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Prof. Renan da Cruz Padilha Soares OBJETOS EDUCACIONAIS DIGITAIS PARA O ENSINO DA GEOGRAFIA AULA 5 2 CONVERSA INICIAL Neste texto, daremos continuidade aos estudos relacionados ao tema dos jogos. Estamos falando da gamificação, palavra que já sugere a ligação entre os estudos sobre games e a gamificação. Porém, isso não significa que gamificação seja sinônimo de jogos. Os estudos sobre gamificação cresceram muito nos últimos anos e essa é uma metodologia que faz parte das chamadas metodologias ativas. Sendo assim, a gamificação apresentará características e objetivos similares a diversas outras metodologias ativas. Podemos destacar a noção de que o estudante deve ser sujeito ativo do processo de ensino-aprendizagem, valorizando a autonomia e a reflexão. Além disso, o professor transforma seu papel em um importante mediador do conhecimento. Portanto, no decorrer de nosso aprendizado, saberemos exatamente o que significa gamificação, em que momento esse termo foi cunhado e desde quando os métodos gamificados são utilizados. Analisaremos também as formas com que a gamificação foi incorporada aos estudos sobre ensino-aprendizagem e as importantes diferenças na aplicação de um método gamificado fora e dentro do ambiente de ensino. Por fim, buscaremos entender como é possível incorporar a gamificação nas práticas de sala de aula, para motivarmos e engajarmos nossos estudantes, possibilitando uma aprendizagem significativa e a construção de cidadãos críticos, criativos e autônomos. TEMA 1 – O QUE É GAMIFICAÇÃO? Apesar de a palavra gamificação provir da palavra em inglês game, que se refere a jogos, o conceito de gamificação vai além daquele que trabalhamos sobre jogos. Gamificação é o uso dos elementos característicos dos jogos, em um ambiente de não jogo. Alguns autores trabalharam essa conceitualização. Schlemmer (2014, p. 77), por exemplo, afirma que “A gamificação se propõe a criar uma camada de jogo numa aplicação ou produto, no lugar de ser, na origem, um jogo”. Já Kapp (2012, p. 1) define gamificação como a “aplicação da dinâmica baseada em jogos para o esforço da educação”, apontando para um possível foco da gamificação na aprendizagem. Zichermann e Cunninghan (2011) afirmam que a gamificação é uma prática 3 na qual se utiliza o pensamento e a dinâmica de jogos para engajar pessoas e resolver situações. Aqui aparece uma palavra muito importante nos estudos sobre gamificação. Engajamento refere-se ao tempo que uma pessoa gasta em uma determinada tarefa. Para que a pessoa se engaje nessa tarefa, é preciso que ela esteja motivada. E é essa motivação por meio do engajamento que aqueles que aplicam a gamificação estão buscando. A gamificação despertará no participante a sensação de estar em um jogo, sem que esteja. Essa sensação será responsável por possibilitar que determinada tarefa, antes feita por obrigação, agora possa ser realizada com prazer. Nesse sentido, proliferam propostas gamificadas para o planejamento dos estudos, das tarefas domésticas, das atividades físicas etc. Com base na percepção de que o feedback imediato, os desafios, a interatividade, o sistema de regras, o estado de tensão, entre outros elementos, motiva e engaja as pessoas, pensou-se em aplicar esses elementos a situações cotidianas e ordinárias. Portanto, em uma dinâmica gamificada, não há a necessidade de utilização do jogo em si, apenas dos elementos identificados como causadores de motivação e engajamento. Essa é a diferença entre gamificação e aprendizagem baseada em jogo. Na gamificação não há a necessidade de utilização de jogos de qualquer tipo em sua aplicação. Na gamificação para o ensino, por exemplo, pode-se atribuir às atividades escolares cotidianas os elementos característicos dos jogos, como pontuação, medalhas, níveis entre outros, sem precisar, necessariamente, aplicar algum jogo entre os estudantes. Tanto o termo quanto sua utilização prática iniciaram-se no mundo coorporativo para fidelizar clientes. Alves (2015, p. 14) escreve que “O Gamification começou a acontecer há muito tempo quando, no ano de 1912, a marca americana Cracker Jack, de biscoitos e snacks, começou a introduzir brinquedos surpresas em suas embalagens”. Perceba que, mesmo que não houvesse pesquisas voltadas para entender esses elementos motivadores dos jogos, o mundo corporativo já percebia, na prática, como eles funcionavam e os incorporavam para seus objetivos. A utilização de um sistema de recompensa, que criava no cliente um sentimento de euforia, algo comum aos jogos, é um exemplo da utilização de uma dinâmica típica dos jogos em um ambiente de não jogo. Essa sensação ao completar um desafio, a tensão, a