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CARTA DOS EDITORES
 
 “Toda ideia de país resulta de uma construção ideológica”. São com essas provocadoras pa-
lavras que o Embaixador Rubens Ricupero, em seu livro “A diplomacia na construção do Brasil”, 
discute a formação da identidade nacional. Se as bases de nossa atuação externa foram, em grande 
medida, consolidadas pelo Barão do Rio Branco, nossa mais recente “ideia de país” é em muito 
influenciada pela Constituição Federal de 1988. Fruto de uma euforia advinda do fim de um longo 
regime autoritário, a Constituição é a imagem de uma sociedade que se pretende democrática, 
pacífica e promotora da equidade social. 
 Ao dialogar com a função simbólica da Carta, a décima edição da Revista Juca propôs-se a 
discutir os avanços reais da Constituição na esteira das comemoração de seus trinta anos de exis-
tência. Além de entrevistarmos atores políticos relevantes nesse processo e discorrermos sobre 
ele, questionamos a nós mesmos: consideramos que os alunos-diplomatas, espraiados por páginas 
e páginas da Juca, são consequência inexorável da Constituição de 1988. Refletir sobre ela é, por-
tanto, ruminar sobre política externa brasileira, sobre os rumos da política interna e sobre nosso 
papel numa democracia que, embora adulta, enfrenta uma luta cotidiana para consolidar-se. Es-
crever sobre a Constituição de 1988 acaba por ser autorreferente: trata-se de entender um pouco 
mais sobre nós. 
 Tal como em suas edições anteriores, a Revista Juca continua a ser um esforço de representa-
ção dos novos integrantes da carreira diplomática. Ela acaba, igualmente, por refletir as mudan-
ças institucionais na formação dos novos diplomatas brasileiros. Com a redução da extensão do 
curso, os esforços para a publicação da Revista Juca principiam no intervalo das primeiras lições 
de “Política Internacional I”, mas apenas terminam ao longo de nossa primeira lotação. Isso aca-
ba por refletir nos temas abordados na revista: artigos como “Cooperação em saúde no BRICS: 
símbolo de um novo ciclo de atuação do agrupamento” e “A Plataforma para o Biofuturo e a nova 
diplomacia brasileira da bioenergia” são fruto de uma inquietação intelectual que tem como base 
o trabalho cotidiano dos novos diplomatas nas respectivas divisões. Há, igualmente, artigos que 
exibem a vida profissional pregressa de seus autores, tais como “Relações Brasil-URSS, Primeiro 
Ato” e “O início dos Amores”. De certo modo, a Juca é a soma do que fomos, do que somos e do 
que almejamos ser. 
 A publicação, sem nenhum descontinuidade, da décima edição da Revista Juca é motivo de 
celebração. Muitas publicações não sobreviveram aos dez anos de existência. A Juca, por sua vez, 
perseverou. Ano após ano, uma equipe de diplomatas aprende as bases da editoração, muitas ve-
zes sem experiência prévia, para exercer uma das maiores conquistas da Constituição de 1998: 
a liberdade de expressão. O resultado soma-se aos esforços de suas antecessoras e, esperamos, 
estimula as próximas turmas a seguir adiante. A todos, desejamos uma boa leitura!
JUCA
Edição 10 / 2018
Instituto Rio Branco
Impressa em Brasília
Brasil
EDITORES HONORÁRIOS
Embaixador José Estanislau do Amaral 
Souza Neto
Embaixadora Gisela Maria Figueiredo 
Padovan
EDITORA-CHEFE
Maria Eduarda Paiva 
EDITORA-EXECUTIVA 
Isadora Loreto da Silveira
EDITORES DE ARTE
Mariana Marshall Parra
Pedro Barreto da Rocha Paranhos
EDITORES DE DOSSIÊ
Ellen Cristina Borges Londe Mello
Arthur Cesar Lima Naylor
EDITORES DE ENTREVISTAS
João Soares Viana Neto 
Ramiro Januário dos Santos Neto
EDITOR DE DIPLOMACIA E POLÍTICA 
INTERNACIONAL
Wallace Medeiros de Melo Alves
EDITOR DE CULTURA E ARTE
Guilherme Fernando Rennó Kisteumacher
EDITOR DE MEMÓRIA DIPLOMÁTICA
Adriano Bonotto
EDITORA DE ENSAIOS E RESENHAS
Mariana Marshall Parra
EDITORA DE TRADUÇÕES 
Camilla Corá
DIAGRAMAÇÃO
Helkton Gomes
CAPA
Arquivo da Câmara dos Deputados
Expediente
Ministro de Estado das Relações Exteriores, Senhor Aloysio Nunes 
Ferreira, Secretário-Geral das Relações Exteriores, Embaixador 
Marcos Bezerra Abbott Galvão, Diretor-Geral do Instituto Rio Branco 
(2016-2018), Embaixador José Estanislau do Amaral Souza Neto, atual 
Diretora-Geral do Instituto Rio Branco, Embaixadora Gisela Maria 
Figueiredo Padovan. 
Deputada Benedita Souza da Silva Sampaio.
Embaixador Eduardo Paes Saboia, Embaixadora Eugênia Barthelmess, 
Embaixador Norberto Moretti, Embaixador Sílvio José Albuquerque e 
Silva.
Ministro Felipe Hees, Ministro Sérgio Barreiros de Santana Azevedo. 
Conselheiro Bruno de Lacerda Carrilho, Conselheiro Cícero Tobias de 
Oliveira Freitas, Conselheiro Francisco Eduardo Novello, Conselheiro 
George de Oliveira Marques, Conselheiro João Mauricio Cabral de 
Mello, Conselheiro Ronaldo Alexandre do Amaral e Silva, Conselheira 
Viviane Rios Balbino.
Secretário Danilo Vilela Bandeira, Secretário Diogo Ramos Coelho, 
Secretário Felipe Krause Dornelles, Secretário Felipe Neves Caetano 
Ribeiro, Secretário Filipe Correa Nasser Silva, Secretário Henrique 
Choer Moraes, Secretária Laís de Souza Garcia, Secretário Luiz de 
Andrade Filho, Secretário Pedro Mendonça Cavalcante, Secretário 
Vismar Ravagnani Duarte Silva, Secretária Yukie Watanabe. 
Senhor Adriano César Santos Ribeiro, Senhor Carlos Alexandre 
Fernandes Considera, Senhora Dieime Simões de Souza Madureira, 
Senhora Giovanna Cerqueira Lombardo, Senhor Iuri Medeiros de Jezus, 
Senhora Natanni Fernandes Santiago, Senhor Rafael Lima Barbosa.
Agradecimentos
Sumário
ENTREVISTAS
“Ser ministro das Relações Exteriores é 
estar no lugar onde a atividade política, 
em sua acepção mais elevada, é exercida. 
É uma enorme fonte de satisfação”: 
Entrevista com o ministro Aloysio Nunes 
Ferreira – 36
Isadora Loreto da Silveira, João Soares 
Viana Neto, Maria Eduarda Paiva e Ramiro 
Januário dos Santos Neto
ESPECIAL 10 ANOS
DE JUCA
Celebrando as “ficções da memória”: 
lembranças afetivas dos dez anos da 
JUCA – 26
Camilla Corá, Maria Eduarda Paiva e 
Wallace Medeiros de Melo Alves
MEMÓRIA DIPLOMÁTICA
Quem foi Bertha Lutz? – 78
Camilla Corá e Sarah Venites
3006 Massachusetts Avenue: 
A relação Brasil-EUA nas 
memórias de diplomatas 
brasileiros – 88
Filipe Nasser e Wallace Alves
Diplomacia, soberania e estratégia: a 
atuação do Barão do Rio Branco na 
Questão do Acre (1902-1903) – 98
Guilherme Fernando Rennó Kisteumacher
Relações Brasil-URSS, Primeiro Ato: A 
Chancelaria Brasileira Frente à Dupla 
Revolução de 1917 – 108
Marcelo Laraburu
DOSSIÊ
Apresentação do 
Dossiê – 04
Os Editores
Os impactos da Constituição de 1988 nas 
Políticas Sociais – 06
Camilla Corá, Isadora Loreto e Maria 
Eduarda Paiva
Contrato Social Antieconômico? A relação 
ambígua entre a Constituição Federal e a 
economia – 14
Arthur Cesar Lima Naylor
Da Discriminação Racial no Direito 
Internacional e na Constituição Federal 
de 1988 – 18
Ramiro Januário dos Santos Neto
Muitos tons de verde: o longo e acidentado 
caminho do meio ambiente até a 
Constituição – 22
Arthur Cesar Lima Naylor
DIPLOMACIA E 
POLÍTICA INTERNACIONAL
A plataforma para o biofuturo e a nova 
diplomacia brasileira da bioenergia – 58
Adriano Bonotto
Cooperação em saúde no BRICS: 
símbolo de um novo ciclo de atuação do 
agrupamento – 62
Ramiro Januário dos Santos Neto e Isadora 
Loreto da Silveira
Mercosul e Venezuela: Direito e 
Democracia – 68
Riane Laís Tarnovski
Brasil e os países do Conselho de 
Cooperação do Golfo – uma análise das 
relações históricas e perspectivas – 72
Al-Anoud Al-Sabah
RESENHAS
“Eu cruzaria a cidade em bicicleta só para 
te ver dançar”: resenha de “Jóquei”, de 
Matilde Campilho – 114 
Isadora Loreto da Silveira
Resenha: “Madame President – The 
extraordinary journey of Ellen 
Johnson Sirleaf” – 118
Mariana Marshall Parra
“Lima Barreto – 
triste visionário” 
Lilia Moritz Schwarcz – 122
Maria Eduarda Paiva
Benedita da Silva
“Eu nunca vi, no Brasil, um momento tão 
rico quanto o da Assembleia Nacional 
Constituinte[...]. 
Eu passei por um momento de grande 
emoção.” – 44
Elaine Cristina PereiraGomes; Igor Goulart 
Teixeira; Rafaela Seixas Fontes; Ramiro 
Januário dos Santos Neto; Rodrigo Cruvinel 
Barenho e Rodrigo Ponciano Guedes Bastos 
dos Santos.
