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MÁRCIO ANTONIO SIMÕES LUIZ O USO DE ELEMENTOS BÁSICOS NA ELABORAÇÃO DE GROOVES NO FUNK: Histórico e possíveis aplicações dos rudimentos e dos conceitos desenvolvidos por David Garibaldi São Paulo fevereiro/2012 MÁRCIO ANTONIO SIMÕES LUIZ O USO DE ELEMENTOS BÁSICOS NA ELABORAÇÃO DE GROOVES NO FUNK: Histórico e possíveis aplicações dos rudimentos e dos conceitos desenvolvidos por David Garibaldi Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Música da Faculdade Integral Cantareira, em cumprimento parcial às exigências para obtenção do título de Bacharel em Música (Bateria). Orientador: Prof. Dr. Clóvis Afonso de André São Paulo fevereiro/2012 ii À minha esposa Michele, por todo amor, apoio e compreensão. iii SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS ............................................................................................... v RESUMO ............................................................................................................... xi ABSTRACT ............................................................................................................. xii AGRADECIMENTOS ......................................................................................... xiii NOTAS EDITORIAIS .............................................................................................. 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 4 CAPÍTULO 1 – ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DOS RUDIMENTOS ............ 7 1.1 – Primeiros registros históricos ............................................................ 10 1.2 – Desenvolvimento da música militar e a prática dos rudimentos na Europa e nos Estados Unidos ........................................................... 20 CAPÍTULO 2 – A BATERIA NO FUNK: HISTÓRICO E DESDOBRAMENTOS .. 44 2.1 – Origem, desenvolvimento e elementos característicos do groove do funk ................................................................................................. 46 2.2 – Elementos característicos do funk presentes no groove dos principais bateristas de James Brown ............................................................... 54 2.3 – O desenvolvimento da bateria funk segundo a abordagem de David Garibaldi .......................................................................................... 61 iv CONCLUSÃO ........................................................................................................ 89 ANEXO A – OS RUDIMENTOS SEGUNDO HASKELL HARR ........................ 100 ANEXO B – BOLETINS OFICIAIS DA NARD ................................................... 107 ANEXO C – O VOCABULÁRIO DO FUNK SEGUNDO DAVID GARIBALDI . 114 ANEXO D – SOBRE A APLICAÇÃO DOS RUDIMENTOS NA BATERIA ....... 119 REFERÊNCIAS ................................................................................................... 125 v LISTA DE FIGURAS FIG. 1 – Legenda para compreensão dos exemplos e transcrições para a bateria apresentados no decorrer do presente trabalho ............................................. 1 FIG. 2 – Posicionamento dos acentos na notação para a bateria ................................. 2 FIG. 3 – Possibilidades de escrita da abertura e fechamento do chimbal .................... 3 FIG. 4 – Possibilidades de escrita de ghost notes ....................................................... 3 FIG. 5 – Toques de caixa indicados por Arbeau (1589), com sua transcrição moderna (BLADES, 1970, p. 215) ........................................................................... 13 FIG. 6 – Página extraída de Il Torneo de Pistofilo, contendo instruções de execução e organização (GAUTHREAUX II, 1989, p. 35) .......................................... 14 FIG. 7 – Transcrição da página de Il Torneo, apresentada na FIG. 6, para a escrita moderna, segundo Gauthreaux II (GAUTHREAUX II, 1989, p. 36) .......... 15 FIG. 8 – Técnicas básicas descritas por Mersenne, conforme apresentado por Sandman (SANDMAN, 1977, p. 72) ......................................................... 16 FIG. 9 – Técnicas ilustradas na FIG. 8 e sua correspondência com os rudimentos ... 17 FIG. 10 – Drag (ou ruff), conforme apresentado pela Percussive Arts Society (PAS) (WANAMAKER; CARSON, 1984, p. 15) ................................................ 18 vi FIG. 11 – Trecho de The voluntary before the March e possível interpretação, apresentada por Blades (BLADES, 2001, p. 613) ...................................... 19 FIG. 12 – Rota do desenvolvimento dos rudimentos na Europa e América do Norte (BERG, 2003, p. 9) ................................................................................... 22 FIG. 13 – Grupo de rudimentos compostos pelo roll (GALM, 1965, p. 24) ............. 26 FIG. 14 – Grupo de rudimentos compostos por single strokes e double strokes (GALM, 1965, p. 25) ................................................................................ 27 FIG. 15 – Grupo de rudimentos compostos pelo flam (GALM, 1965, p. 26) ............ 28 FIG. 16 – Grupo de rudimentos compostos pelo flam (GALM, 1965, p. 27) ............ 29 FIG. 17 – Lista dos rudimentos-base para a definição dos 26 rudimentos padrão (LUDWIG, 1936, p. [2]) ........................................................................... 36 FIG. 18 – Continuação da lista dos rudimentos-base e os 26 rudimentos americanos padrão (LUDWIG, 1936, p. [3]) ................................................................ 37 FIG. 19 – Tabela da PAS contendo roll rudiments e diddle rudiments (WANAMAKER; CARSON, 1984, p. 14) ................................................ 40 FIG. 20 – Tabela da PAS contendo flam rudiments e drag rudiments (WANAMAKER; CARSON, 1984, p. 15) ................................................ 41 FIG. 21 – Groove básico utilizando o elemento do backbeat ................................... 46 FIG. 22 – Exemplo do gênero second-line/beat street de New Orleans (THOMAKOS, 2006, p. 61) .................................................................... 47 FIG. 23 – Possíveis adaptações do second-line/beat street para a bateria (THOMAKOS, 2006, p. 62) ...................................................................... 48 FIG. 24 – Exemplo do New Orleans funk (THOMAKOS, 2006, p. 68) ................... 49 FIG. 25 – Exemplos de ritmo boogaloo/fatback (THOMAKOS, 2006, p. 69) .......... 51 vii FIG. 26 – Exemplo de clave do samba aplicada ao groove (PAYNE, 1994, p. 39) ... 53 FIG. 27 – Groove básico utilizando o elemento do downbeat .................................. 53 FIG. 28 – Groove de Nat Kendrick em Soul Food, Parts 1 and 2 (PAYNE, 2007, p. 46) .............................................................................. 54 FIG. 29 – Groove de Clayton Fillyau em I Got Money (PAYNE, 1994, p. 9; 2007, p. 46) ............................................................. 55 FIG. 30 – Grooves de Melvin Parker em I Got You (I Feel Good) e Papa’s Got a Brand New Bag (PAYNE, 2007, p. 46) ..................................................... 56 FIG. 31 – Grooves de John “Jabo” Starks em Get on the Good Foot - Pt. 1, Gimme Some More e Soul Power Parts 1 and 2 (PAYNE, 1994, p. 7, 24) ............. 56 FIG. 32 – Grooves de John “Jabo” Starks em Super Bad Part 1, 2 and 3 e The Payback (PAYNE, 1994, p. 26, 31; 2007, p. 46; tradução deste autor) ....... 57 FIG. 33 – Groove de John “Jabo” Starks em Get Up (I Feel Like Being a) Sex Machine (PAYNE, 2007, p. 46) ................................................................ 58FIG. 34 – Groove de Clyde Stubblefield em Cold Sweat (PAYNE, 1994, p. 26; 2007, p. 46) ........................................................... 58 FIG. 35 – Grooves de Clyde Stubblefield em Mother Popcorn e In the Middle (Part 1) (PAYNE, 1994, p. 45, 54) ......................................................................... 59 FIG. 36 – Groove de Clyde Stubblefield em Funky Drummer (PAYNE, 2007, p. 46) ............................................................................... 59 FIG. 37 – Groove de Clyde Stubblefield em Low Down Popcorn (PAYNE, 1994, p. 66) ............................................................................... 60 FIG. 38 – Groove básico de funk, presente em There Was a Time (PAYNE, 1994, p. 24) ............................................................................... 60 viii FIG. 39 – Groove de Nate Jones em Give It Up or Turn It a Loose (PAYNE, 1994, p. 33) ............................................................................... 60 FIG. 40 – Gráfico com relações dinâmicas entre chimbal, caixa e bumbo (GARIBALDI, 1990, p. 7; tradução deste autor) ....................................... 65 FIG. 41 – Groove de Soul Food, Parts 1 and 2 (PAYNE, 2007, p. 46) .................... 66 FIG. 42 – Groove de Soul Vaccination (GARIBALDI, 1996, p. 32) ........................ 67 FIG. 43 – Movimentação do backbeat no groove de Give It Up or Turn It a Loose (PAYNE, 1994, p. 33) ............................................................................... 68 FIG. 44 – Exemplo de permutação de uma peça da bateria (GARIBALDI, 1990, p. 24) ...................................................................... 70 FIG. 45 – Groove básico de Back in the day (GARIBALDI, 2006a, p. 14), e suas possíveis permutações ............................................................................... 71 FIG. 46 – Groove básico de Eastside (GARIBALDI, 2009a, p. 32) ......................... 72 FIG. 47 – Groove básico de Eastside com acréscimo de material motívico ............. 