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1 Objetivos de aprendizagem INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA PARAÍBA AULA 08 O formalismo russo e o estruturalismo � Conhecer as principais teses do formalismo russo e do estruturalismo, correntes da crítica literária surgidas no século XX; � Reconhecer a organização interna da obra literária como mais um critério de análise dos textos poéticos; � Problematizar as teses formalistas e estruturalistas. UNIDADE 03Teoria Literária I 118 O formalismo russo e o estruturalismo 2 Começando a história Olá, meu caro estudante. Começaremos agora a estudar duas correntes ou escolas da crítica literária. Você já deve ter percebido que o nosso componente curricular – Teoria Literária I – tem percorrido uma trajetória histórica para mostrar como a Literatura, ou, mais especificamente, a poesia, foi concebida ao longo do tempo. Do ponto de vista cronológico, analisaremos duas correntes de interpretação poética surgidas no século XX: o Formalismo Russo e o Estruturalismo. Mas, pensando bem, você já deve ter ouvido falar a respeito delas, não é verdade? Refrescando a memória, você pode voltar aos materiais do primeiro semestre e verificar de que forma os referidos movimentos foram mencionados. Uma dica: tem a ver com literariedade e Ferdinand de Saussure, respectivamente. Lembra agora? Se a memória ainda falha, vamos dar uma colher de chá. No material de Introdução aos Estudos Literários, mais especificamente na Aula 4, sobre o conceito de Literatura ao longo da história, mencionamos a respeito da literariedade como um conceito fundamental dos formalistas russos. Na ocasião, ilustramos com um poema de João Cabral de Melo Neto – Catar feijão. Em Introdução à Linguística, por sua vez, várias aulas foram dedicadas ao Estruturalismo, do pai da Linguística – Saussure. Aliás, neste atual semestre, em Linguística I, o tema também é trabalhado por meio dos estruturalismos europeu e norte-americano. Pois é, agora vamos retomar algumas ideias já estudadas e partir para um aprofundamento no campo da interpretação literária, que é o que nos interessa mais especificamente. Mãos à obra? 3 Tecendo conhecimento Para iniciar a nossa teorização, cumpre ressaltar, desde já, o caráter imanente da análise das duas correntes. Em outras palavras, tanto o Formalismo Russo quanto o Estruturalismo estão preocupados em analisar o texto literário única e exclusivamente a partir de seus elementos internos. Não interessam, para eles, quaisquer condicionamentos externos, tais como biografia, contexto social, 119 AULA 08 época... Importa, tão somente, a estrutura interna da obra. Tratam-se, portanto, de análises imanentes, a partir dos recursos e linguagem empregados dentro do texto. Desse modo, os textos se bastam. Os significados encontram-se todos dentro do próprio texto literário. 3.1 Os formalistas russos: quem foram e o que defenderam? No início do século XX, mais especificamente por volta dos anos 1914 e 1915, na Universidade de Moscou, surgiu o Círculo Linguístico de Moscou – um grupo que objetivava promover estudos de Linguística e Poética, tendo como um de seus fundadores Roman Jakobson. Alguns textos decisivos para as pretensões do grupo foram: “A ressurreição da palavra”, de Viktor Chklovsky (1914) e a coletânea “Poética”, iniciativa de Óssip Brik. A partir de 1917, linguistas e estudiosos da literatura criaram a OPOIAZ (Óbchchestvo por izutchéniu poetítcheskovo iaziká), que significa Associação para o Estudo da Linguagem Poética. Nascia o grupo que ficou conhecido pela designação de formalistas russos. São considerados precursores: Viktor Chklovsky, Vladimir Propp, Yuri Tynianov, Boris Eikhenbaum, Roman Jakobson e Grigory Vinokur. Fotos: Viktor Chklovsky, Vladimir Propp e Roman Jakobson Uma das obras fundamentais para se conhecer as teses dos formalistas é Teoria da Literatura: formalistas russos (1971). Nela, encontram-se os textos considerados determinantes para a explicação e divulgação dos métodos de análise da referida corrente crítica. Já no próprio prefácio do livro (edição brasileira), escrito por uma das maiores autoridades em Literatura russa no nosso país, Boris Schnaiderman, há um levantamento significativo das principais ideias defendidas pelo grupo. Desde o início a nova corrente se caracteriza por uma recusa categórica às interpretações extraliterárias do texto. Figuras 1 - 2 - 3 120 O formalismo russo e o estruturalismo A filosofia, a sociologia, a psicologia, etc., não poderiam servir de ponto de partida para a abordagem da obra literária. Ela poderia conter esta ou aquela filosofia, refletir esta ou aquela opinião política, mas, do ponto de vista do estudo literário, o que importava era o priom, ou processo, isto é, o princípio da organização da obra como produto estético, jamais um fator externo. (SCHNAIDERMAN apud EIKHENBAUM et al., 