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Disciplina: Fundamentos da Epidemiologia Aula 2: Perspectivas sobre o processo saúde-doença Apresentação Nesta aula, abordaremos a evolução nos conceitos de saúde e os diversos paradigmas explicativos dos modelos saúde-doença no âmbito das sociedades. Dessa forma trataremos do modelo processual de saúde-doença, de grande importância histórica para a epidemiologia, denominado modelo de História Natural de Doenças. Esse modelo encontra-se direcionado aos conceitos de risco e fator de risco como base para as medidas de prevenção. Dentro desse contexto, os níveis de atenção à saúde e as medidas relacionadas a esses níveis serão discutidos. Será abordado também o instrumento de mensuração da qualidade de vida proposto pela Organização Mundial da Saúde (WHOQOL) que evidencia a importância da percepção individual da qualidade de vida. Objetivos Relacionar a evolução nos conceitos de saúde e os diversos paradigmas explicativos dos modelos saúde-doença no âmbito das sociedades; Descrever o modelo processual de Saúde-Doença denominado modelo de História Natural de Doenças; Investigar os níveis de atenção à saúde; Diferenciar os componentes do complexo da qualidade de vida; Analisar as características do instrumento de mensuração da qualidade de vida proposto pela Organização Mundial da Saúde (WHOQOL). Perspectivas sobre o processo saúde-doença Quando o homem não trata bem a natureza, a natureza não trata bem o homem. Essa afirmativa reitera a necessária interação das diferentes espécies. Depreende-se dessa imagem a: Interação entre espécies. a) A responsabilidade do homem na manutenção da biodiversidade. b) Atuação do homem na clonagem de animais pré-históricos. c) Exclusão do homem na ameaça efetiva à sobrevivência do planeta. d) Ingerência do homem na reprodução de espécies em cativeiro. e) Mutação das espécies pela ação predatória do homem. Principais objetivos Você sabe o que é saúde? Corpo saudável. (Fonte: Paisit Teeraphatsakool / Shutterstock) Podemos observar como a forma de conceituar Saúde evoluiu ao longo do tempo: Até o século XIX A “Saúde era a ausência de doença.” O centro das atenções era a doença em si. 1947 “Saúde é o estado de completo bem-estar , físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença” (OMS – Organização Mundial da Saúde, 1947). Carta Magna de 7 de abril trouxe, o primeiro conceito de Saúde, que apesar de revolucionário, era subjetivo e idealizado. 1970 1 Cristopher Boorse, formulou a Teoria Bioestatística da Saúde, altamente criticada. 1986 Acontece a VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em Brasília , que traz a seguinte definição:"Saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acessos aos serviços de saúde, é assim antes de tudo, o resultado das formas de organização social". 1988 O Artigo 196 de 05 de outubro de 1988, da constituição federal diz que: “Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços, para sua promoção, proteção e recuperação.” Segundo Tambellini,1988, saúde é um bem coletivo que deve ser compartilhado individualmente por todos os cidadãos. Comporta duas dimensões essenciais: a dimensão do indivíduo e a dimensão da coletividade.” Podemos observar a dimensão social do conceito de saúde. A saúde passou a ser, também, um critério de cidadania. Assim, podemos afirmar que todos os cidadãos são responsáveis pela manutenção da sua saúde (citado por Rouquayrol, 2003). História Natural da Doença Compreende as inter-relações do agente, do suscetível e do meio ambiente que afetam o processo global e seu desenvolvimento, desde as primeiras forças que criam o estímulo patológico no meio ambiente, ou em qualquer outro lugar, passando pela resposta do homem ao estímulo, até as alterações que levam a um defeito, invalidez, recuperação ou morte (Rouquayrol, 1999). PERÍODO PRÉ-PATOGÊNICO Ocorre previamente à instalação do agente patogênico; Ausência da doença; Medidas de Atenção Primária à saúde. PERÍODO PATOGÊNICO Momento em que o agente patogênico instalou-se; Presença da doença. PERÍODO PÓS-PATOGÊNICO Momento após a instalação do agente patogênico; Presença ou ausência de incapacidades ou invalidez conforme a doença que se instalou. Níveis