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Literatura e ensino
Comitê Editorial
Ana Guedes (Unicamp)
Carla Lynn Reichmann (UFPB)
Clécio Buzen (UFPE)
Dora Riestra (Universidad Nacional de Rio Negro)
Florencia Miranda (Universidade Nacional do Rosário)
Francine Cicurel (Sorbonne Nouvelle Paris 3) 
Ecaterine Bulea-Bronckart (Université de Genève)
Eulália Leurquin (UFC)
Jean-Paul Bronckart (Université de Genève)
Jean-Remi Lapaire (Université Bordeaux Montaigne)
Joaquim Dolz (Université de Genève)
Juliana Alves Assis (PUC/Minas)
Luzia Bueno (Universidade de São Francisco) 
Maria Ângela Paulino Teixeira Lopes (PUC/Minas)
Maria Antónia Coutinho (Universidade Nova de Lisboa)
Pierre-Yves Testenoire (Université Sorbonne)
Roxane Gagnon (Université de Genève)
eulália Leurquin
Fernanda Coutinho
(0rganizadoras)
Literatura e ensino
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
ISBN 978-85-7591-560-8
Índices para catálogo sistemático:
capa e gerência editorial: Vande Rotta Gomide
preparação dos originais: Editora Mercado de Letras
revisão final: dos autores
DIREITOS RESERVADOS PARA A LÍNGUA PORTUGUESA:
© MERCADO DE LETRAS®
VR GOMIDE ME
Rua João da Cruz e Souza, 53
Telefax: (19) 3241-7514 – CEP 13070-116
Campinas SP Brasil
www.mercado-de-letras.com.br
livros@mercado-de-letras.com.br
1a edição
2019
IMPRESSÃO DIGITAL
IMPRESSO NO BRASIL
Esta obra está protegida pela Lei 9610/98.
É proibida sua reprodução parcial ou total
sem a autorização prévia do Editor. O infrator
estará sujeito às penalidades previstas na Lei.
suMÁrio
APRESENTAçÃO
Capítulo 1
DA LITERATURA COMO TRAVESSIA:
É POSSÍVEL ENSINAR LITERATURA?
Claudicélio Rodrigues da Silva
Capítulo 2
FIGURAS DO OUTRO. LITERATURA 
COMPARADA E INTERCULTURALIDADE
Graciela Cariello
Capítulo 3
APONTAMENTOS PARA UMA RELEITURA DE 
O GUARANI: A MATRIZ FOLHETINESCA E AS 
TRADUçÕES FRANCESAS NO SÉCULO XIX
Ilana Heineberg
Capítulo 4
APONTAMENTOS COGNITIVOS 
PARA UMA DIDÁTICA DA LITERATURA 
José Leite de Oliveira Júnior
Capítulo 5
HERÓIS E HEROÍNAS EM TERRAS 
DESCONHECIDAS: AS TRADIçÕES AFRICANAS 
EM NARRATIVAS INFANTIS E JUVENIS
Maria Carolina Godoy
Capítulo 6
A CRÔNICA. GÊNERO AMBÍGUO... 
MAS GENUINAMENTE LITERÁRIO
Maria Emilia Vico
Capítulo 7
O GÊNERO POÉTICO NO ENSINO 
DE LITERATURA
Márcia Cabral da Silva
7
aPresentaÇÃo 
A presença da conjunção aditiva “e”, na constitui-
ção do par Literatura e Ensino, pode parecer, a princípio, 
que a adição, por ela expressa, reúna, de fato, instâncias 
que guardam tal nível de semelhança entre si, que se tor-
naria impertinente qualquer indagação sobre o fato de as 
palavras estarem juntas. 
Na realidade, impertinente seria aceitar como pací-
fica essa convivência, uma vez que uma das questões que 
se colocam com relação à Literatura e às artes em geral 
possui um nítido contorno epistemológico: As expres-
sões do mundo sensível são passíveis de serem transmiti-
das? Ou, dito de outra forma: Será que não haveria bar-
reiras quase intransponíveis entre o eu e o outro, quando 
estamos diante de conteúdos não matematizáveis? 
Assim, um ponto de inflexão face ao problema 
seria a própria abertura das artes, e da Literatura em par-
ticular. Em outras palavras, a recepção é da ordem da 
transitividade, dependendo da circunstância de fruição 
do leitor, de suas vivências no universo da leitura, e até da 
memória do já-lido como material potencialmente acio-
nável nos registros que se empilham ao longo da experi-
ência de viver-ler. Portanto, o “e” não lembra (nem deve 
lembrar!) aos professores de Literatura uma condição de 
8
conforto, como se não houvesse mais perguntas a serem 
respondidas e/ou formuladas. 
É nessa perspectiva que se entende a provocação 
de mais um livro sobre Literatura e Ensino, o qual busca 
refletir sobre esse ambiente de aprendizagem na univer-
sidade e, principalmente, sobre sua potência de reper-
cussão nas aulas de Literatura do Ensino Médio. Como 
afastar os futuros professores do papel de agenciadores 
de respostas prontas, indubitáveis, quando se sabe que 
a complexidade da Literatura tem um efeito de atração
-repulsão que nos aproxima mais das perguntas, distan-
ciando-nos, consequentemente, das formulações de teor 
eminentemente conclusivo. Os oito artigos que formam 
esta coletânea vêm ratificar a amplitude do binômio Li-
teratura e Ensino, na medida em que encontram formas 
singulares de pensar a Literatura como matéria de diálogo 
e ainda de colocá-lo em movimento, por intermédio das 
atividades propostas na sequência de cada trabalho. 
Em Da literatura como travessia: é possível ensinar Lite-
ratura?, Claudicélio Rodrigues parte do texto poético de 
Manoel de Barros – um “menino perguntador” sobre o 
mundo das palavras –, para mostrar que há necessidade 
de uma didática da invenção, que ressalte a beleza e a 
tensão do texto literário. 
Apontando as vivências próprias ao ofício de en-
sinar, o articulista chama a atenção para questões como a 
opção por uma aposta conteudista, tendo por meta uni-
camente uma educação de resultados. Sua proposta, em 
contrapartida, parte do princípio de que:
Literatura se vive. E qualquer saber, não apenas 
o literário, deve partir da experiência, vivida ou 
imaginada, que se deve narrar/ler a fim de que 
de fato exista no campo artístico. Cada ato hu-
mano é a literatura em potência, como flor bruta 
prestes a romper, como chuva prestes a desabar 
que, ou promove o caos ou fecunda o solo. 
9
Suas reflexões são atravessadas pela de pensado-
res da linguagem, da educação, e da leitura, a exemplo de 
Mikhail Bakthin, Paulo Freire, Jacques Rancière, Rubem 
Alves e Vincent Jouve, cujas palavras desenham não um 
diagrama com as de Fernando Pessoa – Alberto Caeiro 
– e Guimarães Rosa, uma vez que a complexidade que 
envolve a discussão demanda, mais que uma estrutura 
plana, uma tridimensional, pois em seu espaço ainda de-
vem caber as “inconclusões”. 
Em Figuras do outro. Literatura Comparada e Intercul-
turalidade, Graciela Cariello insere no debate a discussão 
sobre a formação de professores de língua estrangeira. 
Em um texto bastante assertivo, a pesquisadora relata 
uma experiência concreta, havida no curso de formação 
de Professores de Português da Universidade Nacional 
de Rosário, Argentina. Tomando como base, a tensão 
que reveste a convivência entre as noções de identidade 
e outridade, são apontadas as incompreensões existen-
tes durante muito tempo face à linguagem literária e sua 
inclinação para o desvio, entendido erroneamente como 
menosprezo à normatividade gramatical. Em sua argu-
mentação, Cariello prefere se encaminhar para a compre-
ensão de que:
A literatura nos faz inventores de mundos. Ela 
prova que as palavras têm uma potencialidade 
criativa só limitada pelas regras que a própria li-
teratura gera, e que aprender uma outra língua é 
adquirir mais uma porção dessa potencialidade. 
A literatura oferece à nossa imaginação a mul-
tiplicidade de vidas que uma língua descortina 
para os leitores. Todas as formas de uma língua, 
aquelas que vamos aprendendo e até mesmo as 
que alguma vez descobriremos falando sem sa-
ber que sabíamos, estão potencialmente na lite-
ratura dessa língua. Se estudarmos a literatura de 
10
uma língua estrangeira, estaremos construindo 
um espaço de diálogo fecundo, que permitirá 
ver como e por que cada um de nós é os outros.
Ilana Heidelbeg, por sua vez, parte da noção de 
recepção para colocar em relevo o processo de cristali-
zação, que cerca determinadas obras literárias, trazendo-
lhes uma pecha negativa e o consequente afastamento do 
público. Segundo ela, Peri e Ceci são personagens caros 
ao imaginário popular, mesmo tendo sido gerados nos 
tempos de nosso Romantismo. O carisma do par, no en-
tanto, não retira do discurso sobre O Guarani a reprovação 
quanto ao “artificialismo, a emotividade e o nacionalismo 
ingênuo.” A autora acolhe a afirmação de Maria Cecília 
Boechat de que esta narrativa alencariana seria “herdeira 
de suaprimeira recepção crítica”. Fica então a indagação: 
os leitores de nossa contemporaneidade poderiam extrair 
prazer desse gênero de leitura? Uma forma de aborda-
gem, que renderia novos trajetos de leitura seria adentrar 
as páginas de O Guarani por meio de sua “inserção na 
matriz folhetinesca e sua recepção em âmbito interna-
cional através das traduções francesas que foram feitas 
deste texto ainda no século XIX”. Os leitores da atua-
lidade precisariam, então, mergulhar na face trepidante 
do romance-folhetim, sua vocação para o emaranhado de 
aventuras, e, buscando, particularmente como o folhetim 
à brasileira foi delineado. Em suplemento, Heineberg in-
forma que “ao estudar as traduções de O guarani para a 
língua francesa ainda no século XIX, percebe-se que o 
romance de Alencar suscitou interesse fora das frontei-
ras nacionais, afinal possui três publicações em francês”. 
