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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS COORDENAÇÃO DO CURSO LICENC. PLENA EM LETRAS/PORTUGUÊS PAULA FERNANDA DA SILVA SOUSA INFÂNCIA E MARGINALIZAÇÃO EM CAPITÃES DA AREIA, DE JORGE AMADO AMARANTE - PI 2014 PAULA FERNANDA DA SILVA SOUSA INFÂNCIA E MARGINALIZAÇÃO EM CAPITÃES DA AREIA, DE JORGE AMADO Monografia apresentada ao curso de Licenciatura Plena em Letras/Português da Universidade Estadual do Piauí, como requisito obrigatório para a obtenção do grau de Licenciada em Letras/Português. Orientador: Prof. Me. Dheiky do Rêgo Monteiro Rocha. AMARANTE - PI 2014 PAULA FERNANDA DA SILVA SOUSA INFÂNCIA E MARGINALIZAÇÃO EM CAPITÃES DA AREIA, DE JORGE AMADO Monografia apresentada ao curso de Licenciatura Plena em Letras/Português da Universidade Estadual do Piauí, como requisito obrigatório para a obtenção do grau de Licenciada em Letras/Português. Aprovada em: ____ de ________________ de _______. Banca Examinadora: _________________________________________________ Prof. Me. Dheiky do Rêgo Monteiro Rocha – UESPI Presidente _________________________________________________ Profa. Dra. Maria do Socorro Rios Magalhães – UESPI Primeira Examinadora __________________________________________________ Profa. Me. Soraya de Melo Barbosa Sousa – UESPI Segunda Examinadora À minha família, pelo eterno apoio. AGRADECIMENTOS A Deus, primeiramente, pela força, saúde, sabedoria e coragem para atingir os objetivos aos quais me propus. A toda equipe de docentes que constituíram o curso de Licenciatura Plena em Letras Português da Universidade Estadual do Piauí – UESPI, especialmente ao meu orientador Prof. Me. Dheiky do Rêgo Monteiro Rocha, pelo apoio, dedicação e disponibilidade com que acompanhou a elaboração deste trabalho. Ao meu querido esposo Francisco de Assis de Sousa, pelo apoio e incentivo durante a realização do curso e pelos conselhos para que eu não desistisse. A minha mãe Maria da Paz da Silva, meus avos: Maria de Jesus e Agripino Caridade, aos meus irmãos: Katia Maria, Viviane Patrícia, Lis Rayane e Paulo Henrique que sempre acreditaram que eu era capaz. Aos colegas de curso pelos momentos que compartilhamos juntos, muitos deles, felizes e outros tristes, mas o que fica são as boas lembranças, em especial a Jane dos Santos silva pelo apoio no decorrer da elaboração desse trabalho. Ao meu colega Claudionor Ramalho Santana, pelas dicas. E a todas as pessoas que, direta e indiretamente, cooperaram para a concretização deste trabalho. [...] Guerreiros, sonhadores aventureiros, deslocados das semelhanças sociais, insensatos, metamorfoseados, pela sua sensibilidade e pelo seu sonho, em demônios, para uns, e em deuses, para outros. Como gente, porém, não passam de Guerreiros, livres lutadores que encaram o desafio permanente de sustentar, com fortaleza, a fragilidade do seu sonho, sozinhos na margem esquerda da ordem vigente, esse sonho marginalizado, amaldiçoado pelos que não são capazes de entender a beleza da criação [...] Vânia Maria Resende RESUMO O objetivo desta monografia é estudar aspectos relativos à infância que implicaram a marginalização das crianças e adolescentes na obra Capitães da Areia, do escritor baiano Jorge Amado. O foco da análise é a relação infância e marginalização, sustentada pelo ideário da ficção de 1930, pelos conceitos teóricos relativos à infância e pelos aspectos identificados, que são criança/família, criança/adulto e criança/rua, articulados por meio dos elementos da narrativa: personagens e narrador. A escolha do objeto de pesquisa justifica-se em razão da presença relevante da produção literária de Jorge Amado, que contempla as questões da seara social; e sendo essa obra também um veículo para essas discussões, isso fortalece o debate atual sobre a representação da infância, no âmbito da margem social, ou seja, da exclusão. Para se conseguir êxito nesta pesquisa, recorreu-se aos estudiosos, como Silva (2010), Bueno (2006), Duarte (1996), alguns que tratam da historiografia e crítica literária; sobre as questões relacionadas aos aspectos sociológicos, fundamenta-se em Ariès (1981), Ambires (2010), Mata (2010) e Pauletti (2012), que apresentam ideias sobre a infância; e sobre a marginalização de crianças e adolescentes, Gomes (2005), Mello (2006), entre outros. As fontes de estudo foram obtidas pela pesquisa bibliográfica, de textos acadêmicos impressos, bem como do meio eletrônico. O resultado da análise aponta que a infância marginalizada na literatura de Jorge Amado configura-se com o necessário apoio da família, do adulto e das relações sociais, constituídas no cerne da vida social, implicando o progresso individual e coletivo vivenciado pela criança. Palavras-chave: Ficção de 1930. Jorge Amado. Infância. Marginalização. ABSTRACT This study aims to analyse the aspects related to the childhood that lead to marginalization of children and teenagers in Capitães da Areia, written by Jorge Amado, born in the State of Bahia, Brazil. The focus is the relation between the childhood and marginalization, supported by the ideology of fiction in the decade of 1930, by the theory concepts related to childhood and by the aspects identified, that are kid/ family, kid/ adult and kid/streets, articulated through the elements of the story: characters and the narrator. The choice of the subject of this research is justified due to the relevant literary production of the cited Brazilian author, that highlights social questions; being this book a link to these discussions, this empowers the current debate about the childhood representation in literature while the social limitation, namely exclusion. To be successful with his work, we turn to the contribution of a few scholars, such as Silva (2010), Bueno (2006), Duarte (1996), just to name some who deal with historiographical and literary criticism; about topics concerning sociological aspects, based on Ariès (1981), Ambires (2010), Mata (2010) e Pauletti (2012), who present ideas about childhood and childhood´s and adolescents’ marginalization, Gomes (2005), Mello (2006), among others. The resources were the literature research, printed publications and by eletronical means, using the internet. The result indicates that the marginalized childhood in the Jorge Amado´s literature needs the family and adult support and social relations, all of them constituted in the social life, which implies in the individual e environment progress experienced by the child. Key Words: Fiction of 1930´s. Jorge Amado. Childhood. Marginalization. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 9 2 JORGE AMADO NA FICÇÃO DE 1930 ........................................................... 11 2.1 O Autor e sua Produção Literária ................................................................. 11 2.2 O Contexto da Literatura na Década de 1930 .............................................. 16 2.3 Apontamentos Críticos sobre a Produção Literária de Jorge Amado ....... 19 3 INFÂNCIA: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS PERTINENTES ........................... 23 3.1 Conceituando Infância ................................................................................... 23 3.2 HistóriaSocial da Infância ............................................................................. 25 3.3 Uma Infância à Margem ................................................................................. 32 4 A INFÂNCIA EM CAPITÃES DA AREIA ......................................................... 35 4.1 Infância e Marginalização ............................................................................. 36 4.1.1 A construção das personagens ........................................................................ 38 4.1.2 A voz do narrador ............................................................................................. 41 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 46 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 49 9 1 INTRODUÇÃO Jorge Amado foi sem dúvida um dos maiores escritores do século XX, no Brasil. Ele utilizou a literatura para denunciar muitos problemas sociais existentes na sociedade baiana. Com uma obra vasta e enraizada aos tipos nacionais, ele soube criar um mundo onde os temas explorados surgiam uns dos outros, parecendo simples histórias à primeira vista, mas se olhadas de perto, mostram a profundidade de seus detalhes. Capitães da Areia, de 1937, surgiu num período em que o país estava passando por várias mudanças sociais. Essa obra não é apenas um romance de crianças abandonadas e marginalizadas, mas uma história com força e carácter social imensos. Por isso, escolhemos essa obra da produção de Jorge Amado para análise, submetendo-a a um olhar voltado para as representações da infância. Esta pesquisa tem como objetivo geral estudar alguns aspectos pertinentes à infância que implicaram a marginalização das crianças e adolescentes na obra Capitães da Areia. Logo em seguida, em se tratando dos objetivos específicos, pretende-se verificar a presença e importância da produção literária de Jorge Amado na ficção de 1930; discutir conceitos teóricos relativos à infância, desde o seu percurso histórico à evolução das suas condições e sentimentos na sociedade; e analisar a relação entre infância e marginalização na referida obra de Jorge Amado, evidenciando os aspectos criança/família, criança/adulto e criança/rua. Este trabalho constitui-se de uma pesquisa científica bibliográfica, do tipo exploratória, em que se observa o caráter de denúncia presente na obra de Jorge Amado, onde há representações da infância e sua marginalização e observa-se os aspectos sociais que podem contribuir para a referida marginalização, tendo em vista as relações da criança com a família, o adulto e, ainda, a rua. A título de citação, o presente trabalho baseou-se nos estudos de pesquisadores como: Bueno (2006) que trata da produção e de alguns aspectos do romance de 1930; Duarte (1996) que aborda a produção literária de Jorge Amado; Ariès (1981) que apresenta o surgimento e o conceito de infância na família e na sociedade. Outros autores também respaldaram esta pesquisa, como: Bosi (1994), ligado à historiografia e crítica literária; Ambires (2010) e Mata (2010), esses abordam em seus estudos a infância na literatura. 