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MURILO MENDES 1901 - 1975 - Funcionário público e professor de Literatura; - Amigo de Jorge de Lima (com quem escreve Tempo e Eternidade, em 1935) e de Ismael Nery, artista plástico que lhe influencia a escrita surrealista; - Além do surrealismo, pelo que é mais conhecido, escreveu poemas com temática religiosa/católica e de cunho social; - Da década de 1930 é sua poesia mais política (História do Brasil, 1932). De 1937 é seu livro mais conceituado, A Poesia em pânico. Poema Espiritual Eu me sinto um fragmento de Deus Como sou um resto de raiz Um pouco de água dos mares O braço desgarrado de uma constelação. A matéria pensa por ordem de Deus, Transforma-se e evolui por ordem de Deus. A matéria variada e bela É uma das formas visíveis do invisível. Cristo, dos filhos do homem és o perfeito. Na Igreja há pernas, seios, ventres e cabelos Em toda parte, até nos altares. Há grandes forças de matéria na terra, no mar e no ar Que se entrelaçam e se casam reproduzindo Mil versões dos pensamentos divinos. A matéria é forte e absoluta Sem ela não há poesia. Noite carioca Noite da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro tão gostosa. que os estadistas europeus lamentam ter conhecido tão tarde. Casais grudados nos portões de jasmineiros... A baía de Guanabara, diferente das outras baías, é camarada, recebe na sala de visita todos os navios do mundo e não fecha a cara. Tudo perde o equilíbrio nesta noite, as estrelas não são mais constelações célebres, são lamparinas com ares domingueiros, as sonatas de Beethoven realejadas nos pianos dos bairros distintos não são mais obras importantes do gênio imortal, são valsas arrebentadas... Perfume vira cheiro, as mulatas de brutas ancas dançam o maxixe nos criouléus suarentos O Pão de Açúcar é um cão de fila todo especial que nunca se lembra de latir pros inimigos que transpõem a barra e às 10 horas apaga os olhos pra dormir. CORTE TRANSVERSAL DO POEMA A música do espaço para, a noite se divide em dois pedaços. Uma menina grande, morena, que andava na minha cabeça, fica com um braço de fora. Alguém anda a construir uma escada pros meus sonhos. Um anjo cinzento bate as asas em torno da lâmpada. Meu pensamento desloca uma perna, o ouvido esquerdo do céu não ouve a queixa dos namorados. Eu sou o olho dum marinheiro morto na Índia, um olho andando, com duas pernas. O sexo da vizinha espera a noite se dilatar, a força do homem. A outra metade da noite foge do mundo, empinando os seios. Só tenho o outro lado da energia, me dissolvem no tempo que virá, não me lembro mais quem sou. Mamãe vestida de rendas Tocava piano no caos. Uma noite abriu as asas Cansada de tanto som, Equilibrou-se no azul, De tonta não mais olhou Para mim, para ninguém! Cai no álbum de retratos.
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