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Enviando #Curso de Direito Civil - Sucessões - Vol 7 (2017) - Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald

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174 CURSO DE DIREITO CIVIL• Vol. 7 Chaves de Farias e Nelson Rosenvald l 
' necessário o uso da teoria da adio nata,204 estabelecendo a fluência do prazo a partir j 
do conhedmento da prática da conduta. i 
Com isso, o próprio autor da herança não dispõe de Legitimidade para a pro-
positura da ação, uma vez que o seu ajuizamento só ocorrerá após o óbito. Poderá, 
por outro turno, deserdar o herdeiro necessário, por meio de testamento. Ainda no 
que tange à legitimidade ativa para a causa, a ação de indignidade será proposta por 
quem tenha legítimo interesse na exclusão do herdeiro ou legatário. Ilustrativamente, 
estão Legitimados, então, o herdeiro do suposto indigno, os coerdeiros, o donatário e, 
até mesmo, a Fazenda Pública, por conta de eventual interesse tributário ou mesmo 
para que se caracterize a herança como jacente e vacante, dentre outros. 205 · 
, Há uma acesa discussão quanto à legitimidade do Ministério Público para a ação 
de indignidade. Parcela dos doutos, em posição majoritária, reconhece a legitimidade 
do Promotor de Justiça para o acionamento por indignidade por entender que haveria 
um interesse público em desestimular a ingratidão contra o autor da herança e "por 
ser o· guardião da ordem jurídica".206 O entendimento, inclusive, mereceu acolhida 
no Enunciado 116 da Jornada de Direito Civil: "Ó Ministério Público, por força do art. 
1.815 do novo Código Civil, desde que presente o interesse público, tem legitimidade 
para promover ação visando à declaração da indignidade do herdeiro ou legatário". 
Um pouco mais comedidos, outros civilistas seguem a legislação francesa que so-
mente Legitima o Ministere Public na ausência de herdeiros interessados (art. 721-1 
do Code de France).'01 
O argumento não convence. Com efeito, o interesse presente na ação de in-
dignidade é evidentemente privado e pptrimonial. Trata-se de demanda tendente a 
excluir alguém do recebimento da heranÇa, com a convocação de outrem para receber 
em seu lugar, como se morto fosse. O interesse subjacente na ação de indignidade, 
portanto, é, tão somente, patrimonial e individual, não contemplado nas latitudes 
e Longitudes constitucionais (CF, art. 127)'°' que despertam a atuação do Ministério 
Público. Em perfeita síntese, Washington de Barros Monteiro chega a ser enfático: 
204. Com relação à teoria da actio nata, já tivemos oportunidade de expor: «efetivamente, o início da fluência do 
prazo prescricional deve decorrer não da viÔlação, em si, a um direito subjetivo, mas, sim, do conhecimento 
da violação ou lesão ao direita subjetivo pelo seu respectivo titular. Com isso, a boa-fé é prestigiada de modo 
mais vigoroso, obstando que o titular seja prejudicado por não ter tido conhecimento da lesão que lhe foi 
imposta. Até porque, e isso não se põe em dúvida, é absolutamente passivei afrontar o direito subjetivo 
de alguém sem que o titular ten'ha imediato conhecimento", FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, 
Nelson, cf. Curso de Direito Civil: Parte Geral e UNDB, cit., p, 675. 
205. Pode "o Poder Público propô-la (a ação de indignidade} para afastar o herdeiro desamoroso, cuja exclusão 
tornasse vagos os bens do espólio'; RODRIGUES, Sílvio, cf. Direito Civil: Direito das Sucessôes, cit., p. 71. 
206. DINIZ, Maria Helena, cf. Curso de Direito Civil Brasileiro, cit., p. 55. Igualmente, GAGLIANO, Pablo Stolze; 
PAMPLONA FILHO, Rodolfo, cf. Novo Curso de Direito Civil: Direito das .Sucessões, cit., p. 150; MALUF, Carlos 
Alberto Dabus; MALUF, Adriana caldas do Rego Dabus, d. Curso de Direito das Sucessões, clt., p. 150. 
207. NEVES, Rodrigo Santos, cf. Curso de Direito das Sucessões, cit., p. 
208. Art. 127, Constituição da República: "O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função 
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses 
sociais e individuais 
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Cap. li • ELEMENTOS GENÉRICOS DO DIREITO DAS SUCESSÕES (A SUCESSÃO EM GERAL) 17S 
"referida ação é de natureza estritamente privada, jamais poderá ser ajuizada pelo 
representante do Ministério Público".'" 
Em abono à nossa assertiva contrária à legitimidade do Parquet, vale a lem-
brança de que, em se tratando de interesse particular, o próprio. interessado pode 
optar por não ajuizar a ação. Seria o exemplo do irmão que, pari piedade ou outro 
sentimento que o mova, opta por não demandar o outro irmão que assassinou os 
pais. No caso, o Ministério Público poderia constranger o reconhecimento da indig-
nidade que a pessoa diretamente interessada não quis? Parece-nos que haveria uma 
excessiva interferência do Estado em uma relação privada, daí decorrendo a ausência 
de legitimidade ministerial. Em resposta, Sílvio Rodrigues, com precisão cirúrgica, 
dispara: "se o herdeiro legítimo ou testamentário assassinou o hereditando, mas as 
pessoas a quem sua exclusão beneficiaria preferissem manter-se silentes, o assassino 
não perderia a condição de herdeiro e receberia os bens da herança, não podendo a 
sociedade, através do Ministério Público, impedir tal solução".''° 
Outrossim, o Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 178, delimita a inter-
venção do Ministério Público (inclusive no âmbito familiar e sucessório) à existência 
de interesse de incapaz - o que, por igual, reforça o nosso entendimento. Registre-se, 
no ponto específico, que, ao nosso viso, mesmo havendo interesse de incapaz, o 
Parquet não terâ legitimidade para o aforamento de uma ação de indignidade, uma 
vez que, repita-se à saciedade, o interesse nela discutido é patrimonial. Ajuizada a 
ação pelo incapaz, por meio de seu representante ou assistente, 211 o P_romotor de 
Justiça atuaria como fiscal da ordem juridica (custos juris), consoante determinação 
da legislação processual (CPC, art. 178). Ora, se o Parquet pudesse propor .ação de 
indignidade em favor de incapaz, também deveria poder aforar ações de cobrança 
ou monitória em favor deles. 
Quanto ao polo passivo da demanda, é intuitivo notar que nele deve figurar 
o herdeiro ou legatário a quem se imputa o ato indigno. Como dito anteriormente, 
todo e qualquer sucessor, seja herdeiro (legítimo ou testamentário) ou legatário, 
pode incorrer em indignidade sucessória. 
Por óbvio, na hipótese de dois, ou mais, sucessores terem praticado o ato indi-
gitado em conjunto, poderá ser caso de litisconsórcio. Aqui, trata-se de litisconsórcio 
209. MONTEIRO, Washington de Barros, cf. Curso de Direito Civil: Direito das Sucessões, cit., p. 67. Partilhando 
do mesmo raciocínio, CAHALI, Francisco José; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes, cf. Direito das 
Sucessões, cit., p. 112. 
210. RODRIGUES, Sflvio, cf. Direito Civil: Direito das Sucessões, cit., p. 71. 
211. Com o mesmo pensar, Carlos Roberto Gon<;jlves é direto: "não se justifica, como pretendem alguns, atribuir 
legitimidade ao Ministério Público, nos casos de interessados menores ou de inexistência de herdeiros. 
Os menores serão representados por seu representante legal~ GONÇALVES, Carlos Roberto, cf. Direito Civil 
Bra:;ileiro, cit., p. 125. Também Adiei da Silva França esclarece: uo mero interesse de incapazes não tem o 
condão.de conferir ao Ministério Público a le9itimidade extr9ordinária para a propositura de toda e qual-
quer ação que a estes interesse, limitando-se a tal atuação direta às expressas previsões legais [ ... ], não 
lhe sendo permitida adoçiio de funções incompotlveis com seu mister constitucional", FRANÇA, Adiei da Silva, 
cf. uoa petição de herança~ cit, p. 52-53. 
176 CURSO DE DIRElTO CIVIL· Vol. 7 - Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvafd 
facultativo, e não necessário, uma vez que o interessado pode optar por demandar 
individualmente cada um deles. Esse litisconsórcio é simples, não unitário, na medi-
da em que a decisão judicial pode, hipotetica!jlente, julgar procedente o pedido
em 
relação a somente um dos litisconsortes. 
Controverte-se sobre a legitimidade passiva ad causam da pessoa jurídica. O 
pano de fundo da polêmica é saber se a pessoa jurídica pode, ou não, ser reputada 
indigna. Alguns pensam que a pessoa jurídica não teria legitimidade passiva por não 
poder ser considerada indigna, em nenhum dos casos contemplados na norma legal. 212 
Outros, opinam pela possibilidade de aplicação da desconsideração da personalidade 
jurídica (disregard dodrine) como forma de punição do ente coletivo, ao invés de se lhe 
imputar a indignidade.113 Nenhuma das teses convence. Em verdade, impõe-se admitir 
a legitimidade passiva da pessoa jurídica e consequente possibilidade de reputá-la 
indigna, pela eventual prática de ato previsto em lei. Isso porque a pessoa jurídica, 
efetivamente, pode ser beneficiária em uma sucessão testamentária. Assim, vindo a 
praticar um ato previsto em lei como tal, compatível com a sua falta de estrutura 
biopsicológica (como, V. g., a participação em homicídio OU obstar a exec,ução de 
testamento), vislumbra-se a possibilidade de reconhecer a sua indignidade. Quanto 
ao elemento subjetivo da conduta (dolo), vale salientar que a responsabilidade penal 
das pessoas juridicas nesses casos não exclui a das pessoas humanas que, eventu-
almente, participem do fato delitógeno como autores, coautores ou participes. E, 
bem por isso, não há uma exigência de simultaneidade da imputação penal contra 
a pessoa jurídica e a pessoa física que nela exerce atos de administração. Nesse 
ponto, corrigindo o equívoco do entendimento anteriormente predominante, o Su-
premo Tribunal Federal estabeleceu que "o art. 225, § 3', da Constituição Federal 
não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à 
simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empiesa. 