recompensa e tudo que traz prazer nos jogos são elementos que os empresários perceberam que poderiam utilizar para criar 4 uma identificação do consumidor com sua marca. TEMA 2 – GAMIFICAÇÃO NA EDUCAÇÃO Levando-se em conta a percepção de que uma prática gamificada era capaz de motivar uma pessoa para que ela se engajasse em uma atividade, onde, normalmente, poderia ser considerada enfadonha, estudiosos começaram a pensar em como incorporar a gamificação no ensino. Schlemmer (2014, p. 77) escreve que usar a gamificação em sala de aula pode trazer um maior envolvimento efetivo dos sujeitos nos processos de ensino e de aprendizagem, favorecendo o desenvolvimento da autonomia, da autoria, da colaboração, da cooperação, bem como instigando a solução de problemas e o pensamento crítico. Porém, para que se possa incorporar a gamificação no ensino, é de suma importância traçar as diferenças de objetivo entre o mundo corporativo e a educação. No ambiente escolar não se busca estimular a competição para se alcançar o lucro. Por isso, o foco deve ser em outro elemento característico dos jogos: a colaboração. Schlemmer (2014, p. 77) traz uma importante contribuição para o debate ao afirmar que A gamificação pode ser pensada a partir de pelo menos duas perspectivas: enquanto persuasão, estimulando a competição, tendo um sistema de pontuação, de recompensa, de premiação etc., o que do ponto de vista da educação reforça uma perspectiva epistemológica empirista; e enquanto construção colaborativa e cooperativa, instigada por desafios, missões, descobertas, empoderamento em grupo, o que do ponto de vista da educação nos leva à perspectiva epistemológica interacionista- construtivista-sistêmica. Não iremos descartar completamente o elemento competitivo. Ele pode estar presente. Porém, há formas de incorporar esse elemento, sem colocar um estudante contra o outro e reforçando que, no coletivo, o mais importante são os elementos de colaboração. Vejamos a seguir como isso ocorre numa prática gamificada na sala de aula. TEMA 3 – COMO CRIAR UM AMBIENTE DE ENSINO GAMIFICADO? Até aqui fomos capazes de compreender como surge a gamificação e sua incorporação ao ensino. Agora vamos pensar em algumas formas práticas de como construir um plano de ensino gamificado. 5 Para isso, é preciso lembrar as principais características dos jogos que causam o engajamento. Alves (2015, p. 43) irá definir os principais elementos da gamificação: a dinâmica é “responsável por atribuir coerência e padrões regulares à experiência” e fazem parte as emoções, a narrativa, a progressão, entre outros. Portanto, quando planejar sua gamificação, pense em como incorporar nas suas práticas cotidianas esses elementos. Uma narrativa não precisa ser, necessariamente, uma história. A narrativa é dar coerência aos acontecimentos desencadeados. É preciso que se encaixem e façam sentido as distribuições de pontos, prêmios etc. Mas nada impede que seja, também, um storytelling. Ou seja, que o professor invente uma história que ligue todos os elementos. Essa forma contribuiu com a imersão dos estudantes na dinâmica gamificada.Na narrativa construída, os elementos de progressão, emoção etc. devem estar presentes. Por isso, a construção de uma dinâmica gamificada necessita de um planejamento minucioso. A autora aponta, também, para a mecânica como parte integrante dos jogos e define como sendo os “elementos [...] que promovem a ação, que movimentam as coisas” (Alves, 2015, p. 44), por exemplo, a cooperação e a competição, os desafios, o feedback, entre outros. Aqui se encontram presentes aqueles elementos que nos são extremamente importantes na construção de uma dinâmica gamificada para a educação. Para valorizar os aspectos colaborativos, é interessante o trabalho em grupos. Os grupos podem, inclusive, competirem entre si, porém cada membro do grupo perceberá que, para vencer aquela dinâmica, precisará colaborar ativamente com seu grupo. Os desafios e o feedback imediato, característicos dos games, são essenciais. Isto porque, na sala de aula, muitas vezes não possibilitamos os estudantes a aprenderem com seus erros. A resposta de uma avaliação, em forma de nota, pode demorar dias ou semanas e, quando retornam, o conteúdo já avançou e aquele retorno perde o sentido. Nos jogos, assim como em uma dinâmica gamificada, os estudantes devem entender de imediato se estão seguindo pelo caminho certo. Por fim, há os componentes que “São formas específicas de fazer o que a dinâmica e a mecânica representam” (Alves, 2015, p. 45-46), como avatares, boss fight, combate, entre outros. A construção de avatares liga-se a uma importante competência: a criatividade, estimulando que os grupos criem