Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 JEZUINA KOHLS SCHWANZ DIDÁTICA FACULDADE SÃO BRAZ CURITIBA/PR – 2018 2 Sumário Introdução ........................................................................................ 03 Aula 1 – Fundamentos da educação ................................................ 04 Aula 2 – A aprendizagem e suas diferentes concepções .................. 15 Aula 3 – A didática na história ........................................................... 28 Aula 4 – Teorias do conhecimento .................................................... 42 Aula 5 – Currículo Escolar, Projeto Político Pedagógico e Planejamento ................................................................................... 54 Aula 6 – A importância da didática na articulação de teoria e prática 68 Aula 7 – A didática na prática ............................................................ 83 Aula 8 – Avaliação ............................................................................ 97 Referências 111 Currículo do Professor-autor 115 3 Introdução Educar é uma ação tipicamente humana. Mas para que educar? Por que, ao longo do tempo e de maneiras diferenciadas, o ser humano busca pela educação? O homem humaniza-se à medida que reflete sobre o mundo no qual está inserido e sobre as relações que nele estabelece, para tanto, cria mecanismos para transformá-lo e para extrair dele sua sobrevivência. A educação é parte fundamental nesse processo de humanização. Sendo assim, é fundamental discutirmos como se deu o fenômeno educativo ao longo da história. Para tanto, vamos pensar a educação na perspectiva da didática, ou seja, na articulação entre a teoria e a prática pedagógica. Ao longo desse material, estudaremos a Didática a partir de uma perspectiva histórica, passando pelos fundamentos da educação, pelas diferentes teorias do conhecimento, até chegarmos à aprendizagem e suas diferentes concepções. Nesse percurso buscaremos compreender a Didática enquanto disciplina, que visa o desenvolvimento crítico dos educadores em formação, a fim de que possam avaliar de forma clara e objetiva a realidade do ensino na qual estão inseridos. Para tanto, é necessário que o educador tenha uma base teórica sólida, pois esta influenciará toda a sua prática docente. Convido você para que juntos possamos tecer novos caminhos para a prática educativa, alicerçada nas teorias da didática! Bom estudo! 4 Aula 1 – Fundamentos da Educação Fonte: © Public Domain Vectors (2017) Olá, estudante! Nesta aula, vamos saber mais a respeito da educação, seu conceito, um pouco de sua história ao longo do tempo e as discussões atuais relacionadas ao tema. Vamos lá? Conceito de Educação Você sabia que ao pesquisarmos o termo educação no buscador Google são devolvidos aproximadamente 8.250.000 resultados em 0,73 segundos? São retornos dos mais simples, como o dizer que “a educação equivale ao ato de educar-se” (MICHAELIS, 2017), em contraste com outros mais completos como o de “a educação é o conjunto de métodos próprios para assegurar a formação e o desenvolvimento intelectual e moral de um ser humano” (CONTRERAS, 2015). 5 Desses retornos, alguns estão relacionados também à pedagogia, à autonomia (FREIRE, 1996), às competências do indivíduo (PERRENOUD et al, 2000) e à didática (PIMENTA, 1999) e au saber docente (TARDIF, 2002). Além desses, vários outros conceitos são associados. Apesar disso, Ambrosio (2007) indica que a educação vem inibindo a construção de novos saberes e, assim, priorizando o conhecimento disciplinar concluído. O que leva a crer que talvez a educação não esteja acompanhando as atualizações da contemporaneidade, quiçá reproduzindo conhecimentos que possam não condizer com a totalidade da realidade social dos sujeitos que visa a educar. Dentre tantos estudiosos da área, o conceito de Vianna (2006) parece bastante adequado e atual por tocar em pontos muito importantes no que tange à forma e condução do processo educacional. Para ele: “A educação em sentido amplo representa tudo aquilo que pode ser feito para desenvolver o ser humano, e no sentido estrito representa a instrução e o desenvolvimento de competências e habilidades” (p. 130). De acordo com Gadotti (2000), falar de educação exige certa dose de cautela, devido às tantas perspectivas criadas em torno do que a crise de paradigmas que o novo milênio traria, apoiadas em estudiosos e educadores que tentaram apontar algum caminho para o futuro prático da educação. Em meio a isso, o autor questiona: Reflita Qual o papel da educação e quais as perspectivas para a educação neste terceiro milênio? 6 Curiosidade Você já ouviu falar de Gadotti? É um renomado educador brasileiro, que estuda e defende a educação no cenário educacional nacional. Na internet, há vários artigos de sua autoria. Aqui, recomenda- se a leitura de “Perspectivas Atuais da Educação”, publicado no ano 2000. Esse artigo foi escolhido, pois foi publicado num momento de virada e de reflexão sobre a educação, como o próprio autor propõe. O autor palestra em eventos e tem outras várias publicações falando sobre os desafios da educação. Marcos da Educação Fonte: © Pixabay (2017) Observe que os marcos de tempo sempre são favoráveis à análise de práticas que atravessaram anos, pois “para entender o futuro é preciso revisitar o passado” (Gadotti, 2000, p. 04). Conforme a ideia, Amado (2007) indica que a história da educação permite compreender sua evolução, seus processos e etapas, suas acelerações e afrouxamentos. Graças ao passado, afirma, é possível descobrir as origens longínquas das tradições educativas, bem como 7 analisar o peso da herança do passado sobre a prática educativa. Em primeiro lugar, fala do pensamento pedagógico e das ideias em educação ao longo da evolução humana como base para as concepções gerais das instituições educacionais. Para que você consiga se situar na história da educação ao longo dos anos, o quadro disponibilizado por Amado (2007) apresenta um panorama geral da história da educação. Ele é bem resumido e aponta os grandes marcos. Acredito que ele seja útil para que você possa visualizar os percursos da educação ao longo dos anos, da mais antiga registrada até o ponto em que se inicia a formação para profissionalização. Confira a seguir! Quadro 1 – Quadro Geral da História da Educação Período Localidade Foco da educação (Conhecimento) IX a.C. Grécia – Esparta Militar VII – V a.C. Grécia – Atenas Ginástica e Música III a.C. Roma Agrícola, moral e militar II a.C. – II d.C. Roma Humanista I a IV d.C. Roma Catequística XII d.C a XV D.C. Europa Profissional Fonte: Adaptado de Amado (2007) A educação como processo permeou a evolução da humanidade, no ato de educar os filhos para a continuidade da sobrevivência. Nas sociedades primitivas, o processo educativo era mantido a partir de métodos informais, pelos quais os indivíduos eram integrados à convivência em sociedade e lhes eram 8 passados os valores e costumes construídos pelas gerações anteriores. Essa transmissão limitava-se ao estímulo de memorização (GILES, 1987). Somente com os desenhos nas pedras é que se começou a produzir registros dos costumes e vida dos indivíduos a partir do uso da escrita, criando um banco de dados primitivo das informações disponíveis às próximas gerações da sociedade, demarcando eventos e a evolução da raça humana. Sempre voltada para questões econômicas, a educação desde muito tempo serviu para concentrar o saber e explorar os menos favorecidos em prol da geração de riquezas, como se viu no Egito, na época dos escravos, em que os patrões exerciam as melhores práticas para explorar o trabalho servil. EmRoma, na época do Império Romano, não foi tão diferente, a educação no seio da família focava-se no ensino do direito e das condições para desempenhar atividades políticas típicas da classe dominante. À diferença do que se viu no Egito, em Roma, os conhecimentos e habilidades eram ensinados em escolas. Assim, cada passo do desenvolvimento histórico impôs a necessidade de instruir quem é destinado ao círculo de poder e manter na escuridão do conhecimento quem era destinado à produção (MEDICE, 2011). Os gregos faziam da mesma forma. Os precursores do estudo da filosofia objetivavam conhecer a razão de ser das coisas e solucionar problemas típicos daquela época, embora reconhecessem que não havia verdade absoluta. Os ensinamentos voltavam-se para a arte de falar e de convencer. Martins (2004) afirma que a educação não era um direito de todo cidadão grego, mas certamente ela já era responsável por tornar os homens mais evoluídos e felizes, pois era propagado um sistema educacional capaz de assegurar o triunfo a quem a ele aderisse. A esta altura, é possível falar de Sócrates e Platão (MARTINS, 2004). Enquanto o primeiro disseminava uma nova visão de homem e de universo, apostando em uma ciência universalista; o último falava da formação homem para uma sociedade ideal, pois educação seria sinônimo de liberdade que liberta o indivíduo da ignorância. 