1971, p. IX). Um dos textos de Roman Jakobson recorrentemente citado, considerado uma espécie de manifesto das ideias formalistas, indica essa preocupação com o “processo” ou organização interna da obra como produto estético. Extraído do artigo “A novíssima poesia russa”, assim está reproduzido no texto de Boris Schnaiderman há pouco mencionado: A poesia é linguagem em sua função estética. Dêste modo, o objeto do estudo literário não é a literatura, mas a literariedade, isto é, aquilo que torna determinada obra uma obra literária. E no entanto, até hoje, os historiadores da literatura, o mais das vêzes, assemelhavam-se à polícia que, desejando prender determinada pessoa, tivesse apanhado, por via das dúvidas, tudo e todos que estivessem num apartamento, e também os que passassem casualmente na rua naquele instante. Tudo servia para os historiadores da literatura: os costumes, a psicologia, a política, a filosofia. Em lugar de um estudo da literatura, criava-se um conglomerado de disciplinas mal-acabadas. Parecia-se esquecer que êstes elementos pertencem às ciências correspondentes: História da Filosofia, História da Cultura, Psicologia, etc., e que estas últimas podiam, naturalmente, utilizar também os monumentos literários como documentos defeituosos e de segunda ordem. Se o estudo da literatura quer tornar-se uma ciência, ele deve reconhecer o ‘processo’ como seu único ‘herói’. (JAKOBSON apud EIKHENBAUM et al., 1971, p. IX-X) (mantida a grafia original). Vamos aproveitar as palavras de Jakobson para nos certificar de que realmente estamos entendendo a proposta? Vamos explorar esse trecho em forma de exercícios? Veja se você consegue responder aos seguintes questionamentos: Exercitando 1) O que se quer dizer com “A poesia é linguagem em sua função estética”? 2) Por que o crítico faz uma analogia entre a ação da polícia e a ação dos historiadores da literatura de sua época? 121 AULA 08 3) Qual poderia ser o prejuízo para a literatura se ela for estudada a partir de elementos externos ao texto? 4) Por que se pode afirmar que Jakobson se preocupava em tornar o estudo da literatura uma ciência e de que modo isso seria possível? Conseguiu responder às perguntas anteriores? Se sim, vamos seguir em frente. Se não, compartilhe suas dúvidas no fórum do nosso Ambiente Virtual de Aprendizagem e interaja com os demais colegas e professores. Antes de prosseguirmos aprofundando as propostas dos formalistas, vamos saber o porquê de essa corrente priorizar o estudo imanente do texto literário. O contexto parece explicar as razões. Nas palavras de Boris Schnaiderman, o movimento voltava-se não só contra os excessos de crítica sociológica e política, da submissão estética à ética, que havia caracterizado a crítica russa durante anos e anos, mas sobretudo e particularmente, contra a metafísica e religiosidade dos simbolistas russos, para quem o texto literário aparecia com muita freqüência apenas como uma das maneiras de buscar o ‘inefável’, o ‘inconsútil’, o extraterreno. O trabalho crítico dos assim chamados formalistas voltava-se parao contingente, o imediato, o palpável, o analisável. (SCHNAIDERMAN apud EIKHENBAUM et al., 1971, p. X). Conclui-se, então, que houve uma contingência histórica e crítica que alimentou esse posicionamento dos formalistas de olhar mais detidamente para dentro do texto literário, desprezando fatores alheios a ele. 3.2 A literariedade Voltando ao texto de Roman Jakobson, observe a presença de um aspecto determinante para os formalistas: a literariedade, cujo conceito está bem explícito nas palavras do autor: aquilo que torna determinada obra uma obra literária. Nesse sentido, podemos perceber que os formalistas defendem uma distinção entre linguagem literária e não literária. As particularidades daquela, a saber: os recursos que tornam o texto “artístico” singularizam o texto poético. Mais adiante, trataremos da “função poética da linguagem”, outro conceito caro aos formalistas. Por enquanto, vejamos um quadro que expõe as características da literariedade. A Revista Conhecimento Prático Literatura, em sua edição 23 do ano 2009, publicou um artigo do professor Leonardo Passos intitulado “Formalismo russo e suas 122 O formalismo russo e o estruturalismo contribuições para a moderna crítica literária”. Trata-se de um material disponível na internet. O quadro abaixo, apresentando as principais características da literariedade, foi retirado do mencionado artigo: Confira o texto completo sobre as contribuições do formalismo russo para a crítica literária no seguinte site: http://literatura.uol.com.br/literatura/figuras-linguagem/23/formalismo- russo-e-suas-contribuicoes-para-a-moderna-critica-134431-1.asp 3.3 A desautomatização da linguagem Você prestou bem atenção ao quadro reproduzido no tópico anterior e às considerações a respeito da literariedade? Pois bem. Tudo isso tem a ver com Figura 4 123 AULA 