personalização para si. 6 Os jogos têm a capacidade de criar redes de interação entre seus jogadores. Para Zampa e Mendes (2013, p. 18), As experiências proporcionadas pelo jogo constituem-se em ações interativas que não se restringem ao jogador e ao jogo, mas são resultado de uma rede colaborativa da qual os nativos digitais compartilham ao trocarem experiências e impressões sobre o jogo que os levam a aprender e avançar no mesmo, pois hoje, cada vez mais o conhecimento é construído colaborativamente e socialmente. Para Alves (2015, p. 45), cooperação e competição, “apesar de opostas, ambas promovem no jogador o desejo de estar com outras pessoas engajado em uma mesma atividade”. Assim, ambos os elementos podem estar presentes em um ambiente educacional de sala de aula, visto que não estará sendo estimulado o espírito competitivo ou a necessidade de derrotar o outro para vencer e sim a interação coletiva entre os estudantes. Tendo isto como base, será possível criar uma boa dinâmica gamificada. TEMA 4 – GAMIFICAÇÃO ALIADA À APRENDIZAGEM BASEADA EM JOGOS Reforçamos primeiramente as diferenças cruciais entre os jogos e a gamificação, apontando a segunda como um processo de aprofundamento da pesquisa sobre as possibilidades de utilização dos elementos motivadores dos jogos em um ambiente de não jogo, no nosso caso, nas aulas de geografia. Porém, isso não significa que a utilização de um método gamificado exclua a possibilidade de utilização da aprendizagem baseada em jogos. Incorporados em uma dinâmica gamificada, os jogos podem contribuir, em momentos específicos, para que a gamificação tenha potencializada seus elementos integradores e motivadores. O jogo, que ocorre em um determinado espaço de tempo, contribui em dar vida à narrativa construída para a gamificação, aumenta o aspecto lúdico intrínseco da gamificação e aumenta a interação entre os estudantes que estão participando. Portanto, ainda que distintos, os jogos e a gamificação, se utilizados juntos, podem ser transformadores. TEMA 5 – AVALIAÇÃO NO ENSINO GAMIFICADO Prova! Essa simples e curta palavra pode causar medo nos estudantes das mais variadas faixas etárias. A maioria das instituições incorporam modelos de provas tradicionais, assim como a absoluta maioria dos concursos e processos 7 seletivos. Cria-se, assim, um processo avaliativo que se afasta do que seria seu objetivo mais próximo de uma perspectiva inovadora do ensino. Assim, a avaliação resume-se ao exame, normalmente aplicado ao final de um ciclo e com uma forte carga emocional. A “semana de provas” torna-se um momento ritualístico do sistema escolar, muitas vezes visto como um “sofrimento necessário”. Noda (2005, p. 144) aponta que No sistema brasileiro, a avaliação é tradicional, sendo um dos deveres a serem cumpridos tanto pelos professores como pelos alunos durante o ano letivo, ou no final de cada bimestre, como é o mais comum. E como quase sempre, avaliar representa uma obrigação, um dever a mais a ser realizado, acaba sendo um mecanismo sem fundamento, sem valor [...] perde sua contribuição maior que é demonstrar se os objetivos foram alcançados. O sucesso de se utilizar a avaliação como instrumento disciplinador obrigatório é muitas vezes alcançado, mas a pergunta que devemos fazer é se é a disciplina pelo medo é mesmo o nosso objetivo em sala de aula? Avelar aponta que, assim, “o processo seletivo, que deveria ser o momento privilegiado de diagnóstico dos problemas envolvidos na aprendizagem, torna-se fugidio, superficial e pouco reflexivo” (Avelar, 2012, p. 143). Numa dinâmica gamificada, a avaliação pode ocorrer concomitantemente às etapas por que os estudantes vão passando e incorporar os pontos, premiações, medalhas etc. como forma de avaliar a aprendizagem. Mas se a instituição em que você trabalha o obriga a aplicar uma prova, você pode também propor uma prova gamificada aliviando o peso que normalmente há nesse exame. O ato de avaliar não é, portanto, o final do processo. Ele é um momento decisivo de coleta de dados e análise desses dados para o planejamento das ações futuras. E a coleta desses dados está intimamente relacionado com o instrumento de avaliação a ser usado pelo educador pois esses instrumentos devem ser “adequados para coletar os dados que estamos necessitando para configurar o estado de aprendizagem do nosso educando” (Luckesi, 2000, p. 4). A maioria das instituições trabalha com, pelo menos, uma avaliação escrita por bimestre ou trimestre. Caso essa não seja uma prova padronizada ou externa, a professora ou o professor poderão criar uma prova gamificada. Lembrando que a gamificação por si só não basta, pois a prova deve ser capaz de coletar dados suficientes que permitam