a reconhecer quando a pessoa, cujo a voz foi analisada, falar. Estudos atuais na área de Inteligência Artificial, Machine Learning e Deep Learning andam de mãos dadas e podem ser categorizados em esferas. No centro está o Deep Learning, abrangendo esta, a esfera do Machine Learning e por fim a camada da Inteligência Artificial englobando-as. A relação entre Deep Learning e Machine Learning pode ser entendida com o Deep Learning, substituindo a intervenção humana, como já citado, para prover dados de entrada para o Machine Learning. Isso torna expressamente claro que o conceito de Deep Learning é herdado do Machine Learning. É válido ressaltar que, mesmo se tratando de IA, há margens para erros. Porém, máquinas providas de IA, possuem desvios irrisórios da sua rotina ideal, o que torna o trabalho da máquina eficiente, uma vez que, devido ao seu alto poder de processamento, pode-se analisar uma quantidade absurda de dados que precisaria de vários humanos para fazê-lo em um determinado período de tempo. 5 Dessa forma, uma ação que poderia levar horas, dias ou até semanas se executada por um humano, pode ser resolvida em questão de segundos por uma máquina. De forma geral, IA não precisa necessariamente interagir com pessoas, ou simular ações humanas. O seu real conceito e objetivo é executar tarefas de forma inteligente, ou seja, dada o seu objetivo, o seu comportamento pode ser entendido ou encarado como aleatório, porém o aleatório será seu comportamento inteligente. Uma vez que máquinas inicialmente são programadas a executar seu código de forma disciplinada, seu comportamento tido anteriormente como aleatório pode ser visto como um pequeno desvio intencional que não permita voltas sem objetivo (TURING, 1950, p. 21). 3. Pesquisa: O CONHECIMENTO POPULAR SOBRE IA A era tecnológica do século XXI está imersa em um mar com um fluxo contínuo de informações, gerenciado pela mídia cinematográfica, jornalística, etc. Isso, involuntariamente, pode distanciar o conhecimento comum sobre IA do seu verdadeiro conceito. Para tal suposição, foi abordado um conjunto de 18 pessoas com 5 perguntas sobre o assunto em questão (Inteligência Artificial), sendo 4 objetivas e 1 subjetiva. Dos entrevistados, 50% estão na faixa etária entre 20 e 24 anos de idade, 16,7% estão entre 25 e 29 anos e 33,3% têm ou estão acima de 30 anos de idade. A busca inicial é de saber a familiarização com o termo “Inteligência Artificial”, a fonte de conhecimento sobre o assunto e se já fez uso de algum software, app ou dispositivo provido de IA. Para esses questionamentos, os resultados foram os seguintes: 77,8% acham comum o termo “Inteligência Artificial”, enquanto 22,2% estão indiferentes; 66,7% conhecem IA a partir de filmes, séries ou livros de ficção, 22,2% a partir de livros/ artigos acadêmicos e afins, 5,6% de pesquisas na internet em sites como Google, Wikipedia, Youtube etc. 65,6% outros meios; 44,4% já usaram ou faz uso de algum APP ou dispositivo provido de IA, 22,2% alegam nunca terem usado 33,3% não souberam dizer (se sim ou não). Quando questionados sobre os avanços dos estudos na área de IA, unânime foi a resposta, sendo todos a favor, porém com leves divergências e receios do que isso possa trazer. Com os dados levantados, percebe-se que ainda há um déficit no conhecimento autêntico, se posto em comparação o conceito real de IA com o conhecimento popular. É natural o receio, uma vez que os filmes, por exemplo, apresentam cenários futuristas onde máquinas se rebelam devido a autonomia nas decisões baseados no ambiente em que estão inseridas. Dessa forma, o conhecimento popular acaba por cegar as pessoas a perceber algo que possivelmente tem contato diariamente por meio de propagandas nas redes sociais (big data), softwares anti vírus, anti spam, anti malware, smartphones com reconhecimento facial e/ou reconhecimento de voz, entre outros, pois todos esses exemplos estão presentes no dia a dia de todos, voluntariamente