72 FIG. 48 – Aplicação da permutação em um trecho do groove de Eastside (GARIBALDI, 2009a, p. 32) ..................................................................... 73 FIG. 49 – Análise das células rítmicas utilizadas no groove de Eastside .................. 74 FIG. 50 – Agrupamentos ímpares no groove de Soul Vaccination ........................... 75 FIG. 51 – Agrupamentos ímpares no groove de Let a Woman be a Woman, Let a Man be a Man (GARIBALDI, 2010, p. 52) ....................................................... 75 FIG. 52 – Exemplo de groove baseado em five-a-diddles (GARIBALDI, 2009a, p. 41) ..................................................................... 76 FIG. 53 – Sobreposição de métricas distintas, obtida pelo uso de um padrão quinário aplicado em um compasso quaternário (GARIBALDI, 2009a, p. 41) ......... 77 ix FIG. 54 – Relação entre a técnica baton mesle descrita por Mersenne (SANDMAN, 1977, p. 72), e o five-a-diddle de Garibaldi ......................... 77 FIG. 55 – Padrão rítmico da batida King Kong (PAYNE, 2006, p. 217) .................. 78 FIG. 56 – Exemplos de grooves que utilizam a batida king kong (GARIBALDI, 1990, p. 25) ...................................................................... 78 FIG. 57 – Exemplos de grooves (GARIBALDI, 1996, p. 17), com variações da batida king kong .................................................................................................. 79 FIG. 58 – Exemplo de célula rítmica da cáscara (PAYNE, 2006, p. 218) ................ 80 FIG. 59 – Exemplos de grooves com a utilização da cáscara (GARIBALDI, 1996, p. 15), e suas respectivas células rítmicas ................ 80 FIG. 60 – Groove de funk baseado no samba de partido-alto (GARIBALDI, 1996, p. 16) ...................................................................... 81 FIG. 61 – Groove básico de The Oakland Stroke (GARIBALDI, 1996, p. 34) ......... 81 FIG. 62 – Groove básico de This type of funk (GARIBALDI, 2006a, p. 70) ............ 82 FIG. 63 – Multicamadas no groove básico de This type of funk ............................... 83 FIG. 64 – Groove básico de Home at Last (PAYNE, 2010, p. 57) ........................... 84 FIG. 65 – Exemplo de groove linear (PAYNE, 1994, p. 77) .................................... 84 FIG. 66 – Exemplos do uso de single e double strokes na elaboração de grooves lineares ..................................................................................................... 85 FIG. 67 – Exemplos do uso do single paradiddle e suas variações na elaboração de grooves lineares ........................................................................................ 86 FIG. 68 – Exemplo de groove linear (PAYNE, 1994, p. 77), utilizando combinações de paradiddles .......................................................................................... 86 FIG. 69 – Groove linear em Drop it in the Slot (GARIBALDI, 1996, p. 35) ............ 87 x FIG. 70 – Exemplo de possibilidade de combinação de estruturações rítmicas (CHAFFEE, 1993, p. 70; tradução deste autor) .......................................... 87 FIG. 71 – Groove básico de 50 Ways to Leave Your Lover (NEVES, 2003, p. 48), e análise dos rudimentos aplicados ............................................................... 91 FIG. 72 – Exemplos de grooves de Keith Carlock (NOVOD, 2011, p. 44-45), e análise dos rudimentos utilizados .......................................................................... 92 FIG. 73 – Demonstração de inversão da mão de apoio com o uso do paradiddle ..... 97 FIG. 74 – Groove básico de This type of funk (GARIBALDI, 2006a, p. 70), e análise dos paradiddles contidos em sua estrutura ................................................. 97 xi RESUMO Os rudimentos são padrões rítmicos utilizados como base do estudo da percussão. Estes padrões serviram originalmente a proposta militar, na comunicação de ordens específicas num campo de batalha e auxiliando na memorização de códigos diversos, por meio da sonoridade obtida com a sua execução. A sua prática conduz ao aperfeiçoamento mecânico das mãos (a princípio), mas também dos pés, quando executados em instrumentos que os utilizem, como a bateria. Os rudimentos, por seu caráter essencial, encontram aplicação em diversos instrumentos de percussão, bem como em qualquer gênero musical. No funk, especificamente, os rudimentos servem de substrato na elaboração de conduções rítmicas e fraseados, juntamente com outros elementos característicos do gênero, descritos no presente trabalho e chamados de conceitos por David Garibaldi, baterista e educador musical. Ambos os elementos – rudimentos e conceitos –, constituem um princípio estrutural, um fundamento que contribui na organização de ideias rítmicas básicas, visando à concepção e o desenvolvimento de elaborações rítmicas mais complexas. Palavras-chave: bateria, educação musical, história e análise xii ABSTRACT The rudiments are rhythmic patterns used as basis of the percussion study. These patterns have been used originally for military purpose, in the communication of specific orders on the battle field and contributing to the memorization of several codes, by the sonority obtained with their execution. Their practice leads to a mechanic improvement of hands (at first), but also the feet, when performed in instruments that use them, like the drumset. The rudiments, because of their essential character, find application in many percussion instruments, as well in any musical genre. In funk, specifically, they serve as substrate in the development of rhythmic conductions and phrasing, along with other features typicalof the genre, described in this present paper and called of concepts by David Garibaldi, drummer and music educator. Both the elements – rudiments and concepts –, constitute a structural principle, a fundament that contributes in the organization of basic rhythmic ideas, aiming the conception and the development of more complex rhythmic elaborations. Keywords: drumset, music education, history and analysis xiii AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, pelo dom da vida e por conceder-me a graça de gozar a música e vivenciá-la. Agradeço a minha esposa Michele, por todo o seu amor e pelo apoio incondicional que dela obtive. Agradeço-a por compreender minhas demoras e ausências, manias e humores, e por incentivar meus sonhos e projetos, deles participando, com a alegria e entusiasmo que lhe são característicos. A esta grande mulher, registro meu amor e perene gratidão. Agradeço a minha família, por todo fundamento e educação obtidos. Ao meu pai Antonio pelo exemplo de caráter e minha mãe Darlene por sua dedicação na criação de seus filhos e, em especial, por despertar em mim o gosto pela música. Aos meus irmãos Marcos e Marcel, manifesto meu profundo carinho e admiração, e os agradeço pelo companheirismo e cumplicidade que sempre mantivemos. Agradeço ao meu irmão Marcos pelo auxílio com a tradução dos textos em inglês e pela elaboração do abstract. Agradeço também a minha tia Sandra pelo incentivo e pelo carinho que sempre demonstrou ter por mim. Agradeço aos meus amigos músicos, professores e alunos, com quem tanto aprendo e com os quais convivo diariamente, em especial, ao meu amigo Jorginho, xiv por todo o apoio que dele sempre obtive e por fazer-me acreditar, com seu exemplo de vida, que não só é possível “viver de música”, como também vale muito a pena. Agradeço a Faculdade Integral Cantareira, ao prof. Paulo Meinberg (in memoriam), diretores, coordenadores, professores e funcionários, pela acolhida e apoio recebido durante todos esses anos. Agradeço imensamente ao meu orientador prof. Clóvis de André, por sua incansável paciência e dedicação e por seu exemplo de respeito e profissionalismo. Meus agradecimentos também à prof.ª Aída Machado, coordenadora do curso de Música, por sua dedicação ao curso e aos alunos, e à banca examinadora por sua atenção dispensada ao meu trabalho. Agradeço aos professores de bateria com quem estudei no período do curso, Douglas Las Casas, Bob Wyatt e Giba Favery, aos demais professores, em especial, ao prof. Hermes Jacchieri pelo apoio obtido, e aos colegas de classe pelos bons anos de convivência. Agradeço a Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo e a Faculdade Santa Marcelina, por disponibilizarem o acesso às suas bibliotecas para pesquisa e consultas. Agradeço também a Nancy Nuzzo (bibliotecária-chefe da Music Library na State University of New York at Buffalo) e Luiz Fernando Lopes (pesquisador oficial do Latin American Music Center na Indiana University at Bloomington), que gentilmente auxiliaram na obtenção de cópias de alguns dos artigos consultados. Vale salientar que nenhuma destas realizações teriam se concretizado sem o apoio obtido pelo Ministério da Educação que, através do Programa Universidade para Todos (PROUNI), possibilitou-me ingressar no Ensino Superior. 