de Atenção à Saúde Atenção Primária à Saúde Realizada no período pré-patogênico. Compreende aplicação de medidas dirigidas a determinado agravo à saúde. Objetivos: Promoção da saúde e prevenção de doenças; Interceptar as causas patológicas antes mesmo que atinjam o indivíduo. Exemplos de medidas de proteção específica:Imunização, quimioprofilaxia para certas doenças, proteção contra acidentes, controle de vetores, aconselhamento genético, o auto-cuidado em saúde (alimentação adequada, prática regular de exercícios físicos, higiene). Atenção Secundária à Saúde Realizada no indivíduo sob ação do agente patogênico, isto é, quando o período pré-patogênico já foi ultrapassado e o processo patológico foi desencadeado. As medidas preventivas nesse nível incluem: Diagnóstico precoce, tratamento imediato e limitação da incapacidade. Atenção Terciária à saúde Corresponde às medidas adotadas após as consequências da doença, representadas pela instalação de deficiências funcionais. Objetivo: Consiste em alcançar a recuperação total ou parcial, através dos processos de reabilitação e de aproveitamento da capacidade funcional remanescente. As medidas mais frequentemente utilizadas nesse nível é: A prática de exercício físico realizado através dos profissionais de educação física e fisioterapia, a reeducação alimentar, a terapia ocupacional e a readaptação à vida normal. Paradigmas explicativos dos modelos saúde-doença no âmbito das sociedades Equipe médica. (Fonte: Tyler Olson / Shutterstock) Através do conceito de coletivo, o que importa é a determinação social do processo saúde-doença. "Não se trata, de indivíduos, mas de sujeitos sociais, de grupos, de classes sociais e de relações sociais referidas ao processo saúde-doença" (PEREIRA, 1986). Saúde – Novos Paradigmas Definição de Saúde Agente Local “Ausência de doença” Médico Hospital “Bem-estar físico, mental e social” Equipe Multiprofissional de Saúde Sistema de Saúde “Preservação da vida” Cidadão Sociedade Perspectivas sobre o processo saúde-doença A doença pode ser definida como uma falha nos mecanismos de adaptação do organismo, levando a perturbações na estrutura, na função de um órgão, de um sistema ou de todo o organismo e de suas funções vitais (Jenicek & Cléroux citados por Rouquayrol, 1999). Doutor examina mão de paciente. (Fonte: fotohay / Shutterstock) Entende-se como Processo Saúde-Doença, a forma como interagem os fatores ambientais, sociais e próprios do indivíduo. Esse processo causa dois tipos de impacto: INDIVIDUAL Doença / Sofrimento / Dor. SOCIAL Representação da doença, problema de saúde pública. As Causas das Doenças, ou os Fatores Etiológicos, podem se dar por meio da Multifatorialidade (vários fatores de ordem individual e coletivo que interferem e são determinantes no processo saúde-doença). Esse processo pode ser de origem: ENDÓGENA: Intrínseca/Genética – Ambiente Humano; EXÓGENA: Extrínseca – Fatores Sociais + Fatores Ambientais (Agressores Físico-Químicos e Biológicos). Fatores sociais do processo saúde- doença Fatores socioeconômicos Os pobres são percebidos como mais doentios e mais velhos. São mais propensos a enfermidades graves e morrem mais jovens. A taxa de mortalidade infantil é mais elevada, assimcomo o número de recém- nascido de baixo peso (Rouquayrol, 2003). Fatores sociopolíticos A incapacidade de decisão política e de participação comunitária são exemplos de desvalorização da cidadania. Fatores socioculturais Os preconceitos, os hábitos culturais, as crendices, os comportamentos, os valores, a incapacidade de se organizar para reivindicar, são exemplos de fatores sociocultural inseridos no processo de saúde-doenças. Fatores psicossociais A marginalidade, a promiscuidade, as relações parentais instáveis, as condições de trabalho inadequadas, a carência afetiva de ordem geral, o bullying, são fatores psicossociais que interferem no processo de saúde- doenças. Fatores ambientais São todos os fatores que mantêm relações interativas com o agente etiológico e o suscetível. Ocorrem em situações ecológicas desfavoráveis produzidas por fatores naturais ou artificialmente pela ação do homem, podendo funcionar como agentes patogênicos. Os Fatores ambientais estão divididos em: Ambiente