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1 Disciplina: Correntes Pedagógicas Inovadoras Autora: Dr.a Vanessa Roberta Massambani Ruthes Revisão de Conteúdos: Esp. Murillo Hochuli Castex Revisão Ortográfica: Esp. Juliano de Paula Neitzki Ano: 2019 Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 2 Vanessa Roberta Massambani Ruthes Correntes Pedagógicas Inovadoras 1ª Edição 2019 Curitiba, PR Editora São Braz 3 Editora São Braz Rua Cláudio Chatagnier, 112 Curitiba – Paraná – 82520-590 Fone: (41) 3123-9000 Coordenador Técnico Editorial Marcelo Alvino da Silva Revisão de Conteúdos Murillo Hochuli Castex Revisão Ortográfica Juliano de Paula Neitzki Desenvolvimento Iconográfico Juliana Emy Akiyoshi Eleutério FICHA CATALOGRÁFICA RUTHES, Vanessa Roberta Massambani. Correntes Pedagógicas Inovadoras / Vanessa Roberta Massambani Ruthes. – Curitiba: Editora São Braz, 2019. 59 p. ISBN: 978-85-5475-410-5 1.Pedagogia. 2. Correntes. 3. Aprendizagem. Material didático da disciplina de Correntes Pedagógicas Inovadoras – Faculdade São Braz (FSB), 2019. Natália Figueiredo Martins – CRB 9/1870 4 PALAVRA DA INSTITUIÇÃO Caro(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) à Faculdade São Braz! Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio Chatagnier, nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº 299 de 27 de dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e Extensão Universitária. A Faculdade assume o compromisso com seus alunos, professores e comunidade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do desenvolvimento do País e de formar não somente bons profissionais, mas também brasileiros conscientes de sua cidadania. Nossos cursos são desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar comprometida com a qualidade do conteúdo oferecido, assim como com as ferramentas de aprendizagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão de dúvidas via telefone, atendimento via internet, emprego de redes sociais e grupos de estudos, o que proporciona excelente integração entre professores e estudantes. Bons estudos e conte sempre conosco! Faculdade São Braz 5 Sumário Prefácio ................................................................................................................. 07 Aula 1 – Entre a pedagogia tradicional e as pedagogias ativas .............................. 08 Apresentação da Aula 1 ......................................................................................... 08 1.1 Entre a pedagogia tradicional e a pedagogia inovadora ............................ 08 1.2 Pressupostos da pedagogia tradicional .................................................... 09 1.3 Pressupostos teóricos da pedagogia inovadora ....................................... 12 1.3.1 A pedagogia de John Dewey ................................................................. 14 1.3.2 A pedagogia de Maria Montessori .......................................................... 16 1.3.3 A pedagogia de Jean-Ovide Decroly ...................................................... 18 Conclusão da Aula 1 .............................................................................................. 20 A produção do saber no contexto das Pedagogias Ativas ...................................... 21 Apresentação da Aula 2 ......................................................................................... 21 2.1 O processo de formação do conhecimento ............................................... 22 2.2 Reflexões pedagógicas sobre a abordagem ativa da formação do conhecimento ........................................................................................................ 24 2.3 A abordagem pedagógica de Célestin Freinet .......................................... 25 2.4 A abordagem pedagógica de Roger Cousinet ........................................... 27 2.5 A abordagem da Pedagogia Waldorf ........................................................ 28 2.6 A educação criativa em Arno Stern ........................................................... 30 Conclusão da Aula 2 .............................................................................................. 31 Aula 3 – As pedagogias ativas e o sociointeracionismo ......................................... 32 Apresentação da Aula 3 ......................................................................................... 32 3.1 Piaget, a psicomotricidade e o processo de aprendizagem ....................... 33 3.2 Bernard Aucouturier, a psicomotricidade e o desenvolvimento individual 35 3.3 O desenvolvimento integral, a partir da teoria psicomotora de Emmi Pikler ..................................................................................................................... 37 3.4 Vygotsky e o desenvolvimento social ........................................................ 38 3.5 O processo de desenvolvimento na abordagem Reggiana ....................... 42 Conclusão da Aula 3 .............................................................................................. 44 Aula 4 – Estratégias para a aplicação das pedagogias inovadoras ........................ 45 Apresentação da Aula 4 ......................................................................................... 45 4.1 Entre o conteúdo e a habilidade ................................................................ 45 4.2 O processo de desenvolvimento das habilidades e competências ............ 49 4.3 A importância das estratégias pedagógicas .............................................. 51 Conclusão da Aula 4 .............................................................................................. 54 Conclusão da disciplina ......................................................................................... 55 6 Índice Remissivo ................................................................................................... 56 Referências ........................................................................................................... 58 7 Prefácio Olá, caro(a) aluno(a), seja bem-vindo(a) à disciplina de Correntes Pedagógicas Inovadoras. Aqui você irá refletir sobre a importância das pedagogias inovadoras no processo de ensino-aprendizagem como forma de superação de um modelo tradicional pautado apenas no acúmulo de conhecimento. Também conhecerá alguns autores que protagonizaram teorias pedagógicas que têm como elemento comum a busca da produção do saber por meio do interesse e da experiência do estudante. Da mesma forma, você irá aprofundar sua reflexão sobre os princípios das metodologias ativas e de que forma elas contribuem com o ensino que se pauta no desenvolvimento de habilidades. 8 Aula 1 – Entre a pedagogia tradicional e as pedagogias ativas Apresentação da aula 1 Prezado(a) aluno(a), nesta primeira aula vamos refletir sobre a diferença da pedagogia tradicional e da pedagogia inovadora, apresentando as teorias de alguns precursores desta. No âmbito da educação, tanto básica quanto superior, tem sido abordada com certa recorrência a importânciada utilização de metodologias ativas no processo de ensino-aprendizagem. Tal cenário pode ser considerado temerário ou proveitoso. Temerário se os discursos que desenvolvem essa afirmação não possibilitarem o suporte necessário para a compreensão da finalidade das metodologias ativas; proveitoso se as metodologias ativas forem inseridas no contexto da reflexão própria das pedagogias inovadoras. Dessa forma, nesta aula vamos analisar o que é a pedagogia tradicional e a inovadora, estabelecer sua diferenciação teórica e metodológica, e analisar as teorias de alguns dos precursores da inovação pedagógica: John Dewey, Maria Montessori e Jean- Ovide Decroly. 1.1 Entre a pedagogia tradicional e a pedagogia inovadora Para que se possa compreender a atual discussão sobre a necessidade de superação da pedagogia tradicional e implantar metodologias inovadoras, é de suma importância entender que apenas o uso de recursos diferenciados não garante essa modificação. Fazendo uma analogia, de nada adianta pintar as paredes de um prédio envelhecido, corroído por cupins e assolado pelo tempo. Essa pintura não muda a essência da casa, não proporciona estabilidade e renovação verdadeira, mas apenas uma aparência de nova. Assim, de nada adianta implantar metodologias inovadoras na educação, se não estão atreladas a uma concepção pedagógica coerente com sua prática. A pedagogia tradicional ainda se encontra muito presente na concepção educacional de muitos profissionais que se dedicam ao ensino, assim, mais do que diversificar formas, precisamos de uma real mudança de paradigma na educação. 9 Vocabula rio O paradigma é um conceito que indica as formas ou padrões pelos quais podemos entender a realidade. São modelos explicativos compostos por conceitos e conhecimentos que se autocompletam (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006, p. 211). Entretanto, isso só é possível se foi feita uma profunda análise das concepções pedagógicas utilizada. Nesse sentido, serão analisados juntos os pressupostos tanto da pedagogia tradicional como da pedagogia inovadora. 