10 A estrutura da monografia compõe-se das seguintes seções: “Jorge Amado na Ficção de 1930”, desdobrando-se em três seções secundárias, onde mostramos a importância do escritor Jorge Amado na literatura brasileira, respaldado ainda sobre a sua vasta produção literária, bem como sua importância na literatura na década de 1930 (séc. XX) e alguns apontamentos críticos sobre sua produção literária. A segunda seção, denominada “Infância: pressupostos teóricos pertinentes”, desdobra-se na discussão da conceituação e história social da infância e alguns fatores que levam as crianças à marginalização. Por fim, na terceira seção, denominada “A Infância na Narrativa de Jorge Amado”, serão analisadas algumas representações da infância na narrativa de Jorge Amado, a partir da fundamentação sociológica discutida a respeito da infância e da marginalização, identificando isso por meio dos constituintes da narrativa, personagens e narrador. Ao produzirmos este trabalho, a nossa expectativa é a de que o mesmo poderá contribuir para o surgimento de novas pesquisas relacionadas à temática, pois esta é apenas uma das inúmeras leituras que pode ser feita da obra analisada, já que neste livro Jorge Amado utiliza personagens muito simples aparentemente, mas que guardam muitas particularidades pertinentes a novos estudos na área da literatura. 11 2 JORGE AMADO NA FICÇÃO DE 1930 A presença do escritor baiano Jorge Amado na literatura brasileira é pontuada por uma produção voltada para as questões de ordem social, no que se refere, especialmente, nesta pesquisa, aos marginalizados ou abandonados, como os meninos de rua da narrativa Capitães da Areia (1937), que será aqui objeto de análise. Aliás, esse viés de produção interessado em apresentar a realidade social é matéria-prima de muitos escritores da ficção de 1930. Jorge Amado sempre se preocupou em retratar nas suas obras literárias as mazelas sociais de um povo. Ele se autodefinia como um revolucionário legítimo, um representante do povo e que se identificava com este e seus valores (BUENO, 2006, p. 24). 2.1 O Autor e sua Produção Literária O romancista, Jorge Amado de Farias, nasceu no dia 10 de agosto de 1912, na localidade Ferradas, pertencente ao município de Itabuna, no sul da Bahia. Filho do “Coronel” João Amado de Faria, fazendeiro de cacau, e de D. Eulália Leal Amado. Antes de completar dois anos de idade sua família muda-se para Ilhéus, passou toda a sua infância lá e foi onde aprendeu as primeiras letras. Cursou o secundário em Salvador e viveu a adolescência no mesmo lugar, onde teve os primeiros contatos com a vida popular, que marcaria profundamente a sua obra (SILVA, 2010; BOSI, 1994). Aos 14 anos, na Bahia, começou a trabalhar em jornais e a participar intensamente da vida literária, sendo um dos fundadores da Academia dos Rebeldes, juntamente com os grupos “Arco e Flecha” e do “Samba”. Esses grupos desempenharam um papel importante na renovação das letras baianas; faziam parte do grupo o poeta Sosígenes Costa, Aidano de Couto Ferraz, Clovis Amorim e o futuro historiador e folclorista Édson Carneiro, entre outros. Jorge Amado foi também redator de O Imparcial, baiano; de Hoje, paulista; da revista Dom Casmurro, carioca, e do semanário Para Todos, com Oscar Niemeyer e o irmão James. Em 1930, aos 18 anos de idade, no auge da Revolução Tenentista, Jorge Amado muda-se para o Rio de Janeiro e matricula-se na Faculdade de Direito, pela 12 qual se tornou Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, no entanto, jamais exerceu a advocacia. Estudou Direito porque seu pai queria que seu primogênito fosse um “Doutor”. Então, para não desapontar o pai, Jorge Amado prometeu que só voltaria a Salvador com o diploma na mão. No ano de 1932, filia-se ao Partido Comunista Brasileiro e se envolve na Aliança Nacional Libertadora, influenciado pela humilde condição de vida dos operários e camponeses. Em 1937, foi preso pela Polícia do Estado Novo, e nessa ocasião mais de 800 exemplares da obra Capitães da Areia foram queimados numa praça pública de Salvador. O referido livro foi escrito quando o autor fez uma longa viagem pelo Brasil, América Latina e pelos Estados Unidos. Em 1946, foi eleito deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro, mas no ano seguinte teve seu mandato suspenso em consequência da decretação de ilegalidade do partido. Em 1948, inicia uma viagem a vários países socialistas da Europa. E a partir de 1958, dedica-se a uma produção literária metódica, que lhe permitiu viverda literatura. Jorge Amado estreou na literatura em 1929, com a publicação da novela Lenita, escrita em colaboração com Dias da Costa e Edison Carneiro. Em uma entrevista publicada pelo Jornal Folha de São Paulo, em 09 de agosto de 1912, Jorge Amado afirmou: Acho a Bahia fundamental não só na cultura brasileira, mas no país como um todo. Primeiro porque o Brasil começou na Bahia. Vem de lá um fato fundamental para a cultura brasileira: a mistura de sangue, de raças e de culturas, a miscigenação e o sincretismo. [...] Tenho dois temas. Um é o tema rural, o estabelecimento da produção de cacau. A outra matriz do meu trabalho é a cidade da Bahia e sua vida popular. Mas os ambientes e os personagens se repetem. São os coronéis, os jagunços, as putas, a gente do povo. Sou incapaz de escrever sobre aquilo que não vivi. (AMADO, 1992, p. 4 apud SILVA, 2011, p. 14) Podemos afirmar que Jorge Amado em suas obras literárias se preocupava em representar o regionalismo baiano, das zonas rurais do cacau e da zona urbana de Salvador, e ele mesmo nos diz com clareza porque faz isso: porque considera “a Bahia fundamental para a cultura” e porque “é incapaz de escrever sobre aquilo que não viveu”, ou seja, seus romances nascem da vivência concreta do universo que representam. 13 Podemos dizer, então, que sua obra, além de regionalista, baseia-se nas observações diretas da realidade, outro ponto importante nas obras de Jorge Amado é que o autor se preocupou em fixar tipos marginalizados para, através deles, analisar toda uma sociedade. Em suas obras são abordados: pescadores, meninos de rua, trabalhadores da região do cacau, discriminação do negro e de prostituição, entre outros. Nas obras amadianas, principalmente as da década de 1930, deixam transparecer, a violência cotidiana, as desigualdades sociais entre a classe pobre, estigmatizada, e a classe mais prestigiada, a elite, as inquietações humanas, o sofrimento da classe mais popular, a miséria com que estas passavam. Candido e Castello (1981, p. 13) assim consideram a obra do escritor: A importância de Jorge Amado veio do caráter seco, participante e, todavia lírico dos seus primeiros livros, que descrevem a miséria e a opressão do trabalhador rural e das classes populares. [...] Um dos traços característicos de sua maturidade foi à mistura de realismo e romantismo, de poesia e documento, voltando-se para os pobres, para a humanidade da gente de cor da sua terra, que apresenta com uma simpatia calorosa, um vivo senso do pitoresco, e, sempre, um imperativo de justiça social sobrepairando a narrativa. E para ilustrar o que mencionamos sobre a produção literária do autor baiano, citamos algumas obras: em O País do Carnaval (1931), por exemplo, serão destacadas as inquietações, as incertezas do personagem principal em relação ao Brasil, ou seja, um retrato crítico da imagem alegre e equivocada do Brasil. Em Cacau, seu segundo romance, escrito em 1933, retrata a vida sofrida dos trabalhadores nas plantações de cacau, na região de Ilhéus, Bahia. Em 1934, seu terceiro livro, Suor, ainda com a descrição da miséria brasileira, irá descrever a miséria dos moradores de uma comunidade. Jubiabá, escrito no ano de 1935, possui uma história voltada para o negro. Jubiabá conta a história de um dos primeiros heróis negros da literatura. O romance é central na obra do autor: as contradições entre o mundo do trabalho, o conflito racial, a ideologia, a luta e, de outro lado, a cultura popular, o universo das festas, o sincretismo religioso, a miscigenação e a sensualidade vão marcar toda a sua produção. Mar Morto (1936) é outro retrato do Brasil. O livro apresenta a história e os amores dos heróis pescadores, que em precários saveiros sobrevivem enfrentando o oceano. Narra a historia de amor de Guma e Lívia. Em 1937, Jorge Amado publica Capitães da Areia, uma história sobre os meninos de rua da Bahia, que andam em bando, cometem furtos, dormem em um 14 armazém abandonado na beira da praia e que cuidam uns dos outros. O personagem principal do romance é Pedro Bala que no final se transforma em um “militante proletário” (NASS, 2006). Segundo Coutinho (2002), Jorge Amado mostra-se preocupado com o povo e com suas condições de vida, como se pode observar nos romances mencionados. A preocupação social, porém – que o testemunho sustenta a ponto de incorporar