ou não. 4. CONCLUSÃO Posto à mesa o conhecimento popular sobre IA, percebe-se que um meio para encurtar o caminho para uma maior aceitação dos avanços inevitáveis nesse ramo é a disposição de compartilhar os conceitos autênticos sobre o tema abordado. Filmes, jogos, livros de ficção e fantasias são inevitáveis e não devem ser tomados como uma afronta ao conhecimento. Porém deve haver uma dose que traga 7 equilíbrio com as informações verdadeiras, provenientes de pesquisas, estudos e andamentos dos avanços tecnológicos. Isso pode ser implantado desde a educação primária do indivíduo para que possa haver uma desmistificação da Tecnologia. É evidente na sociedade que existe resistência quanto aos avanços tecnológicos, pois ainda há a sujeição a princípios filosóficos, culturais e religiosos, porém esse não é o foco deste estudo. Há quem tenha medo da substituição das pessoas por máquinas e há quem acredite que isso possa ser dosado. Obviamente, é inevitável que a mão de obra humana seja substituída por máquinas, pois isso já vem acontecendo desde o século XVIII com a Primeira Revolução Industrial. Porém os avanços na área de IA buscam a coexistência, uma vez que máquinas com IA dependem de um humano para programá-la, fornecer dados e dar diretrizes. Seu funcionamento não cabe em um mundo sem vida humana. REFERÊNCIAS FUENTES, Rodrigo C. Revolução industrial. UFSM. Disponível em:<http://w3.ufsm. br/fuentes/index_arquivos/rev.pdf>. Acesso em: 3 jun. 2018. GOODFELLOW, Ian; BENGIO, Yoshua; COURVILLE, Aaron. Deep learning. Cambridge: MIT Press, 2017. Disponível em: <https://www.amazon.com.br/DeepLearning-Ian-Goodfellow/dp/0262035618>. Acesso em: 3 jun. 2018. McCARTHY, John; HAYES, Patrick J. Some philosophical problems from the standpoint of Artificial Intelligence. Computer Science Department, Stanford University, 1969. Disponível em: <http://www-formal.stanford.edu/jmc/mcchay69. pdf>. Acesso em: 31 maio 2018. MICHAELIS, Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, Cia. Inteligência. Melhoramentos, 2018. Disponível em: http://michaelis.uol.com.br/modernoportugues/busca/portugues- brasileiro/intelig%C3%AAncia>. Acesso em: 2 jun. 2018. PEREIRA, Silvio do Lago. Introdução à inteligência artificial. USP. Disponível em: <https://www.ime.usp.br/~slago/IA-introducao.pdf>. Acesso: em 31 maio 2018 8 PORTO, Leonardo Sartori. Uma investigação filosófica sobre inteligência artificial. Informática na Educação: teoria & prática. Porto Alegre, v.9, n.1, 2006. Disponível em: <http://seer.ufrgs. br/InfEducTeoriaPratica/article/viewFile/2304/1005>. Acesso em: 31 maio 2018. SAS – Software & Soluções de Analytics. Deep Learning, o que é e sua importância. SAS Institute Inc. Disponível em: <https://www.sas.com/pt_br/insights/analytics/ deep-learning.html>. Acesso em: 3 jun. 2018. SHALEV-SHWARTZ, Shai; BEN-DAVID, Shai. Understanding machine learning: From the theory to algorithms. Disponível em: <https://www.amazon.com.br/ Understanding-Machine-Learning-Theory-Algorithms/dp/1107057132>. Acesso em: 2 jun. 2018.3 9 O Homem e a Máquina: O Match Kasparov vs Deep Blue Artigo escrito pelo Grande Mestre de Xadrez RAFAEL LEITÃO Disponível em: https://rafaelleitao.com/o-homem-e-a-mquina-o-match-kasparov-x-deep-blue/ De um lado: Garry Kasparov, Grande Mestre, considerado um dos maiores enxadristas de todos os tempos. Ele, campeão mundial de xadrez de 1985 a 2000. Do outro lado: Deep Blue, um supercomputador da IBM projetado para jogar em pé de igualdade contra qualquer jogador de xadrez do mundo. Uma batalha entre homem e máquina. O primeiro embate Kasparov x Deep Blue aconteceu em 1996, mas o primeiro desafio do enxadrista soviético envolvendo computadores aconteceu, na verdade, em 1985, quando Garry Kasparov venceu 32 máquinas simultaneamente. Conheça essa incrível história do homem contra máquina no post de hoje! Kasparov x Deep Blue, o primeiro match Em 1996 aconteceu o primeiro embate entre o campeão Kasparov e o