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Montes Claros/MG - 2012 Marcos Nicolau Santos da Silva Walfrido Martins Neto Geografia Cultural EDITORA UNIMONTES Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro s/n - Vila Mauricéia - Montes Claros (MG) Caixa Postal: 126 - CEP: 39.401-089 - Telefone: (38) 3229-8214 www.unimontes.br / editora@unimontes.br CATALOGADO PELA DIRETORIA DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÕES (DDI) - UNIMONTES Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) © - EDITORA UNIMONTES - 2012 Universidade Estadual de Montes Claros REITOR João dos Reis Canela VICE-REITORA Maria Ivete Soares de Almeida DIRETOR DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÕES Huagner Cardoso da Silva EDITORA UNIMONTES Conselho Editorial Prof. Silvio Guimarães – Medicina. Unimontes. Prof. Hercílio Mertelli – Odontologia. Unimontes. Prof. Humberto Guido – Filosofia. UFU. Profª Maria Geralda Almeida. UFG Prof. Luis Jobim – UERJ. Prof. Manuel Sarmento – Minho – Portugal. Prof. Fernando Verdú Pascoal. Valencia – Espanha. Prof. Antônio Alvimar Souza - Unimontes Prof. Fernando Lolas Stepke. – Univ. Chile. Prof. José Geraldo de Freitas Drumond – Unimontes. Profª Rita de Cássia Silva Dionísio. Letras – Unimontes. Profª Maisa Tavares de Souza Leite. Enfermagem – Unimontes. Profª Siomara A. Silva – Educação Física. UFOP. REVISÃO LINGUÍSTICA Ângela Heloiza Buxton Arlete Ribeiro Nepomuceno Aurinete Barbosa Tiago Carla Roselma Athayde Moraes Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização escrita do Editor. Luci Kikuchi Veloso Maria Cristina Ruas de Abreu Maia Maria Lêda Clementino Marques Ubiratan da Silva Meireles REVISÃO TÉCNICA Admilson Eustáquio Prates Cláudia de Jesus Maia Josiane Santos Brant Karen Tôrres Corrêa Lafetá de Almeida Káthia Silva Gomes Marcos Henrique de Oliveira DESIGN EDITORIAL E CONTROLE DE PRODUÇÃO DE CONTEÚDO Andréia Santos Dias Camilla Maria Silva Rodrigues Clésio Robert Almeida Caldeira Fernando Guilherme Veloso Queiroz Francielly Sousa e Silva Hugo Daniel Duarte Silva Marcos Aurélio de Almeida e Maia Patrícia Fernanda Heliodoro dos Santos Sanzio Mendonça Henriques Tatiane Fernandes Pinheiro Tátylla Ap. Pimenta Faria Vinícius Antônio Alencar Batista Wendell Brito Mineiro Zilmar Santos Cardoso S586g Silva, Marcos Nicolau Santos da. Geografia cultural / Marcos Nicolau Santos da Silva, Walfrido Martins Neto. – Montes Claros : Unimontes, 2012. 58 p. : il. color. ; 21 x 30 cm. Caderno didático do Curso de Geografia da Universidade Aberta do Brasil - UAB/Unimontes. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7739-198-1 1. Ensino superior. 2. Geografia humana. 3. Cultura. I. Martins Neto, Walfrido. II. Universidade Aberta do Brasil - UAB. III. Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes. IV. Título. CDD 378.007 Chefe do Departamento de Ciências Biológicas Guilherme Victor Nippes Pereira Chefe do Departamento de Ciências Sociais Maria da Luz Alves Ferreira Chefe do Departamento de Geociências Guilherme Augusto Guimarães Oliveira Chefe do Departamento de História Donizette Lima do Nascimento Chefe do Departamento de Comunicação e Letras Ana Cristina Santos Peixoto Chefe do Departamento de Educação Andréa Lafetá de Melo Franco Coordenadora do Curso a Distância de Artes Visuais Maria Elvira Curty Romero Christoff Coordenador do Curso a Distância de Ciências Biológicas Afrânio Farias de Melo Junior Coordenadora do Curso a Distância de Ciências Sociais Cláudia Regina Santos de Almeida Coordenadora do Curso a Distância de Geografia Janete Aparecida Gomes Zuba Coordenadora do Curso a Distância de História Jonice dos Reis Procópio Coordenadora do Curso a Distância de Letras/Espanhol Orlanda Miranda Santos Coordenadora do Curso a Distância de Letras/Inglês Hejaine de Oliveira Fonseca Coordenadora do Curso a Distância de Letras/Português Ana Cristina Santos Peixoto Coordenadora do Curso a Distância de Pedagogia Maria Narduce da Silva Ministro da Educação Fernando Haddad Presidente Geral da CAPES Jorge Almeida Guimarães Diretor de Educação a Distância da CAPES João Carlos Teatini de Souza Clímaco Governador do Estado de Minas Gerais Antônio Augusto Junho Anastasia Vice-Governador do Estado de Minas Gerais Alberto Pinto Coelho Júnior Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Nárcio Rodrigues Reitor da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes João dos Reis Canela Vice-Reitora da Unimontes Maria Ivete Soares de Almeida Pró-Reitora de Ensino Anete Marília Pereira Diretor do Centro de Educação a Distância Jânio Marques Dias Coordenadora da UAB/Unimontes Maria Ângela Lopes Dumont Macedo Coordenadora Adjunta da UAB/Unimontes Betânia Maria Araújo Passos Diretor do Centro de Ciências Humanas - CCH Antônio Wagner Veloso Rocha Diretora do Centro de Ciências Biológicas da Saúde - CCBS Maria das Mercês Borem Correa Machado Diretor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas - CCSA Paulo Cesar Mendes Barbosa Chefe do Departamento de Artes Maristela Cardoso Freitas Autores Marcos Nicolau Santos Silva Graduado em Geografia pela Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes –, especialista em Docência do Ensino Superior e Gestão em Meio Ambiente e Saúde Pública pelo Instituto Superior de Educação Ibituruna – ISEIB – e mestre em Geografia pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Membro do Grupo de Pesquisa Terra e Sociedade – Núcleo de Estudos em Geografia Agrária, Agricultura Familiar e Cultura Camponesa, IGC/UFMG. Professor conteudista do curso de Licenciatura em Geografia – UAB/Unimontes – e professor orientador do Programa de Formação Continuada em Mídias na Educação – Unimontes. Walfrido Martins Neto Graduado em Geografia pela Universidade Estadual de Montes Claros/MG – Unimontes –, especialista em Geografia e Gestão Ambiental e mestre em Turismo e Meio Ambiente pelo Centro Universitário UNA/BH/MG. Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em Geografia e Turismo. Professor do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Montes Claros. Sumário Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9 Unidade 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 Introdução à geografia cultural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.1 Introdução - Geografia e cultura: a inter-relação dos dois termos. . . . . . . . . . . . . . . . . .11 1.2 A trajetória cultural (histórico) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .12 1.3 A Geografia Cultural no Brasil. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .14 1.4 O conceito de cultura popular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .15 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .16 Unidade 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .19 A composição dos espaços: as práticas da geografia cultural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .19 2.1 A compreensão das categorias geográficas na Geografia Cultural. . . . . . . . . . . . . . . . .19 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .24 Unidade 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27 A geografia cultural e as etnogeografias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27 3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27 3.2 A etnogeografia:o método da Geografia Cultural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .27 3.3 Geografia Cultural e trabalho de campo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .42 Referências. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .53 Referências básicas, complementares e suplementares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .55 Atividades de Aprendizagem - AA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .57 9 Geografia - Geografia Cultural Apresentação Caro(a) acadêmico(a): Compreender as diferentes culturas que permeiam os territórios e, consequentemente, os costumes que os caracterizam é de suma importância para um entendimento mais apurado so- bre a ciência geográfica e seu inter-relacionamento com aspectos culturais dos povos em geral. Nessa medida, esse material didático da disciplina Geografia Cultural para o 7º período do curso de graduação em Geografia vem favorecer o enriquecimento e contribuir no processo de construção de conhecimento e obtenção de uma maior criticidade no conteúdo explorado, que é a essência e exigência da grade curricular do curso de Geografia. A disciplina Geografia Cultural possui uma carga horária de 75 horas/aulas e está pautada nos seguintes objetivos: • Analisar a trajetória da Geografia Cultural e a influência das escolas alemã, francesa e norte- -americana no desenvolvimento de seus estudos teórico e epistemológico; • Identificar a relação entre Geografia e cultura e entre cultura de massa e cultura popular; • Entender o estudo das categorias geográficas à luz da abordagem cultural; • Conhecer e praticar o método da Geografia Cultural: a etnogeografia; • Compreender as diversas práticas de campo em Geografia Cultural. O conteúdo deste caderno didático está organizado em três unidades para que você possa entender a trajetória da Geografia Cultural, as categorias geográficas e a abordagem cultural, o método e algumas dicas de trabalho de campo dessa disciplina. Na primeira unidade, começamos traçando uma relação entre Geografia e cultura, na qual procuramos mostrar a raiz etimológica do termo “cultura” e o interesse dos geógrafos pelos es- tudos culturais. Destacamos a trajetória histórica da Geografia Cultural, seus principais precur- sores e as características de cada escola na tradição dos estudos culturais em Geografia: escola alemã, escola francesa