“Você conhece algum diplomata brasileiro 
negro?”: Entrevista do embaixador Silvio 
José Albuquerque 
e Silva à revista JUCA – 50 
João Soares Viana Neto 
CULTURA E ARTE
Athos Bulcão e 
o mundo ao 
seu redor – 126
Vismar Ravagnani
Um estadista brasileiro no 
país do sol nascente: um pioneiro 
da diplomacia pública – 130
Daiki Inaba
 “Os Embaixadores” de 
Hans Holbein e a 
desordem mundial – 134
Guilherme Fernando Rennó Kisteumacher
O início dos amores: Império e 
militarismo na poesia – 138
Hudson Caldeira Brant Sandy
f Ellen 
cz – 122cz – 122cz – 12
DIVERSOS
Na Itaipu, 
o traço todo 
da diplomacia – 144
Maria Eduarda Paiva
 
A OMC em águas 
turbulentas – 152
Pedro Gazzinelli Colares
o no 
DOSSIÊ
Apresentação 
 Escolher a Constituição como tema do Dossiê 
desta JUCA foi até certo ponto fácil. Não é apenas que 
as efemérides se consolidaram, ao longo dos dez anos 
da revista, como critério preferencial na hora de esco-
lher o assunto de sua seção mais importante. É também 
que, embora 2018 seja um ano pródigo em celebrações 
relevantes, como provam o centenário do fim da 1a 
Guerra e os 50 anos das revoltas juvenis que abalaram 
o mundo, os 30 anos da Constituição são um tema que 
muito de perto diz respeito a nós, jovens diplomatas, 
por afinidade tanto geográfica quanto geracional. Não 
é exagero dizer que somos os filhos da Constituição, do 
Brasil que ela refletiu e do Brasil que ela sonhou, passa-
do e futuro entrelaçando-se nas múltiplas possibilida-
des de um presente que estamos permanentemente a 
construir.
 Contudo, além de homenagear uma tradição edi-
torial já enraizada, a escolha dessa efeméride específi-
ca vem a calhar por uma razão que o próprio tema deste 
Dossiê celebra. Somos uma turma diversa, com interes-
ses e visões diversos, e temos a convicção, que a Carta 
de 88 elevou a princípio organizador de nossa demo-
cracia, de que a diversidade deve celebrada e estimula-
da, jamais reprimida. A Constituição é o Brasil e o mun-
do, é um espelho e uma bússola, é uma enciclopédia e 
um manual de instruções. Tudo ao mesmo tempo, tudo 
no mesmo pacto. Portanto, cara leitora, caro leitor, ao 
ler, nas próximas páginas, sobre políticas sociais, eco-
nomia, meio ambiente e racismo, sugerimos que não 
pense num conjunto de assuntos em busca de um nor-
te. Pense num caleidoscópio, que, com suas múltiplas 
refrações, longe de parecer desconjuntado, revela uma 
unidade colorida e desconcertante.
 Boa leitura! 
Os editores
5
DOSSIÊ
Os impactos da Constituição de 1988 
nas Políticas Sociais
Camilla Corá, Isadora Loreto e Maria Eduarda Paiva
A redemocratização e a Constituição de 1988
Era 05 de outubro de 1988, pouco antes das três e 
meia da tarde. Ulysses Guimarães, presidente da As-
sembleia Nacional Constituinte, José Sarney, presidente 
da República, e Rafael Meyer, presidente do Supremo 
Tribunal Federal, reuniram-se em frente ao Congresso 
Nacional, onde foram saudados por tiros de canhão e 
pela execução do Hino Nacional. Após a revista às tro-
pas, os três presidentes subiram a rampa do Congresso, 
quando foram aclamados por fogos de artifício. 
 No Plenário da Câmara dos Deputados, o pre-
sidente da Assembleia Constituinte e o presidente do 
Senado, Humberto Lucena, foram os primeiros a chegar 
para a composição da Mesa. A entrada das autoridades 
naquele que foi o palco principal dos grandes debates da 
Constituinte foi seguida de uma grande salva de palmas. 
Com a chegada dos presidentes José Sarney e Rafael 
Meyer, conduzidos ao Plenário pelos líderes dos parti-
dos políticos, deu-se início à cerimônia de promulgação 
da Constituição Federal de 1988. 
 Todos os presentes ouviram de pé o Hino Na-
cional. Em seguida, o deputado Ulysses Guimarães as-
sinou cinco exemplares originais da nova Constituição. 
Faltavam dez minutos para as quatro da tarde quando 
o deputado declarou promulgada a Constituição, numa 
fala de improviso, que transmitia a emoção do interlo-
cutor: “Declaro promulgada o documento da liberdade, 
da dignidade, da democracia, da justiça social do Brasil. 
Que Deus nos ajude. Que isto se cumpra”.
 Se é inegável que a Constituição foi marco po-
lítico fundamental para um país que, havia vinte anos, 
desconhecia a democracia, não restava claro, naque-
la conjuntura, qual seria a contribuição do novo texto 
constitucional para os mais pobres – a grande parcela da 
população que nunca havia se identificado como sujeito 
de direitos. Nesse aspecto, o texto constitucional de 1988 
contém normas que ora ampliaram direitos e garantias 
sociais anteriores a sua promulgação, ora instituíram 
políticas sociais até então inexistentes. Os direitos so-
ciais foram a principal inovação de uma Constituição 
que se pretendeu cidadã, norteando fundamentalmente 
os objetivos da Carta:
(...) instituir um Estado democrático, destinado a 
assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, 
a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvi-
mento, a igualdade e a justiça como valores supremos 
de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconcei-
tos, fundada na harmonia social (...).
Passados trinta anos da promulgação da Consti-
tuição, pode-se afirmar que, embora a implementação 
das políticas sociais seja um processo inconcluso e com 
graus distintos de êxito a depender das políticas anali-
sadas, houve avanços inegáveis. Não apenas são percep-
tíveis as inovações promovidas nas áreas de assistência 
social, saúde, educação e combate à extrema pobreza, 
como também a manutenção de grande parte do arca-
bouço normativo original. Em um texto emendado por 
noventa e nove vezes desde 1988, em meio a distintas 
7
crises políticas e econômicas, é surpreendente a perma-
nência de grande parte dos avanços constitucionais em 
termos de políticas sociais. 
Compreender a magnitude da Constituição de 1988 
para as políticas sociais demanda um olhar à legislação 
que a antecedeu. O sistema de políticas sociais brasileiro 
surge, em sua essência, em 1930, com a vigência de uma 
legislação que ampliava benefícios assistenciais, previ-
denciários e, especialmente, trabalhistas e com a atua-
ção do Estado como regulador de um pacto social que 
se constituía. No entanto, os sistemas que se formavam 
eram bastante seletivos e voltados a um número res-
trito de beneficiários. Essa limitação torna-se evidente 
na área de saúde, em que, até 1988, o acesso a serviços 
hospitalares estava limitado a pessoas formalmente in-
seridas no mercado de trabalho, estando o restante da 
população ao arbítrio da filantropia. 
Antes de 1988, o acesso à maioria dos serviços so-
ciais era essencialmente baseado no vínculo trabalhista 
do cidadão. Essa lógica de sistema protetivo é perversa 
por estimular um círculo vicioso de pobreza quase im-
possível de ser rompido. Aqueles que não estavam no 
mercado formal de emprego – ou seja, os estratos mais 
marginalizados da sociedade – não tinham uma rede de 
apoio do Estado que propiciaria a superação da pobreza 
no médio prazo. Como os mais pobres eram necessaria-
mente os menos protegidos, praticamente inexistia mo-
bilidade social. Segundo Jorge Abrahão e José Apareci-
do Ribeiro, em “As Políticas Sociais de 1888: conquistas 
e desafios”, os dados sociais evidenciavam as condições 
de vida precárias de boa parte da população: em 1980, 
a esperança de vida ao nascer era de apenas 60 anos; a 
taxa de mortalidade infantil era de 88 por mil nascidos 
vivos; o analfabetismo na população de 15 anos ou mais 
era de 25%. 
Como grande feito, a Constituição de 1988 intro-
duziu no ordenamento jurídico brasileiro o conceito 
de Seguridade Social, que, de acordo com o art. 194 da 
Carta, “compreende um conjunto integrado de ações 
de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, des-
tinadas a assegurar os direitos à saúde, à previdência e 
à assistência social”. Determinadosdireitos sociais são, 
pela primeira vez, vistos de maneira integrada, como 
uma medida necessária para combater situações de vul-
nerabilidade. Essa inovação ganha importância quando 
se verificam os princípios que regem a Seguridade So-
cial: universalidade da cobertura e do atendimento; uni-
formidade e equivalência dos benefícios e dos serviços 
às populações urbanas e rurais, caráter democrático e 
descentralizado da gestão administrativa, entre outros. 
A Constituição orientou a necessidade de um cuidado 
integrado, abrangente e intersetorial para uma popula-
ção, em geral, desassistida. 
Como se percebe, a Constituição de 1988 buscou 
romper com essa lógica seletiva em políticas sociais, 
adotando um modelo mais redistributivo. Não era uma 
opção óbvia: o Brasil dos anos 1980 vivia uma de suas 
piores crises econômicas, e estabelecer de que maneira 
custear as ambições da Constituição em questões so-
ciais foi um dos duros debates travados na Constituinte. 
Esse debate, como se sabe, estava longe de se limitar ao 
Brasil: o papel do Estado estava sendo questionado nas 
maiores economias do mundo, com acentuada projeção 
das teses em favor de um Estado mínimo. Adotar políti-
cas sociais abrangentes e universais não era um movi-
mento natural, exigindo grande capital político de seus 
defensores. 
Uma Constituição, quando elaborada, não é um re-
trato fiel da sociedade, mas, sim, uma rota para o seu 
futuro. A implementação da Constituição cidadã certa-
mente não foi fácil e segue, até os dias atuais, incom-
pleta. Ainda assim, o explícito comprometimento com a 
inclusão e com a redução da pobreza rendeu frutos que 
devem ser comemorados no aniversário de 30 anos da 
Carta. 
As políticas sociais da Constituição de 1988
Os novos dispositivos constitucionais tiveram im-
pacto direto na vida de milhões de brasileiros, como 
Dalva Gomes e sua família. Tendo crescido nos anos 
DOSSIÊ
1980, Dalva teve pouco acesso a uma rede efetiva de pro-
teção social. Foi nesse contexto que, aos 15 anos, ela saiu 
de Cristino Castro, no Piauí, para trabalhar como em-
pregada doméstica em Brasília. A situação já era distinta 
quando suas quatro filhas nasceram: Dalva pode contar 
com o apoio do Sistema Único de Saúde para a realiza-
ção do parto e para o acompanhamento materno-infan-
til. Dalva também se tornou beneficiária do Programa 
Bolsa Família, o que lhe permitiu complementar a renda 
familiar de modo que suas filhas não precisassem repro-
duzir a história da mãe, acumulando rotina escolar com 
trabalho. Em 2016, Suellen – a filha mais velha de Dal-
va – entrou na faculdade de Enfermagem, caminho que 
Dalva espera ser seguido pelas demais. 