o povo como personagem e sua fala na linguagem literária – transborda para atingir ostensiva humanização. O mar, as terras do cacau e a cidade de Salvador não existem como palcos de narrativas ou suportes de aventuras. Existem efetivamente, em sua inteira representação plástica, como bases necessárias para que o romancista prove aquela humanização se fazendo o criador de tipos. (COUTINHO, 2002, p. 271) Esses seis romances são considerados como “Romances Proletários”, pois neles Jorge Amado se mostrava preocupado em defender as classes menos favorecidas (NASS, 2006). As violações dos direitos trabalhistas, as más condições de vida da maioria da população, o descaso e a crueldade das autoridades públicas contra os pobres, assim como inúmeras críticas feitas às classes dominantes nas páginas dessas obras, são tão explícitas que o governo ditador e anticomunista, implantado por Getúlio Vargas em 1937 (Estado Novo), apreendeu a edição do livro Capitães da Areia e os queimou em praça pública (DUARTE, 1996, p. 114). Jorge Amado viveu exclusivamente dos direitos autorais de seus livros. Casou-se com a escritora Zélia Gattai, autora de importantes obras, e com quem teve dois filhos. Viajou muito pelo país e pelo exterior. Recebeu vários prêmios literários, inclusive internacionais. Autor de mais de 40 obras literárias, editadas em 55 países e traduzidas para 49 idiomas, ele experimentou gêneros diversos, entre eles o romance, a crônica, a biografia, o conto, a novela, o teatro, a poesia e os textos políticos. Suas obras foram adaptadas para o teatro, televisão, rádio e cinema. Foi membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), ocupante da cadeira de n° 23, tendo, como fundador, José de Alencar; como patrono, Machado de Assis; como antecessores, Lafayette Rodrigues Pereira, Alfredo Pujol e o seu conterrâneo Octávio Mangabeira. Tomou posse na ABL em 17 de julho de 1961, permanecendo durante 40 anos, sendo sucedido por Zélia Gattai, sua esposa, e por Luís Paulo Horta, atual ocupante (MELO FILHO, 2012). 15 Jorge Amado faleceu no dia 6 de agosto de 2001, quatro dias antes de completar 89 anos de idade. A pedido do escritor seus restos mortais foram cremados e as cinzas colocadas dentro de uma urna e sepultadas no jardim de sua casa no Rio Vermelho. Deixou para a nossa literatura obras de extremo valor e nos diversos gêneros literários (MELO FILHO, 2012). A produção de romances escritos pelo autor baiano compõe-se dos seguintes livros: O País do Carnaval (1931), Cacau (1933), Suor (1934), Jubiabá (1935), Mar Morto (1936), Capitães da Areia (1937), Terras do Sem Fim (1943), São Jorge dos Ilhéus (1944), Seara Vermelha (1946), Os Subterrâneos da Liberdade (1954; 3 volumes: v. 1: Os Ásperos Tempos; v. 2: Agonia da Noite; v. 3: A Luz no Túnel), Gabriela, Cravo e Canela (1958), Os Pastores da Noite (1964), A espantosa batalha entre o espírito e a matéria (1966); Dona Flor e Seus Dois Maridos (1967), Tenda dos Milagres (1969), Teresa Batista Cansada da Guerra (1972), Tieta do Agreste (1977), Farda Fardão Camisola de Dormir (1979), Tocaia Grande (1984), O Sumiço da Santa (1988), A Descoberta da América pelos Turcos ou Os esponsais de Adma (1994), O Compadre de Ogum (1995) (PAULETTI, 2012, p. 32-33). A produção literária de Jorge Amado é notável, escrevendo também para o gênero novela, que são três: A Morte e a Morte de Quincas Berro D’água (1959), Os Velhos Marinheiros (1976), e escreveu em parceria Lenita (1929), com EdisonCarneiro e Dias da Costa. A respeito da produção endereçada à literatura infantil, o autor escreveu: O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá (1976), A Bola e o Goleiro (1984), O Capeta Carybé (1986). No campo da poesia, o baiano produziu seu único texto intitulado A Estrada do Mar (1938); e para o teatro Amor do Soldado (1947), ainda com o título O Amor de Castro Alves, 1958. Com relação aos seus contos, citamos: Sentimentalismo (1931), O homem da mulher e a mulher do homem (1931), História do carnaval (1945), As mortes e o triunfo de Rosalinda (1965), Do recente milagre dos pássaros acontecido em terras de Alagoas, nas ribanceiras do rio São Francisco (1979), O episódio de Siroca (1982), De como o mulato Porciúncula descarregou o seu defunto (1989). Já na área dos relatos biográficos, os seguintes textos: ABC de Castro Alves (1941), O cavaleiro da esperança (1945), O menino grapiúna (1981), Navegação de cabotagem (1992). E ainda como guias/viagens os textos a seguir: Bahia de Todos os Santos: guia de ruas e de mistérios (1945), O mundo da paz (viagens) (1951), Bahia Boa Terra Bahia (1967), Bahia (1970), Terra Mágica da Bahia (1984). Diante da volumosa produção do autor, ainda tem obras 16 classificadas como documento político/oratória: Homens e coisas do Partido Comunista (1946), Discursos (1993), Descoberta do mundo (literatura infantil), com Matilde Garcia Rosa (1933), Brandão entre o mar e o amor, com José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Aníbal Machado e Rachel de Queiroz (1942), O mistério de MMM, com Viriato Corrêa, Dinah Silveira de Queiroz, Lúcio Cardoso, Herberto Sales, Rachel de Queiroz, José Condé, Guimarães Rosa, Antônio Callado e Orígenes Lessa (1962) (PAULETTI, 2012, p. 33). Por ser um autor de tão grande importância nas letras nacionais e de ter contribuído para que a literatura brasileira se tornasse mundialmente conhecida, a obra de Jorge Amado é merecedora deste trabalho de pesquisa acadêmica, que é pequeno diante de um escritor que tanto colaborou para a cultura e para a sociedade brasileira, criando personagens e temáticas representativas da vida social desse povo. 2.2 O Contexto da Literatura na Década de 1930 Para leitura e análise da representação da infância na obra Capitães da Areia (1937) de Jorge Amado, se faz necessário discorrermos, ainda que brevemente, sobre o contexto da literatura na década de 1930, respaldando a ideia de que muitos dos escritores dessa época preocupavam-se em materializar na literatura os aspectos da vida social. Jorge Amado integra um rol de escritores que participou ativamente, pela via estética, da vida social brasileira, haja vista que o autor pauta na sua literatura o interesse às questões contemporâneas. Alfredo Bosi (1994, p. 384) denomina o autor como socialista no capítulo “Tendências contemporâneas”, confirmando a participação marcante do escritor em prol dos que são postos à margem da sociedade. As denúncias partilhadas por Jorge Amado na sua obra literária nos apresenta a dimensão do seu vigor para dar visibilidade a grupos sociais que são desprovidos de alguma situação de progresso social. Segundo Luís Bueno (2006), o romance social de 1930 colaborou e ampliou as possibilidades para uma nova temática e para o surgimento de um novo tipo de protagonista. 17 A incorporação dos pobres pela ficção é um fenômeno bem visível nesse período. De elemento folclórico, distante do narrador até pela linguagem, como se vê na moda regionalista do início de século, o pobre, chamado agora de proletário, transforma-se em protagonista privilegiado nos romances de 30, cujos narradores procuram atravessar o abismo que separa o intelectual das camadas mais baixas da população, escrevendo uma linguagem mais próxima da fala. (BUENO, 2006, p. 23) Podemos observar que o romance de 30 do século passado foi muito importante, pois através dele os menos favorecidos ganharam voz na literatura brasileira e as condições em que viviam ganharam visibilidade. Os escritores da geração de 1930 se sentiam desafiados a retratar a sociedade brasileira, sua composição cultural e étnica, seus modos de sobrevivência. Essa preocupação servia para evidenciar os conflitos políticos, os problemas econômicos e a falsa noção de desenvolvimento. Os romancistas desse período produziram uma literatura realista que ascendia o subalterno à posição de herói, evidenciando personagens pouco contemplados pelos cânones (BUENO, 2006). Assim, atribuindo notabilidade ao modo de viver desses sujeitos, diante das condições precárias enquanto indivíduos marginalizados pela maioria da sociedade. A década de 1930 se configurou em um período de incertezas políticas e econômicas, o Brasil almejava afirmações positivas de ordem e progresso, mas que, na realidade, o país estava imerso em desigualdades sociais e miséria. O objetivo dos escritores considerados da segunda geração moderna consistia em, a partir do texto literário, desnudar as realidades de um Brasil que iniciava a passos lentos o processo de industrialização, apresentando aos leitores uma consciência de subdesenvolvimento. Desse modo, escrevendo em suas obras representações das carências sociais de uma população para quem o progresso não chegava, explicitando a negação de direitos de um povo subalterno que não pode manter o sonho de progresso, pois estavam inseridos em condições subumanas. De acordo com Bueno (2006, p. 24), Jorge Amado se “autodefinia sendo um revolucionário, um representante legítimo do povo”. Bueno ainda afirma que ao tomar posse na Academia Brasileira de Letras, Jorge Amado discursou e fez uma observação sobre a sua geração e o romance brasileiro: São os dois caminhos do nosso romance, nascendo um em Alencar, nascendo outro de Machado, indo um na direção do romance popular e social, com uma problemática ligada ao país, aos seus problemas, 18 às causas do povo, marchando o outro para o romance dito psicológico, com uma problemática ligada à vida interior, aos sentimentos e problemas individuais, à angustia e à solidão do homem, sem, no entanto, perder seu caráter brasileiro. (BUENO, 2006, p. 