e escola norte-americana. Em seguida, fizemos um rápido retrospecto da trajetória da Geografia Cultural brasileira e discutimos o conceito de cultura popular, que é um termo muito importante para compreendermos a Geografia Cultural, visto que boa parte dos es- tudos culturais no mundo hoje, o foco principal têm sido os estudos, pesquisas e a busca do en- tendimento do que é a cultura popular. Na segunda unidade, procuramos apresentar a você, acadêmico (a), de forma breve, que a dimensão cultural está presente em todas as principais categorias de análise da Geografia: espa- ço, paisagem, lugar, região e território. Com isso, podemos interpretar as manifestações da cul- tura no espaço a partir do olhar ou da abordagem teórico-metodológica de qualquer uma das categorias geográficas. Na terceira unidade, fazemos uma revisão teórico-metodológica da Geografia Cultural, buscando mostrar a influência das correntes paradigmáticas no seu desenvolvimento como um ramo da Geografia. Mostramos também a relação interdisciplinar da Geografia Cultural com ou- tras áreas do conhecimento, principalmente a Antropologia. Sobretudo, a partir da etnografia, temos a principal contribuição para definirmos o método mais importante da Geografia Cultu- ral – a etnogeografia. Por fim, discutimos e sugerimos outros métodos e práticas de trabalho de campo que podem ser aplicadas nos estudos culturais em Geografia. Neste material, você também vai encontrar dicas e sugestões para ampliar a leitura. Apro- veite nossas dicas e nossas referências utilizadas para enriquecer mais a aprendizagem da disci- plina. Bons estudos! Os autores. 11 Geografia - Geografia Cultural UNIDADE 1 Introdução à geografia cultural Prezado (a) acadêmico (a), começamos nosso estudo com a distinção entre o termo “cul- tura” e a ciência geográfica. Como eles se entrelaçam e se autocompletam, em uma rede de conhecimentos essenciais para o entendimento do espaço (geográfico) e a inserção da ação humana, criam, assim, o território, onde ocorrem os vários acontecimentos culturais e suas in- terfaces, tão importantes para o desenvolvimento humano das sociedades. 1.1 Introdução - Geografia e cultura: a inter-relação dos dois termos Para entendermos o conceito de “Geografia Cultural”, é necessário, primeiramente, saber e entender a concepção de cultura, que tem uma significância muito marcante na construção do território pela ação antrópica, e que é, segundo Claval (2001, p. 63): [...] a soma dos comportamentos, dos saberes, das técnicas, dos conheci- mentos e dos valores acumulados pelos indivíduos, durante suas vidas e, em outra escala, pelo conjunto dos grupos que fazem parte. A cultura é herança transmitida de uma geração a outra. Ela tem suas raízes num passado lon- gínquo, que mergulha no território onde seus mortos são enterrados e onde seus deuses se manifestam. Ainda de acordo com Laraia (2008), podemos definir o termo cultura a partir da sua ori- gem etimológica – a qual remonta ao final do século XVIII e início do século XIX o termo ger- mânico Kultur –, utilizado para simbolizar os aspectos espirituais de uma comunidade. Já a pa- lavra francesa civilization referia-se principalmente às realizações materiais de um povo – suas realizações / construções (arquitetônicas, na paisagem, etc.) ao longo dos tempos. Ambos os termos citados anteriormente foram resumidos por Tylor no vocábulo inglês Culture que “[...] tomado em seu sentido etnográfico é este todo complexo que inclui conheci- mentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiri- dos pelo homem como membro de uma sociedade” (TYLOR, apud LARAIA, 2008, p. 37). Compreendemos, então, que, na cultura e nas ações antrópicas / humanas praticadas no espaço, por ser certo tipo de “herança”, o território é moldado a partir do legado cultural que as sociedades possuem. Ou seja, para haver a interação entre Cultura e Geografia, a mutação delas, bem como a dinamicidade, deve ocorrer a todo momento, como afirma Claval: A cultura que interessa aos geógrafos é, pois, primeiramente constituída pelo conjunto de artefatos, do know-how e dos conhecimentos, através dos quais os homens mediatizam suas relações com o meio natural [...]. As culturas são realidades mutáveis (CLAVAL, 2001, p 12). Dessa forma, a Geografia Cultural lança mão, por exemplo, do conceito de território (que será discutido mais adiante), cultura e espaço antrópico/geográfico para formalizar a conceitu- ação dos seus termos, o que é muito importante para o seu entendimento. PARA SABER MAIS Para um aprofunda- mento em relação ao termo trabalhado por Laraia, sugerimos a lei- tura do livro: “Cultura: um conceito antropo- lógico”, no qual o autor afirma que todos os aspectos da vida huma- na, moderna ou não, são construções cultu- rais, de forte influência no seu cotidiano. LER: LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropo- lógico. 22 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008. Artigo relacionado ao tema: Disponível em: <www.ubiius.kit.net>. Acesso em: 15 out. de 2011. 12 UAB/Unimontes - 7º Período BOX 1 Atente-se para a conceituação que Claval defende sobre a “construção humana no terri- tório” e a significância que isso pode ocasionar.Uma outra autora que explicita isso de forma magistral, com pinceladas na arquitetura, é Choay (2006) em “A Alegoria do Patrimônio”. Nes- te livro, ela se refere às construções humanas, saberes e conhecimentos das sociedades como “Patrimônios”/ “Monumentos”, importantes para o desenvolvimento humano e físico das na- ções. Segundo ela, a origem da expressão patrimônio cultural deriva dos termos monumento e monumento histórico. O sentido original do termo é o do latim monumentum, que deriva da palavra monere, que significa trazer à lembrança, estando carregada de uma função me- morial, cuja essência residiria na natureza afetiva que envolveria determinada construção. O monumento está fortemente relacionado com o passado vivido e a memória, contribuindo, dessa forma, para a preservação da identidade de uma comunidade étnica, religiosa, tribal, nacional (CHOAY, 2006, p. 18). Fonte: CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. 3. ed. São Paulo: Estação Liberdade: UNESP, 2006. 1.2 A trajetória cultural (histórico) No sentido lato sensu, a Geografia nasceu para descrever a Terra e assinalar sua diversidade. Nesse sentido, a cultura vem com uma proposta de dinamizar o espaço, que é o objeto de estu- do da Geografia, através da inserção de aspectos antrópicos. A Geografia Cultural, com seu sentido humanitário aflorado, busca, através dos legados cul- turais das sociedades, o entrelaçamento entre os aspectos físicos e humanos da ciência geográ- Figura 1: Patrimônio Mundial da Humanidade (Paisagem Cultural) – ‘Herança Cultural’ (considerada pela UNESCO uma das Sete Maravilhas do Mundo). Fonte: Disponível em: <http://www.homeaway. pt>. Acesso em: 29 jul. de 2011. ▼ 13 Geografia - Geografia Cultural fica. É válido, então, conhecer um pouco sobre a história desse ramo da Geografia e a evolução das civilizações desde a antiguidade até os tempos atuais. No fim do século XVIII, com o surgimento de novas indagações sobre a existência e o apara- to de maquinário até então disponível, as sociedades humanas, em especial, um nicho específi- co, com uma detenção de aptidões intelectuais mais desenvolvidas, começaram até então ques- tionamentos que tinham objetivos concretos, como, por exemplo: Em que medida o destino dos povos está ligado ao país onde estão instalados? Há influência deste (território/país) sobre os ho- mens? Ou ainda: Há harmonia sutil entre a ordem natural e a ordem social? Sob o efeito da Revolução Darwiniana, começa-se a conceder uma atenção particular às re- lações entre os grupos humanos e o meio. É válida uma análise minuciosa não só de autores, como também das escolas fundadas por eles, os quais são considerados como o marco inicial da cientificidade da Geografia Cultural. QUADRO 1 As ‘Escolas’ da Geografia Cultural* Escolas Precursor (es) Principais Características Escola Alemã Ratzel/ Schutler * Ratzel forja o termo antropogeografia; * Schutler aprofunda seus estudos sobre a ‘paisa- gem cultural’. Escola Francesa La Blache La Blache se debruça na ‘Geografia Humana’ afir- mando: ‘A Geografia é a ciência dos lugares, não dos homens’. Escola Norte-americana Sauer Inicia seus estudos em Geografia Cultural na escola de Berkeley (1920-1930) afirmando que a cultura é uma entidade acima do homem. Fonte: Elaboração de Walfrido Martins Neto. A seguir, os termos das escolas da Geografia Cultural serão mais bem detalhados: A Escola Alemã • Segundo Ratzel, a ‘antropogeografia’ é definida a partir de três princípios básicos, a saber: 1º Descrição das áreas onde vivem os homens e, por conseguinte, mapeia-os; 2º Estabelecimento das causas geográficas da ‘repartição’ dos homens na superfície terrestre; 3º Definição da influência da natureza sobre os corpos e espíritos dos homens. • Para Ratzel, a cultura é o fator-chave da Geografia Humana e reflete as relações que os ho- mens tecem com o seu ambiente; e os problemas que nascem de sua mobilidade depen- dem das técnicas que dominam. • Um dos discípulos de Ratzel foi Schutler, que se aprofundou nos estudos sobre a paisagem, considerando-a como um resultado das ações do meio natural e também de ações realiza- das por ações antrópicas (homens). A Escola Francesa Com Vidal de La Blache, há o aprofundamento dos estudos sobre as influências do meio nas sociedades humanas, bem como diferenciação entre os seres humanos e os outros animais, des- tacando-o pelo seu intelecto em saber criar estruturas capazes de constituir sua adaptabilidade no meio em que se está inserido. Os instrumentos disponíveis e utilizados pelos homens variam: são mais complexos e efica- zes em alguns lugares; e mais rudimentares e menos adaptados em outros. ATIVIDADE Diante do explicitado e de acordo com os preceitos da Geografia Cultural e as diversas conceituações que levaram vários autores a definirem cultura, discorra, brevemente, sobre a definição de cultura para a Geo- grafia. Essa atividade objetiva e proporcio- nar-lhes uma maior assimilação do termo “cultura”. GLOSSÁRIO Revolução Darwinia- na: tem-se, a partir do entendimento desse termo, a ideia de que as espécies humanas modificam-se ao longo dos tempos. Analisam- -se, assim, as perspec- tivas evolutivas para o entendimento do comportamento social humano. Para uma análise profunda, sugerimos a leitura do artigo sobre a “Sociologia Evolu- cionista”, da Revista Brasileira de Ciências Sociais. Disponível em: <www.scielo.br>. 