9 Já a educação formal foi estabelecida dentro de espaços também formais, que foram se moldando conforme as necessidades dos indivíduos. A escola formal, por sua vez, como instituição de caráter social, foi instituída para transmitir o legado cultural da humanidade (UFPB, 2016) de forma reprodutivista, destinando-se de forma ampla e tradicional, a uma pequena minoria, consentindo a educação como processo de desenvolvimento individual, o que muda no final do século XX, quando a educação também passa a ser vista como algo socialmente construído (GADOTTI, 2000; RAUBER, 2008). Almeida (2004) expõe que ainda há uma pressão no sentido de atender às demandas de reproduzir, manter e reforçar privilégios de alguns em detrimento da maioria, a qual é perceptível em várias reformas e programas oficiais, isso por que, explica UFPB (2016), as mudanças na concepção de homem, de educação, de ensino e de sociedade se voltam para um novo modelo que exige que homens atendam às demandas emergentes dessa maioria, ampliando-se como direito de todos. Importante Independentemente da fase, preceito e mesmo que se perceba ou não, a educação sempre esteve, está e estará relacionada a uma dimensão política, em que o caráter educativo assume também caráter político no cumprimento de seu papel de formação integral do indivíduo para a sociedade e ao considerar os elementos complexos da vida contemporânea, registram Stigar e Schuck (2017), apoiados nas premissas de Saviani e Morin (1999). Discussões atuais de Educação Você pode observar que, de acordo com Nascimento e Hetkowski (2009), o espaço de educação não pode ser visto unicamente como uma máquina reprodutiva de alfabetização; eles frisam que cada vez mais a sociedade exige que foque nessa formação integral, que contempla aspectos intelectuais e, 10 também, morais. Por essa razão, o ato de educar abrange mais do que a sala de aula, e o contexto interfere no processo educativo com o quanto deve ser considerado na execução do ato de educar. Para complementar esse pensamento, Almeida (2004) indica que tudo isso somado implica no re- equacionamento do papel da educação na contemporaneidade. Note que, por estar atrelada à educação, a pedagogia trata da mesma forma de concepções distintas: a tradicional e a nova, diz Libâneo (2008). Enquanto no formato tradicional, enfatiza-se a transmissão do saber de forma ativa pelo professor e passiva por parte do estudante; a nova questiona a validade da primeira, percebendo o estudante como sujeito livre e ativo, extrapolando a aceitação pura do desenvolvimento biológico e respeitando as especificidades individuais, tornando os sujeitos do processo (professor; estudante) ativos (idem). O estabelecimento desse movimento data do século XX. De forma mais profunda, seguem considerações a respeito de ambas, a partir de algumas literaturas (NOSELLA, 2011; UFPB, 2016; TARDIF, 2014). De acordo com o que você estudou no início desta unidade, a pedagogia tradicional está centrada na transmissão do conhecimento e na capacidade igualitária de aprendizagem. O professor é autônomo em relação ao conteúdo, ao método e à avaliação. Em relação às funções psicológicas, prevalece a memorização do conteúdo pelo mimetismo e pela aplicação sistemática de tarefas. Todos os estudantes são iguais, independentemente de suas idades, facilidades e dificuldades. Por essa razão devem seguir o mesmo ritmo e obedecer aos mesmos modos de aprender (sendo visuais, auditivos ou cinestésicos) e chegarem aos mesmos resultados. Os conhecimentos se dão de forma isolada. As aulas seguem o método expositivo e o sistema avaliativo somente reconhece a avaliação do tipo prova escrita. Rey (2003) explica que quando o processo de aprender não tem relação com a vida do indivíduo ou como a forma como ele aprende, acaba não fazendo sentido para ele. Nisso, atinge-se a não produção de pertencimento em que o educador ou a instituição que ele representa conduz a uma aprendizagem 11 formal, descritiva, rotineira, mnemônica, que não instiga o sujeito que aprende. E entender isso faz considerar a própria função do professor nos processos de aprendizagem dos indivíduos, que podem ou não caracterizar o espaço de aprendizagem como espaço de subjetividade social. Saiba mais Já tentou escutar um audiobook e não entendeu nada? Conhece alguém que precisa escrever/praticar para entender algum conteúdo? Isso significa que nem todos nós aprendemos da mesma forma. Você já fez um teste? A internet tem uma infinidade de informações de tudo, tTambém é cheia de testes e alguns deles podem contribuir para o processo de aprendizagem, gerando informações de como cada um de nós aprende. Até porque se a aprendizagem e o desenvolvimento é o que nos faz evoluir, temos que nos conhecer. Seguem alguns links com testes. http://www.qmagico.com.br/descubra-como-aprender-melhor https://educacao.uol.com.br/quiz/2015/05/01/descubra-qual-e-o-seu- perfil-de-estudos.htm https://www.terra.com.br/noticias/educacao/teste-descubra-qual-e-o- seu-estilo-de- aprendizagem,b4c90861ce9fa4967a060646cd5b79c5687jRCRD.html A Pedagogia Nova A pedagogia nova fala do estímulo à autonomia dos estudantes, no sentido de alcançar suas potencialidades, vivenciar, experimentar e criar seu conhecimento de forma particular. O foco centra-se no estudante. Aceita-se que o estudante não aprende apenas escutando, vendo ou escrevendo. Segundo UFPB (2016), as primeiras experiências desse movimento foram realizadas junto a crianças excepcionais. Essa pedagogia remonta uma ressignificação da pedagogia, que atualmente surgem com várias nomenclaturas, sendo uma das mais comuns a de metodologias ativas, as quais envolvem os trabalhos em grupo, os estudos 12 de caso, as saídas de campo, os estudos dirigidos, as pesquisas, os princípios da autoeducação, da problematização, a sala de aula inversa, todas essas atividades que podem ser promovidas e devem ser acompanhadas pelo professor. Passam a ser valorizadas as atuações específicas de cada estudante no desempenho do grupo. Para Xavier (1992, p. 13), [...] de um lado está a escola tradicional, aquela que dirige, que modela, que é “comprometida”; de outro está a escola nova, a verdadeira escola, a que não dirige, mas abre ao humano todas as suas possibilidades de ser. Portanto, “descompromissada”. É o produzir contra o deixar ser; é a escola escravizadora contra a escolalibertadora. Com o passar do tempo, ao mesmo passo em que o desenvolvimento da era atual consagra dificuldades que precisam ser analisadas sob uma abordagem macroscópica. Almeida (2004) traz à tona um dos pontos que, segundo ela, é um dos possíveis entraves à nova percepção sobre a forma de ver e pensar a educação: a forma predominante do conhecimento orientado pela disciplinaridade, as disciplinas. O ensino através das disciplinas Figura 1: O ensino disciplinar Fonte: © Public Domain Invectors (2017) 13 Você já reparou que o ensino em geral, desde o ensino fundamental até chegar à universidade, é fragmentado, dividido em disciplinas? Vamos aprofundar um pouquinho esse conceito! Segundo Morin (1999), a disciplina é uma categoria de organização do conhecimento científico baseado na divisão e especialização do trabalho, que apesar de pertencer a um conjunto vasto tende a delimitar as fronteiras de entendimento e aplicação dos conteúdos que aborda. Essa falsa independência dos conteúdos, historicamente reproduzida, continua Almeida (2004), fragmenta o conhecimento, anula a visão do todo, anula as relações dos conhecimentos com o universo do qual fazem parte. Reflita Você sabe a diferença entre o que é multidisciplinar, o que é interdisciplinar e o que é transdisciplinar? Essas expressões atualmente estão muito em evidência na educação. São vistas como possíveis modelos a ser seguidos, conforme a orientação da instituição de ensino. Outro ponto importante a ser considerado são as tecnologias disponíveis e que podem (alguns dirão que devem) ser associadas à educação. São as riquezas trazidas pela sociedade moderna a algo tão tradicional como a educação (MORAN, 2002). Só este ponto já contempla muito material para discussão. Seja sempre curioso para saber do que está acontecendo no mundo da educação e ativo nas discussões. Em se tratando de educação, é isso que vai fazer diferença na sua própria (educação). Conclusão da aula A educação sempre esteve e estará atrelada a uma dimensão política, social e cultural. Nesse sentido, o caráter educativo assume também caráter político no cumprimento de seu papel de formação integral do indivíduo para a 14 sociedade. Entendermos os fundamentos da disciplina de Didática e sua relação com a Pedagogia e com a educação, faz com que nos aproximemos mais da história da educação, seus caminhos, continuidades e descontinuidades. Todo esse processo histórico é de fundamental importância para a formação do futuro educador e educadora. Atividades de Aprendizagem Sugestão de pesquisa A pedagogia nova versa a respeito do estímulo à autonomia dos estudantes, no sentido de alcançar suas potencialidades, vivenciar, experimentar e criar seu conhecimento de forma particular. O foco centra-se no estudante. Nela, acredita-se que o estudante não aprende apenas escutando, vendo ou escrevendo. A partir do exposto em nossa aula, procure pesquisar mais a respeito dessa pedagogia, desde seu surgimento, os países que a adotaram e as críticas que surgiram quando de sua concepção. Será uma boa oportunidade para você aprofundar seus conhecimentos a respeito do tema e aguçar seu espírito de pesquisador (a). 