31) Evidencia-se no trecho acima uma divisão de linhas seguidas em textos literários, onde há uma abordagem de temas sociais e outra linha que aborda a subjetividade do homem, ou seja, o seu íntimo. Estabelecendo uma relação com a obra a ser analisada em capítulo posterior, observa-se que além de conter a temática social, também é possível encontrar problemas subjetivos do homem, portanto não há uma divisão absoluta em relação ao romance popular e social e o psicológico. Entre as temáticas sociais presentes na obra, destacam-se: abandono, prostituição, violência etc. Essas temáticas são representadas por tipos humanos, onde uma personagem agrupa as características que servirão para determinar um grupo específico, ou seja, uma prostituta caracteriza todas as pessoas nessa condição. Assim, a personagem não é vista sob o ponto de vista individualista, isto é, “O romance, portanto, não tem mesmo protagonista, mas um conjunto de indivíduos que passam por experiências humilhantes.” (BUENO, 2006, p. 251). Na década de 1930 também havia os romances cíclicos. Para Bueno, os romances de Jorge Amado são mais interessantes, “pois somente no último volume de Capitães da Areia, havia a informação, na capa e no prefácio, de que se tratava de um romance cíclico1” (BUENO, p. 41-42). Nesse mesmo período, segundo Bueno, os escritores não seguiam uma mesma forma de atuação, pois “produziram manifestos e profissões de fé, fundaram revistas e formaram grupos, mesmo depois de estarem evidentes as diferenças dentro do grande grupo inicial.” (BUENO, 2006, p. 66). Muitos escritores da década de 1930 criaram obras literárias para mostrar as transformações do país, de forma positiva pela via da modernização. Pois nesse períodohavia uma falsa noção de desenvolvimento e de país novo. Para Bueno, o novo romance que surgiria naquela década está ausente de qualquer crença na 1 Na tentativa de apresentar um panorama da vida social, é que o romance brasileiro de 1930 deu vez ao romance cíclico, como o “Ciclo da Cana-de-Açúcar”, de José Lins do Rego, os “Romances da Bahia”, de Jorge Amado, entre outros. Ver a esse respeito: BUENO, Luís. Uma história do romance de 30. São Paulo: Edusp; Campinas: Editora Unicamp, 2006. 19 possibilidade de uma transformação positiva do país pela via da modernização (BUENO, 2006, p. 69). Outra característica do romance de 1930 é o fato de o proletário ser figura central no romance social. Bueno (2006, p. 118) destaca: “A arte proletária é, pois, a arte antiburguesa do período da luta de classes”. E o autor ainda assinala que “o romance só pode ser proletário se tiver ‘ar de revolta’, ou seja, se as massas neles enfocadas estiverem inclinadas a fazer revolução” (BUENO, 2006, p. 162). Para se fazer romance proletário o artista tem que mostrar uma imagem fiel da pobreza. Proletário aqui é termo bem inclusivo, a abrigar os camponeses e até mesmo mendigos e vagabundos, ou seja, os pobres (BUENO, 2006, p. 163-164). Para Jorge Amado o romance proletário teria que se despreocupar da moral burguesa, eliminando aquilo que seria o “senso de imoralidade”. Isso no campo ideológico do que propriamente literário (BUENO, 2006, p. 164). Vale ressaltar que “o intelectual que escreve o romance de 30 não vem das camadas mais baixas da população e, ao tratar da vida proletária sempre fala de outro” (BUENO, 2006, p. 244). Nos anos de 1930 surgiu um novo comportamento por parte dos escritores, pois nesse período não houve propostas e nem visões unificadas de Brasil, com isso os romancistas dessa época se ocuparam de mergulhar num aspecto específico do presente, além de se inspirarem em leituras acumulativas de autores que já não são conhecidos, com essa atitude houve uma “produção atomizada”. De acordo com Bueno esse é um dos maiores problemas para o estudo do romance de 1930. “Sendo uma produção atomizada e ancorada no presente, sujeita às exigências imediatas, acabou produzindo poucas obras que as gerações de críticos que a sucederam julgaram aptas a integrar nosso cânone literário” (BUENO, 2006, p. 79). 2.3 Apontamentos Críticos sobre a Produção Literária de Jorge Amado Segundo o pesquisador literário Eduardo de Assis Duarte, Jorge Amado sofreu preconceito por parte das universidades brasileiras. Segundo ele há uma “ausência de estudos sistemáticos e abrangentes sobre a obra de Jorge Amado”, porém para o mesmo crítico Jorge Amado é o escritor mais lido dentro e fora do país (DUARTE, 1996, p. 11). O pesquisador admite que Jorge Amado é objeto de uma crítica polêmica e heterogênea, uma vez que as reações aos seus romances foram 20 diversas, circulando entre a adesão e o repúdio. O escritor foi ao mesmo tempo exaltado por seus dons de narrador e fustigado por reparos que vão do sectarismo à pornografia e à rendição ao formato best-seller (DUARTE, 1996, p. 17). Duarte justifica porque há poucos estudos relacionados às obras amadianas: [...] a crítica da obra amadiana tem-se caracterizado, com raras exceções, pela falta de abrangência e profundidade, por um preconceito estético que frequentemente mascara o preconceito ideológico e, principalmente, pelo despreparo teórico para compreender o real significado da obra, além do desconhecimento das matrizes populares que a alimentavam. (DUARTE, 1996, p. 11) Apesar das críticas diversas, e considerando a dimensão da obra do escritor baiano, Duarte defende que Jorge Amado merece análises mais atentas e objetivas – para além do elogio da circunstância ou do mero rebaixamento crítico (DUARTE, 1996, p. 17). Eduardo de Assis Duarte identifica na recepção crítica da obra de Jorge Amado uma tendência à polarização em torno de uma “crítica dos defeitos” e de uma “crítica das belezas”, a qual, porém, acaba por eximir-se de fornecer uma visão global e compreensiva da obra do romancista. Segundo o estudioso: A crítica brasileira, salvo raras exceções, poucas vezes dedicou-se a uma leitura do romance amadiano que levasse em conta a natureza de seu projeto ou as convenções adotadas para sua concretização. Marcadas pelas balizas estéticas do modernismo, dedicou-se em grande parte ora a uma crítica dos defeitos, ora a uma crítica das belezas, para ficarmos com as expressões de Agripino Grieco. No primeiro caso, buscando ressaltar tão-somente as fragilidades; no segundo, apenas os méritos, e, em ambos, não conseguido uma compreensão mais profunda e global desses escritos. (DUARTE, 1996, p. 32) Segundo Duarte a crítica literária fez poucos estudos das obras de Jorge Amado. Álvaro Lins nos dar exemplos dessa “critica dos defeitos”, segundo ele: Jorge Amado simplesmente não era um “verdadeiro escritor”, mas sim um “instintivo”, um romancista de “fracos recursos”, que ostentava “pieguice e mau gosto” como se fossem “troféus”... Em seguida aponta o “primarismo”, a “miséria estilística” e a “poetização da desgraça”, entre outros, como elementos que, por si sós, condenariam a obra a não perdurar e a cair em rápido esquecimento. (DUARTE, 1996, p. 32) 21 Para Bastide, pela primeira vez, o povo encontra “autonomia literária e expressão estética”, segundo ele isso só foi possível na obra de Jorge Amado. Essa autonomia acontece porque o escritor expressa com naturalidade a “língua brasileira” (apud DUARTE, 1996, p. 33). Segundo Duarte, a principal meta de Jorge Amado é “escrever para o povo”, os romances amadianas são marcados pela oralidade e pela coloquialidade. Essa característica tem como finalidade primordial recuperar os falares populares que não foram incorporados, ou foram excessivamente estilizados pelo romance brasileiro. Não bastava trazer o povo, o proletário para o centro da ação romanesca; urgia fazê-lo falar da forma mais natural possível, numa linguagem tão “nova” quanto “verdadeira”, em que a dureza da “língua errada do povo” equivalesse de modo isônomo e verossímil, à igual dureza das situações retratadas, para atingir, assim, a representação na narrativa. Tudo isto decore da meta principal de escrever para o povo, abordando seus problemas a partir de suas próprias formas de expressão para assim tê-lo como leitor. Impunha- se, pois, renovar profundamente a linguagem literária para que esta desse conta da meta revolucionária a que se propunha o romance. (DUARTE, 1996, p. 12) Duarte nos afirma ainda que Jorge Amado representou o oprimido de forma positiva, “não apenas na fala, mas quando cresce e afirma sua dignidade na resistência à opressão e na luta por sua superação” (DUARTE, 1996, p. 13). Com base nesse estilo os romancistas centravam nos enredos as tradições populares nos diversos gêneros textuais da época e incorporavam as aventuras e o heroísmo; tudo isso era combinado com as conquistas formais do modernismo e com a estética realista, voltada para as classes menos favorecidas da época. Nesse sentido, esse novo estilo superou o realismo tradicional, trazendo para o cenário o proletário como protagonista, e como narrador de suas próprias experiências. Estamos diante do “Romance Proletário”, segundo Duarte (1996, p. 13). De acordo com Duarte os proletários amadianos são muitos diferentes: “estes pensam, discutem, procuram entender o processo em que estão envolvidos e imaginar saídas” (DUARTE, 1996, p. 13). O romance Capitães da Areia é um “romance de formação proletários”, segundo Duarte na ficção de Jorge Amado ocorre o que ele chama de “a circularidade romanesca”, ou seja, um romance nasce do outro. No caso da obra em 22 estudo, ela nasceu de Jubiabá. Com a história de PedroBala o escritor fechará um dos seus movimentos conhecido como “o do ciclo do proletário da ‘cidade da Bahia’.” (DUARTE, 1996, p. 114). O romance em questão irá abordar a infância abandonada e delinquente, que para o período em que veio a público, 1937, esses problemas eram considerados um escândalo. Porém, os conflitos que move o romance são os contrastes existentes entre ricos e pobres, fracos contra fortes e pequenos marginais contra a sociedade opressora. Isso tudo se materializara nos rostos angelicais de crianças (DUARTE, 1996, p. 114-115). Como afirma Duarte (2006): “Capitães da Areia concentra a força de seus méritos mais na denúncia candente da condição dos meninos de rua, única em toda a literatura dos anos 30, do que na construção cuidadosa das etapas ascensionais do Bildungsroman2 proletário.” (DUARTE, 1996, p. 119). Em “Capitães da Areia, Jorge Amado dedica-se a traçar os caminhos da formação do herói proletário no Brasil dos anos 30” (DUARTE, 1996, p. 121). Para tanto, o protagonismo da infância na narrativa amadiana destaca o universo desses sujeitos oprimidos pela sociedade e que foram levados a cometer delitos e violências. 