14 UAB/Unimontes - 7º Período BOX 2 A adaptabilidade do ser humano e/ou do grupo social no meio em que está inserido de- pende, segundo La Blache (1845-1918): das técnicas produtivas e da possibilidade de inventar novas técnicas; das técnicas de transporte e da possibilidade de desenvolver trocas com grupos vivendo em outros meio ambientes; dos hábitos do grupo. Fonte: CLAVAL, Paul. A contribuição francesa ao desenvolvimento da abordagem cultural na geografia. In: CORRÊA, Roberto Lobato, ROSENDAHL, Zeny (org.). Introdução à Geografia Cultural. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. A Escola Norte-Americana • Sauer foi a figura hegemônica na geografia cultural americana; • Foi precursor de temas como a ecologia/história ambiental (onde o ambiente possui fortes influências sobre as ações antrópicas); – o que foi um grande auxílio nas pesquisas sobre a Geografia Histórica; • Houve a difusão de artefatos, ideias dos homens e a sua percepção cultural da paisagem. 1.3 A Geografia Cultural no Brasil O pluralismo cultural do território e dos povos que habitam terras brasileiras ocorre devido há um excelente campo de pesqui- sa para os estudos da Geografia Cultural que teve seu ápice na década de 1990, com a consolidação do NEPEC (Núcleo de Estu- dos sobre Espaço e Cultura), criado em 1993 pelo Departamento de Geografia da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), e o posterior lançamento do seu periódico tão alardeado e cultuado cientificamente no país – Espaço e Cultura – confeccionado em 1995. Desde os primórdios do surgimento e reconhecimento do curso de Geografia como ciência de fato, no Brasil, em meados da década de 1930 (mais especificamente em 1934), na USP, houve a necessidade de aprimorar e aprofundar nos estudos sobre a cultura do país – pela sua heterogeneida- de e complexidade combinação de elemen- tos que forneciam a identidade regional (de acordo com a escola francesa da geografia). O reconhecimento, a implantação e a concretização da Geografia Cultural como um ramo importantíssimo de estudos da ciência geográfica surgiram com o avan- ço dos estudos na área da Geografia, bem como com a organização de congressos e encontros, que aumentava a cientificida- de e explicitava o dinamismo de culturas diversas(pois esses encontros reuniam apro- ximadamente 3.000 pessoas de todos os lugares). A “implantação científica” da Ge- ografia Cultural no Brasil veio se fortalecer com as contribuições teóricas de geógra- fos europeus e norte-americanos, entre os quais podemoscitar Sauer e seus discípu- los Claval e Cosgrove. PARA SABER MAIS Para um maior aprofun- damento das idéias e dos dizeres sobre a Es- cola Norte-Americana e seus pensadores, prin- cipalmente de Sauer, leia um item específico do livro Introdução à Geografia Cultural de Roberto Lobato Corrêa e Zeny Rosendahl – Introdução à Geografia Cultural; e também um artigo disponibilizado na internet: A Geogra- fia Histórico-Cultural da Escola de Berkeley – um precursor ao surgimento da História Ambiental. Fonte: DUNCAN, James S. O supra-orgânico na geografia cultural americana. In: CORRÊA, Roberto Lobato, RO- SENDAHL, Zeny (org.). Introdução à Geografia Cultural. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. A Geografia Histórico- -Cultural da Escola de Berkeley – um precur- sor ao surgimento da História Ambiental. Disponível em <http:// www.scielo.br>. Acesso em: 30 ago. 2011. ATIVIDADE O ideário das três principais escolas que compõem a Geografia Cultural está disposto e explicado anteriormen- te. Agora, com a ajuda do seu tutor e com as leituras realizadas no item 1.2, discorra, brevemente, sobre as principais característi- cas dessas escolas. Em seguida, converse com seu tutor sobre a postagem da atividade proposta na plataforma do curso. Figura 2: Capa da 1ª edição do periódico científico ‘Espaço e Cultura’, produzido pela NEPEC em 1995. Fonte: Disponível em: <http://www.nepec.com. br>. Acesso em: 28 ago. 2011. ► 15 Geografia - Geografia Cultural 1.4 O conceito de cultura popular O conceito de cultura e, consequentemente, o de “cultura popular” se autocompletam e são manifestações do cotidiano das sociedades envolvidas. Para compreender a conceituação cultural que é intrínseca às sociedades ou aos grupos de pessoas, é primordial saber que a cultura, especificamente a popular, surgiu a partir do momen- to em que surge também a compreensão do que é o “meio ambiente cultural”, o qual compreen- de, além dos recursos ambientais como o solo, a água, a flora, as diversas criações humanas, que se traduzem em variadas obras, das mais diversas naturezas, como os imóveis históricos, as obras de arte, os saberes, as línguas, enfim, tudo o que possa vir a contribuir para o bem-estar humano. Esses bens são construídos pelo homem para seu próprio usufruto e para manter a preservação da sua identidade. BOX 3 Para uma visão mais ampla e específica sobre o conceito de cultura e cultura popular, atentar-se para os dizeres de Sauer, para quem a cultura é o resultado da capacidade de os seres humanos se comunicarem entre si por meio de símbolos. Quando as pessoas parecem pensar e agir similarmente, elas o fazem porque vivem, trabalham e conversam juntas, apren- dem com os mesmos companheiros e mestres, tagarelam sobre os mesmos acontecimentos, questões e personalidades, observam ao seu redor, atribuem o mesmo significado aos obje- tos feitos pelo homem, participam dos mesmos rituais e recordam o mesmo passado (SAUER, 2003, p. 28). Fonte: SAUER, Carl O. Geografia Cultural. In: CORRÊA, Roberto Lobato; ROSENDAHL, Zeny (org.). Introdução à Geografia Cultural. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. Nessa perspectiva, cultura pode ser compreendida como um padrão de significados transmiti- dos historicamente, traduzindo-se na forma identitária das sociedades, e como estas se organizam ao longo do tempo através das diversas manifestações culturais promovidas no seu espaço de vi- vência. A sua preservação depende da valorização das pessoas envolvidas em manter e conservar as tradições; afinal, a preservação revela a memória, a identidade e o valor de uma sociedade. Ainda em relação à cultura, mesmo que interaja fortemente com o termo/conceito de “cultura popular”, pode-se notar uma diferenciação, principalmente social entre as duas. A cultura popu- lar, negligenciada pela Geografia brasileira durante muito tempo, mas, mesmo assim, constituindo uma importante temática para a inteligibilidade do território em que ela está “atingindo”, opõe-se visivelmente à cultura mais generalizada, massificada e, em resumo, à cultura hegemônica. Enquanto a cultura, por assim dizer “Popular”, tem um “nicho”, um grupo social bem espe- cífico que a envolve, que valoriza coisas correntes, do dia-a-dia, transpondo manifestações fol- clóricas que evocam ao tradicionalismo, que, muitas vezes, não são valorizadas pela “Cultura de Massa”, a qual preza mais pelo imediatismo das manifestações culturais e pelo consumismo capi- talista desenfreado, de todos os tipos, que acabam por se tornarem limítrofes, fugazes e fadados ao esquecimento. PARA SABER MAIS Leia o artigo sobre a Geografia Cultural no Brasil, de Roberto Lo- bato de Corrêa e Zeny Rosendahl. Ambos são professores da Univer- sidade Estadual do Rio de Janeiro, considera- da um dos “templos sagrados” da Geografia Cultural. Vale assinalar que esse artigo fornece detalhes importantes desde a gênese dessa ciência, passando pela sua negligência no território nacional, até a culminância sobre a importância de se estudar a fundo essa ciência. Fonte: CORRÊA, Roberto Lobato de; ROSENDAHL, Zeny. A Geografia Cultural no Brasil (artigo). Disponí- vel em: <http://www. anpege.org.br>. Acesso em: 2 set. 2011. Reinaldo Dias, no seu li- vro intitulado “Turismo e Patrimônio Cultural”, pesquisa a fundo esse tema, os impactos que este provoca nas socie- dades, como é tratada a questão da preser- vação, principalmente dos patrimônios cultu- rais (que é um conceito bem trabalhado por ele), inserindo também a atividade turística. VER: DIAS, Reinaldo. Turismo e patrimônio cultural – recursos que acompanham o cresci- mento das cidades. São Paulo: Saraiva, 2006. Acesse também um ar- tigo relacionado a esse tema. Disponível em: <www.uepb.edu.br>. ◄ Figura 3: Círio de Nossa Senhora de Nazaré - grande festa religiosa iniciada em 1793, em Belém do Pará, que reúne milhares de romeiros e devotos de todas as regiões do Brasil. Fonte: Disponível em: <http://www.4.bp.blogs- pot.com>. Acesso em: 30 ago. 2011. 