1.2 Pressupostos da pedagogia tradicional Ao contrário do que o senso comum pode nos levar a pensar, a pedagogia tradicional não advém dos modelos clássicos de educação do fim da Idade Média ou ainda do período renascentista. Nesses, o ato de educar perpassava por uma série de regras rígidas, mas que objetivavam a formação do indivíduo como um todo. A pedagogia tradicional surge no contexto do início do capitalismo, mais especificamente no século XIX, com a Revolução Industrial. Pertencente a uma concepção liberal de educação, que compreendia essa como direito de todos, objetivando a formação de cidadãos, a pedagogia tradicional enfatizava que a superação da ignorância era o grande objetivo de qualquer atividade de ensino. Todavia, não podemos ter uma compreensão limitada, acreditando que essas intenções possibilitavam a autonomia do indivíduo e promoviam uma ascensão cultural. Segundo Suhr (2012, p. 83), “A pedagogia tradicional caracteriza a escola como antídoto contra a ignorância, como garantia a integração de todos na sociedade capitalista, ao lhes transmitir os conhecimentos necessários para adaptar-se a ela”. Compreendendo que a pedagogia tradicional objetivava a manutenção e a consolidação do modelo capitalista, ela tinha como função a “preparação intelectual e moral dos alunos para assumir sua posição na sociedade” (LIBÂNEO, 1990, p. 23). O princípio de formação utilizado por essa linha pedagógica fundamentava-se no compromisso de transmitir ao aluno o conjunto cultural da 10 sociedade, em outras palavras, não buscava gerar uma reflexão sobre a existência e o cotidiano da pessoa, já que essas demandas não fazem parte da educação, mas pertencem à sociedade (LIBÂNEO, 1990, p. 23). Vocabula rio Nesse contexto epistemológico, a cultura deve ser entendida como “a formação do espírito humano quanto a toda a personalidade do homem: gosto, sensibilidade, inteligência”. Ela é adquirida com o acúmulo dos saberes já desenvolvidos pela sociedade durante a história (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006, p. 53). De caráter enciclopédico, os saberes eram organizados a partir da lógica do mundo adulto, em que se acreditava que o processo de aprendizagem de uma criança era igual ao de uma pessoa mais velha. Sob essa ótica, a pedagogia tradicional buscava preparar os alunos para sua adaptação à sociedade. A concepção de ensinar perpassava a ideia de transmissão, o professor era o detentor do saber e tinha como função repassá- lo aos alunos, para que eles tivessem acesso às verdades que deveriam compor sua visão de mundo (LIBÂNEO, 1990, p. 24). O aluno, por sua vez, era apenas um mero receptor dessas verdades, as quais não deveriam ser refletidas, mas apenas assimiladas. Constituindo-se como detentor do saber, o professor era uma figura hierarquicamente superior, que exercia autoridade frente aos alunos. O aspecto disciplinar era considerado como muito importante, tinha característica impositiva e muitas vezes punitiva. As aulas eram eminentemente expositivas, e a interação entre professor e aluno era incomum, sendo apenas permitida para a resolução de dúvidas. Um dos teóricos que versaram sobre a pedagogia tradicional foi Johann Friedrich Herbart, que organizou um método para o processo de desenvolvimento do saber. 11 Saiba Mais Johann Friedrich Herbart (1776 – 1841) foi o teórico que, pela primeira vez, estruturou a pedagogia como uma ciência metodologicamente organizada; “a teoria da educação por ele formulada entendia que era papel da escola interferir diretamente nos processos mentais do estudante e, com isso, orientar sua formação moral, já que, segundo sua concepção, é preciso moldar a pessoa (a educação ocorre de fora para dentro)” (SURH, 2012, p. 87). Esse método afirmava que o conhecimento era desenvolvido a partir de uma ordem psicológica que proporcionava a assimilação de novas experiências. Sobre esse método, Surh (2012, p. 86) afirma: Preparação: o professor fazia os estudantes relembrarem o que tinham visto em lições anteriores, o que serviria de referência para o novo tema ou conteúdo. Apresentação: era a etapa em que o professor apresentava o novo conhecimento aos alunos, geralmente por meio da exposição oral. Assimilação: as novas ideias/conhecimentos eram comparados aos anteriores, com o objetivo de identificar, por comparação, o diferente entre os elementos já conhecidos. Generalização: era o momento da sistematização da aprendizagem, ou seja, se o aluno já assimilou o novo conhecimento, ele é capaz de identificar todos os fenômenos correspondentes ao conhecimento adquirido. Avaliação: o aluno demonstra seu grau de apreensão dos conteúdos aplicando o conhecimento em exemplos novos, desconhecidos. Uma das formas de estimular a aprendizagem era o estímulo negativo. Os alunos que tinham um melhor desempenho eram premiados ou então destacados como superiores. Aos alunos com menor desempenho, eram atribuídas notas baixas e punições. Isso denota outro aspecto teórico que fundamentava a pedagogia tradicional: a compreensão de que todos os alunos tinham condições de aprendizagem, com exceção dos que tivessem problemas explícitos de limitação intelectual. Ainda sobre essa perspectiva, destaca-se que, nessa linha pedagógica, a avaliação tinha como ênfase os aspectos cognitivos, valorizando a memorização de dados. Os alunos apenas deveriam repetir o que o professor havia transmitido e tal ação permitia uma classificação entre os alunos que eram capazes de 12 realizar esse repasse (que estavam acima da média) e os alunos que não eram capazes de realizar (que estavam abaixo da média). Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA No livro Teorias do Conhecimento Pedagógico, Inge Renate Frose Suhr propõea reflexão sobre a educação no Brasil. A autora aborda a importância da Pedagogia e a relação entre as diferentes concepções pedagógicas e os métodos de ensino, além de discutir sobre o papel do pedagogo na contemporaneidade e as teorias que influenciaram a formação da escola no Brasil, tal como conhecemos hoje. 1.3 Pressupostos teóricos da pedagogia inovadora A pedagogia inovadora tem sua origem nas reflexões da Escola Nova. Enfatizava a importância do desenvolvimento da reflexão crítica a partir do estabelecimento de conexões entre os conteúdos adquiridos e as experiências do aluno. Assim, a escola deixa de ser um lugar de repasse de conteúdo, mas precisa passar a “adequar as necessidades individuais ao meio social e, para isso, ela deve se organizar de forma a retratar [...] a vida” (LIBÂNEO, 2012, p. 25). Curiosidade A Escola Nova foi um movimento educacional que surgiu em fins do século XIX e início do século XX, que objetivava uma reforma na estrutura tradicional de educação, inserindo o aluno como centro da educação. A vida e a experiência são o mote do processo de ensino-aprendizagem. O professor, apesar de ser o detentor do saber, já não é mais o que ensina, mas sim o que media do saber, auxiliando no desenvolvimento do aluno. 13 Os conteúdos a serem abordados já não são mais entendidos como verdades a serem conhecidas e aceitas, como também já não era mais a quantidade de conteúdo apreendido que era importante, mas sim o processo de aquisição do saber. Destaca-se também que a escolha desses assuntos perpassava os interesses dos alunos e não mais uma percepção educacional pré-estabelecida. Aquisição do saber Fonte: https://www.gedaf.com.br/wp-content/uploads/2019/03/Professores_Educacao_ Infantil_Exposicao_Ruidos_B.jpg A reflexão de alguns teóricos da educação foi importante para a consolidação da pedagogia inovadora, dentre eles, destacamos: John Dewey, Maria Montessori e Jean-Ovide Decroly. 1.3.1 A pedagogia de John Dewey Em fins do século XIX, uma série de pensadores começaram a refletir sobre o papel da educação e a forma como essa se desenvolvia por considerarem seus pressupostos como ultrapassados. Um dos primeiros a realizar tal intento foi John Dewey. 14 Saiba Mais John Dewey (1859-1952) foi um filósofo, psicólogo e pedagogo liberal norte- americano, considerado o pai da Escola Nova. Foi professor na Universidade de Michigan e depois na de Minnesota, onde influenciou a criação do Departamento de Pedagogia da Instituição (SURH, 2012, p. 93). Em suas reflexões, afirmava a necessidade de incorporar na prática pedagógica as descobertas da psicologia sobre o processo de aprendizagem, para que em cada faixa etária o processo educacional fosse desenvolvido conforme suas especificidades. Outro ponto fundamental do pensamento de Dewey é que a formação realizada pela escola não promovia uma sociedade democrática, como também não educava para o exercício da cidadania. Acreditava que o conhecimento só poderia ser produzido, como também só teria valor, se fosse correlacionado à experiência e se impelisse no indivíduo a ação. Como pensador pragmático e utilitarista, compreende que a educação deveria ser menos intelectualista e mais pressuposta na experiência. Também não tinha que ter como meta a formação do indivíduo para aquilo que ele viria a ser, mas sim para o que ele era. Em outras palavras, deveria perceber o aluno como um sujeito autônomo, que produz seu conhecimento a partir da reflexão pessoal frente às realidades (GADOTTI, 1995, p.149). Vocabula rio Pragmatismo: “valoriza a prática mais do que a teoria e considera que devemos dar mais importância às consequências e efeitos da ação do que seus princípios e pressupostos” (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006, p. 223). Utilitarismo: doutrina ética que defendia que as ações são boas quando tendem a promover a felicidade e más quando tendem a promover o oposto da felicidade. As ações boas ou más são consideradas assim do ponto de vista de suas consequências (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006, p. 273). 