A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação. ( ... )Condicionar a 
aplicação do art. 225, § 3°, da Carta Política a uma concreta imputação também à 
pessoa física implica indevida restríção da norma constitucional, expressa a intenção 
do constituinte originário não apenas de ampliar o alcance das sanções penais, mas 
também evitar a impunidade pelos crimes ambientais frente às imensas dificuldades 
de individualização dos responsáveis internamente pelas corporações, além de reforçar 
a tutela do bem jurídico ambiental". (STF, Ac. 1' T., RE 548.181/PR, rel. Min. Rosa 
Weber, j. 6.8.13, DJe 30.10.14). De fato, a complexidade das estruturas internas 
atuais das empresas, principalmente das grandes corporações que, não raro, impõem 
212. "Em nenhuma das hipóteses previstas, a pessoa jurldlca pode ser excluída da sucessão pelo advento··da 
indignidade, pois jamais o ente abstrato, por si próprio, .poderá concretizar um dos atos tipificados: BAR· 
BOSA FILHO, Marcelo Fortes, cf. A indignidade no Direito Sucessório brasifeiro, clt.,·p. 28. 
213. t o entendimento de Carlos Eduardo Minozzo Poletto: ªnão se imputa à pessoa jurídica a prática do 
comportamento ensejador da indignidade, apenas se levanta a personalidade do ente moral por ocasião 
da transmissão hereditária, considerando como sucessor não a entidade coletiva, mas a pessoa natural 
indigna, impedida de suceder~ POLETTO, Carlos Eduardo Minozzo, cf. Indignidade sucessória e deserdação, 
C!t., p. 255. 
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Cap:ll •· ELEMENTOS GENtRICOS DO DIREITO DAS SUCESSÕES (A SUCESSÃO EM GERAL) .gj. • ín.'. . : ''.:):\ 
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prejuízo ao meio ambiente, por conta, por exemplo, de contaminação de rios e ·· · _,_;,/ 
(como no lamentável episódio na cidade mineira de Mariana, em 2015), é marcada 
pela descentralização de poderes decisórios e distribuição de responsabilidades, o 
que dificulta, sobremaneira, a imputação de prática delituosa a uma pessoa individu-
almente considerada. Com isso, abandonou-se a tese da dupla imputação necessária 
1 entre a pessoa jurídica e a pessoa fisica gestora nos crimes ambientais. Com isso, 
impede-se que a pessoa jurídica se beneficie de uma herança ou legado que lhe foi 
dedicado indevidamente, após a prática de um ilícito.'" 
Com tranquilidade, admite-se o prosseguimento do procedimento judicial de 
indignidade quando o acionado falece no seu curso, após a citação, por conta 
dos diferentes efeitos que podem decorrer do reconhecimento da sua exclusão 
sucessória; Indo mais longe, já se afirma, doutrinariamente, a possibilidade de 
ajuizamento da ação de indignidade mesmo que o sucessor que praticou o ato 
seja falecido, quando os seus sucessores não estão autorizados a recolher o be-
neficio por representação. 215 Seria o exemplo do herdeiro que assassinou o autor 
da herança e faleceu, antes da propositura da actio, somente deixando colaterais 
ou herdeiros testamentários. 
A sentença a ser prolatada na ação de indignidade tem natureza constitutiva 
negativa, razão pela qual, inclusive, está submetida a um prazo de caducidade. 
Aliás, a efetiva exclusão do indigno (assim como sói ocorrer com o tleserdado) da 
sucessão somente· ocorre após o trânsito em julgado da sentença, retrocedendo os 
efeitos até a data da abertura da sucessão, exatamente em face de sua natureza 
desconstitutiva. 
De qualquer sorte, com vist~s a assegurar o resultado útil do futuro provimento 
jurisdicional a ser proferido na ação civil, pode o magistrado, de ofício ou a requeri-
mento da parte (ou do Ministério Público, se atuar no processo, por conta da presença 
eventual de um incapaz), determinar medidas cautelares. Assim, exemplificativamente, 
enquanto é processada a ação, é possível imaginar uma medida assecuratória inci-
dental para obstar que o réu da ação (de quem se pretende provar a prática do ato 
indigitado) venha a alienar o patrimônio, transferindo a terceiros, ou mesmo que 
deposite em juízo os frutos colhidos de determinados bens.216 
214. O Superior Tribunal de Justiça chegou a afirmar queue ainda que tal responsabilização seja possível apenas 
nas hipóteses legais, é certo que a personalidade fictícia atribuída à pessoa jurídica não pode servir de 
artifício !)!'Ira a prática de condutas espúrias por parte das pessoas naturais responsáveis pela sua condução~ 
{STJ, Ac. u'nân. Sª T., RHC 51.501/SP, Rei. Min. Jorge Mussi, j. 25. 11. 14, DJe 3.12.14). 
215. A respeito, ALMEIDA, José Luiz Gavião de, d. Código Civil Comentado, cit., p. 165. 
216. Esta é também a orientação jurisprudenclal: "Inventário. lnsurgência contra decisão que determinou a 
reserva de bens suficientes para satisfazer o quinhão da herança que pode vir a ser destinado à agravada 
em razão da existência de ação declaratória de indignidade da inventariante. Decisão mantida. Cablmen.to 
da re::;erva de quinhão. Existência de ação de exclusão de herdeiro. Medida cuja prudência recomenda a 
manutenção. Desnecessidade de suspensão do pro_çesso" (TJ/SP, As:,. unân. 3ª Câmara de Direito Privado, 
Aglnstr. 0121493-90.2013.8.26.0000 ~comarca ~e Ámericana, Re1. Des. Carlos Alberto de Salles,j. 3.9.13). 
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1 
178 CURSO DE DIREITO ClV!L • Vol. 7 - Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 
4.6.7 Reabilitação do indigno (perdão do ofendido) 
Considerado o forte caráter moral da indignidade, despertando um interesse 
particular e patrimonial, destinada, fundamentalmente, à proteção do autor da he-
rança, admite-se o perdão do ofendido para reabilitar o indigno, garantindo-lhe o 
recebimento do patrimônio. 
Sobre a importância do perdão, disseram alguns que "o perdão é próprio da na-
tureza humana". 217 Outros, preferem afirmar que "somente os espíritos nobres possuem 
a capacidade para o perdão"."' O conhecido trecho de uma importante manifestação 
de fé afirma "Senhor, fazei que eu procure mais perdoar do que ser perdoado, com-
preender do que ser compreendido, amar do que ser amado". 
Na literatura, O Conde de Monte Cristo (no original francês, Le Comte de Monte-
-Cristo),"' escrito em 1844 por Alexandre Dumas, propõe uma interessante reflexão
sobre o perdão: "Perdão, Senhora, este é um escrúpulo que deve brotar espontanea-
mente numa alma honesta como a sua, mas que não demoraria de ser desenraizado 
pelo raciotíniu. O lado mau do pensamento hum,ano será sempre resumido por esse 
paradoxo de Jean-Jacques Rousseau, a senhora conhece: 'o mandarim que matamos 
a cinco léguas de distância bastando erguer a pontà do dedo'." 
Juridicamente, porém, o perdão não se prende a qualquer valoração íntima. Para 
o sistema jurídico a concessão do perdão é uma manifestação de vontade desatrelada 
de motivos e fundamentos. Se decorrente de simples ato de desapego, de nobreza, ou 
se motivado por escusos sentimentos, o perdão produz o mesmo efeito. Trata-se de 
manifestação personalíssima (intuito personae), não submetida a qualquer elemento 
acidental (como condição ou termo), permitida pelo sistema e direcionada a evitar 
a exclusão do sucessor que havia se comportado mal contra quem o profere.' 
De fato, o sistema jurídico não poderia calar-se ou mostrar-se indiferente "dian-
te da vontade de o testador indultar o indigno, até porque só ele é árbitro dessa 
atitude, em ",extremo pessoal". 220 
Assim, .reza, in Littens, o art. 1.818 do Codex: 
Art. 1.818, Código Civil: 
"Aquele que incorreu em atos que.determinem a exclusão da herança será admi-
tido a suceder, se o ofendido o tiver expressamente reabilitado em testamento, 
ou em outro ato autêntico. 
217. CATEB, Salomão de Araújo, cf. Direito das Sucessões, cit., p. 93. 
218. NADER, Paulo, cf. Curso de Direito Civil, cit, p. 98. E acrescenta ter sido isso o que "ocorreu com Sua San-
tidade o Papa João Paulo li ao perdoar Mehmet Ali Agca, que tentou matá-lo em 1981".: 
219. Ao lado de Os três mosqueteiros, também. de Alexand~e Dumas, O Conde de Monte Cristo é um dos mais 
conhecidos romances da literatura francesa. Inicialmente publicado como um folhetim, narra-se a injusta 
prisão de um marinheifo, que sequer conhece o motivo de sua segregação. Escapando da prisão, com 
a ajuda de um clérigo, toma posse de uma misteriosa fortuna por ele deixada, adquirindo condições de 
vingar-se-de quem lhe impôs o mal. A história é, livremente, inspirada em acontecimentos reais da vida 
de Pierre Picaud. 
220. ALMADA, Ney de Mel!o, cf. Sucessões, cit., p. 143. 
Cap.11 · ELEMENTOS GEN~RICOS DO DIREITO DAS SUCESSÕES (A SUCESSÃO EM GERAL) 179 
Parágrafo único. Não havendo reabilitação expressa, o indigno, contemplado ~-~, 
em testamento do ofendido, quando o testador, ao testar, já conhecia a causa 
da indignidade, pode suceder no Limite da disposição testamentária." 
A reabilitação do indigno, ou purgação da indignidade (como se prefere em língua 
espanhola), ou ainda riabilitazione (na expressão usada pelo art. 466 dd Código da 
Itália),é ato exclusivo do autor da herança, em razão de seu caráter personalíssimo, 
obstando a eficácia da indignidade qi;e venha a ser reconhecida. Por meio do perdão, 
impõe-se uma trava ao reconhecimento da indignidade, garantindo o recebimento 
do beneficio patrimonial. 
Pouco interessa o clamor, revolta ou insatisfação da família ou da sociedade 
para a reabilitação do indigno. Por mais que a conduta se mostre aviltante para uma 
pessoa, o perdão é de interesse exclusivamente privado, não interessando qualquer 
valoração exógena do ato desculpado. Bem por isso, independe de homologação 
judicial. 
Demonstra-se, com isso, o caráter privado da pena civil de indignidade, eviden-
ciando não se tratar de uma sanção imposta em atendimento a interesses coletivos 
ou sociais, mas, ao revés, estritamente particulares. Não é uma intervenção impe-
rativa. Não há interesse público. Por isso, a vontade do titular afasta a eficácia da 
indignidade - o que ressalta o interesse privado que aqui reside. 
Não se admite o perdão efetivado pelo incapaz, estando viciado pela nulidade 
ou anulabilidade. 