16 UAB/Unimontes - 7º Período A cultura de massa está voltada para aspirações mercadológicas do capitalismo e para a mídia em geral, em que o popular e o tradicionalismo não interessam a esse tipo cultural, como assevera Canclini, em uma de suas obras mais densas (Culturas Híbridas), o qual explora, de forma magistral, o assunto aqui abordado – Cultura. Para ele, a cultura de massa é o que não permanece, não se acumula como experiência nem se enriquece com o adquirido (CANCLINI, 2008, p. 261). Um exemplo típico desses dois tipos de manifestações culturais é o Círio de Nazaré, ca- racterizado como uma “cultura popular”, que evoca o tradicionalismo e, nesse caso, a religião também é bastante latente. Um outro tipo de cultura, bastante disseminado por todo o mun- do, e que se caracteriza como um tipo de “Cultura de Massa” são os Tours realizados na Dis- neylândia, em que o consumismo e a política neoliberal do capitalismo norte-americano são escancaradamente explícitos. Referências CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da Modernidade. São Paulo: Edusp, 2008. CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. 3. ed. São Paulo: Estação Liberdade: UNESP, 2006. GLOSSÁRIO Círio de Nazaré: O Círio de Nazaré é uma grande festa religiosa iniciada em 1793, em Belém do Pará, que reúne milhares de romeiros e devotos de todas as regiões do Brasil. Essa manifestação religiosa/folclórica, du- rante cinco dias, reúne uma grande quantidade de pessoas em busca de rearfimação da fé e da concretização da crença religiosa, através de vias-sacras, batizados, casamentos, crismas, bênçãos para enfermos e pagamentos de pro- messas. Disneylândia: Comple- xo de lazer e entreteni- mento capitaneado pela política capitalista neoli- beral (norte-americana) capaz de reunir imensa massa da sociedade, que, dessa forma, só aumentao “filão” das propostas da cultura de massa e reafirma os valores mercadológicos e instantâneos dessa cultura. ATIVIDADE Para uma percepção mais clara do termo cul- tura, é necessário saber discernir os termos “Cul- tura Popular” e “Cultura de Massa”, em que esta, por assim dizer, torna-se, segundo os próprios dizeres já mencionados, limítrofe, fugaz e fadada ao esquecimento, ou seja, não há acumula- ção de conhecimento cultural ao longo dos tempos. Discuta e discorra essa afirmação de acordo com o que foi explicitado e, em seguida, peça auxílio ao seu tutor sobre o envio das atividades. Figura 4: Disneylândia – grande complexo de lazer propulsor de cultura de massa e do capitalismo norte- americano. Fonte: Disponível em: <http://www.3.bp.blogs- pot.com>. Acesso em: 30 ago. 2011. ► 17 Geografia - Geografia Cultural CLAVAL, Paul. A geografia cultural. 2. ed. Florianópolis: Ed. UFSC, 2001. CORRÊA, Roberto Lobato; ROSENDAHL, Zeny (org.). Introdução à Geografia Cultural. Rio de Ja- neiro: Bertrand Brasil, 2003. DIAS, Reinaldo. Turismo e patrimônio cultural – recursos que acompanham o crescimento das cidades. São Paulo: Saraiva, 2006. LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 22. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2008. 19 Geografia - Geografia Cultural UNIDADE 2 A composição dos espaços: as práticas da geografia cultural Na unidade 1, você viu desde a gênese e o surgimento desse ramo científico, que é a Ge- ografia Cultural, importantíssimo para a ciência geográfica, até a sua composição com a in- terdependência de estruturas como a cultura, as ideologias de geógrafos pensadores, entre os quais franceses e norte-americanos que fortificaram as bases dessa ciência, a importância cultural-científica brasileira e sua dimensão heterogênea na cultura popular em geral. Adiante, veremos, claramente, as categorias geográficas – lugar, paisagem, região, espaço geográfico e território – e a suas inter-relações com a dimensão cultural da Geografia e todas as influências que essas exercem nas sociedades. 2.1 A compreensão das categorias geográficas na Geografia Cultural 2.1.1 O lugar e a Geografia Cultural Entendemos que o conceito de “lugar” diante dos ensinamentos da ciência geográfica, não se limita apenas a um sentido locacional de um determinado sítio, indo além desse con- ceito e refletindo também sua importância nas questões relativas à percepção das sociedades inseridas no local e seus métodos e teorias baseadas na fenomenologia. Apoiado na visão fenomenológica da ciência geográfica, um grande pensador e teórico estudioso voltado à ciência geográfica – Dardel (1990) – defendia que o espaço vivido pelos homens está estritamente relacionado com a relação social desses entre si e com o mundo, mais especificamente com sua terra natal. Ainda de acordo com Damiani (1999), a construção do lugar tem forte influência com a produção/organização do cotidiano e suas transformações no decorrer dos tempos, por exem- plo, o processo de Globalização vigente atualmente. Segundo a autora: [...] o cotidiano, em relação ao econômico e ao político, amplia o universo de análise para tantas outras análises entre os indivíduos e grupos, inclusive par- ticulares, locais. Inclui o vivido, a subjetividade, as emoções, os hábitos e os comportamentos (DAMIANI, 1999, p. 163). Ou ainda: A globalização/mundialização do capital produz um mundo desértico, en- quanto as pessoas afirmam uma ligação muito maior com a proximidade: o lugar permanece a única coisa mensurável, em relação ao mercado mundial, este enorme espaço não mensurável (DAMIANI, 1999, p. 171). 2.1.2 A paisagem cultural Por ser uma categoria que se relaciona intrinsecamente com os preceitos da ciência geográ- fica cultural, a paisagem, na sua confecção, por sofrer fortes influências culturais e, consequente- GLOSSÁRIO Fenomenologia: ter- mo muito utilizado nos estudos da filosofia, que diz respeito à des- crição e classificação dos fenômenos. Têm por base a consciência experimental do ser humano, suas ações e atitudes no meio em que se está, entenden- do a dinamicidade, instabilidade e incons- tância do ser humano que é capaz de fazer transformações no meio, em alguns casos, irreversíveis. PARA SABER MAIS Para uma definição mais precisa e direta do termo tratado aqui – FENOMENOLOGIA , consulte: <http://www. pt.shvoong.com>. A Fenomenologia de Husserl (1859-1938). 20 UAB/Unimontes - 7º Período mente, antrópicas, foi ‘batizada’ na Geografia Cultural de Paisagem Cultural, que pode ser en- tendida como bens culturais que representam as obras conjugadas do homem e da natureza em um só espaço. As paisagens culturais tendem a ilustrar a evolução das sociedades e dos estabelecimentos humanos ao longo dos tempos, sob a influência dos condicionamentos materiais e/ou das vanta- gens oferecidas pelo seu ambiente natural e das sucessivas forças sociais, econômicas e culturais, internas e externas. Em decorrência disso, Mikesell & Wagner (2003, p. 36) afirmam: O estudo da paisagem cultural serve, simultânea e inseparavelmente, a diver- sos fins diferentes. Independente da sua função de descrição sistemática, pro- porciona uma base para a classificação regional, possibilita um ‘insight’ sobre o papel do homem nas transformações geográficas e esclarece certos aspectos da cultura e de comunidades culturais em si mesmas. Busca diferenças na pai- sagem que possam ser atribuídas a diferenças de conduta humana sob dife- rentes culturas e procura desvios de condições ‘naturais’ esperadas, causados pelo homem. Nesse contexto, a paisagem é uma categoria de estudo muito ligada à cultura. Atente-se, então, para a subdivisão que fez a UNESCO durante a convenção que se realizou em Paris em 2003 – Convenção para Salvaguarda do Patrimônio Cultural –, em que coloca a importância da preservação das paisagens culturais como bens patrimoniais. Na sequência, vejamos: 1. “Paisagem claramente definida” – que são, intencionalmente, construções/criações reali- zadas pelo homem, que englobam as paisagens de jardins e parques criadas por razões estéticas que estão muitas vezes associadas a construções ou conjuntos religiosos. 2. “Paisagem essencialmente evolutiva” – resulta de uma exigência de origem social, econô- mica, administrativa e/ou religiosa atingindo a sua forma atual por associação e em res- posta ao seu ambiente natural. Essas paisagens refletem esse processo evolutivo na sua forma e na sua composição. Esse tipo de paisagem subdivide-se em mais outros dois ti- pos: (a) “paisagem relíquia” (ou fóssil) – sofre um processo evolutivo que foi brutalmente interrompido por algum tempo. Porém, as suas características essenciais mantêm-se ma- terialmente visíveis; (b) “paisagem viva” é uma paisagem que conserva um papel social ativo na sociedade contemporânea, intimamente associado ao modo de vida tradicional, e na qual o processo evolutivo continua. Ao mesmo tempo, mostra provas manifestas da sua evolução ao longo do tempo. 3. “Paisagem Cultural associativa” – a inscrição destas paisagens na Lista do Patrimônio Mundial (UNESCO) justifica-se pela força da associação a fenômenos religiosos, artísticos ou culturais do elemento natural, mais do que por sinais culturais materiais, que podem ser insignificantes ou mesmo inexistentes. 