1 NOTAS EDITORIAIS Na notação de percussão, cada instrumento (ou peça) da bateria é apresentado de maneira distinta, inclusive em relação ao posicionamento vertical na pauta. Para compreensão dos exemplos e transcrições neste trabalho, será utilizada a notação representada abaixo (FIG. 1), referente aos seguintes instrumentos: (item 1) o bumbo, (itens 2 e 3) a caixa (percutida na pele ou no aro, respectivamente) e (itens 4 e 5) o chimbal (percutido com a baqueta ou acionado por meio de pedal, respectivamente).1 FIG. 1 – Legenda para compreensão dos exemplos e transcrições para a bateria apresentados no decorrer do presente trabalho 1 Bumbo é um membranofone percutido, composto de um corpo cilíndrico de madeira com uma ou duas peles fixadas. Quando utilizado na bateria, suas medidas geralmente variam de 18” a 22” de diâmetro. É percutido por meio de um batedor acionado por meio de um pedal – ingl., bass drum (cf. FRUNGILLO, 2003, p. 49-50). Caixa, ou caixa clara, ou tarol é um membranofone percutido, composto de um corpo cilíndrico de madeira ou metal de pequenas dimensões, com duas peles fixadas e tensionadas por aros. É caracterizada pela presença de esteira de metal constituída por molas de arame, e posicionada em contato com a pele inferior, sendo responsável pelo seu som estalado, típico das marchas militares – ingl., snare drum, ou military drum, ou ainda side drum (termo devido a sua inclinação para o lado quando suspensa por uma alça ao ombro e/ou pescoço do instrumentista em marcha) – (cf. FRUNGILLO, 2003, p. 55-56). Chimbal é um idiofone de choque que consiste em um par de pratos suspensos horizontalmente em uma estante com pedal. Pode ser percutido com a baqueta diretamente no prato superior, ou os dois pratos podem ser chocados por meio do acionamento do pedal – ingl., hi-hat (cf. FRUNGILLO, 2003, p. 151-152). Baqueta é um bastão de madeira (dentre outros possíveis materiais), geralmente usado aos pares, utilizado para percutir instrumentos membranofônicos e idiofônicos. As baquetas utilizadas na prática da bateria são constituídas por cabeça (ponta), pescoço e ombro (em uma das extremidades) e corpo e cabo, na outra extremidade (cf. FRUNGILLO, 2003, p. 28-29). 2 Todos os exemplos e transcrições são escritos em clave de percussão, com exceção de ilustrações apresentando fac-símiles, como as partituras utilizadas no séc. XVI e XVII (FIG. 5, 6 e 11). Em relação à notação das figuras rítmicas, a regra de posicionamento das hastes não se aplica à escrita para bateria. Os acentos são grafados acima das figuras referentes às notas tocadas no chimbal, e abaixo das figuras referentes às notas tocadas na caixa e no bumbo, havendo a possibilidade de ser posicionado acima quando não houver coincidência destas notas (referentes à caixa e ao bumbo) com as notas referentes ao chimbal. Há ainda a possibilidade de sobreposição de acentos, no caso de duas ou mais figuras serem acentuadas simultaneamente. FIG. 2 – Posicionamento dos acentos na notação para a bateria O chimbal pode produzir sons distintos, quando tocado com os pratos próximos um do outro (chimbal fechado) ou distanciados (chimbal aberto). O chimbal aberto é sempre indicado por meio de um “o” posicionado acima da figura, sendo considerado fechado quando houver alguma figura na sequência sem este sinal, porém é comum o uso de um “+” acima da nota indicando o seu fechamento, executado com o acionamento do pedal (cf. PAYNE, 1994, p. 15). A nota tocada no chimbal fechado pode ser obtida por meio de um golpe com a baqueta ou também pelo acionamento do pedal, havendo a possibilidade da transição entre as notas tocadas no chimbal aberto e fechado ser grafada com a presença de uma ligadura. 3 FIG. 3 – Possibilidades de escrita da abertura e fechamento do chimbal Outro recurso descrito neste trabalho é o uso de ghost notes (port., notas fantasmas), notas tocadas em baixíssima dinâmica e geralmente executadas na caixa. As ghost notes podem ser escritas entre parênteses ou com a cabeça da figura reduzida, conforme encontrado em diversos livros e materiais pedagógicos de bateria e ilustrado na FIG. 4. Para fins de clareza na escrita musical e facilitação da leitura, no presente trabalho, toda nota não acentuada correspondente à caixa será considerada uma ghost note. FIG. 4 – Possibilidades de escrita de ghost notes 4 INTRODUÇÃO Este trabalho tem por objetivo apresentaros rudimentos como recurso técnico, dos pontos de vista pedagógico e composicional, bem como do ponto de vista interpretativo, inclusive como facilitação do entendimento musical. Os rudimentos são os alicerces para o estudo da percussão, bem como da bateria. O aspecto pedagógico dos rudimentos provém do aperfeiçoamento mecânico e do desenvolvimento de senso rítmico que o seu estudo proporciona, pois seus padrões rítmicos e combinações de toques possibilitam ao baterista um refinamento técnico da manulação, e posterior utilização por mãos e pés de maneira simultânea ou alternada. Na bateria, seu uso possibilita uma infinidade de opções, desde a criação de frases e conduções rítmicas (chamadas grooves), até a elaboração de exercícios de desenvolvimento da coordenação motora e independência das mãos e dos pés, controle de acentuação e dinâmica, além de sua aplicação em ritmos específicos, caracterizando seu aspecto composicional. Quanto ao aspecto interpretativo, este se dá pela utilização dos rudimentos como meio de aprimoramento da performance e da destreza do baterista, promovendo a organização e a inteligibilidade dos gestos musicais. Buscando exemplificar a prática rudimentar como recurso técnico e composicional, dentre as atividades desenvolvidas para a elaboração deste trabalho, o 5 uso dos rudimentos será investigado em relação ao gênero funk e à análise do estilo do baterista David Garibaldi. A escolha do trabalho desenvolvido por Garibaldi como referência do gênero é justificada por sua abordagem pedagógica e sistematização dos elementos constitutivos da estrutura rítmica do funk, chamados por ele de conceitos. Estes conceitos, bem como os rudimentos, constituem um princípio estrutural na elaboração de grooves. O entendimento destes princípios serve de parâmetro na compreensão do desenvolvimento e organização de ideias rítmicas mais complexas, sendo a estruturação de grooves, obtida por derivações destes elementos. Uma compreensão de princípios e idéias [sic] fundamentais […] parece ser o principal caminho para uma adequada “transferência de aprendizagem”. Compreender algo como exemplo específico de um caso mais geral – que é o que significa compreender um princípio ou estrutura mais fundamental – é ter aprendido não só alguma coisa específica, mas também um modêlo [sic] para a compreensão de outras coisas semelhantes que se pode encontrar. (BRUNER, 1968, p. 22) Jerome Bruner, autor de The Process of Education (1960), defende uma teoria de aprendizagem onde os aspectos mais importantes de uma matéria ou assunto específico, são as ideias fundamentais que constituem a sua estrutura. Com base nesta afirmação, o presente trabalho tem por intuito demonstrar que o domínio de elementos básicos da estruturação rítmica propiciam o desenvolvimento de habilidades técnicas e a mecanização dos gestos necessários para a transferência de aprendizagem a qual Bruner se refere, sendo os rudimentos e os conceitos considerados elementos estruturais no desenvolvimento de grooves, especificamente no funk. O processo de pesquisa se dará por meio da contextualização histórica do desenvolvimento dos rudimentos (desde os primeiros relatos de seu uso até sua atual organização) e do funk, sendo considerados os principais bateristas e alguns dos grooves mais emblemáticos do gênero desenvolvidos por eles, destacando suas contribuições no uso e estabelecimento de elementos percussivos característicos, 6 sintetizados por David Garibaldi. Serão utilizados como base, livros e métodos pedagógicos que tratam destes assuntos, além de diversos artigos publicados em Percussive Notes, periódico oficial da Percussive Arts Society (PAS) e Modern Drummer, verificando as opiniões dos autores e as diversas formas de abordagem destes assuntos apresentadas. O trabalho é dividido em dois capítulos e conclusão, contendo as considerações finais sobre os assuntos abordados. No primeiro capítulo, será apresentada uma descrição dos rudimentos, sendo destacados os primeiros relatos de seu uso, suas aplicações ao longo da história e o seu desenvolvimento na Europa até a sua chegada aos Estados Unidos, considerando seu uso em campos de batalha e na música militar (auxiliando na comunicação de ordens e comandos) e em competições entre grupos de percussão, bem como em testes para admissão na National Association of Rudimental Drummers (NARD), responsável pela primeira organização oficial dos rudimentos. O segundo capítulo descreve o desenvolvimento do funk, desde a sua origem até o auge de sua expansão e reconhecimento comercial, obtido no trabalho de James Brown. O foco da pesquisa será a utilização dos elementos característicos do gênero na elaboração de grooves, sendo considerados os grooves básicos elaborados pelos principais bateristas de funk, especialmente aqueles que acompanharam James Brown em suas bandas, responsáveis por estabelecer a batida funky na bateria e por influenciar os demais bateristas do gênero, dentre eles, David Garibaldi. Será investigada a abordagem pedagógica de Garibaldi e a sua concepção no desenvolvimento de grooves, sendo apresentados os elementos estruturais e os conceitos descritos por ele, com as devidas explicações e exemplos de uso. 7 CAPÍTULO 1 ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DOS RUDIMENTOS Os rudimentos são utilizados para identificar e entender fisicamente alguns padrões rítmicos, com o intuito de fundamentar e aprimorar a técnica manual do baterista. Esses rudimentos são tomados como base do estudo da percussão, tanto no campo erudito quanto no popular. A ideia de fundamento, proporcionada pelo termo rudimento, está relacionada às qualidades e significados mais comuns como material essencial, elementar, ou mesmo primordial. O rudimento serve como base para o desenvolvimento de vários recursos: desenvolvimento técnico de execução; compreensão de gestos idiomáticos da percussão, aplicáveis indistintamente a diversos