A melhoria das condições de vida de Dalva e sua fa-
mília tornou-se possível em razão das garantias da Cons-
tituição de 1988. O sistema brasileiro de proteção social, 
criado a partir do arcabouço constitucional de 1988 e 
posteriormente incrementado e regulamentado, pode 
ser analisado a partir da definição de José Celso Cardo-
so Jr. e Luciana Jaccoud em “Políticas sociais no Bra-
sil: organização, abrangência e tensões da ação estatal” 
(2005), segundo a qual a ação social estatal no âmbito 
federal pode ser dividida em quatro eixos estruturantes 
básicos: emprego e trabalho, assistência social e comba-
te à pobreza, direitos incondicionais e cidadania social e 
infraestrutura social. O primeiro eixo inclui previdência 
social, políticas de apoio ao trabalhador e organização 
agrária e política fundiária; o segundo, assistência so-
cial, alimentação e nutrição e ações de combate à pobre-
za e transferência de renda; o terceiro, saúde e ensino 
fundamental; e o quarto, habitação e saneamento. Esse 
rol de políticas não é exaustivo, podendo-se pensar tam-
bém em uma série de políticas de promoção de igualda-
de racial e de políticas para mulheres, por exemplo. 
No que se refere ao segundo eixo, foco principal 
deste artigo, a Lei Orgânica de Assistência Social, de 
1993, definiu as ações de assistência social a partir de 
quatro categorias: benefícios (Benefício da Prestação 
Continuada e benefícios eventuais), serviços (ativida-
des de atendimento ou abrigamento para crianças, jo-
vens, idosos, portadores de deficiência, etc.), programas 
e projetos assistenciais (nas áreas de erradicação do tra-
balho infantil e combate à exploração sexual de crian-
ças, por exemplo). É importante notar que, com o ad-
vento da “Constituição Cidadã”, a política de assistência 
social foi decididamente vinculada ao Estado, diferen-
ciando-se substancialmente da abordagem baseada na 
intervenção filantrópica e na transferência de recursos 
a entidades privadas de caridade. As políticas dessa ver-
tente, uma vez dispersas e fragmentadas, foram ganhan-
do consistência, e a década de 2000 inaugurou também 
a adoção de políticas de transferência de renda no âm-
bito federal (Bolsa-Escola, Bolsa-Alimentação, Auxílio-
-Gás e, mais tarde, Bolsa-Família). 
Dentre as políticas mencionadas, o Programa Bol-
sa Família tem papel de destaque, dado seu alcance e 
potencial transformador. Instituído em 2003, por meio 
da unificação dos procedimentos das ações de transfe-
rência de renda criadas no governo Fernando Henrique 
Cardoso, seu objetivo principal é contribuir para o com-
bate à pobreza e à desigualdade social no país. O pro-
grama é pautado no complemento da renda familiar, em 
somas que variam a depender da vulnerabilidade social 
e do número de integrantes da família. 
Mensalmente, mulheres de todos os cantos do Bra-
sil – que foram priorizadas pelo Programa e consistem 
em mais de 90% dos representantes familiares – podem 
sacar o complemento de renda transferido pelo progra-
ma em agências bancárias ou casas lotéricas, por meio 
de um cartão magnético pessoal e intrasferível. Esse 
mecanismo impede, de certa maneira, o personalismo 
de muitas políticas sociais anteriores, em que um aten-
dimento ou uma cesta básica dependiam, em essência, 
das benesses de um gestor municipal. Ao tornar impes-
soal a seleção dos beneficiários e a transferência de ren-
da, o Bolsa Família humanizou as políticas sociais. 
A grande inovação do Bolsa Família parece ter sido 
a sua integração às políticas sociais incondicionais: saú-
de, educação básica e assistência social, cujo acesso é, 
em teoria, de caráter universal. Tanto a saúde quanto a 
educação básica passaram, a partir da nova Constitui-
9
ção Federal, a ser localizados na esfera dos direitos 
inalienáveis de todos os cidadãos e do dever do Estado. 
Persiste, contudo, uma série de desafios em ambas as 
áreas, uma vez que a cobertura universal é segmentada 
e marcada pela qualidade variável dos serviços oferta-
dos pelo Estado. 
A fim de garantir a manutenção do benefício finan-
ceiro do Bolsa Família, as famílias precisam estar em dia 
com as condicionalidades, tais como o cumprimento 
do calendário vacinal e frequência escolar. Ao garantir 
que crianças e jovens pobres acessem as redes públicas 
de saúde e educação, o Bolsa Família auxilia na forma-
ção de uma geração mais saudável e mais letrada que 
a sua antecessora. Mais apta, assim, a romper com sua 
condição de pobreza. A transferência condicionada de 
renda também gera uma demanda importante para o 
poder público: ofertar os serviços necessários para que 
os beneficiários do programa consigam, efetivamente, 
cumprir as condicionalidades. Isso demandou maior 
investimento em escolas, postos de saúde e centros de 
Assistência Social. 
Embora o Bolsa Família esteja longe de ser o único 
programa social instituído após a Constituição de 1988, 
ele é um grande símbolo de como a questão social ga-
nhou relevância nas últimas décadas. A transferência 
condicionada de renda aos mais pobres foi, por muito 
tempo, o programa social mais discutido nos debates 
políticos, nas redes sociais e nos almoços de domingo. 
As discordâncias são expressão saudável de uma demo-
cracia que teve seu primeiro contato com desenhos de 
políticas sociais de amplo alcance para a população de-sassistida. 
O debate não deve, no entanto, ignorar os resultados 
consideráveis na vida das pessoas: a preocupação com o 
caráter cidadão e redistributivo inscrita da Constitui-
ção 1988 e as políticas sociais posteriormente adotadas 
foram um dos determinantes para a melhoria da renda 
domiciliar per capita, do índice de Gini, e dos níveis de 
pobreza e extrema pobreza no Brasil nas décadas que 
se seguiram. De acordo com Paulo de Martino Jannuzzi 
em “Pobreza, Desigualdade e Mudança Social: trajetó-
ria no Brasil recente (1992 a 2014)” (2016), entre 1992 e 
2014, a renda domiciliar per capita média passou de 541 
reais para 1.058 reais. O índice de Gini baixou de 0,61 em 
1993 para 0,59 em 2001 e para 0,52 em 2014. A extrema 
pobreza (parcela da população com renda domiciliar 
per capita de até R$ 70,00) afetava 13,5% da população 
brasileira em 1992, passando para 8,2% em 2003 e atin-
gindo 2,5% em 2014. A pobreza (renda domiciliar per 
capita de até R$ 140,00) passou de um nível de 31% em 
1992 para 24% em 2003, e alcançou 7% em 2014.
Os reflexos na política externa brasileira
É difícil separar os impactos das políticas sociais 
introduzidas ou possibilitadas pela Constituição de 
1988 na política externa daqueles do próprio processo 
de redemocratização. A nova Constituição regulava, 
em dimensão inédita, a condução da política externa 
brasileira, destacadamente em seu artigo 4º, que 
elenca, entre os princípios que regem as relações 
internacionais do Brasil, a «prevalência dos direitos 
humanos», o «repúdio ao terrorismo e ao racismo», 
e a «cooperação entre os povos para o progresso da 
humanidade». Conforme Polveiro Jr., no artigo «As 
relações internacionais na Constituição de 1988 e suas 
consequências na política externa brasileira”, a partir 
da promulgação da Constituição Cidadã, evidenciou-se 
a percepção da política externa como instrumento para 
realização dos objetivos fundamentais da República, 
conforme elencados no artigo 3º daquela Carta: i) cons-
truir uma sociedade livre, justa e solidária; ii) garantir o 
desenvolvimento nacional; iii) erradicar a pobreza e a 
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e re-
gionais; e iv) promover o bem de todos, sem preconcei-
tos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras 
formas de discriminação.
Os efeitos mais diretos das políticas sociais pós-
1988 na política externa podem ser percebidos no âm-
bito da cooperação internacional. Fundamentado na 
noção de que a cooperação deve ser horizontal e regida 
DOSSIÊ
pela demanda, o Brasil passou a atuar não apenas como 
receptor, mas como provedor de cooperação naquelas 
áreas em que se identificaram maiores sucessos inter-
namente. Nesse sentido, a Constituição concedeu não 
apenas legitimidade à atuação externa, mas também os 
meios, ao possibilitar que programas sociais bem-suce-
didos se tornassem exemplos a serem compartilhados 
com outros países.
Nesse contexto, inegável destaque foi conferido aos 
programas de transferência condicionada de renda da 
rede Fome Zero, que incluem o Bolsa Família. Ainda 
que seja impossível delimitar o número exato, dados do 
Banco Mundial de 2016 apontavam a implementação de 
iniciativas no formato do Bolsa Família em 52 países. O 
Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) teria, ain-
da, entre 2011 e 2015, recebido mais de 400 delegações 
Biritinga-BA. A quilombola Maria José de Souza Santos, 
mais conhecida como Mãe Pequena, e seus netos. 
Foto: Sergio Amaral/MDS
11
de quase 100 países, interessadas no funcionamento do 
programa. Um dos mais notórios exemplos de iniciativa 
diretamente inspirada no modelo brasileiro – e o pri-
meiro programa de transferência condicionada de ren-
da nos Estados Unidos – é o “Opportunity NYC”, fun-
dado pelo prefeito de Nova Iorque, Michael Bloomberg, 
em 2007, para beneficiar famílias em situação de vulne-
rabilidade na metrópole. 
Os exemplos – que incluem ainda países da Améri-
ca Latina, África e Europa – demonstram que a chamada 
“tecnologia social” desenvolvida no Brasil tornou-se, ra-
pidamente, elemento de soft power na política externa. 
Nesse sentido, não apenas multiplicou-se a participação 
do Brasil como também cresceram as suas propostas 
de criação de instrumentos internacionais de combate 
à fome. Exemplos incluem a Ação contra a Fome e Po-
breza, lançada na ONU, em 2004, originada de parceria 
entre o Brasil, a França, o Chile e a Espanha, e o Fun-
do IBAS para o Alívio da Pobreza e da Fome, criado no 
mesmo ano, em parceria com Índia e África do Sul.
Sem prejuízo de outros setores, há que se ressaltar a 
atuação internacional do Brasil no tema da saúde. Ainda 
no âmbito da Ação Contra a Fome e a Pobreza, foi lança-
da, em 2007, por iniciativa de Brasil, França, Chile, No-
ruega e Reino Unido, a Central Internacional de Com-
pras de Medicamentos (UNITAID), com a intenção de 
acelerar o acesso a medicamentos de alta qualidade e ao 
diagnóstico de doenças como HIV/AIDS, tuberculose e 
malária. A diplomacia brasileira, amparada pelo trata-
mento interno da questão dos medicamentos de HIV/
AIDS, favoreceu, ainda, o tratamento do tema das pa-
tentes na Organização Mundial da Saúde e apoiou pro-
jetos de cooperação Sul-Sul na África e na América do 
Sul, sob o prisma da chamada “cooperação estruturante 
em saúde”, conceito formulado pelo Centro de Relações 
Internacionais da Fiocruz segundo o qual é necessário 
construir capacidades internas para o desenvolvimento.