2.1.3 A região como categoria geográfica cultural e o espaço geográfico Em termos científicos ligados à Geogra- fia, uma área cultural pode constituir uma “região”, a qual forma uma unidade definível no espaço, caracterizada pela relativa homo- geneidade interna com referência a certos critérios, por algum sistema de movimento interno coextensivo com ela ou por intera- ções entre elementos dentro de seus limites. A associação típica de características geo- gráficas concretas numa região ou em qualquer outra subdivisão espacial da superfície terrestre pode ser explicada através das influências cul- turais noespaço em que está atuando e, mais recentemente, através das formas “mercadoló- gicas” e “capitalistas” que esse espaço vem sen- do tratado, ou seja, como mercadoria. As mudanças acontecidas nas relações espaço- temporais implica um novo modo de pensar a realidade e como o homem vive as transformações num cenário sempre cam- biante. O domínio do espaço, da mídia e a era do Marketing, do infinitamente pequeno, pro- duziram uma nova realidade, outro modo de vida. O processo de comercialização e especu- lação em torno do espaço acentua-se a par- tir da análise do cenário capitalista atual, ou seja, a Globalização, que cria/transforma o es- GLOSSÁRIO Salvaguarda: as medi- das que visam garantir a viabilidade do pa- trimônio cultural, tais como a identificação, a documentação, a inves- tigação, a preservação a proteção, a promo- ção, a valorização, a transmissão – essen- cialmente por meio da educação formal e não formal – e revitalização deste patrimônio em seus diversos aspectos. PARA SABER MAIS Para uma elucidação sobre os informes e propostas oriundas da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), consulte o site desse órgão res- ponsável. Entre outras coisas, ele divulga a importância da preser- vação e manutenção das paisagens culturais e patrimoniais espalha- das por todo o mundo. VER: <http://www. unesco.org.br>. 21 Geografia - Geografia Cultural paço em mercadoria. O consumo do espaço se analisa no mo- vimento de generalizações da transformação do espaço em mercadoria, apontando uma tendência da predominância da troca sobre os modos de uso, o que revela o movimento do espaço de consumo para o consumo do espaço. 2.1.4 O território numa perspectiva cultural O território é um conceito e/ou uma cate- goria de análise muito estudada atualmente. Seu destaque não é somente dentro da ge- ografia, mas também nas disciplinas das ci- ências sociais, humanas, da natureza e até na área da saúde. Seu uso difundiu-se largamen- te, tornando-se hoje o conceito geográfico mais discutido no Brasil, nos países da América Latina e em diversas nações europeias. O uso intensificado desse enfoque leva-nos a acredi- tar que o conceito “virou moda” (fashion con- cept), como disse Fernandes (2009). Assim como na perspectiva do território, a abordagem cultural pode ser compreendi- da a partir da assimilação de qualquer uma das outras categorias de análise da geografia: espaço, paisagem, lugar e região. Sem dúvi- da, as bases da geografia cultural assentam- -se sobre a paisagem e o lugar, num primeiro momento. O largo uso do território tem feito dele um conceito que pode ser analisado so- bre diferentes perspectivas ou abordagens na geografia. No entanto, o território não substi- tui o primeiro e mais importante conceito da geografia – o espaço. O território é um produto do espaço; ele é produzido a partir do espaço. Uma socie- dade até pode viver sem território, mas não pode viver sem espaço. Temos muitas socie- dades ou grupos humanos vivendo sem terri- tório, em outros termos, desterritorializados. “O espaço é o quadro geral de referência da sociedade. Podemos dizer também que o ter- ritório é o quadro específico de organização societária” (SILVA, 2011). Raffestin (1993) afirma que o território é a apropriação de um espaço, seja ela concre- ta, seja abstrata. Raffestin (2008) considera o espaço como algo dado, axiomático, pré-exis- tente a qualquer ação; e o território é aquilo que é produzido a partir do espaço pela ação humana, ou seja, o trabalho e mais a cultura própria de cada sociedade. Desse modo, o ter- ritório é uma produção do espaço resultante pela ação humana e pela cultura que o anima e lhe dá vida. Já Souza (1995, p. 78) remonta a perspec- tiva clássica da Geografia Política para dizer que o território “é fundamentalmente um espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder”. Ora, quando assistimos à intervenção do Estado, por meio das forças armadas e da polícia, invadir o conjunto de favelas do Alemão no Rio de Janeiro, no iní- cio de 2011, estávamos vendo uma disputa territorial. Inclusive, o discurso dos próprios meios de comunicação, dos governantes e da polícia era sustentado pela pronúncia e afir- mação de que ali existia um território e dele iriam tomar posse (domínio). A constituição dos territórios ocorre atra- vés de dois processos de territorialização: apropriação e dominação. A apropriação é a forma mais comum, pois, após apropriar-se de um território, um grupo dá um nome e o pro- duz conforme as suas necessidades e condi- ções. Já o processo de dominação diz respeito ao uso da força, é impositivo, excludente e, ge- ralmente, constitui a forma como o Estado e as grandes empresas dominam certos espaços. Para Santos (1996, 2006), é o uso que defi- ne o território e o distingue do espaço, ou me- lhor, podemos nos referir aos “usos”no plural. Segundo o autor, o território em si não é ob- jeto de análise, e sim o “território usado”. Se- gundo ele, “o território são formas, mas o ter- ritório usado são objetos e ações, sinônimo de espaço humano, espaço habitado” (SANTOS, 1996, p. 16). “O território usado é o chão mais a identidade”. E a identidade diz respeito ao “sentimento de pertencer àquilo que nos per- tence” (SANTOS, 2006, p. 14). De maneira mais poética, o autor nos apresenta outra noção de território: O território é o lugar em que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do homem plenamente se realiza a partir das manifestações da sua existência (SANTOS, 2006, p. 13). Ao falar isso, Santos (2006) abre diversas possibilidades para interpretar o território. As- sim, nada escapa ao território, pois todas as pessoas estão nele, todas as empresas, os go- vernos, todos os objetos, todas as ações, todos os movimentos. O território é a universaliza- 22 UAB/Unimontes - 7º Período ção da vida, porque é nele e a partir dele que todas as realizações humanas acontecem, ou seja, é onde a vida dos homens plenamente se realiza (SILVA, 2011). Soares (2009) afirma que o território é um espaço de interações entre os subsistemas na- tural, construído e social. Além disso, o autor acrescenta o importante papel das identida- des que redefinem o significado do território. Porto-Gonçalves (2006), por sua vez, entende o território como espaço apropriado e institu- ído por sujeitos e grupos sociais que se afir- mam por meio dele. Refletindo sobre essas últimas coloca- ções, podemos exemplificar com o caso das comunidades quilombolas hoje que estão em processo de reafirmação étnico-racial e terri- torial, afirmando-se culturalmente através de sua identidade e reivindicando a demarcação e titulação de seus territórios historicamente apropriados. O território, nesse sentido, serve de pano de fundo para a autoafirmação cul- tural dos quilombolas. Quando os quilombo- las reivindicam a demarcação e titulação de seus territórios, eles entendem que a “terra” é o seu “território”. A terra é condição básica e primordial para a existência e sustentação do território de qualquer grupo. Ao ter a terra as- segurada, os quilombolas estão garantindo a manutenção de sua cultura, de suas tradições e a existência de sua identidade que lhes ca- racterizam como tal. O caso recente dos qui- lombolas de Brejo dos Crioulos, do Norte de Minas Gerais, os quais estiveram em Brasília exigindo que o governo agilizasse o processo de titulação de suas terras é um exemplo de como esses grupos minoritários, até então ex- cluídos das políticas públicas e de seus direitos previstos em lei, estão obtendo conquistas em função de suas identidades. Depois da pressão que os quilombolas de Brejo dos Crioulos fez em Brasília, a atual presidenta Dilma Rousseff assinou um de- creto em que reconhece a reivindicação dos quilombolas e autoriza a desapropriação das terras ocupadaspor fazendeiros. Com isso, os quilombolas de Brejo dos Crioulos passarão a ter a posse e a titulação de seus territórios an- cestralmente ocupados. Queremos esclarecer que, em função de políticas especiais, os quilombolas têm obtido benefícios sociais mais rapidamente que, por exemplo, os camponeses. As comunidades ru- rais quilombolas, hoje no Brasil, vêm receben- do atenção diferenciada. Em algumas delas, rapidamente são feitos os estudos antropo- lógicos que atestam ser sua etnia oriunda de grupos de negros que historicamente viveram em determinadas localidades. A partir daí, os governos estadual ou federal reconhecem os grupos, demarcam e dão a titulação coletiva de suas terras, configurando seus territórios. Em outros casos, esse processo é moroso. A territorialidade desses grupos emerge a par- tir de sua etnia. Assim, eles são beneficiários das políticas públicas e têm obtido resultados mais significativos em suas lutas que outros grupos camponeses não afro-descendentes. Devemos lembrar que, embora a maioria dos grupos quilombolas e índios vivam no meio rural brasileiro, existem também os mesmos movimentos organizados desses grupos no espaço urbano, uma vez que provavelmente já foram separados da terra, a qual lhes dava um maior significado de territorialidade. A questão indígena no Brasil também se- gue caminhos semelhantes. O território para os índios é espaço de apropriação material e cultural, base física (chão), material (fonte de recursos) e imaterial (cultos, representações simbólicas, espaços sagrados). Por meio de sua identidade, os grupos indígenas assegu- ram a existência de seus territórios e a con- quista de seus direitos. É bastante comum vermos nas mídias as manifestações indíge- nas no Palácio do Planalto e nas sedes da FU- NAI (Fundação Nacional de Amparo ao Índio), bloqueando estradas e rodovias que cortam seus territórios, protestando contra fazendei- ros, entre outras. Sobre esse assunto, Deus (2008) afirma que está em