instrumentos de percussão (idiofones, membranofones, etc.); utilização como base composicional percussiva a diferentes gêneros e estilos musicais; ou mesmo servindo ao desenvolvimento interpretativo (fomentando a musicalidade) do instrumentista. Os rudimentos são, num entendimento genérico, grupos de frases ou células rítmicas utilizadas em um estudo sistemático e repetitivo. A maioria dos percussionistas (talvez influenciados por suas visões quando iniciantes) percebe nos rudimentos a possibilidade de aperfeiçoamento mecânico, principalmente relacionado 8 ao uso das mãos (manulação), sem preocupação com outras utilidades práticas (ainda no plano mecânico), como analogias com o uso dos pés e outras partes do corpo (dedos, palmas, estalos), ou ainda como força integrativa de uma atitude percussiva corporal. Há, porém, significados musicais, interpretativos, pedagógicos, e até mesmo sociais inerentes a esses rudimentos, que são verificáveis através da história de sua constituição (organização), utilizáveis (como sugerido acima) no desenvolvimento da própria linguagem percussiva, como resumo dos motivos rítmicos básicos do repertório, e aplicáveis na caracterização ou realização de gêneros musicais específicos. Haskell W. Harr, autor de diversos livros e artigos sobre o ensino e performance da percussão, membro da Percussive Arts Society (PAS) e reconhecido como uma das principais autoridades de percussão dos Estados Unidos, apresenta uma definição de rudimento, utilizada por alguns autores que desenvolvem trabalhos sobre o estudo da percussão, como é o caso de Laura Franklin (2008, p. 2), Fred McInnis (2005, p. 24) e Dan Moore (1994, p. 29), unânimes em considerar o texto de Harr como uma das melhores elucidações sobre o assunto. UM RUDIMENTO DE PERCUSSÃO é um padrão rítmico fundamental que, quando praticado diligentemente, ajudará a desenvolver uma técnicabásica para tocar o tambor [percussão]. Os rudimentos são as escalas e arpejos dos outros instrumentos. O OBJETIVO DOS RUDIMENTOS é fornecer um sistema básico para o desenvolvimento de destreza das mãos no controle das baquetas. RUDIMENTOS NÃO SÃO UM SISTEMA COMPLETO OU UM MÉTODO DE ENSINO DE PERCUSSÃO. Mas eles nos fornecem material para o desenvolvimento [muscular e mecânico] das mãos e nos familiarizam com pequenos padrões rítmicos que podemos encontrar em música para percussão. (HARR, 1979, p. 71; tradução deste autor)2 2 “A DRUM RUDIMENT is a fundamental rhythmic pattern which, when practiced diligently, will aid in developing a basic technique for playing the drum. The drum rudiments are the scales and arpeggios of the other instruments. THE PURPOSE OF THE RUDIMENTS is to provide a basic system for developing dexterity with the hands for control of the drumsticks. DRUM RUDIMENTS ARE NOT A COMPLETE SYSTEM OR METHOD FOR TEACHING DRUMS. But they do supply us with material for hand development and acquaint us with short rhythmic patterns which we may find in drum music”. 9 De fato, o conceito de rudimentos para percussão envolve dois aspectos: um prático ou técnico, outro analítico ou musical. Os rudimentos apresentam padrões rítmicos específicos e isolados que devem ser praticados com repetições sucessivas, envolvendo ainda variações de manulação, andamentos, articulações e ataques, aperfeiçoando tanto aspectos técnicos (como resistência, flexibilidade, força, controle e destreza das mãos) quanto musicais (como a capacidade de identificar, através desses aspectos técnicos e das células rítmicas utilizadas, os elementos fundamentais na estruturação de uma determinada peça, ou de uma determinada forma musical, ou de um gênero musical, ou mesmo de uma corrente ou período estético). Com a maturidade técnica e analítica, e a coordenação física e mental, obtidas por meio deste estudo, os instrumentistas aprendem a controlar tensões e relaxamentos, variações dinâmicas e de articulação, modificações de textura e tímbricas, além de ressaltar ou minimizar estruturas composicionais e estilísticas. Uma performance percussiva sem rudimentos é como um texto sem sílabas: a linguagem é primitiva. Ninguém saberá o que você está tentando dizer. (MAZUR, 2005, p. 10; tradução deste autor)3 Este entendimento de Ken Mazur procura mostrar que os rudimentos são elementos básicos da linguagem e da estruturação, permitindo a inteligibilidade do texto musical. O conhecimento desses rudimentos é essencial na construção da sintaxe musical e na análise de seus significados específicos, com consequências ao entendimento de uma obra tanto pelo compositor e intérprete quanto pelo ouvinte. No caso do intérprete, os rudimentos são utilizados como meios de aprimorar sua forma de tocar, sua destreza, alcançando maior fluidez técnica, porém a função desse aprimoramento é promover o entendimento dos gestos musicais sintáticos que os 3 “A percussion performance without rudiments is like a lecture without syllables: the language is primitive. No one will know what you are trying to say”. 10 rudimentos personificam. Dom Famularo, baterista, educador e pesquisador, em entrevista a John Wooton, diretor de estudos de percussão na University of Southern Mississippi, afirma que os rudimentos servem-lhe de ferramentas de organização das ideias musicais, promovendo não apenas essa estruturação, mas também a expressividade composicional, e possibilitando a transmissão de ideias de forma clara e organizada. Refiro-me aos rudimentos como o meu alfabeto rítmico. Eu preciso desses padrões ou sons para formar uma frase que as pessoas possam sentir e entender. Música é sobre expressão – mas eu devo passar a mensagem ao ouvinte. Os rudimentos ajudam-me a ter uma estrutura de expressão. Quanto melhor conhecê-los, melhor eu posso falar na bateria. (WOOTON, 2005, p. 40; tradução deste autor)4 Os rudimentos, enquanto elemento básico da estruturação musical na linguagem percussiva têm sua origem e desenvolvimento atrelados à origem e desenvolvimento da própria percussão, em especial dos tambores (como instrumentos básicos na percussão). Uma descrição histórica sobre o uso dos tambores visa a auxiliar na compreensão dos rudimentos, em sua cronologia, elaboração e delimitações. 1.1 – Primeiros registros históricos Os tambores, bem como outros instrumentos de percussão, foram provavelmente os primeiros instrumentos utilizados pelo homem. “Tambores em uma variedade de formas e tamanhos aparecem na arte da antiga Mesopotâmia, Índia, Pérsia, China, África, Egito, Israel, Grécia e Roma” (MONTAGU, 03/abr/2009, ¶ [5]; tradução deste autor), e são também retratados em pinturas de civilizações antigas, tais 4 “I refer to the rudiments as my drumset alphabet. I need these patterns or sounds to form a sentence that people can feel and understand. Music is about expression – but I must get the message to the listener. Rudiments help give me structure of expression. The better I know them the better I can speak them on my drumset”. 11 como assírios, hebreus, chineses, hindus, árabes, turcos, e tribos indígenas de diversos países, representando seu uso em funções diversas como rituais religiosos, onde muitas vezes eram-lhes atribuídos poderes mágicos, transmissão de mensagens, além de seu uso em música (cf. ENGEL, 1874, p. 11-89).5 Tais evidências se mostram em diferentes períodos da história da civilização, porém, na Europa não há muitos registros sobre o uso de tambores antes do séc. XIII, e acredita-se que até 1000 d.C., os europeus utilizavam apenas instrumentos de sopro ao marchar, passando a contar com tambores após contato, por ocasião das Cruzadas (desde o final do séc. XI), com grupos árabes e sarracenos que utilizavam alguns tambores, mais precisamente os nakers (ou kettledrums) e o tabor. Este último, usado pelos europeus junto como o pífano, era um pequeno tambor que veio a originar a caixa, utilizada como instrumento militar pouco antes do séc. XVI e adotada (ao final do séc. XVI) por mercenários suíços e alemães com a finalidade de marcar os passos da marcha (cf. MONTAGU, 03/abr/2009, ¶ [5-6]).6 Apesar de não haver qualquer informação ou registro anterior ao séc. XVI sobre os tipos rítmicos utilizados, supõe-se a existência de padrões e células rítmicas com finalidades diversas, dependendo do evento ou atividade em cada sociedade. A partir desse período, porém, é evidente o uso de rudimentos, uma vez que autores desta 5 “Drums in a variety of shapes and sizes appear in the art of ancient Mesopotamia, India, Persia, China, Africa, Egypt, Israel, Greece and Rome”. 6 Nakers ou kettledrums (ingl.) são membranofones percutidos, utilizados sempre aos pares e que contém uma pele fixada num casco (geralmente, de metal) em forma de panela; são considerados os antecessores dos tímpanos (cf. FRUNGILLO, 2003, p. 180, 219). Tabor é um membranofone percutido composto de duas peles amarradas com cordas e corpo cilíndrico de madeira de tamanho variável. Consta a presença de esticadas acima da pele superior, sendo posteriormente transferidas para acima ou abaixo da pele inferior, sendo conhecidas como esteira. O seu uso é geralmente vinculado com o uso do pífano, sendo sua execução feita com uma baqueta na mão esquerda, enquanto o mesmo instrumentista toca o pífano com a mão direita. Sua evolução originou a caixa, passando a ser tocado com duas baquetas, deixando o instrumentista de tocar o pífano. A partir do séc. XVI, passou a ser chamado drome, dromme ou drume, de onde provém o termo drum (ingl.) – (cf. FRUNGILLO, 2003, p. 319-320). 