15 Como afirma Aranha (1996, p. 171): “O conhecimento é uma atividade dirigida que não tem um fim em si mesma, mas está voltado para a experiência. As ideias são hipóteses de ação e são verdadeiras à medida que funcionam como orientadoras da ação”. Assim, para Dewey, a formação do conhecimento tem a seguinte lógica: Fonte: elaborado pelo autor (2019). Para que tal processo se cumprisse, a escola deveria ser estruturada de tal forma que reproduzisse e/ou simulasse o cotidiano da criança, para que ela pudesse reorganizar as experiências vividas e, além de se reorganizar cognitivamente, pudesse se desenvolver fisicamente e emocionalmente. Para tanto, o professor deveria incentivar os alunos a serem ativos no processo da aprendizagem, sendo uma das estratégias a inserção de atividades manuais na prática pedagógica. Segundo Aranha (1996, p. 171), essas atividades “apresentam problemas concretos para serem resolvidos. Além disso, o trabalho desenvolve o espírito de comunidade e a divisão de tarefas estimula a cooperação e o espírito social”. De forma diversa da pedagogia tradicional, Dewey concebe a disciplina como algo que é interno e não externo. A formação para a autonomia e a percepção da interdependência dos membros da microsociedade da escola gerariam esse autocontrole. A grande importância do pensamento de Dewey está em ter sido o primeiro a destacar que os alunos devem ser os atores principais do processo de aprendizagem. Eles não são meros repositórios de saber, mas refletem, encontram respostas. Ideia Hipóstese Experiência Ação 16 1.3.2 A pedagogia de Maria Montessori Maria Montessori (1870-1952) foi uma médica italiana que dedicou sua atividade profissional à reflexão pedagógica que dava ênfase à possibilidade de o aluno desenvolver seu próprio conhecimento. Enfocando sua prática no desenvolvimento de infantes, Montessori afirmava que o processo de aprendizagem era uma conquista da criança. Em outras palavras, afirmava que se proporcionássemos aos alunos condições favoráveis, estas permitiriam maior autonomia. Os conteúdos e os espaços deveriam ser organizados de maneira a promover “desafios cognitivos e situações problemáticas a serem resolvidos pelos alunos coletivamente. Assim, indiretamente, os alunos desenvolveriam habilidades de convivência em grupos e, principalmente, de aprender a aprender” (SUHR, 2012, p. 94). Para atingir esse objetivo, Montessori destacava que as salas de aulas eram ambientes de liberdade, os quais deveriam ter elementos concretos e jogos que se adequassem à faixa etária da criança. Partindo da concepção de atividade livre concentrada, na qual o aluno escolhe objetos com os quais quer trabalhar a cada dia, o professor tem o papel de conduzir a atividade individualizada. Sua função é criar as condições necessárias para a produção de conhecimento, estimulando as habilidades e respeitando a subjetividade e a liberdade das crianças. Para Libâneo (1990, p. 25), o método de Montessori tem como fundamento o aprender fazendo, no qual se privilegiava: “a pesquisa, a descoberta, o estudo do meio natural e social, o método de solução de problemas”. Esse método de geração de conhecimento pode ser compreendido da seguinte forma: 17 Fonte: elaborado pelo autor (2019). Esse processo é fundamentado na concepção metodológica e epistemológica baseada na pesquisa, que, segundo Libâneo (1990, p. 26), possui a seguinte estrutura: 1. Colocar o aluno numa situação de experiência que tenha um interesse por si mesma; 2. O problema deve ser desafiante, como estímulo à reflexão; 3. O aluno deve dispor de informações e instruções que lhe permitam pesquisar a descoberta de soluções; 4. Soluções provisórias devemser incentivadas e ordenadas, com ajuda discreta do professor; 5. Deve-se garantir a oportunidade de colocar as soluções à prova, a fim de determinar sua utilidade para a vida. Montessori afirma que, nesse contexto educacional, a disciplina não é algo imposto como no modelo tradicional, mas também não era um desenvolvimento interno do aluno, como em Dewey. Era negociada a partir de critérios claros que buscavam a promoção de uma convivência harmoniosa. Como afirma Libâneo (1990, p. 26): “a disciplina surge de uma tomada de consciência dos limites da vida grupal; assim, o aluno disciplinado é aquele que é solidário, participante, respeitador das regras do grupo”. É apresentada uma situação problema O professor deve desafiar a reflexão do aluno. Para isso, deve oferecer conhecimentos mínimos, caso o aluno não os tenha. Essa reflexão deve ser desenvolvida a partir da pesquisa e da experimentação. Essa pesquisa possibilita a aprensetação de hipóteses de resposta. Essas hipóteses devem ser colocadas à prova por meio da experiência 18 Pesquise Com vistas a ampliar seu conhecimento, faça uma busca na internet sobre as escolas que atualmente pautam seu modelo pedagógico nas reflexões de Maria Montessori. Depois desse, busque estabelecer correlações entre a teoria dessa autora e as práticas apresentadas pelas escolas estudadas. 1.3.3 A pedagogia de Jean-Ovide Decroly A pedagogia de Jean-Ovide Decroly é fundamentada na concepção de desenvolvimento integral do ser humano. Concebido como um ser multidimensional, o sujeito não pode ser pensado apenas a partir de sua estrutura psicológica, mas sim, das várias influências que recebe das outras dimensões nas quais se desenvolve. Pressupondo-se em uma abordagem multidisciplinar, Decroly afirma que as várias áreas do saber devem convergir para que o aluno desenvolva uma visão global do que é a realidade. Vocabula rio A multidisciplinaridade é uma percepção da construção do saber que considera que este deve possuir elementos das várias áreas. Esses elementos são comparados entre si, e auxiliam a pessoa a ampliar sua visão de mundo sobre determinado assunto. O autor afirma que os alunos têm uma propensão a conhecer por meio da indução, ou seja, conhecer o todo, para que então compreendam as partes e a sua função naquele todo. Para exemplificar tal compreensão, vamos utilizar a habilidade de leitura e interpretação textual. Para Decroly, aprender a ler e a interpretar deve partir dos jogos de significados nos quais os alunos já vão compreendendo não apenas a estrutura gramatical, mas sua função e intenção. Se eles desenvolvem essa habilidade por meio da leitura silábica, vão demorar muito mais tempo para cumpri-la, pois não encontrarão significado nela. 19 Sob essa ótica, o autor desenvolve o conceito de globalização do saber, no qual um saber leva a outro e uma compreensão possibilita a curiosidade para outra. No que tange aos saberes, Decroly apresenta o que ele denomina de áreas de interesse: conjunto de saberes que são organizados em grupos de aprendizado. Esses grupos têm alterações de conteúdos conforme a idade dos alunos, pois o autor afirma que as condições biológicas do estudante devem ser respeitadas. O interesse é um dos conceitos fundamentais da teoria de Decroly, pois a partir dele é que a pessoa busca o conhecimento. Segundo o autor, o interesse sempre nasce de uma das necessidades da pessoa, que estão relacionadas às diversas áreas da existência e do saber: o contexto familiar, as relações sociais, o mundo animal (fauna), o mundo vegetal (flora) e o universo. Sob essa perspectiva, Decroly afirma a necessidade de o espaço escolar ser estruturado de forma que todas as atividades pudessem ser práticas. Laboratórios, Ateliers e Centros de Ofício deveriam oferecer para o aluno diversas possibilidades de aprendizagem, segundo o seu grupo de interesse. Os conteúdos disciplinares estariam presentes de forma ampla e integrada nas várias atividades, destacando o caráter multidisciplinar da aprendizagem. O grande objetivo dessa estrutura pedagógica é fomentar por meio da observação e da manipulação de objetos a experiência empírica e a análise, produzindo, assim, a construção do conhecimento. Tendo em vista esses elementos, pode-se afirmar que a pedagogia de Decroly tem cinco pilares básicos: 20 Fonte: elaborado pelo autor (2019). É importante salientar que Decroly não desvalorizava o conhecimento intelectual, mas acreditava que esse era construído a partir da experiência empírica, fruto da observação e manipulação. Conclusão da aula 1 As pedagogias inovadoras nos apresentam uma nova possibilidade de educação, que visa formar o aluno para a autonomia e o exercício de seus direitos na sociedade democrática. Percebendo o sujeito como produtor do saber e como um ser com sentidos e interesses próprios, alinha possibilidades de ele mesmo buscar e formar seu conjunto de saberes e de habilidades. Entretanto, não se pode esquecer de que a aplicação de metodologias ativas em espaços que ainda possuem estruturas pedagógicas tradicionais nem sempre alcançará os objetivos de uma formação para a autonomia, pois os fundamentos pedagógicos não proporcionariam a efetividade do uso dessas metodologias. Nesta aula foi possível perceber que a pedagogia tradicional se pressupõe em uma concepção intelectualista e enciclopedista, que acreditava que a educação da pessoa perpassava a assimilação de conteúdo. Para isso, fundamentava-se em uma estrutura disciplinar rígida, em metodologias •Autonomia que gera a motivação para o conhecimentoLiberdade •Atividades de interesse pessoal, mas que estejam conectadas com a comunidadeIndividualidade •Utiliza a perspectiva ativa da criança para a aprendizagemAtividade •Observação da realidade, por meio da experiência sensívelIntuição •Compreender o todo para compreender as partes (indução)Globalização 21 expositivas e no reforço negativo. De outro lado, foram abordadas as pedagogias inovadoras, que emergem em fins do século XIX, segundo a perspectiva de que a escola é um espaço de formação para a autonomia e para a cidadania. Assim, as metodologias deveriam ser diversificadas, alinhadas à faixa etária do estudante, e de caráter experimental. O conhecimento era fruto do interesse e das experiências dos alunos. Nessa perspectiva pedagógica, o professor é um mediador ou um facilitador que busca orientar o aluno e criar espaços e processos de aprendizagem. Atividade de Aprendizagem A migração de uma perspectiva tradicional para uma inovadora, na pedagogia, está ligada a elementos de organização social, principalmente no que tange à consolidação do Estado democrático. Assim, aponte quais são as principais mudanças que a pedagogia inovadora implementa. Aula 2 – A produção do saber no contexto das Pedagogias Ativas Apresentação da aula 2 Prezado(a) aluno(a), nesta segunda aula vamos conhecer como se dá a produção do conhecimento no contexto da pedagogia ativa. Para tanto, vamos construir nosso itinerário a partir do conceito de produção do conhecimento, para que possamos compreender a maneira como este é abordado nas correntes pedagógicas de Célestin Freinet, de Roger Cousinet, da Pedagogia Waldorf e de Arno Stern. Na pedagogia ativa, a formação do conhecimento ocorre por meio da interação do aluno com o mundo, buscando o desenvolvimento de uma reflexão crítica. Entretanto, quando adentramos na seara desta produção pedagógica, percebemos uma multiplicidade de teorias. Assim, podemos nos questionar: existem a pedagogia ativa ou as pedagogias ativas? Tal pergunta parece um 22 tanto desnecessária a um primeiro olhar, mas não é, pois envolve elementos de caráter epistemológico. Se falamos em pedagogia ativa, estamos nos referindoa uma corrente da pedagogia que possui fundamentos e diretrizes às quais todos os autores que sobre ela versam se encaixam. Se falamos em pedagogias ativas, estamos falando em uma diversidade de visões sobre o processo de aprendizagem, que, apesar de terem elementos comuns, possuem objetivos e intencionalidades diferentes. Nesta aula vamos buscar compreender se falamos de pedagogia ou pedagogias ativas, para tanto, torna-se necessário iniciar nossa reflexão com uma conceituação do que é de como se forma o conhecimento. 2.1 O processo de formação do conhecimento O conhecimento pode ser definido como “apropriação intelectual de determinado campo empírico ou ideal de dados, tendo em vista dominá-los e utilizá-los” (JAPIASSÚ e MARCONDES. 2006, p. 53). Em outras palavras, o saber pode ser de natureza meramente intelectual ou ainda de natureza empírica. Contudo, o que nos interessa nessa discussão não é a sua simples definição, mas sim, a forma como o conhecimento é formado. Para isso, é necessário retomarmos alguns princípios epistemológicos. Vocabula rio A Epistemologia é a disciplina que toma por objeto não mais a ciência verdadeira de que deveríamos estabelecer as condições de possibilidade ou os títulos de legitimidade, mas as ciências em via de se fazerem, em seu processo de gênese, de formação e de estruturação progressiva (JAPIASSÚ e MARCONDES, 2006, p. 88). Na história do pensamento Ocidental, duas correntes teóricas fizeram afirmações divergentes sobre a origem do conhecimento. Uma, o racionalismo, privilegiava a racionalidade humana, outra, o empirismo, destacava o aspecto experimental do saber. Em ambas as visões, sempre uma das realidades: o sujeito cognoscente ou o objeto cognoscível estavam sendo depreciados. Kant, 23 pensador do século XVIII, conseguiu aliar essas duas perpectivas epistemológicas, afirmando que o conhecimento ocorre pela relação da mente com o fenômeno, do sujeito com o objeto. Sob essa ótica, quando se fala em conhecimento, se deve ter o cuidado de fazer uma diferenciação entre este e a informação. Ainda segundo Kant, o ser humano possuía uma capacidade de entendimento que era esquemática, ou seja, que se relacionava com as várias realidades que podiam ser aprendidas pelos cinco sentidos. Essa relação parte das ideias mais simples e paulatinamente vai formando as mais complexas (KANT, 1980, p. 256). As mais simples se constituem nas informações, que são dados separados de realidades específicas. As mais complexas eram formadas pela junção de vários conjuntos de dados, formando o conhecimento. Nessa perspectiva de construção epistemológica, se tem a consciência de quais são as causas de determinada realidade e as possíveis consequências. Posteriormente, essa compreensão sobre o que é o conhecimento e a forma como esse é produzido foi ampliada pelo pensador francês Edgar Morin. Inspirando-se em um pensamento de Pascal: “o conhecimento das partes depende do conhecimento do todo e o conhecimento do todo depende do conhecimento das partes” (MORIN. 2000. 27), o autor exalta que o processo de conhecimento não é apenas sistemático, mas possui uma característica complexa. Vocabula rio A complexidade “procura integrar seus princípios num esquema mais amplo e rico. Donde dar-se por objeto: compreender os fenômenos naturais e humanos sobre os quais incidem múltiplos fatores interdependentes; recompor uma visão da realidade capaz de religar os saberes fragmentados sem cair numa hipotética síntese global; integrar ao conhecimento do real a desordem o incerto, o inesperado e o acaso” (JAPIASSÚ e MARCONDES. 2006, p. 49). Para Morin, o conhecimento não é apenas sistemático (que liga as partes ao todo), mas deve ser também hologrâmico (a parte está no todo e o todo está 24 na parte) e de circuito retroativo (quando a causa age sobre o efeito e o efeito sobre a causa). Somente esse tipo de pensamento é que conduziria a pessoa a uma reflexão crítica, pois não é a quantidade de conteúdos (cabeça cheia) que possibilita o alcance ao conhecimento, mas sim, uma interconexão entre estes (cabeça bem-feita). A partir dessa concepção de Morin, não é possível dissociar o conhecimento da reflexão baseada no cotidiano, pois tal conhecimento proporcionaria um desenvolvimento para a autonomia e exercício da cidadania. O pensador que estruturou tal perspectiva foi Aristóteles. Ele, em suas teses, falou muito da sabedoria prática, ou a phrônesis que era a “disposição prática, acompanhada de uma razão verás, em torno do que é bem e mal para o homem” (ARISTÓTELES. 1992, p. 43). Por meio da phrônesis, ou seja, de uma capacidade de integrar o conhecimento com a vivência cotidiana, refletir sobre esta e encontrar o justo meio nas ações e a melhor forma de utilizar um conhecimento. Assim, quando falamos de conhecimento, não podemos entendê-lo como algo eminentemente intelectual, mas que perpassa uma reflexão ampla que engloba diversos outros saberes, como também pressupõe a prática cotidiana do sujeito cognoscente. Sobre esses princípios epistemológicos é que vamos construir nossa reflexão acerca da forma como a(s) pedagogia(s) ativa(s) desenvolvem sua reflexão. Pesquise Para ampliar seus conhecimentos acerca da atuação das pedagogias ativas, faça uma pesquisa na internet sobre escolas brasileiras que aplicam essas teorias no contexto escolar. Analise a forma como as ações implantadas estão alinhadas com os princípios teóricos aprendidos nesta aula. 2.2 Reflexões pedagógicas sobre a abordagem ativa da formação do conhecimento Como vimos no item anterior no contexto da(s) pedagogia(s) ativa(s), a formação do conhecimento perpassa três níveis: 25 Fonte: elaborado pelo autor (2019). Diversos pensadores utilizam alguns ou todos esses elementos no processo de formação do conhecimento. Eles buscam compreender, sob diferentes perspectivas, a melhor abordagem pedagógica para a produção do saber. 2.3 A abordagem pedagógica de Célestin Freinet Célestin Freinet (1896-1966) desenvolveu suas reflexões no início do século XX, profundamente influenciado pelo marxismo, criticava os modelos pedagógicos que o antecederam, pois não vinham a contribuir com a formação de indivíduos autônomos. Segundo ele, tanto os pressupostos quanto a metodologia de Dewey, Montessori e Decroly buscavam somente adaptar o indivíduo à sociedade, e não possibilitavam a modificação de modelos sociais, promovendo, assim, a alienação. Buscando contrapor esse modelo pedagógico, Freinet apresenta a necessidade de compreendermos a produção do conhecimento a partir de uma perspectiva dialética. Conhecimento a partir da abordagem ativa. Prático Complexo Sistemático 26 Vocabula rio A dialética é um método de conhecimento que se fundamenta em uma construção do saber a partir da contradição. Utiliza-se de três princípios: a tese (que é o conhecimento existente), a antítese (questionamento frente ao conhecimento existente) e a síntese (um novo conhecimento que contém em si elementos já existentes na tese e elementos trazidos pela antítese). Segundo a perspectiva dialética, o desenvolvimento da intelectualidade perpassava, necessariamente, a prática. Não havia a ideia de livre saber, ou de autoformação, mas sim de um conhecimento mediado, que aliava a teoria com a prática. De outro lado, para Freinet, a formação do pensamento crítico também pressupunha uma ação. Fonte: elaborado pelo autor (2019). Assim, para Freinet, a práxis é o fundamento do processo de formação do conhecimento. Vocabula rio A práxis “designa a relação dialética entre o ser humano e a natureza, na qual o homem, ao transformar a natureza com o seu trabalho, transforma a si mesmo [...] caracteriza-se por considerar os problemas centrais para o homem os problemas centraisde sua existência” (JAPIASSÚ e MARCONDES. 