curso a consolidação de pro- cessos de organização e manifestação coleti- vas de grupos étnicos, culturais e religiosos, muitas vezes minoritários, mas que emergem como contraprojetos contrários à globaliza- ção e coesos em torno de suas convicções, visões de mundo imaginário e paradigmas. Esses grupos possuem expressiva visibilida- de e influência no cenário cultural e social contemporâneos. Muitos acreditavam que a globalização seria socioculturalmente homo- geneizadora, no entanto, ao contrário, ela se mostrou estimuladora da coesão étnica, com a emergência de lutas pelas identidades e exigindo demandas de respeito às particu- laridades dos grupos (PORTO-GONÇALVES, 2006). Deus (2008) ainda ressalta que a emer- gência de identidades coletivas diversas, entre elas, índios e quilombolas, vem supe- rando, pelo menos em termos de visibilidade e influência, outros segmentos e formas de luta sociais mais clássicas, a saber: operários, estudantes, moradores de bairros etc. Além disso, esses movimentos sociais demonstram “o quanto é relevante a busca política de um espaço próprio, que reivindica a diferença e recusa a fatalidade de uma sujeição dissolvida em um tipo (ou padrão) único de comporta- DICA Para conhecer a histó- ria e outras informa- ções sobre Brejo dos Crioulos, acesse o site: <http://quilombobrejo- doscrioulos.blogspot. com>. PARA SABER MAIS DECRETO DE 29 DE SETEMBRO DE 2011. A PRESIDENTA DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe conferem os art. 84, inciso IV, e 216, § 1o, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 68 do Ato das Disposições Constitu- cionais Transitórias e na Lei no 4.132, de 10 de setembro de 1962, combinado com o art. 6o do Decreto-Lei no 3.365, de 21 de junho de 1941, DECRETA: Art. 1o Ficam decla- rados de interesse social, para fins de desapropriação, nos termos dos arts. 5º, inciso XXIV, e 216, § 1o, da Constituição, e 68 do Ato das Dispo- sições Constitucionais Transitórias, os imóveis rurais sob domínio válido abrangidos pelo Território de Quilom- bos Brejo dos Crioulos, com área de dezessete mil, trezentos e dois hectares, sessenta ares e cinquenta e sete centiares, situado nos Municípios de São João da Ponte, Varzelândia e Verdelândia, Estado de Minas Gerais. Fonte: <http://www. planalto.gov.br>. http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Constituicao/Constituicao.htm#art216�1 http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Constituicao/Constituicao.htm#art216�1 http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Constituicao/Constituicao.htm#adctart68 http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Constituicao/Constituicao.htm#adctart68 http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/Constituicao/Constituicao.htm#adctart68 23 Geografia - Geografia Cultural mento” (DEUS, 2008, p. 60-61). A relação entre território e identidade é um ponto central que tem reforçado o deba- te atual, pois concordamos com Bonnemai- son e Cambrèzy (1996, p. 14), citado por Ha- esbaert (2006, p. 51), quando ele afirma que o território é “um construtor de identidade, talvez o mais eficaz de todos”. Numa concepção identitária, o território é um espaço em que os indivíduos partilham de ideias, princípios e atitudes em relação aos outros e a si mesmos. Claval (2002) afirma que mudar a identidade é muitas vezes uma estratégia com repercussões no plano social. Ele aborda também o fato de a autenticidade das escolhas de um indivíduo está no sen- timento que ele possui de acordo com uma tradição que ele interiorizou ou com uma fé que ele partilha. Encontramos uma coesão identitária maior em grupos mais tradicio- nais, diferente das sociedades modernas cuja identidade é mais sutil. A identidade está ligada a uma etnia. Esta pode ser entendida como o campo de existência e de cultura, vivido coletivamente por um determinado número de indivíduos. Diferente do que se possa pensar, a etnia não é uma realidade congelada e biológica, ela é dinâmica. A territorialidade emana da etnia. Nesse sentido, ela é concebida como a rela- ção culturalmente vivida entre o grupo hu- mano e a trama de lugares hierarquizados e interdependentes, cujo traçado no solo cons- titui um território (BONNEMAISON, 2002). Bonnemaison (2002, p. 101-102) afirma que “é pela existência de uma cultura que se cria um território e é por ele que se fortalece e exprime a relação simbólica existente entre a cultura e o espaço”. Este autor também nos ensina que o território é simultaneamente “es- paço social” e “espaço cultural”. Assim, o terri- tório é híbrido, tanto está relacionado à fun- ção social quanto à função simbólica. Cultura e sociedade são as duas faces da mesma moeda. Assim sendo, não adianta ao geógrafo estudar somente a função social do território, pois a função simbólica está contida no mes- mo espaço/território. Existe uma diferença de olhar ao buscar entender ambos os espa- ços – social e cultural –, segundo Bonnemai- son. O espaço social é produzido, concebido em termos de organização e de produção, abordagem tão enfatizada pelos geógrafos marxistas. Já o espaço cultural é vivenciado, em termos de significação e relação simbó- lica. Segundo o autor, toda análise geocultu- ral deve procurar o espaço em que se aloja a cultura. Isso não é uma tarefa simples, visto que a cultura não organiza o espaço, mas o penetra. “Ela desenha no solo uma semiogra- fia feita de um entrelaçado de signos, figuras e sistemas espaciais que são a representação [...] da concepção que os homens fazem do mundo e de seus destinos” (p. 105). Bonnemaison é um importante autor que contribui para a interpretação do território numa perspectiva cultural. Haesbaert, por sua vez, divide em três as abordagens conceituais de território: jurídico-política, cultural e econô- mica. Como nosso enfoque é sobre a vertente cultural, o autor afirma que essa abordagem prioriza a dimensão simbólica e mais subjetiva do território; ele é um produto da apropriação feita pelo imaginárioe/ou da identidade social sobre o espaço (HAESBAERT, 1997). Para Haesbaert, a vertente cultural do território é minoritária, apesar de que obser- vamos uma crescente expansão desses estu- dos na Geografia, especialmente a brasileira. Tradicionalmente, o território é abordado na geografia sobre uma perspectiva funcional. Mas, o território é ao mesmo tempo e em diferentes combinações “funcional” e “sim- bólico”. Entre funcionalidade e simbolismo, o território pode ser caracterizado por dois extremos: QUADRO 2 Esquema dos extremos entre território funcional e território simbólico Território funcional Território simbólico Processos de dominação Processos de apropriação (Lefebvre) “Territórios da desigualdade” “Territórios da diferença” Território sem territorialidade (empiricamente impossível) Territorialidade sem território (ex.: “Terra Prometida” dos judeus) Princípio da exclusividade (no seu extremo: unifuncionalidade) Princípio da multiplicidade (no seu extremo: múltiplas identidades) Territórios como recurso, valor de troca (controle físico, produção, lucro) Território como símbolo, valor simbólico (“abrigo”, “lar”, segurança afetiva) 24 UAB/Unimontes - 7º Período Fonte: HAESBAERT, R., 2008. É interessante destacar que, embora o esquema genérico apresente uma caracterização aparentemente dicotômica, podemos notar lógicas distintas entre as posições, nas quais os ter- ritórios funcionais corresponderiam a uma racionalidade de controle mais concreta, ligada aos valores de troca, de produção e do território como fonte de recursos, isto é, o território do capital e da desigualdade. Os territórios simbólicos de lógicas mais abstratas privilegiam os valores de uso, o significado da moradia, os valores dos recursos, associados aos componentes simbólicos fundamentais à manutenção da cultura, e compartilham as diferenças. Tais características têm mais a ver com as sociedades mais tradicionais hoje – isso não retira a perspectiva relacional en- tre os diferentes territórios. Da mesma forma que Bonnemaison (2002) afirmou que espaço social e espaço cultural são indissociáveis, o território funcional e o território simbólico também o são. Ainda que o geógrafo cultural aborde o território numa perspectiva cultural, não podemos negligenciar as outras dimensões sociais que integram o espaço geográfico: natural, política e eco- nômica. A abordagem cultural passa necessariamente pelas outras dimensões sociais e vice-versa. Referências BONNEMAISON, Joël. Viagem em torno do território. In: CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL, Z. (org.). Geografia Cultural: um século (3). Rio de Janeiro: Editora UERJ, 2002. p. 83-131. CLAVAL, Paul. Campo e perspectivas da Geografia Cultural. In: CORRÊA, R. L.; ROZENDAHL, Z. (org.). Geografia Cultural: um século (3). Rio de Janeiro: Editora UERJ, 2002. p. 133-196. (Série Geografia Cultural). DAMIANI, Amélia Luísa. O lugar e a produção do cotidiano. In: CARLOS, Ana Fani Alessandri (org.). Novos Caminhos da Geografia. São Paulo: Contexto, 1999. DEUS, José Antônio Souza de. O etnoambientalismo e as novas territorialidades indígenas em curso no contexto regional da Amazônia Meridional e Oriental. Caderno de Geografia, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p. 59-82, jul./dez. 2008. FERNANDES, Bernardo Mançano. Sobre a tipologia de territórios. In: SAQUET, M. A.; SPOSITO, E. S. (org.). Territórios e territorialidades: teorias, processos e conflitos. São Paulo: Expressão Popular, 2009. p. 197-215. (Geografia em Movimento). HAESBAERT. Rogério. Des-territorialização e identidade: a rede “gaúcha” no Nordeste. Nite- rói: EDUFF, 1997. 293 p. ______. Concepções de território para entender a desterritorialização. In: SANTOS, Milton [et al.]. Território, territórios: ensaios sobre o ordenamento territorial. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 43-70. ______. Dos múltiplos territórios à multiterritorialidade. In: HEIDRICH, A. L. [et al.]. A emergên- cia da multiterritorialidade: a ressignificação da relação do humano com o espaço. Canoas- -Porto Alegre: Ed. ULBRA-Ed. da UFRGS, 2008. p. 19-36. HOLZER, Werther. O conceito de Lugar na Geografia Cultural-Humanista: uma contribuição para a Geografia contemporânea. (Artigo). Disponível em: <http://www.uff.br>. Acesso em:10 set. 2011. MISKESELL, Marvin W. & WAGNER, Philip L. Os temas da Geografia Cultural. In: CORRÊA, Ro- berto Lobato, ROSENDAHL, Zeny (org.). Introdução à Geografia Cultural. Rio de Janeiro: Ber- trand Brasil, 2003. PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. De saberes e de territórios: diversidade e emancipação a partir da experiência Latino-americana. GEOgrafia, Niterói, v. 8, n. 16, p. 41-55, 2010. RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993. ATIVIDADE Diante desse pano- rama, mostrando a importância e a inter- dependência que as categorias geográficas têm com a Geogra- fia Cultural, disserte, brevemente, sobre essa importância. SUGES- TÃO: pontue os objeti- vos de cada categoria e sua importância em cinco ou seis tópicos. 25 Geografia - Geografia Cultural SANTOS, Milton. O retorno do território. In: SANTOS, M.; SOUZA, M. A. A. de.; SILVEIRA, M. L. (org.). Território: globalização e fragmentação. 2. ed. São Paulo: Hucitec/ANPUR, 1996. p. 15- 20. ______. O dinheiro e o território. In: SANTOS, Milton et al. Território, territórios: ensaios sobre o ordenamento territorial. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 13-21. SILVA, Marcos Nicolau Santos da. Entre brejos, grotas e chapadas: o campesinato sertanejo e o extrativismo do Pequi nos Cerrados de Minas Gerais. 2011. 253f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011. SOARES, Luiz Antônio Alves. O enfoque sociológico e da teoria econômica no ordenamento territorial. In: ALMEIDA, F. G. de.; SOARES, L. A. A. (org.). Ordenamento territorial: coletânea de textos com diferentes abordagens no contexto brasileiro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009. p. 61-83. SOUZA, M. J. L. de. O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento. 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É cada vez mais frequente, e às vezes exage- rado, o uso de termos relacionando à temática cultural nos trabalhos dos geógrafos: etnoge- ografia, etnosustentabilidade, etnoterritoriali- dade, etnoambientalismo, etnopedologia, en- tre tantos outros. Muitas vezes, o uso dessas e de outras terminologias não implica, necessa- riamente, a inclusão do trabalho no campo da Geografia Cultural. Temos, assim, uma emer- gente tendência e simpatia dos geógrafos em inserir a abordagem cultural nos seus estudos. A Geografia Cultural tem reafirmado seu “espaço” desde as últimas décadas do sécu- lo passado e também no momento presen- te, deixando de ser tratada apenas como um subdomínio da Geografia Humana (CLAVAL, 2002). Além da importante contribuição te- órico-metodológica que vem consolidando as bases da Geografia Cultural, sua influência é notoriamente presente em outros campos mais consolidados do conhecimento geográfi- co, a exemplo da Geografia Política, Geografia Agrária,Geografia Urbana. Devemos destacar, ainda, a inserção da Geografia Cultural nos es- tudos de outros cientistas sociais, tais como os sociólogos e antropólogos, o que autentica o reconhecimento da disciplina. Apesar de estarmos tratando do momen- to recente da Geografia Cultural, Claval (2002) afirma que a ideia de uma “volta do cultural” foi apontada pelos geógrafos ingleses. Isso, segundo o autor, leva a concluir que o papel dessa disciplina, hoje, é mais importante do que no passado. Entretanto, o autor adverte que o interesse dos geógrafos pelas questões culturais nasceu com a Geografia Humana, isto é, no final do século XIX. O desenvolvimento dos estudos cultu- rais se caracteriza por três momentos dentro da Geografia Humana: (1) compreende o final do século XIX até os anos 1950, em que os ge- ógrafos estavam envolvidos por um forte viés positivista ou naturalista, desconsiderando, portanto, as representações e as experiências subjetivas dos lugares. Nesse contexto, o in- teresse dos estudos contemplava os aspectos materiais da cultura, as técnicas, as paisagens e os gêneros de vida; (2) Anos 1960 e 1970, a Geografia Cultural esteve sob a influência da “Nova Geografia”, cujo objetivo era tentar uma sistematização metodológica; (3) Ocorreu a partir da década de 1970, conforme já nos re- ferimos, em que a Geografia Cultural assumiu o mesmo patamar das outras disciplinas da geografia humana (CLAVAL, 2002). Esse último momento sintetiza o movimento de renova- 28 UAB/Unimontes - 7º Período ção da Geografia Cultural mundial (CORRÊA; ROSENDAHL, 2003). Especificamente no caso da Geografia Cultural brasileira, Corrêa e Rosendahl (2003) afirmam que sua incorporação entre os ge- ógrafos foi tardia, iniciando-se a partir da dé- cada de 1990. Esses autores suscitam algumas das principais razões para isso, entre elas, a forte tradição empiricista que submeteu e centrou a Geografia em torno de uma leitu- ra objetiva da realidade socioespacial. Hissa (2002, p. 74) aponta que a Geografia, assim como outras ciências, influenciada pelos pa- radigmas científicos da modernidade, procu- rou “desvencilhar-se da filosofia, da arte, da literatura, da emoção e do que possa sugerir subjetividade” para aderir ao “método de pen- sar científico”. Outro motivo que retardou a aceitação dos estudos culturais na Geografia brasileira foi a imersão numa perspectiva crí- tica após os anos 1970, baseada em um mate- rialismo histórico mal assimilado. Apesar disso, a emergência da perspectiva crítica produziu um significativo ganho epistemológico e teó- rico-metodológico na disciplina, sobretudo a Geografia Humana, inspirando-lhe uma tradi- ção libertária oriunda do marxismo, mas não a libertou do “método de pensar científico”. Hissa (2002) afirma que, com bastante ra- ridade, o advento da Geografia Crítica sugere leves associações entre a chamada Geografia Marxista e as discussões sobre a interdiscipli- naridade. Aqui, você pode observar que já se abre um panorama para o rompimento das fronteiras disciplinares entre a Geografia e as outras disciplinas científicas. “A geografia não seria a literatura, a poesia, a filosofia ou a so- ciologia, mas seria produzida no contato com todo o universo de saberes interpenetrantes” (HISSA, 2002, p. 79). Com tal premissa, tam- bém podemos entender que a abertura das fronteiras disciplinares na Geografia como um todo, após o período em questão, viria a in- cluir novas perspectivas de análise para nossa disciplina e a reafirmação de campos do saber geográfico até então negligenciados. É o caso da Geografia Cultural, por exemplo, que, não raras vezes, foi tida como subjetiva, cujos mé- todos escapavam à realidade objetiva dos mé- todos científicos modernos. A aproximação da Geografia Cultural com a Antropologia, mais especificamente com o método etnográfico, viria a produzir férteis contribuições que con- tribuiriam para a consolidação da disciplina. Sobre esse aspecto, você entenderá de manei- ra mais aprofundada nos próximos tópicos. Vários autores recentes concordam que a Geografia Cultural só pôde se desenvolver recentemente. Claval (2006, p. 90) nos lembra que apesar disso não significa dizer que seu domínio tenha permanecido ignorado pelos pesquisadores: “eles o abordavam, mas não dispunham dos meios necessários para anali- sá-lo em todas as suas dimensões”. As aborda- gens que os geógrafos praticavam eram sem- pre parciais. Segundo o autor supracitado, a Geogra- fia Cultural demorou muito para se constituir como uma disciplina, pois, para se desenvol- ver, ela necessitaria não ser somente uma ci- ência natural de paisagens e de regiões, como o era no começo do século XX. Além disso, a disciplina não poderia se reduzir à análise dos mecanismos que permitem às sociedades fun- cionar, triunfando sobre o obstáculo da disper- são e da distância, conforme os esquemas que prevaleciam nos anos 1960. Para a Geografia Cultural sair desse reducionismo: é preciso que ela se torne uma reflexão sobre a geograficidade, ou seja, sobre o papel que o espaço e o meio têm na vida dos homens, sobre o sentido que eles lhe dão e sobre a maneira pela qual eles os utilizam para melhor se com- preenderem e construírem seu ser profundo (CLAVAL, 2006, p. 89-90). Durante muito tempo o desenvolvimen- to da Geografia Cultural esteve bloqueado pela dificuldade de se afastar da paisagem ou dos artefatos criados pelos homens. A Geografia Humana pós-1970 deixa de partir do espaço e da paisagem em que se estudam suas especifi- cidades e a maneira pela qual são diferenciados regionalmente. Sua preocupação, de agora em diante, é compreender como a vida dos ho- mens e dos grupos se organiza no espaço, nele se imprime e nele se reflete. Há uma mudança no enfoque geográfico em que se entende que a organização social do mundo, dos grupos hu- manos e suas atividades no espaço nunca foram simplesmente materiais. Tudo isso é carregado de processos cognitivos, de atividades mentais, de troca de informações, experiências e ideias. Os homens também se relacionam com o meio ambiente e com o espaço por meio de uma di- mensão psicológica e sociopsicológica (CLAVAL, 2001b; 2006). A Geografia Cultural se renova “por se interessar primeiramente pelos homens, os