físico e químico Com o progresso, o desenvolvimento industrial, a urbanização e a industrialização houveram modificações nos hábitos e estilo de vida. Diariamente, substâncias carcinogênicas são ingeridas, inaladas ou absorvidas por via cutânea. Ambiente biológico Solo, clima e recursos hídricos, microssistemas bioclimáticos propícios à manutenção dos vetores e reservatórios de agentes patogênicos. Ambiente humano Fatores genéticos determinam a maior ou menor susceptibilidade à aquisição de doenças e ao uso de medicamentos. Saúde e qualidade de vida O que vem na mente ao pensar em qualidade de vida? Somos unânimes em afirmar: Uma completa sensação de bem-estar! Entretanto, definir qualidade de vida é uma tarefa difícil – e a dificuldade está relacionada à subjetividade, complexidade e às várias dimensões relacionadas aos diferentes aspectos da vida dos indivíduos. De uma forma geral, a qualidade de vida depende de fatores intrínsecos (endógenos) e extrínsecos (exógenos) e varia de indivíduo para indivíduo. É um termo que representa uma tentativa de nomear as características das experiências de vida relacionadas ao cotidiano. Existem vários conceitos propostos para qualidade de vida e a maioria deles possuem pontos comuns, como, o modo de viver a vida e a satisfação das necessidades e expectativas dos seres humanos. Como estes conceitos estão relacionados ao bem-estar, o complexo da Qualidade de Vida envolve os seguintes temas: Nuvem de palavras. A discussão sobre esses temas tem preocupado os países do mundo inteiro, inclusive o Brasil. Entre os principais temas de preocupação estão: Baixos salários (má distribuição de renda); Analfabetismo ou baixo nível de escolaridade; Desemprego; Moradias sem água e esgoto (saneamento básico); Problemas com alimentação (desnutrição e obesidade); Violência e drogas; Acesso aos serviços de Saúde. World Health Organization Quality of Life Em 1995, a Organização Mundial de Saúde (OMS), propôs a criação de um grupo (grupo WHOQOL) que construiu o seguinte conceito de qualidade de vida: “Qualidade de vida é a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”. A construção desse conceito permitiu a este grupo desenvolver um instrumento (ferramenta de mensuração) válido para a avaliação do conceito de qualidade de vida a nível internacional: o instrumento de avaliação de qualidade de vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL-100). Trata-se de um questionário composto por 100 itens que avalia a qualidade de vida, baseado em três aspectos fundamentais: subjetividade, a multidimensionalidade e a presença de dimensões positivas e negativas. Para isto a Organização Mundial de Saúde criou um projeto colaborativo e multicêntrico que foi desenvolvido com a colaboração de 15 centros que trabalharam, simultaneamente, em diversas culturas. O WHOQOL-100 é composto por 100 questões que avaliam seis domínios: Físico, Psicológico, Nível de Independência, Relações sociais, Meio ambiente e Espiritualidade /Crenças Pessoais. O grupo também desenvolveu o WHOQOL-Bref, que é uma versão abreviada, composta por 26 questões extraídas do WHOQOL-100. Esta versão abreviada é composta por quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente. Os principais usos do WHOQOL-100 são: Prática clínica para melhorar a relação médico-paciente e avaliar o resultado do tratamento; Pesquisas; Construção e Implementação de Políticas de saúde. As principais características do WHOQOL-100 são: 1 Disponibilidade em 20 idiomas. 2 Desenvolvimento transcultural. 3 Ênfase na percepção do indivíduo. Notas Bem-estar Bem-estar é: A noção subjetiva de sentir-se bem, não ter queixas, não apresentar sofrimento (dor) somático ou psíquico; Sentir-se bem, e não apenas não se sentir mal; A condição de satisfação das necessidades (conscientes ou inconscientes, naturais ou psicossociais). Os seres humanos, precisamos satisfazer as suas necessidades: Biológicas - o bem-estar físico; Psicológicas - o bem-estar mental; Sociais - o bem-estar social. Próximos Passos Interface da epidemiologia com as Ciências Sociais; Determinantes Sociais da Saúde; Promoção da saúde e prevenção de doenças; Iniquidades em saúde; 1 Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde.