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05/04/19 HIPERTENSÃO INTRACRANIANA 1. INTRODUÇÃO: A. CONCEITOS ❖ Conceitos: a) Hipertensão intracraniana (HIC): aumento da pressão intracraniana (PIC) acima de 15 mmHg (ou 20 cmH2O) b) Síndrome de hipertensão intracraniana: conjunto de sinais e sintomas decorrentes da quebra da relação volume/pressão intracraniana entre massa encefálica e o crânio (na ineficiência dos mecanismos compensatórios) ❖ Causas de HIC: • TCE: causa mais comum • Ruptura de aneurisma • Tumores cerebrais (Lesões expansivas cerebrais, abcesso, toxoplasmose)→ deslocam o LCR e sangue (aumento da elastância); edema formado ao redor das lesões • Meningoencefalites e encefalites • Encefalopatia metabólica – Ex: insuficiência hepática aguda e hiponatremia aguda • Hidrocefalia hiperbárica • Trombose do seio sagital superior • HIC benigna (pseudotumor cerebral) ❖ Líquido cerebroespinal (LCE ou LCR) • LCR representa 10% do volume intracraniano (aproximadamente 150ml), dos quais 20 a 30ml estão no interior dos ventrículos e o restante nos espaços subaracnóides intracraniano e raquidiano • O tempo de renovação do LCR é de 5 horas (produção/absorção contínuas) • Trajeto do LCR no SNC: ▪ Produzido nos plexos coroides dos ventrículos laterais, 3º e 4º de maneira contínua ▪ Dos ventrículos laterais, o LCR segue através dos forames interventriculares (Monro) para o 3º ventrículo ▪ Segue do 3º ventrículo, via aqueduto do mesencéfalo, para o 4º ventrículo. Neurologia | Mariana Gurgel e Eduarda Neiva 2 ▪ Do 4º, segue pelos forames de Luschka e Magendie atingindo espaços subaracnoides e também desce pelo canal central da medula espinhal. ▪ Retorna e é drenado pelos seios venosos (através das granulações aracnoides) de volta para a corrente sanguínea ✓ Quando a pressão liquórica atinge 5mm/H2O, mecanismos valvulares nos canalículos que unem o espaço subaracnóideo às veias que drenam para o seio sagital superior abrem-se e permitem o escoamento do LCR para dentro do sistema venoso ✓ Ex: meningite meningocócica causa hidrocefalia comunicante (todos os ventrículos dilatados) porque ocorre destruição das granulações ❖ Pressão intracraniana (PIC): • Valor de referência: PIC normal varia de 5-15 mmHg ▪ PIC entre 20-40 é considerada HIC moderada; >40 é HIC grave. • Determinado pela quantidade de líquido no interior do encéfalo - incluindo o líquido intracelular, intersticial e nos ventrículos Resulta da pressão tissular + intravascular + pressão do líquor (produção – reabsorção) • Reflete a relação entre o conteúdo da caixa craniana (cérebro + LCR + sangue) e o volume do crânio que pode ser considerado constante ▪ OBS: Em crianças pequenas, as suturas entre os ossos cranianos são flexíveis o bastante para permitir o aumento da cavidade craniana, um fenômeno impossível em crianças maiores e adultos. 2. FISIOPATOLOGIA DA HIPERTENSÃO CRANIANA ❖ Doutrina de Monro-Kellie • Estabelece que o encéfalo reside em um continente inelástico (o crânio) e que o volume intracraniano contido na caixa óssea deve persistir constante volume intracraniano = volume encefálico (80%) + volume do sangue (10%) + volume do LCR (10%) • Diante da gênese de uma massa (ex: hematoma), a manutenção do volume intracraniano depende de mecanismos compensatórios: Neurologia | Mariana Gurgel e Eduarda Neiva 3 ▪ Primeiro componente a sofrer deslocamento é liquor, que sai do compartimento intracraniano para o compartimento intratecal ▪ O segundo componente a sair é o sangue venoso → aumentando o retorno venoso para veias jugulares ▪ Terceiro componente é o sangue arterial → pela diminuição do fluxo sanguíneo cerebral, ocorrendo isquemia ➔ fase de início do déficit ▪ O quarto e último componente é a massa encefálica, que se desloca pelo forame magno causando herniação ❖ “Período de mola”: funciona como o 1º mecanismo compensatório real • 8 a 10 % do conteúdo craniano encontra-se em período de mola → conteúdo reserva Obs: Em idosos chega a 17% devido à atrofia cerebral; Já na criança, pode ocorrer a macrocrania • A manifestação de hipertensão intracraniana só ocorre a partir do consumo do período de mola ❖ CURVA DE LANGFIT: Curva característica da complacência dos compartimentos intracranianos ❖ Fluxo sanguíneo cerebral (FSC): • 15% do débito cardíaco: 50-55ml/100g/min • Determinado pela pressão de perfusão cerebral (PPC) e pela resistência arteriolar (RVC) FSC = PPC/ RVC • Pressão de perfusão cerebral (PPC) = PAM – PIC ▪ Valor de referência: > 70mmHg ▪ Ex: se a PAM for 100 mmHg, uma PIC superior a 30 mmHg já pode ser responsável por um importante hipofluxo cerebral ▪ Ex 2: o aumento progressivo da PAM em um paciente sem outra causa aparente indica aumento da PIC. Isso ocorre até o momento em que a aumenta excessivamente e “vence” a PAM, fazendo com que ela despenque • Regulação do fluxo sanguíneo cerebral → Correlacionado à PO2 e à PCO2 ▪ PO2 alta → vasoconstrição → diminui FSC ▪ PCO2 alta → vasodilatação → aumenta FSC ❖ Tríade de Cushing • o reflexo de Cushing tem como intuito a manutenção do fluxo cerebral aos centros vitais bulbares → ao elevar a PAM, mantem a perfusão mesmo me PIC elevada. • Sua ocorrência manifesta os sintomas clássicos de HIC grave ➔ bradicardia, PAM elevada e arritmia respiratória (cheyne-stokes, hiperpneia central) ❖ Tipos de edema cerebral: a) Vasogenico: quebra da BHE que provoca aumento da permeabilidade do endotélio capilar e permite o extravasamento de componentes do plasma ▪ Ex: tumor, doenças inflamatórias ➔ adm corticoide estimula a adesão das junções, o que reduz o edema. Neurologia | Mariana Gurgel e Eduarda Neiva 4 b) Citotóxico: causado pelo inchaço celular. Comum nos casos de isquemia por causa da alteração no suporte energético das trocas iônicas ▪ Ex: trauma, avc ➔ adm solução hiperosmolar (manitol) para “puxar” o líquido para os vasos c) Intersticial (transependimario): nas regiões periventriculares, pela transudação transependimária de LCR em pacientes com hidrocefalia com HIC Obs: edema pode levar a um aumento da PIC com consequente redução do FSC, o que, por sua vez, leva à hipóxia, que contribui para o aumento do edema, fechando um círculo vicioso → Se este círculo não for impedido pelos mecanismos normais de reabsorção ou por medidas terapêuticas, ocorre a interrupção do FSC, a qual é o principal parâmetro para determinação da morte cerebral. ❖ Cascata vasodilatatória: • O conhecimento da cascata vasodilatatória implica diretamente no manejo clínico da HIC: Ex: Com o aumento da PIC, uma das medidas envolve a hiperventilação do paciente, objetivando a vasoconstrição. Até certo ponto, é uma medida benéfica; porém, quando ocorre vasoconstrição intensa, o FSC reduz, e a isquemia produz CO2; este estimula o retorno ao estado de vasodilatação, o que aumenta ainda mais a PIC➔ círculo vicioso 3. HÉRNIAS ENCEFÁLICAS São migrações e torções de estruturas para outros compartimentos intra e extracranianos, levando à compressão de estruturas → principal causa de morte no contexto de HIC grave ❖ Supracalosas • Hérnia do Giro do cíngulo: ▪ Também conhecida como hérnia subfálcica → ocorre pela protrusão do giro cingulado por baixo da foice do cérebro – sentido laterolateral Neurologia | Mariana Gurgel e Eduarda Neiva 5 ▪ Surge nos processos expansivos frontais e parietais. ▪ Desloca artérias pericalosas além da linha mediana e comprime o teto do terceiro ventrículo ▪ Pode ocasionar compressão das fibras piramidais contralaterais, causando hemiparesia ipsilateral à lesão ❖ Transtentorial: pode ser anterior (uncal) ou central. • Hérnia transtentorial uncal ▪ ocorre quando há migração do uncus e porção medial do giro hipocampal através da incisura da tenda do cerebelo. Ocorre em processos expansivosdo lobo temporal ou da parte lateral da fossa média; bastante comum no contexto de trauma ▪ manifestações: principal sinal é a midríase da pupila ipsilateral que resulta da compressão do nervo oculomotor contra o ligamento petroclinóideo; A compressão do pedúnculo cerebral causa hemiparesia ou hemiplegia contralateral por comprometimento da via piramidal ipsilateral • Hérnia transtentorial central: ▪ Também conhecida como hérnia diencefálica; É mais frequente e mais grave do que a lateral ▪ A compressão se dá no sentido vertical caudal → diencéfalo e