12 época mencionam células e padrõescaracterizados em função de seu uso, com claras analogias em relação aos atuais rudimentos. As primeiras informações precisas sobre essas células e padrões surgiram apenas ao final da Renascença. Provavelmente o primeiro material que menciona essas estruturas é proveniente de um tratado de dança escrito em 1589, de autoria do sacerdote francês Jehan Tabourot sob o pseudônimo Thoinot Arbeau, intitulado Orchesographie et Traicte en Forme de Dialogue, par Leguel Toutes Personnes Peuvent facilement apprendre & Practiquer l’honneste exercice des dances. Nele, a caixa é utilizada na marcação de passos, na sinalização de movimentos de ataque e retirada e na organização do grupo militar, retratando assim a associação do instrumento com práticas militares (cf. GAUTHREAUX II, 1989, p. 28). Arbeau apresenta uma relação de setenta e seis ritmos de marcação, compostos de três golpes específicos, indicados pelas sílabas tan (ou plan), tere e pre (ou fre), referindo-se a unidades de valor (cf. GAUTHREAUX II, 1989, p. 29). Blades explica as proporções entre esses golpes segundo Arbeau: a sílaba tan indica um toque; tere indica dois toques iguais que, juntos, teriam a mesma duração de tan; fre indica quatro toques iguais que, somados, igualam-se ao valor de tan. Na notação utilizada por Arbeau em 1589, tan, tere e fre são respectivamente representados através das figuras mínima, semínima e colcheia respectivamente (cf. BLADES, 2001, p. 613).7 7 O uso destas sílabas se dá no intuito de estabelecer uma relação com as células rítmicas e o som produzido por elas ao serem executadas, proporcionando um efeito fonético imitativo e constituindo um meio pedagógico e de memorização destas células rítmicas. Futuramente, este conceito será utilizado no ensino dos rudimentos, sendo empregadas outras sílabas e termos, buscando não apenas indicar uma duração, mas também imitar um som produzido pelo ataque em um tambor ou outro instrumento específico (cf. MERSENNE, 1957, p. 555). 13 Na FIG. 5, a representação dos toques de caixa utilizada por Arbeau (figuras com cabeças losangulares) é apresentada ao lado da transcrição moderna (que utiliza redução de valores) sugerida por Blades. FIG. 5 – Toques de caixa indicados por Arbeau (1589), com sua transcrição moderna (BLADES, 1970, p. 215) Mais referências quanto ao uso dos rudimentos podem ser encontradas em Il Torneo, antigo registro de música militar escrito em 1621 pelo italiano Bonaventura Pistofilo, onde o autor dedica várias páginas de sua obra à percussão. Neste trabalho, encontramos indicações de toques simples e duplos, sendo as sílabas ta, pa, ou ainda, ta ra ra, utilizadas para descrever estes toques e indicar unidades de valor (cf. BLADES, 1970, p. 220-221).8 Outros símbolos também são utilizados, servindo de instrução tanto ao cavaleiro quanto ao percussionista executante. A FIG. 6 é uma página extraída de Il Torneo, 8 Parece haver uma imprecisão quanto à data em que Il Torneo foi escrito. Enquanto Blades (cf. BLADES, 1970, p. 219; BLADES, 2001, p. 613) e Sandman (cf. SANDMAN, 1977, p. 70) afirmam ser 1621, Gauthreaux II apresenta uma edição, inclusive com informações sobre edição e impressão, datada de 1627, tendo por título Il torneo di Bonaventura Pistofilo Nobile Ferrarese dottor di legge e cavaliere. nel Teatro di Pallade dell ‘ordine Militare, et Accademico (cf. GAUTHREAUX II, 1989, p. 34). 14 onde se observa a presença desses símbolos, além de instruções de execução, organização e acompanhamento; o terceiro e último sistema corresponde aos passos do cavaleiro, enquanto os dois sistemas anteriores são designados ao percussionista. FIG. 6 – Página extraída de Il Torneo de Pistofilo, contendo instruções de execução e organização (GAUTHREAUX II, 1989, p. 35) De acordo com Pistofilo, a haste para baixo indica toques com a mão direita e a haste para cima, toques com a mão esquerda (cf. BLADES, 1970, p. 220). Isto é muito 15 importante, pois é um dos registros mais antigos a definir uma manulação, o que se aproxima muito com a prática atual dos rudimentos.9 Buscando demonstrar esta proximidade, Gauthreaux II transcreve para a escrita moderna os dois primeiros sistemas constantes na página de Il Torneo apresentada na FIG. 6, utilizando-se das letras R e L para designar as notas executadas com a mão direita e com a mão esquerda, respectivamente (cf. GAUTHREAUX II, 1989, p. 36). FIG. 7 – Transcrição da página de Il Torneo, apresentada na FIG. 6, para a escrita moderna, segundo Gauthreaux II (GAUTHREAUX II, 1989, p. 36) Outro teórico, Marin Mersenne, em seu Harmonie Universelle, publicado originalmente em 1636, nos apresenta quatro técnicas básicas, a serem executadas na caixa: toques simples alternados, toques duplos alternados, combinações de toques simples e duplos, e toques simultâneos. Digo apenas que o toque baton rond é quando as duas baquetas golpeiam, uma após a outra; o baton rompu, quando cada mão golpeia duas vezes seguidas; e o baton meslé [mêle], quando, por vezes, temos um toque com cada mão e, por vezes, dois toques. Quanto à retirada [retraite], as duas baquetas tocam sempre juntas. (MERSENNE, 1957, p. 556; tradução deste autor)10 9 Manulação (ou digitação, quando utilizado em percussão) é a combinação das mãos direita e esquerda, que define qual delas irá golpear o instrumento, com ou sem a baqueta. Podem ser utilizadas as letras R (ingl., right) e L (ingl., left) para indicar, respectivamente, mãos direita e esquerda, além das correspondentes em português D e E (cf. FRUNGILLO, 2003, p. 109, 201). 10 “I only say that the beat of the baton rond is made when the two sticks strike each blow one after the other; that of the baton rompu, when each hand strikes twice in succession; and the beat of the baton meslé when each beats sometimes once with each hand and sometimes twice. As to retreat, the two sticks beat all together”. Em seu artigo publicado em The Galpin Society Journal, Susan Sandman reproduz o texto em francês com diversas alterações, embora não haja mudanças de significado (cf. SANDMAN, 1977, p. 75). 16 Em artigo publicado em The Galpin Society Journal, Sandman apresenta uma figura (FIG. 8) que ilustra as técnicas descritas por Mersenne e, assim como Pistofilo, também indica a manulação utilizada por meio do posicionamento das hastes (cf. SANDMAN, 1977, p. 72).11 FIG. 8 – Técnicas básicas descritas por Mersenne, conforme apresentado por Sandman (SANDMAN, 1977, p. 72) Sandman buscou apresentar descrições que permitissem uma correspondência prática (física) com os termos utilizados por Mersenne, os quais denotam sentido literal (viz. rond, lit. “redondo”, referindo-se aos toques alternados com as mãos, o que sugere algo contínuo e regular; rompu, lit. “rompido”, referindo-se aos toques duplos alternados, o que sugere descontinuidade; mesle, lit. “misto”, referindo-se aos toques variados e sugerindo esta variedade na manulação: ora toques alternados, ora toques duplos) e parecem relacionados a contextualizações da sociedade da época (como demonstra o termo retraites, lit. “retirada”, referindo-se ao “toque de retirada” militar). 11 A FIG. 8 é uma reprodução da ilustração apresentada no trabalho de Sandman, que declarou ser uma reprodução de fac-símile da edição de 1636 do trabalho de Mersenne. No entanto, essa figura não está incluída na transcrição do trabalho de Mersenne, consultada online (via o banco de dados Traités français sur la musique, da Indiana University, disponível em: <http://www.chmtl.indiana.edu/ tfm/17th/MERHU3_7_TEXT.html>, que utiliza como base a reimpressão da edição de 1636, como publicada em 1965 pelo Centre national de la recherche scientifique. 17 Os termos empregados por Mersenne e a descriçãoapresentada por ele e por Sandman para cada um destes gestos guardam relação com alguns dos rudimentos utilizados atualmente: o baton rond refere-se ao single stroke (port., toque simples), também chamado “um-e-um”, indicando justamente a alternância das mãos no golpeamento do tambor; o baton rompu refere-se ao double stroke (port., toque duplo), também chamado “dois-e-dois”, ou ainda, papamama, termos que sugerem dois golpes seguidos com cada mão – em andamentos mais rápidos, é chamado de roll (port., rulo ou rufo), termo geralmente utilizado para sucessivos toques duplos; o baton mesle refere-se ao paradiddle, que consiste em uma combinação de toques simples e toques duplos; finalmente, retraites pode ser comparado ao flam, por este último consistir em toques quase simultâneos (cf. SANDMAN, 1977, p. 72).12 FIG. 9 – Técnicas ilustradas na FIG. 8 e sua correspondência com os rudimentos No documento intitulado Warlike Directions or the Soldier’s Practice, datado de 1643 e de autoria desconhecida, encontramos uma série de símbolos visando dar 12 Por terem sido utilizados tradicionalmente na rotina militar norte-americana, e por serem os norte-americanos pioneiros na divulgação e promoção dos rudimentos, organizando-os e sistematizando seu estudo, são normalmente empregados os termos em inglês para designar cada um dos rudimentos. Contudo, estes podem ser nomeados com algum termo correspondente na língua vernácula (e.g., toque simples, ingl., single stroke, toque duplo, ingl., double stroke, etc.), ou que se refira ao movimento gestual praticado (e.g., um-e-um, dois-e-dois, etc.), ou algum termo correspondente ao número de golpes com a baqueta (como é o caso dos rulos, e.g., rulo de cinco toques (ingl., five stroke roll), rulo de seis toques (ingl., six stroke roll), etc.), ou ainda, com algum termo onomatopeico, designado pelo som que é produzido ao executar o rudimento (e.g., paradiddle, flam, papamama (ingl., mammy-daddy ou mommy-daddy), pataflafla, etc.). Estes últimos geralmente não têm correspondentes em outra língua que não a inglesa. 