15 Aula 2 – A aprendizagem e suas diferentes concepções Agora que já falamos de educação, fica até difícil abordar a aprendizagem de forma separada, pois esses conceitos têm uma relação muito estreita. Você já deve ter percebido isso, não é mesmo? Lembre-se de que é de fundamental importância que você leia os textos com atenção e realize as atividades e leituras propostas em cada unidade! O que é aprendizagem? Primeiramente gostaria de observar que, em tempos atuais, há uma variedade de concepções de aprendizagem no contexto da educação, cada qual decorrente de variadas correntes epistemológicas e psicológicas. Assim como na área de moda, elas vão retomando espaços, vão se combinando, vão sendo criticadas, vão retomando espaço novamente, e assim sucessivamente, fazendo com que alguns ciclos se fechem e novos sejam iniciados. Alguns autores as discutem com a cabível orientação de que essas não podem ser equiparadas, tendo em vista as diferentes relações entre aprendizagem e desenvolvimento que abordam e as experiências pedagógicas que as embasam (BAQUERO, 1998; SACRISTÁN e GOMES, 1998, SPINILLO, 1999). Com isso, é possível acreditar que talvez não haja um consenso sobre os mistérios da aprendizagem do humano. Antes de qualquer coisa, cabe a definição nua e crua de aprendizagem, embora falar desse assunto de forma neutra não seja tarefa simples, tendo em vista as crenças pessoais e experiências de quem tentar abordá-la. Enfim, vamos tentar! De acordo com a definição de Hamze (2015, s/p), temos: “Aprendizagem é processo de mudança de comportamento obtido por meio da experiência construída por fatores emocionais, neurológicos, relacionais e ambientais”. Para o autor, aprender é o resultado da interação entre diferentes estruturas mentais e o meio. 16 Note que o conceito trazido por Hamze não quis se comprometer com nenhuma das concepções reconhecidas nacionalmente e trouxe em seu conceito todos os aspectos relevantes de cada uma delas. Seu conceito é importante exatamente por essa razão. Para ele, a aprendizagem é processo singular individualizado e realmente vai envolver todos esses aspectos para cada um de nós com determinada importância relativa, pois depende do momento, depende do conhecimento que está sendo trabalhado, da forma como está sendo trabalhado, de onde está sendo trabalhado etc. Dada a dificuldade de falar de forma neutra, você está convidado a conhecer dois dos estudiosos mais discutidos: Vygotsky e Piaget. Certamente eles não são os únicos de quem você ouvirá falar, mas trazem pontos de vistas importantes, e há quem diga que eles eram de correntes divergentes. Concepções vygotskyana e piagetiana da aprendizagem Ambos (Vygotsky e Piaget) foram escolhidos por terem dedicado suas trajetórias científicas na União Soviética em uma época em que a psicologia pressupunha que os mecanismos humanos se davam mediante relações simplistas ou mecânicas. Seguidores dirão que eles revolucionaram a visão vigente da psicologia. Além disso, como já foi dito, são dois dos estudiosos mais estudados, em nível de mestrado e doutorado, dada a riqueza de suas abordagens e o impacto até hoje na psicologia moderna da aprendizagem. Saiba mais Para você se inteirar mais desses teóricos, o artigo “Relações entre Aprendizagem e Desenvolvimento em Piaget e Vygotsky: dicotomia ou compatibilidade?”, de autoria de Marcílio Lira de Souza Filho, traz inferências interessantes a respeito da convergência e/ou divergência dos ideários desses autores. Outros pesquisadores no Brasil e no mundo dedicaram-se também a fazer essa relação entre os autores. 17 Vamos ver a seguir algumas de suas concepções de aprendizagem! De acordo com Vygotsky (1984, p. 115) “[...] a aprendizagem não é, em si mesma, desenvolvimento, mas uma correta organização da aprendizagem conduz ao desenvolvimento mental, ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento [...]”. Para o autor o processo de aprendizagem é um momento necessário e universal para que se desenvolvam na criança as características humanas não- naturais, mas que são formadas historicamente. Para esse autor, a aprendizagem infantil é fundamental para a compreensão do desenvolvimento humano como um todo, porque durante toda a sua vida o ser humano vai estabelecendo relação com os pares com que se depara. É assim que o indivíduo vai se apropriando do legado cultural humano. Enquanto isso, Piaget fazia menção à aprendizagem por esquemas e ação a partir da manipulação de objetos, bem como entendia que a aprendizagem dependia do nívelde maturação do indivíduo. Para ele: Conhecer é atuar, a fonte do ato inteligente é a ação [...]. A ação é o principal ingrediente da formação intelectual. É comum as diversas repetições ou aplicações, como a (ação) de uma criança que classifica figuras geométricas ou as de um científico que aplica lógica proposicional para reunir classes complementares. Em todos os casos, trate-se da mesma maneira de interagir com a realidade, trata-se de um mesmo esquema (PIAGET, 1970, p. 107). Por fim, de acordo com Piaget, existem evidências de que os efeitos da aprendizagem no desenvolvimento cognitivo da criança não são mera coincidência. Pois [...] nenhuma dessas perspectivas, se tomadas ao extremo, fornece interpretações adequadas acerca das possibilidades de mudanças no curso do desenvolvimento a partir da aprendizagem (SPINILLO, 1999, p. 57). O autor salienta a importância desse estímulo que faz diferença na vida e no desenvolvimento das pessoas, ou seja, aprender é o que nos permite atingir nosso potencial como seres humanos racionais e psicologicamente ativos. 18 Fato é que, ao longo de sua vida, é possível afirmar que o ser humano processa uma quantidade inestimável de informações as quais transformam em conhecimento, conceituando o processo de aprendizagem de forma ampla, simples e relacionada à condição de vida humana. Figura 1: Estudante Fonte: © Pixabay (2018) Fischer (2000) fala da capacidade humana de aprender durante a vida, inclusive após determinada formação escolar. Para ele, esse talvez seja o aspecto central da nova ordem social, pois o futuro depende da informação e do conhecimento produzido. A aprendizagem torna-se, desse modo, um processo contínuo, ativo e progressivo ao longo da vida. Assim como a criança precisa aprender a falar, depois a escrever, os adultos precisam trabalhar habilidades físicas e mentais que saciem suas necessidades, e, quando a idade vai aumentando, os idosos, além de continuar a aprender, talvez precisem reaprender. 19 Curiosidade O interessante de tudo isso é ver que, após tantos anos de estudo do comportamento humano, ainda há espaço para discussões de como o ser humano aprende e gera sua aprendizagem. Como você deve ter observado, cada uma dessas etapas é marcada pela aprendizagem (BRUNER, 1991), que pode ser registrada, por exemplo, quando muda-se a execução de uma antiga tarefa por ter se aprendido uma forma mais interessante, mais fácil ou mais inovadora. Parece que a certeza da vida gira em torno de que, ao observar o meio e as pessoas, o ser humano aprende com eles o tempo todo e desenvolve-se cognitivamente. Contudo, ao elevar o nível da concepção de aprendizagem, deve-se agregar elementos importantes que fazem desse processo único para cada ser humano, o fato de que o processo (aprendizagem) de cada indivíduo acontece em meio a situações, experiências, condições e sob ritmo, predisposição e presença de agentes externos diferentes, e estimulando suas capacidades e, logo, desenvolvimento. No cenário educativo, na aprendizagem que se consideraria formal, aquele que ocorre no meio escolar ou acadêmico, além desses fatores, existem outros referentes à relação com os pares, ao posicionamento do educador, às expectativas de futuro do “aprendente”, pois entende-se que esses condicionam o processo de aprendizagem. Tudo isso atribui imensurável valor ao processo de aprendizagem, pois sob essa concepção acaba respondendo não apenas pela alfabetização, mas pela integração do indivíduo na sociedade e compromete-se com a educação como instrumento de progresso dos indivíduos dentro da realidade. E se aprender não é apenas acessar informações e conhecimento, ensinar é mais do que transferir conhecimento, mas está na ação de criar possibilidades para a produção intelectual alheia (FREIRE, 1996). 20 Dessa forma, o processo formativo deve extrapolar a formalidade e os procedimentos descritivos. Isto é, deve interligar valores, dar atenção às competências transversais, às qualidades pessoais, às circunstâncias da vida. Tudo isso por que não é possível transformar os modos de pensar e agir dos indivíduos sem atender ao envolvimento de uma maneira mais ativa, comprometida e inovadora (ALVES, 2012). Com isso, é preciso disponibilizar de modo articulado todos os fatores que intervêm positivamente nos processos de formação: estudantes, professores, currículos, instituições e contextos para que seja verdadeiro o sucesso do processo de aprendizagem. Posto isso, é que opta-se por tratar de maneira equivalente desses processos, indicando o uso da expressão ensino- aprendizagem, pois não há um sem o outro, como expôs Alves (2012). Saiba mais Dica de leitura: “O Processo de Aprendizagem e seus Transtornos”, de Félix Diaz, apresenta informações importantes a respeito desse tema. A obra está disponível no link a seguir. <http://www.repositorio.ufba.br:8080/ri/bitstream/ri/5190/1/O%2 0processo%20de%20aprendizagem-repositorio2.pdf. Vale a pena a leitura! 