2 Bildungsroman é um termo que designa um tipo de romance, em que o processo de formação de uma personagem é apresentado durante a narrativa, detalhando o seu desenvolvimento físico, psicológico e ainda social, da fase infantil ou juvenil até chegar a uma maturidade, cuja etapa se dá quando o protagonista realiza um trajeto em que há um movimento de ascensão das classes subalternas. Ver a esse respeito, DUARTE, Eduardo de Assis. Jorge Amado: romance em tempo de utopia. Rio de Janeiro; São Paulo: 1996. 23 3 INFÂNCIA: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS PERTINENTES Ao falarmos de infância, podemos perceber que esta é uma fase da vida de suma importância para o ser humano, portanto não podemos nos referir a essa etapa da vida como uma abstração, mas sim como um conjunto de fatores que vão determinar o modo de pensar e viver essa infância. Desse modo, para que se haja infância, ela tem que ser composta por inúmeros fatores, que vai desde a família (pai, mãe e outros integrantes) e também pela instituição escolar, entre outros fatores. Philippe Ariès (1981), em seu livro História Social da Criança e da Família, comenta que, desde o século XII até o início do século XX, a sociedade vem criando conceitos e modelos para a infância, além de organismos que a valorizem, principalmente a infância pobre e desamparada, pois segundo o autor o sentimento de infância se deu em princípio nas camadas mais ilustres da sociedade, enquanto que as crianças pobres ficaram sem conhecer o verdadeiro significado da infância. Sendo assim, elas ficaram a mercê da própria sorte. Dessa maneira, como a infância é o tema central deste estudo, se faz necessário apresentar algumas considerações pertinentes acerca do assunto em questão. Vale ressaltar, ainda, que os personagens da narrativa Capitães da Areia são indivíduos desassistidos socialmente e que não vivenciam essa fase da vida humana. 3.1 Conceituando Infância O conceito de infância se deu em três períodos diferentes da história, segundo Ariès (1981). No primeiro período (Idade Média, por volta dos séculos XI e XII), a criança era vista como um adulto em miniatura, pois, nessa época não havia distinção entre o adulto e a criança, ou seja, a criança era desde pequena inserida no mundo dos adultos, muito embora não reconhecida como indivíduo que necessitasse de atenção e cuidados específicos. No segundo período (final do século XVII), de acordo com o teórico, ocorreu uma mudança na forma de ver a criança, cuja concepção foi modificada devido à constituição do modelo familiar burguês, propiciando, assim, o reconhecimento da infância. Nesse momento, a sociedade passa a se preocupar com a inocência da criança, pois a separa do mundo dos adultos e a coloca na escola sob a vigia dos professores. O terceiro e 24 último período (por volta do século XIX) é caracterizado pela firmação do conceito de infância. Ariès afirma que nesse período a criança passou a ocupar o lugar central no seio familiar, devido à ligação dela com a figura dos anjos que eram vistos como seres puros e divinos. Segundo Ariès (1981, p. 65): A descoberta da infância começou sem dúvida no século XIII, e sua evolução pode ser acompanhada na história da arte e na iconografia dos séculos XV e XVI. Mas os sinais de seu desenvolvimento tornaram-se particularmente numerosos e significativos a partir do final do século XVI e durante o século XVII. Esse fato é confirmado pelo gosto manifestado na época pelos hábitos e pelo jargão das crianças pequenas. A infância, de acordo com Ariès (1981), passou muitos séculos para se chegar ao conceito existente hoje, e foi possível acompanhar essa evolução através da arte icnográfica. É possível perceber também que a definição de criança é recente na história social da infância, datada do final do século XVI e XVII. Desse modo, foram necessários vários séculos para que se constituísse a infância que hoje conhecemos, a partir do reconhecimento de características específicas que distinguissem crianças de adolescentes e de adultos. Atualmente, a criança é reconhecida como um ser de direitos, pessoa sensível, dotada de história e que a seu modo, contribui com a sociedade, pertencendo, portanto, ao mesmo universo dos adultos e ocupando nele um grau apropriado de importância. A infância não acontece de forma repentina, mas sim, de forma lenta, onde tudo se concretiza no seu tempo. Desse modo, a família é a grande responsável por essa formação e esses acontecimentos variam de acordo com as práticas adotadas por cada família, ou seja, a forma de educar varia de família para família. Segundo Gomes (2005) a família serve como base para o bom desenvolvimento da criança. Sendo assim, essa instituição social pode apresentar-se, atualmente, de diversas formas, com componentes distintos do que foi padronizado por séculos pela sociedade, ou seja, a criança, a priori, necessita da família, ou pelo menos de uma composição que se possa chamar de família, para a sua formação social. Ambires (2010, p. 24-25, grifo do autor), em seu livro “Imagens da infância e da adolescência em Otto Lara Resende”, nos dá o seguinte conceito de infância: Devido a isto, é primeiramente um termo derivado do verbo latino fari, “falar”, cujo particípio presente é fans que significa “o que fala” 25 ou “o falante”. Contudo, por conta do prefixo negativo in, tem-se, a princípio, infans com o sentido de “o que não fala” ou “o não-falante”. Cabe, então, lembrar que, na situação, seria, assim, o período da vida que abarca todos “os que não falam” e requerem, por conta do fato, formação, educação, para deixarem o estágio de “não-falantes” ou, já em ampliação semântica do termo, deixarem o que é “infantil”. [...] a infância é indubitavelmente época de vida, mas, por conseguinte, episódio a ser superado por um que lhe é superior: a fase adulta que, em hipótese, é o período em que se fala e, por extensão, em alguns casos, se fala bem, pois o adulto (alguns ao menos) já recebeu formação, introjetou normas ou, noutros termos, transformou-se no modelo que lhe foi oferecido. [...] infância é também termo ligado a infante, designação sinônima de príncipe que é, em sua validade, a criança entre as crianças e aquele a quem, por isto, cabem as coisas principais. A infância é um período da vida em que a criança não fala, e por consequência disso precisa de formação educacional, para deixar esse estágio de “não-falantes”. E para ampliar essa concepção, podemos depreender que infância também designa fase em que o indivíduo necessita de um suporte para o seu desenvolvimento, seja entre as relaçõesfamiliares, seja na interação com o adulto ou também com a sociedade, tornando-o um sujeito autônomo diante das situações que se apresentam para ele na vivência com seus pares. Portanto, é um período da vida que a criança está em fase de crescimento e de formação intelectual, fase essa que precisa de cuidados, atenção, carinho, ou seja, ela precisa de todos esses fatores para se tornar um adulto independente. 3.2 História Social da Infância Segundo Ariès (1981), na Idade Média não havia lugar para a criança, pois ela era vista como adulto em miniatura, ou seja, havia uma “ausência do sentimento de infância” (ARIÈS, 1981, p. 14). Como afirma o autor: “De criancinha pequena, ela se transformava imediatamente em homem jovem, [...]” (ARIÈS, 1981, p. 10) “A passagem da criança pela família e pela sociedade era muito breve e muito insignificante para que tivesse tempo ou razão de forçar a memória e a tocar a sensibilidade” (ARIÈS, 1981, p. 10). A sensibilidade da criança ao mundo, que era apresentado a ela, era ignorada e posta de lado, em razão dos ideais de uma época que desrespeitava a criança. Portanto, Ariès (1981) afirma: 26 Contudo um sentimento superficial da criança – a que chamei “paparicação” – era reservado à criancinha em seus primeiros anos de vida, enquanto ela ainda era uma coisinha engraçadinha. As pessoas se divertiam com a criança pequena como com um animalzinho, um macaquinho impudico. Se ela morresse então, como muitas vezes acontecia, alguns podiam ficar desolados, mas a regra geral era não fazer muito caso, pois outra criança logo a substituiria. A criança não chegava a sair de uma espécie de anonimato. (ARIÈS, 1981, p. 10) Segundo Ariès (1981, p. 14), “A criança era, portanto diferente do homem, mas apenas no tamanho e na força, enquanto as outras características permaneciam iguais”. Até nas roupas da época essa característica era clara: “Nada, no traje medieval, separava a criança do adulto. Não seria possível imaginar atitudes