desafiante pouco convencional Deep Blue. Para a surpresa de todos, o computador venceu o primeiro jogo, disputado na Filadélfia. Pela primeira vez, uma máquina havia vencido um campeão mundial de xadrez usando as regras normais de torneio. Com um pouco menos de frieza, Kasparov poderia ter se assustado com tal feito e se desequilibrado para disputar os próximos jogos. No entanto, o enxadrista contornou a situação e virou o match, que terminou 4 a 2 para o russo. Deep Blue x Kasparov, a revanche Um ano depois, em 1997, com a promessa de que o Deep Blue estaria ainda mais desenvolvido e preparado, Garry Kasparov aceitou uma revanche para a IBM e seu supercomputador. Dessa vez, o match foi em Londres e, diferentemente do ano anterior, o primeiro jogo foi vencido por Kasparov. Porém, agora, algo estranho aconteceu já no segundo jogo. No movimento 44 do jogo 2, o Deep Blue realizou uma jogada que surpreendeu o campeão mundial. 10 Em uma posição muito superior, o computador levou o rei para o lado errado, dando chances para o adversário, um erro bastante atípico para a máquina. Desconcertado, o russo abandonou a partida sem ver que tinha uma continuação de empate. Depois disso, muito intrigado, Kasparov recuou e passou a jogar em um estilo bem diferente do usual. Os jogos 3, 4 e 5 terminaram, então, empatados. No sexto jogo, que decidiria o vencedor, viu-se menos ainda do estilo de jogo do enxadrista multicampeão. Acuado e sem reação, Garry Kasparov perdeu a batalha e a guerra: Deep Blue derrotou o Grande Mestre por 3,5 a 2,5. Na partida decisiva, mais uma vez o computador tomou uma decisão que parecia estranha: sacrificou uma peça para uma compensação a longo prazo, algo que se imaginava impossível para a máquina. Veja as análises do GM Rafael Leitão para as partidas decisivas aqui. A polêmica Indignado, Kasparov afirmou que a IBM havia trapaceado e chegou a citar o gol de mão feito por Maradona na Copa do Mundo de Futebol de 1986, comparando-o a um possível subterfúgio de Deep Blue. De acordo com o enxadrista, houve interação humana no computador, o que ia contra as regras estabelecidas — ou seja, uma trapaça. Sem isso, seria impossível que a máquina tomasse uma decisão tão incoerente como jogada 44 ou o sacrifício de peça da última partida. A IBM, porém, afirmou que Deep Blue só sofria modificações nos intervalos e jamais durante um jogo. http://www.viewchess.com/cbreader/2015/8/14/Game154768000.html https://rafaelleitao.com/wp-content/uploads/2015/08/kasparov-deep-blue-game-6-1997PGN.png 11 17 anos depois Somente 17 anos depois, o mistério que envolvia a jogada que abalou tanto Kasparov foi aparentemente desvendado. Assimcomo todo bom programa de computador, Deep Blue tinha uma “saída de emergência” caso houvesse sobrecarga de processamento, para evitar que o sistema entrasse em loop, ou seja, ficasse calculando e calculando infinitamente. No documentário “The Man vs. The Machine“, é revelado que o mecanismo de emergência fez o computador escolher a primeira jogada possível para evitar o loop, o que surpreendeu Kasparov. Ainda assim, o problema não condizia com as acusações do enxadrista: foi apenas um bug que levou a máquina à vitória e causou tanta polêmica. Em relação ao sacrifício de peça da sexta partida, o computador pode ter sido configurado previamente para efetuar a jogada, já que a posição era teórica. Isso não significaria uma “trapaça”. Mas a explicação não convenceu a todos e muitos enxadristas até hoje acreditam que houve intromissão humana nas análises do computador. Quando Kasparov quis uma terceira disputa contra Deep Blue, a IBM se recusou e aposentou o computador. Não haveria mais Kasparov vs. Deep Blue. o/o/o/o/ o/o/o/o/ o/o/o/o/ o/o/o/o/ As Superpotências da Inteligência Artificial Capítulo 1 do livro Inteligência Artificial Kai Fu Lee - cientista da computação, empresário e escritor sino-americano, nascido em Taiwan. Atualmente, ele está baseado em Pequim, China. Lee