porção superior do mesencéfalo através do buraco de Pacchioni ▪ compressão acentuada do mesencéfalo (achatamento) causa coma profundo e pupilas médio- fixas, devido à perda do reflexo fotomotor e consensual, dependentes do núcleo do oculomotor ▪ alterações respiratórias: respiração de Cheynes-Stokes numa fase bem precoce (compressão do tálamo), e a hiperventilação central (compressão do mesencéfalo), quando a hérnia está instalada ▪ aumento do efeito compressivo acaba por atingir progressivamente a ponte e depois o bulbo, levando à postura de descerebração (compressão da ponte), à respiração apnêustica pontina (pausa após a expiração), à respiração atáxica de Biot (ponte e bulbo), até chegar à apneia (compressão bulbar). • Hérnia cerebelar superior: ▪ ocorre quando há aumento da PIC no compartimento infratentorial e pressão relativamente menor na fossa supratentorial ▪ a hérnia superior comprime o mesencéfalo, levando à retenção de LCR no aqueduto de Sylvius • Cerebelares ▪ Hérnia de tonsilas ✓ Também chamada de hérnia do forame magno: protusão da amigdala cerebelar por lesão expansiva do cerebelo, passando pelo forame magno e comprime o centro respiratório bulbar, provocando apneia súbita ✓ A mais comum globalmente; Neurologia | Mariana Gurgel e Eduarda Neiva 6 4. MANIFESTAÇÕES CLÍNICA ❖ FASES DA HIC 1. Assintomático: quando o paciente ainda se encontra no período de mola 2. Término da complacência: sintomas gerais 3. Sintomas exuberantes: ocorre o aumento da PIC e o paciente passa a manifestar sintomas clássicos 4. Redução da PAM ❖ Tríade clínica clássica: • Cefaleia: ▪ Pode ser holocraniana, occipital ou frontal; ocorre pelo aumento da pressão e por distensão da dura-máter, dos vasos e dos nervos ▪ Possui caráter progressivo ▪ Geralmente, é mais frequente no período da manhã e acorda o paciente durante a noite → a PIC atinge seu valor máximo ▪ Exacerbação com exercícios físicos, tosse, espirro ou qualquer manobra que eleve a pressão intratorácica de maneira súbita • Vômitos “em jato” – não precedidos por náuseas ▪ Ocorrem pela compressão sobre o obex (área postrema), são manifestados em 70% dos casos • Edema de papila: sinal de HIC grave ▪ ocorre devido à resistência imposta à drenagem venosa da retina por meio da veia central da retina em direção ao seio cavernoso, o que acarreta maior pressão nas veias retinianas. ▪ No exame de fundo de olho é possível notar aumento do diâmetro das veias retinianas, com desaparecimento do pulso venoso e borramento dos bordos da papila, evoluindo, posteriormente para edema, presença de focos hemorrágicos e, mais tardiamente, atrofia da papila, com possível perda definitiva da visão. ❖ Quadro clínico geral: • Alterações de personalidade e nível de consciência ▪ Coma: ocorre por mecanismo de compressao uni ou bilateral do tálamo e do mesencéfalo ou por hipofluxo cerebral (redução da pressão de perfusão cerebral) • Tumores bifrontais • Crises epiléticas • Tonturas (edema de labirinto) • Macrocefalia • Alterações da PA, respiração e FC ▪ Resposta de Cushing: aumento reflexo da PA, bradicardia, alterações no ritmo respiratório • Hemiparesias • Comprometimento de nervos cranianos ▪ Abducente (VI) - 75% → nervo é o mais acometido devido ao seu longo trajeto pelo espaço subaracnoide, passando por baixo do seio cavernoso (fica túrgido na HIC); manifesta-se por estrabismo convergente com pupilas preservadas e fotorreagentes ▪ Oculomotor (III) - 20% → midríase paralítica ▪ Troclear (IV) - 5% ❖ Sintomas correlacionados às herniações Neurologia | Mariana Gurgel e Eduarda Neiva 7 5. EXAMES COMPLEMENTARES ❖ Tomografia Axial Computadorizada: • Realizada inicialmente s/contraste para afastar hemorragias; devendo ser repetida em seguida c/ contraste • Avalia presença de lesão expansiva, desvio da linha média, desaparecimento dos ventrículos laterais, desaparecimento das cisternas perimesencefálicas e visualização de herniações intracranianas ❖ Métodos para medição da PIC OBS: monitorização invasiva da PIC é indicada, principalmente, naqueles pacientes com as características abaixo citadas: 1) Em grandes risco se apresentarem PIC elevada - isquemia cerebral grave, encefalite, meningite grave.. 