21 Sociedade do Conhecimento e/ou Sociedade da Aprendizagem Figura 2: Homem em processo de aprendizagem Fonte: © Pixabay (2017) Prosseguimos com o tema aprendizagem, o qual há uma série de autores que falam de pontos importantes a esse respeito atualmente. Conheça a seguir alguns deles. Rauber (2008) e Castells (1999; 2003), por exemplo, falam da sociedade da informação (ou do conhecimento mais especificamente, conforme a literatura utilizada) e das novas tecnologias que apoiam a disseminação do conhecimento operando com base na cultura digital dominante. Para eles, a globalização da informação afeta por maneira a importância que o conhecimento tem em todos os setores e na vida das pessoas, mesmo reconhecendo as grandes massas excluídas dessa evolução. Não obstante, os autores falam da forma de obtenção dessa informação e conhecimento. A sociedade da informação não é modismo, como já foi pensado na década de 80 e 90 (TAKAHASHI, 2000); pelo contrário, significa uma ruptura com um passado de falta de acesso e consequentemente uma mudança definitiva na forma como a sociedade se organiza, aprende e evolui. As 22 tecnologias, afirma o autor, afetam diretamente todas as atividades sociais do indivíduo. Desse modo, a discussão desse tema na educação envolve a análise crítica da estrutura de informações disponíveis porque é a partir delas que os indivíduos vão basear sua nova forma de buscá-las e aprender, subsidiando o aumento do nível de (in)formação das pessoas. É interessante imaginar que, embora a internet tenha revolucionado toda a vida da sociedade, o que caracteriza a revolução tecnológica não é a centralidade do conhecimento ou da informação, mas suas aplicações em ferramentas de processamento de informação, as quais ocorrem invariavelmente em retroalimentação cumulativa. A tecnologia amplifica sua força a partir da quantidade de informação que consegue disseminar sem qualquer esforço, apenas existindo na vida das pessoas (CASTELLS, 2003). Para que você possa avançar nessa discussão, importante definirmos dado, informação e conhecimento, pois isso vai fazer toda a diferença no entendimento de aprendizagem proposto aqui. Primeiro vamos ver a relação entre dado e informação, na visão de Rezende et al.: A informação é todo o dado trabalhado, tratado, com valor significativo [...] e com sentido natural e lógico para quem a utiliza. O dado por sua vez é entendido como elemento de informação, conjunto de letras, números ou dígitos que tomado isoladamente não transmite conhecimento, mas ganha significado quando é trabalhada por pessoas e recursos computacionais, possibilitando a projeção de cenários, simulações e oportunidades, [que] pode definir conhecimento. O conceito de conhecimento complementao de informação com valor relevante e propósito definido (REZENDE et al, 2000, p. 60). Por sua vez, o conhecimento é feito de informações, embora se deva considerar que nem toda a informação é transformada em conhecimento. Vamos ver agora a relação entre a informação e conhecimento. 23 De acordo com Pellicer (1997, p. 8), as informações são à base do conhecimento, porém a obtenção desse conhecimento implica no desencadear de diversas operações intelectuais, “[...] que colocam em relação às novas informações armazenadas pelo indivíduo [...]”. Portanto o conhecimento é alcançado quando essas distintas informações “[...] se relacionam entre si mutuamente, criando uma rede de significados que são interiorizados ou assimilados” (PELLICER, 1997, p. 08). Para Takahashi (2000), uma das características principais da era atual é a abundância de informações. Contudo, se por um lado a dinâmica da sociedade da informação requer educação continuada ao longo da vida do indivíduo, por outro está o fato de que informações não se transformam magicamente em conhecimento, ou seja, para que isso ocorra é imprescindível que sejam estabelecidos critérios para organizá-las e selecioná-las. Nisso subjaz um novo modelo de aprendizagem, que carece de nova postura e novas responsabilidades dos indivíduos nele envolvidos. Dito isso, de nada adianta um professor com competências tecnológicas avançadas, ou com domínio de determinados sistemas, o que cabe ao professor é trabalhar pedagogicamente as habilidades com foco na aprendizagem, a fim de contribuir para a tal organização e seleção de informações úteis de construção de conhecimento. Mídias No link a seguir, você poderá assistir à palestra do filósofo Mário Sérgio Cortella sobre os “Paradigmas da Tecnologia na Educação”. https://www.youtube.com/watch?v=1Lvl_pG72Vk 24 Figura 3: Aprendizado por meio de tecnologia Fonte: © Pixabay (2018) Da mesma forma, compete ao aprendente desvencilhar-se dos modelos elementares e alcançar o discernimento crítico de seus pensamentos, seja avaliando, analisando ou relacionando (JONASSEN, 1996), pois a sociedade do conhecimento é a sociedade da aprendizagem (HARGREAVES, 2001). Para Jonassen e Hargreaves, não há diferença entre uma ou outra. Veja você que aqui poderíamos estar falando de educação a distância (EaD) e de seu conceito universal de educação, que é a modalidade de ensino com flexibilidade espaço-temporal em que professores e alunos estão separados geograficamente e conectados mediante recursos tecnológicos (LÉVY, 1993; PALLOFF e PRATT, 2002; SILVA, 2003; BRASIL, 2005). Contudo, a questão não é essa; não se trata de discutirmos a tecnologia em uma metodologia específica que depende predominantemente dela. A questão é mais profunda do que discutir a aprendizagem mediada pela tecnologia; a questão aqui é falar da existência das tecnologias em praticamente tudo o que nos rodeia e sermos inteligentes de sabermos que é imprescindível aprender a fazê-las trabalhar a nosso favor, seja na posição de aprendente ou de educador. 25 Como aprendente, buscando efetivamente e selecionando o que é relevante; como educador, sabendo que não adianta reclamar que os estudantes estão utilizando essas tecnologias em sala, mas pensar em desafios que os integrem a esse contexto tecnológico. No tipo de sociedade atual, há uma inerente cultura de acessar informações e de aprender, que muitas vezes atropela as pessoas. Neste tipo de sociedade, registra Jonassen (2007), os indivíduos são avaliados pelas suas capacidades de desenvolverem competências que possibilitem o exercício de suas funções, de suas criatividades, de suas integralidades. Atualmente, não há mais espaço para modelos verticais de aprendizagem, em que o professor é um ser superior com conhecimento adquirido e os demais são agentes passivos do processo, pois agora todos têm voz no sistema de autoformação, pois estão calçados na quantidade de informação acessível na rede. Reflita Quem nunca sentiu algum sintoma de doença e pesquisou na internet qual poderia ser o diagnóstico? Ou ouviu pessoas conversando a respeito de algum assunto e pesquisou sobre ele na internet? É exatamente disso que se trata essa atual discussão de sociedade da informação (ou do conhecimento). Hoje em dia tem mais acesso às informações, porque estão mais facilmente à disposição delas. Se isso representa a libertação do conhecimento que estava preso com alguns detentores, também representa maiores desafios para professores que precisam estar preparados e ter respostas para os questionamentos que possam surgir. Para que a cultura aprendente dê conta das necessidades de conhecimento dos indivíduos, Coutinho e Lisboa (2011), pautadas em Falabela, 26 falam da aprendizagem baseada em elementos que tornam os processos de aprendizagem diferentes dos antes das tecnologias. Desafio Significado Integração Contexto relacional A aprendizagem precisa ser baseada em situações desafiadoras as quais se impulsiona os aprendentes a buscarem formas diferenciadas de aprender. A aprendizagem precisa vir ao encontro dos interesses dos indivíduos de forma que eles se sintam motivados a aprender o conceito estudado. A aprendizagem precisa ser ponto comum de construção, estruturando a flexível relação entre o aprendente, a ordem e o mundo em que ele vive. A aprendizagem envolve emoções causadas pelo desconforto da dúvida, do novo, e, por isso, deve acontecer mediante intervenção social. Não é intenção, mas aqui há uma grande coincidência entre as falas de Vygotsky e Piaget. Eles falaram lá no início do século XX desses pontos, de tão relevantes que eles são. Contudo, não é sobre essa coincidência que você deve saber e, sim, sobre as metodologias que surgem na contemporaneidade e visam a dar conta desses elementos: as metodologias ativas de aprendizagem. Conclusão da aula A sociedade da informação e do conhecimento já é uma realidade, operando com base na cultura digital dominante. Essa realidade tem trazido a nós educadores constantes desafios. A globalização da informação afeta por maneira a importância que o conhecimento tem em todos os setores das nossas vidas, mesmo reconhecendo que existe um número grande de pessoas que não participam dessa revolução. 27 A sociedade da informação significa uma ruptura com um passado e consequentemente uma mudança definitiva na forma como a sociedade se organiza, aprende e evolui. Portanto, trazê-las para o cenário educacional tem sido um desafio constante. Atividades de Aprendizagem Lembre-se de algum conteúdo que você já domine e teve dificuldade para aprender. Pense em como uma metodologia ativa poderia ter lhe ajudado mais facilmente a aprender, alguma que seu professor poderia ter utilizado. Isso vai fazer você perceber que o desafio de situações reais traz sentido à aprendizagem e auxilia, e muito, na aplicação de determinado conceito e não somente na sua assimilação. É importante ter sempre isso em mente. 28 Aula 3 – A didática na história Figura 4: © Estátua em bronze de Aristóteles Fonte: © Pixabay 2017 A educação sempre “andou em compasso” com a história, portanto é impensável falar de educação, de pedagogia e de didática sem conhecermos seus fundamentos históricos. Esses fundamentos foram escritos em um tempo/espaço que não o nosso, mas ajudam-nos a compreender a educação tal como ela é hoje. Os fundamentos da Didática trazem as diferentes visões que existem acerca da produção do conhecimento, portanto, fundamental para a sua formação. Da mesma forma que o processo de aprendizagem e a educação, a didática sempre existiu na história, dado o fato de queo homem sempre ensinou e sempre aprendeu, contudo, seu estudo não é uma constante na história da educação. 