Essa afirmação vale como um convite ao leitor para se-
guir essa trilha e verificar como os romances, para além 
da ficção, também têm uma história, podendo ela ser vir 
a ser empolgante para quem se debruça sobre a Literatura 
com a curiosidade e o apetite de um aficionado leitor de 
romances-folhetim. 
11
Assumindo um tom bastante didático, o texto 
Apontamentos cognitivos para uma Didática da Literatura, de 
autoria do professor José Leite de Oliveira Júnior, tem 
uma proposta de defender a ideia de se ter uma didáti-
ca de ensino da literatura que focalize o aspecto cogniti-
vo do leitor. Segundo o autor, os estudos desenvolvidos 
nesse campo apresentam um foco maior na didática e 
na pedagogia, deixando de lado outra parte igualmente 
importante: o aluno. Faz uma crítica ao tipo de aula de 
literatura e, defende a ideia de que seria mais eficaz uma 
aula centrada na experimentação do próprio aluno e con-
centrada na complexidade do texto literário. Em direção 
a uma descrição da aula de literatura, ele apresenta o pla-
no de aula, explicando o papel de cada uma das etapas. 
Ancora-se em Bloom (1976) para tratar das categorias do 
domínio cognitivo e em seu percurso apoia-se em clássi-
cos da literatura brasileira exemplificando cada categoria 
(conhecimento, compreensão, aplicação, análise, síntese 
e avaliação.
O capítulo intitulado de Heróis e heroínas em terras 
desconhecidas: as tradições africanas em narrativas infantis e juve-
nis, de autoria de Maria Carolina Godoy, traz em evidência 
a literatura afro-brasileira, em particular, para o público 
infantojuvenil. A autora convida o leitor a uma discus-
são em torno desse tema e questiona por que a pouca 
publicação de obras literárias afro-brasileiras e também a 
pouca representatividade nos textos. No desenvolvimen-
to de seus argumentos, ela aponta razões para o fato de as 
crianças e jovens terem pouco acesso a esse tipo de leitu-
ra. Godoy faz uma revisão da literatura e apresenta, desde 
os precursores da literatura afro-brasileira até os autores 
atuais. Faz uma forte crítica ao fato de as narrativas des-
tinadas ao Ensino Fundamental se remeterem, muitas 
vezes, à religiosidade de matriz africana ou retomarem 
a contos de diferentes países africanos. Outro ponto de 
destaque neste capítulo é a reflexão desenvolvida pela au-
12
tora sobre as inovações no campo da leitura digital. Ela 
ressalta como ponto positivo para a formação de leitores 
os recursos utilizados.
O capítulo seguinte tem a autoria de Maria Emilia 
Vico e é A crônica. Gênero ambíguo... Mas genuinamente li-
terário. O texto está dividido em duas artes bem marcadas. 
A primeira parte apresenta um conjunto de perguntas 
que diretamente provoca no leitor um envolvimento par-
ticular de coparticipação. A autora chama a sua atenção, 
convidando-o a pensar sobre o contexto de produção da 
crônica. De forma direta elenca um conjunto de pergun-
tas (qual é o seu público? Quais os possíveis temas? Tem 
a crônica uma estrutura específica? Qual é a sua origem? 
E o veículo ou veículos? Quais são os objetivos da inte-
ração? Quais são os gêneros que se lhe parecem? Quais 
as características que fazem com que possamos dizer 
que um determinado texto é uma crônica? A crônica é 
um gênero literário?). O momento seguinte desta etapa 
é marcado pela discussão sobre o o conceito de crônica, 
momento em que nos apresenta alguns estudiosos e seus 
textos. Na sequência da teorização, Vico põe em discus-
são se esse texto literário é ou não um gênero literário. A 
segunda parte do capítulo é marcada pela analisa de uma 
crônica de Carlos Drummond de Andrade e culmina em 
uma proposta de atividade. Trata-se de um texto cheio de 
provocações que convida o leitor à reflexão e não à dar 
informações apenas.
O último capitulo é de autoria de Márcia Cabral 
da Silva intitulado de O gênero poético no ensino de literatura. 
Teria um espaço para o gênero poético em sala de aula? 
Durante o artigo, a autora mostra que sim e o faz apre-
sentando uma possibilidade de análise. Ela se posiciona 
de forma a valorizar o movimento dos elementos linguís-
tico a favor a compreensão de um texto poético. Essa 
postura é muito particular e positiva para o ensino de lín-
gua, para a formação de leitores, para a compreensão da 
13
funcionalidade da língua na interação poeta e leitor. Nes-
se sentido, ela trata da constituição da poesia e também 
apresenta uma análise com base nos elementos linguísti-
cos que ela considera importantes. Inicia mostrando que 
para a construção de uma poesia é importante a seleção 
das palavras e que ela também dão ritmos à poesia. Nes-
se sentido apresenta algumas poesias e as analisa. Nes-
se exercício dinâmico, chama a atenção para o papel da 
metalinguagem, em outras as figuras de linguagem como 
recurso estilístico. Os exemplos dados mesclam da poesia 
ao cordel, de Patativa a Drummond de Andrade. 
O conjunto dos textos e a proposta desenhada pe-
los autores, com base nos próprios objetivos da coleção, 
desafia os leitores, em particular os professores e forma-
dores de professores a pensar o espaço da literatura na 
sala de aula. 
15
Capítulo 
Da Literatura CoMo traVessia: 
É PossÍVeL ensinar Literatura?
Claudicélio Rodrigues da Silva
VI
Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas 
leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor, 
esse gosto esquisito.
(...)
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença,
pode muito que você carregue para o resto da vida
um certo gosto por nadas...
E se riu.
(...)
Manoel de Barros, O livro das ignorãças.
Que é um conteúdo?
Proponho uma reflexão que parta do nada e ao 
nada chegue, como o poema de Manoel de Barros. Sugiro 
uma conversa que mergulhe nas “ignorãças” e faça com 
1
16
que elas evoquem em nós diversas questões que não ca-
recem nem querem ser respondidas nesse momento: por 
que quisemos ser professores? O que nos induziu a essa 
empreitada (derrocada)? Por que o desejo por fomentar 
saberes e a aflição por encontrar um sentido para as coi-
sas e para o mundo? Essas questões me abraçam como 
educador. E me alimento do nada que elas me oferecem. 
Mas há outras ainda.
O que significa ensinar hoje, quando nossos alunos 
são mergulhados em uma infindável trama de informa-
ções midiáticas, onde o apelo visual e sonoro do mundo 
virtual chama mais a atenção do que uma aula expositiva? 
Como promover um ensino que faça realmente sentido 
ao aluno, colocando-o no centro e não à margem do co-
nhecimento? Como fomentar o desejo de autonomia na 
sala de aula sem perder o foco do projeto pedagógico? 
Fruto de uma “sociedade da excitação” (Türcke 2012), 
que conteúdo realmente faz sentido a esse aluno? 
Essas são apenas algumas demandas que per-
meiam a cabeça dos graduandos e futuros professores da 
educação básica. Fora isso, o medo de não se conseguir o 
completo domínio da sala, o receio de serem incompre-
endidos pelos alunos adolescentes e de rapidamente se 
decepcionarem com o processo de ensino-aprendizagem. 
Inúmeras questões para as quais não há respostas prontase acabadas. Se educação é processo, meio, e não fim, esta-
remos sempre no caminho da dúvida, seja ela grande ou 
pequena. Pautar-se nos questionamentos evidencia um 
compromisso não com as respostas, mas com o anseio a 
que a educação faça sentido. As certezas podem nos trair. 
Ao longo do curso de graduação,1 além das disci-
plinas de formação específicas, como língua e literatura, 
os graduandos têm acesso a cursos de formação didático
-pedagógica a fim de perceberem a história da educação 
1. Refiro-me, é claro, aos cursos de licenciatura plena.
17
no Brasil, seus entraves e avanços e as principais tendên-
cias e correntes que fomentam os saberes. Às disciplinas 
didáticas específicas ao ensino de língua e literatura se 
vinculam as de estágio, que por sua vez se desdobram em 
observação, simulação e regência, respectivamente nes-
sa ordem. Essas disciplinas são oferecidas no último ano 
da formação do aluno, após ter sido percorrido o longo 
trajeto pelas teorias do conhecimento. Assim, muitos alu-
nos chegam a essa etapa cansados da rotina de estudos. 
Quando deveriam estar mais seguros, surgem exaustos e 
sem perspectiva, temendo assumir a regência e fracassar 
na profissão que escolheram. 
Nesse sentido, as disciplinas de observação e está-
gio, bem como outras de feição didática, devem cumprir 
um papel de expor os entraves da educação que temos e 
discutir a educação que queremos. É imprescindível que 
os futuros educadores saibam que, se lhes falta a experi-
ência pedagógica, sobra-lhes o dinamismo da juventude 
e a vontade de ousar. Mais que professores conteudis-
tas, que se colocam no centro da sala, como se tivessem 
todo o conhecimento do mundo, a escola necessita de 
mediadores do saber, afinal, nunca fomos enciclopédias 
ambulantes. Com o avanço das tecnologias da informa-
ção e comunicação, torna-se fácil descobrir o conheci-
mento fora da sala. A vastidão do ambiente virtual atiça 
o curioso e é para lá que nossos olhos de educadores 
devem estar voltados. Somos arremessados na enxurrada 
de informações. Mas o que fazer com elas? Quais as que 
realmente importam? Como filtrá-las e como organizá
-las em nosso próprio benefício? Essas questões devem 
permear o plano didático dos novos professores. Além 
disso, é importante perceber que as concepções de ensi-
no mudam conforme o momento, o espaço e o público. 
Não há uma receita pronta para isso. 