2006, p. 224). Ato de conhecer ocorre de maneira teórico-prática Gera a produção de um pensamento crítico frente à realidade Leva o indivíduo a ter ações que busquem intervir nessa realidade 27 Tendo em vista esses elementos, o método pedagógico proposto por Freinet não é e nem poderia ser rígido, tendo em vista que a produção do conhecimento se dá de diferentes formas, sempre aliando a teoria à prática, e o pensamento à ação. A prática pedagógica desse autor pode ser compreendida a partir de quatro eixos (FREINET, 1996): Fonte: elaborado pelo autor (2019). No que tange à função do professor, destacamos sua postura de mediador e de organizador das atividades a serem realizadas. A relação com o aluno era baseada na afetividade e na liberdade, entendida como possibilidade de escolha. Cada estudante era incentivado a ampliar seus conhecimentos, independentemente da diversidade biológica, emocional e social. Dentre as várias estratégias pedagógicas utilizadas por Freinet, encontramos algumas que ainda fazem parte de nosso cotidiano escolar, tais como: aulas de campo, autoavaliação e autocorreção. 2.4 A abordagem pedagógica de Roger Cousinet O teórico francês Roger Cousinet (1881-1973) desenvolveu uma teoria pedagógica que migra de uma concepção de ensino, para uma concepção de aprendizagem. O foco de sua análise não é o processo de ensino-aprendizagem, mas sim, a forma como os alunos podem obter e operacionalizar o conhecimento adquirido. Cooperação: a convivência escolar era fundamental para a estruturação do saber. Comunicação efetiva é fundamental para a produção do conhecimento. Afetividade: a relação entre professor e aluno não era assimétrica. Documentação: é a melhor forma para compreender o desenvolvimento do aluno. 28 Mudando a lógica estrutural, não se preocupava, em um primeiro momento, com o desenvolvimento da reflexão crítica. Afirmava que essa era uma construção do indivíduo que sabe desenvolver aspectos operacionais do saber. Um exemplo dessa afirmação é a percepção do processo de alfabetização. O aluno terá uma maior facilidade no desenvolvimento do pensamento à medida em que for detendo a habilidade da escrita e da interpretação. Percebemos que, para o autor, o desenvolvimento do conhecimento está relacionado às habilidades que precisa desenvolver para sua produção. Cousinet apontava que o jogo e a interação social que dele emanam são estratégias propícias para o aluno se desenvolver. Tal intento seria possível, pois, ao ser inserido em situações que mimetizam o cotidiano e instigado à resolução a partir da cooperação própria de uma equipe, o estudante desenvolveria habilidades não apenas intelectuais, mas principalmente socioafetivas. Sob essa égide, podemos perceber que tanto a teoria quanto a prática são de fundamental importância, principalmente porque o autor concebe que ambas são construídas de forma inter-relacional. Nesse contexto, o professor era aquele que instigava os grupos de alunos, tendo em vista seus interesses, a experienciar a realidade e encontrar possibilidades de geração de conhecimento. O estudante é o sujeito do saber, que tem sua autoconfiança valorizada e reforçada positivamente. O processo avaliativo era flexível, “não havia resultados pré-determinados para avaliar o desempenho dos alunos, nem se media seu trabalho por notas. Os resultados dos trabalhos eram aceitos da forma como pudessem ser realizados” respeitando a limitação de cada um (DALIGA, 2009, p. 46). Cosinet afirmava a que cada um dos estudantes tem uma capacidade intelectual e moral, que deveria ser desenvolvida individualmente. 2.5 A abordagem da Pedagogia Waldorf A pedagogia Waldorf foi estruturada pelo pensador austríaco Rudolf Steiner (1861-1925), que foi o fundador da antroposofia. 29 Vocabula rio A antroposofia é uma área do conhecimento que visa compreender o ser humano a partir de uma visão holística, na qual todas as dimensões da existência, inclusive a espiritual, auxiliavam na compreensão da essência e do processo de conhecimento. Essa linha pedagógica compreende o ser humano como um ser dotado de uma natureza que se expressava por meio de três faces: o corpo, a alma e o espírito: Por corpo, entende-se o elemento pelo qual as coisas ao redor do homem se apresentam a ele [...] Por alma, deve-se entender o elemento pelo qual o homem associa as coisas ao seu próprio existir, sentindo nelas agrado ou desagrado, prazer e desprazer, alegria e dor. Por espírito, entende-se o que se revela nele quando [...] ele contempla as coisas como um ente divino. É nesse sentido que o homem consiste em corpo, alma e espírito [...] O homem é assim cidadão de três mundos. Por meio de seu corpo, pertence ao mundo que ele percebe com esse mesmo corpo; por meio de sua alma, edifica para si seu próprio mundo; por meio de seu espírito, se lhe manifesta um mundo elevado acima dos outros dois (STEINER, 2004, p. 27-29). Sob essa ótica, Steiner afirmava a importância de que a educação propiciasse ao estudante acesso a todas as formas de saber, desde os temas relacionados às matérias exatas, até a aprendizagem artística e manual. Por causa das características acima apresentadas, Steiner afirma que cada um dos seres humanos são únicos e possuem especificidades que precisam ser trabalhadas de formas diversas. Apresenta que as crianças passam por três ciclos de desenvolvimento. O primeiro, que vai até os sete anos, é marcado pela aprendizagem por imitação. O segundo estágio vai até os 14 anos e é permeado pela aceitação da autoridade, por esse motivo, o professor que a acompanha é o mesmo durante esses sete anos. No terceiro estágio, que vai até os 21 anos, o aluno já tem capacidade de pensar por si mesmo, e é desejável que saiba agir conforme os princípios que regem a vida social. No que tange ao processo educacional, é importante destacamos que os conteúdos devem ser abordados de diferentes formas durante o ciclo escolar, 30 possibilitando aos estudantes diversas maneiras de compreensão e buscando atingir a formação de todos. O grande objetivo da formação desenvolvida pela pedagogia Waldorf é o desenvolvimento integrado do ser humano, auxiliando no processo de construção de uma personalidade coerente e íntegra, a partir de três grandes dimensões: cognitiva, emocional e moral. Fonte: elaborado pelo autor (2019). 2.6 A educação criativa em Arno Stern Arno Stern desenvolveu sua teoria pedagógica a partir de sua experiência com os órfãos da II Guerra Mundial. Ao trabalhar com eles atividades artísticas, percebeu a existência de traços comuns e de significados próprios que cada uma das crianças imputava sobre os desenhos. A partir dessa percepção, desenvolveu a teoria da formulação: cada um dos seres humanos possui sentidos e significados com os quais enxerga o mundo. Esses sentidos, no processo de construção artística, são expressos por meio de formas específicas. Essas formas advêm da memória que foi sendo construída pelo indivíduo, e que é demasiadamente influenciada por elementos culturais, geográficos e biográficos. Assim, ao pintar, cada uma das pessoas manifesta suas experiências, valores e formas de ver o mundo. A teoria da formulação levou Stern a desenvolver uma teoria educacional: a semiótica da expressão. Por meio das análises de pinturas feitas por pessoas que viveram em tempos e espaços comuns, é possível perceber o estabelecimento de formulações semelhantes, que possibilitam a compreensão das aspirações humanas. No campo da educação, os elementos trazidos por Stern nos ajudam a compreender que o desenvolvimento da criatividade tem Cognitivo: concreto para o abstrato Emocional: relações e criatividade Moral: educação corporal 31uma intencionalidade: auxiliar a pessoa a compreender a si mesma e suas relações por meio da arte. Conclusão da aula 2 No início desta aula, questionou-se sobre a diferença das expressões pedagogia ativa e pedagogias ativas, demonstrando a diferença conceitual e epistemológica entre ambas. Após argumentar sobre esses quatro teóricos, pode-se perceber que suas análises não podem ser encaixadas sob fundamentos e diretrizes únicas. Cada um deles pensa a pedagogia a partir de elementos e pressupostos diversos, que não seguem os elementos tradicionais da educação e que buscam formar para a autonomia e para a reflexão. Assim, é possível afirmar que, no campo epistemológico, existem pedagogias ativas. Por fim, vimos que o processo de formação do conhecimento perpassa três níveis: sistemático, complexo e prático e que as pedagogias ativas desenvolvem suas análises educacionais por meio dessa égide. Nesse contexto, analisam-se as teorias de quatro teóricos da educação, o que possibilitou perceber que o desenvolvimento do ser humano deve unir elementos teórico- práticos para a formação integral, para a socialização e para a criatividade. Atividade de Aprendizagem No contexto das pedagogias ativas, a formação do conhecimento deve ser pensada a partir de três instâncias: a sistematização, a complexidade e a prática. Tal questão pôde ser percebida no desenvolvimento das teorias dos quatro autores que foram trabalhados nesta aula. Assim, escolha um desses pensadores e explique a forma como podemos encontrar a formação dessas três instâncias do conhecimento. 32 Aula 3 – As pedagogias ativas e o sociointeracionismo Apresentação da aula 3 Prezado(a) aluno(a), nesta terceira aula será analisada a relação que as teorias sociointeracionistas têm sobre o processo educacional e qual a sua relação com as pedagogias ativas. É importante esclarecer que teorias que vimos em nossa aula 02 já contemplavam aspectos dessa teoria, entretanto, agora serão estudadas as teorias dos pensadores que estruturaram e aderiram a essa aprendizagem. Em especial, serão analisados alguns pensadores da psicomotricidade: Piaget, Aucouturier e Pikler, e algumas teorias do desenvolvimento social: Vygotsky e a abordagem Regginana. O sociointeracionismo é uma linha psicopedagógica que entende que o processo de aprendizagem só é possível a partir da interação com o outro. A aprendizagem acontece por meio da internalização, a partir de um processo anterior, de troca, que possui uma dimensão coletiva [...] a aprendizagem deflagra vários processos internos de desenvolvimento mental, que tomam corpo somente quando o sujeito interage com objetos e sujeitos em cooperação. Uma vez internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento. Assim, um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal (OLIVEIRA, 2004, p. 2). No processo de cooperação que é característico do sociointeracionismo, a aprendizagem ocorre de forma significativa, não sendo apenas um elemento intelectual estagnado, mas fruto da prática e da investigação coletiva e individual. No sociointeracionismo, alguns elementos são de fundamental importância: 1. O entendimento de que os elementos históricos, sociais e culturais exercem uma forte influência na compreensão de mundo das pessoas, impulsionando o processo de ensino-aprendizagem; 2. A noção da aprendizagem como um processo de construção que perpassa toda a vida do indivíduo; 3. A noção de que todos os estudantes possuem conhecimentos adquiridos até o momento presente, sejam eles formais ou 33 informais, e que formam um conjunto de elementos que devem ser levados em conta no processo de ensino-aprendizagem; 4. A noção sociointeracionista ressalta que é no conjunto de relações do indivíduo que a aprendizagem ocorre, não se limitando ao espaço escolar. Tendo em vista esses elementos, podemos afirmar que essa concepção está profundamente alinhada com as propostas das pedagogias ativas, mas, em especial, com as que destacam o princípio da psicomotricidade e do desenvolvimento social. 3.1 Piaget, a psicomotricidade e o processo de aprendizagem Jean Piaget, psicólogo austríaco, desenvolveu sua teoria sobre o desenvolvimento humano pautado no que ele denominou de epistemologia genética, em outras palavras, o desenvolvimento da inteligência e do conhecimento humano. A partir da noção de adaptação, Piaget compreende que o sujeito sempre está em constante busca pelo equilíbrio com o meio, até que conquiste o chamado processo de equilibração majorante. Segundo Nogueira e Leal (2015, p. 127) para Piaget, o referido processo se revela como “um momento de equilíbrio entre o sujeito e os meios físico e sociocultural”. Todavia, esse processo sempre gerará uma instabilidade, tendo em vista que as novas interações entre o sujeito e o meio resultam em desafios e, consequentemente, a cada novo desafio surge o desequilíbrio, desfazendo a adaptação outrora conquistada. A recuperação desse equilíbrio é realizada por alguns mecanismos da inteligência: assimilação e acomodação. 34 Fonte: elaborado pelo autor (2019). Como o próprio Piaget explica: A adaptação intelectual é, então, o equilíbrio entre a assimilação da experiência às estruturas (mentais) dedutivas e a acomodação dessas estruturas aos dados da experiência. De uma maneira geral, a adaptação supõe uma interação tal entre o sujeito e o objeto, que o primeiro possa incorporar a si o segundo levando em conta as suas particularidades; a adaptação é tanto maior quanto forem melhor diferenciadas e mais complementares a essa assimilação e essa acomodação (PIAGET, 2005, p. 157). É interessante observar que o que se tem em análise se revela a gênese das relações sociais, uma vez que na busca pelo equilíbrio – em meio ao desequilíbrio que o novo movimenta – o sujeito internamente opera com dois mecanismos que, somados, dão origem às reações exteriorizadas, o que apresenta como resultado a adaptação. Essa dinâmica própria da assimilação e da acomodação ocorre de diferentes formas, segundo as diferentes fases do desenvolvimento psicomotor: sensório-motor; pré-operatório; operacional concreto e operacional formal, também conhecidas como: o recém-nascido e o lactante, a primeira infância, a infância e a adolescência, respectivamente (PIAGET, 2005, p. 12). O quadro abaixo nos ajuda a compreender esse processo: Assimilação Internalização do exterior pelo indivíduo. Gera uma estruturação mental ou sensorial frente ao novo. Acomodação Fase imediatamente posterior à assimilação. As estruturas mentais construídas se alteram no intuito de se adaptar ao novo, refletindo-se nas atividades cognitivas. 35 Estágios de desenvolvimento Idade Características de aprendizagem Sensório-Motor 0-2 anos Período anterior à linguagem, em que a criança adquire a habilidade de dominar seus impulsos básicos de satisfação (egocentrismo). Pré-operacional 2-7 anos Domínio da linguagem e da representação simbólica do mundo. Operações concretas 7-12 anos Período em que o pensamento lógico-racional se desenvolve. Operações formais 12 anos ... Domínio do pensamento lógico, sendo capaz de operacionalizar conceitos abstratos. Fonte: elaborado pelo autor (2019). Destaca-se que em cada uma dessas fases o conhecimento é produzido gradualmente, partindo do concreto ao abstrato. Assim, em Piaget, o processo de aprendizagem perpassa o crescimento orgânico, as experiências socioculturais que culminam no desenvolvimento intelectual e emocional. Enfoca-se ainda que a função do professor não é conduzir o processo de formação do aluno, mas sim ser um mediador do saber e das relações, um estimulador. O processo avaliativo deve contemplar questões que sejam próprias decada uma das fases de desenvolvimento e também deve ter caráter individualizado, pois a superação do saber não é parametrizada pelo social, mas pelas capacidades da pessoa. 3.2 Bernard Aucouturier, a psicomotricidade e o desenvolvimento individual Bernard Aucouturier (1934) é um médico francês que dedicou seus estudos a compreender como a morfologia humana está diretamente relacionada com o desenvolvimento e com a educação. Compreendendo que cada uma das pessoas tem características próprias, o autor afirma que o processo de formação dos indivíduos precisa ser individualizado. É importante destacar que o respeito aos aspectos morfológicos não indica passividade de Aucouturier frente às possibilidades de desenvolvimento 36 do infante. Acredita, sim, que por meio de um processo de respeito às condições particulares, encontrava uma forma de parametrizar o comportamento por intermédio de aspectos posturais que iam tomando formas diversas. Nesse contexto, o autor afirmava a importância de o processo pedagógico ater-se às necessidades da pessoa, dado que o desenvolvimento psicomotor é único em cada ser humano, como também o processo de aprendizagem. Para tanto, propõe um método de abordagem que enfatizava a importância da liberdade. Por meio dessa, as crianças podem compreender suas próprias necessidades e atitudes, ao terem experiências e sensações diversas. Tais seriam expressas por aspectos morfológicos, como: tensão/relaxamento, equilíbrio/desequilíbrio emocional, entre outros. Dessa forma, nenhuma atividade tinha caráter obrigatório, pois a criança desenvolve suas escolhas a partir das realidades que lhe produzissem maior bem-estar. Essas suas análises não foram estruturadas somente a partir de inferências de suas observações, mas por uma série de experiências controladas, em que ele pôde concluir que a postura corporal se formava a partir das experiências não conscientes de equilíbrio e satisfação. Da mesma maneira, posicionou que o desenvolvimento muscular e o consequente domínio dos movimentos relacionava-se ao nível de interação emocional do sujeito com o meio. Sob esses aspectos, destacamos alguns elementos da prática e análise de Aucouturier para a reflexão educacional: a) Sua análise está focada no desenvolvimento de crianças, por isso, as práticas educacionais propostas por ele são aplicáveis a esse público; b) Afirmava que a inserção de atividades motoras livres auxiliava no processo de desenvolvimento individual. Nesse sentido, os espaços pedagógicos deveriam estar preparados estruturalmente e ter recursos concretos (como brinquedos e jogos educativos), que despertassem o interesse na criança; c) Destaca a importância de utilizar como mediação junto aos alunos os aspetos linguísticos que ajudam a dar sentido ao espaço e aos recursos concretos. Principalmente no que tange à percepção do relacionamento estruturado com o meio; 37 d) A interação é um dos aspectos fundamentais do pensamento de Aucouturier, pois é por meio dela que ocorre o desenvolvimento psicomotor e emocional. Sob essa ótica, destaca-se que no processo de desenvolvimento os níveis de interesse da criança estão diretamente relacionados com os estímulos que o meio proporciona. Esses devem ser adaptados à estrutura psicomotora e a abordagem dos professores deve ser no sentido de instigar os interesses a partir da análise do desenvolvimento. 3.3 O desenvolvimento integral, a partir da teoria psicomotora de Emmi Pikler A pediatra austríaca Emmi Pikler (1902-1984) desenvolveu sua atividade profissional por longos anos com crianças órfãs e abandonadas. Em suas abordagens, percebeu a estreita relação entre o desenvolvimento psicomotor, o desenvolvimento cognitivo e o comportamento socioafetivo. Para a autora, a criança se desenvolve de forma profícua a partir da forma como se dá a interação com o meio no qual está inserida. Por esse motivo, os estímulos dados pelo meio são considerados como determinantes para um bom desenvolvimento. Ela concebia que os aspectos cognitivos eram fomentados desde o nascimento, quando a criança começa a interagir com o meio. Esses aspectos podem ser percebidos desde os níveis inferiores de linguagem. Os aspectos socioemocionais também são desenvolvidos desde o nascimento e são fruto da forma como a criança se relaciona com o meio e dos estímulos positivos ou negativos que lhe são atribuídos. Sob essa égide, a autora apresenta três princípios pedagógicos que considera fundamentais: Liberdade: o conhecimento, seja ele cognitivo ou socioemocional, só é construído quando a criança tem um espaço no qual a liberdade é cultivada. As possibilidades de interação com o meio, de forma livre, 38 possibilitam que o interesse da criança venha à tona, facilitando o papel de mediação do professor; Autonomia: é uma consequência do livre aprender. Para Pikler, o conhecimento só é válido e assumido pela criança quando ele é construído de forma autônoma, respeitando os níveis de interesse; Vínculo: a autora destaca a importância que a educação tem em relação ao desenvolvimento socioemocional. Assim, a construção de vínculo entre o professor e o aluno é fundamental, tendo em vista que o afeto e o cuidado são elementos fundamentais para esse processo de desenvolvimento. No que tange à estrutura do espaço pedagógico, o autor salienta que ele deve estar adaptado ou ser construído para fomentar a ação segura e livre e o desenvolvimento livre de interesses. Outro ponto fundamental, próprio das teorias psicomotoras, é a ênfase de que para os diferentes níveis de desenvolvimento devem ser utilizadas estratégias e mediações diferenciadas. 3.4 Vygotsky e o desenvolvimento social Lev Semjonovitsch Vygotsky (1896-1934) foi um pensador russo que versou sobre a educação a partir de uma perspectiva sociointeracionista. Foi o primeiro autor a chamar atenção à importância do envolvimento ambiental no desenvolvimento da criança e no processo de formação da mente. O projeto de Vygotsky consistia em uma tentativa de estudar os processos de transformação do desenvolvimento humano em uma dimensão histórico-social. Para tanto, afirmava a demasiada importância à integração dos aspectos biológicos e sociais do homem, pois somente aquela doaria a este características humanas. A principal seria a questão da aprendizagem, que não é somente passiva, mas ativa, pois o indivíduo não é um produto do seu contexto social, mas sim, um agente ativo na criação desse contexto. Seguindo a teoria marxista, ao mesmo tempo em que o ser humano age e transforma, ele se desenvolve. Como afirma Silvestri (1993, p. 91): 39 A verdadeira fonte do psiquismo se encontra nas relações sociais. No homem, diferente dos animais, o processo de acumulação de experiência da espécie é extremo com relação ao sujeito: configura o patrimônio histórico-cultural. A apropriação, por aprendizagem social, desse patrimônio, possibilita a construção do psiquismo. A atividade psíquica humana está determinada socialmente, e tem, portanto, caráter histórico. Não existem formas nem conteúdos universais válidos para todo homem em todas as épocas em qualquer sociedade. Tudo o que constitui o psiquismo foi internalizado por um sujeito histórico, a posteriori de sua conquista no plano coletivo, durante um processo de construção social do conhecimento e sua acumulação na cultura, evoluindo durante séculos de trabalho humano sobre a realidade. Segundo Vygotsky, há dois elementos básicos que constituem essa relação, a saber: o instrumento e o signo. O primeiro regularia as ações dos indivíduos sobre os objetos, já o segundo regularia as ações sobre o psiquismo, pois a linguagem, o sistema de signos, os organiza em estruturas complexas, possibilitando designar objetos do mundo exterior, ações e qualidades,realizando, assim, um trabalho de mediadora entre o indivíduo e a realidade concreta exterior. Assim, pode-se dizer que o segundo elemento possui duas funções básicas: 1. Por meio do processo de abstração que efetiva, permite trabalhar mentalmente com objetos do mundo exterior, mesmo quando estes não se fazem presentes; 2. Associada à função comunicativa, que é própria da linguagem, garante a preservação, a transmissão e a assimilação de informações e experiências acumuladas pela humanidade ao longo da história. Assim, para Vygotsky, a linguagem, o sistema de signos, desempenha uma função importantíssima no desenvolvimento, pois é ela que possibilita, em uma atitude de mediação, o processo de cognição e seu aprimoramento. Dessa forma, pode-se aprimorar a afirmação anterior, a saber, de que o desenvolvimento humano se dá pela integração dos aspectos biológicos e sociais do homem, contudo, se dá por meio de uma atitude significativa, por meio da linguagem. Segundo Silvestri (1993, p. 34): Todas as funções mentais superiores, aquelas que são específicas do homem e integram a órbita de sua consciência, são processos 40 mediados, e os signos são os meios que os organizam e dirigem, mas não se nasce com eles. São adquiridos durante o desenvolvimento do homem em sociedade, mediante a atividade social. Assim, o processo de desenvolvimento, segundo Vygotsky, está intimamente ligado à linguagem, pois, como afirma Cristina Rego: “A linguagem promove mudanças radicais na criança, tanto no modo de se relacionar como de organizar seu agir e pensar” (REGO, 1999, p. 34). O processo de desenvolvimento é dividido nas seguintes etapas: Pré-intelectual Fase na qual somente sons não são bem definidos. Ex.: balbucios Pré-linguístico Fase na qual começa-se uma interação maior com o meio, pois é o período em que surgem as primeiras palavras e, consequentemente, uma inteligência prática. Discurso socializado Período no qual a linguagem ainda não é efetivamente utilizada como um instrumento de pensamento, mas visa manter contato com os outros. Discurso interior Período no qual começa-se a reflexão, o pensar sobre si, os fatos e as coisas. Fonte: elaborado pelo autor (2019). Como o próprio autor afirma: “A uma certa altura [do desenvolvimento], o pensamento torna-se verbal e a fala racional” (VYGOTSKY, 2000. p. 54). Contudo, destaca-se que esse processo de desenvolvimento não deve ser entendido como o de Piaget, no qual há fases determinadas para os diferentes níveis de desenvolvimento. Vygotsky afirma que as três primeiras fases ocorrem normalmente, uma sucedendo a outra e, apesar de não estipular tempo, afirma que são características da infância. Porém, no que diz respeito à quarta fase, afirma que não é uma simples continuação da precedente, mas depende da interação do biológico com o contexto histórico social. Se compararmos o desenvolvimento inicial da fala e do intelecto [...] com o desenvolvimento da fala interior e do pensamento verbal, devemos concluir que o último estágio não é uma simples continuação do primeiro. A natureza do próprio desenvolvimento se transforma, do biológico para o sócio-histórico. O pensamento verbal não é uma forma de comportamento natural e inata, mas é determinado por um processo histórico-cultural e tem propriedades e leis específicas que não podem 41 ser encontradas nas formas naturais do pensamento e fala. Uma vez admitido o caráter histórico do pensamento verbal, devemos considerá-lo sujeito a todas as premissas do materialismo histórico, que são válidas para qualquer fenômeno histórico na sociedade humana (VYGOTSKY, 2000. p. 54). Até aqui se falou da importância da interação do indivíduo com o contexto para o desenvolvimento, especificaram-se quais as etapas desse processo, justificando a primeira afirmação. Contudo, há um elemento imprescindível para a realização plena do desenvolvimento dos indivíduos: a escola, pois esta introduz novos modos de operações intelectuais, e, expandindo seus conhecimentos, o indivíduo modifica sua relação cognitiva com o mundo, assim, aprendizado e desenvolvimento seriam decorrentes. E se não se tem acesso à escola, a construção das funções psicológicas mais sofisticadas, de instrumentos de atuação e transformação do meio não ocorrem. Na diferença entre o aprendizado anterior e posterior, a escola concentra- se na sistematização que ocorre quando a criança é deixada sob a tutela de uma instituição e que o desenvolvimento passa a se desenrolar em dois níveis distintos: o real e o potencial. O primeiro nível é aquele em que a criança consegue resolver por si mesma os problemas que lhe são propostos, enquanto, no segundo aspecto, elas só são capazes de alcançar uma resposta com a ajuda do instrutor. Entre esses dois patamares, haveria uma Zona de Desenvolvimento Proximal (ZPD), que indicaria até aonde o aprendiz pode chegar na sua etapa atual de desenvolvimento. Saiba Mais A ZPD corresponde às funções que estão em maturação no indivíduo. O desenvolvimento real, no qual a criança faz suas coisas com independência, retrata o amadurecimento consolidado, ao passo que aquelas tarefas realizadas com ajuda dos outros apontam para o desenvolvimento mental que pode ser adquirido. A ZPD revelaria a dinâmica do processo de desenvolvimento, prevendo o resultado a ser obtido quando o conhecimento foi assimilado. Ela revela o desenvolvimento real futuro, aquilo que uma criança será capaz de fazer sozinha, depois de internalizar o aprendizado. Assim, é possível prever o 42 desenvolvimento de uma pessoa ao observar essa diferença entre o que ela faz e o que pode fazer. A imitação e a brincadeira indicam um nível de compreensão a ser trabalhado, pois suas funções são a criação de uma “relação entre o campo do significado e o campo da percepção visual, ou seja, entre situações no pensamento e situações reais” (AMORIM, 1997, p. 18). Isso auxilia na transição entre o estágio do discurso socializado para o discurso interior, da reflexão. Percebe-se, assim, que a questão do desenvolvimento para Vygotsky abrange vários aspetos, sendo os principais: A interação do indivíduo com o contexto social, sendo necessária uma mediação, que é efetivada pela linguagem; A importância da escola no processo de desenvolvimento, como forma de promoção do desenvolvimento; A existência de uma ZPD que retrata as aptidões que ainda estão em um nível potencial e que necessitam ser trabalhas; A importância do brincar como uma forma válida de desenvolvimento psíquico. 