29 Em seus primórdios, teve sua fundamentação baseada em contribuições da psicologia, filosofia e sociologia, que juntas trazem luz à complexidade do ato de ensinar e aprender que dão vida à prática pedagógica. Fundamentação histórica da didática A didática abrange tanto o ato de ensinar – ou arte de ensinar – quanto os métodos empregados. Além disso, a partir da literatura, pode ser conceituada sob duas abordagens: como saber e como disciplina. Como saber tem relação com o ser e se fazer ciência, um ramo de conhecimento; enquanto disciplina cumpre seu papel nos currículos de formação de professores, conectando teoria e prática em função do ensino. Logo, temos como objetivo da didática, em síntese, a instrumentalização entre a teoria e a prática pedagógica, compreendendo o processo de ensino e suas múltiplas determinações e redimensionando-a mediante proposta de ensino numa perspectiva crítica e reflexão sobre o papel sociopolítico da educação (ARANHA, 1996; QUEIROZ e MOITA, 2007; LIBANEO, 2008, FREITAS, 2013). Figura 4: Comênio Fonte: © Wikimedia Commons (2018) Um dos maiores expoentes do pensamento sobre didática é Comênio, também conhecido como Pai da Didática, que no século XVII elaborou uma proposta pedagógica que visava uma reforma do ensino em prol das necessidades humanas. 30 Para o educador, a educação era baseada em uma perspectiva religiosa e deveria melhorar a vida social do homem, por isso deveria promover maior solidez moral. Para tal, cria que a educação deveria ser dividida em etapas adequadas às idades dos aprendentes e ao momento evolutivo: infância, puerícia, adolescência e juventude. Ele foi o preconizador da criação das escolas maternais, a fim de fornecer às crianças pequenas as noções elementares e os primeiros sentidos pelas experiências sensoriais por meio do estímulo ao contato com objetos físicos (RODRIGUES, 2017). Após ele, Rousseau (1991; 1995), que mais tarde consta neste material como um dos vultos das teorias do conhecimento, acredita na superioridade das crianças em relação aos adultos. Para ele, o homem nasce bom e a sociedade o corrompe ao longo de sua trajetória. O estudioso também acreditava nos diferentes períodos de escolaridade para faixas etárias, de forma similar à de Comênio em respeito aos níveis de desenvolvimento dos indivíduos, os quais a didática do educador e a organização do ensino deveriam respeitar. As crianças de um a cinco anos deveriam ser tratadas de forma natural nessa primeira fase; na segunda fase, dos cinco aos 12 anos, a criança deveria ter seu acompanhamento monitorado, mas ainda de forma informal; a terceira fase, dos 12 aos 15 anos, prevê a ocorrência de conhecimento formal e desenvolvimento intelectual, condizente com a curiosidade e interesse natural do indivíduo; e somente a quarta fase, dos 15 aos 21 anos, priorizaria os aspectos práticos e relacionais existentes no mundo e na vida comum com outras pessoas. Pestalozzi também surge como ícone do estudo da didática, como defensor do livre acesso à educação, por todos, independentemente de sua classe social (UFPB, 2016). Sua maior contribuição foi a proposta de uma nova metodologia (organização) para a prática pedagógica, que consistia na apresentação do conteúdo de forma simples, seguido de observação e de exercícios de fixação. Baseado em preceitos cristãos, o educador investiu no estudo da educação baseada no afeto. Para Pestalozzi, é função do educador buscar os melhores métodos didáticos e de certo o melhor deles é baseado no dom do amor, pois é por meio 31 desse que a natureza do ser humano se manifesta em potencialidades de ser e fazer (INCONTRI, 1997). Embora questionável na época, tanto era correto associar educação a sentimentos humanos, que Freire também falou sobre esperança mais tarde (FREIRE, 1992). Herbart, considerando o ideário de Pestalozzi, expandiu-o criando um seminário pedagógico para a experimentação universitária, aponta UFPB (2016). Pensando a educação como ciência, resgatou a ideia de ensino por meio da instrução e da disciplina necessária à formação do caráter e do conhecimento. Apostando no rigor metodológico para a análise do comportamento dos estudantes, indicava passos necessários para a didática que propunha. Ao professor, nesse caso, cabia: preparar a mente dos estudantes, trazendo ideias anteriores com relação ao novo conceito a ser estudado; apresentar o conceito a ser assimilado; associar as ideias anteriores com o novo conceito; elaborar teoricamente o novo conceito; acompanhar a aplicação do conceito em atividades (FREITAS, 2013). Agora vamos falar de Dewey. As propostas dele de pedagogia e didática refletiram numa reformulação na política educacional nos Estados Unidos, traduzida em movimentos ao redor do mundo que levaram ao repensar das práticas escolares, inclusive no Brasil (UFPB, 2016). Para o estudioso, a instrução se dá pela ação dentro de um organismo vivo e cabe à escola estimular os estudantes a participarem das atividades típicas desse organismo. O foco da didática, sob sua ótica, era a ação ao invés da instrução. Tendências Pedagógicas da Didática No Brasil, a pedagogia está classificada em grupos conforme a didática em que se apoiam, as quais englobam visões específicas. Ao longo das outras aulas, serão discutidas diferentes visões de aprendizagem que trazem mais informações sobre estas (visões). Por essa razão, nesta aula, os temas não serão tão aprofundados, mas de qualquer forma é importante entender as nomenclaturas e fundamentações de cada teoria. 32 A pedagogia tradicional Fonte: © Wikimedia Commons (2018) A pedagogia tradicional aceita a didática de ensino baseada na transmissão de conteúdos, na centralidade do professor e crê que a capacidade de todos, crianças e adultos, se dá da mesma forma, independentemente da idade deles. Teve início no século XIX e chegou com grande representatividade no século XX. Reconhecida, na época, como uma tendência liberal, foi pioneira e ainda se percebem algumas de suas diretrizes pelo fato de ter sido a primeira a ser aplicada (CLAUSSE, 1976). 33 A pedagogia renovada Fonte: © Pixabay (2018) A pedagogia renovada consiste na didática baseada no estímulo dado ao aluno de busca por si próprio o conhecimento e as experiências necessárias, partindo de seus interesses e necessidades. Aqui, são visadas as atividades facilitadoras da aprendizagem. A Escola Nova, como também foi chamada, fundou-se a partir de vários movimentos e veiculava um ideal liberal-progressista não diretiva, em que o aluno toma o centro do processo no lugar do professor, aponta Luckesi (1994). Essa surge como contradição da primeira no final do século XIX. 34 A pedagogia tecnicista Figura 5: Imagem da cena do filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin Fonte: © Wikimedia Commons (2018) A pedagogia tecnicista está alicerçada na didática mecânica, na racionalidade dos conteúdos e no aporte tecnológico educacional voltado a diferentes ofícios. Seus objetivos se estabeleciam em um momento de forte desenvolvimento industrial, dessa forma, não interessava o espírito crítico e reflexivo dos alunos. Segundo Aranha (1996), surgida por volta de 1970 e considerada não dialógica, via professores e alunos como receptores de projetos elaborados autoritariamente focados no mundo do trabalho sem quaisquer vínculos com o contexto social ao qual se destinavam. 35 Mídias Para saber um pouco mais da revolução industrial e aprofundar seu conhecimento nessa didática tecnicista, assista ao filme Tempo modernos, de Charles Chaplin, disponível no link a seguir. https://www.youtube.com/watch?v=WVK1oHItoWIA pedagogia libertadora e a pedagogia crítico-social Fonte: © Flickr (2018) A pedagogia libertadora acredita na didática que propõe o homem como agente de mudança e a reflexão crítica do conhecimento a serviço das transformações sociais, como forma de superação das desigualdades criadas/mantidas pela sociedade. De cunho progressista, surgiu dos trabalhos com educação popular, tornando-se referência para o processo de reflexão crítica das práticas pedagógicas desenvolvidas pela educação formal, registram Queiroz e Moita 36 (2007). Foca na ressignificação entre professor e aluno, ressaltando a mediatização do ensino-aprendizagem pela realidade que os rodeia. Seu maior expoente é Paulo Freire. A pedagogia crítico-social dos conteúdos surge em momento de descrédito dos modelos anteriores, parciais e fragmentados, ora técnico ora humano, consistindo na didática mediada por objetos-conteúdos-métodos que faz o encontro de alunos, conteúdos e professores. Com isso, a prática dos alunos é considerada e apresentada de forma crítica, no sentido de compreender a aplicação do conteúdo em uma prática de cunho social. A escola, nesse sentido, complementa Saviani (2001), assume o lugar das mudanças sociais, bem como permite ao indivíduo ingressar na vida adulta e atuar dentro da comunidade. Seu ensino torna-se mais pluralizado, por pressupor que os indivíduos precisam entrar em contato com outras culturas. Didática e Ensino Agora que você já sabe mais da fundamentação histórica da didática, cabe começar a refletir sobre o objeto da didática, que é o ensino. Como você já viu, a didática relaciona-se com o ensino e com os métodos, ou seja, é o ato de instrumentalizar a teoria na prática pedagógica (ARANHA, 1996; QUEIROZ e MOITA, 2007; LIBANEO, 2008, FREITAS, 2013). Não suficiente, agora há que se falar dos elementos que lhe trazem implicações. Um ponto interessante a respeito da didática