Conteúdo é precisamente aquilo que está contido 
em algo. Um saber herdado. Uma cultura do fazer e do 
18
pensar. Mas também é conteúdo uma atitude e o proces-
so de tomada de consciência das sensações, das emoções, 
dos desejos. Pode-se, nesse sentido, pensar o conteúdo 
com uma tripla demanda: conceitual, procedimental e ati-
tudinal. Saber o que é uma coisa não é tudo. O que fazer 
com ela? O que ela desperta em mim? O que sou depois 
de tê-la? O problema do conteúdo, para Mikhail Bakhtin 
(2002), pressupõe a conjunção entre conhecimento, ética 
e arte. Toda concepção de mundo exigiria do humano um 
domínio do saber fronteiriço, ou seja, nenhum conheci-
mento está no interior, mas nas bordas, nas margens, nas 
ramificações e entrecruzamentos. É preciso saber-se su-
jeito em potência, nunca concluso. Sobre a inconclusão 
se assenta a educação. E é assim que ela deve ser pensa-
da: em processo. Deve-se partir de saberes empíricos e 
afetivos para chegar aos saberes das demandas culturais, 
sistemáticos. Um saber pautado na experiência não pode 
ser apagado por um saber formal. Para essa lição, basta 
compreender o que nos diz o mestre Alberto Caeiro:
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo comigo
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do mundo (...)
 (Pessoa 2005, p. 19)
19
Mais do que um poder de sintetizar, o que a educa-
ção cobra de nós é o desejo de análise,2 o desnudamento 
das coisas, o espanto de ver aquilo que sempre víramos, 
mas agora sob nova perspectiva. Nascer “para a eterna 
novidade do mundo” com esse nítido olhar de girassol 
é estar atento às mudanças necessárias no percurso.3 Se-
remos educadores quando, mais do que apresentarmos 
um conteúdo acabado, soubermos questioná-lo; mais do 
que defini-lo, soubermos problematizá-lo; mais do que 
apreendê-lo como verdade, soubermos descartá-lo quan-
do ele não mais nos parecer importante. Será um sinal 
de que avançamos e, ainda, a constatação de que saber 
algum é imutável.
Por uma pedagogia da autonomia do leitor
Educar para a transformação plena do sujeito, no 
desejo de que ele abandone a passividade e assuma seu 
protagonismo, é o grande desafio. No Brasil, é Paulo 
Freire quem elabora um percurso pedagógico que tem 
2. Percebo como a institucionalização do saber gerou e gera pro-
fessores repetidores, sem um mínimo de consciência crítica. 
Repassam o conteúdo já pulverizado, sem se importar em 
produzir seu próprio material a partir de sua experiência de 
mundo. O Ensino Médio, particularmente, é um celeiro de 
síntese. É ela quem domina esse espaço. A criticidade passa 
longe daí, quando o que interessa é sistematizar um conheci-
mento com base na utilidade: “Isso vai cair na prova”, “O ves-
tibular – o ENEM – cobra tais habilidades e competências”, 
“Os concursos públicos abordam isso sob tal perspectiva”. 
E, longe da formação do sujeito, o ensino se torna refém de 
sínteses, como se a vida só tivesse sentido em função de uma 
profissão.
3. Refiro-me a uma pedagogia da sensação, onde o corpo em 
sua totalidade aprende enquanto apreende o mundo. Diante 
disso, ler equivale a sentir e não somente reter conteúdos. 
20
como cerne a constituição de uma pedagogia que levanta 
do chão os excluídos e os faz partir de suas próprias ex-
periências, mas não se limitando a elas. Num mundo que 
vê o sujeito como consumidor e mercadoria é necessário 
que o ensino busque outra ótica e ética. Diante de um sis-
tema excludente, é preciso que os professores coloquem 
como suporte de sua prática o valor da ética, conforme 
afirma Paulo Freire:
A ética de que falo é a que se sabe traída e ne-
gada nos comportamentos grosseiramente imo-
rais como na perversão hipócrita da pureza em 
puritanismo. A ética de que falo é a que se sabe 
afrontada na manifestação discriminatória de 
raça, de gênero, de classe. É por esta ética inse-
parável da prática educativa, não importa se tra-
balhamos com crianças, jovens ou com adultos, 
que devemos lutar. (2011, p. 18)
No caso específico do professor de língua e lite-
ratura, deve-se ter clareza que os discursos da literatura 
jamais são ingênuos. Sob hipótese alguma ela é neutra. 
Fruto do seu tempo de produção, uma obra está sempre 
em processo, diacrônica e sincronicamente, e requer lei-
tura aberta. A literatura não faz concessões, não se rende 
à dissimulação dos espaços sociais e políticos, tampouco 
tolera seu uso em benefício de um fundamentalismo (seja 
de ordem religiosa, moral ou política). Ela promove uma 
emulação dos espaços de poder, assumindo também uma 
postura, sem se impor arrogantemente. Sempre funcio-
nou assim, mesmo em tempos em que se tentou censurar 
as liberdades de expressão. 
Embora funcione como aparelho ideológico do 
Estado (Althusser 1985),4 a escola não deveria cercear a 
4. Louis Althusser não apenas sinalizou que a escola era mais um 
21
voz literária. Mas, infelizmente, é isso o que ocorre. Em 
nome de um ensino que prega valores, quando deveria as-
sumir o debate frente às questões formativas do sujeito, a 
escola contenta-se em oferecer pobremente um currículo 
que se pauta em leituras do cânone. E qualquer desvio 
por parte dos professores, qualquer rota de fuga que leve 
a discussões polêmicas sobre o ser e o estar no mundo, 
provocam abalos.Parece que, quando deveria propor 
uma pedagogia da libertação, a escola prefere oferecer 
uma pedagogia que canta o coro da tradição, a fim de não 
correr riscos. 
Atualmente, em nome de uma pedagogia do “po-
liticamente correto”, deixamos de lado diversas questões. 
Preferimos mais do mesmo, ao invés de buscarmos o 
outro. Rezamos a cartilha do contentamento. Conten-
tamo-nos com um currículo que não rompe com uma 
tradição; contentamo-nos com um ensino que privilegia, 
não o questionamento, mas as respostas; contentamo-
nos, enfim, com um ensino que diz o que o aluno deve 
fazer e como deve fazer, mas não o orientamos a produ-
zir conhecimento. Para usar a metáfora de Rubem Alves 
(2012), oferecemos a “caixa de ferramentas” e exigimos 
que o aluno as utilize, quando poderíamos propor que, 
além disso, ele produzisse seus próprios instrumentos. 
Mais do que isso, esquecemos de valorizar a “caixa de 
brinquedos”, que promoveria a noção de mundo sob a 
perspectiva do prazer, não da obrigação. 
dos mecanismos do jogo do poder capitalista, como também 
prenunciou a mercantilização do saber. Nesse sentido, uma 
educação bancária dialogaria com os objetivos propostos por 
uma elite dominante. Assim, a literatura seria capaz de des-
construir as noções imaginárias que a ideologia constrói no 
sujeito, fazendo-o perceber as amarras que o aprisionam. A 
educação popular, pensada para as massas e ao proletariado, 
encontrou em Paulo Freire um forte defensor da história do 
sujeito, que ele seja seu próprio narrador de sua história, e não 
se deixe levar pelos interesses burgueses.
22
Diante disso, como seria o papel ético do profes-
sor? De que modo os professores de literatura devemos 
pautar nossas escolhas pedagógicas sob o compromisso 
de um ethos? Paulo Freire responde:
Na maneira como lidamos com os conteúdos 
que ensinamos, no modo como citamos auto-
res de cuja obra discordamos ou com cuja obra 
concordamos. Não podemos basear nossa críti-
ca a um autor na leitura feita por cima de uma 
ou outra de suas obras. (2011, p. 18)
Compreendendo uma visão de mundo, a literatura 
oferece, pela lente do escritor, as questões humanas, seus 
conflitos de ordem social e existencial. Cabe ao leitor (e 
nesse caso, penso no professor de literatura como um 
mediador na descoberta do poder do texto literário) in-
vestigar por que as vidas com seus enredos nos interes-
sam; por que os sentimentos, as perdas e as conquistas 
nos prendem. 
O que tudo isso evoca? Mais do que ensinar lite-
ratura pelo viés historiográfico ou estético, é importan-
te ensiná-la pelo viés ético. Nesse caso, o ensino ético 
pressupõe deixar que a literatura seja, sem remendos e 
sem ocultações de questões caras à formação humana. A 
literatura já foi acusada de transgressora inúmeras vezes,5 
assim como foi cerceada, combatida, queimada em praça 
pública, encerrada nos espaços privados. 
5. As Flores do Mal de Baudelaire passaram pelo crivo da censura, 
assim como Madame Bovary de Flaubert. No caso do Brasil, a 
prosa de ficção romântica, escrita por brasileiros ou por es-
trangeiros, era considerada, tanto pela igreja quanto pela fa-
mília, de má influência para o modelo patriarcal que erigia a 
mulher como submissa aos pais, ao marido e à pátria. 
23
Ensinar literatura é, pois, estar consciente de que 
ela é obra humana e, como tal, aborda os impasses mo-
rais, sexuais, psicológicos, religiosos, políticos etc. Tudo 
isso culmina numa apreensão de eticidade do texto lite-
rário por parte do educador. Não se deve fugir dos pro-
blemas, nem escondê-los, senão promover um discurso 
aberto sobre isso, uma leitura que não descambe para a 
reprovação de um autor com base nas concepções reli-
giosas e morais do leitor.6 Aliás, todo conhecimento só 
tem sentido se for colocado em defesa da liberdade, que, 
não suportando fundamentalismo e hipocrisia, coopera 
para que o aluno elabore sua aprendizagem pelo viés da 
criticidade, conforme indica Paulo Freire: “(...) quanto 
mais criticamente se exerça a capacidade de aprender, 
tanto mais se constrói e desenvolve o que venho cha-
mando ‘curiosidade epistemológica’, sem a qual não al-
cançamos o conhecimento cabal do objeto” (2011, p. 26).
O texto literário assume, por assim dizer, uma fun-
ção profética, sem querer resvalar para questões doutri-
nárias aqui. Tal profecia acontece no momento em que a 
obra se reveste de denúncia e anúncio. O que denuncia a 
literatura? As incongruências do passado e do presente, 
os impasses, os discursos anacrônicos e vazios, as rela-
ções de poder, o jogo entre as moralidades e a natureza 
humanas, os limites do humano, a psicologia do abismo 
etc. Denuncia, porque todo texto traz consigo uma marca 
de passado que, atualizada no agora da leitura, promove 
uma ruptura e anuncia uma novidade à medida que apon-
ta outros percursos. 