desenvolveu o primeiro sistema de reconhecimento de fala contínuo, independente do orador, como sua tese de doutoramento na Carnegie Mellon. (WIkipedia) O Momento Sputnik da China http://espn.go.com/video/clip?id=espn:11694550 12 Kai Fu Lee4 O adolescente chinês com uns óculos de armação quadrada parecia um herói improvável para comandar o último combate da humanidade. De terno preto, camisa branca e gravata preta, Ke Jie estava afundado no assento, a esfregar as têmporas e a tentar perceber o problema que tinha à sua frente. Embora normalmente transbordasse de uma confiança que se aproximava do convencimento, o jovem de dezenove anos contorcia-se na cadeira de cabedal. Se trocássemos o local, ele poderia ser apenas mais um candidato à universidade aflito para resolver um problema intransponível de geometria. Mas nessa tarde de maio de 2017 ele estava mergulhado numa luta sem tréguas contra uma das máquinas mais poderosas do mundo, a AlphaGo, uma central de inteligência artificial sustentada por aquela que provavelmente é a empresa líder em todo o mundo no campo da tecnologia: a Google. O campo de batalha era um tabuleiro com uma grelha de dezanove por dezanove quadrículas povoado por pedrinhas brancas e pretas — a matéria-prima do jogo Go, um jogo que disfarça bem a sua complexidade. Durante o jogo, dois contendores alternam a colocar as pedras no tabuleiro, tentando cercar as pedras do adversário. Nenhum outro ser humano em todo o mundo conseguia fazê-lo melhor do que Ke Jie, mas naquele dia ele tinha como opositor um jogador de Go de um nível nunca visto. A história do Go, que se crê ter sido inventado há mais de 2500 anos, estende-se para tempos mais longínquos do que a de qualquer outro jogo de tabuleiro ainda jogado nos nossos dias. Na antiga China, o Go representava uma das quatro formas de arte que qualquer estudioso deveria ser capaz dominar. Acreditava-se que o jogo imbuía os seus jogadores de um refinamento e sabedoria de tipo Zen. Enquanto jogos como o xadrez do Ocidente são friamente táticos, o jogo Go baseia-se no posicionamento paciente e num cerco lento, o que fez dele uma forma de arte, um estado de espírito. 4 LEE, Kai Fu. Inteligência Artificial: como os robôs estão mudando o mundo, a forma como amamos, nos relacionamos, trabalhamos e vivemos. Rio de Janeiro: Globo Livros, 201 9. p.70. Assista ao vídeo de uma breve entrevista do Prof. Kai Fu ao jornalista Pedro Bial em dez/2019. https://globoplay.globo.com/v/8179771/ 13 A profundeza da história do Go encontra correspondência na complexidade do próprio jogo. As regras básicas da forma de jogar podem ser expostas em apenas nove frases, mas o número de posições possíveis num tabuleiro de Go excede o número de átomos no universo conhecido. A complexidade do leque de decisões possíveis fizera com que derrotar o campeão mundial de Go se tornasse numa espécie de Monte Evereste para a comunidade da inteligência artificial — um problema que pelo seu mero tamanho sempre repelira qualquer tenta- tiva de o resolver. Aqueles que tinham uma visão mais poética diziam que não podia ser feito porque as máquinas não tinham o elemento humano, um sentido quase místico do jogo. Os engenheiros pensavam muito simplesmente que o tabuleiro oferecia demasiadas possibilidades para um computador avaliar. Mas nesse dia o AlphaGo não estava apenas a ganhar a Ke Jie — estava a desmantelar-lhe o jogo sistematicamente. No decurso da maratona de três jogos, cada um com a duração de mais de três horas, Ke lançara tudo o que tinha contra o programa de computador. Havia-o testado com abordagens diferentes: conservadoras, agressivas, defensivas. O AlphaGo não lhe dera qualquer margem de manobra. Pelo contrário, ia cerrando lentamente o cerco em torno dele. O PONTO DE VISTA DE PEQUIM A forma como se via este jogo dependia do local onde se estava. Para alguns observadores nos Estados Unidos, as vitórias do AlphaGo assinalavam não só o triunfo da máquina sobre o