é que tanto estudantes quanto professores têm opiniões a respeito de como ela deve ser, parecer, ensinar, fazer aprender. Isso acontece a partir das experiências próprias de sucesso ou fracasso em situação escolar frente a algum conteúdo. Ao longo da atividade de ensinar e aprender do homem destacam-se três concepções de ensino: a de que o ensino é algo que vem de fora para dentro; a de que o ensino vem de dentro para fora; a de que o ensino é uma construção do conhecimento. Atualmente, entende-se que o ensino é prática ou ação social, intencional e sistemática, projetada para o alcance de determinados objetivos previamente 37 definidos que envolvem conteúdos, intermediação e avaliação, tanto do ensino quando da aprendizagem. Hoje o ato de ensinar exige do professor um olhar abrangente (holístico) de aprendizagem, com fins a compreender o mundo atual, suas demandas, relação do seu conhecimento com as demais áreas do conhecimento, o espaço, o tempo, a participação dos estudantes e a forma de se ministrar a aula. Por isso, a didática está diretamente ligada ao ato de aprender do professor, pois ele aprende quando ensina devido à especificidade de seu ofício. Ser professor nesse “atualmente” implica entender a amplitude desse papel, requer do profissional permanente qualificação e atualização em relação não somente aos conteúdos que leciona, mas também em relação ao próprio papel docente, diz Coll (1994). Ao pensar o ensino em meio ao processo educativo pode-se chegar à conclusão de que ele é o complemento único da aprendizagem, não sua antítese, sendo a aprendizagem a única resposta aceitável para qualquer trabalho didático-pedagógico. A moderna concepção de aprendizagem extrapola a mimetização do conhecimento e, por conseguinte, a pura transmissão ou assimilação, envolve por outro lado a construção de esquemas que permitam identificar e resolver desafios dentro de uma realidade específica, articulando novos saberes e práticas (PIMENTA, 1999; TARDIF, 2002). A propósito, propondo um esquema: Ensinar envolve intencionalidade; intencionalidade envolve reflexão; reflexão envolve conhecimento prévio dos alunos; esse conhecimento prévio envolve tempo; tempo envolve comprometimento com o ensino; comprometimento com o ensino envolver compromisso com o futuro da sociedade. Veja a seguir a representação desse esquema: 38 A principal premissa da didática é a organização do ensino de modo a permitir a melhoria da aprendizagem, informa UFPB (2016). A organização do ensino como trabalho consciente exige consideração do ano escolar do aluno, idade, características de seu desenvolvimento mental, as especificidades dos conteúdos, as condições e diretrizes da instituição de ensino, bem como o currículo e o sistema de avaliação adequado a tais conteúdos (COLL, 1994; PIMENTA, 1999; TARDIF, 2002, LIBÂNEO, 2008). A partir disso, várias estratégias podem ser utilizadas, propondo integrar os estudantes aos conhecimentos a serem trabalhados e acompanhá-los durante sua trajetória. Reflita Você já parou para pensar em como as aulas que ministra são iniciadas (se for professor) ou como as aulas que você assiste se iniciam (se for estudante)? Ensino Intencio- nalidade Reflexão Conheci- mentoTempo Comprome- timento Futuro da sociedade 39 Se está acompanhando esse material, e já falamos de educação e aprendizagem, temas muito importantes e complexos, já deve ter capacidade de refletir sobre isso. Por que você não começa a fazer suas anotações e analisá-las? Vai ser bem interessante criar subsídios sobre este conteúdo comparando as teorias às práticas com que tem acesso. Para concluir esta aula, importante tocarmos em dois assuntos que não podem faltar: currículo e avaliação. Certamente você os verá com maior profundidade durante outras aulas, mas é obrigatório citá-los agora, exatamente para expor a relação entre os temas. A didática pressupõe um conjunto de conteúdos e conhecimentos a serem trabalhados e de competências a serem desenvolvidas, pois é a partir deles que ela (didática) elabora os métodos para trabalhá-los. Logo, não existe didática sem conteúdos a serem trabalhados (LIBÂNEO, 2008). Esse conjunto de conteúdos e competências formam um currículo. Didática não é o currículo em si; a didática é a forma como a teoria e a prática imbricadas serão trabalhadas. Contudo, o currículo faz parte da didática. Currículo é uma construção social do conhecimento, pressupondo a sistematização dos meios para que essa construção se efetive; a transmissão dos conhecimentos e as formas de assimilá-los, portanto, [pressupõe] produção, transmissão e assimilação como processos que compõem metodologia de construção coletiva do conhecimento escolar, [que é] o currículo propriamente dito (VEIGA, 2006, p. 07). O currículo é a organização dos conteúdos em disciplinas e do tempo (VEIGA, 1991; 2006). E como indica Libâneo (2008), o currículo é um campo para projeção da didática. Dessa forma, entende-se que a relação entre didática e currículo é intrínseca e seus conceitos não podem ser separados. 40 A legislação, a sociedade e o meio social constroem os currículos, tendo cada qual sua contribuição no currículo vigente nas instituições de ensino. O que está no currículo é o que essas instâncias afirmaram ser importante aprender. O currículo vem da prática, das necessidades e da evolução dos indivíduos na sociedade, visando formação pessoal e integral. Fica evidente, para Moreira (1998), que não sendo o currículo um elemento atemporal, é que o currículo e a didática subsidiarão a prática docente do profissional reflexivo que deseja vê-los como campos a serem explorados, e que essa exploração deve ser feita com apoio dos estudantes. Leia-se apoio, pois o ensino-aprendizagem é um processo colaborativo, não um jogo de forças. É por isso que se falapor maneira sobre as relações de poder existentes na educação e nos currículos, pois por toda a história essas relações tiveram relevância na formação dos indivíduos. São muitas implicações envolta dessa relação. Saiba mais O livro “Currículo, Poder e Lutas Educacionais – com a palavra, os subalternos”, de Michael Apple e Kristen Buras, traz uma reflexão interessante a respeito do tema e de como a sociedade os encara ao longo dos tempos. Em consequência dos conteúdos a serem trabalhados e das competências a serem desenvolvidas é que se comenta sobre o estabelecimento de um sistema de avaliação condizente com ambos. Vários são os conceitos de avaliação. Normalmente eles afunilam no conceito de acompanhamento da aprendizagem, não necessariamente apoiando-se em provas, mas invariavelmente apoiando-se em desafios. Para o autor, a avaliação é uma apreciação qualitativa de dados relevantes do processo de ensino e de aprendizagem que apoia o professor nas decisões de sua prática docente (LUCKESI, 1994). 41 Cabe, logicamente, apontar a esta altura que, conforme as diretrizes e bases da educação nacional no Brasil, a avaliação do rendimento escolar deve atender a vários critérios, entre eles que “[a] avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência de aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais” (BRASIL, 1996). Devido à complexidade do tema avaliação, você terá a oportunidade de aprofundar seus conhecimentos na nossa última aula, que será exclusivamente dedicada a esse tema! Conclusão da aula Independentemente de como se entende a avaliação e de seu reflexo na formação, o sistema avaliativo apropriado ao novo modelo de escola que se reconhece atualmente exige uma avaliação significativa, assim como a aprendizagem deve ser centrada na aprendizagem qualitativa e não em desempenhos quantitativos por si só. A avaliação deve ser diagnóstica e por ser assim, capaz de dar subsídios ao professor de como auxiliar os estudantes a aprender, pois esse é o objetivo. Atividades de Aprendizagem Em nossa aula, você estudou a respeito dos diferentes tipos de pedagogia, para aprofundar seus estudos, pesquise cada uma delas e tente dar um exemplo que as caracterize. 42 Aula 4 – Teorias do conhecimento Como você já deve ter percebido, a aprendizagem pôde e foi analisada e estudada sob diferentes perspectivas. O mesmo acontece, então, com as várias teorias criadas em torno do conhecimento, consideradas concepções de educação em diferentes tempos e lugares. Se você pensar a respeito da construção do conhecimento, verá que não podemos limitar suas linhas de pensamento, pois em vários momentos há cruzamentos e convergências entre si, podendo mudar inclusive a nomenclatura dependendo da literatura. Apesar da importância relativa de cada uma delas na história e da evolução dos estudos sobre educação, torna-se crucial a reflexão de cada uma delas no cotidiano educativo, pois elas não se esgotam na teoria nem são equiparáveis, isto é, não se pode supor que uma é melhor do que a outra. Diferentes concepções de conhecimento Existem distintas concepções de conhecimento que foram delineadas ao longo dos anos. Cada uma delas apresenta suas próprias especificidades. A seguir, para sua melhor compreensão, estudaremos cada uma das principais concepções do conhecimento (MIZUKAMI, 1986; BAQUERO, 1998; SANTOS, 2005), as quais podem ser classificadas em: tradicional, comportamentalista, humanista, cognitivista e sociocultural. 43 Concepção tradicional Figura 6: Ensino de Matemática Fonte: © Public Domain Vectors (2018) A concepção tradicional de conhecimento vê a prática educativa como a transmissão de conhecimentos já constituídos do professor para os estudantes, independente dos interesses desses. O processo de educação é centrado no professor que transmite informações da realidade, abastecendo os estudantes de conteúdos atualizados, porém prontos, e prestando-lhes prescrições exteriores de como utilizá-los. Por ser rígida, exige que os padrões sejam aceitos sem grandes questionamentos ou liberdade de criação. O estudante é um mero receptor passivo de informações sem direito a grandes questionamentos, bem como suas especificidades não são consideradas durante o processo. O conhecimento parece referir-se à capacidade de reter informações cumulativamente. Concepção comportamentalista A concepção comportamentalista do conhecimento também centra sua prática no objeto de estudo, porém considera, além do conhecimento teórico, a experenciação como ferramenta capaz de fazer com que os estudantes criem 44 suas próprias descobertas, direcionando-os ao entendimento dos conteúdos, que continuam sendo prescritos por autoridades superiores. Esse modelo é desenvolvido a partir de processos pelos quais o comportamento é modelado e reforçado, visando ao desenvolvimento de habilidades. O estudante é visto aqui como um recipiente de informações e pode ser levado a um comportamento esperado. O conhecimento é baseado na experiência planejada e direcionada para esse fim, transmitindo comportamentos éticos e práticas sociais esperados. Concepção humanista A concepção humanista passa a centralidade do processo para o estudante, já pressupondo a importância da interação entre sujeito e objeto e entre os sujeitos, percebendo o estudante como autor de conhecimento a partir da sua própria atuação para qualificar seu conhecimento. O professor, sob essa ótica, é um facilitador, criando condições para a aprendizagem, respeitando a curiosidade natural dos sujeitos e aceitando que o conhecimento é algo inerente à atividade humana. É esperado do professor que ele desafie e proponha problematização, cabendo ao aluno analisar, levantar hipóteses, argumentar etc. O estudante é considerado uma pessoa situada no mundo, com potencialidades e com liberdade para desenvolver seu conhecimento e a si próprio. Concepção interacionista A concepção de conhecimento interacionista centra-se na relação entre sujeito e objeto, sendo o conhecimento decorrente da assimilação do objeto de estudo por parte do sujeito e da qualificação de suas funções mentais. Aqui, o aprendente formula novos conhecimentos a partir de uma rede individual criada progressivamente a partir das relações estabelecidas de forma orgânica. 45 O interacionismo aposta na combinação de influências ambientais, em que o indivíduo assume papel ativo, utilizando-se de significações para aprender e se desenvolver. Nessa abordagem, a aprendizagem e o desenvolvimento se mistura e se complementam, tornando o indivíduo responsável pela sua aprendizagem. Concepção sociocultural A concepção sociocultural divulga as relações entre sujeitos como o ponto alto da geração de conhecimento e da aprendizagem, pois considera que toda a cultura produzida pelos homens foi socialmente constituída e que o estabelecimento das relações sociais é o que mantém a evolução e o desenvolvimento da mente humana. O conhecimento assume um caráter amplo, não restrito à escola formal, mas acerca do mundo. A escola existe num contexto histórico da sociedade, e o sujeito se apropria da cultura a partir das suas relações e das condições de seu contexto de vida. A educação é produto contínuo e inacabada construção de conhecimento a partir da consciência crítica. Principais expoentes no campo do conhecimento Agora que você já viu as teorias de conhecimento, é chegada a hora de saber mais dos expoentes dessas teorias, que dedicaram seus estudos à criação de ideários sobre aprendizagem, desenvolvimento e educação. Obviamente, não foram os únicos, mas são dos nomes mais relevantes da área educativa. Você vaiperceber o porquê e como auxiliaram na compreensão do homem. Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778) Filósofo, Teórico e Escritor suíço, Rousseau ficou conhecido no século XVIII, momento histórico em que pais deixavam filhos sob cuidado de outras 46 pessoas com a preocupação em transformar crianças em adultos. É possível entender, por suas considerações, que o estudioso focava verdadeiramente no estudo da condição humana em relação à educação cujo fim era a apropriação de sua natureza pelo homem. Para Rousseau, as crianças eram seres superiores aos adultos devido a sua inocência natural, por essa razão, devem ter sua simplicidade respeitada, bem como devem ser estimuladas pelo adulto corporal e sensorialmente (ROUSSEAU, 1995). Ele afirmava que é crucial a observação por parte do educador da criança em condição de aprendizagem, a fim de perceber as diferentes experiências que o estão instruindo e formando seu caráter e individualidade. Rousseau (1991) também afirmou que a linguagem é um aspecto interessante do processo de construção porque ela evolui conforme a criança se desenvolve, iniciando no choro, mais primitiva, até o ponto em que atinge o domínio sobre a comunicação oral e escrita. É de Rousseau (1995) o conceito da educação negativa, em que a premissa é da educação pela natureza, em contato com plantas e animais e respeito às fases da infância, em detrimento da interferência da sociedade comum na vida do homem urbano. Burrhus Frederic Skinner (1904 — 1990) Psicólogo estadunidense, Skinner focou sua atenção nos estudos do comportamento humano, na tentativa de sistematizar as relações comportamentais do indivíduo com o ambiente mediante o que denominou de análise experimental de comportamento (SKINNER, 1938). Numa época em que se negava a existência do que não fosse físico, o estudioso propôs mudanças no estudo do comportamento humano, apresentando consequências que determinavam a probabilidade de ocorrência de determinados comportamentos, em especial os reforços positivos que os determinavam. 47 A relação do autor com a aprendizagem está no fato de que, para ele, esse processo é uma resposta possível a determinado estímulo (MOREIRA, 1995), o que parece impor na relação e no ambiente a responsabilidade de criar condições para que a aprendizagem se dê como consequência do comportamento. Jean William Fritz Piaget (1896 – 1980) Biólogo, Psicólogo e Epistemólogo suíço, Piaget acreditava que a aprendizagem apoia-se no desenvolvimento mental do indivíduo. Para ele, a aprendizagem é um processo de assimilação dos conhecimentos, o qual ocorre durante toda a vida conforme os níveis de desenvolvimento do indivíduo (tais níveis estariam relacionados à faixa etária e estágio da vida). O autor discutia as potencialidades genéticas e os processos de adaptação, assimilação e acomodação dos indivíduos em relação ao conhecimento (PIAGET, 1970). O indivíduo reage de forma constante à interação com o ambiente, o que resulta em adaptação a esse meio, a qual envolve os processos de assimilação e acomodação (PIAGET, 1970; 1976). A assimilação tem foco na apropriação de conhecimentos e habilidades por meio do ensino, em que se assimila conhecimento devido ao estudo e à relação com os objetos de conhecimento. Enquanto isso, a acomodação desse conhecimento refere-se à organização mental necessária para aprender o novo e ajustá-lo mentalmente a cada experiência de aprendizagem, acomodando-o nas estruturas cognitivas existentes. É interessante comentar que para, o autor, a inteligência seria uma adaptação em sua forma mais elevada, assim, o indivíduo mais inteligente seria aquele com maior capacidade de organização progressiva do conhecimento, adaptando-se com mais propriedade à realidade. Lev Semenovitch Vygotsky (1896 – 1934) 48 Vygotsky foi um importante teórico e Psicólogo bielo-russo. A seu respeito, cabe destacar a sua dedicação ao estudo das relações sociais e seu apoio à aprendizagem e ao desenvolvimento. Para Vygostky (2000), as relações sociais são a base de toda a natureza humana, pois é nas relações com os outros que os indivíduos aprendem, se qualificam e se desenvolvem. Nisso, a linguagem é o que faz os indivíduos se conectarem aos mais experientes, acionando processos cognitivos. As relações sociais são os gatilhos tanto para a mediação quanto para a zona de desenvolvimento proximal, que são os meios para que o indivíduo aprenda e se desenvolva. A mediação, dizia Vygotsky (1984; 1995), está relacionada à internalização necessária para a mente humana aprender. Por meio da relação com outras pessoas mais competentes em determinado assunto, o aprendente internaliza os conhecimentos e os processa, aprendendo. A internalização consiste em um processo de conversão dos conhecimentos de uma esfera social para a individual. A esse conceito soma-se o uso de instrumentos materiais (objetos) e os psicológicos (atividades psíquicas) que podem subsidiar a aprendizagem. Respectivamente, são exemplos: os instrumentos para cortar uma árvore; fazer comida ou caçar; e as atividades de memorização, comparação, atenção e decisão, os quais podem apoiar esse processo. Enquanto isso, ele (VYGOTSKY, 1984) apresentava seu conceito de zona de desenvolvimento proximal (ZDP), local em que se encontram os conhecimentos não amadurecidos, cujo amadurecimento depende do auxílio de alguém mais competente, fazendo a mediação. Dizia o autor que “o que a criança pode fazer hoje com o auxílio dos adultos poderá fazê-lo amanhã por si só” (p. 113). Ele acreditava, fazendo analogias, que o conhecimento não amadurecido corresponde a brotos de flores que apresentam potencial de ir desabrochando por meio do auxílio externo. 