18 instruções aos soldados sobre como tocar os tambores, buscando assim, perfeição na marcha e uniformidade na execução (cf. BLADES, 1970, p. 218). Consta a preocupação com a divisão rítmica, a prática dos toques simples com as mãos direita e esquerda, além do uso do ruff, “outro nome da apojatura de 2 notas concluindo numa nota forte” (FRUNGILLO, 2003, p. 280), rudimento este utilizado ainda hoje.13 Vários rudimentos e ornamentações também podem ser encontrados em The academy of armory, or, A storehouse of armory and blazon, escrito antes de 1688 pelo inglês Randle Holme III. Este documento consiste em uma coleção de termos, definições e observações históricas sobre ciências e arte; aborda também os instrumentos utilizados em ambas as áreas e a figura do percussionista, discutindo sua função no serviço militar e as atribuições necessárias para o exercício dessa função (cf. GAUTHREAUX II, 1989, p. 46). Randle Holme III lista uma série de termos utilizados pelos percussionistas para designar comandos militares: flam, dragge, roofe, diddle e rowle, que claramente guardam relação com os rudimentos conhecidos atualmente, respectivamente, o flam, o drag, o ruff, o paradiddle e o roll. São também descritos toques simples ou duplos, indicados por pou, tou, rou, R, poung, poing e potang (cf. BLADES, 1970, p. 219). Consta no tratado de Randle Holme III, cópia de um mandado real de Charles I datado de 1632, ordenando um método comum para a prática percussiva dos percussionistas sob o comando real, sendo o mais antigo documento inglês a tratar de 13 O ruff é um rudimento também chamado drag, conforme apresentado pela Percussive Arts Society (PAS) (cf. WANAMAKER; CARSON, 1984, p. 15). O termo ruff não tem correspondente em português, e é comumente confundido com o rufo, ou rulo, rudimento que consiste numa “série de rápidos toques sucessivos, os quais o baterista toca quando uma nota sustentada é requerida da caixa” (KRUPA, 1998, p. 28). FIG. 10 – Drag (ou ruff), conforme apresentado pela Percussive Arts Society (PAS) (WANAMAKER; CARSON, 1984, p. 15) 19 música para tambores e instruir seus executantes, visando organização e uniformidade ao tocar. Este mandado inclui a peça The Voluntary before the March, onde se observa uma notação semelhante à de Arbeau, além das indicações utilizadas por Holme. Blades apresenta uma interpretação dessa notação, onde pou e tou indicam direita e esquerda, poung indica uma fermata, ou ainda, um roll, e R refere-se a um ruff, ilustrada na FIG. 11 (cf. BLADES, 1970, p. 218-220; BLADES, 2001, p. 613). FIG. 11 – Trecho de The voluntary before the March e possível interpretação, apresentada por Blades (BLADES, 2001, p. 613) Estas instruções fizeram-se necessárias devido à negligência de percussionistas ao marchar que se descuidavam da execução musical, alterando a rítmica, encerrando fora de tempo, ou ainda, esquecendo aquilo que deveria ser tocado. Outra solução encontrada para este problema foi a instituição do cargo de drum major, que se trata de um percussionista principal ou solo, descrito por autores da época como um percussionista chefe e responsável pela condução da tropa (cf. FARMER, 1912, p. 24- 25). A utilização de padrões rítmicos com funções específicas dentro da rotina militar desenvolveu-se de acordo com a necessidade de novos comandos a serem codificados, visando a organização da tropa e o aperfeiçoamento da comunicação no campo de batalha. Cada regimento militar estabeleceu um sistema particular de 20 execução e ensino dos rudimentos, sendo influenciados por grupos militares mais antigos, e vindo a influenciar outros regimentos com os quais tivessem contato. 1.2 – Desenvolvimento da música militar e a prática dos rudimentos na Europa e nos Estados Unidos Até o século XIII, os percussionistas desenvolveram a prática de associar os tambores ao uso de tubos musicais ou pífanos, sendo os dois instrumentos executados pelo mesmo instrumentista. Tocava-se o tambor com uma das mãos, utilizando uma baqueta, enquanto a outra mão empunhava o instrumento de sopro, com a função de executar melodias para acompanhamento, além de servir para golpear o tambor, no lugar de uma segunda baqueta. Os primeiros registros dessa associação datam de 1332, e são encontrados nas Crônicas da cidade de Basileia, na Suíça, onde consta que esta prática tornou-se famosa, estando presente em festivais e festas públicas, e espalhando-se pela Europa até o início do séc. XVI por meio da Infantaria Suíça. Sendo ainda difundida por meio de serviços prestados por mercenários suíços a estados estrangeiros até o séc. XIX, estabeleceu-se uma função militar a estes grupos de pifanistas e percussionistas, denominados fife and drum corps, tornando-se responsáveis por animar a tropa, marcar os passos dos soldados com os tambores, executar melodias com os pífanos, e transmitir sinais e chamamentos (cf. BLADES, 1970, p. 208-210).14 14 Fife and drum corps são grupos musicais que atuam, habitualmente, em movimento e são constituídos por instrumentos de percussão (tambores, pratos) e pífanos. Existem outras formações possíveis, geralmente contando com percussão e algum instrumento de sopro (metais ou madeiras), de acordo com o país ou o regimento militar ao qual pertencem, e.g., bugle and drum corps (cornetas e percussão), bagpipe and drum corps (gaita de fole e percussão), etc. 21 Executados nos tambores, estes comandos eram obtidos por meio de um pequeno número de padrões rítmicos repetitivos que sinalizavam ordens específicas às tropas, e eram associados a diversos eventos na rotina militar, dentro e fora do campo de batalha. À medida que mais códigosforam se fazendo necessários, novos padrões rítmicos foram sendo desenvolvidos, tornando-se mais complexos e, com isso, exigindo maior habilidade por parte do percussionista (cf. FRANKLIN, 2008, p. 3). Devido ao sistema de ensino ser baseado em tradição oral, um grande número desses padrões ainda era ensinado de forma mecânica, por meio de repetição, obrigando o instrumentista a memorizá-los – bem como suas respectivas funções –, muitas vezes utilizando-se de sílabas e onomatopeias que guardassem relação com estes padrões e com o som produzido por eles ao serem executados. O registro destes padrões rítmicos deu-se apenas a partir do século XIX, quando materiais pedagógicos passaram a ser elaborados na Europa e, principalmente, nos Estados Unidos; diversos livros instrucionais de percussão e de canções militares que evidenciam o uso dos rudimentos foram escritos e publicados, vindo a tornar-se base para o estudo e divulgação destas técnicas. Estes materiais também registram particularidades do sistema de cada país onde há a tradição da prática dos rudimentos, o como se deu o desenvolvimento dos rudimentos na Europa e a contribuição destes países para a estruturação da prática rudimentar norte-americana, até a sua sistematização no formato como conhecemos atualmente. Desta forma, é possível traçar uma rota do desenvolvimento dos rudimentos, iniciando-se pelo primeiro contato dos europeus com os tambores, o estabelecimento de grupos de percussão em países europeus, a particular abordagem de cada um destes grupos e a chegada dos rudimentos nos Estados Unidos, trazidos da Inglaterra. A 22 FIG. 12 ilustra este percurso, sendo (I) a chegada do tabor na Europa, trazido do Oriente Médio pelos cruzados por volta do século XII, (II) a sua evolução e utilização no campo de batalha, para fins militares, estando estes eventos compreendidos entre os séculos XII e XVII.15 Consta também neste período o desenvolvimento da técnica percussiva europeia, principalmente na Suíça, na França e na Escócia. Finalmente, (III) refere-se ao estabelecimento de colônias inglesas na costa leste norte-americana no século XVII e a prática dos rudimentos na América desde então (cf. BERG, 2003, p. 9). FIG. 12 – Rota do desenvolvimento dos rudimentos na Europa e América do Norte (BERG, 2003, p. 9) O livro instrucional com registros mais antigos do uso dos rudimentos é de autoria do Dr. Fritz Berger, publicado na cidade de Basileia em 1928 e intitulado Das Basler Trommeln, onde consta uma ilustração de um pífano e um tambor datada de 1525. O autor apresenta uma notação precisa dos padrões rítmicos utilizados nas fife 15 O autor refere-se ao tabor como buzz drum (port., caixa de rulo), outro nome atribuído à caixa, sucessora do tabor. O termo buzz refere-se ao rulo executado livremente (ingl., buzz roll), sem um número definido de toques, fazendo uso do rebote das baquetas quando estas golpeiam a pele do tambor sem a devida articulação dos toques; chamada também de closed roll (port., rulo fechado), esta técnica é geralmente aplicada na caixa (cf. FRUNGILLO, 2003, p. 51, 55, 272). 