mais diferentes com relação à infância” (ARIÈS, 1981, p. 70). Só foi a partir do século XVII que a criança nobre ou burguesa passou a ter seu próprio traje, pois este era particular à sua idade. Essas características eram típicas de uma sociedade em que a estrutura familiar era muito extensa, “composta de várias gerações ou vários grupos colaterais” (ARIÈS, 1981, p. 10). Nesse mesmo período, segundo Ariès (1981, p. 11): As trocas afetivas e as comunicações sócias eram realizadas, portanto fora da família, num “meio” muito denso e quente, composto de vizinhos, amigos, amos e criados, crianças e velhos, mulheres e homens, em que a inclinação se podia manifestar mais livremente. As famílias conjugais se diluíam nesse meio. Outro fator importante foi que a escola substituiu a aprendizagem das crianças que era feita, a priori, pelos adultos. Com essa mudança a família passou a ocupar um lugar de afeição entre os cônjuges e entre pais e filhos, algo que não acontecia antes. “Essa afeição se exprimiu sobretudo através da importância que se passou a atribuir a educação” (ARIÈS, 1981, p. 11). Assim, foi necessário que a família limitasse o número de filhos para melhor cuidar deles. Portanto, Alain Besançon assinala que: [...] a criança não é apenas o traje, as brincadeiras, a escola, nem mesmo o sentimento da infância [ou seja, modalidades históricas, empiricamente perceptíveis]; ela é uma pessoa, um processo, uma história, que os psicólogos tentam reconstituir, um termo de comparação. (apud ARIÈS, 1981, p. 13) 27 Outra característica importante, evidenciada por Ariès (1981, p. 50), foi que “até por volta do século XII, a arte medieval desconhecia a infância ou não tentava representá-la”. Mas se a arte não as representava nessa época é porque, até o final do século XIII, não existiam crianças por sua expressão particular, pois elas eram retratadas como homens de tamanho reduzido. Só foi por volta do século XIII que a arte pictórica passaria a representar a criança. Essas representações eram próximas do sentimento moderno. No primeiro momento, a icnografia das cortes europeias passou a mostrar a criança na figura de anjos, “representado sob a aparência de um rapaz muito jovem” (ARIÈS, 1981, p. 52). Depois passou a representar a criança na figura do menino Jesus. E o último tipo de criança foi a criancinha nua, esse tipo de criança apareceu na fase gótica (ARIÈS, 1981, p. 53). Com base nas informações supracitadas, podemos compreender que tudo na vida do ser humano muda, assim como a sua relação com a sociedade. Contudo, é importante observarmos que essas características lá da Idade Média não poderiam permanecer estáticas em uma sociedade que está em constante evolução. No entanto, a infância pode ser compreendida ou concebida de acordo com as representações e segundo a visão e opinião que cada um tem desse período inicial da vida do ser humano. Segundo Ariès (1981), na Idade Média “As idades da vida” também passaram a ocupar um lugar importante nos tratados pseudocientíficos. E foi durante o século XVII que se generalizou o hábito de pintar nos objetos e na mobília uma data solene, e foi a partir daí que as idades passaram a ter importância. Ainda de acordo com Ariès (1981) nesse período existiam seis etapas da vida. A primeira idade é a infância, que vai do nascimento até os sete anos, nessa idade a pessoa não fala bem e não sabe formar perfeitamente suas próprias palavras porque não tem dentes bem ordenados. Logo após, vem à segunda idade que é chamada de pueritia, dura até os 14 anos, onde a criança ainda é considerada “como a menina do olho”; a terceira idade é chamada de adolescência, segundo Constantino dura até os 21 anos, mas para Isidoro dura até os 28 anos, fase em que o autor francês considera que o indivíduo ainda está em desenvolvimento físico apropriado a sua natureza e ainda apto a procriar. Essas três etapas não eram valorizadas pela sociedade. Isso só se deu a partir da quarta idade, em que as pessoas começaram a ser reconhecidas socialmente. Essa idade era chamada de juventude e ia até os 45 28 anos. Ainda existia a quinta idade chamada de senectude, em que a pessoa não era velha, mas já tinha passado da juventude; e por fim, a sexta idade que é a velhice, com duração até os 70 anos ou até a morte. Vale ressaltar que as idades categorizadas por Ariès (1981) nos auxiliarão no momento da análise, que se dará posteriormente. Para o mesmo autor, “As idades da vida eram também uma das formas comuns de conceber a biologia humana, em relação com as correspondências secretas internaturais” (ARIÈS, 1981, p. 35). Segundo Ariès (1981, p. 39), na Idade Média, poucos homens tinham o privilégio de percorrer todas as idades da vida, pois nessa época havia um grande número de mortalidade. As idades da vida tornaram-se popular e foi um termo utilizado com frequência na icnografia profana. Mas só foi a partir do século XIV que a icnografia fixou seus traços essenciais, com isso seus traços permaneceram até o século XVIII com poucas alterações. Portanto, Ariès (1981, p. 39) nos mostra outro conceito das idades da vida: Primeiro, a idade dos brinquedos: as crianças brincam com um cavalo de pau, uma boneca, um pequeno moinho ou pássaros amarrados. Depois, a idade da escola: os meninos aprendem a ler ou seguram um livro e um estojo; as meninas aprendem a fiar. Em seguida, as idades do amor ou dos esportes da corte e da cavalaria: festas, passeios de rapazes e moças, corte de amor, as bodas ou a caçada do mês de maio dos calendários. Em seguida, as idades da guerra e da cavalaria: um homem armado. Finalmente, as idades sedentárias, dos homens da lei, da ciência ou do estudo: o velho sábio barbudo vestido segundo a moda antiga, diante de sua escrivaninha, perto da lareira. Foi possível observarmos que as idades da vida,mencionadas por Ariès, no século XIV permaneceram inalteradas até o século XXI, pois se formos fazer uma análise minuciosa todas essas fases continuam iguais à atualidade. Pois a primeira fase da vida (segundo ele, idades da vida) é a infância, depois a adolescência e, por fim, ficamos adultos. De acordo com Ariès (1981, p. 40): Esses atributos da arte do século XIV seriam encontrados, quase idênticos, em gravuras de natureza mais popular, mais familiar, que subsistiram do século XVI até o início do XIX, com pouquíssimas mudanças. Essas gravuras eram chamadas Degraus das idades, pois retratavam pessoas que representavam as idades justapostas 29 do nascimento até a morte, muitas vezes de pé, sobre degraus que subiam à esquerda e desciam à direita. Para Ariès (1981, p. 39-41), “As idades da vida não correspondiam apenas a etapas biológicas, mas a funções sociais”. Segundo ele existiam homens jovens na lei, porém o estudo era uma ocupação dos mais velhos. Entretanto, foi somente a partir do século XIX que a preocupação com as idades se tornaria fundamental (ARIÈS, 1981, p. 166). Outra ausência nítida do sentimento de infância evidenciada por Ariès (1981) é que as famílias associavam as crianças nas brincadeiras e práticas sexuais, segundo ele essas práticas não chocavam as pessoas da época, pois isso era normal. No século XVI, “O respeito devido às crianças era então algo totalmente ignorado. Os adultos se permitiam tudo diante delas: linguagem grosseira, ações e situações escabrosas; elas ouviam e viam tudo”. [...] “esse hábito de associá-las a brincadeira que girava em torno de temas sexuais para nós é surpreendente”. No entanto, “atitudes diante da sexualidade, e sem dúvida a própria sexualidade, variam de acordo com o meio, e, por conseguinte, segundo as épocas e as mentalidades” (ARIÈS, 1981, p. 128-129). Outro surgimento importante na sociedade foi o sentimento da família, que segundo Ariès (1981, p. 207) esse sentimento emergiu nos séculos XVI-XVII: “em meados do século XVI, os artistas começaram a representar a família em torno de uma mesa coberta de frutas”. É importante ressaltarmos que esse sentimento veio acompanhado do sentimento de infância. Nessa época a família não podia alimentar um sentimento profundo entre pais e filhos, porque a realidade existente dentro da família era mais moral e social do que sentimental. “Nos meios mais ricos, a família se confundia com a prosperidade do patrimônio, a honra do nome”. Já entre os pobres esse sentimento quase não existia. Porém, quando havia riqueza e ambição esse sentimento era provocado pelas antigas relações de linhagem. Só foi a partir do século XV que o sentimento e as realidades da família se transformaram (ARIÈS, 1981, p. 231). No final da Idade Média e nos séculos XVI e XVII, Ariès nos mostra que a criança havia conquistado seu espaço dentro da família: Essa volta das crianças ao lar foi um grande acontecimento: ela deu à família do século XVII sua principal característica, que a distinguiu 30 das famílias medievais. A criança tornou-se um elemento indispensável da vida cotidiana, e os adultos passaram a se preocupar com sua educação, carreira e futuro. Ela não era ainda o pivô de todo o sistema, mas tornara-se uma personagem muito mais consistente. Essa família do século XVII, entretanto, não era a família moderna: distinguia-se desta pela enorme massa de sociabilidade que conservava. Onde ela existia, ou seja, nas grandes casas, ela era um centro de relações sociais, a capital de uma pequena sociedade complexa e hierarquizada, comandada pelo chefe de família. (ARIÈS, 1981, p. 270) A família também passou a se preocupar com a saúde e a higiene das crianças, aliás, tudo que envolvia a criança e a família era digno de atenção. “Não apenas o futuro da