Se o texto literário evoca uma dupla visão de mun-
do (particular, por ser recorte de vivências e construção 
do imaginário do autor; coletiva, porque o autor se insere 
num tempo-espaço demarcado pela herança cultural), sua 
6. Configurando-se como insubmissa, a literatura não suporta 
isenção e tampouco aceita ser usada por fundamentalistas.
24
leitura também implica um saber de mundo, um olhar 
duplo, para fora de si, onde estão os fatos narráveis, e 
para dentro si, onde estão as sensações que detêm o mun-
do. Cabe ao professor não persistir na concepção de que 
ensinar é transferir o que sabe, mas conduzir (isso é o que 
significa a palavra pedagogo) o aprendiz no caminho das 
descobertas. Muitos professores são apenas repetidores. 
Leem muito - quando leem - e depois apresentam o lido 
sem problematizá-lo, sem questioná-lo, como isso fosse 
verdade absoluta. É o tipo de educador que “fala bonito de 
dialética, mas pensa mecanicistamente” (Freire 2011, p. 29). 
Pensada como um ambiente desgarrado do con-
creto, nesse caso, a escola supõe que a realidade lá fora é 
pesada demais para adentrar ao paraíso fictício do saber, 
templo do conhecimento. Mas não existe um “lá fora” 
desmembrado de um “aqui dentro”. O mundo é o mes-
mo, nós é que criamos as barreiras. O ensino da literatura, 
então, deve pautar-se na consciência de uma “reflexão so-
bre o mundo inserida no mundo” ou melhor “(...) nem a 
teoria é transcendental em relação às situações em que se 
produz e se usa, nem o teórico é geralmente um pensador 
isolado e misantropo” (Jobim 2002, p. 119).
Num espaço onde se joga o jogo do politicamen-
te correto, não entram as questões humanas, porque ser 
humano pressupõe ser complexo, repleto de problemas, 
sobrecarregado de dúvidas, e sonhos, e desejos. Fora dis-
so, há o olhar limítrofe, preconceituoso, que prejudica 
nosso percurso pedagógico, porque não percebemos que 
a realidade é apenas uma construção particular e nunca 
completa, ou, segundo Bakhtin:
É preciso lembrar de uma vez por todas que não 
se pode opor à arte nenhuma realidade em si, 
nenhuma realidade neutra: pelo próprio fato de 
que falamos dela e a opomos a algo, nós, como 
que a definimos e lhe damos um valor; é preciso 
25
apenas sermos claros com nós mesmos e com-
preender o verdadeiro sentido da nossa aprecia-
ção. (2002, p. 31)
O autor se alimenta exatamente da realidade, não 
para dar respostas, senão para provocar reflexões. Fora 
isso, ficamos todo o tempo discutindo o caráter mimético 
da obra e não nos apercebemos das várias dimensões do 
humano que ela aborda. Então, que é ser professor de lite-
ratura? Devo dizer que fico bastante preocupado quando 
vejo alunos de graduação em Letras – futuros professo-
res – com uma visão bastante romantizada da literatura. 
Como se a literatura fosse uma caixa alucinógena, buscam 
trabalhar apenas textos que evoquem o prazer. Esquecem 
que as dores, desesperanças, tristezas, decepções, precipí-
cios também compreendem o mundo da literatura e, ao 
contrário do que se pensa, trabalhar com isso é como uma 
espécie de purgação, uma cura pela leitura.7
A literatura deve realizar uma panaceia,com a 
qual, humanos que somos, devemos tratar-nos. Mas, sin-
ceramente, ela não é salvação, não é um fim em si mes-
ma, não quer ser vista como o prazer descompromissado. 
Porque toca questões sérias à humanidade, é um saber 
como outro qualquer com o qual devemos nos deparar 
para que percebamos a complexidade que é o humano. 
A dimensão do ser, seus limites e fronteiras, bem como 
seus anseios, impregnam o texto literário com todo o seu 
vigor poético (e por que não dizer mitopoético?!8).
7. Aliás, é exatamente isso uma das funções do teatro grego. Na 
Poética de Aristóteles (2005), as apresentações do drama deve-
riam infundir no espectador as tragédias possíveis ao humano 
que, chorando, sentindo terror ou piedade, deveria ficar livre 
daquilo que nem chegara a padecer. 
8. Letradas ou não, todas as civilizações construíram e cons-
troem mitos, e os alimentam na tentativa de entender o que 
são, de onde vieram, aonde vão. Ao contrário do que se pensa, 
26
Talvez a lição mais importante que o professor de 
literatura deve ministrar é propriamente a “lição do igno-
rante” (Rancière 2013), a necessidade de se criar mecanis-
mos para a emancipação do educando desse sistema ex-
cludente que, ao invés de trabalhar a sensibilidade, tenta a 
qualquer custo freá-la.
Travessias do literário
Tendo suspeitado da existência do Diabo em inú-
meras conjecturas, Riobaldo, o velho narrador de Grande 
sertão: veredas (Rosa 1980), usando sua filosofia de vida 
jagunça, resolve concluir seu relato afirmando que não 
existe Diabo nenhum, mas homem humano. A narrativa 
começa com uma palavra-símbolo – “nonada” – e termi-
na com a palavra “travessia”. Com base nisso, exponho 
aqui minha reflexão sobre o ato de ensinar. Todo saber 
parte desse “nonada” e culmina numa “travessia” porque 
conhecimento é percurso. 
Assim, para responder ao título desse artigo com 
base numa estética da negação, entendo que não se pode 
ensinar literatura; pelo menos não do jeito como a esco-
la tradicional quer pensar o texto literário. Literatura se 
vive. E qualquer saber, não apenas o literário, deve partir 
da experiência, vivida ou imaginada, que se deve narrar/
ler a fim de que de fato exista no campo artístico. Cada 
ato humano é a literatura em potência, como flor bruta 
os conhecimentos filosófico e científico não ofereceram res-
postas, e, com isso, não suplantaram as mitologias. Frutos de 
questões existenciais daqueles povos, os deuses do passado 
só morreram enquanto projeções de culto, mas continuam, 
enquanto construções imaginárias, a alimentar nossos sonhos 
e desejos. 
27
prestes a romper, como chuva prestes a desabar que, ou 
promove o caos ou fecunda o solo. 
Antes de pensar na função da literatura, e em como 
e para que ensiná-la, cabe pensar por que o homem se in-
teressa tanto por vidas reais ou imaginadas; por que “per-
de” seu tempo com leitura daquilo que nunca ocorreu? 
Em que isso se tornará produtivo? Por que gosta de jogar 
com vidas e se surpreender com o aflorar de suas emo-
ções (o terror, o humor, a alegria, a raiva etc.) ao ler um 
texto? Aí está a própria resposta que se quer para funda-
mentar o papel da literatura na formação do aluno: ela dei-
xa entrever o mundo real, assim como apresenta um mun-
do possível, e nos faz refletir sobre as possiblidades das 
escolhas, boas ou ruins, que fizemos ou venhamos fazer. 
Ela suscita desejos, libera sensações tolhidas, infunde uma 
vontade de reparação, ou simplesmente, tira-nos do nosso 
eu e nos lança ao outro. Sua matéria é feita de possibilida-
des. De um “se” que se projeta sobre nós, e nos cumula de 
alteridade. Por isso, a significação do texto literário não é 
fechada ou circunscrita ao tempo e espaço de produção, já 
que a intencionalidade do autor é substituída por camadas 
de leituras e teorias novas que cada época traz. 
É porque sempre somos obrigados a buscar um 
sentido para as coisas que, geralmente, vemos os conte-
údos das artes como aquilo que não tem valor prático. 
Somos a sociedade da utilidade. Esquecemos que a inu-
tilidade também é um saber. O ócio contemplativo não 
gera reflexão e questionamento? Um quadro abstrato não 
se torna uma questão a quem contemplá-lo? Uma música 
não evoca lembranças, que, por sua vez, permitem entre-
ver o que fomos e somos? Há saberes práticos e saberes 
contemplativos. As artes querem que as contemplemos 
como se mirássemos a nós mesmos, não como diante de 
um espelho, que mostra nossa imagem por reflexo, e não 
consegue revelar o interior. Se houvesse um espelho que 
nos revirasse pelo avesso...
28
Se, como indica Vincent Jouve (2014, pp. 84-85), o 
autor não controla completamente seu texto que, assim, 
escapa à sobrecarga de intencionalidade, a obra literária 
deve ser considerada mais um sintoma do que um sinal; 
seu sentido é diverso, não aceitando inteiramente con-
ceito. Estudar/ensinar literatura, então, é não perder de 
vista que a obra não vigora na superfície do sentido, não 
se deixa prender por categorias, nem aceita que as marcas 
do tempo e do espaço sejam as únicas formas de do-
miná-la. Esse caráter de impermanência da obra literária 
não é um dos mecanismos que justamente a faz vigorar 
como obra? Cada tempo produzirá, portanto, objetos 
conceituais para dar conta da obra. O problema do ensi-
no de literatura é a tentativa de esquematizá-la e esgotar, 
na leitura, todas as possibilidades de sentido. O conceito 
fugidio é essencial, portanto, para que o texto continue 
a despertar interesse, pois, “como o autor não domina 
tudo o que ele investe em seu texto, alguns conteúdos só 
serão identificados muito tempo depois da publicação da 
obra, uma vez que já terão se configurado as ferramen-
tas teóricas que permitam determiná-los” (Jouve 2012, p. 
87). Entram em jogo na leitura a diferença entre sentido 
e significação, donde se conclui que:
O sentido é singular; a significação, que coloca 
o sentido em relação a uma situação, é variável, 
plural, aberta e, talvez, infinita. (...) O sentido é o 
objeto da interpretação do texto; a significação é 
o objeto da aplicação do texto ao contexto de sua 
recepção (primeira ou ulterior) e, portanto, de 
sua avaliação. (Compagnon 2010, p. 85)
O diabo do Riobaldo nos assombra também quan-
do nos deixamos levar pela concepção mercadológica do 
saber utilitário repousando o “para que serve” no sentido 
da obra. Queremos saber para ter ou para ser? O diabo 
29
do Riobaldo murmura o tempo todo em nossos ouvidos, 
na ânsia de assumirmos o lado utilitário da vida. Mas, à 
semelhança do suposto pacto que Riobaldo fez com o 
coisa-ruim, na meia-noite de uma encruzilhada no sertão, 
devemos fazer um pacto com a palavra, que nos permite 
encarar o mundo com olhar de leitores atentos, em tra-
vessia, como a literatura, que atravessa espaços, tempos e 
nos atravessa, professores e alunos.