23 and drum corps suíças dos séculos XVI e XVII, indicando a manulação destes padrões por meio de um monograma, onde as notas escritas acima da linha são referentes à mão direita e as notas escritas abaixo da mesma são referentes à mão esquerda. São listados os rudimentos utilizados, sendo diversos deles semelhantes aos rudimentos que constarão mais tarde na lista oficial da Percussive Arts Society (PAS), havendo, entretanto, diferenças em sua notação, além de variações de andamento e execução; o estilo da marcha suíça é descrito como lento, de 80 a 100 bpm (batidas por minuto), requerendo uma especial preocupação com a clareza e definição dos toques, com a articulação, com as dinâmicas e com o fraseado musical (cf. GALM, 1965, p. 14-17). William Frederick Ludwig, ex-percussionista da Companhia de Ópera de Chicago e da Orquestra Sinfônica de Chicago, em seu artigo sobre o desenvolvimento dos rudimentos, recorda uma conversa com Dr. Fritz Berger, que atesta o registro de rudimentos na Suíça ainda no início do século XVII. Em 1951, tive a oportunidade de visitar Basileia juntamente com Dr. Berger e com Eugene Giannini, professor de bateria do Corpo Policial de Zurique. Em uma discussão com estas autoridades, disseram-me que a notação de tambor naquele país começou por volta de 1620. Os franceses tomaram conhecimento desta notação por volta de 1660 e formaram drum corps, alguns com pífanos e outros com trombetas (cornetas). (LUDWIG, 1965, p. 16; tradução deste autor)16 O sistema percussivo francês contribuiu muito para o desenvolvimento dos rudimentos, que sofreram grandes alterações em relação ao sistema suíço. Houve uma nova abordagem na concepção de padrões rítmicos, notando-se mudanças na notação dos padrões comuns aos dois sistemas; houve alterações também quanto ao número de toques de determinadas células rítmicas, visando adaptar-se à marcha francesa, muito 16 “In 1951 I had the opportunity to visit with Dr. Berger in Basel and with Eugene Giannini, drum instructor of the Police Corps in Zurich. In a discussion with these authorities I was told that drum notation in that country started about 1620. The French took notice of this notation about 1660 and formed drum corps, some with fife and some with clarion (bugle)”. 24 mais rápida que a marcha suíça (em torno de 120 a 128 bpm). Consta a preocupação com o embelezamento destes rudimentos, por meio do uso de ornamentos ou por meio do deslocamento de acentos, geralmente presentes no primeiro tempo ou no primeiro dos toques que formam a célula rítmica. Outro recurso utilizado pelos franceses é a execução dos rudimentos iniciando-se pelo segundo toque, ou posteriores. Foram criados novos rudimentos, derivados de outros já existentes ou por meio de combinações de diferentes padrões rítmicos. Devido à complexidade dos novos padrões criados, o sistema francês exigiu maior disciplina por parte dos percussionistas, promovendo a exibição de suas habilidades técnicas (cf. GALM, 1965, p. 19-22). Os recursos de deslocamento do acento e de criação de novos rudimentos baseando-se em outros existentes também foram empregados no sistema percussivo escocês. Os escoceses desenvolveram um estilo que privilegia o aspecto melódico, aliando o uso do tambor com o pífano e, posteriormente, com a gaita de fole. Há intensa cooperação entre os tambores e a gaita de fole, não havendo neste sistema o uso destes instrumentos separados um do outro; a execução dos tambores é bastante apurada tecnicamente, ora fornecendo o pulso e a base rítmica, ora dialogando com a seção de sopro, ou ainda, executando contraponto com a própria seção de tambores, por meio de perguntas e respostas de frases rítmicas. Utilizando grande variedade de padrões rítmicos, recursos de embelezamento e variação, redução de valores, preocupação com a dinâmica e articulação, estabeleceu-se um sistema percussivo demasiado técnico e de difícil execução, contudo, bastante expressivo e musical (cf. BOAG, 1977, p. 49-54). 25 No desenvolvimento percussivo desses países europeus e de outros se baseia a prática percussiva rudimentar norte-americana. George Caroll, percussionista e autor de diversos artigos sobre a história da percussão, diz em entrevista a Percussive Notes (periódico da Percussive Arts Society [PAS]) que, com base em sua pesquisa sobre a percussão na prática militar, foram encontrados “mais de duzentos rudimentos da Suíça, França, Inglaterra, Holanda, Alemanha, Dinamarca, Noruega, Espanha e, obviamente, dos Estados Unidos” (HARTSOUGH; LOGOZZO, 1996, p. 34; tradução deste autor).17 Segundo Carroll, estes rudimentos podem ser classificados por nacionalidades, podendo ser identificadosrudimentos de origem americana, britânica, suíça, francesa, alemã e holandesa, cada qual com sua história, estilo e características próprias (cf. HARTSOUGH; LOGOZZO, 1996, p. 34). Tomando por base diversos livros publicados no séc. XX que tratam dos rudimentos utilizados e desenvolvidos nesses diferentes sistemas percussivos, John K. Galm, em artigo publicado em Percussionist, apresenta uma lista de rudimentos identificados pela sua nacionalidade, organizando-os em grupos de acordo com características em comum entre estes padrões rítmicos. É apresentado o símbolo de cada rudimento, ou seja, a sua notação musical (conforme consta nos livros em que o autor embasou sua pesquisa), e a nomenclatura dada a cada um destes padrões, além de destacar a sua origem, ou seja, o sistema percussivo onde cada rudimento foi encontrado.18 17 “Over two hundred rudiments from Switzerland, France, England, Holland, Germany, Denmark, Norway, Spain and, of course, the United States”. 18 Os livros-base da pesquisa de John K. Galm, seus respectivos autores e o país aos quais eles correspondem são: Pauken und Kleine Trommel Schule, de Franz Krüger, publicado em 1951 (Alemanha); Eenvoudige Leergang, de M. Schneider e W. F. Sprink, e Tamboerschool voor Marsch- en Concerttamboers, de A. van Veluwen, ambos sem data de publicação (Holanda); Instructor of Basle- Drumming, de Franz Rober Berger, publicado em 1937 (Suíça); Mozart Allan’s Pipe Band Drum Tutor, de John Seton, publicado em 1950 (Escócia); Methode de Tambour, de Robert Tourte, publicado em 26 A FIG. 13 apresenta o primeiro grupo organizado por Galm, constituído por rudimentos que apresentam o roll (port., rulo) em sua estrutura. FIG. 13 – Grupo de rudimentos compostos pelo roll (GALM, 1965, p. 24) 1956 (França); quanto aos rudimentos de nacionalidade americana, Galm baseou-se no Boletim n. 2 da National Association of Rudimental Drummers (NARD), de dezembro de 1935 (ANEXO B), informativo oficial onde são listados os 26 rudimentos padrões, cujo conhecimento e execução são requeridos daqueles percussionistas que desejam filiar-se a esta associação (cf. GALM, 1965, p. 10-27). 27 A FIG. 14 apresenta o segundo grupo, constituído por rudimentos que utilizam combinações de single strokes (port., toques simples) e double strokes (port., toques duplos). FIG. 14 – Grupo de rudimentos compostos por single strokes e double strokes (GALM, 1965, p. 25) O terceiro grupo organizado por Galm e ilustrado na FIG. 15 é constituído por rudimentos que apresentam o flam (toque executado com apojatura simples) em sua estrutura. 28 FIG. 15 – Grupo de rudimentos compostos pelo flam (GALM, 1965, p. 26) 29 O quarto e último grupo (FIG. 16) é constituído por rudimentos que apresentam o drag (ou ruff) em sua estrutura. FIG. 16 – Grupo de rudimentos compostos pelo flam (GALM, 1965, p. 27) O sistema percussivo norte-americano passou a desenvolver-se principalmente durante a Revolução Americana (1775-1783), devido à associação de grupos musicais a regimentos militares. O próprio General George Washington (1732-1799), ao constatar o benefício da presença de músicos junto às tropas, tratou de providenciar o treinamento destes instrumentistas. Diversos comandantes cuidaram de instruir os 30 percussionistas, destacando-se o Barão Friedrich von Steuben, nomeado General e indicado por Washington para comandar o treinamento dos músicos do Exército Continental, criado em 1775. É de autoria do General von Steuben o método Regulations for the Order and Discipline of the Troops of the United States, primeiro material publicado na América, em 1778, a tratar das funções do percussionista no campo militar e apresentar instruções por meio da notação de padrões rítmicos, mencionando alguns rudimentos, dentre eles, o flam, o roll e o drag (cf. SPALDING, 1980, p. 118). As maiores contribuições para o estabelecimento da prática rudimentar norte- americana provem da escola percussiva britânica, por meio das colônias inglesas que se fixaram na costa leste dos Estados Unidos a partir dos séculos XVI e XVII. Grande parte dos rudimentos listados oficialmente pela Percussive Arts Society (PAS) e utilizados atualmente são encontrados no livro The Art of Drumming, escrito em 1815 por Samuel L. Potter, drum major do Coldstream Regiment Foot Guards, na Inglaterra. Potter apresenta uma listagem dos rudimentos, além de instruções técnicas para a sua prática. Este modelo de apresentação dos rudimentos também é utilizado por Charles Stewart Ashworth, líder da banda musical dos fuzileiros navais dos Estados Unidos e aluno de Potter, em seu livro instrucional, sendo Ashworth um dos responsáveis por introduzir o estudo dos rudimentos na América (cf. HARTSOUGH; LOGOZZO, 1994b, p. 21-22). Um dos primeiros livros pedagógicos norte-americano a tratar dos rudimentos, organizando-os em lista, A New, Useful and Complete System of Drum Beating, including the Reveille, Troop, Officer’s Calls, Signals, Salutes and the Whole of the Camp Duty as Practised at Headquarters, Washington City, intended Particularly for 31 the Use of the United States Army and Navy, de autoria de Ashworth e publicado em 1812, descreve em detalhes alguns padrões rítmicos utilizados na prática militar, juntamente com regras e instruções a novos percussionistas, chamamentos e canções militares a serem executadas no pífano. Ashworth seleciona vinte e oito padrões rítmicos, considerados essenciais, listando-os numericamente e referindo-se a eles como “rudimentos para tocar tambores em geral” (ASHWORTH, 1812, p. 3; tradução deste autor – “RUDIMENTS FOR Drum Beating in General”), sendo o primeiro autor a utilizar o termo “rudimento” oficialmente (cf. SPALDING, 1980, p. 119-120). Estes rudimentos tornaram-se a base