ao professor analisar o avanço dos alunos nos objetivos traçados no planejamento. Uma avaliação gamificada pode ser um instrumento mais eficaz do que uma prova convencional. Sob o aspecto emocional, os estudantes serão aliviados da 8 tensão, dada a ambiência lúdica e a dinâmica gamificada da avaliação. Diante disso, os estudantes serão motivados e engajados na própria avaliação. O formato da avaliação gamificada deve dar preferência à realização em grupo. Essa é experiência pouco usual para os estudantes, mas permite a valorização de cada um dos membros explorando habilidades como colaboração, cooperação, pensamento reflexivo e empatia. Nesse novo ambiente dinâmico e acolhedor, a avaliação constituiu-se em um momento potente de busca de conhecimento, permitindo que a aprendizagem e a avaliação acorressem simultaneamente. Um elemento relevante neste processo é o feedback imediato, que permite ao estudante e ao grupo gerenciarem o seu processo de busca e recuperação de informações, reforçando o caráter ativo da aprendizagem no momento da avaliação. O feedback imediato também permite que os estudantes se mantenham motivados e engajados em todas as etapas da avaliação. A incorporação de formas de avaliar inovadoras não pode se perder na forma e deve se concentrar no objetivo de uma avaliação: entender, ao longo do processo de ensino, se a aprendizagem está sendo alcançada e, assim, adaptar os métodos para aquela realidade. Portanto, precisamos reafirmar que é de sumaimportância que a avaliação ocorra durante todo o processo de uma dinâmica gamificada e com a utilização de múltiplos instrumentos. NA PRÁTICA Você já teve a oportunidade de vivenciar os elementos motivadores dos jogos eletrônicos na prática de nossa última aula. Está na hora, então, de fazer o exercício de incorporar essas características dos jogos em um ambiente fora do jogo. Você pode criar um plano de ensino gamificado de um bimestre, ou mesmo um semestre na geografia. Pense em como criar uma narrativa coerente e planeje uma dinâmica que tenha como foco a colaboração e não puna aqueles estudantes que porventura tenham mais dificuldade do que outros. No seu plano de ensino gamificado, não se esqueça de planejar como você vai avaliá-los. Não esqueça que de pouco adianta você criar uma metodologia inovadora e avaliar de forma tradicional. Ou seja, crie múltiplos instrumentos para avaliar seus estudantes ao longo do período letivo. 9 FINALIZANDO Hoje, percebemos que a gamificação é um aprofundamento dos estudos no campo da aprendizagem baseada em jogos em que busca incorporar as características motivadoras dos jogos em um ambiente de não jogo. Foi no mundo coorporativo que a gamificação foi utilizada pela primeira vez, com objetivo de fidelizar clientes e elevar os lucros. Refletimos o quanto a incorporação da gamificação na educação deve buscar objetivos distintos do mundo corporativo, por exemplo, com o foco na colaboração. Foi interessante observarmos que a criação de uma dinâmica gamificada não exclui, necessariamente, a incorporação de jogos tais como eles são; pelo contrário, potencializa o processo gamificado. Terminamos pensando no papel da avaliação e em como incorporá-la na gamificação sem prejudicar a dinâmica. Pensamos que a avaliação deve ocorrer ao longo de todo processo de ensino-aprendizagem e com o uso de múltiplos instrumentos. 10 REFERÊNCIAS ALVES, F. Gamification: como criar experiências de aprendizagem engajadoras. São Paulo: DVS, 2015. AVELAR, A. S. Os desafios do ensino de história: problemas, teorias e métodos. Curitiba: InterSaberes, 2012. KAPP, K. M. The gamification of learning and instruction: game-based methods and strategies for training and education. San Francisco: Pfeiffer, 2012. LUCKESI. C. C. O que é mesmo o ato de avaliar a aprendizagem? Revista Patio, Porto Alegre, ano 3, n. 12, fev.-abr., 2000. NODA. M. Avaliação e novas perspectivas de aprendizagem em História. Revista História & Ensino, Londrina, v. 11, p. 143-151, 2005. PRENSKY, M. Aprendizagem baseada em jogos digitais. São Paulo: Senac, 2012. SCHLEMMER, E. Gamificação em espaços de convivência híbridos e multimodais: design e cognição em discussão. Revista da FAEEBA, Salvador, v. 23, n. 42, p. 73-89, jul./dez. 2014. VOLPATO, G. Jogo, brincadeira e brinquedo. Usos e significados no contexto escolar e familiar. Florianópolis: Cidade Futura, 2002. ZAMPA, M. P.; MENDES, L. F. C. Gamificação: uma proposta para redução da evasão e reprovação em disciplinas finais da graduação. Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora – CES/JF, S.d. ZICHERMANN, G.; CUNNINGHAM, C. Gamification by design. Sebastopol: O’Relly, 2011
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