criança, mas também sua simples presença e existência eram dignas de preocupação” (ARIÈS, 1981, p. 164). Assim, podemos concluir o quanto, a partir de então, a criança assume sua posição na composição da família, sendo reconhecida e ganhando destaque entre os seus parentes e à sociedade, de um modo geral. Segundo Santos (1969, p. 149), a família é importante na sociedade e pode ser formada da seguinte maneira, como menciona o autor: A família é uma instituição de direito natural que precede o Estado e a própria sociedade civil, pois esta nada mais é do que uma reunião de famílias. Ela se constitui pelo matrimônio, que é a reunião do homem e da mulher, firmando uma comunidade de vida, cujo fim é a procriação e a educação dos filhos, bem como assistência física mútua. Desse modo, percebe-se que a família surge de forma espontânea e que essa família é composta por um homem e uma mulher, e que ao longo dos anos essa família se expandira com o surgimento dos filhos e que, a partir desse surgimento, a família passara a ter mais responsabilidades. Responsabilidades estas que inclui educação, criação e proteção dessa criança. Para Antunes (2001), a família constitui-se do casal de pais, em que ambos os sexos seguem os padrões tradicionais da sociedade. Para ressaltarmos ainda sobre a importância da família para a criança, a Constituição Federal, que é a lei maior de nosso país em seu art. 227, nos diz que: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à 31 profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (VADE MECUM SARAIVA, 2011, p. 79) Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em seu Art. 19, diz que: “Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta.” (VADE MECUM SARAIVA, 2011, p. 1080). Gomes (2005, p. 27) ressalta que: “É interessante perceber que este elenco normativo não só se refere à proteção da criança e do adolescente, como também à assistência e à proteção da família, quando do exercício de suas funções.” É notório, também, que não só a família é responsável pela criança, mas a sociedade e o Estado devem contribuir juntos para que todos esses direitos sejam garantidos a elas. E que a família tem o dever de educá-las, sendo esta família consanguínea ou não. Percebe-se que ao longo dos anos ocorreram mudanças significativas na família e na forma de ver as crianças. Hoje, o infante tornou-se sujeito das preocupações e cuidados dos adultos. Na atualidade, a família preocupa-se com o que elas vão vestir, quais brincadeiras e brinquedos podem brincar, com a saúde e educação delas. A criança também é vista como um ser social, com fases de idades que devem se respeitadas. Como afirma Piaget (2010, p. 138): “a infância é uma etapa biologicamente útil, cujo significado é o de uma adaptação progressiva ao meio físico e social”. Desse modo, a infância é uma etapa em que o indivíduo está em desenvolvimento, implicando a necessidade de uma série de demandas que atenderão à sua formação enquanto ser social, como por exemplo, a educação. Portanto, foi possível chegarmos à conclusão de que a infância é um fenômeno histórico, e com o passar dos anos foram se multiplicando as ações e propostas dirigidas a essa fase inicial da vida, cujas propostas estão na educação, na saúde e nas políticas públicas, enfim nas diversas esferas da sociedade contemporânea. Segundo Ariès (1981, p. 163), As crianças são plantas jovens que é preciso cultivar e regar com frequência: alguns conselhos dados na hora certa, algumas 32 demonstrações de ternura e amizade feitas de tempos em tempos as comovem e as conquistam. Algumas carícias, alguns presentinhos, algumas palavrasde confiança e cordialidade impressionam seu espírito, e poucas são as que resistem a esses meios doces e fáceis de transformá-las em pessoas honradas e probas. A preocupação era sempre a de fazer dessas crianças pessoas honradas e probas e homens racionais. Portanto, a maneira como a infância é vista atualmente é consequência das constantes transformações pelas quais passamos, e é importante nos darmos conta dessas transformações, para que possamos compreender a dimensão que a infância ocupa no mundo contemporâneo. 3.3 Uma Infância à Margem Sob uma perspectiva sociológica, podemos iniciar esta seção reiterando o que muitos estudiosos pensam sobre a infância, convergindo para um alinhamento de um assunto delicado e que requer permanente atenção de instituições e indivíduos, que podem contribuir com a manutenção das garantias dos direitos conquistados para essa parcela de pessoas. Para tanto, Dimenstein (1995) comenta: A criança é o elo mais fraco e exposto da cadeia social. Se um país é uma árvore, a criança é um fruto. E está para o progresso social e econômico, como a semente para a plantação. Nenhuma nação conseguiu progredir sem investir na educação, o que significa investir na infância. Por um motivo bem simples: ninguém planta nada se não tiver uma semente. (DIMENSTEIN, 1995, p. 8) Esse pensamento do autor confirma a permanente condição ascensional que temos que proporcionar às crianças, em que sua atuação na sociedade pode decorrer das melhorias que oferecemos a elas, especialmente às marginalizadas. Diante desse contexto, esperamos que a criança deixe essa posição periférica na sociedade, cujas consequências podem causar efeitos negativos na sua maturação, enquanto ser biológico e social. Numa visão mais ampliada, citamos Pauletti (2012) que diz: A infância é uma fase muito importante no desenvolvimento da criança, principalmente em relação à família, quando se constroem vínculos afetivos e direcionamento moral, que influenciam na 33 formação do caráter, preparando-as para a adolescência, que é o período de profundas modificações físicas, psicológicas e sociais. Essa etapa, entretanto, exige acompanhamento familiar, educacional, social e religioso. Mas, infelizmente, a problemática da infância e da adolescência continua presente a cada dia e se tornou um problema constante no mundo contemporâneo e um assunto bastante tratado por escritores, sociólogos, psicólogos etc. (PAULETTI, 2012, p. 39) Nesse sentido, a autora afirma que a família é o alicerce para o bom desenvolvimento da criança no convívio em sociedade, pois nesse estágio o indivíduo está em constante transformação e, naturalmente, carece de uma formação que atenda às suas demandas existenciais. A criança marginal, no sentido de estar excluída (à margem) ou de cometer delitos na sociedade, representada na dimensão literária nos dá um certo retrato do painel social das condições de vida a que ela é submetida. Muitos fatores contribuem para a marginalização das crianças, como a falta de um apoio familiar, as desigualdades sociais entre ricos e pobres, bem como a desassistência por parte do governo para esses sujeitos (PAULETTI, 2012, p. 62). Em se tratando de marginalização de crianças e adolescentes, de acordo com Mello (2006) há alguns fatores que identificam a condição de marginal e marginalizado, segundo a autora esses fatores estão ligados à condição de pobreza no meio urbano. Assim, são as pessoas que estão à margem, localizadas nas favelas e subúrbio das grandes metrópoles, as famílias de baixa renda, desempregados e os migrantes rurais, ou seja, são todos aqueles que incomodam e são considerados como problemas para os ricos. Segundo Mello (2006, p. 12), “[...] a questão da marginalidade social configura-se como um desajuste, uma disfunção corrigível do sistema sem a necessidade de transformá-lo.” Portanto, as alterações possíveis para uma condição mais favorável de vida social ao indivíduo são pertinentes, considerando as peculiaridades de cada estrato social, sejam crianças ou adultos. A propósito Mello (2006) ainda nos diz que: Podemos apontar que a marginalização não se constitui em um problema de integração em uma sociedade considerada harmônica, mas é decorrente de contradições fundamentais, iminentes ao desenvolvimento brasileiro, capitalista e dependente, que pode ser compreendida no contexto histórico de uma estrutura social forjada 34 através do conflito com contradições que se expressam de várias formas e em diversos níveis. (MELLO, 2006, p. 12) Nesse sentido, a condição de marginalização é resultado de alguns problemas de ordem estruturante e sistemática da vida social, numa perspectiva sociohistórica. Segundo Mello (2006, p. 12), “[...] o homem não é um ser marginalizado porque não participa e não porque seja um desajustado, mas porque existem relações na sociedade que determinam sua exclusão e sua própria condição de ‘marginal’”. Mello (2006) afirma ainda que: [...] o conceito de marginalidade social indica a situação de amplas camadas da população que vive em condições desiguais e desumanas, tanto no que se refere à repartição desigual dos bens de consumo gerados pela economia de mercado, quanto pela esfera de produção. A marginalidade social exprime, portanto, uma relação de dominação, que envolve a vida no seu conjunto. (MELLO, 2006, p. 12) Percebe-se que, através do conceito de marginalização social, não existe apenas um tipo de pessoa marginalizada, mas vários tipos de marginalização social, pessoas essas que vivem em condições desiguais e desumanas na sociedade. E essas desigualdades estão ligadas à má distribuição de renda e de produção. Nesse sentido, o meio social é que cria formas de exclusão. 