49 Jerome Seymour Bruner (1915 – 2016) Professor e Psicólogo estadunidense, Bruner ocupava-se de discutir o processamento da informação, a organização mental do conhecimento, o raciocínio e a tomada de decisão. Para ele (BRUNER, 1991), a aprendizagem está mais para um processo interno e mediado cognitivamente por outrem do que um resultado da relação natural com o ambiente. Sobre essa mediação, Bruner (1985) por sua vez, comentava que o auxílio externo pode ser comparado a um andaime, levando a criança do momento em que ela precisa de assistência até o momento em que se torna capaz de realizar a atividade sozinha e, posteriormente, à transferência subsequente do que foi aprendido. Ao mesmo passo que alertava para a valorização do potencial do indivíduo por parte do educador (idem), pois de outra forma a interação entre educador e aprendente seria referente a uma repetição sem sentido para ambos, não dando espaço para a curiosidade e descoberta. Estando os processos de aprendizagem individuais apoiados nos momentos de desenvolvimento dos indivíduos, é importante registrar que este método não visa a ser estruturado, dando espaço a questionamentos e situações particulares. Jacques Lucien Jean Delors (1925) Economista e Político francês Delors trata em suas considerações dos pilares de uma educação de qualidade para o século XXI e com o compromisso com essa educação, pois a educação só cumprirá sua finalidade quando representar fonte de saber, ser efetivamente espaço de aprendizagem e constituir-se como lugar de cultura e estudo aberto aos indivíduos (DELORS et al, 2000). Ele traz à reflexão as quatro aprendizagens que seriam fundamentais: o aprender a conhecer indicando o interesse e abertura para o novo conhecimento; o aprender a fazer relacionado às dificuldades e encantos de executar e enfrentar os desafios da prática; o aprender a conviver com os outros e com suas 50 diferenças com respeito; e, por último, o aprender a ser, mais complexo e profundo, relacionado ao papel social, cidadão, fraterno que representao objetivo primordial da vida, viver. Principais educadores brasileiros reconhecidos por suas concepções de conhecimento Como você vai ver a seguir, não só os autores estrangeiros viraram referenciais para a área do conhecimento. No Brasil, temos importantes nomes, e que, através de seus estudos, deixaram suas marcas na história da educação mundial. Veja a seguir alguns deles. Hugo Assman (1933 – 2008) Fonte: © Wikimedia Commons (2018) Teólogo Católico brasileiro, Assman tratava do ato de reencantar a educação. Posto isso, discutia técnicas, metodologias e práticas criativas capazes de despertar curiosidade e motivações positivas nos pares do processo (ASSMAN, 2001), bem como questionou o papel do educador como pessoa que entusiasma os aprendentes a se encantarem pelo processo de aprender. Graças à obrigatoriedade de domínio de determinados assuntos, a educação promove mecanicamente de inclusão/exclusão e parece eximir os pares da relação que movimenta o processo de aprendizagem em função do conhecimento social valoroso. 51 Para ele, as experiências sensoriais e a prática da liberdade são capazes de dinamizar e torna prazerosos os processos de educar e de aprender, mesmo que comprometidos com o que é formal e necessário à educação dos indivíduos. Paulo Freire (1921 – 1997) Fonte: © Wikimedia Commons (2018) E, por fim, você já deve ter ouvido falar de Freire. De todos, talvez esse seja o nome mais comum para quem inicia seus estudos em educação. Defensor da educação como instrumento para transformação da realidade por meio da ação do homem, porque Freire (1988) acreditava, inclusive, que o homem que entende e muda a realidade pode continuar transformando-a. O educador falava de autonomia, prática educativa e visão de mundo, além de características, para ele, inerentes ao ensino e à aprendizagem, como curiosidade, competência, generosidade e tolerância, entre tantas características humanas que se pode exercer na ação de educar. Seu “método de alfabetização de adultos”, chamado de “Método Paulo Freire”, foi parte de um projeto revolucionário de alfabetização, iniciado no Brasil na década de 1960, expandindo-se para outros países da América Latina, o que o tornaria conhecido mundialmente. Reconhecendo o trabalho do estudioso na área e a importância da literatura que ele nos deixou, cabe ressaltar duas de suas obras, as quais apresentam um ideário largamente utilizado na contemporaneidade, dada sua aplicabilidade: Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 1987) e Pedagogia da Autonomia (FREIRE, 1996). 52 A primeira obra fala da educação como prática de liberdade, da comunhão dos homens em prol de libertação, dos reflexos do que se denominou de educação bancária – de forma resumida, como se o professor apenas depositasse o conteúdo no aprendente, das vantagens da educação problematizadora e da aprendizagem colaborativa e mediatizada pelo mundo e da ação cultural que pode ser tanto uma ferramenta opressora como um compromisso com a libertação do homem. A segunda obra diz respeito à relação do docente com o discente, engrandecendo a importância da reflexão crítica sobre a prática, retoma a necessidade de rever o ensino como mera transferência de conhecimento e o reconhecimento da educação como algo ideológico. Conclusão da aula As diferentes teorias do conhecimento acompanharam o fluxo da história da educação, seus avanços e tropeços. Ao longo dos séculos pensadores da educação desenvolveram teorias que acreditavam ser a melhor para determinado grupo de sujeitos. Com o passar dos anos, essas teorias foram sendo ressignificadas e repensadas a fim de entender um público cada vez mais específico. Hoje, você pôde entender um pouquinho de cada uma delas, bem como suas principais contribuições para a educação e, consequentemente, para a disciplina de Didática. Atividades de Aprendizagem Paulo Freire, defensor ferrenho da educação como instrumento para transformação da realidade por meio da ação do homem, acreditava que o homem que entende e muda a realidade pode continuar transformando-a. Suas principais bases epistemológicas estavam baseadas na autonomia, na prática educativa e na visão de mundo. Toda a sua obra foi dedicada a uma pedagogia libertaria, voltada para as classes oprimidas. 53 Pesquise a respeito do seu revolucionário “método de alfabetização de adultos”, também chamado de “Método Paulo Freire”. A partir de sua pesquisa, procure listar algumas das principais características do método que o deixou conhecido no mundo inteiro. 54 Aula 5 – Currículo Escolar, Projeto Político Pedagógico e Planejamento Você já refletiu até agora sobre educação, aprendizagem, conhecimento e história da didática. Agora é a hora de falarmos sobre projeto político pedagógico, planejamento escolar, currículo e didática. Em seguida, você verá que a educação é ainda mais complexa do que conseguimos perceber em sala de aula. Figura 7: Alunos durante atividade em aula Fonte: © Flickr (2018) Projeto político-pedagógico Segundo Veiga (2006), a escola é lugar de concepção, realização e constante avaliação dos projetos educativos, contudo, seu projeto político- pedagógico deve assumir suas responsabilidades, contemplando mais do que planos de ensino e atividades, mas pressupondo experiências enriquecedoras a 55 todos seus envolvidos que objetivem a formação crítica e responsável do cidadão para a sociedade. Importante Um projeto escolar, nesse sentido, é uma direção que norteia um compromisso com a evolução da coletividade. Por essa razão, deve estar articulado ao compromisso sociopolítico e aos interesses reais da população. O projeto político-pedagógico pode ser entendido como a própria organização do trabalho da escola (VEIGA, 1991). Dessa forma, a construção do projeto é coalizão de princípios e práticas contraditórias que intenta a acomodação de todos os envolvidos na ação pedagógica, indica Martins (2009). Sua construção comumente representa instrumento de luta contra os efeitos negativos da padronização do trabalho pedagógico que não considera os espaços e realidades dos envolvidos. Para a autora, essa construção deve entender a finalidade da escola, sua estrutura, seu currículo, o tempo escolar, o processo de decisão, as relações de trabalho e a avaliação dos processos. Por constituir-se em um processo de decisões democráticas, um projeto político-pedagógico deve se preocupar em superar conflitos, rompendo com a rotina racionalizada da burocracia que permeia as relações internas da escola, diminuindo os efeitos da divisão do trabalho que reforça as diferenças sociais, registra Veiga (1989). Essa preocupação reflete na organização do trabalho pedagógico, não somente na organização da escola, mas também da sala de aula, considerando suas relações com o contexto social imediato. Isso implica uma mudança substancial em que a organização não parta somente de órgãos superiores. Você deve perceber que, se os projetos políticos-pedagógicos se abastecem da vivência cotidiana, seus membros e órgãos competentes não devem trabalhar para definir currículos prontos, mas, pelo contrário, devem estimular inovações e coordenar ações organizadas pelas escolas. 56 Contudo, para alcançar a nova organização que faça jus às necessidades da comunidade escolar, ideia que por si só parece uma ousadia para a área de educação, é necessário referencial que dê fundamentação a essa construção. Posto isso, você será conduzido agora à discussão sobre planejamento escolar. Planejamento escolar Fonte: © Pixabay (2017) Como o termo planejamento não é oriundo da educação, e sim da administração, parece justo ao falarmos de planejamento
Compartilhar