As políticas sociais elencadas pela Constituição Ci-
dadã dialogaram, ainda, com as mudanças no cenário 
internacional no que tange aos elementos mais gerais 
da política externa brasileira pós-redemocratização. A 
chamada “década das conferências”, nas palavras do 
embaixador Lindgren Alves, coincidiu temporalmente 
com o momento de “quitação de hipotecas” do Brasil, 
conformando um cenário de ampla participação – e de-
manda – do Brasil em conferências e organizações in-
ternacionais sobre temas sociais. Ao mesmo tempo, a 
política externa brasileira não se podia furtar da abertu-
ra promovida em outros setores domésticos, passando a 
valorizar maior diálogo com as Organizações Não Go-
vernamentais (ONGs) e com a sociedade civil em geral. 
Nesse sentido, viu-se a aproximação da agenda interna-
cional de temas sociais à agenda de integração regional, 
a exemplo do Mercosul e, mais tarde, da UNASUL e da 
CELAC. 
Em que pesem essas constatações, deve-se ressaltar 
que, como tudo em política (externa), não se pretende 
inferir que as mudanças aqui repassadas advieram de 
consensos. Conforme assinalam Monica Hirst e Letícia 
Pinheiro, no artigo “A política externa em dois tempos”, 
os primeiros anos pós-1988 foram de intensos debates 
sobre os rumos do Itamaraty e a inserção internacional 
do Brasil. Desde então, os únicos possíveis consensos 
são aqueles que estão, corretamente, plasmados no arti-
go 4º da Carta. De toda sorte, o caso das políticas sociais 
inauguradas em 1988 e implementadas nas décadas se-
guintes, as quais viriam a beneficiar milhões de brasilei-
ros como Dalva, e da sua reverberação na ação externa 
brasileira evidencia o papel inegável da política exterior 
como política pública. 
Os novos rumos das políticas sociais
30 anos após a promulgação da Constituição, já se 
torna difícil lembrar do plenário lotado do Congresso 
Nacional e da voz do “Doutor Ulysses”, anunciando as 
novas regras da democracia. As vozes atuais frequen-
temente enfatizam a necessidade de revisão da Consti-
tuição, argumentando que o texto pode ser aprimorado 
para se tornar mais condizente com a realidade política 
do país. Com as recentes discussões sobre reequilíbrio 
DOSSIÊ
fiscal, é natural e necessário que as políticas sociais se-
jam rediscutidas, a fim de tornar seu desenho mais efi-
ciente e sustentável. 
Nesse processo, no entanto, torna-se fundamental 
dialogar com os mais vulneráveis – vozes que o nosso 
sistema político passou a escutar a partir da redemo-
cratização. É certamente desafiador fazerajustes sem 
interromper um processo de inclusão social. Por outro 
lado, ignorar a população mais pobre é esgarçar o tecido 
social e abrir o flanco para conflitos que tornarão a so-
ciedade mais desagregada. Em tempos de intenso deba-
te político, cabe ouvir as vozes – como as de Dalva e de 
suas filhas – que nos ensinam que a Constituição deve 
servir a todos os cidadãos.
Manaus, AM. O técnico de enfermagem da Secretaria de Saúde de Manaus, Mauro Idemburgo, mede Gustavo Santos de Souza,
 filho da beneficiária do Bolsa Família, Greice Geane Siqueira dos Santos, pelo programa de atendimento itinerante da prefeitura. 
Foto: Ana Nascimento/MDS
13
Contrato Social Antieconômico?
A relação ambígua entre a Constituição Federal 
e a economia
Arthur Cesar Lima Naylor
“Declaro promulgada. O documento da liberdade, 
da dignidade, da democracia, da justiça social do Bra-
sil.” Com essas palavras, Ulysses Guimarães entregou 
aos brasileiros, no já histórico 5 de outubro de 1988, a 
Constituição que, mais do que marco institucional de-
finitivo do Brasil contemporâneo, representava a pro-
messa de um novo tempo para o país. Não parece casual 
que tão poucos qualificativos tenham sido escolhidos 
para apresentar uma extensa Carta de 245 artigos. Os 
três primeiros, pertencentes ao mesmo campo semân-
tico, fazem referência tanto ao legado autoritário a ser 
eliminado quanto à sociedade plural a ser construída. O 
quarto fala da dívida histórica a ser paga à enorme par-
cela da população mantida afastada dos benefícios do 
DOSSIÊ
William Gropper, Construction of the Dam, 1938. 
crescimento que o país experimentou ao longo do sécu-
lo XX. É difícil não notar, porém, a ausência de um item 
nessa declaração de propósitos.
Ao menos desde a década de 1930, o desenvolvi-
mento econômico esteve no centro das prioridades do 
Estado brasileiro. Isso se refletiu nas leis do país e nas 
ações de governo que moldaram da política econômica 
à política externa. Durante o regime militar, cuja insti-
tucionalidade autoritária a nova ordem constitucional 
buscava sepultar, o Brasil cresceu de forma acelerada, 
encurtando a distância que o separava dos países desen-
volvidos. Foi um crescimento de fundamentos frágeis, 
baseado em uma dinâmica demográfica favorável –em 
que se combinavam elevados índices de crescimento 
populacional e de urbanização – e em forte intervenção 
estatal na economia, o que produziu distorções que ter-
minariam por solapar as bases de sustentação do regi-
me. Ainda assim, não se pode ignorar fatos significativos 
como a elevação da renda média do trabalhador brasi-
leiro de 17% para 28% em comparação com a renda mé-
dia do trabalhador americano, entre 1964 e 1978. 
Apesar desse forte crescimento econômico, a distri-
buição de renda e os índices de desenvolvimento social do 
Brasil permaneciam entre os piores do mundo em mea-
dos da década de 1980. O índice de Gini girava em torno 
de 0,60 em 1985, um dos mais altos da época. No mes-
mo ano, espantosos 83% dos brasileiros tinham apenas 
a educação primária; a expectativa de vida ao nascer era 
de 64,4 anos, a 170a entre 221 países; e 42% da população 
do país era pobre, enquanto 18% era extremamente po-
bre. Com a abertura política e a incorporação da grande 
massa de excluídos ao processo eleitoral, essa situação 
tornava-se intolerável. Não seria mais possível esperar 
o bolo crescer para só então dividi-lo. O Estado deveria 
desenvolver um conjunto de medidas cujo mote, como 
definido pelo presidente José Sarney, fosse “tudo pelo 
social”. Não que o crescimento econômico deixasse de 
ser importante. O Brasil, afinal, ainda estava longe de ser 
um país desenvolvido. Mas, entre crescer e distribuir, a 
prioridade do Brasil democrático parecia clara. A cons-
pícua omissão de Ulysses ganhava uma explicação plau-
sível.
Redemocratização, mau desempenho 
econômico e fortalecimento institucional 
Com efeito, o que se verifica desde a redemocratiza-
ção, em matéria de desenvolvimento econômico-social, 
é uma espécie de negativo da fotografia do regime mili-
tar. Assim, avanços notáveis foram alcançados em dis-
tribuição de renda, com o índice de Gini caindo de 0,60 
em 1998 para 0,52 em 2012, e em redução da pobreza, 
com a queda de 24,4% para 10,2%, entre 2003 e 2011, da 
parcela da população brasileira abaixo da linha da po-
breza. Além disso, investimentos maciços em educação 
levaram a um aumento de cerca de 5 anos na média de 
escolaridade do brasileiro entre 1980 e 2010 (de 2,5 para 
7,5 anos), comparado ao modesto avanço de 1 ano entre 
1950 e 1980 (de 1,5 para 2,5 anos). Na área de saúde, a 
Constituição criou o SUS, um sistema de saúde pública 
universal que, a despeito de suas deficiências, represen-
ta grande avanço em relação à situação de desamparo em 
que vivia boa parte da população antes de 1988. Deve-se 
mencionar, ainda, a construção de uma rede de proteção 
social, consolidada em iniciativas como o Programa Bol-
sa Família e o Benefício de Prestação Continuada, este 
último previsto na Lei Orgânica de Assistência Social 
(LOAS), de 1993.
Por outro lado, as taxas de crescimento econômico 
foram pouco mais que modestas. Entre 1985 e 2012, o 
crescimento médio do PIB per capita brasileiro foi de 
apenas 1,4% ao ano, índice inferior à média dos países 
emergentes, mesmo quando se excluem aqueles de cres-
cimento acelerado, como China e Índia. As razões para 
essa baixa performance parecem fáceis de identificar. 
É difícil não associá-las ao ordenamento institucional, 
Constituição à frente, e à dinâmica social vigentes no 
país desde a redemocratização. As múltiplas demandas 
15
represadas durante o regime autoritário vieram à luz 
com o retorno da democracia e impuseram ao Estado 
brasileiro um pesado fardo fiscal. Nesse sentido, é sinto-
mático que, em 1984, a despesa corrente da União fosse 
apenas 8% maior, em termos reais, do que em 1980, pas-
sando a ser 46% maior em 1986. Ou seja: a partir 1985, 
ano da redemocratização, a curva dos gastos públicos in-
flete decisivamente para cima, chegando, em 2012, a um 
patamar 600% superior ao que era em 1980. Para cobrir 
esse crescimento vertiginoso de gastos, o Brasil tem tido 
de aumentar continuamente sua carga tributária, a qual 
passou de 24,5% para 33,5% do PIB entre 1991 e 2011, 
muito acima da média dos países em desenvolvimento. 
Como consequência desse quadro, a poupança do setor 
público tornou-se estruturalmente negativa, dando ori-
gem a déficits nominais recorrentes, o que se traduz em 
altas taxas de juro e baixo nível de investimento.
Embora desolador à primeira vista, esse cenário é 
visto por alguns estudiosos como uma manifestação su-
perficial e temporária de uma trajetória que fará do Bra-
sil um país desenvolvido dentro de alguns anos. É esse o 
argumento defendido por Lee J. Alston, Marcus André 
Melo, Bernardo Mueller e Carlos Pereira em Brazil in 
transition: beliefs, leadership, and institutional change. 
Explorando a fecunda fronteira entre a nova economia 
institucional1 e a ciência política, os autores fazem uso 
de um arsenal de conceitos para defender a tese de que 
o Brasil está em uma trilha virtuosa rumo a uma “transi-
ção crítica” para o seleto clube dos países desenvolvidos. 