homem, mas também das empresas tecnológicas ocidentais sobre o resto do mundo. As duas décadas precedentes tinham sido testemunhas da conquista dos mercados tecnológicos de todo o mundo pelas empresas de Silicon Valley. Empresas como o Facebook e a Google tinham-se tornado nas plataformas de Internet preferenciais para socialização e pesquisas. Durante esse processo haviam arrasado startups locais em países que iam da França à Indonésia. Estes gigantes da Internet tinham dado aos Estados Unidos um domínio do mundo digital equivalente ao seu poder militar e económico a nível mundial. Com o AlphaGo — um produto da startup britânica DeepMind, que fora adquirida pela Google em 2014 —, o Ocidente parecia posicionado para continuar a exercer esse domínio na era da inteligência artificial. Mas, ao olhar pela janela do meu escritório durante o jogo de Ke Jie, eu vi uma coisa completamente diferente. 14 A sede do meu fundo de capital de risco fica situada na zona de Zhongguancun (pronunciado “jong-guan-suun”) em Pequim, uma área que é frequentemente designada como “o Silicon Valley da China”. Hoje em dia, Zhongguancun é o centro nevrálgico do movimento da IA na China. Para as pessoas daqui as vitórias do AlphaGo significaram tanto um desafio como uma inspiração. Transformaram-se no “Momento Sputnik” da China no que diz respeito à inteligência artificial. O momento em que a União Soviética pôs em órbita o primeiro satélite feito pelo homem em outubro de 1957 teve repercussões profundas no espírito americano e na política governamental dos Estados Unidos. O acontecimento desencadeou uma ansiedade pública alargada quanto à percepção de superioridade tecnológica por parte da União Soviética, levando muitos americanos a seguirem o satélite no firmamento durante a noite e a sintonizarem transmissões de rádio do Sputnik. Deu origem à criação da Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (NASA), estimulou subsídios governamentais significativos para o ensino da matemática e das ciências e lançou de facto a corrida espacial. A mobilização americana a nível nacional acabou por dar frutos dez anos mais tarde, quando Neil Armstrong se tornou na primeira pessoa a pisar a Lua. O AlphaGo registou o seu primeiro triunfo de alto nível em março de 2016, durante uma série de cinco jogos contra o lendário jogador coreano Lee Sedol, vencendo-o por quatro a um. Embora a maior parte dos americanos não se tenha apercebido deles, os cinco jogos atraírammais de 280 milhões de espectadores chineses. De um dia para o outro, a China mergulhou na febre da inteligência artificial. O frenesi não foi equiparável à reação americana ao Sputnik, mas acendeu uma chama no seio da comunidade tecnológica chinesa que ainda continua a arder. Quando os investidores, empresários e funcionários públicos da China se focam todos numa indústria, são verdadeiramente capazes de abanar o mundo. A China está a aumentar o investimento, a investigação e o empreendedorismo na IA numa escala histórica. O dinheiro para startups de IA jorra dos investidores em capital de risco, de gigantes tecnológicos e do Estado chinês. Os estudantes chineses também foram contagiados pela febre da IA, inscrevendo-se em programas de graduação avançados e seguindo conferências de investigadores internacionais nos seus telefones de última geração. 15 Os fundadores de startups andam freneticamente a revolver, reorganizar ou simplesmente a renomear as suas empresas para apanharem a onda da IA. E, menos de dois meses depois de Ke Jie desistir do seu último jogo frente a AlphaGo, o governo central da China lançou um ambicioso plano para a promoção de aptidões no domínio da inteligência artificial. Exigia maior financiamento, políticas de apoio e coordenação para o desenvolvimento da IA. Estabelecia índices de referência para o progresso até 2020 e 2025 e previa que até 2030 a China se tornaria o centro da inovação global da inteligência artificial, liderando em teoria, tecnologia