Algumas inconclusões 
Cabe agora voltar ao que prognosticou o precep-
tor do então menino Manoel de Barros. Pode ser que, 
como educadores, acalentemos um “certo gosto por na-
das”. Talvez isso seja considerado doença num mundo 
em que vence quem tem mais força, quem manipula mais 
e quem canta conforme a ética do mercado financeiro e 
a lógica do carreirismo. Estar à margem disso, numa con-
tracorrente, não é fácil, mas seguramente é mais digno.
Na escola que estamos gestando, há uma série de 
aprendizagens necessárias, elencadas nesta lista: é preciso 
ouvir o apelo do novo; ver o aluno com mais lucidez; 
não subestimar o aprendiz; ser menos mestre e sempre 
aprendiz; quebrar as velhas estruturas, os velhos concei-
tos, as resistências, mas sem desvalorizar os experientes; 
ter medo dos conceitos prontos; divagar e ir devagar; 
ensinar inteligência emocional (sobretudo, é necessário 
tê-la); ter clareza do caminho, mesmo quando tudo é tur-
vo e neblinado (clareza não significa certezas); a verdade 
singular é a maior inimiga do educador (que tal falar de 
verdades plurais?); falar a linguagem do aluno, que passa 
necessariamente pelo afeto;promover a arte do diálogo e 
reconhecer que nem todo grupo é uma equipe; saber que 
em matéria de educação menos por menos é sempre mais 
30
(elimine os excessos); fazer do texto o núcleo do debate e 
deixá-lo de utilizar como pretexto (aliás, a educação está 
minada de pretextos); ser guardião da liberdade, que deve 
ser entoada em cada aula, em cada gesto, em cada atitude, 
em uníssono. 
Utopia? Entendam como quiser, entretanto, o 
“demônio da teoria” não pode condenar o texto literário 
ao limite da interpretação particular e acabada. Há um 
horizonte da história onde o texto literário se inscreve, 
mas ele é perpassado constantemente pela atualização 
desse mesmo tempo. Ainda que tentemos fugir para o 
passado ou para o futuro, estaremos sempre atravessados 
pelo tempo presente. Ao final deste artigo, há uma ativi-
dade que retoma as nossas reflexões.
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31
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TÜRCKE, Christoph (2010). Sociedade excitada: filosofia 
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Campinas: Editora da Unicamp. 
3232
ATIVIDADES PROPOSTAS
A leitura do poema de Alberto Pucheu deve nortear a refl exão. 
a) Divide-se a turma em dois grupos; 
b) O grupo 1 deverá fazer um elenco do que seriam a 
força e a fraqueza do nosso tempo. Esse grupo refl etirá 
sem ter lido o poema; trata-se de uma análise do mun-
do contemporâneo;
c) O grupo 2 receberá uma cópia do poema e deverá 
circunscrever sua leitura ao que se refl etiu no artigo 
(a função da literatura, os sentidos da obra e o papel 
do professor como mediador). O que seria esse “pon-
to cego” da literatura? A resposta dos poemas aponta 
para uma defi nição ou indefi nição do ser e do mun-
do? A literatura exige do leitor que tipo de abertura? 
Ensinar literatura privilegiando defi nições concluídas 
não seria um contrassenso, já que todo tempo tem seu 
“ponto cego”?
d) Os grupos formam uma plenária para apresentar suas 
análises. Nesse momento é importante que o profes-
sor estimule a discussão em que fi quem explicitadas 
a leitura de mundo (grupo 1) e a leitura do texto (gru-
po 2). Sugere-se que o grupo 1 só receba o poema 
imediatamente após a apresentação de suas refl exões. 
Assim, poderá lançar-se a uma outra leitura do tempo 
presente mediada pelo texto.
PONTO CEGO
(da força e da fraqueza de nosso tempo)
 “Quem somos?” – 
perguntam aos poemas
em busca de uma resposta 
que complete a pergunta, 
3333
sobrepondo uma, sem falta
nem excesso, à outra.
Mas os poemas repetidamente 
respondem que somos 
aquilo em que nos perdemos
ao buscarmos encontrar 
o que acreditamos ser.
Se insistirem, portanto, 
em perguntar aos poemas
de buscas, encontros, crenças... 
se insistirem, portanto, em saber 
a voz dos poemas, saibam que, 
de diferentes modos, eles só dizem 
o que não se busca nem se encontra,
a perdição, o fi m das crenças,
o que não se oferece a nenhuma frase,
nem mesmo mais a nenhum verso.
Há um ponto cego nos poemas,
como há um ponto cego na vida,
não visto por mim nem por você 
nem por ninguém, desde o qual 
eles são o que são, um ponto cego
que somente os poemas – talvez – 
nem sei – vejam. Se insistirem, 
portanto, no trato com os poemas,
se de fato quiserem permanecer 
com eles, sejam, ainda que os últimos 
afeitos a tal empenho, fortes,
porque quase todos os outros
– sinal dos tempos – os abandonaram 
 (Pucheu 2013, p. 85)
35
Capítulo 
FiGuras Do outro. Literatura 
CoMParaDa e interCuLturaLiDaDe
Graciela Cariello
Eu sou os outros
Provérbio africano
Citado por Mia Couto, na orelha do romance 
O evangelho segundo a serpente, de Faíza Hayat (2006).
O presente artigo propõe-se abordar o ensino da 
Literatura Comparada no encontro de culturas e línguas, 
para a formação de professores de língua estrangeira. 
Tem como objetivo aportar aos alunos de estágio alguma 
reflexão e alguns exemplos de prática possível. 
Para tal, apresentarei uma proposta, aplicada e 
provada no curso de formação de Professores de Por-
tuguês da Universidade Nacional de Rosário, Argentina. 
Ela se fundamenta no conceito de interculturalidade, e na 
representação do Outro na literatura. 
2
36
O outro e a identidade
Para se pensar no outro é imprescindível revisar o 
conceito de identidade. Na raiz do termo existe o substan-
tivo latino identitas, átis, que provém de idem, “o mesmo”. 
É verdade que hoje identidade não é pensada desse ponto 
de vista, mas como conjunto de características próprias, 
diferenciais. Mas a ideia do que é igual a si mesmo, que 
não varia, persiste. E mais ainda: a ideia do que é centro, 
em relação com o que é outro, diferente.
Acompanhando a teoria de Eduardo Grüner, po-
demos dizer que, como afirmou Lacan, depois de Sartre, 
não há Outro para o Outro. O princípio é que para se 
qualificar algo como alteridade tem de se pensar a si pró-
prio com arrogância: como mesmo, mesmice, identidade, 
e a partir daí é que se definem o outro e a diferença. E 
afirma que quando ele no livro fala em Outro / Outros, 
deve-se ouvir: “el Mismo/Otro-como-parte-que-no-tie-
ne-parte porque ha sido excluida de su lugar constitutivo 
de lo mismo para que no pueda verse que lo mismo sólo 
es tal porque justamente le falta una parte con la que no 
quiere saber nada” (Grüner 2002, p. 49). Ou, diríamos, 
como fala o provérbio africano citado como epígrafe des-
te artigo: eu sou os outros. Não existe separação entre 
eu e os outros, se não é política, se não é em termos de 
exclusão. Por isso, quando ensinamos uma língua estran-
geira, uma cultura estrangeira, é preciso prestar atenção 
ao sentido que damos a esses termos: identidade, outros. 
Não venha resultar que estejamos colocando isso que 
chamamos de outro no lugar da diferença porque estamos 
colocando algo (eu, minha realidade, ou uma realidade 
qualquer) no lugar do mesmo que exclui e delimita. A lite-
ratura pode ajudar a nos impedir de cair nessa armadilha. 
Vejamos de que modo.
37
Os estudos literários na formação de professores 
de língua estrangeira
Como sempre que pretendo descobrir algo sobre 
a literatura, fui perguntar aos poetas que sobre ela refleti-
ram. E foi lendo um desses poetas que achei uma primei-
ra resposta para a questão que irei tratar aqui: a relação 
entre literatura e língua estrangeira.
Eliot, no seu ensaio“A função social da poesia”, 
afirma acerca de textos em língua estrangeira:
[...] me tem sucedido, por vezes, encontrar tre-
chos de poesia que eu não saberia traduzir, con-
tendo numerosas palavras para mim desconhe-
cidas e frases cujo sentido estava fora do meu 
alcance, mas que me transmitiram, de forma 
imediata e vívida, algo de único, diferente de 
tudo o que exista em inglês – algo que eu não 
seria capaz de articular por palavras e que no 
entanto senti ter compreendido. (Eliot 1997)
E acrescenta que chegando a conhecer melhor 
essa língua pôde comprovar que a impressão era alguma 
coisa que estava lá. E continua dizendo: 
Deste modo, na poesia, é possível, de vez em 
quando, penetrar noutro país, por assim dizer, 
antes de possuir passaporte ou de ter tirado bi-
lhete. (Eliot 1997)
Aqui vou me deter, e fazer uma breve digressão 
histórica. Na história do ensino de línguas estrangeiras 
houve um movimento em relação ao papel da literatura 
que vou tentar resumir em poucas palavras. 
38
Antigamente, o texto literário era o modelo do 
bom emprego da língua, e a referência aos autores con-
sagrados era obrigatória para provar o uso das formas. 
Isto vale tanto para língua estrangeira quanto para língua 
materna. Tudo mudou, é claro, a partir das vanguardas. 
Os poetas modernistas e vanguardistas já não podiam 
ser considerados modelos, dado ser sua revolução esté-
tica precisamente uma revolta contra o academismo das 
formas consideradas corretas e aceitas. Em português, 
por exemplo, Mário de Andrade, Oswald de Andrade ou 
Almada Negreiros não poderiam ser pensados como tais 
modelos. Uma teoria da literatura veio dar base para se 
analisarem esses textos aparentemente agramaticais ou, 
no mínimo, desrespeitosos das regras estabelecidas: a no-
ção do desvio A língua poética não era errada, mas des-
viava-se da regra da língua ordinária. Uma outra teoria, 
agora filosófica, aborda a questão dessa língua ordinária, 
que diferentes linguistas chamaram de standard, comum, 
prática, ou então comunicativa. Surge a pragmática, no 
interior da filosofia da linguagem. Paralelamente, consti-
tuem-se a teoria da informação e a teoria da comunicação. 
Foi, para a linguística, sem dúvida, um avanço científico. 
Mas no ensino de línguas –materna e estrangeira – deu 
como consequência a expulsão do texto literário, consi-
derado um desvio da norma, do palco do ensino. Pensa-
va-se que a literatura não mais podia ser modelo por essa 
artificialidade que ela tem. A literatura foi banida dos ma-
nuais de língua, e principalmente de línguas estrangeiras, 
que optaram pela abordagem “comunicativa”, e talvez 
atrelados a um dos sentidos do termo “comunicação”, os 
teóricos e os autores de manuais decidiram que o melhor 
modelo para a língua eram os textos da mídia. 
Um comentário à margem merece uma outra con-
sequência das tendências para um ensino de línguas que 
visava à comunicação, mas com fins específicos -espe-
cificamente comerciais. Uma língua, uma das mais ricas 
39
em produção literária, chegou a transformar-se em língua 
franca, ou seja, uma língua muito próxima do que pode-
ríamos considerar artificial: uma língua quase-morta. A 
aprendizagem dessa língua – o inglês – tende, ainda hoje, 
para virar uma elencagem de termos e construções fixas, 
pouco menos que um código matemático, que possa ser 
utilizado rapidamente em um contexto quase impessoal. 
Sinto uma enorme dor pensando em Borges e Pessoa, no 
que poderiam eles sentir ante esse empobrecimento da 
língua amada... Deixo isso por enquanto e volto à minha 
pequena história. 
Uma nova teoria da literatura e da língua veio 
questionar, mais tarde, aquela do desvio. Trata-se da teo-
ria que considera o texto como produtividade, e a língua 
poética como possibilidade infinita.
Para el escritor, el lenguaje poético se presen-
ta como una infinitud potencial [...]: el conjunto 
infinito (del lenguaje poético) es considerado 
como posibilidades realizables; cada una de esas 
posibilidades es realizable por separado, pero no 
son realizables todas juntas.
La semiótica por su parte podría introducir en 
su razonamiento la noción del lenguaje poéti-
co como infinitud real imposible de representar... 
(Kristeva 1978, pp. 234-235)
Aguiar e Silva, na sua Teoria da Literatura, expõe as 
coincidentes teses de Coseriu, segundo as quais “...a lín-
gua poética [...] deve ser concebida [...] como a realização 
de todas as virtualidades da língua, como materialização 
da plena funcionalidade da língua...” e afirma:
À luz destas teses de Coseriu, os pretensos “des-
vios” da língua literária configuram-se como 
40
realizações inéditas ou incomuns das potencia-
lidades do sistema linguístico; em sede teórica, 
a língua recupera, contra a dialetização a que a 
condenam as teorias desviacionistas, a função 
que historicamente sempre tem desempenhado 
de agente conformador por excelência da res-
pectiva língua natural; o estudo da língua literá-
ria, algumas vezes denunciado como restringen-
te e deformante da omnímoda funcionalidade 
da língua, adquire, sob o ponto de vista científi-
co e didático, o estatuto de insubstituível meio 
de conhecimento e aquisição dessa omnímoda 
funcionalidade e, por conseguinte, o estatuto 
de privilegiado instrumento de cognição do ho-
mem, da sociedade e do mundo. (Aguiar e Silva 
1994, pp. 172-173)
Assim, para essas teorias, a literatura é o espaço 
privilegiado da língua, a máxima expressão das possibili-
dades – nunca realizadas – de uma língua, a manifestação 
da sua potencialidade artística, estética e da sua virtuali-
dade expressiva e, como em alguma forma diz Aguiar e 
Silva, transforma-se em espaço privilegiado também para 
o estudo da língua. Mas não é só, e agora é que começa 
realmente minha reflexão. Concordo, devo esclarecer an-
tes de mais nada, com as teses de Aguiar e Silva, Cose-
riu, Kristeva. No entanto, acrescentarei que a literatura é 
mesmo aquele espaço infinito, não só pelas virtualidades 
linguísticas que comporta, mas também porque é o espa-
ço da expressão do outro.
É na literatura que o estudante de língua estrangei-
ra vai descobrir um efeito de estranhamento. Quer dizer, 
vai situar um ponto de vista deslocado porque os objeti-
vos da literatura são bem outros do que os objetivos da 
comunicação quotidiana. Ela provoca essa sensação de 
se estranhar ante a língua estrangeira que em um primeiro 
41
momento todo o mundo aprende para poder falar e mais 
ou menos compreender o outro. 
A literatura é o modo complexo, surpreendente e 
belo de se expressar esse outro que está do outro lado 
cultural, com quem pretendemos ter um diálogo para 
além da comunicação superficial, que veicule aquela car-
ga de sentimentos, de desejos, de ilusões que só o tex-
to literário consegue pôr em palavras. Porque, seguindo 
Grüner, podemos afirmar que a literatura é o modo que 
as línguas têm de falar do indizível (Grüner 2002, p. 320). 
Voltemos a Eliot. O poeta diz: “É mais fácil pensar 
do que sentir em língua estrangeira” (Eliot 1997). Não di-
remos então que se alguém consegue sentir, ou interpre-
tar o sentimento de um poema em língua estrangeira sabe 
muito mais dessa língua do que qualquer um que apenas 
consegue compreender uma comunicação instrumental? 
A literatura é o espaço, ainda, das sutilezas do su-
bentendido, aquilo que na língua se inscreve como não-
dito, e de que depende, inúmeras vezes, a nossa com-
preensão do que se diz na superfície. O subentendido é 
também o espaço da possibilidade de dizer o que às vezes 
não se pode dizer. 
E tem mais: a literatura é o espaço em que as lín-
guas vivem. Essa produtividade que é o texto literário, que 
faz com que a nossa leitura seja sempre uma aventura de 
descobrimento, é o refúgio das línguas, ainda daquelas 
que já não têm falantes. 
Está aí o exemplo nas línguas clássicas, de que os 
especialistas rejeitam o termo “mortas” com que se costu-
ma designá-las. Eles têm razão: elas vivem, e eternamente 
viverão, enquanto houverum leitor disposto a entrar nos 
seus textos literários e trazê-los para essa vida mágica da 
literatura quando é lida. E toda outra língua, também a 
língua franca que acima mencionei, vive e continuará vi-
vendo na sua literatura. Mas para podermos captar essa 
42
vida, a literatura deve fazer parte da nossa aprendizagem 
da língua.
Hoje, muitos professores voltaram a incluir a lite-
ratura entre os textos que os seus alunos frequentam. Por 
motivos como os que acabei de expor, e também pelo 
prazer, motivação que nunca deve ser descurada no en-
sino, não só de línguas mas de qualquer outra disciplina.
Na formação do futuro professor de língua estran-
geira, a literatura tem uma dupla função. Por um lado, 
como construto coletivo, social, manifestação de proces-
sos gerais de uma época, de uma corrente de pensamento 
(filosófico, estético, até político) ela é um produto cul-
tural. A literatura, como construção de bens simbólicos 
com que uma sociedade expressa a concepção que ela 
tem de si própria, dará ao professor aportes para o co-
nhecimento dessa sociedade. Mas por outro lado a lite-
ratura será, para o professor e também para seus alunos, 
o espaço da liberdade: liberdade de interpretar, de fazer 
sua leitura crítica, de comparar, relacionar, ativar sua livre 
imaginação; liberdade para colocarem seus próprios pon-
tos de vista, dialogarem com os textos, com suas leituras 
prévias, ativarem mecanismos de compreensão profunda 
do outro e também de expressão. 
A literatura nos faz inventores de mundos. Ela 
prova que as palavras têm uma potencialidade criativa só 
limitada pelas regras que a própria literatura gera, e que 
aprender uma outra língua é adquirir mais uma porção 
dessa potencialidade. A literatura oferece à nossa imagi-
nação a multiplicidade de vidas que uma língua descortina 
para os leitores. Todas as formas de uma língua, aquelas 
que vamos aprendendo e até mesmo as que alguma vez 
descobriremos falando sem saber que sabíamos, estão 
potencialmente na literatura dessa língua. Se estudarmos 
a literatura de uma língua estrangeira, estaremos cons-
truindo um espaço de diálogo fecundo, que permitirá ver 
como e por que cada um de nós é os outros.
43
Literatura Comparada e interculturalidade
Como se representa o outro na Literatura? A abor-
dagem que, no meu entender, melhor pode dar conta 
disso é a Literatura Comparada. É nela que se estuda o 
encontro/desencontro de culturas: a interculturalidade, 
representada no texto literário. Ao se lerem comparati-
vamente textos pertencentes a culturas diferentes, paten-
teia-se tanto a proximidade quanto a distância que vai de 
uma à outra, e cada uma fica mais visível e compreensível. 
Cada texto deita luz sobre o outro, e a iluminação recí-
proca faz surgir mais clara a expressão do outro na sua 
língua, na sua retórica, nos recursos literários e nos temas. 
Um comparatista francês, Daniel-Henri Pageaux, 
dedicado ao estudo das literaturas hispano-americanas, 
refutando a teoria das formações supranacionais, de Clau-
dio Guillén (1985), afirmava, em finais do século passado, 
o princípio metodológico da visão diferencial: “¿Tendrá 
el comparatista, como lo admiten algunos, una visión ‘su-
pranacional’? Confieso que prefiero asentar el principio 
metodológico de la visión ‘diferencial’”. E concluía:
Preséntase la literatura comparada como una 
toma de conciencia por mínima que sea que 
procede de una puesta en relación de un ‘Yo’ 
frente al ‘Otro’, de un ‘aquí’ frente a un ‘allá’. 
Aquella confrontación estriba pues en el estudio 
de una distancia significativa entre dos o más se-
ries de datos culturales. (Pageaux 1988) 
Nossa leitura de hoje, baseada em pensadores 
latino-americanos, confirma essa leitura da diferença, 
contrária à procura de regularidades mesmo que sejam 
“multiculturais”. No entanto, sem rejeitar o pensamento 
europeu e admitindo as coincidências quando elas exis-
44
tem, defendemos uma atitude crítica. Evitamos, como 
Grüner, cair na armadilha de considerar o outro como di-
ferente excluído.
Faz longo tempo estamos discutindo como con-
figurar um modelo de análise para a literatura e a cultu-
ra com um olhar latino-americano. Alguns livros foram 
exemplares, como aquele que coordenou Ana Pizarro 
(1985). 
Os textos de Zilá Bernd e outros autores brasi-
leiros em Escrituras Híbridas (1998) tomavam como base, 
entre outras, a teoria de García Canclini (1992) sobre as 
culturas híbridas nas Américas. Começavam assim a ela-
borar uma linha da Literatura Comparada Interamericana 
nestas regiões marginais que demandam seu espaço pró-
prio, ultrapassando, até, a apropriação “antropofágica” 
das culturas impostas por um passado colonial. 
O meu trabalho, ainda na linha desses teóricos e 
críticos latino-americanos, vem-se encaminhando pela 
vereda que parte dos textos de García Canclini (2004) e 
Zulma Palermo (2005) e configura o conceito de intercul-
turalidade. 
De diferentes lugares de algum modo marginais, 
nos primeiros anos do presente século, estes pensado-
res têm desenhado o conceito, que considero o centro 
descentrado da reflexão latino-americana atual. García 
Canclini faz suas pesquisas no México e publica sua obra 
sobre a interculturalidade em uma das poucas editoras espa-
nholas “de tamaño medio” que, “con sedes en Barcelona, 
México y Buenos Aires” publicam obras de reflexão so-
cial e cultural latino-americana, como ele próprio afirma 
em seu livro (García Canclini 2004, p. 121). As pesquisas 
de Zulma Palermo, por sua vez, situam-se na margem 
da margem. Ella trabalha em Salta, no NOA- Nordeste 
argentino, margem com respeito a Buenos Aires, que é 
espaço central para a Argentina, porém é margem para a 
45
Europa e os Estados Unidos. Ela publica o seu livro de 
2005 em Córdoba. 
Néstor García Canclini coloca um conceito abran-
gente de cultura, como “el conjunto de procesos sociales 
de producción, circulación y consumo de la significación 
en la vida social” (Canclini 2004, p. 34). Aquilo “inter-
cultural” (assim, como adjetivo) é definido por ele como
 
el conjunto de procesos a través de los cuales 
dos o más grupos representan e intuyen imagi-
nariamente lo social, conciben y gestionan las 
relaciones con otros, o sea las diferencias, or-
denan su dispersión y su inconmensurabilidad 
mediante una delimitación que fluctúa entre el 
orden que hace posible el funcionamiento de la 
sociedad, las zonas de disputa (local y global) y 
los actores que la abren a lo posible. (Canclini 
2004, p. 40)
García Canclini passou de considerar apenas as 
“culturas híbridas”, para refletir sobre as tensões que se 
criam no espaço intercultural.
Uma outra hipótese acerca da interculturalidade é co-
locada por Zulma Palermo, com um sentido ativista e po-
lítico, como lugar de resistência, como “operación políti-
ca descolonizadora” (Palermo 2005, p. 179). Zulma situa, 
nessa perspectiva, uma intercultura, uma interlíngua, uma 
interliteratura, uma leitura contrastiva, semelhantes aos 
que postulamos nos princípios e nos projetos do nosso 
Centro de Estudos Comparativos, e na disciplina “Literaturas 
Comparadas Argentina e Brasileira” do Curso de Português, 
na Faculdade de Humanidades e Artes da Universidade 
Nacional de Rosario, Argentina.
Coincido com Zulma Palermo na proposta de lei-
tura contrastiva e também com García Canclini, em par-
46
ticular na sua análise da interculturalidade como tensão e 
negociação. No entanto, as leituras de ambos não coinci-
dem totalmente entre elas, e na interpretação que Zulma 
faz de García Canclini se exerce também alguma forma 
de tensão intercultural. É verdade, todavia, que Zulma 
não se refere ao livro que estou aqui considerando, e a 
sua crítica orienta-se ao conceito de “hibridação”, que o 
próprio García Canclini iria discutir. Mas do que se tra-
ta finalmente, do meu ponto de vista, é de descentrar o 
nosso olhar, para pensar a interculturalidade como espaço 
de questionamento da leitura imposta desde o momento 
da colonização.Uma metodologia possível
Nada melhor do que aprender a ensinar fazendo o 
que se pretende ensinar a fazer. É o princípio que norteia 
a metodologia da disciplina “Literaturas comparadas ar-
gentina e brasileira”, na UNR. A disciplina visa, de uma 
parte, a repor o valor linguístico do estudo da literatura 
para a aprendizagem de uma língua estrangeira; da ou-
tra, a abordar a literatura como portadora e produtora de 
cultura. O enfoque comparatista se relaciona diretamente 
com o intuito de considerar a literatura como espaço e 
diálogo de culturas, do encontro com o outro, da inter-
culturalidade. 
O programa da disciplina tem um componente 
histórico, no que diz respeito à periodização das litera-
turas argentina e brasileira, que se sustenta nas nossas 
pesquisas. Desse ponto de vista histórico, é estudado 
comparativamente o gênero conto em cada um dos perío-
dos. A escolha do gênero obedece a dois motivos: a breve 
extensão dos textos, que permite a análise comparativa 
47
de grande número deles, e a produtividade do gênero em 
ambas as literaturas em todos os períodos, que facilita 
a comparação contrastiva sincrônica e diacrônica. São, 
em alguns casos, estudados ensaios e poemas, mas o eixo 
central é o conto. Inclui-se ainda uma parte diferenciada 
do programa, que estuda a problemática teórica e his-
tórica da literatura infantil, e analisa obras do gênero de 
ambos os países. 
Ao serem comparados os textos, levam-se em 
consideração aspectos temáticos, mas também formais, 
incluído o trabalho com as línguas, suas variedades, suas 
realizações diatópicas, diastráticas e diafásicas. Analisam-
se, aliás, as estruturas narrativas, as categorias do gênero, 
as manifestações retóricas, procurando as diferenças e os 
pontos de confluência. Seguem-se as orientações das te-
orias da literatura, que os alunos adquirem na disciplina 
“Análise do texto literário em português”. Paralelamente 
são discutidos textos teóricos e críticos sobre a proble-
mática da Literatura Comparada e a teoria dos gêneros 
textuais.
Assim, o estudo da Literatura Comparada consti-
tui um encontro interdisciplinar entre estudos literários, 
estudos linguísticos e estudos das culturas, que tecem 
uma rede entre textos, construída por tanto como efei-
to de leitura/s crítica/s. O conceito de interculturalidade, 
com o seu olhar sobre as figuras do Outro, rege essas 
leituras, e dirige-se tanto às culturas quanto às línguas e às 
literaturas. Aquilo que se propõe como objeto de estudo 
é também elaborado na prática. O objeto da Literatura 
Comparada existe só na leitura. Os textos estão dados, 
mas é a leitura contrastiva que faz deles um objeto novo, 
plural, intercultural. Dando continuidade às reflexões, ao 
final deste capítulo, há uma atividade a realizar.
48
Referências bibliográficas
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Alción Editora.
PIZARRO, Ana (coord.) (1985). La literatura latinoamerica-
na como proceso. Buenos Aires: CEDAL.
4949
 ATIVIDADES PROPOSTAS
Proponho aqui alguns exemplos de trabalhos que os estu-
dantes – futuros professores – realizam e que podem orien-
tar algumas atividades do estágio 
PRINCÍPIOS TEÓRICOS:
a) Compare os começos das literaturas argentina e bra-
sileira, levando em consideração a língua, o período 
histórico, as produções literárias, que caracterizam a 
época.
b) Escolha um período das literaturas argentina e brasilei-
ra em que situações comuns sejam dadas, e desenvol-
va os traços fundamentais. 
c) Desenvolva de forma concisa os itens abaixo: 
1. A problemática da periodização em Literatura 
Comparada. Diferentes formulações. 
2. Proposta de periodização das Literaturas Com-
paradas Argentina e Brasileira: O critério ado-
tado para o programa da disciplina LCAB do 
Curso de Português da UNR.
ANÁLISE COMPARATIVA DE TEXTOS LITERÁRIOS 
1. Escolha um eixo de comparação entre os seguintes 
(pode escolher mais de um): 
a) língua (como tema e como forma) 
b) narrador 
c) personagens 
d) espaço 
e) tempo 
f) diegese (organização da história) 
g) aspectos temáticos relativos à sociedade e sua 
apresentação formal. 
5050
2. Escolha um conto de Pago Chico, de Roberto J. Payró, 
e um conto de Papéis Avulsos, de Machado de Assis. 
2.1. Situe os autores no período. 
2.2. Analise comparativamente esses contos, segun-
do o/s eixo/s escolhido/s. 
3. Escolha um conto de El jorobadito, de Roberto Arlt, e un 
conto de Os contos de Belazarte, de Mário de Andrade 
3.1. Situe os autores no período.
3.2. Analise comparativamente esses contos, segun-
do o/s eixo/s escolhido/s.
 
TRABALHO FINAL (de conclusão) 
ROTEIRO DE TRABALHO:
1. Quadro histórico-social dos períodos e breve conside-
ração sobre a problemática da interculturalidade. 
2. Análise 
2.1. Escolher um gênero: 
 A) conto 
 B) literatura infantil 
 C) poesia lírica
2.2 Dentro do gênero, escolher dois autores de um 
período (um brasileiro e um argentino) e um 
texto de cada um, pertencente aos livros lidos 
durante o desenvolvimento das aulas e que 
constam do programa. 
2.2.1 Dar os traços gerais do gênero no qua-
dro do período. 
2.2.2. Situar os dois autores dentro do perí-
odo, dando, comparativamente, as ca-
racterísticas de sua escritura. 
2.2.3 Comparar os livros de ambos os autores 
(organização, temas).
2..2.4. Comparar os textos escolhidos, dando to-
dos os seus traços, segundo o gênero, e 
aplicando a análise comparativa a todas 
as categorias. 
51
Capítulo 
aPontaMentos Para uMa reLeitura 
De O GUARANI: a MatriZ FoLHetinesCa 
e as traDuÇÕes FranCesas 
no sÉCuLo XiX
Ilana Heineberg
Se Peri e Ceci são referências conhecidas para 
grande parte dos brasileiros do século XXI, confirmando 
a inserção de O guarani (1857) na tradição literária nacio-
nal, não se pode afirmar que o romance de José de Alen-
car esteja bem cotado junto ao público e à crítica atuais. 
O discurso sobre a obra do escritor cearense reprova o 
artificialismo, a emotividade e o nacionalismo ingênuo, 
revelando que a recepção do autor permanece “herdeira 
de sua primeira recepção crítica” (Boechat 2003, p. 12). 
Ainda é possível ler com prazer O guarani nos dias de 
hoje? Como ajudar o público jovem a tirar proveito dessa 
leitura para compreender não apenas a vertente indianista 
do romantismo brasileiro, mas também o contexto literá-
rio e jornalístico do século XIX? Propomos aqui que O 
guarani seja estudado em sala de aula a partir de dois as-
pectos: sua inserção na matriz folhetinesca e sua recepção 
em âmbito internacional através das traduções francesas 
que foram feitas deste texto ainda no século XIX.
3
52
O romance-folhetim e a construção 
do romance brasileiro
O guaranifoi inicialmente publicado nas páginas 
do Diário do Rio de Janeiro. Foram 59 episódios que circu-
laram entre 1/1/1857 e 20/4/1857. A seguir, a própria 
tipografia do jornal imprimiu o romance em livro sem 
grandes modificações. Trata-se, portanto, de um roman-
ce-folhetim, ou seja, de uma narrativa publicada de ma-
neira seriada no espaço chamado de folhetim ou rodapé, 
rubrica localizada na parte inferior da página de um pe-
riódico, geralmente na capa (confira Heineberg 2004 e 
Meyer 1996). 
O objetivo dos periódicos ao distribuir essa fatia 
de ficção cotidiana era, num primeiro momento, atrair 
e manter o número de assinantes, tornando-se então 
interessante para os anunciantes. Ou seja, o sucesso do 
romance-folhetim contribuía à saúde financeira do veí-
culo. A ideia de utilizar o espaço do folhetim, que até 
então abrigava crônicas, para a ficção coube ao empresá-
rio francês Émile Girardin, proprietário de La presse, em 
1836. Girardin foi imediatamente imitado por inúmeros 
jornais franceses e estrangeiros. A descontinuidade da 
narrativa, a popularização e a diversificação do público 
leitor, a proximidade com o texto jornalístico e a práti-
ca da leitura oral e coletiva explicam que, aos poucos, o 
romance-folhetim forjasse uma poética própria: multipli-
cam-se as peripécias e os personagens, estes geralmente 
polarizados por um forte maniqueísmo; o narrador faz-
se presente no texto e interpela o leitor para guiá-lo na 
intriga. 
No Brasil, o romance-folhetim aclimatou-se ra-
pidamente, cumprindo uma dupla função: por um lado, 
tornou rapidamente acessíveis os últimos sucessos roma-
nescos europeus para um público emergente e, por outro, 
53
serviu de trampolim aos escritores nacionais, apresentan-
do-se como alternativa para publicar e circular em um 
mercado editorial ainda pouco estruturado (Heineberg 
2008, p. 498). Assim, o Jornal do Commercio publicou a nar-
rativa brasileira O aniversário de D. Miguel em 1828 em 1839, 
apenas três anos depois do lançamento do romance-fo-
lhetim pela matriz francesa. Vale lembrar que a impres-
são de livros e jornais no Brasil só foi autorizada a partir 
de 1808, com a transferência da família real para o Rio 
de Janeiro. Antes disso, os autores nacionais precisavam 
passar por editoras e tipografias estrangeiras, geralmente 
portuguesas, a fim de circular no Brasil. O atraso editorial 
de 300 anos em relação à América espanhola explica a de-
sestruturação do mercado editorial brasileiro e, portanto, 
o papel essencial da imprensa na publicação de autores 
nacionais e estrangeiros e na própria formação do gênero 
romance no Brasil. 
Aos estudar as narrativas publicadas entre 1839 e 
o final da década de 1870 no Jornal do Commercio, Diário do 
Rio de Janeiro e Correio mercantil, principais diários flumi-
nenses, pude discernir três fases do processo de forma-
ção do romance-folhetim: a mimética, a de aclimatação e 
de transformação do gênero.1 Vou expô-las brevemente 
antes de deter-me na publicação de O guarani. 
São exemplos da fase mimética diversos textos na-
cionais publicados no folhetim do Jornal do Commercio em 
1839, ano particularmente profícuo para autores brasilei-
ros que, na década seguinte, passam a ser preteridos em 
favor de estrangeiros. Entre textos importados de autores 
populares franceses, como Paul de Kock, Eugène Scribe 
e Alexandre Dumas, esse diário sisudo e conhecido por 
1. Abordei a formação do romance-folhetim em minha tese de 
doutorado (Heineberg 2004) e retomei posteriormente os 
principais pontos desse trabalho num capítulo publicado no 
Brasil (Heineberg 2008).
54
sua linha conservadora publica narrativas assinadas por 
brasileiros que trabalham como tradutores, cronistas e 
jornalistas. O que nos permite denominar esses textos de 
miméticos é justamente o fato de confundirem-se com 
textos importados que servem de modelo para a incipien-
te produção nacional. A aparência de narrativa estrangei-
ra decorre do fato de a maioria deles situar sua intriga na 
França, em Portugal ou na Itália. O que está por trás des-
sa vontade, consciente ou não, de travestir-se de roman-
ces estrangeiros? Provavelmente fatores variados, como 
uma exigência do jornal, a preferência do público e a pró-
pria falta de hábito de se publicar romances nacionais. 
Para Flora Sussekind, a ficção nacional, para se construir, 
estabelece um “diálogo (mais ou menos) estreito, porém 
inevitável com o jornal, o romance e os folhetins estran-
geiros, que parecem compreender a atividade literária 
possível do país na época” (Sussekind 2000, p. 99). 
Além da preferência pelo cenário europeu, en-
contramos nos textos miméticos narradores que muitas 
vezes se confundem com tradutores. A abertura de A pai-
xão dos diamantes, de Justiniano José da Rocha, é um bom 
exemplo:
Será inventada, será imitada, será original a no-
vela que vos ofereço, leitor benévolo? Nem eu 
mesmo que a fiz vo-lo posso dizer. Uma obra 
existe em dois volumes, e em francês, que se 
ocupa com os mesmos fatos; eu a li, segui seus 
desenvolvimentos, tendo o cuidado de reduzi
-los aos limites de apêndices, cerceando umas, 
ampliando outras circunstâncias, traduzindo os 
lugares em que me parecia dever traduzir, subs-
tituindo com reflexões minhas o que me parecia 
dever ser substituído; uma coisa só tive em vista, 
agradar-vos; Deus queira que tenha consegui-
do. (Jornal do Commercio, 27/3/1839, p. 1)
55
Nem tradutor, nem autor, a definição mais apro-
priada para essa tarefa que descreve o narrador de Jus-
tiniano José da Rocha é a de adaptador. Os narradores 
da fase mimética figuram de maneira insistente no tex-
to e sempre de maneira segura, autoritária e onisciente 
diante de um leitor que concebe como ingênuo e dócil. 
Exemplo disso são as inúmeros explicações e informa-
ções enciclopédicas disseminadas nos textos. No entan-
to, é justamente a insistência constante sobre os papéis 
narrativos do leitor e do narrador que acaba por revelar a 
inexperiência e a insegurança deste último. 
Entre 1839 e a década de 1850, os romances-fo-
lhetins publicados nos três principais jornais do Rio de 
Janeiro passam a acompanhar a tendência nativista do 
romantismo. Fincam os pés no território nacional, ora 
optando por um panorama geral do Brasil, como encon-
tramos em A providência (1854), de Teixeira e Sousa, ora 
seguindo uma tendência regionalista, fixando-se no inte-
rior. A dimensão histórica é outro aspecto fundamental 
desses folhetins que dividem-se entre o resgate do passa-
do colonial e a discussão de questões contemporâneas, 
como a escravidão. Os romances dessa fase de aclima-
tação mantêm o molde folhetinesco. Uma característica 
marcante é a multiplicação de vozes e dos níveis narrati-
vos e, consequentemente, das peripécias.
É somente nas décadas de 1860 e 1870 que a pro-
dução nacional folhetinesca consolida-se e deixa de lado 
a simples reprodução do modelo importado, o que não 
significa necessariamente a negação deste. Pelo contrário, 
os procedimentos narrativos apontam para o folhetines-
co muitas vezes pelo viés do humor e da paródia. Na 
medida em que o sistema literário brasileiro está em vias 
de estabilização, a presença constante do narrador e os 
seus comentários sobre a narração do texto, que serviam 
unicamente para tornar a intriga e a narração claras para 
o leitor, agora, através do exagero, tornam o folhetinesco 
56
risível. O melhor exemplo disso é a maestria com a qual 
Machado de Assis dirige-se ao leitor em seus contos e ro-
mances, não mais para guia-lo, mas para impedir qualquer 
atitude conformista. 
O guarani e a vertente folhetinesca
Parece-me evidente que O guarani situa-se no mo-
mento de aclimatação. A busca da cor local, própria à 
estética romântica de Alencar, alia-se às técnicas folheti-
nescas do suspense e da multiplicação das peripécias. Ou 
seja, trata-se de um romance construído aos moldes do 
folhetim mas com uma temática e sobretudo um projeto 
de construção da literatura nacional, idealizado pelo pró-

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