Na narrativa dos autores, a partir da redemocratização, 
a sociedade brasileira, em especial suas “redes domi-
nantes”, isto é, os atores politicamente mais relevantes 
do país, foi lentamente aderindo à crença de que o cami-
nho a ser perseguido pelo Brasil deve ser o da “inclusão 
social fiscalmente responsável”. 
1 Desenvolvida, entre outros economistas, pelo ganhador do Prê-
mio Nobel de 1993 Douglass North, a nova economia institucional 
alcançou popularidade com o best-seller Why nations fail (2012), 
dos professores Daron Acemoglu (MIT) e James Robinson (Uni-
versidade de Chicago).
Essa crença, tida como adequada para países que 
pretendem fazer a “transiçãocrítica”, foi posterior-
mente incorporada pelas instituições do país, que se 
encarregaram de dar materialidade e, pela reiteração 
típica da ação institucional, aprofundar cada vez mais 
a adesão da sociedade à ideia de “inclusão social fiscal-
mente responsável”. Postas essas condições, seria mera 
questão de tempo para que o Brasil fizesse a transição 
de uma “ordem de acesso limitado” para uma “ordem 
de acesso aberto”, na tipologia de Douglass North, e de 
“instituições extrativas” para “instituições inclusivas”, 
na de Daron Acemoglu e James Robinson.
Mas como a Constituição de 88 se encaixa no es-
quema de Alston, Melo, Mueller e Pereira? A Cons-
tituição é, a um só tempo, a codificação das crenças 
vigentes no momento de sua confecção e um organismo 
vivo, estando aberta a mudanças que contemplem os 
sempre renovados anseios da sociedade. Desse modo, 
em vez de falar em uma Constituição, os autores op-
tam por falar em um “momento constitucional”, que 
se estende pelos dez anos que vão do início da Assem-
bleia Constituinte, em 1987, ao término do processo de 
emendas constitucionais que redimensionam o papel do 
Estado na economia, em 1997. A razão para essa aborda-
gem é que, quando do processo constituinte originário, 
apenas as crenças de natureza política e social hoje vi-
gentes já eram dominantes na sociedade: democracia 
participativa, império da lei e inclusão social. Foi pre-
ciso uma década de processo hiperinflacionário para 
que a crença econômica, hoje dominante, de responsa-
bilidade fiscal, fosse adotada pelos brasileiros e incor-
porada pelas instituições do país. 
O Brasil passou, então, do estágio de “inclusão po-
pulista”, em que a redistribuição, ao ser neutralizada 
pela inflação, revela-se apenas temporária, para o de 
“inclusão dissipativa”, em que, a despeito de crises e 
ineficiências, frutos inevitáveis de uma dinâmica com-
plexa de rearranjo distributivo, o processo transcor-
DOSSIÊ
re de maneira consistente. O próximo estágio é o da 
“inclusão eficiente”, quando a crença dominante já está 
tão consolidada e as instituições operam com tanta 
sintonia que as crises se tornam cada vez menos fre-
quentes e os conflitos sociais passam a ter baixa inten-
sidade. Embora não arrisquem dizer quando isso irá 
ocorrer, os autores afirmam que o Brasil está no cami-
nho para chegar lá.
A promessa de crescimento na encruzilhada
Nem todos os analistas, porém, concordam com 
diagnóstico tão otimista. Em Por que o Brasil cresce 
pouco?: desigualdade, democracia e baixo crescimento 
no país do futuro, o economista Marcos Mendes defen-
de a tese de que a combinação de elevada desigualda-
de com democracia participativa condena o Brasil, ao 
menos no curto e no médio prazo, a uma dinâmica de 
“baixo crescimento com redistribuição dissipativa”. A 
razão para isso é que, como a democracia cria incen-
tivos eleitorais para que as demandas de todos os se-
tores sociais sejam contempladas, não mais apenas as 
das elites com acesso direto ao poder, o Estado acaba-
ria sobrecarregado, tornando-se disfuncional a ponto 
de prejudicar o crescimento econômico do país. Nada 
muito diferente, portanto, do cenário traçado alguns 
parágrafos acima, quando se descreveu a dinâmica que 
explica o baixo crescimento do Brasil desde a redemo-
cratização.
Mas Mendes dá um passo além ao atribuir à desi-
gualdade um papel-chave nessa equação. Para o autor, 
quanto maior a desigualdade de um país, mais violen-
to o seu conflito distributivo. Como a desigualdade é 
muito elevada no Brasil, o fenômeno do rent seeking 
seria particularmente forte em nosso país, com cada 
grupo social reivindicando sempre mais do Estado: os 
ricos, isenções tributárias e subsídios; os setores mé-
dios, aposentadorias generosas para o funcionalismo e 
universidades públicas gratuitas; os pobres, programas 
de transferência de renda e serviços públicos de saú-
de e educação. Onde Alston, Melo, Mueller e Pereira 
veem uma sociedade que, a despeito de seus conflitos, 
teria chegado a um acordo básico sobre que rumo dar 
ao país, Melo vê uma dinâmica essencialmente confli-
tiva, cujo resultado pode não ser inclusivo, como pa-
recia sugerir a queda constante do índice Gini desde 
o fim da década de 1990. Escrito em 2013, o livro faz 
referência ao fato de que, em 2012, as estatísticas ofi-
ciais já apontavam para uma forte desaceleração na 
queda da desigualdade. Estudos mais recentes, como 
os de Marcelo Medeiros, Pedro Souza e Fábio Castro 
(2013) e de Marc Morgan (2017), que demonstram que 
a desigualdade no Brasil teria se mantido estável, ou 
ao menos não caído no ritmo que se supunha, parecem 
dar razão a Mendes. 
Isso não quer dizer que o economista não veja luz 
no fim do túnel. Ao contrário dos autores de Brazil in 
transition, para os quais o Brasil já estaria na rota da 
“transição crítica”, Mendes diz que o desfecho da tra-
vessia ainda está em aberto. Pode ser que o forte con-
flito distributivo em uma sociedade democrática e de-
sigual como a brasileira produza efeito neutro, isto é, 
a manutenção das grandes distâncias que separam os 
grupos sociais no país. Isso manteria o Brasil preso ao 
que os economistas chamam de “armadilha de renda 
média”, com a dinâmica de “baixo crescimento com 
redistribuição dissipativa” se projetando indefinida-
mente no futuro. Mas pode ser também que, embora 
dissipativa, a redistribuição encurte, pouco a pouco, as 
distâncias sociais no Brasil, de modo a formatar uma 
sociedade essencialmente de classe média em que os 
conflitos distributivos seriam muito mais amenos. Para 
que o Brasil tome a segunda rota, em vez da primeira, 
será necessário fazer as escolhas políticas certas, con-
tar com uma liderança confiável e ter, por que não?, um 
pouco de sorte.
17
Foto: “La Porte du non retour de la 
maison des esclaves, Gorée, Sénégal” 
Créditos: Elvin Ross Studios
DOSSIÊ
Da Discriminação Racial no Direito Internacional 
e na Constituição Federal de 1988
Ramiro Januário dos Santos Neto
Desde a promulgação da Constituição Federal de 
1988 (CF/88), o combate ao racismo progrediu signi-
ficativamente no Brasil. Com a definição constitucio-
nal de que a prática do racismo configura crime, foi 
reforçada a persecução penal de atos racistas. Esses 
atos estiveram sujeitos a sanção desde a Lei Afonso 
Arinos, de 1951, que os definia como contravenção 
penal, mas foi apenas com a Lei Caó, em 1989, por-
tanto já sob a vigência da Carta de 88, que se estabe-
leceram penas mais duras para os crimes de racismo. 
Da década de 2000 para cá, as políticas de combate 
ao racismo deixaram de restringir-se a obrigações de 
não fazer (não discriminar) e evoluíram para ações 
de caráter afirmativo, de que são exemplos o Estatu-
to da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010) e as leis de 
cotas em universidades (Lei 12.711/2012) e no serviço 
público (Lei 12.990/2014) federais. O presente artigo 
visa a apresentar a definição de discriminação racial e 
os contornos conferidos a esse fenômeno pelo Direito 
Internacional e pela CF/88.
No plano internacional, o racismo é entendido 
como uma ofensa ao princípio da igualdade, uma vez 
que promove, por meio de ações atentatórias à dig-
nidade humana, o entendimento de que determina-
das pessoas ou grupos não são iguais em direitos em 
relação aos demais. Segundo o Embaixador Silvio 
Albuquerque, membro do Comitê para a Eliminação 
da Discriminação Racial (CERD) da ONU, o direito à 
igualdade e o princípio da não discriminação estão na 
base da arquitetura jurídica internacional de prote-
ção dos direitos humanos e de combate ao racismo, 
tendo sido reconhecidos pela Carta Internacional de 
Direitos Humanos, a qual é formada pela Declaração 
Universal dos Direitos Humanos, pelo Pacto Interna-
cional de Direitos Civis e Políticos e pelo Pacto Inter-
nacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. 
Na legislação brasileira, convencionou-se iden-
tificarduas formas de manifestação do racismo: o 
preconceito racial e a discriminação racial. O precon-
ceito racial é a disposição afetiva imaginária, ligada a 
estereótipos sobre raça, cor, origem nacional ou étni-
ca, que pode ou não ser manifestada por quem a sen-
te. A discriminação racial, por sua vez, ocorre quando 
se nega aos indivíduos, ou a grupos, a igualdade de 
tratamento que têm direito de receber. Além disso, 
promove medidas de exclusão contra pessoas consi-
deradas estranhas ao grupo com o qual o discrimina-
dor se identifica.
Discriminação racial 
no Direito Internacional
Tendo presente que a discriminação racial é parte 
constitutiva do racismo, cabe analisar como o Direito 
Internacional a delimita. A definição de discrimina-
ção racial está inscrita na Convenção sobre a Elimi-
nação de Todas as Formas de Discriminação Racial 
(ICERD), de 1965. Em seu artigo 1º, item 1, o termo 
discriminação racial é assim definido:
Artigo I
1. Nesta Convenção, a expressão “discriminação 
racial” significará qualquer distinção, exclusão, 
restrição ou preferência baseadas em raça, cor, 
descendência ou origem nacional ou étnica que 
tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o 
reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo 
plano, (em igualdade de condição), de direitos 
humanos e liberdades fundamentais no domínio 
político, econômico, social, cultural ou em qual-
quer outro domínio de vida pública.
19
Inicialmente, cabe analisar os fundamentos da 
discriminação racial. De acordo com a Convenção de 
1965, eles podem ser a raça, a cor da pele, a descen-
dência e a origem nacional ou étnica. Vê-se, assim, 
que os Estados membros da ICERD, os quais negocia-
ram essa Convenção no âmbito da Organização das 
Nações Unidas (ONU), não limitaram o embasamento 
da discriminação ao racismo em sentido estrito (ba-
seado exclusivamente na alegada existência de raças 
biológicas). São acolhidos outros fundamentos, como 
cor de pele, origem nacional ou étnica, o que mostra o 
consenso em torno do entendimento de racismo, para 
fins de Direito Internacional, como racismo deriva-
do (vários fundamentos podem ser invocados para a 
prática do ato discriminador). De fato, a elaboração 
da ICERD foi influenciada pelas práticas raciais do 
nazismo, nos anos 1930 e 1940, em especial as antis-
semitas, e pelo desenvolvimento da segregação ra-
cial institucionalizada conhecida como apartheid, na 
África do Sul. No primeiro caso, havia o racismo fun-
damentado na descendência, e no segundo, na origem 
étnica e na raça. 
Nos trabalhos preparatórios da Convenção de 
1965, as delegações brasileira e norte-americana de-
fenderam que se incluísse uma referência explícita 
ao antissemitismo, sem sucesso. Os argumentos con-
trários à proposta diziam ser impossível enumerar de 
forma exaustiva as formas específicas de discrimina-
ção racial, sendo preferíveis os enunciados jurídicos 
de caráter geral, como o artigo 1º citado acima. 
Ainda segundo o artigo 1º da ICERD, a discrimi-
nação racial, para se materializar, precisa ser expres-
sa por meio das seguintes ações: distinção, exclusão, 
restrição ou preferência entre seres humanos. Todos 
esses quatro atos mostram a necessidade de existir 
uma ação – e não apenas um sentimento de precon-
ceito racial – para a configuração da discriminação 
racial.
A discriminação racial, por meio de uma ação, 
gera desigualdade entre os seres humanos, o que con-
fronta diretamente as principais convenções de di-
reitos humanos ratificadas por centenas de Estados, 
entre eles o Brasil. No Pacto Internacional de Direitos 
Civis e Políticos (art. 2º, item 1) e no Pacto Internacio-
nal de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 
2ª, item 2), há a preocupação de que todos os seres 
humanos gozem de direitos fundamentais justamen-
te pelo fato de pertencer à espécie humana, não po-
dendo haver restrição no gozo desses direitos. Nesse 
mesmo entendimento, ressalta-se que a Carta das Na-
ções Unidas, de 1945, traz como um dos propósitos da 
organização (art. 1º, 3) a promoção e o estímulo dos 
direitos humanos e das liberdades fundamentais para 
todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião. 
As distinções elencadas na Carta da ONU (e também 
nos Pactos de 1966), se verificadas, estão em desacor-
do com a previsão de igualdade entre todos os seres 
humanos para usufruírem e serem titulares de direi-
tos humanos.
Discriminação racial na CF/88 
Na legislação pátria, a discriminação racial conta 
com contornos expressamente delineados no artigo 
5º da CF/88 e na Lei nº 7.716/1989 (Lei Caó). Essa lei, 
que define os crimes resultantes da discriminação ou 
preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedên-
cia nacional, esposa o entendimento amplo de racis-
mo, em seu caráter derivado. 
Inicialmente, cabe mencionar que o combate ao 
racismo está inserido entre os princípios fundamen-
tais da Constituição, sendo, no plano interno, obje-
tivo fundamental da República (art. 3º, inciso IV) e, 
no plano externo, princípio que rege as relações in-
ternacionais do País (art. 4º, inciso VIII). O art. 5º 
da CF/88, por sua vez, traz o significado jurídico de 
racismo enquanto prática, a qual pode se manifestar 
como discriminação racial e preconceito racial. De 
acordo com o inciso XLII deste artigo, “a prática do 
racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, 
sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. 
DOSSIÊ
 A primeira observação é a de que o racismo 
é considerado crime, o que enseja a tutela penal dos 
casos de discriminação racial e de preconceito racial. 
Em linha com o entendimento de Norberto Bobbio, 
essa tutela constitui faceta inovadora da terceira eta-
pa de afirmação dos direitos humanos, a etapa da es-
pecificação, que, para além de determinar de forma 
concreta os destinatários da proteção jurídica, prevê 
medidas que visem a coibir a violação de direitos.
A segunda observação sobre o inciso XLII refere-
-se ao caráter imprescritível do crime de racismo, po-
dendo uma pessoa prestar queixa de práticas racistas 
a qualquer tempo, desde que observado o princípio 
da anterioridade da lei penal. Ou seja: só podem ser 
julgados, e seus autores devidamente punidos, os cri-
mes de racismo ocorridos após a entrada em vigor da 
Lei Caó, em 1989. 
A Lei Caó, que regulamenta as penas e multas 
resultantes do crime de racismo, tem esse nome em 
homenagem ao Deputado Carlos Alberto de Oliveira, 
o Caó, parlamentar que se destacou na Assembleia 
Constituinte por ter elevado o combate ao racismo à 
norma constitucional. Oliveira acreditava que a intro-
dução do inciso XLII no art. 5º da CF/88 viabilizaria 
medidas efetivas de promoção do princípio da igual-
dade, o qual está inscrito no caput do mesmo artigo 
e é um dos direitos humanos violados pelas práticas 
racistas. Cabe ressaltar que a existência do tipo penal 
da injúria racial (art. 140, §3, do Código Penal, intro-
duzido pela Lei 10.741/03) também visa a efetivar o 
mandamento constitucional do combate ao racismo, 
prevendo a punição daqueles que ofendem a honra 
subjetiva e objetiva das vítimas com fundamento em 
preconceito racial.
Verifica-se que o Direito Internacional e a legis-
lação brasileira apresentam, de forma expressa, as ca-
racterísticas da discriminação racial, o que contribui 
significativamente para a instituição de medidas de 
combate ao racismo. No Brasil, o estabelecimento da 
Lei Caó e a introdução da figura da injúria racial no 
Código Penal mostram que as normas de combate ao 
racismo estão em consonância com a terceira etapa 
de afirmação dos direitos humanos, a da especifica-
ção, promovendo o princípio da igualdade. O recur-
so a essa legislação pelos cidadãos tem demonstrado 
sua utilidade e necessidade, bem como apresentado 
o cumprimento, pelo Estado brasileiro, do objetivo 
de promover o bem de todos sem qualquer distinção, 
como previsto na CF/88.
Em pesquisa realizada pelo autor junto à Se-
cretaria de Segurança Pública de São Paulo, 
verificou-se que, só nesse Estado,9.976 víti-
mas de injúria racial registraram Boletim de 
Ocorrência, entre 2011 e 2016. No que tange 
ao crime de discriminação racial, tipificado 
na Lei Caó, 706 pessoas procuraram a Polí-
cia Civil paulista, entre 2012 e 2016. 
Segundo Norberto Bobbio, em A era dos di-
reitos, as etapas de afirmação dos direitos 
humanos são três: positivação, generaliza-
ção e especificação. Na primeira etapa, há a 
transformação do valor da pessoa humana 
em direito positivo. Na segunda, há a afir-
mação jurídica da igualdade perante a lei, 
seguida de seu corolário lógico, o princípio 
da não discriminação. Por fim, na terceira 
etapa, prevê-se a aplicação da norma a des-
tinatários concretos, como mulheres, crian-
ças e vítimas de racismo, e não a destinatá-
rios genéricos, como os seres humanos ou 
cidadãos. 
21
Muitos tons de verde: o longo e acidentado 
caminho do meio ambiente até a Constituição
Arthur Cesar Lima Naylor
Foto: Zé Paiva
DOSSIÊ
 A entrada do meio ambiente na Constituição de 1988 
tem sua origem muito antes de começarem os trabalhos 
da Assembleia Nacional Constituinte (ANC). Na década 
de 1960, em um contexto de distensão da bipolaridade 
da Guerra Fria, uma extensa pauta de temas até então 
sufocados pelas preocupações com paz e segurança ga-
nha oportunidade de florescer no cenário internacional. 
Os dois modelos em confronto passam a ser questiona-
dos não mais um pelo outro, mas desde dentro, a partir 
do surgimento de novos padrões de comportamento e 
de uma renovada disposição para questionar as estrutu-
ras de poder.
 O ano de 1968 é, ao mesmo tempo, a culminação 
desse processo e o marco inicial de uma série de desen-
volvimentos que tornariam mais complexas as relações 
internacionais nos anos seguintes. No caso específico 
da agenda ambiental, o que era foco de preocupação 
apenas de alguns setores da sociedade civil dos países 
desenvolvidos no início daquela década converte-se em 
pauta de mobilização política a partir de 68. A principal 
expressão desse novo cenário é o crescimento do mo-
vimento verde, que, em países como a Alemanha Oci-
dental, transformou-se em força política relevante em 
prazo relativamente curto.
 Se um cenário internacional mais distendido, me-
nos aferrado ao monotematismo da fase quente da 
Guerra Fria, era condição necessária para a ascensão 
de uma pauta internacional mais diversificada, estava 
longe de ser suficiente. Várias foram as razões que leva-
ram a questão ambiental a atrair atenção no debate que 
se desenvolvia naquele momento. Em primeiro lugar, é 
preciso mencionar as grandes tragédias ambientais da-
queles anos, como a intoxicação por mercúrio de pesca-
dores em Minamata, no Japão, ou o naufrágio do navio 
petroleiro Torrey Canyon, em 1967, próximo à costa de 
Cornwall, na Inglaterra. Deve-se citar também a publi-
cação de uma série de livros que chamavam a atenção 
para a questão ambiental, como Silent Spring (1962), de 
Rachel Carson, e This Endangered Planet (1971), de Ri-
chard Falk.
 Mas talvez mais determinante que qualquer outro 
fator tenham sido as décadas de rápido crescimento 
econômico dos países centrais desde o fim da Segunda 
Guerra Mundial, período conhecido pela historiografia 
como “the golden age” ou “les trente glorieuses”. Satis-
feita em suas necessidades básicas, a classe média das 
nações desenvolvidas pôde voltar sua atenção a pautas 
mais abstratas, de efeitos mais diluídos no tempo. Não 
demorou muito para que a causa ambiental passasse de 
bandeira de setores progressistas a preocupação gene-
ralizada nos países centrais, fenômeno de que é exem-
plo a reunião de grandes industriais no Clube de Roma.
 A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Am-
biente Humano (CNUMAH), em Estocolmo, em 1972, é 
a principal expressão de como o meio ambiente adqui-
riu centralidade na agenda internacional. A partir daí, 
foi questão de tempo para que o tema fosse incorporado 
às legislações nacionais, recebendo tratamento consti-
tucional em países que então se democratizavam, como 
Grécia (1975), Portugal (1976) e Espanha (1978). Como 
afirma Herman Benjamin, “na história do Direito pou-
cos valores ou bens tiveram uma trajetória tão espetacu-
lar, passando, em poucos anos, de uma espécie de nada-
-jurídico ao ápice da hierarquia normativa, metendo-se 
com destaque nos pactos políticos nacionais”.
Um gradual esverdeamento
 A integração do meio ambiente ao arcabouço nor-
mativo brasileiro também é fruto do “espírito de Esto-
colmo”. Exemplo representativo desse processo, surgi-
do já no ano seguinte à CNUMAH e por iniciativa de um 
regime extremamente desconfiado da agenda ambien-
tal como era o militar, é a criação da Secretaria Especial 
do Meio Ambiente (SEMA), no âmbito do Ministério 
do Interior. Em 1981, ainda antes da redemocratização, 
vem à luz a Lei 6938, que cria a Política Nacional de 
Meio Ambiente, verdadeiro marco na transição para um 
paradigma jurídico-econômico que confere centralida-
23
de à questão ambiental. Mas seria apenas com o retorno 
à democracia e a elaboração de um novo pacto político 
que o meio ambiente seria acolhido por inteiro na or-
dem jurídica brasileira.
 Várias constituições brasileiras anteriores conti-
nham dispositivos que, em alguma medida, resvala-
vam na questão ambiental. Tratavam de aspectos como 
a preservação do patrimônio natural; a competência 
da União para legislar sobre florestas, caça de animais 
e gestão das águas; e a inclusão dos lagos, da platafor-
ma continental e das terras indígenas entre os bens da 
União. Era, contudo, uma abordagem indireta, em que 
a questão ambiental figurava como coadjuvante entre 
as preocupações do legislador, surgindo como pano de 
fundo da organização geral do Estado. Foi apenas com 
a Carta de 1988 que o meio ambiente passou a ser um 
bem tutelado de maneira direta, em sede constitucional, 
a partir de um esforço deliberado do constituinte.
 Uma série de acontecimentos às vésperas da rede-
mocratização, nos planos internacional e doméstico, 
condicionou esse acolhimento. No plano internacional, 
o fortalecimento do Programa das Nações Unidas para 
o Meio Ambiente (PNUMA), surgido em 1973 na esteira 
da Conferência de Estocolmo, ajudou a organizar e dar 
projeção à temática ambiental no âmbito da ONU. Isso 
contribuiu para renovar o propósito de uma instituição 
que, em vários momentos da Guerra Fria, teve sua re-
levância questionada. Foi o PNUMA que dinamizou as 
discussões sobre a camada de ozônio, que redundariam 
na Convenção de Viena (1985) e em seu Protocolo de 
Montreal (1987), talvez os mais exitosos exemplos de 
tratados ambientais multilaterais. Paralelamente a isso, 
em 1983, reunia-se a Comissão Mundial para Meio Am-
biente e Desenvolvimento, que redefiniu os parâmetros 
do debate ambiental com a consagração do conceito 
de desenvolvimento sustentável em seu relatório final, 
Nosso Futuro Comum, de 1987.
 No plano doméstico, uma série de iniciativas de-
monstrava que a sociedade brasileira, cada vez mais 
livre para expressar suas opiniões em um regime que 
se abria, atribuía à agenda ambiental uma importância 
crescente. O surgimento do movimento dos seringuei-
ros no Acre, sob a liderança de Chico Mendes, no início 
da década de 1980; a criação da ONG SOS Mata Atlân-
tica, em 1986; e a fundação do Partido Verde, no mesmo 
ano, são exemplos de como, antes de ser acolhido pela 
Constituição, o meio ambiente já se havia convertido em 
força mobilizadora para a ação política no Brasil. Assim 
como ocorrera no exterior duas décadas antes, o des-
pertar da consciência ambiental brasileira não ocorreu 
sem o choque de impactantes acidentes, como o grande 
incêndio causado pelo vazamento de gasolina em uma 
indústria de Cubatão, em 1984, e a trágico episódio do 
Césio 137 em Goiânia, em 1987. Mas o fator determinan-
te parece ter sido igualmente o fato de que, após duas 
décadas de crescimentoacelerado, uma classe média 
robusta podia vocalizar demandas que iam além da sa-
tisfação de necessidades básicas imediatas.
 
Uma ordem constitucional ambiental
 Segundo Marina Silva, o sucesso da inserção do 
meio ambiente no texto constitucional deve-se à estra-
tégia de frentes criada durante a Assembleia Nacional 
Constituinte. A Frente Parlamentar Verde, assim como 
muitos grupos de interesse organizados no âmbito da 
ANC, tinha natureza suprapartidária, mas, à diferença 
da maioria, cruzava o espectro ideológico para unir os 
setores mais avançados da esquerda e da direita. Além 
do ecumenismo ideológico, outros fatores que poten-
cializaram a adesão à Frente foram o ativo engajamento 
da sociedade, por sua vez estimulado pela realização de 
audiências públicas em diversas partes do Brasil; a novi-
dade do tema e a oportunidade que se oferecia aos cons-
tituintes de constitucionalizá-lo pela primeira vez; e até 
mesmo o fato de que, por ainda ser encarado como uma 
mera carta de intenções, o tratamento constitucional do 
DOSSIÊ
meio ambiente não era visto por muitas pessoas poten-
cialmente hostis à causa como uma ameaça ao cresci-
mento econômico.
 Os dispositivos sobre meio ambiente passaram por 
mudanças significativas até a redação final. Do relatório 
final da Subcomissão encarregada do tema constavam, 
por exemplo, artigos sobre a criação de um “tributo de 
conservação e reposição do meio ambiente”, a ser co-
brado de toda pessoa física ou jurídica que utilizasse 
ou explorasse, com fins de lucro, recursos ambientais 
de qualquer natureza, bem como sobre a criação de um 
piso orçamentário de 1% da receita anual da União, dos 
estados e dos municípios a ser aplicado na proteção do 
meio ambiente. Nenhum desses dispositivos empla-
cou o texto definitivo da Carta. Em uma segunda fase 
de discussões, na Comissão da Ordem Social, o grau de 
oposição ao capítulo sobre meio ambiente já era maior, 
particularmente em relação às restrições previstas a 
instalações nucleares. Já na Comissão de Sistematiza-
ção, encarregada de dar forma final ao texto, a contra-
riedade dos interesses econômicos potencialmente afe-
tados manifestou-se com grande virulência, o que quase 
redundou na eliminação da questão ambiental do texto 
da Constituição.
 Apesar dos ataques sofridos, o texto final apresenta 
notável grau de integridade, que o coloca em linha com 
os principais documentos sobre meio ambiente publica-
dos no plano internacional desde a Conferência de Es-
tocolmo. É desse modo que o “meio ambiente ecologica-
mente equilibrado” (art. 225, caput), pela primeira vez 
em nossa história constitucional, aparece como objeto 
de direito subjetivo, ademais de titularidade coletiva, e 
não mais como mero cenário onde se desenvolvem ati-
vidades econômicas sob supervisão estatal. Além disso, 
como que a enunciar a transversalidade da questão am-
biental na Carta, os dispositivos sobre meio ambiente 
não se restringem ao Capítulo VI (Do Meio Ambiente) 
do Título VIII (Da Ordem Social), mas abrangem arti-
gos que vão dos princípios gerais da atividade econômi-
ca (art. 170, VI) à definição do valor social da proprieda-
de rural (art.186, II).
 Interessante observar a mudança paradigmática 
operada pelo acolhimento do meio ambiente pela Cons-
tituição como direito subjetivo de titularidade coletiva. 
Segundo Herman Benjamin, são ao menos três as mu-
danças significativas em relação ao paradigma constitu-
cional clássico, que ele classifica como “tríplice fratura”: 
a diluição da fronteira entre credores e devedores da 
obrigação jurídica, na medida em que todos têm direito 
a um meio ambiente equilibrado e a todos compete zelar 
pela preservação desse equilíbrio; a perda de relevância 
na distinção entre sujeito público e sujeito privado, em 
razão de serem ambos responsáveis potenciais pela de-
gradação ambiental; e o enfraquecimento da separação 
entre sujeito e objeto da relação jurídica, uma vez que 
encurta o poder de disposição dos dominantes sobre os 
dominados.
 Ao alterar o paradigma constitucional, a incorpora-
ção do meio ambiente à Carta transcende as contingên-
cias do presente e projeta-se no futuro, servindo como 
referência para desenvolvimentos institucionais e legis-
lativos posteriores. Não é coincidência que, após 1988, 
uma série de instituições voltadas para a questão am-
biental surge no Brasil, como o Ibama (1989), o Ministé-
rio do Meio Ambiente (1992) e o ICMBio (2007). Igual-
mente, leis como a 9433/97 (Lei das Águas), a 9605/98 
(Lei dos Crimes Ambientais) e a 9985/2000 (Sistema 
Nacional de Unidades de Conservação) detalham e sis-
tematizam o tratamento a diferentes aspectos da pauta 
ambiental, indicando a maturidade da questão junto à 
sociedade brasileira. Com muito já realizado, mas muito 
ainda por fazer na área ambiental, o Brasil tem encon-
trado na Constituição de 88 uma plataforma adequada 
para enfrentar os desafios colocados por essa tão impor-
tante agenda do século XXI. Não parece exagero dizer 
que, ao menos, já contamos com uma ordem constitu-
cional ambiental.
25
ESPECIAL 10 ANOS DE JUCA
Celebrando as “ficções da memória”: 
lembranças afetivas dos dez anos da JUCA
por Camilla Corá, Maria Eduarda Paiva e 
Wallace Medeiros de Melo Alves
Murmuro para mim mesma:
 “É tudo imaginação!” 
Mas sei que tudo é memória... 
Cecília Meireles
 Quando o embaixador Alberto da Costa e Silva deci-
diu transformar a sua autobiografia em prosa, designou 
como “ficções da memória” os frutos desse empreendi-
mento literário. A caracterização não poderia ser mais 
oportuna. A reconstituição fidedigna de nossas vidas e 
de seus eventos marcantes é, por certo, ilusória. Nossa 
memória é composta por fragmentos, frequentemente 
reinterpretados e reinventados pela passagem do tempo. 
Narramos nosso passado, à luz do presente, de maneira, 
ainda que inconscientemente, a conferir um aparente 
sentido linear e teleológico às nossas escolhas. Torna-se, 
de certa maneira, difícil diferenciar a reconstituição de 
nossas lembranças do trabalho de um ficcionista. 