35 4 A INFÂNCIA EM CAPITÃES DA AREIA Antes de falarmos das representações da infância na narrativa de Jorge Amado, é importante discorremos também, ainda que brevemente, o que vem a ser essas representações. Tomaremos como base a ideia apresentada por Anderson Luís Nunes da Mata (2010) na sua dissertação de mestrado, intitulada “O silêncio das crianças: representações da infância na narrativa brasileira contemporânea”. Segundo o autor “o termo representação é utilizado em várias línguas, para designar diversos processos: a ação do ator em cena, a configuração de elementos ficcionais num enredo e a relação entre eleitores e eleitos no processo político.” (MATA, 2010, p. 12). De acordo com Mata (2010), esses três casos mencionados, “pretendem falar em nome de alguém, seja o autor com relação ao seu personagem, seja o escritor com o seu entrecho ou o agente político com seu eleitor” (MATA, 2010, p. 12). No caso deste estudo, o que vai nos interessar é a configuração de elementos ficcionais no enredo de Capitães da Areia, especialmente as personagens e o narrador. Ainda de acordo com o autor supracitado “[...] essa representação não ocorre sem modificações, sem uma operação configuracional” (MATA, 2010, p. 12). Pois como ele afirma que: “A perspectiva da infância apresentada na literatura não se mostra falando em nome próprio”. (MATA, 2010, p. 12). Segundo ele “a criança não é reconhecida como escritor”, pois é um papel do autor representar a criança e dar a ela a voz de um adulto dentro da literatura e também mostrar pontos de vista diferentes sobre ela. Anderson da Mata (2010, p. 17) assinala que: A infância foi explorada por gerações de escritores, realistas e modernistas, como tempo de passagem para a vida adulta, tema frequentemente trazido à tona de modo simbólico e, ele mesmo, símbolo que condensa tensões, traumas e contradições com vistas a uma condição humana de feição mais adulta que infantil. A propósito, a infância esteve presente em muitas narrativas da literatura brasileira, como em: Infância,de Graciliano Ramos; Menino de Engenho, de José Lins do Rego e os Cavalinhos de Platiplanto e Sombras de reis barbudos, de José J. Veiga (MATA, 2010, p. 19). E na narrativa do escritor Jorge Amado a criança também ganha destaque a respeito da sua condição social. Na obra Capitães da 36 Areia que será analisada neste capítulo, iremos mostrar alguns aspectos que julgamos terem levado essas crianças à marginalização. Como afirma Pauletti (2012): Jorge Amado dedicou-se aos marginalizados, como os menores abandonados, o povo oprimido e injustiçado das classes mais pobres e populares e registrou em suas obras experiências que ele mesmo vivenciou. Em Capitães da Areia, ele ressalta a oposição entre ricos e pobres, entre a burguesia e as crianças abandonadas, mas também mostra as diferenças no plano da religião e dos direitos humanos, deixando-nos a certeza de que seus personagens são frutos do meio em que vivem, refletindo em seus atos a própria realidade. (PAULETTI, 2012, p. 63) A seguir, apresentaremos o resumo da narrativa selecionada para esta pesquisa, evidenciando, naturalmente, a presença da infância relacionada à marginalização da criança, como fora citado. 4.1 Infância e Marginalização Capitães da Areia é um romance que trata da problemática do menor abandonado e das suas consequências: a violência, a criminalidade, a discriminação e a prostituição. A narrativa inicia-se com uma sequência de Cartas à Redação do Jornal da Tarde: Carta do Secretário do Chefe de Polícia; Carta do doutor Juiz de Menores; Carta de uma Mãe Costureira; Carta do Padre José Pedro; Carta do Diretor do Reformatório. Todas essas cartas tinham a intenção de debater sobre as questões referentes a essas crianças que vivem do furto e que infestavam a cidade. A narrativa divide-se em três partes: a primeira “Sob a lua num velho trapiche abandonado”, a segunda “Noite da grande paz, da grande paz dos teus olhos” e a terceira “Canção da Bahia, Canção da liberdade”. Na primeira parte, há a apresentação do ambiente familiar dos capitães da areia, local onde todas as ações do grupo acontece, um lugar que no passado foi movimento, mas que se tornou um ambiente sujo e infestado de ratos. Esse capítulo além de apresentar o trapiche (armazém abandonado) também caracteriza o bando dos capitães da areia chefiados por Pedro Bala, um menino de quinze anos, que ganhou o direito de liderança, após uma “briga de foice”. Loiro com uma cicatriz no rosto passou a ser uma espécie de pai para os garotos. Ele tinha a autoridade 37 necessária para liderar o grupo, agilidade e, acima de tudo, tornou-se um exemplo para aqueles meninos (mais tarde sabe-se que Bala era filho de sindicalista importante que morreu lutando pelos direitos de toda a classe dos trabalhadores iguais a ele). João José (Professor) era uma espécie de intelectual do grupo, o único, dentre eles, que sabe ler, tem pilhas de livros roubados das bibliotecas, que são o seu tesouro, e, apesar de não ter estudado, mostra uma visão profunda sobre a miséria em que vivem os meninos, e ao decorrer da obra, faz reflexões sobre os momentos passados por eles, mostra uma sensibilidade profunda, mesmo sendo um garoto de quatorze anos. Gato era um malandro, usava sua esperteza para conseguir “se dar bem na vida”, apesar de sua pouca idade, é o galanteador das prostitutas. Sem-pernas era o ódio em pessoa. Desde pequeno aprendera a odiar a tudo e a todos, até mesmo quando amava. Fingia-se de órfão desamparado e se aproveitava de suas vítimas para roubá-las. João Grande era o “negro bom” como dizia Pedro Bala. Tinha esse nome por causa de sua estatura que era maior do que a de todos. Pirulito também se destaca pelo seu infinito amor pela religião, por Deus e Jesus Cristo. Boa-Vida, malandro nato, que vive de enganar trouxas nas apostas de baralho; e Volta Seca, sertanejo com um grande amor às suas origens, que vive na espera de um dia ir embora do grupo para fazer parte do bando de Lampião, seu padrinho. Na segunda parte do romance, o autor conta a história amorosa entre o chefe dos capitães da areia (Pedro Bala) e Dora, a única figura feminina a se unir ao bando e que despertou em Pedro Bala um dos mais lindos sentimentos, o amor. Em seus delírios ela era a “estrela” que o guiava e o conduzia ao mais profundo lugar do seu coração, ela lhe trazia muita paz, mesmo com duração de poucos segundos; o amor dos dois fez com que professor conhecesse um sentimento não correspondido, pois o mesmo a amava. Dora também é retratada como símbolo materno, pois, era nas carícias dela que o Sem-Pernas sonhava com o calor de sua mãe. No final do segundo capítulo, Dora morre, após uma linda noite de amor com Pedro Bala. Ela estava muito doente, tinha pego alastrim (bexiga negra), um tipo de doença da época. “Canção da Bahia, Canção da Liberdade” é o desfecho do romance, nesta parte é narrada à separação dos capitães da areia. Cada um tem um destino diferente. Boa-vida continua sendo malandro, e tocando samba nos bares; Pirulito como era religioso foi para o seminário e se tonou padre; Gato continua na vida 38 sendo um explorador de mulheres; Sem-Pernas morre, fugindo da polícia; e Volta- Seca se alia ao grupo de Lampião, os demais se tornam revolucionários. Como é o caso de Pedro Bala, que seguiu seu destino como organizador de greves e João José, o Professor, que vai embora para o Rio de Janeiro e se tona um pintor famoso. A infância na obra de Jorge Amado configura-se em diversos aspectos, como: a relação criança/família, a relação criança/adulto e a relação criança/rua. Esses aspectos podem ser apontados na obra Capitães da Areia, evidenciando-se nos componentes estruturais da narrativa: personagem e narrador, como veremos a seguir. 4.1.1 A construção das personagens O romance Capitães da Areia traz em sua narrativa vários aspectos de cunho social, vivenciados pelas personagens do enredo, porém só serão abordados os três aspectos citados anteriormente que julgamos relevantes para esta pesquisa. O primeiro aspecto que será analisado é a relação criança/família, no caso mais específico a ausência desta na vida das personagens crianças. É possível observarmos que a família tradicional, composta pelo pai e pela mãe, é de suma importância na vida da criança e do adolescente, pois ela se caracteriza como sendo a base para o bom desenvolvimento das etapas da vida do ser humano, conforme atesta Ariès (1981) anteriormente. Vale salientar que é nessa fase da vida que a criança está formando seu caráter. No romance Capitães da Areia existia a ausência de uma família tradicional, pois em razão dessa ausência as crianças sentiam falta de amor, carinho e de um colo maternal. Essa falta de afeto e de uma mãe fica evidente no seguinte trecho: [...] – Está chorando, meu filho? – e desapareceu da janela para vir para junto dele. Só então o Sem-Pernas viu que estava mesmo chorando, limpou as lágrimas, mordeu a mão. Dona Ester chegava para junto dele: – Está chorando, Augusto? Aconteceu alguma coisa? – Não, senhora. Não estou chorando, não... – Não minta, meu filho. Bem que eu vejo... O que passou? Está se lembrando da sua mãe? E o trouxe para junto de si, sentou-se no banco, encostou a cabeça do Sem-Pernas no seu seio maternal. – Não chore por sua mãe. Agora você tem outra mãezinha que lhe quer bem e fará tudo para substituir a que você perdeu... (... e ele 39 faria tudo para substituir o filho que ela perdera, ouviu o Sem-Pernas dentro de si). Dona Ester o beijou na face onde as lágrimas corriam: – Não chore, que sua mãezinha fica triste. Então os lábios do Sem-Pernas se descerraram e ele soluçou, chorou muito encostado ao peito de sua mãe. E enquanto a abraçava e se deixava beijar, soluçava porque a ia abandonar e, mais que isso, a ia roubar. E ela talvez nunca soubesse
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