estudos podem hoje ir muito mais longe do que no passado” (CLAVAL, 2006, p. 92). A nova abordagem cultural faz desaparecer várias limitações da Geografia do passado. Além disso, a Geografia Cultural vai mais longe ainda quando contribui para modificar a perspectiva geral da Geografia Humana que não tem mais como objetivo simplesmente descrever a diversi- 29 Geografia - Geografia Cultural dade da Terra, inventariar os tipos de paisagens nela existentes e explicar as formas de organiza- ção que se desenvolvem no espaço. Nesse viés, observe que a influência da nova perspectiva cultural na geografia traz no- vos enfoques, outros desejos e aspirações: trata-se de interrogar os homens sobre a experiência que têm daquilo que os envolve, sobre o sentido que dão à sua vida e sobre a maneira pela qual mode- lam os ambientes e desenham as paisagens para neles afirmar sua personalida- de, suas convicções e suas esperanças (CLAVAL, 2001b, p. 42). Essa é, pois, uma das primeiras orienta- ções que devemos levar para o nosso campo de pesquisa em Geografia Cultural. Precisa- mos ainda pensar numa Geografia Cultural que seja dos homens, pelos homens e para os homens; uma geografia da experiência, da existência, dos sentidos, dos saberes e dos fazeres. Diversas temáticas são colocadas hoje para a Geografia e para os geógrafos culturais: a emergência de identidades coletivas, das questões étnico-raciais, de gênero e sexualida- de, os modos de vida, a dimensão espacial das religiões, as festas e os espaços dos espetácu- los, as representações, as paisagens e os terri- tórios culturais, as múltiplas territorialidades, o sentido cultural das migrações, a percepção, as artese os artesanatos, os estudos sobre na- tureza, política e cultura, a geografia da litera- tura, do cinema, do patrimônio, etc. Diante de vasto repertório temático pre- sente para a Geografia Cultural brasileira, é importante pensarmos na fundamentação da disciplina, sobretudo no que diz respeito aos métodos e às metodologias que se encontram nas pautas de pesquisas dos geógrafos. 3.2.1 Os métodos em Geografia Cultural: o desafio do “pensar científico” Você pode notar que os diversos méto- dos de pesquisa usados na Geografia também se aplicam ao estudo da Geografia Cultural. A emergência dos estudos culturais nas últimas décadas, em particular na Geografia, rompe com a visão estigmatizadora que negava o ca- ráter científico das ciências e disciplinas que se debruçavam sobre o universo subjetivo. Mas, você deve entender que isso nem sempre foi assim no meio científico. Fugir da objetividade era o mesmo que deixar de pensar cientifica- mente. A Geografia, a Antropologia, a História e outras ciências da sociedade tiveram diversos embates com o paradigma científico moderno. Tal paradigma parece ter colocado as ciên- cias humanas e sociais numa encruzilhada, pois, como seria possível pensar seu objeto de estu- do, os homens e a sociedade, sem considerar seu universo subjetivo? Além disso, o princípio da neutralidade científica se torna incoerente, já que o pesquisador também faz parte do seu próprio objeto de estudo – a sociedade. Nesse sentido, os métodos (e as metodo- logias) devem ser compreendidos como ins- trumentos e procedimentos que nos permitem analisar uma determinada realidade. São mate- riais, técnicas e fundamentos que nos auxiliam na organização e no desenvolvimento das pes- quisas. Os métodos nunca devem ser utilizados para aprisionar o pesquisador, e sim estimular nele a liberdade de criar, improvisar e imaginar. O pesquisador deve exercer sua observação, percepção, imaginação; pode e deve registrar seus sentimentos e pressentimentos, assim como a intuição e a dedução. Os métodos, as metodologias e a ativi- dade científica como um todo, especialmente nas ciências humanas, jamais podem ser con- siderados obstáculos à criatividade. Segundo Hissa (2002, p. 149), a imaginação e a criativi- dade não estão confinadas apenas ao universo das artes, muito menos a ciência seja funda- mentada exclusivamente na lógica. A ciência moderna foi assentada a partir do pressuposto equivocado que ela seja: “a) fruto exclusivo da racionalidade; b) isenta de paixão, de subjetivi- dade e de intuição”. Diante dessa perspectiva equivocada de ciência, certamente não teríamos como vis- lumbrar um futuro para disciplinas como a Ge- ografia Cultural. Como um geógrafo cultural poderia estudar seus objetos e sujeitos sem a paixão, sem a emoção, sem sentimento, sem envolvimento? Seria possível observar e des- crever a manifestação da cultura no espaço apenas do ponto de vista da lógica e da razão? Como poderíamos entender a organização es- pacial da sociedade somente do ponto de vis- ta da sua materialidade? A dimensão imaterial, subjetiva e simbólica do espaço, não teria im- portante significação? Fato é que a própria cri- se da Geografia na segunda metade do século XX, em específico, também é a crise da ciência moderna em geral. 30 UAB/Unimontes - 7º Período BOX 4 Vale ressaltar que temos nos referido à ciência moderna com insistência. Para adotar- mos um referencial básico, sugerimos a definição de HISSA (2002) para explicação do termo modernidade de forma geral e especificamente quando se refere à ciência: “Para uma rápida definição, toma-se modernidade como o tempo das luzes: origens ou marcos pós-medievais; tempo das explorações intercontinentais, da ampliação do conhecimento dos territórios, dos povos e das descobertas; tempo da gênese da ciência moderna e dos Estados modernos; tempo da divisão de tarefas, da ampliação da produtividade e da produção; tempo histórico da expectativa de progresso estendido a todos. Para referir-se à ciência, trata-se do tempo da razão, da ordem, da disciplina, do método, da objetividade, da imparcialidade, do rigor, do trabalho científico especializado”. Fonte: HISSA, C. E. V. A mobilidade das fronteiras: inserções da geografia na crise da modernidade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. p. 62. A inserção da Geografia no paradigma moderno do “método de pensar científico” transformou-a numa disciplina para o “mer- cado”, abandonando os métodos do passado e todos os outros que fossem identificados como “não científicos”. Esse movimento não ocorreu exclusivamente dentro da Geografia, mas também invadiu todas as demais ciências. Por exemplo, Hissa (2002) afirma que os outros campos do saber, como a Antropologia, foram invadidos por essa racionalidade científica, atingindo todas as disciplinas que não tinham “valor de mercado”. Vimos a Geografia entrar cada vez mais na modernidade, apesar de que não raras ve- zes esse movimento foi considerado tardio por muitos estudiosos. Os enfoques neopositivis- tas na Geografia contribuíram para ampliar os mercados para os geógrafos. No Brasil temos a participação de geógrafos no IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Os campos temáticos da Geografia Física são os mais valo- rizados nesse movimento. Assim, a Geografia galgaria seu status de ciência na passagem dos anos 1950 para 1960. Este período ficou conhe- cido como “revolução quantitativa”, no qual se criou uma atmosfera rigorosamente científica dentro da análise geográfica (HISSA, 2002). Teríamos, assim, uma disciplina emba- sada em modelos matemáticos, cuja estatís- tica seria o centro do movimento de renova- ção. Se, por um lado, a inclusão da Geografia na modernidade trouxe importantes críticas aos paradigmas tradicionais, principalmen- te ao positivismo clássico, provocando um intenso debate no interior da disciplina; por outro lado, geraram-se consideráveis críticas à quantificação. Mas, esse movimento não poderia se reduzir apenas à estatística e aos modelos computacionais como se fossem os únicos métodos da Nova Geografia. O debate foi positivo do ponto de vista da epistemolo- gia, o que até então era inexistente dentro da Geografia. Não haveria uma necessária opo- sição entre o quantitativo e o qualitativo. O que ocorreu foi uma assimilação equivocada ao entender o movimento de renovação ex- clusivo ou predominantemente pelo método quantitativo (HISSA, 2002). Santos (1986) coloca em questão se a Ge- ografia quantitativa ou teorética seria um mé- todo ou um paradigma. O autor afirma que, mesmo antes dessa “revolução”, os geógrafos já se apoiavam suas afirmações em estatísti- cas. Neste período, porém, ocorreu a intensi- ficação das matemáticas no tratamento dos dados, em sua coleta e na apresentação dos resultados das investigações geográficas. Esse mesmo autor confirma que o “privi- légio dado aos métodos e às técnicas é uma das fraquezas mais graves da geografia cha- mada teorética” (SANTOS, 1986, p. 51). Com isso, Santos conclui que a “Geografia Quan- titativa” provocou um grande equívoco ao se considerar e ser considerada como um domí- nio teórico, quando, de fato, ela era apenas um método. O autor ressalta ser o mais importan- te naquele contexto chamar atenção para os aspectos mais teóricos ou conceituais da Geo- grafia, ou seja, rediscutir os próprios paradig- mas da disciplina. De fato, se do ponto de vista paradigmá- tico a “Nova Geografia” não acrescentou nada verdadeiramente novo à disciplina, pelo me- nos um intenso debate emergiu-se a partir daí. Santos (1986) é mais enfático ao afirmar ser o maior pecado da Geografia Quantitati- va o desconhecimento da existência do tem- po e suas qualidades essenciais. O que isso quer dizer? Significa que os modelos mate- máticos aplicados à Geografia permitem tra- balhar com estágios sucessivos da evolução espacial, mas são incapazes de mostrar o que ocorre entre um estágio e outro. Tais mode-
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