 Para comemorar o décimo aniversário da Re-
vista JUCA, e no espírito de ressignificar o passado, 
entrevistamos os nove editores-chefes anteriores da pu-
blicação e propusemos-lhes a experiência de rememorar 
seu período na coordenação da JUCA. Estávamos em 
busca das memórias afetivas, para tentar reconstituir o 
espírito dos novos diplomatas que, a cada ano, participa-
ram da revista. Em seguida, transformamos as entrevis-
tas realizadas em pequenas histórias e testemunhos, de 
modo a tornar ainda mais tênue a linha entre a memória 
e sua ficção. 
 Ao prestarmos esta merecida homenagem às gera-
ções de diplomatas que nos antecederam na tradição de-
cenal da JUCA, registramos, igualmente nestas páginas, 
nossas memórias afetivas, de forma despretensiosa e com 
o único compromisso de sermos autênticos a nós mes-
mos. Serão lembranças que certamente estarão abertas à 
releitura do tempo como reflexo daquilo que fomos e ao 
que aspirávamos ser quando jovens diplomatas.
27
Filipe Nasser, editor da JUCA n° 1
I. O SURGIMENTO 
 Sou da primeira turma grande – a “turma de 100” –, que 
ingressou em 2006 no contexto de ampliação dos quadros 
do Itamaraty. A gente sentia que havia muita energia repre-
sada entre os novos alunos, havia uma certa eletricidade 
no ar, ainda não-canalizada. Acho que o espírito da turma 
era o de ter ingressado em um momento especial da polí-
tica externa brasileira e do Itamaraty, que coincidia com o 
acolhimento de tantos novos diplomatas justamente para 
dar musculatura à ação diplomática brasileira. Havia uma 
pletora de projetos sendo considerada no começo da nossa 
experiência no Instituto Rio Branco. E uma das ideias que 
vingou, entre outras, foi a de produzir uma revista. 
II. O NOME
 O então diretor do Instituto Rio Branco, embaixador 
Fernando Reis, estimulou a criação da revista, garantindoinclusive a viabilização financeira e operacional do proje-
to, o que deu tranquilidade para a gente trabalhar. Fizemos 
inicialmente uma assembleia, para discutirmos, primeira-
mente, a vontade de fazer a revista e, em seguida, come-
çamos a debater os possíveis nomes, temas, a estrutura 
editorial da revista, a sua periodicidade. Alguns dos nomes 
propostos eram “caretas”. Não havia surgido ainda um que 
refletisse justamente a energia e a pulsação que os colegas 
transmitiam nas aulas, no espírito das confraternizações 
da turma. Por isso, de certa maneira, optamos pelo nome 
“JUCA”, que tinha uma “pegada” de juventude – sem dei-
xar de evocar a memória do Barão – alinhada ao espírito da 
turma.
III. A AUTONOMIA
 A ideia era a de que a revista não fosse “chapa bran-
ca”. Aliás, o que foi interessante é que a própria direção 
estimulou que não o fosse. A turma realmente encampou 
essa missão: levamos a sério a ordem de sermos, digamos 
assim, um pouco indisciplinados, rebeldes, talvez até ico-
noclastas – por mais que haja um certo paradoxo contido 
em uma “orientação” para que fôssemos livres. Por isso, a 
identidade visual da primeira edição da revista é um pouco 
agressiva: ela é colorida; ela mexe um pouco com o cânone 
das publicações do Itamaraty em geral. E foi bem recebida 
dessa forma na época. 
IV. A CAPA
 Tudo na JUCA foi uma construção coletiva. A equi-
pe conseguiu o contato de um excelente designer gráfico, 
que diagramou um artigo como amostra. Aquilo encantou 
as pessoas envolvidas. Vimos que a revista inteira poderia 
ser daquele jeito mais colorido, mais artesanal, mais ex-
perimental, mais “sacana”, se é que ainda se pode utilizar 
esse tipo de linguagem aqui. Nesse 
espírito, um colega trouxe para mim 
um quadro pintado com as balinhas 
“Juca” – uma coisa autorreferente 
assumidamente sardônica. Afinal, 
era esse o espírito prevalecente. 
Houve um debate para saber se a tiragem da primeira edi-
ção sairia em preto-e-branco com tiragem maior ou colori-
da, com tiragem menor. Acabamos optando pelo colorido, 
com o objetivo indisfarçado de “chegar chegando”. Quero 
crer que deu certo...
V. O LANÇAMENTO
 A cerimônia de lançamento foi muito emocionante. 
Estavam presentes o chanceler do Brasil, embaixador Cel-
so Amorim; o embaixador João Clemente Baena Soares, 
que tinha sido secretário-geral da OEA; vários outros em-
baixadores e chefes da Casa, toda a minha turma, a turma 
seguinte, que acabara de ingressar no Instituto Rio Bran-
co, e que é quem estávamos querendo motivar a carregar 
o cetro da revista adiante. Era um bocado de gente no au-
ditório do Instituto. Há fotos desse dia que, quando eu as 
vejo, realmente mexem comigo. À noite, nós fomos para 
um samba, organizado por um colega de turma, em que co-
memoramos o lançamento com os amigos mais próximos. 
Realmente, é uma memória de vida – além de profissional 
– que eu vou levar comigo.
VI. O ESPÍRITO
 A JUCA não buscava contestar a política externa do 
momento, as tradições do Itamaraty. Não buscava dizer 
tampouco que os ritos eram ultrapassados. Não era essa a 
intenção. Era, sim, a de renovar o sangue da Casa. A ideia 
era criar um espaço para que os colegas pudessem refletir, 
escrever, publicar, experimentar em temas da diplomacia 
ou da cultura brasileiras sem muitas amarras. Trabalha-
mos em dois eixos: buscávamos que a revista se tornasse 
um documento histórico sobre o que pensavam as novas 
turmas em seu momento de formação – os terceiros-secre-
tários que passarão as próximas décadas a serviço do Bra-
sil no Itamaraty; e procurávamos promover o resgate da 
memória diplomática brasileira, em especial, as memórias 
que estavam um pouco escondidas, que não fazem parte da 
narrativa cotidiana. Fazia parte do nosso espírito escavar 
as histórias que não estão ditas ou – se estão ditas – não 
se encontram expressas em uma circulação maior. Esse 
feliz ciclo de entrevistas que vocês promoveram com os 
editores dos primeiros números da JUCA acaba, um tanto 
metalinguisticamente, reforçando essas duas vocações que 
concebemos lá atrás. 
ESPECIAL 10 ANOS DE JUCA
Felipe Krause Dornelles, editor da JUCA n° 2
I. ENTRE A INOVAÇÃO E A TRADIÇÃO
 Fazemos parte de uma corporação muito tradicional. 
A originalidade e a criatividade são, é claro, valorizadas, 
mas o que é ainda mais valorizado é a capacidade de de-
fender, com afinco e desenvoltura, as posições do governo. 
Nós tínhamos isso muito presente. Considerávamos que, 
em última instância, seria quase impossível não sermos 
uma publicação “chapa branca”, mas queríamos muito que 
a JUCA fosse um projeto o mais criativo possível. Era um 
jogo estar naquela linha tênue, naquele limite das possibi-
lidades: de ser criativo e de formular alguma ideia inova-
dora, mas respeitando as tradições e a hierarquia. Acredito 
que a homenagem que a JUCA 02 presta ao embaixador 
Ovídio de Andrade Melo captura muito bem esse espírito. 
do tom da revista, ela poderia soar 
pretensiosa, não autêntica. “Você 
não é diplomata ainda. Calma, você 
acabou de entrar... seja autêntico”, 
ele dizia. Eu acho que essa era a in-
tenção.
III. OS BASTIDORES
 Um dos trabalhos mais difíceis da JUCA era o de co-
brar os colegas de turma, para entregarem as matérias no 
prazo. Vários prazos se passaram antes que as pessoas os 
cumprissem. Eu me lembro muito dessa fase de pressio-
nar as pessoas. O Raphael Nascimento [diretor-executivo] 
e eu tendíamos a adotar a estratégia “good cop, bad cop”. 
Eu tentava ser o bonzinho: “ah, que legal o que você tá 
fazendo. Que bom. Estamos esperando ansiosamente sua 
contribuição”. Em seguida, eu comentava para o Raphael: 
“essa pessoa já passou do prazo há 2 meses. Pelo amor de 
Deus, dá uma cutucada novamente!”. Adotávamos muito 
essa estratégia. Acabou funcionando, mas foi engraçado.
IV. A REBELDIA
 Tenho a impressão de que a nossa turma tinha um 
espírito mais independente, mais rebelde, do que as ante-
riores. No bom sentido: no sentido de que estávamos in-
gressando nessa Casa longeva, de tradições, mas que éra-
mos uma turma muito grande e diversa, e muitos não se 
sentiam inteiramente representados por essas tradições e 
queriam contribuir com inovações. Havia aquela sensação 
de que os colegas não iriam contribuir para a JUCA, se ela 
adotasse um perfil “chapa branca”. Muitos tinham interes-
se em propor mudanças. 
V. A TRADIÇÃO LITERÁRIA NO ITAMARATY
 É impossível negar que o Itamaraty sempre teve uma 
tradição literária, e continua a atrair pessoas voltadas para 
as letras. A inclusão de poemas e textos literários na JUCA 
é reflexo natural da vocação de muitos colegas. Tivemos e 
temos ainda muitos bons e alguns grandes escritores. Não 
só aqui, como em vários países da América Latina. Chile e 
México, por exemplo, têm pelo menos dois grandes escri-
tores-diplomatas, Pablo Neruda e Octavio Paz, que foram 
inclusive agraciados com o Prêmio Nobel de Literatura.
Um outro Juca apresentado pela JUCA: o embaixador Ovídeo de Andrade Melo
II. O ESTÍMULO
 Uma grande influência da JUCA 02 foi o embaixa-
dor Fernando Reis, que havia estimulado a elaboração e 
publicação da primeira edição. Ele tinha muito presen-
te a importância do jovem diplomata para a instituição e 
apreciava essa referência ao Barão quando jovem, a quem 
chamavam de Juca. Com a juventude, surge essa ideia de 
criatividade, de ser inovador, de estar pensando, mas tam-
bém vem aquela constante ideia de renovação. Porque esse 
constante reinventar tem um quê de tradição também, 
conforme a frase célebre do Chanceler Azeredo da Silvei-
ra. Eu lembro de o embaixador Fernando Reis bater muito 
na tecla de que a JUCA fosse algo experimental, de que 
transmitisse um espírito de jovialidade. Não deveria ser 
uma publicação sisuda, amadurecida demais. A depender 
29
Laís de Souza Garcia, editora da JUCA n° 3
I. O IMPULSO PARA A NOVA JUCA
 No início do curso de formação, os dois editores ante-
riores da JUCA foram ao Instituto Rio Branco conversar 
com a nova turma de diplomatas,

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