Mais ainda: para que o perdão do ofendido tenha o condão de reabilitar o indig-
no à participação sucessória, impedindo a procedência de um pedido de indignidade 
formulado posteriormente, deve ser ele expresso e escrito, conforme a dicção legal, 
sob pena de nulidade. Não se tolera um perdão tácito ou por declarações verbais. 
Contudo, havendo simples alusão à expressão "ato autêntico" no dispositivo legal 
citado, não se impõe a prática por escritura pública, sendo admissível o perdão por 
instrumento particular, desde que seja possível atestar a sua aute.nticidade.'21 Efeti-
vamente, não se pode assumir uma postura mais realista do que o próprio rei. Assim, 
inexistindo disposição legal expressa, a exigir instrumento público para o perdão, tem 
de ser admitida a prática misericordiosa por instrumento particular, desde que o ato 
seja autêntico, estreme de dúvidas. Vislumbramos, assim, a possibilidade de concessão 
do perdão por meio de cartas, declarações escritas e, até mesmo, por e-mmJ's (cuja 
veracidade se pode aferir com segurança, hodiernamente). Trata-se de aplicação do 
paradigma da operabilidade, uma das diretrizes do Código de 2002, conforme referên-
cia expressa na sua Exposição de M<J1:ivos, e que serve como bússola de atuação dos 
221. Anuindo ao entendimento, DIAS, Maria Berenice, d. Manual das Sucessões, dt., p. 299; COELHO, Fábio U!hoa, 
á. Curso de Direito Civil, cit., p. 2S8. Em senso inverso, "o perdão deve ser explícito, direto, inequívoco e 
depende de forma especial: escritura pública ou testamento. Instrumento particular, para tal, simplesmente 
não vale (salvo o testamento ho1ógrafo}~ VELOSO, Zeno, cf. Comenrórfos ao Código Civil, dt., p. 309. 
180 CURSO DE DIREITO CIVJL. Vol. 7 - Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 
institutos do Direito Civil. A aplicação do Direito Cívil deve ser simples, facilitada, 
não se justificando formalismos e burocracias não previstas em lei. Aduzindo idêntica 
reflexão, Sílvio de Salvo Venosa expõe que "o a(o de perdão não requer palavras tex-
tuais, nem descrição completa do fato que se perdoa. Basta a vontade inequívoca de 
perdoar. Porém, no texto da nossa lei não basta a simples reconciliação para admitir 
o indigno na herança. Tal abriria um conceito muito elástico"."' 
Naturalmente, o perdão pode ser concedido por meio de testamento, qualquer 
que seja a sua forma. Curiosamente, vindo a disposição de última vontade a ser 
invalidada ou a caducar, a cláusula de misericórdia não será atingida, mantendo a 
sua plena validade e eficácia. 
A purgação da indignidade é a consequência direta do perdão do ofendido. Com 
isso, o direito ao recebimento da herança ou do legado será reconstituído. 
Sob o ponto de vista processual, a existência de perdão do ofendido gera o 
esvaziamento do pedido formulado na ação de indignidade, na medida ern·que o réu 
da ação recupera, por ato expresso de vontade do autor da herança, o seu direito à 
participação sucessória. Nenhum efeito projetará, no entanto, no âmbito de eventual 
ação penal, por conta da independência das instâncias. 
O ônus de prova da existência e validade do perdão do ofendido é do próprio 
indigno, corno regra geral (CPC, art. 373).223 Naturalmente, a depender da situação, 
é possível imaginar urna redistribuição desse ônus de prova, com base na teoria da 
carga dinâmica do processo, quando, verbi gratia, o documento éornprobatório da 
reabilitação estiver sob a posse de um outro herdeiro. 
Por óbvio, o perdão somente é possível para os atos praticados até a abertura 
da sucessão. Ou seja, até o limite da morte do autor da herança. Não se pode ad-
mitir um perdão antecipado por atos que, eventualmente, vierem a ser praticados 
depois da abertura da sucessão. Por exemplo, não pode o autor da herança perdoar 
urna futura tentativa de homicídio de um dos seus filhos contra a viúva ou contra 
um outro filho seu. 
Conquanto seja indivisível o perdão, se o autor da herança não perdoou 
expressamente o seu herdeiro legítimo indigno, mas, tendo ciência do ato ig-
nóbil por ele praticado, posteriormente veio a beneficiá-lo em testamento, será 
garantido o direito de
participar exclusivamente da sucessão testamentária. No 
que tange à sucessão legítima, poderá perfeitamente ser excluído, se vier a ser 
reputado indigno."' 
222. VENOSA, Sílvio de Salvo, á. Direito Civil, cit., p. 74. 
223. BARBOSA FILHO, Marcelo Fortes, d. A indignidade no Direito Sucessório braslleiro, cit., p. 99. 
224. Interessante é a explicação de Carlos Eduardo Minozzo Poletto: nnesse caso, o sucessor somente poderá 
receber aquilo que lhe for disposto na cláusula testamentária, ainda que a lei lhe garantisse originalmente 
maior participação na divisão da massa hereditária, como, por exemplo, o herdeiro necessário índigo'; 
POLETTO, Carlos Eduardo Minozzo, cf. Indignidade sucessória e deserdação, cit., p. 301. 
cap.11. • ELEMENTOS GENfRICOS DO DIREITO DAS SUCESSÕES {A SU~ESSÃO EM GERAL) 181 
Por derradeiro, destaque-se que tendo o perdão natureza de um ato jurídico 
em sentido estrito, será irretratável e irrevogável, uma vez que os seus efeitos 
estão previstos em lei, sendo insuscetível de arrependimento. E, de fato, o 
pressuposto do perdão é o esquecimento ... Acrescendo argumentos em prol da 
irretratabilidade e irrevogabilidade do ato de perdão, G·iselda Maria Fernandes 
NovaeslHironaka percebe, em outro campo de reflexão, que "a ausência de rancor 
em certo momento da vida do ofendido opera não somente para o passado, mas 
adquire força e projeta-se para o futuro, impedindo que atos de menor significa-
ção posteriormente praticados pelo perdoado façam a raiva do ofendido renascer 
e sobrepor-se ao perdão concedido"."' · 
Contudo, nada impede que o perdoado venha a ser reputado indigno por outro 
ato praticado após a reabilitação concedida pelo autor da herança ou mesmo por 
ele deserdado, em razão de conduta diversa superveniente. Por evidente, o perdão 
concedido há de ser interpretado restritivamente no que diz respeito à conduta 
caracterizadora. 
4.7 A deserdação 
4.7.1 Noções gerais 
Sob o ponto de. vista linguístico, a própria expressão deserdação carrega consigo 
uma etimologia indicativa do seu sentido: des + herdar, significando excluir, retirar, 
o direito à herança. 
Nessa ambiência, a deserdação é o ato privativo do autor da herança, por 
declaração expressa de vontade, através de testamento, que exclui da sua sucessão 
um herdeiro necessário (descendentes, ascendentes ou cônjuge, na forma do art. 
1.845 do Codex), por conta de um ato repugnante que lhe ultrajou, posteriormente 
confirmado pelo juiz. 
Na clássica civilística, é clássica a página literária de Clóvis Beviláqua, definindo 
a essência da deserdação, sendo "o ato pelo qual o herdeiro necessário é privado de 
sua porção legítima","' com o seu consequente afastamento da sucessão. 
É o que o que se denomina desheredación em língua espanhola ou disereda· 
zione, para os italianos, ou ainda Enterbung, como se diz na Suíça e na Áustria ou, 
finalmente, exhérédation, como preferem os franceses. 
O insti\uto tem origens antigas, remontando priscas eras. Desde o Código de 
Hamurabi, datado de mais de dois mil anos antes de Cristo, já havia permissão para 
a deserdação dos filhos indignos, submetida à confirmação judicial. Migrando para o 
225. HIRONAKA, Gise:da Maria Fernandes Novaes, cf. Comentários ao Código Civil, cit., p. 167. Na mesma levada, 
GOMES, Orlando, cf. Sucessões, cit., p. 37. 
226. BEVILÁQUA, Clóvis, cf. Direito das Sucessões, cit., P~ 339. 
182 CURSO DE DIREITO CIVIL· Vol. 7 -· Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 
Direito Romano, o instituto chega à pós-modernidade com a feição bem aproximada 
de suas origens. 
No Brasil, a deserdação não se confunde com a indignidade, seguindo a trilha 
aberta pelos ordenamentos lusitano, espanhol, alemão, uruguaio, chileno, colombiano, 
peruano, dentre oútros. Como nota distintiva, já antevista alhures, a deserdação é 
ato praticado pelo próprio autor da herança, dirigido à exclusão de um herdeiro ne-
cessário, enquanto a indignidade é o afastamento da herança decorrente de decisão 
judicial, em ação aforada pelos interessados no recebimento da herança."' 
Não se nega, porém, os pontos de convergência, de interseção, entre os insti-
tutos, na medida em que possuem a mesma natureza punitiva, produzindo o mesmo 
efeito jurídico, qual seja, a exclusão do sancionado da sucessão. Por isso, inclusive, 
alguns países, como a França, a Bélgica e a Itália, optam por tratá-los de maneira 
única, sem diferençá-los. 
De qualquer maneira, o Código Civil de 2002, em evidente equívoco, conferiu 
à deserdação uma posição topológica indevida', figurando-a no campo da sucessão 
testamentária. Talvez porque o ato deserdativo é praticado por meio de testamento. 
Contudo, em se tratando de um instituto tendente à privação da sucessão de um 
herdeiro necessário, é fácil notar que se trata de figura típica da sucessão legítima. 
Com efeito, o testamento é, tão somente, o instrumento pelo qual se exterioriza 
a deserdação (aspecto formal), não se confundindo com a sua própria substância 
(exclusão da herança). 
':> ato deserdativá alcança, apenas e tão somente, os herdeiros necessários.228 
Isso potque somente os herdeiros necessários fazem jus à Legítima,229 corresponden-
te à porção indisponível à vontade do autor da herança, consistente em cinquenta 
por cento do seu patrimônio líquido no momento da abertura da sucessão. Havendo 
herdeiro, necessário, não pode o titular do patrimônio dele dispor integralmente. 
Assim, impõe-se a deserdação do herdeiro necessário para que ele seja privado do 
recebimento hereditário. 
A outro giro, havendo apenas herdeiros facultativos, não há que se falar em 
legítima e, consequentemente, poderá o autor da herança dispor integralmente do 
seu patrimônio por meio de testamento, privando aquele do recebimento de qualquer 
vantagem. Por igual, no caso de beneficiário por testamento, herdeiro ou legatário, 
227, uA indignidade aplica-se Indistintamente a toda pessoa que se inclua como sucessor de de cujus, herdeiros 
legítimos, necessários ou não, herdeiros instituídos e legatários. A deserdação, decorrente da vontade do 
testador, serve exclusivamente para afastar os herdeiros necessários': VENOSA, Sílvio de Salvo, cf. Direito 
Civil, cit., p. JlS-316. 