para a prática percussiva americana, considerando que o método proposto por Ashworth, destinado particularmente para o uso do Exército e da Marinha dos Estados Unidos, foi provavelmente utilizado como referência nas guerras que seguiram: Guerra de 1812, Guerra do México em 1848 e Guerra Civil em 1861. Com o advento da Guerra Civil, e com a presença de inúmeros regimentos e suas respectivas bandas, a prática e divulgação dos rudimentos neste período atingiram o seu ápice (cf. SPALDING, 1980, p. 120). Vários métodos para pífano e tambor foram escritos neste período, sendo o formato empregado por Potter e Ashworth – organizando e numerando os rudimentos em lista –, utilizado também por outros livros pedagógicos de percussão escritos posteriormente. The Drummer’s and Fifer’s Guide, escrito por George B. Bruce e Daniel D. Emmett e publicado em 1862, foi considerado o “livro mais importante deste século”, segundo William F. Ludwig (LUDWIG, 1965, p. 16; tradução deste autor – “most important book of that century”), devendo tal afirmação à sua ampla distribuição, estendida por quarenta anos, e por ter sido o único material pedagógico para percussão utilizado ao longo de vários anos (cf. LUDWIG, 1965, p. 16). The 32 Drummer’s and Fifer’s Guide contém diversas canções também presentes no livro de Ashworth, diferenciando-se deste em instruções sobre a execução de alguns rudimentos e, principalmente, em sua notação (cf. SPALDING, 1980, p. 120-121). Posteriormente, em 1869, foi publicado System of Instruction for the Drum and Fife, de Gardner A. Strube. Este livro, publicado por ordem da Guarda Nacional dos Estados de New England, é basicamente uma cópia de The Drummer’s and Fifer’s Guide, e teve pouca divulgação e utilização. (cf. LUDWIG, 1965, p. 16; SPALDING, 1980, p. 121). Consta neste período a substituição do pífano pela corneta,como instrumento acompanhante dos tambores, devida a eventual necessidade do uso de um instrumento de rápida articulação. Com essa mudança, fez-se necessária a providência de um livro pedagógico que abordasse este instrumental. Em 1886 foi publicado The Trumpet and Drum, de autoria de John Philip Sousa, famoso compositor de marchas militares. Este livro foi bastante utilizado e teve ampla distribuição, por conter todos os rudimentos então utilizados (Sousa não se refere a estes como rudimentos, limitando-se a enumerá-los como exercícios) e por adaptar as canções, inicialmente escritas para pífano, para a corneta. A publicação de The Trumpet and Drum configurou uma primeira tentativa de organizar o estudo dos rudimentos, visto que os materiais pedagógicos publicados anteriormente continham diferenças de notação e, principalmente, de instruções de execução (cf. LUDWIG, 1965, p. 16; 1966, p. 37; SPALDING, 1980, p. 121). No final do século XIX, surgiram diversas atividades envolvendo percussão e drum corps, porém sem relação com a rotina militar. Grandes festivais de música passaram a ser realizados e espetáculos públicos de demonstração de habilidades 33 técnicas, além de disputas entre percussionistas, tornaram-se comuns, sendo de 1872 o mais antigo relato escrito de um evento deste tipo, conhecido como competição de campo (ingl., field competition). Diversas destas competições foram promovidas por organizações cívicas ou militares como, por exemplo, a American Legion e a Veterans of Foreign Wars, ambas, organizações de veteranos de guerra dos Estados Unidos, e envolviam disputas entre grupos de tambor e pífano, tambor e corneta, bandas escolares e disputas individuais de percussão (cf. HARTSOUGH; LOGOZZO, 1994c, p. 30). Com o fim da Primeira Grande Guerra (1914-1918), estas organizações passaram a promover convenções a nível nacional, onde as competições de campo ocorriam. A primeira convenção nacional da American Legion ocorreu em 1921 na cidade de Kansas, enquanto que a estreia da Veterans of Foreign Wars deu-se apenas em 1928, em Indianapolis. Em relação às disputas individuais de percussão, era exigida do competidor a perfeita execução de diversos rudimentos, mas em decorrência da falta de uniformidade entre instrumentistas provindos de diversas regiões do país, por conta de eventuais diferenças contidas nos livros instrucionais de percussão adotados por eles, eram gerados conflitos e reclamações por parte dos avaliados, chegando a confundir até mesmo os juízes que, muitas vezes, não demonstravam competência e o conhecimento necessário para sanar tais dúvidas. Tomando, por exemplo, o long roll (port., rulo longo), um dos rudimentos requeridos em avaliações e executado com toques duplos; segundo Bruce e Emmett em The Drummer’s and Fifer’s Guide (1862), o segundo toque deve ser sempre acentuado ao iniciar a execução do rulo; em contrapartida, Strube, em System of Instruction for the 34 Drum and Fife (1869), omite tais acentos (cf. LUDWIG, 1965, p. 17; SPALDING, 1980, p. 122). Na tentativa de dirimir tais dúvidas e outras semelhantes, identificar os padrões rítmicos considerados essenciais por todos os autores e estabelecer um padrão de execução destes rudimentos, durante a convenção nacional da American Legion realizada na cidade de Chicago em 20 de junho de 1933, bateristas e percussionistas de várias partes dos Estados Unidos reuniram-se para discutir técnicas e pedagogia de percussão. Com o objetivo principal de adotar um sistema prático de ensino e estudo da percussão, respeitando os métodos já estabelecidos e visando padronizar a forma de execução e a avaliação dos executantes, estes percussionistas (treze, ao todo) fundaram a National Association of Rudimental Drummers (NARD). São eles: Harry Thompson, George A. Robertson, Bill Flowers, Bill Kieffer, Bill Hammond, Joe Hathaway, Larry Stone, Roy Knapp, William F. Ludwig, Heinie Gerlach, Burns Moore, Billy Miller e Ed Straight (cf. LUDWIG, 1965, p. 17; 1966, p. 37; SPALDING, 1980, p. 122-123). Foram selecionados vinte e seis padrões rítmicos dentre os descritos nos livros e métodos publicados, número considerado suficiente por seus organizadores, e capaz de abranger todo o conteúdo necessário para a avaliação técnica dos percussionistas. O número total dos rudimentos selecionados (26) comporta também um simbolismo, sendo análogo ao alfabeto inglês que possui vinte e seis letras. Desta forma, assim como se deve aprender cada letra do alfabeto para formar palavras e frases, o conhecimento dos rudimentos é essencial para o desenvolvimento rítmico (cf. LUDWIG II, 2001, p. 81). Nunca vou esquecer aquela noite. Nós conversamos e tocamos rudimentos por seis horas, bem pela manhã. Mas nós sentimos que tínhamos salvado os rudimentos de tambor, através da adoção de um conjunto prático de rudimentos, sem qualquer desvio dos 35 métodos reconhecidos e estabelecidos. […] Nós dividimos os 26 rudimentos em duas seções, selecionando o que nós denominamos os 13 essenciais, que cada candidato teve que tocar como um teste para a adesão à National Association of Rudimental Drummers, e os próximos 13 nós assumimos que seriam automaticamente seguidos. (LUDWIG, 1965, p. 17; tradução deste autor)19 Conforme descrito por William F. Ludwig, presidente da Ludwig Drum Co. e organizador deste encontro, os 26 rudimentos americanos padrão (ingl., 26 Standard American Drum Rudiments), adotados em 1934, foram divididos em dois grupos de treze, sendo o primeiro grupo chamado “treze rudimentos essenciais” (ingl., thirteen essential rudiments), correspondente àqueles cuja correta execução era exigida em competições, ou ainda, daqueles que pretendiam aderir à associação (NARD). Aos membros da NARD, eram conferidos o certificado de associação, assinatura do periódico The Ludwig Drummer e a autorização para avaliar novos candidatos. Em contrapartida, cabia ao associado o pagamento da anuidade, valor que era revertido na impressão de tabelas contendo todos os rudimentos, visando sua divulgação por meio da distribuição destes impressos. Os outros treze rudimentos, ou rudimentos “auxiliares”, eram opcionais, cabendo ao instrumentista a escolha pelo estudo destes (cf. LUDWIG, 1965, p. 17; 1966, p. 37). Todas as competições de campo que seguiram, novas composições para percussão e marchas militares, além da publicação de livros e materiais pedagógicos de percussão, basearam-se nos vinte e seis rudimentos estabelecidos pela NARD que, por meio de boletins informativos trimestrais, transmitiam orientações aos associados sobre novas definições em relação aos rudimentos, rotinas de estudo, competições futuras, etc. Os dois primeiros boletins são datados, respectivamente, de 24 de outubro 19 “I will never forget that evening. We talked and played rudiments six hours well into the morning. But we felt that we had saved the drum rudiments by adopting a practical set of rudiments without deviation from any of the then recognized and established methods. […] We divided the 26 rudiments into two sections by selecting what we termed at that time the 13 essential that each applicant had to play as a test for membership into the National Association of Rudimental Drummers and the second 13 we assumed would automatically follow”. 36 e 10 de dezembro de 1935, e apresentam a listagem de todos os 26 rudimentos estabelecidos pela associação (ANEXO B). No terceiro boletim, com data de 3 de fevereiro de 1936 (FIG. 17 e 18), Ludwig, então secretário da NARD, apresenta uma lista descrevendo os rudimentos presentes nos livros e métodos estabelecidos, utilizados como base no desenvolvimento e definição dos 26 rudimentos padrão.20 FIG. 17 – Lista dos rudimentos-base para a definição dos 26 rudimentos padrão (LUDWIG, 1936, p. [2])