2) Comatosos (Escala de Coma de Glasgow < 8) 3) Diagnosticados em um processo que necessite de cuidados intensivos I. Punção lombar: • Realizada quando as cisternas estiverem livres e não houver lesao expansiva cerebral ▪ Contraindicada antes da realização de TC de crânio → porque na presença de lesao expansiva com efeito de massa comprimindo cisternas de base, a retirada do LCR pode causar efeito aspirativo que precipita herniação transtentorial • Exames: medida da PIC, analise bioquimica e citologica, investigação de doenças metabolicas se necessário II. Medida epidural ou subdural III. Cateter intraventricular • Padrão ouro para medição da PIC e avaliação da gravidade • Possui via para drenagem do LCR IV. Cateter parenquimatoso ❖ Radiografia Simples do crânio: macrocefalia, desproporção cranio-facial em lactentes, diástase de suturas em crianças 6. TRATAMENTO O tratamento ideal da HIC envolve a remoção da sua causa; as medidas utilizadas objetivam a redução da PIC Neurologia | Mariana Gurgel e Eduarda Neiva 8 A. MEDIDAS GERAIS ❖ Monitorizar PIC ma presença de ECG<8; visando PIC <20mmHg ❖ Manter pressão de perfusão cerebral > 70 mmHg • Manter volemia normal e PA levemente elevada • Abaixar a PIC ❖ Decúbito dorsal com a cabeça a 30º: melhora a drenagem venosa a reabsorção liquórica e a ventilação ❖ Analgesia e sedação: É importante pois a resposta vegetativa à dor pode piorar a HIC ❖ Evitar hiponatremia; restrição da ração hídrica é indicada no paciente com hiponatremia dilucional1 B. MEDIDAS ESPECÍFICAS ❖ Ventilação: • VMI → Manter a P02 entre 60-70 e a PCO2 entre 26-30 mmHg • Indicada especialmente nos casos de “swelling” • Hiperventilação: Não deve ser usada a hiperventilação profilática, pelo risco de vasoconstricção arterial e consequente isquemia cerebral. deve ser empregada somente na situação de herniação transtentorial incipiente (com dilatação pupilar transitória, postura anormal, hipertensão inexplicável ou bradicardia) ou HIC refratária ▪ A redução da PaCO2 arterial determina uma alcalose, e o aumento do pH tem um efeito direto sobre as arteríolas, provocando vasoconstrição. ▪ A vasoconstrição determina um aumento na RVC, que impede o bombeamento de sangue para os vasos de paredes finas e a conseqüente diminuição do volume sangüíneo intracraniano e queda da PIC ▪ O efeito da hiperventilação na PIC manifesta-se em 30s ▪ Quando indicada a hiperventilação, o objetivo deve ser de manter a PaCO2 entre 30-35 mmHg inicialmente e entre 25-30 mmHg numa segunda etapa ❖ Barbitúricos: pentobarbital • Em casos refratários: “coma barbitúrico” • Mecanismo: ▪ Agem agudamente (um a dois minutos) na redução da PIC, provocando diretamente vasoconstrição das arteríolas cerebrais. ▪ Cronicamente, agem através do aumento do tônus muscular arterial, da redução da pressão hidrostática nas áreas lesadas, da diminuição da pressão arterial média (PAM), da redução das variações da PIC a estímulos nocivos e daredução do metabolismo cerebral com diminuição do consumo de oxigênio. ❖ Glicocorticóides: dexametasona → Indicada em caso de edema vasogenico, tumores ou abcesso ❖ Diuréticos osmóticos: Manitol • Mecanismo: provoca elevação aguda na osmolaridade sanguínea que leva a uma queda na produção e na pressão do LCR • É utilizado em edema citotóxico na ausência de hipovolemia • manitol 1-1,5 g/kg IV (ataque) + 0,25-0,5 g/kg IV 4/4h (manutenção). Manter a osmolaridade sérica < 320 mOsm/kg OBS: Manitol associado a furosemida promove queda da PIC mais rápida ❖ Tratamento cirúrgico: • TCE e Tumores • Hidrocefalia: comunicante (shunt/derivação ventrículo peritoneal) ou obstrutiva (neuroendoscopia). • Craniotomia descompressiva na HIC refratária Neurologia | Mariana Gurgel e Eduarda Neiva 9 Referências: 1. CARLOTTI JR CG; COLLI BO & DIAS LAA. Intracranial hypertension. Medicina, Ribeirão Preto, 31: 552-562 2. COSTA, L.S. Avaliação e reconhecimento da síndrome de hipertensão intracraniana 3. GIUGNO, K.M. et al. Tratamento da hipertensão intracraniana. Jornal de Pediatria - Vol. 79, Nº4, 2003
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