228. Art. 1.845, Código Civil: Hsão herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cõnjugeH. 
229. OS herdeiros necessários ªsão titulares do direito à legítima por força do ofício de piedade (officium pietatis}, 
ou seja, ao dever de piedade para com os parentes próximos, dever que seria desrespeitado quando não 
se lhes reservasse, efetivamente, determinado quinhão da massa hereditária. Tanto é que o testador não 
pode dispor de mais da metade dos seus bens~ CARVALHO, luiz Paulo Vieira de, cf. Direito das Sucessões, 
dt., p. 739. 
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Cap.11 • ELEMENTOS GENtRICOS DO DIREITO DAS SUCESSÕES (A SUCESSÃO EM GERAL) 183 
basta ao hereditando revogar o testamento ou editar uma nova declaração de von-
tade, substituindo o sucessor para que se lhe afaste do patrimônio. Em ambas as 
hipóteses, portanto, vê-se a desnecessidade de deserdação, bastando a declaração 
dé vontade do próprio titular. 
Bem por isso, e com mais perspicácia no uso terminológico, os alemães designkm 
0 instituto como Entziehung des Pflichtteils, que pode ser traduzido, em seu sentido 
técnico, como privação da legítima. 
Nessa ordem de ideias, inclusive, os países que não estabelecem a restrição da 
legítima em favor dos herdeiros necessários, como o México (art. 1.599 do Código Civil 
mexicano) e a Inglaterra, não cuidam da deserdação, que ali se apresenta especiosa. 
Não nos parece que a deserdação configura uma medida odiosa, por externar 
uma forma hostil de "castigo, como uma expressão colérica de última vontade.'" 
Ao revés. Entendemos que o fundamento da deserdação é exatamente o mesmo da 
indignidade: punir quem se comporta de forma ignóbil contra o autor da herança, 
impedindo que, após a prática de um ato
desagregador da família e desrespeitoso à 
dignidade do titular. ainda venha o agente a se beneficiar do patrimônio transmitido. 
É o combate a um desvaler, impedindo que alguém se beneficie da própria torpeza. 
De certo módo, a deserdação de um herdeiro necessário é um forte indicativo 
da ausência de relação afetiva, de sentimentos, entre o auctor hereditatis e o seu 
descendente, ascendente ou cônjuge. Por isso, a depender dos fatos ensejadores da 
· discórdia familiar, mostra-se justificável afastar a herança. 
Ademais, não há risco de utilização despótica ou arbitrária da deserdação pelo 
autor da herança, privando por mesquinhez ou vingança o herdeiro necessário. Isso 
porque somente é possível a prática deserdativa nos casos previstos em lei, após 
confirmação judicial do motivo invocado."' 
É. pois, uma privação justificada, motivada, do recebimento da legítima pelo 
nerdeiro necessário. 
4.7.2 Alcance subjetivo da deserdação: os herdeiros necessários 
Como visto, somente os herdeiros necessários podem ser deserdados, não havendo 
interesse (prático ou jurídico) na deserdação dos demais sucessores, que podem ser 
privados do recebimento da herança por simples declaração de vontade do titular. 
230. A referência consta da obra de Washington.de Barros Monteiro, aludindo que alguns autores tacham a 
deserdação de Nodiosa e inútil~ MONTEIRO, Washington de Barros, cf. Curso de Direito Civil: Direito das 
Sucessões, dt., p. 239. 
231. Concordando com a reflexão, VELOSO, Zeno, d. Comentários ao Código Civil, cit., p. 307-308: "pode haver 
necessidade e ser de inteira justiça que essa providência extrema tenha de ser tomada. Não se olvide 
que a privação da legitima só é possível se o acusado praticou algum ato ignóbil, previsto na lei como 
ensejador da medida. Jamais ocorre por puro arbítrio do testador~ 
184 CURSO DE DIREITO CIVIL· Vol. 7 - Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 1 
! 
Para eles (demais sucessores, 
motivação da privação. 
não necessários), inclusive, é irrelevante a eventual 7 
A explicação de Orlando Gomes esclarece' o tema de uma vez por todas: 
"Se o testador não tem herdeiros legitimários, pode dispor livremente de seus 
bens, não precisando declarar os motivos de não ter contemplado herdeiros que 
seriam chamados à sucessão se poiventura falecesse intestado. Privando-os de 
uma simples expectativa, não está a deserdá-los. O primeiro pressuposto da 
deserdação é, pois, a existência de herdeiros necessários".232 
O art. 1.845 do Código Civil apresenta o rol dos herdeiros necessários, também 
chamados de reservatórios e de privilegiados: "são herdeiros necessários os descen-
dentes, os ascendentes e o cônjuge". 
A contrario senso, não são herdeiros necessanos, figurando como facultativos 
e, via de consequência, podendo ser excluídos da sucessão pela simples declaração 
de vontade do titular, os colaterais até o quarto grau e o companheiro .. Note-se: o · 
auctor hereditatis pode garantir a participação sucessória deles, caso não disponha 
da integralidade do patrimônio a terceiros; porém, pode privá-los da sucessão, na 
medida em que não se lhes reconhece o favor da legítima. 
Desse modo, como os irmãos, colaterais de segundo grau, não são tratados como 
herdeiros necessários, nada impede o seu afastamento da herança por simples declaração 
de vontade do testador, sem qualquer indicação do motivo ou perquirição de conduta."'·234 
Por igual, o companheiro não figura como herdeiro necessário na lista apresentada 
pelo dispositivo legal referido. Impende, quanto à matéria, a utilização da técnica 
de interpretação conforme a Constituição para afastar por completo uma interpreta-
ção literal do texto normativo, garantindo que a norma legal (não o texto) alcance, 
também, o convivente como herdeiro necessário. 235 De fato, a partir da proteção 
constitucional da união estável (CF, art. 226, § 3°), não se justifica um tratamento 
inferiorizado, uma proteção diminuída ao companheiro, em relação ao cônjuge. 
Não há, efetivamente, qualquer motivo Uuridico, social ou psicológico) a autorizar 
uma flagrante redução protetiva da união estável. Máxime quando se recorda que a 
232. GOMES, Orlando, cf. Sucessões, dt., p. 226-227. 
233. Já houve, noutro tempo, critica à não garantia de reserva mínima (legítima) aos irmãos. O italiano Cimbali 
chegou a afirmar ser deplorável que, por excessivo respeito à autonomia da vontade, seja possível ver 
irmãos na miséria, enquanto o outro Irmão, mais impenetrável aos influxos da afeição fraterna, passa o 
patrimônio a um estranho. E diz: Npoderia n_ão ser tão extensa quanto a dos descendentes e ascendentes, 
mas deveria existir uma legítima em favor dos irmãos~ apud BEVlLÁQUA, Clóvis, d. Direito das Sucessões, 
Cít., p. 343. 
234. No romance O irmão alemão (São Paulo: Companhla das Letras, 2014), Chico Buarque, entranhando reali-
dade e ficção, trata da relação afetiva estabelecida com o irmão, Sérgio Ernst, muito embora não o tenha 
conhecido pessoalmente. 
235. Com idêntica fundamentação, Maria Berenice Dias afirma que é uescancaradamente inconstitucionalu negar 
ao companheiro a qualidade de herdeiro necessário, após ter sido reconhecida tal qualidade ao cônjuge. 
"Assim, é indispensável reconhecer que os partfcipes da união estável também são herdeiros necessários, 
e como ta! sujeitam-se à deserdação'; DIAS, Maria Berenice, cf. Manual das Sucessões, dt., p. 45-320. 
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Cap.11, , ELEMENTOS GENÉRICOS DO DIREITO DAS SUCESSÕES (A SUCESSÃO EM GERAL) 185 
maioria da população brasileira está em união estável, o que conduz à assertiva de 
que amesquinhar a interpretação do aludido dispositivo é prejudicá-la diretamente, 
ignorando a opção da sociedade. Frente ao exposto, se o cônjuge mereceu tratamento 
como herdeiro necessário, é imperioso que o companheiro também seja tratado como 
tal, inclusive no que tange à possibilidade de exclusão da sucessão por deserdação. 
Vale o r~gistro de que, historicamente, a legislação brasileira cuidou, apenas, 
dos descendentes e dos ascendentes como herdeiros necessários,'" garantidos com 
a legítima e retirando do autor da herança a possibilidade de privá-los da sucessão, 
como regra geral. 
O Código de 2002, entretanto, se posicionou de modo distinto. Captando os ares 
que vinham da Itália, ampliou o elenco dos herdeiros necessários, para nele incluir 
o cônjuge. A justificativa apresentada pela Comissão elaboradora do projeto que se 
transformou no Código Civil vigente não convence: "com a adoção do regime legal 
de separação parcial com comunhão de aquestos, entendeu a Comissão que especial 
atenção devia ser dada aos direitos do cônjuge supérstite em matéria sucessória. Seria, 
com efeito, injustificado passar do regime da comunhão universal, que importa a comu-
nicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, para o regime de comunhão 
pardal sem se atribuir oo cônjuge supérstite o direito de concorrer com os descendentes 
e ascendentes. Para tal fim, passou o cônjuge a ser considerado herdeiro necessário". 237 
A explicação não procede porque escrita quando da apresentação do projeto 
ao Congresso Naciona~ em 1975. Com efeito, desde 1977, com o advento da Lei do 
Divórcio, o regime legal (supletivo) de bens do direito brasileiro é a comunhão parcial 
e, nem por isso, o cônjuge passou a ser tratado como herdeiro necessário no período 
de 1977 até 2002. Ademais, o fundamento valorativo de preservação da legítima 
para os descendentes (e, um pouco menos, para os ascendentes), que é a garantia 
de sobrevivência, não alcança o cônjuge - que, por sua vez, já está protegido de 
acordo com o regime de bens escolhido, livremente, pelo casal. 
No que tange às causas de deserdação dos herdeiros necessários, o legislador 
de 2002 cometeu mais um pecado. É que, apesar de elencar o cônjuge como um dos 
herdeiros necessários, como visto, esqueceu de estabelecer as causas deserdativas 
que fundamentam a sua exclusão. "Enfim, não dedicou nenhum dispositivo para tratar
especificamente das causas que poderiam ensejar a sua privação". 238 
Vem se entendendo que houve um "cochilo" do legislador,'" que teria deixado, 
por lapso, de estabelecer as causas deserdativas aplicáveis ao consorte. 
236. Art. 1.721, Código Civil de 1916: "O testador que tiver descendente ou ascendente sucessível, não poderá 
dispor de mais da metade de seus bens; a outra pertencerá de pleno direito ao descendente e, em sua 
falta, ao ascendente. dos quais constituir a legítima, segundo o disposto neste Código: 
237. REALE, Miguel, cf. O projeto do novo Código Civil, cit., p. 92. 
238. POLETIO, Carlos Eduardo Mlnozzo, cf. Indignidade sucessória e deserdação, dt., p. 363. 
239. PEREIRA, Caio Mário da Silva, cf. lnstftuições de Direito Gvil;·cit:, p. 333--334; D1AS, Maria Berenice, Cf. Manual 
das Sucessões, cit, p. 319. Esta, mais direta, afirma.ter havido um "cochilo imperdoável do legislador~ 
186 CURSO DE DIREITO CIVIL• Vol. 7 -- Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 
Ao nosso viso, houve uma desconformidade sistêmica na elaboração do Código, 
uma vez que os dispositivos que cuidam da deserdação do herdeiro necessário foram 
copiados, na literalidade, do Código de 1916 (arts. 1.744 e 1.745). Naquela sede, no 
entanto, os herdeiros necessários eram, tão só, os descendentes e os ascendentes. 
Trans\Portados os dispositivos para o Código de 2002, olvidou-se o· acréscimo do 
cônjuge como herdeiro necessário. Assim, uma compreensão histórica e sistêmica 
indicam as origens da omissão legislativa. 
Sob a égide da nova Codificação, consta dos arts. 1.961 a 1.963: 
Art. 1.961, Código Civil: 
"Os herdeiros necessários podem ser privados de sua Legítima, ou deserdados, 
em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão." 
Art. 1.962, Código Civil: 
"Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descen-
dentes por seus ascendentes: I - ofensa fisica; II - injúria grave; III - relações 
ilícitas com a madrasta ou com o padrasto; IV - desamparo do ascendente em 
alienação mental ou grave enfermidade." 
Art. 1.963, Código Civil: 
"Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos ascen-
dentes pelos descendentes: I - ofensa física; II - injúria grave; III - relações 
ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido 
ou companheiro da filha ou o da neta; IV - desamparo do filho ou neto com 
deficiência mental ou grave enfermidade." 
Ora, a dicção dos referidos dispositivos insinua, portanto, que os herdeiros ne-
cessários como um todo (descendentes, ascendentes e cônjuge) podem ser deserd.ados 
nas mesmas hipóteses em que podem ser considerados indignos: homicídio doloso 
tentado ou consumado contra o autor da herança, seu cônjuge ou companheiro, 
ascendentes ou descendentes; acusaÇão caluniosa em juízo ou crime contra a honra 
do autor da herança ou de seu cônjuge ou companheiro; e ato que impeça a mani-
festação da última vontade do autor da herança (CC, art. 1.814). 
Isso porque observando, em seguida, o caput dos arts. 1.962 e 1.~63 do mes-
mo Código, consta ser possível, nas hipóteses específicas que são apresentadas, a 
deserdação dos "descendentes por seus ascendentes" e dos "ascendentes pelos des-
cendentes", deixando de fora o cônjuge. 
É indiscutível, pela clareza solar do disposto no art. 1.961 da Codificação, a 
possibilidade de exclusão de todos os herdeiros necessários nas hipóteses caracteri-
zadoras de indignidade. 
Afasta-se, destarte, com vigor e convicção a alegação de que o legislador teria 
optado por salvaguardar o cônjuge da possibilidade de deserdação, apesar de ser 
herdeiro necessário.2.40 Além de assistemático, o raciocínio afronta o próprio funda-
240. Com esse pensar, Paulo Lôbo chega a afirmar que o legislador teria feito um "silêncfo eloquente" no que 
tange à deserdação do cônju~e, com o propósito de impedir a sua exclusão da herança por ato do titular, 
Cap.11 • ELEMENTOS GENÉRICOS DO DIREITO DAS SUCESSÕES {A SUCESSÃO EM GERAL) 187 
mento valorativo da deserdação. E, como pondera Maria Berenice Dias, "às claras que 
a omissão não pode significar que o cônjuge não se sujeita à deserdação"."' 
_ No que tange às hipóteses específicas de deserdação {ofensa física, injúria grave, 
relações ilícitas e abandono material), listadas nos arts. 1.962 e 1.963, a maioria doutriná-
ria vem se posicionando pela impossibilidade de extensão ao cônjuge, enquanto herdeiro 
necessário, a partir de uma interpretação literal do texto de lei. Entendem os doutos, 
majoritariamente, que o cônjuge somente pode ser deserdado nos casos de caracterização 
de indignidade. As hipóteses especificas de deserdação seriam dirigidas, exclusivamente, 
aos ascendentes e descendentes, por conta de uma interpretação restritiva das normas 
sancionatórias. Demonstrando isso, diz Arnoldo Wald que somente "as causas genéricas 
tratadas no art. 1.814 são aplicáveis ao cônjuge", para fins de deserdação.'" Também 
assim, Flávio Tartuce: "ao cônjuge somente subsumem-se as situações tratadas pelo art. 
1.814 do Código Civil de 2002, podendo ele ser deserdado em casos tais".'43 
Não é, seguramente, a melhor interpretação. 
Efetivamente, é descabido e inaceitável que os descendentes (filhos, em especial) 
e ascendentes (pais, primeiramente) possam ser deserdados em um maior número de 
hipóteses do que o cônjuge. Não é crível privar filhos pela prática de determinados 
atos e não é possível, pela mesma atitude, excluir o cônjuge que se comportou de 
modo igualmente reprovável. 
Entendemos, assim, a partir do argumento da tipicidode finalística, que é ab-
. solutamente possível imputar ao cônjuge as hipóteses específicas de deserdação, 
garantindo uma interpretação sistémica, racional e coerente do sistema jurídico, 
esvazi~da de moralismos. Dessa maneira, afirmamos que é posslvel deserdar o cônjuge 
não apenas nos casos de indignidade (CC, arts. 1.961 c/c 1.814), mas, por igual, 
nos casos.específicos previstos nos arts. 1.962 e 1.963 da Lei Civil, observando uma 
interpretação finalística, teleológica, da norma codificada. 
Na mesma tocada, também afirmando que o rol das condutas tipificadas para a 
deserdação dos descendentes e ascendentes são extensíveis ao cônjuge, estão Carlos 
Eduardo Minozzo Poletto'" e Maria Berenice Dias.'" 
não obstante seja herdeiro necessário, estando sujeito, apenas, à indignidade, LÔBO, Paulo, cf. Direito Civíf: 
Sucessões, cit., p. 184. 
241. DIAS, Maria Berenice, cf. Manual das Sucessões, cit., p. 319. 
242. WALD, Arnoldo, cf. Direito Civil: Direito das Sucessões, clt., p. 263. 
243. TARTUCE, Flávio, cf. Direito Civil, cit., p. 116. No mesmo sentido, MALUF, Carlos Alberto Dabus; MALUF, 
Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus, cf. Curso de Direito das Sucessões, cit., p. 439. 
244. POLETIO, carlos Eduardo Minozzo, cf. Jndig~idade sucessória e deserdação, cit., p. 367-368. Enfaticamente, 
propõe o doutrinador: "sustentamos que o cônjuge pode se deserdado _não somente pelas mesmas causas 
que implicariam o seu afastamento hereditário por indignidade, ma_s.-também, por exemplo, pelos mesmos 
motivos que os ascendentes e descendentes podem ser deserdados e pelas mesmas razões que e doador 
pode revogar judicialmente a doação por ingratidão do donátário': 
245. DIAS, Maria Berenice, cf. Manual das Sucessões, cit., p. 320, Chega mesmo a disparar a ilustre doutrinadora 
do Rio Grande do Sul: "a perversidade humana vai multo além da imaginação do legislador". 
188 CURSO DE DIREITO C!VJL • Vol. 7 - Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 
Evita-se, inclusive, com issÓ um completo absurdo que seria admitir a deserdação 
do filho que mantém relações sexuais com a madrasta (relações ilícitas), negando · 
a deserdação dela. Se a relação é reputada.,ilícita pelo sistema, é absolutamente 
razoável afirmar que a antijurídicidade da conduta alcança ambas as partes, e não .; , 
somente uma delas. 
4.7.3 Pressupostos da deserdação 
Sem perder de vista que o direito à herança constitui
garantia fundamental (CF, 
art. 5°, XXX), é fácil depreender a necessidade de estabelecer condições mínimas para 
a privação da herança por um herdeiro necessário. Evita-se, assim, que por vingança 
ou por motivo torpe o autor da herança prive o seu herdeiro necessário de recolher 
a sua herança. 
São conditios sine qua non para a exclusão do herdeiro necessário. É dizer, 
ausente qualquer desses pressupostos, a deserdação é reputada inexisfente e, por 
conseguinte, não surtirá qualquer efeito, mantido o recebimento patrimonial. 
São pressupostos da deserdação: i) a declaração de vontade do autor da heran-
ça, privando herdeiro necessário por meio de testamento; ii) indicação do motivo 
deserdativo na própria declaração de vontade, dentre as causas previstas em lei; iii) 
confirmação judicial, em ação submetida ao procedimento comum ordinário. 
Vejamos minudentemente cada um dos pressupostos . 
. ;} testamento válido 
Enquanto a indignidade é efetivada por meio de uma ação promovida pelos 
interessados, a deserdação é ato privativo do autor da herança, através de um tes-
tamento. 14ão se admite o uso de outro instrumento para efetivá-la, mesmo que seja 
escritura pública ou termo judicial. 
Consta, verbum ad verbo, do caput do art. 1.964 do Código Civil que somente 
"pode a deserdação ser ordenada em testamento", colocando dies cedit em qualquer 
dúvida por ventura existente. 
Para a deserdação do herdeiro necessário, portanto, exige-se uma declaração 
volitiva em testamento, seja público, cerrado ou particular, evidenciando que se trata 
de um ato formal e solene, não se tolerando outro meio de exteriorização da vontade 
de privar o herdeiro necessário. 
No ponto, parece que o sistema tenta manter intacta a proibição de pacto 
sucessório, ou pacto corvina, decorrente do art. 426 da Codificação, que estabelece 
a nulidade de qualquer negócio jurídico que tenha por objeto a herança de pessoa 
ainda viva, diferentemente do sistema germânico. 
Uma vez efetivada por meio de testamento, não se exige o uso de expressões 
sacramentais, técnicas ou específicas para a deserdação. 
Cap. I\ • ELEMENTOS GENÉRICOS 00 DIRErTO DAS SUCESSÕES (A SUCESSÃO EM GERAL) 189 
Exige-se, ademais, a validade do testamento que contém a declaração adeserdati-
va. Isso porque se. nula, ou anulável, a declaração de última vontade, igualmente in-
validada estará a deserdação, por conta do comprometimento da vontade manifestada. 
ii) indicação da tipiddade da conduta deserdativa (cláusula expressa com fun-
damentação legal) 1 
Não basta a pratica do ato deserdativo por meio de testamento. Para além disso, 
o legislador exige a indicação da motivação do testador, revelando, expressamente e 
por escrito, a causa prevista em lei ensejadora da punição do agente, com a privação 
da herança. 
O motivo, portanto, não pode constar implicitamente do testamento ou ser 
subentendido, tácito ou virtual. 
O Código Civil é de clareza meridiana: "somente com expressa declaração de causa 
pode a deserdação ser ordenada em testamento" (art. 1.964). 
Trata-se de limitação imposta pelo sistema jurídico ao arbítrio do testador, 
evitando que a deserdação seja praticada como uma espada decorrente de vingança, 
ódio ou desafeto. Certamente, não é qualquer motivo que pode ensejar a privação 
da herança pelo herdeiro necessário, até mesmo porque o recebimento da herança é 
garantia constitucional, somente afastável nos casos previstos em lei (indignidade 
e deserdação). A deserdação não pode se prestar a um arbítrio despótico do he-
reditando, afrontahdo a garantia de recebimento do patrimônio, por capricho. Por 
isso, "animosidades transitórias, diferenças de pensamentos ou pontos de vista não 
justificam a deserdação", nas palavras de Salomão de Araújo Cateb.246 
A jurisprudência já se firmo~ nessa esteira, como se nota: 
"Ausente prova da causa autorizadora da deserdação, improcede o pedido de 
exclusão de herdeiros, mesmo que haja manifesta animosidade entre ascendente 
e descendentes". 
(TJ/RS, Ac. 8ª Câmara Cível,. ApCív. 70029040417 - comarca de Passo Fundo, 
Rel. Des. Claudir Fidelis Faccenda, j. 21.5.09, DJRS 26.5.09) 
Evita-se, assim, uma violação frontal ao direito constitucional à herança por 
arbítrio do titular do patrimônio, com afronta à legítima. Lamentavelmente, não são 
raros os casos de tentativa de frustração da legítima pelo ascendente que tenta punir 
o seu descendente por mero capricho,"' em razão de orientação sexual, filosófica, 
política ou religiosa."' 
246. CATEB, Salomão de Araújo, d. Deserdação e indignidade no Direito Sucessório brasileiro, cit., p. 102. 
247. Se não fosse a exigência de indicação expressa da causa, ~poderia aquele {o testador) incluir, entre referidas 
hípóteses, ofensas sem maior gravidade, ou mesmo supostos agravos, a fim de afastar de sua sucessão o 
descendente ou ascendente menos querido~ RODRIGUES, Sílvio, cf. Direito Civil: Direito das Sucessões, cit., 
p. 256. 
248. Veja.se por oportuno uma demonstração disso: ~o pr!meiro-ministro cambojano, Hun Sen, quer deserdar 
sua filha lésbica, adotada em 1988. 'Minha esposa ·(BUn Rany) e eU a adotamos quando era um bebê em 
190 CURSO DE DIREITO CIV!L • Vol. 7 - Çrlstiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 
Naturalmente, o motivo da deserdação tem de existir previamente à celebração 
do testamento, não podendo se contemplar situações incertas e não concretizadas.249 
A outro giro, a deserdação permite ao titular do patrimônio impedir que o seu 
herdeiro que lhe foi ingrato venha a ser beneficiado com o seu óbito. Vislumbramos 
o caso do paii que deserda o filho que assassinou sua esposa ou um outro filho seu. 
Também se vê o filho que deserda o pai que, durante toda a sua vida, se negou a 
lhe prestar alimentos, apesar de possuir condições econômicas para a mantença da 
prole, deixando-o em completo abandono material. 
Ressalte-se, por oportuno, que a interpretação do rol das hipóteses de deser-
dação (CC, arts. 1.961 a 1.963) não se submete à taxatividade, por conta da teoria 
da tipicidade finalística, multicitada anteriormente. 
A eventual deserdação sem indicação da justa motivação correspondente será 
nula,250 não podendo ser homologada pelo juiz. Com isso, mantém a inteireza do 
direito sucessório do herdeiro necessário que se pretendia· excluir da sucessão. 
iii) comprovação judicial em ação ordinária de deserdação 
Assim como a indignidade, a deserdação do herdeiro necessário reclama o 
reconhecimento por decisão judicial, prolatada em procedimento comum ordinário. 
Efetivamente, em se tratando de uma sanção civil, não seria razoável admitir a sua 
aplicação sem prévio provimento jurisdicional, após garantido o devido processo legal. 
A privação legitimária, portanto, não decorre do simples ato de imputação deserda-
tiva contida no testamento. Diferentemente do sistema espanhol e do suíço, entre nós, 
é necessária a comprovação judicial de sua veracidade, por meio de sentença prolatada 
pelo juiz das sucessões, em demanda promovida pelo interessado, a quem incumbe o 
ônus de prova do que se alega, com vistas à exclusão do réu da participação sucessória. -
R~~a o art. 1.965 da Lei Civil: 
Art. 1.965, Código Civil: 
"Ao herdeiro instituído, ou àquele a quem aproveite a deserdação, incumbe 
provar a veraddade da causa alegada pelo testador." 
1988 e ela usa meu sobrenome deste então; disse Hun Sem durante ato pela educação realizado em 
Phnom Penh. O governante admitiu que num caso lésbico aconteceun em sua família e acusou uma de 
suas três filhas, cujas Identidades não foram reveladas, de levar mulheres a sua casa. 'Minha filha adotiva 
agora tem uma mulher. Estou bastante desapontado; disse o primeiro-ministro à agência Associated Press. 
Hun Sen planeja entrar com urna ação na justiça para que sua filha seja impedida de herdar os bens da 
familia. 'Estamos preocupados que ela possa nos causar problemas no futuro: alegou Hun Senn (http:// 
acapa. virgu la.uol.com.br /mobile/notlcia.asp ?cod igo"' 16617). 
249.
#Acertada interpretação do tribunal de origem quanto a.o mencionado art. 1.744 do Código Civil de 1916, 
ao estabelecer que a causa invocada p<ira justificar a df;'!serdação constante de testamento deve preexistir 
ao momento de sua celebração, n;fio j:iodendo contemplar situações futuras e incertas" (STJ, Ac. unân. 4ª 
T., REsp. 124.313/SP, Rei. Min. Luís Felipe Salomão, j. 16.4.09, DJe 8.6.09}. 
250. use a causa invocada não corresponder, exatamente, a alguma das mencionadas no Código C!vil, será 
inoperante a deserdação, e o testamento será nulo quanto à porção da legftlma, subsistindo, somente, as 
disposições que couberem na metade disponível" (TJ/R.I, Ac. 2ª Câmara Cível, ApCív. 2008.001.49698, Rei. 
Des. Lei!a Mariano, j. 8.1 O.OS). 
Cap.11 • ELEMENTOS GENtRICOS DO DIREITO DAS SUCESSÕES (A SUCESSÃO EM GERAL) 191 
A decisão judicial deve atentar para duas circunstâncias da mais alta relevância: i) 
a correspondência da conduta imputada ao herdeiro necessário e o tipo legal previsto 
no Código Civil; ii) a efetiva concretização da conduta imputada, tendo afrontado 
á dignidade do auctor hereditatis. Tendo sido imputada mais de uma conduta deser-
dativa ao réu, bastará a comprovação de uma delas para a procedência do pedido. 
A ação de deserdação, que está submetida ao procedimento comum ordinário, 
deve ser ajuizada após a homologação judicial do testamento - que, por seu turno, 
está submetida a um procedimento de jurisdição voluntária. 
O prazo decadencial para o aforamento da ação de deserdação é de quatro 
anos, contados, segundo o texto codificado, da abertura do testamento: "o direito 
de provar a causa da deserdação extingue-se no prazo de quatro anos, a contar da 
data da abertura do testamento" (CC, art. 1.965, Parágrafo único). 
Aqui, descortina-se um instigante problema: somente o testamento cerrado 
precisa ser aberto pelo juiz. Os testamentos público, particular e especiais (maríti-
mo/aeronáutico e militar) não trazem qualquer conteúdo secreto, não precisando de 
abertura pelo juiz, mas exigindo, de qualquer sorte, homologação para que sejam 
efetivados. Nota-se, assim, uma incoerência legislativa. Se o prazo de caducidade 
fluir a partir da abertura do testamento, restringir-se-ia ao testamento cerrado, uma 
vez que os demais já estão abertos. A melhor solução para o problema, então, é 
entender que o prazo para a propositura da demanda é computado a partir da aber-
tura da sucessão, afora- no caso de testamento cerrado. 251 Há quem entenda, noutra 
margem, que nos casos distintos do testamento cerrado, o prazo de caducidade deve 
ser computado a partir da apresentação do testamento em juízo.'52 
Note-se, ainda, a impossibilidade de propositura da ação de deserdação antes 
da abertura da sucessão. Com isso, o próprio autor da herança é parte ilegítima para 
a demanda. A ele cabe a lavratura do testamento, mas não o aforamento de ação 
para a sua confirmação judicial. 253 
Caso a demanda não venha a ser ajuizada no prazo decadencial estampado no 
Código Civil ou não sendo comprovada a causa deserdativa invocada pelo autor da 
.herança, a deserdação perde a sua eficácia absolutamente, mantido o direito à he-
rança. No ponto, urge um especial cuidado no que diz respeito à redução parcial da 
ineficácia (CC, art. 184): perderá a eficácia, nos casos mencionados, a cláusula de 
251. Também assim, VELOSO, Zeno, cf. Comentórios ao Código Civil, cit., p. 337. 
252. ~Apresentado ou aberto o testamento, o interessado na deserdação disporá do prazo decadencial de quatro 
anos para o ajuizamento da ação em face do herdeiro necessário deserdado~ NADER, Pauio, cf. Curso de 
Direito Civil, dt., p. 398. • 
253. "A ação de deserdação cabe ao beneficiado e deve ser ajuizada depois de aberta a sucessão {ou seja, 
depois da morte do testador}, para que fique provada a causa utilizada como razão para deserdar. Inteli-
gência dos arts. 1.964 e 1.%5, ambos do Código Civil. Nesse/contexto, é juridicamente impossível a ação 
de deserdação ajuizada pela própria pessoa que deseja deserdar um herdeiro necessário seu. Tal pretensão 
só pode ser objeto de cláusula testamentáriaw (TJ/RS, Ac. s• Câmara Cível, ApCív. 70034811208 - comarca 
de Cruz Alta, Rei. Des. Rui Portanova, j. 13.5.10, DJRS 20.5.10). 
192 CURSO DE DIREITO CIVIL. Vol. 7 - Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 
deserdaçãa, mantendo a sua integridade as demais cláusulas testamentária, como, 
por exemplo, o benefício a terceiros ou o reconhecimento de um filho. 
Surge, então, uma instigante questão:' decaindo o direito de propositura 
da ação ou não comprovada a causa deserdativa, o herdeiro necessário mantém, 
também, o direito à sucessão testamentária ou somente o acesso à legítima? A 
legislação suíça (art. 479) estabelece que, em tais casos, o deserdado terá di-
reito à sucessão legitimária, sendo privado do testamento que, eventualmente, 
o beneficie, por conta de uma presunção legal de afastamento do testamento. A 
conclusão, entretanto, não se aplica em nosso País, na medida em que a deser-
dação é indivisível e expressa. 
Tal o que ocorre na indignidade, o ônus de prova recai sobre o autor da demanda, 
a quem se impõe demonstrar a existência do testamento deserdativo, bem como a 
efetiva ocorrência da causa apontada. 
Relembre-se que somente o trânsito em julgado da sentença de deserdação priva · 
o herdeiro necessário do recebimento patrimonial. Antes disso, pode se jus):ificar o 
uso de medidas cautelares, com vistas a salvaguardar o resultado útil do processo, 
assegurando direitos. 
4.7.4 Causas deserdativas dos herdeiros necess6rios 
Em conformidade com o disposto nos arts. 1.961 a 1.963, ..- deserdação pode 
estar baseada nas causas de indignidade, previstas no art. 1.814, e em causas espe-
cíficas, mencionadas nos arts. 1.962 e 1.963. 
Quanto à deserdação com base nas causas genéricas de indignidade, vale notar a 
clareza meridiana do texto legal: "os herdeiros necessárias podem ser privados de sua 
legitima, ou deserdados, em todos os casos em que podem ser excluídos da sucessão." 
Assim, todos os herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge) po-
dem ser deserdados por conta de i) homicídio doloso, tentado ou consumado, contra 
o autor da herança, o seu cônjuge ou companheiro, o seu ascendente ou descendente; 
ii) acusação caluniosa em juízo ou crime contra a honra contra o autor da herança, 
o seu cônjuge ou companheiro; iii) ato que impeça a declaração de última vontade, 
ou a sua execução, do autor da herança. 
Cometido qualquer dos atos de indignidade pelo herdeiro necessário, poderá 
o auctor hereditatis deserdá-lo, por testamento. Porém, não o fazendo, poderão os 
interessados, depois da morte do titular, buscar o reconhecimento da indignidacie, 
por meio da ação cabível. 
Para além desses tipos, que servem para a indignidade, entende-se que a de-
serdação, por defluir diretamente da vontade do próprio titular do patrimônio, pode 
estar lastreada em outras causas, ampliando a possibilidade de exclusão do herdeiro 
necessário .. Os arts. 1.962 e 1.963 vislumbram: 
Cap.11 ·, ELEMENTOS GEN~RlCOS DO DIREITO DAS SUCESSÕES {A SUCESSÃO EM GERAL) 
Art. 1.962, Código Civil: 
NAlém das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descen-
dentes por seus ascendentes: I - ofensa física; II-. injúria grave; IiI - relações 
ilicitas com a madrasta ou com o padrasto; IV - desamparo do ascendente em 
alienação mental ou grave enfermidade." 
Art. 1.963, Código Civil: 
"Além das causas enLlmeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos ascen-
dentes pelos descendentes: I - ofensa física; II - injúria grave; III - relações 
ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido 
ou companheiro da filha ou o da neta; IV - desamparo do filho ou neto com 
deficiência mental ou grave enfermidade." 
193 
Em boa hora, e em respeito evidente à isonomia constitucional entre o homem 
e a mulher, foi excluída a previsão contida no Código antecedente'" de
possibilidade 
de deserdação da filha qúe vivesse na casa paterna e se desvirginasse antes do casa-
mento (CC/16, art. 1.744, III), não se aplicando ao filho.' 55 O absurdo que encerrava 
a hipótese já impunha a conclusão de sua incompatibilidade com o sistema desde o 
advento da Lex Mater de 5 de outubro. 
Não é despiciendo analisar cada uma das hipóteses deserdativas do Código de 
2002. 
i) Ofensas físicas 
Protege-se, nesse primeiro tipo, a integridade corporal do autor da herança, 
garantindo-lhe a dignidade. 
Invocando a lição de Sílvio de Salvo Venosa, a locução ofensas físicas deve ser 
compreendida como "qualquer forma de agressão contra o corpo da vítima. A lei não 
distingue, não falando de gravidade da ofensa. Destarte, mesmo a lesão leve é causa 
de deserdação. O ato é desrespeitoso".'" 
Além de desinteressar a gravidade da lesão, também não interessa a existência 
de sequelas permanentes ou temporárias. 
Igualmente, não se exige a repetição"' do comportamento lesionário. É bas-
tante uma única prática ofensiva. Até porque não se poderia impor ao testador a 
necessidade de se submeter a maus tratos para deserdar o seu herdeiro necessário. 
254. A norma se inspirou nas Ordenações Portuguesas: ue se alguma filha, antes de ter vinte e cinco anos, 
dormir com algum homem, ou se casar sem mandado de seu pai, ou de sua-mãe, não tendo pai, por esse 
mesmo feito será deserdada e e..:dulda de todos os bens e fazenda do pai, ou mãe" (Livro IV, Título 88). 
255. Sílvio Rodrigues comenta que o dispositivo "representava um resquício rancoroso do passado em que a 
lei discriminava deliberadamente contra a mulher, vítima de uma civilização em que o homem podia tudo 
e ela nada; de uma civilização que impunha castidade à mulher solteira, mas permitia, até acoroçava, a 
licença no homem solteiro. Porque, a honestidade a que se referia o inciso Ili do art.1.744 do Código de 
1916 é a sexual, isto é, a continência imposta à mulher", RODRIGUES, Sílvio, cf. Direito Civil, cit., p. 259. 
256. VENOSA, Sílvio de Salvo, cf. Direito Civil, cit., p. 323. 
257. Também assim, GONÇALVES, Carlos Roberto, cf. DJreito Civil BrasflelrO, cit, p. 429. 
194 CURSO DE DIREITO CJVlL • Vol. 7 - Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald. 
"De qualquer forma, a ação precisa ser dolosa. D agir nas modalidades de 
imprudência, negligência ou imperícia não leva à deserdação", como pontua Maria 
Berenice Dias. 258 
Embora seja evidente uma proximidade com o crime de lesões corporais (CP, art. 
129), não se podei restringir a ofensa física a ele. Efetivamente, no próprio Estatuto 
das Penas (e, muito mais, fora dele) existem referências a outros tipos de ofensas 
físicas, como no caso de violência sexual mediante fraude (CP, art. 215) ou de estupro 
de vulnerável (CP, art. 217-A). 
A outro giro, não parece suficiente a mera existência de ameaça, intimidação· 
ou temor incutido na vitima para configurar o tipo. Exige-se uma efetiva afronta à 
integridade física. 
Por evidente, não há necessidade de prévia condenação criminal. A prova da 
ofensa física pode ser produzida diretamente no juízo cível, até mesmo não precisa 
de uma correlação com algum tipo penal previsto na legislação repressiva. 259 
ii) Injúria grave 
É certo que o sistema jurídico brasileiro não admite a figura do hate speech, 
existente no direito norte-americano, autorizando que cada pessoa exerça, ilimitada-
mente, a liberdade de expressão. Entre nós, existem limites à liberdade de expressão 
e, assim, não se permite a simples prolação de expressões injuriosas, afetando a 
dignidade e a respeitabilidade de outrem. Dentre outros, um dos mecanismos de 
controle desse excesso de linguagem é a deserdação do herdeiro necessário por 
injúria grave. 
Com uma considerável abertura conceitual, a expressão injúria grave transcende 
a prátiça dos crimes contra a honra para caracterizar uma atitude eticamente reprová-
vel, coj)sistente na utilização de expressões depreciativas contra o autor da herança, 
abalando o convívio entre as partes. Enfim, é o uso de palavras que martirizam a 
honra, a dignidade, a boa fama, a respeitabilidade de alguém. · 
A propósito, vale conferir a origem etimológica da expressão "injúria", consoante 
a lição de Paulo Nader: "o vocábulo injúria provém do Latim iniura, termo formado 
pelo prefixo in (contra) e de ius (direito). Por sua etimologia significa, portanto, o 
que for contrário ao direito". 260 
Trata-se, pois, de um gravame moral tão vigoroso quanto a própria ofensa física. 
A injúria grave, por sua vez, corresponde à utilização de elementos discriminatórios 
ou desabonadores relativos à raça, cor, sexualidade, etnia, convicções religiosas, 
258. DIAS, Maria Berenice, d. Manual das Sucessões, dt., p. 322. 
259. Em ser.se inverso, mas sem razão ao nosso sentir, Luiz Paulo Vieira de Carvalho afirma que fffaz-se necessá-
rio que tal ofensa constitua crime, ainda que não haja processo no juízo criminal: CARVALHO, luiz Paulo 
Vieira de, cf. Direito das Sucessões, cit., p. 749. 
260. NADER, Paulo, á. Curso de Direito Civil, dt., p. 394. 
Cap.11 • ELEMENTOS GEN~RICOS DO DIREITO DAS SUCESSÕES (A SUCESSÃO EM GERAL) 195 
filosóficas ou morais. Também diz respeito à depreciação de alguém por conta de sua 
condição física, idade e problemas de saúde, como a obesidade e a calvície. 
. Certamente, pela própria dinâmica da vida, repleta de dissabores e tensões cor-
riqueiras, nem toda expressão mais dura utilizada entre membros de uma família pode 
ser reputada injuriosa. "É mister seja ela grave, intolerável, assinalada pela presença 
de animus injuriand1", 261 escapando à razoabilidade mesmo de momentos mais tensos. 
A injúria grave deve ser dirigida contra o autor da herança, não sendo possível 
direcionar-se em relação aos demais familiares ou amigos para a sua configuração. Em 
relação ao cônjuge ou companheiro do autor da herança, relembre-se a possibilidade de 
reconhecimento de indignidade por prática de crime contra a honra (CC, art. 1.814, II). 
Embora lastimável, a vida real apresenta casos diversos de imputações injuriosas 
entre pais e filhos (herdeiros necessários entre si), por conta de conflitos diversos. 
Infelizmente, não é raro a um filho ou pai exceder abusivamente da linguagem, 
causando um escárnio ou uma depreciação na vida do outro. E o pior: em tempos 
de facilidade de propagação de informações, por conta da internet, a injúria grave 
ganha contornos mais contundentes. O Tribunal de Justiça bandeirante, inclusive, já 
teve oportunidade de reconhecer a injúria grave por conta de veiculações de condu-
tas injuriosas, no Orkut, de um filho contra o pai para fins de exclusão do direito à 
pensão alimentícia. Como se nota, o precedente serve, identicamente, para ilustrar 
a injúria grave para fins deserdativos: 
"Interpretação do art. 1708, Parágrafo único, do Código Civil. Exoneração que 
o pai postula, devido a descobrir que o alimentado espalha, em comunidades 
de reladonamentos da internet [Orkut], mensagens com conteúdos sufidentes 
para justificar a ruptura de relodonamento dvilizado e que seriam, em tese, 
classificáveis como atos indignos [meu pai não paga minha pensão; eu odeio 
'meu pai e meu pai é um filho da puta]. 
Decisão que determina o depósito das prestações em conta judicial até en~ 
·cerramento do litígio. 
Razoabilidade." 
(TJ/SP, Aç:.. unân. 4ª Câmara de Direito Privado, Ag!nstr. 566.619~4/8 - comarca 
de São Caetano do Sul, Rel. Des. Ênio Santarelli Zuliani, j. 12.6.08) 
Consta do aludido dedsum que o filho chegou mesmo a publicar na rede social 
referidas mensagens em relação ao pai com o seguinte conteúdo: "o importante é 
que ele suma da face da terra!!! [. .. ] mas na faca seria legal, enfiar até o cabo no 
meio da garganta dele sentir o sangue quente escorrendo nas minhas mão! O fada é 
perder a minha liberdade por causa de um traste imprestável como ele, eu torço pra 
q alguém faça isso por mim, sei lá uma doença cama câncer, um carro um caminhão • atropelar ele sei
lá até mesmo um trombadinha tentar roubar ele e meter a faca sei 
lá um raio cair na cabeça dele, mas nada disso acontece". 
261. MONTEIRO, Washington de Barros, cf. Curso de Direito Civil: Direito das Sucessões, cit, p. 241. 
196 CURSO DE DIREITO CIVIL· Vol. 7 - Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 
A hipótese configura, a mais não poder, típica injúria grave civil, podendo jus-
tificar a exclusão da sucessão, por conta da depreciação da figura paterna causada 
pela imputação. , 
Parece-nos que desgostar de alguém é direito inerente a toda e qualquer 
pessoa. Efetivamente, o sistema jurídico não pode exigir que alguém nutra 
sentimentos afetivos e amorosos por outrem, mesmo em se tratando de pai e 
filho. Todavia, mesmo reconhecida a possibilidade de desafeto entre membros 
de uma mesma família, mostra-se excessivo externar publicamente o desapreço, 
em especial por meio de expressões desabonadoras e depreciativas da dignidade 
da outra pessoa. 
Outrossim, vale o registro de que a partir da ideia da tipiddade jinalística, a 
prática de crime contra o patrimônio do autor da herança (como furto, apropriação 
indébita, estelionato ... ) pode caracterizar também uma injúria grave, a depender 
do caso, mesmo que isento de pena na esfera criminal. 262 
Não se concebe, entrementes, a inclusão como injúria grave do simples exer-
cício da liberdade afetiva ou sexual de alguém. Com efeito, não podem os parentes 
controlar as manifestações afetivas e sexuais de outrem. Por isso, eventuais práticas 
ligadas ao exercício da liberdade de autodeterminação sexual e afetiva, que estão 
albergadas em sede constitucional, não podem servir para justificar a deserdação. 
iii) Relações ilídtas 
Também justifica a deserdação a prática de relações ilícitas entre o descen-
dente e o seu padrasto, ou madrasta, e entre o ascendente e a sua enteada, ou 
enteado. 
A toda evidência, a intenção legislativa foi resguardar o núcleo familiar de 
investidas ilimitadas de conteúdo sexual. Não temos dúvida de que a mais comum 
hipótese relativa ao tipo legal é o incesto. Assim, impede-se que o padrasto ou 
madrasta, independentemente da orientação sexual, abuse do enteado(a), abo-
minando a nefasta prática caracterizadora de violência sexual.263 Estranhamos, 
contudo, que os pais que praticam o incesto não possam ser deserdados pelos seus 
filhos. Nesse caso, considerado o incesto (até mesmo um estupro) praticado pelo 
pai contra a filha, não caberia deserdação, por conta da suposta taxatividade da 
norma? Para evitar situação tão dramática, uma vez mais, propagamos a solução 
através da tipicidade de/imitativa, buscando a finalidade do tipo. 
262. "Quantos são os tristes casos cotidianos que tomamos conhecimento de sujeitos qtíe furtam, roubam, 
praticam extorsão, apropriação indébita e estelionato contra os próprios pais e avós, envolvendo seja 
o patrimônio familiar, seja as pensões previdenciárias e os empréstimos consignados~ POLEITO, Carlos 
Eduardo Minozzo, d. lndignídade sucessória e deserdação, cit., p. 379. 
263. Em sede doutrinária, vem se percebendo que são os padrastos e madrastas que podem induzir enteados 
à prática de atos libidinosos. ~Não são os enteados que seduzem seus padrastos ou madrastas. Eventuais 
tentativas dos enteados precisam ser barradas pelo adulto, que não pode utilizar este tipo de argumento 
para justificar práticas incestuosas~ DIAS, Maria Berenice, d. Manual das Sucessões, cit., p. 323. 
Cap.11' • ELEMENTOS GENtRICOS DO DIREITO DAS SUCESSÕES (A SUCESSÃO EM GERAL) 197 
A fria redação do inciso legal insinua que a deserdação não alcança, nesta 
h1pótese, os netos ou netas que mantiverem relações sexuais com o esposo(a) ou 
companheiro(a) da avó ou do avô. 
Pior: o texto permitiu a deserdação do descendente que manteve conjunção 
sexual com o padrasto/madrasta, mas esqueceu de autorizar a deserdação do cônjuge. 
O equívoco é grave, na medida 4m que a relação é ilícita para ambas as partes, e 
"ão somente para uma delas. Resolve-se a questão, como destacado antes, por meio 
cta compreensão da tipicidade finalisitca, permitindo imputar ao cônjuge as causas 
deserdativas dos descendentes e ascendentes. 
A doutrina vem propondo uma compreensão ampla da expressão "relações 
ilícitas": "a expressa 'relações ilícitas' abrange, também, outros comportamentos 
· lascivos, que envolvem.namoro, libidinagem, intimidade, luxúria e concupiscência. O 
envolvimento amoroso e intimidades sexuais da filha com o marido da sua mãe, por 
exemplo, ainda que não tenha havido coito ou cópula carnal, sem dúvida se mostra 
repugnante, asqueroso e ofensivo aos sentimentos mais nobres".264 
Para fins de caracterização do tipo deserdativo, admite-se o contato hetero ou 
homoafetivo, sem qualquer distinção discriminatória. 
Na sociedade contemporânea, em que é comum a ocorrência -de famílias recons-
tituídas, a convivência de padrastos e madrastas com enteados jovens, oriundos de 
relações anteriores, exige o estabelecimento de mínimos éticos de convivência, a 
justificar a deserdação de quem ultrapassa tais exigências, com visível prejuízo à 
convivência do núcleo familiar. 
iv) Desampara da herdeiro necessária 
A quarta e última hipótese específica de deserdação é o desamparo do herdeiro 
necessário, que sofre de alienação, deficiência mental ou grave enfermidade. 
A ruptura da solidariedade familiar, exigida como núcleo fundante das relações 
entre parentes, é a motivação dessa específica causa deserdativa. Pune-se quem deu 
as costas, foi indiferente, às necessidades materiais de seu parente, demonstrando 
insensibilidade. 
Promovendo uma interpretação teleológica da norma e reconhecendo as li-
berdades humanas de autodeterminação, sublinhamos que não é qualquer tipo de 
desamparo que autoriza a deserdação. Para tanto, é preciso a conjugação de alguns 
elementos: ·O que o herdeiro necessário tenha conhecimento <la grave situação que 
acomete o àuctor hereditatis; ii) que disponha de condições pessoais e materiais 
(recursos econômicos, inclusive, se for o caso) para prestar a assistência; iii) e que 
o titular do patrimônio não tenha condições de se manter por si só. 
264. GONÇALVES, Carlos Roberto, cf. Direito Civil Brasi/e_iro;dt., ·p. 431. 
,, 
198 CURSO DE DIREITO CIVIL· Vol. 7 - _Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald 
Isso porque somente provado o absoluto descaso com o hereditando é que se 
poderá falar em deserdação. 265 
Há, contudo, uma perplexidade no texto normativo. Aludem os dispositivos 
ao parente com "alienação" ou "deficiência" mental - conceitos da Medicina que 
ocasionam a incapacidade absoluta ou relativa do titular, consoante disposições dos 
arts. 3' e 4' da Codificação Reale, a depender do grau de comprometimento da com-
preensão. Lembre-se, ademais, que o incapaz por motivo psíquico não pode elaborar 
testamento. Assim, resta explicitado um paradoxo: se a deserdação se efetiva por 
meio de testamento, como poderia o autor da herança incapaz mentalmente fazê-lo, 
se não dispõe de capacidade testamentária ativa? 
É certo que o desamparo punível não é somente de índole material, mas tam-
bém de ordem imaterial, alcançando o herdeiro necessário que abandona o parente 
enfermo em estabelecimentos sem qualquer visita ou preocupação pessoal, sequer em 
datas comemorativas como aniversários, Natal etc. Trata-se da violação do cuidado 
necessário que deve existir entre os membros de uma famflia. 266 
Discute-se, entretanto, o abandono afetivo como causa deserdativa.267 A nós, 
parece descabida a deserdação por simples desamor entre as partes, na medida em 
que sentimentos são humanos e não exigíveis pelo sistema jurídico. Uma pessoa, 
seguramente, não é obrigada a gostar de outra, dando-lhe carinho e afeto. O que 
nos parece exigível, em toda e qualquer família, é o cuidado necessário, que se 
apresenta com uma feição muito mais material e objetiva, do que o subjetivismo 
decorrente das emoções (muitas vezes inexplicáveis) que reinam no coração huma-
265.

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