3.5 O processo de desenvolvimento na abordagem Reggiana Mais do que uma teoria pedagógica, a abordagem reggiana é fruto de uma construção social que percebeu nas infâncias do período pós-guerra um terreno fértil. Essa abordagem se fundamenta em perspectivas pedagógicas de vários autores: em Piaget, encontra os fundamentos do desenvolvimento psicomotor, em Vygotsky, o princípio da sociabilidade como fonte do saber, e em Dewey, o pressuposto da formação para a autonomia. Baseada na percepção de que a criança é por si um sujeito com competências cognitivas, emocionais e sociais subjacentes e em potencialidade, a abordagem reggiana destaca a importância da experiência no contexto formativo. Essa estará relacionada à pesquisa (dimensão cognitiva) e às relações humanas e de cooperação (dimensão socioemocional). O princípio pedagógio fundamental na abordagem reggiana é a escuta ativa, por meio da qual o professor percebe o desenvolvimento de seu aluno. 43 Segundo Marques e Almeida (2011, p. 110), essa relação pode ser assim exemplificada: Laura folheia as páginas de uma revista, observando um relógio; a professora, então, mostra-lhe o seu, aproxima-o de seu ouvido para que escute o ruído que faz; a seguir, a menina vai em direçãoao relógio da revista, coloca-o junto à orelha, como que tentando escutar seu som. A relação entre professor e aluno é de reciprocidade, na qual a inter- relação é fundamental para o desenvolvimento. Essa relação feita pela aluna não é apenas geração de conhecimento associativo, mas será também ferramenta para que a professora possa estabelecer outras estratégias pedagógicas e oferecer estímulos mais complexos. Assim, o processo pedagógico na abordagem reggiana fundamenta-se em um tripé: a) Observação: por meio da qual o docente analisa o processo de desenvolvimento do aluno, buscando estabelecer novos estímulos para a aprendizagem; b) Documentação: documento no qual o professor registra as diversas atividades que o aluno realiza, como também os comportamentos que desenvolve; c) Interpretação: fase em que o docente analisa a maneira como as habilidades do aluno vêm sendo desenvolvidas. Sob essa ótica, pode-se perceber que, na abordagem reggiana, toda a relação de reciprocidade do professor com o aluno, como a documentação de todos os fatos ocorridos no espaço de aprendizagem, são estratégias por meio das quais se avalia o desenvolvimento do estudante. 44 Pesquise Para ampliar seus conhecimentos, realize uma pesquisa na internet sobre a abordagem reggiana, busque conhecer experiências de escolas que utilizam essa metodologia e faça correlações com a importância da documentação pedagógica. Conclusão da aula 3 As teorias que privilegiam a análise do desenvolvimento humano por meio do sociointeracionismo auxiliam de forma ímpar a análise do processo pedagógico. Inseridas no contexto das pedagogias inovadoras, que têm como foco trabalhar o desenvolvimento de um conhecimento autônomo, que une teoria e prática, proporcionam um olhar frente às abordagens segundo o nível de desenvolvimento do aluno. Tal perspectiva nos auxilia na compreensão de quais abordagens podem ser mais efetivas e de que forma podemos perceber o amadurecimento cognitivo e socioemocional do estudante. Nesta aula vimos a forma como as teorias que privilegiam o sociointeracionismo em sua análise pedagógica podem auxiliar no contexto inovador da educação. Piaget destaca a importância de estimular cada um dos alunos segundo os níveis de seu desenvolvimento. Para Aucouturier, a liberdade da experiência é fundamental para a análise de como o aluno está amadurecendo seus processos cognitivos e emocionais. Para Pikler, o vínculo entre professor e aluno é fundamental para a geração de uma formação autônoma. Em Vygotsky, ficou claro que o processo pedagógico perpassa uma mútua transformação: do aluno para com o meio e do meio para com o aluno. Por fim, viu-se como a abordagem reggiana se pressupõe em um acompanhamento individualizado do aluno, a partir de uma escuta ativa que possibilita à escola estratégias específicas para promover o desenvolvimento da criança. 45 Atividade de Aprendizagem Os pensadores do sociointeracionismo relacionam o desenvolvimento sensório-motor ao processo pedagógico. Dentre eles, Vygostsky destaca a importância que a linguagem tem no contexto da formação do saber. Assim, a partir dos períodos do Discurso socializado e do Discurso interior, faça uma análise de como deveria ser a abordagem pedagógica em cada um desses. Aula 4 – Estratégias para a aplicação das pedagogias inovadoras Apresentação da aula 4 Prezado(a) aluno(a), nesta quarta aula será analisado de que maneira as abordagens inovadoras podem colaborar com o processo de ensino- aprendizagem. Nesse sentido, será visto qual é o papel de cada um dos atores da educação (escola, professor e aluno) frente a esse novo modelo de abordagem. Será compreendido de que forma, nas pedagogias inovadoras, a dimensão do conhecimento não está mais relacionada com o conteúdo, mas com o desenvolvimento de habilidades e, por fim, conhecer algumas estratégias que são exemplo na aplicabilidade da abordagem inovadora. Em nossas aulas anteriores, vimos os pressupostos das pedagogias inovadoras, a forma como propõem a formação do conhecimento e a importância que as teorias que enfatizam a psicomotricidade possuem em todo esse processo de reflexão. Porém, as pedagogias inovadoras trazem consigo não apenas uma mudança no processo de formação e abordagem do conhecimento, elas trazem novos pressupostos pedagógicos. 4.1 Entre o conteúdo e a habilidade De acordo com o que foi estudado, um dos objetivos das pedagogias inovadoras é proporcionar ao aluno um ensino que lhe capacite não apenas 46 intelectualmente (operacionalização de conceitos), mas que promova uma formação integral, baseada em uma reflexão crítica estruturada de forma autônoma. Nesse contexto, percebe-se que não há mais espaço apenas para a transmissão do saber conceitual de caráter conteudista, mas é necessário ampliar os horizontes, buscando a formação das habilidades e competências do aluno. Porém, como é possível definir essas duas realidades? Elas referem-se a uma mesma questão? Para responder a tais questionamentos, torna-se necessário definir habilidade e competência. Vocabula rio A habilidade está relacionada com a capacidade de fazer, ou colocar em prática determinada ação. A competência está diretamente relacionada com a concepção de habilidade, mais especificamente com o conjunto de habilidades que uma pessoa possui. Um exemplo dessas conceituações: existem alunos que demonstram uma competência lógico-matemática, que não se refere apenas à capacidade de executar operações aritméticas com maestria (o que seria uma habilidade), mas de conceber e analisar espaços físicos, interpretar textos com conceitos abstratos, entre outros. A competência é, assim, o conjunto de habilidades que possibilitam à pessoa o desempenho de funções específicas. No contexto da educação inovadora, o objetivo do processo pedagógico está em desenvolver nos alunos habilidades que promovam a estruturação de competências que tenham sentido em seu dia a dia. Não significa operacionalizar o saber, mas fazer com que os estudantes se apropriem dos conteúdos específicos sabendo sua função e aplicação. 47 É importante destacar que, no contexto educacional brasileiro, corremos um grande risco de comprometermos o desenvolvimento de habilidades e competências por termos uma tradição conteudista. Para que a estrutura pedagógica inovadora alcance seus objetivos, é importante pensarmos a formação de professores, na nossa própria formação. No Brasil, nos últimos anos, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) vem propondo uma mudança paradigmática da educação ao reafirmar a importância do desenvolvimento de habilidades e competências. Buscando suplantar o modelo tradicionalista que enfatiza o trabalho pedagógico a partir de conteúdos, a BNCC destaca que as diferentes áreas do saber não estão desconectadas, mas que várias das habilidades a serem desenvolvidas requerem o trabalho de várias disciplinas: Ao adotar esse enfoque, a BNCC indica que as decisões pedagógicas devem estar orientadas para o desenvolvimento de competências. Por meio da indicação clara do que os alunos devem “saber” (considerando a constituição de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores) e, sobretudo, do que devem “saber fazer” (considerando a mobilização desses conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho), a explicitação das competências oferece referências para o fortalecimento de ações que assegurem as aprendizagens essenciais (BRASIL, 2018, 13). Sob essa ótica, os espaços e os tempos escolares precisam ser compreendidos de forma diversa do que atualmente temos como cenário na educação. 48 Importante
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