e capacidade de aplicação. Em 2017, os investidores em capital de risco chineses já tinham respondido ao desafio, injetando somas recorde em startups de inteligência artificial e totalizando 48% de todo o financiamento de risco em IA a nível global, ultrapassando pela primeira vez os Estados Unidos. O JOGO E O MOMENTO DE VIRADA Há um novo paradigma na relação entre a inteligência artificial e a economia que subjaz a esse incremento no apoio dado pelo Estado chinês. Enquanto os saberes da inteligência artificial progrediram lenta, mas firmemente ao longo de décadas, só recentemente se verificou uma aceleração nesse progresso que permitiu aos avanços académicos encontrarem uma transposição para os usos do mundo real. Eu já conhecia bem os desafios técnicos de vencer um ser humano no jogo de Go. Nos meus tempos de juventude, quando trabalhava para o meu doutoramento investigando questões de inteligência artificial na Universidade de Carnegie Mellon, trabalhei sob a orientação de Raj Reddy, um pioneiro em investigação no campo da IA. Em 19865 , criei o primeiro programa de software para derrotar um membro da equipa do campeonato mundial no jogo Othello, uma versão simplificada de Go que se jogava num tabuleiro de oito quadrículas por oito. Na altura, foi um verdadeiro sucesso, mas a tecnologia subjacente tinha apenas as condições para se confrontar com os jogos de tabuleiro mais simples. O mesmo se verificou quando o Deep Blue da IBM derrotou o campeão mundial de xadrez, Garry Kasparov, num confronto em 1997 a que chamaram “A Última Batalha do Cérebro Humano”. 16 Esse acontecimento tinha gerado grande ansiedade quanto à perspectiva de os robôs virem a derrotar a espécie humana, mas, para além de fazer subir as ações da IBM, a partida de xadrez não teve impacto significativo na vida do mundo real. A inteligência artificial ainda tinha poucas aplicações práticas e, ao longo de décadas, os investigadores não haviam produzido qualquer avanço fundamental. No essencial, o Deep Blue avançara para a vitória à custa de “força bruta” — sustentado por hardware preparado para gerar e avaliar posições a partir de cada jogada. Também tinha contado com contributos de campeões do mundo real, que tinham acrescentado conteúdo heurístico ao software. Sim, aquela vitória foi um feito de engenharia impressionante, mas baseou-se em tecnologia consolidada que operava com base num conjunto bastante limitado de questões. Se retirássemos o Deep Blue da simplicidade geométrica de um tabuleiro de xadrez de oito por oito, ele não pareceria muito inteligente. Afinal, o único emprego que ele ameaçava era o do campeão mundial de xadrez. Desta vez, porém, as coisas foram diferentes. A partida entre Ke Jie e AlphaGo jogou-se dentro dos limites de um tabuleiro de Go, mas tem ligações próximas a transformações dramáticas no mundo real. Tais transformações incluem o frenesi face à IA que, na China, as partidas AlphaGo provocaram no ambiente tecnológico que o impulsionou para a vitória. O AlphaGo sustenta-se de Deep Learning (saber profundo), uma abordagem inovadora à inteligência artificial que impeliu vertiginosamente as capacidades cognitivas das máquinas. Os programas baseados em Deep Learning conseguem hoje um desempenho superior ao dos seres humanos na identificação de rostos, no reconhecimento da fala e em decisões como a concessão de crédito. Ao longo das décadas anteriores, a revolução da inteligência artificial pareceu sempre estar à distância de cinco anos. Mas, recentemente, com o desenvolvimento do Deep Learning, essa revolução chegou, por fim. Vai trazer consigo toda uma era de incrementos na produção em massa, mas também perturbações generalizadas nos mercados de trabalho — e, nas pessoas, efeitos sócio- psicológicos profundos —, à medida que a inteligência artificial usurpa o labor humano em indústrias de todo o tipo. Abaixo, foto de um tabuleiro de Go. 17
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