08 o que os formalistas designaram desautomatização da linguagem. No afã de estabelecer uma diferenciação entre a “linguagem automática do dia a dia” e a “linguagem literária”, os defensores da tese formalista entenderam que um dos aspectos diferenciadores era a natureza incomum da palavra poética. Vejamos as palavras de Terry Eagleton sobre o assunto: Os formalistas começaram por considerar a obra literária como uma reunião mais ou menos arbitrária de “artifícios”. [...] Os artifícios incluíam som, imagens, ritmo, sintaxe, métrica, rima, técnicas narrativas; na verdade, incluíam todo o estoque de elementos literários formais; e o que todos esses elementos tinham em comum era o seu efeito de “estranhamento” ou de “desfamiliarização”. A especificidade da linguagem literária, aquilo que a distinguia de outras formas de discurso, era o fato de ela “deformar” a linguagem comum de várias maneiras. Sob a pressão dos artifícios literários, a linguagem comum era intensificada, condensada, torcida, reduzida, ampliada, invertida. Era uma linguagem que se “tornara estranha”, e graças a este estranhamento, todo o mundo cotidiano transformava-se, subitamente, em algo não familiar. Na rotina da fala cotidiana, nossas percepções e reações à realidade se tornam embotadas, apagadas, ou como os formalistas diriam, “automatizadas”. A literatura, impondo- nos uma consciência dramática da linguagem, renova essas reações habituais, tornando os objetos mais “perceptíveis”. [...] Estamos quase sempre respirando sem ter consciência disso; como a linguagem, o ar é, por excelência, o ambiente em que vivemos. Mas se de súbito ele se tornar mais denso, ou poluído, somos forçados a renovar o cuidado com que respiramos, e o resultado disso pode ser a intensificação da experiência de nossa vida material. Lemos o bilhete escrito por um amigo, sem prestarmos muita atenção à sua estrutura narrativa; mas se uma história se interrompe e recomeça, passa constantemente de um nível narrativo para outro, e retarda o clímax para nos manter em suspense, adquirimos então a consciência de como ela é construída, ao mesmo tempo em que nosso interesse por ela pode se intensificar. (EAGLETON, 2003, p. 4-5). O crítico conclui o raciocínio afirmando que os formalistas “consideravam a linguagem literária como um conjunto de desvios da norma, uma espécie de violência linguística: a literatura é uma forma ‘especial’ de linguagem, em contraste com a linguagem ‘comum’.” (EAGLETON, 2003, p. 6). 124 O formalismo russo e o estruturalismo 3.4 A função poética da linguagem Outro aspecto importante para os formalistas russos é a “função poética da linguagem”. Certamente, você já estudou o assunto na escola, inclusive, visualizando em livros o esquema da comunicação, o qual reproduzimos abaixo como lembrete. Aqui, vamos nos ater à função poética especificamente. Quem teorizou a respeito desta temática foi Roman Jakobson em seu livro Linguística e Comunicação (2010), cuja dica de leitura está dada na seção “Aprofundando seu conhecimento”. Para o referido autor, a função poética é aquela em que há “o pendor para a mensagem como tal, o enfoque da mensagem por ela própria” (JAKOBSON, 2010, p. 163). Em outras palavras, a literatura (chamada pelo linguista de arte verbal) caracteriza-se por uma preocupação com a própria elaboração da mensagem. Nesse sentido, Jakobson entende que é inerente a toda obra poética o trabalho especial com a linguagem em seus dois modos básicos de arranjo: a seleção e a combinação. Noutros termos, na literatura, há uma escolha criteriosa das palavras (seleção) e uma combinação estética, semântica e sonoramente pensada para se obter efeitos específicos. Daí, a importância do ritmo, das rimas, dos sons, das metáforas, das aliterações, das ambiguidades... Aliás, falando em ambiguidade, para o autor de Linguística e Comunicação, ela “se constitui em característica intrínseca, inalienável, de toda mensagem voltada para si própria, em suma, num corolário obrigatório da poesia” (JAKOBSON, 2010, p. 191). RECEPTOR (Função conativa) EMISSOR (Função emotiva) MENSAGEM (Função poética) CONTEXTO (Função referencial) CANAL (Função fática) CÓDIGO (Função metalinguística) 125 AULA 08 ATENÇÃO: “um linguista surdo à função poética da linguagem e um especialista em literatura indiferente aos problemas linguísticos e ignorante dos métodos linguísticos são, um e outro, flagrantes anacronismos” (JAKOBSON, 2010, p. 207). 3.5 O Estruturalismo: o que é e como surgiu Ao lado do Formalismo russo, como mais uma tendência crítica que enfatiza a análise imanente do texto literário, surgiu o Estruturalismo. Jonathan Culler apresenta sucintamente o contexto de aparecimento da referida corrente. Vejamos suas palavras a respeito do tema: Em geral, estruturalismo designa um grupo de pensadores principalmente franceses que, nas décadas de 50 e 60 deste século [XX], influenciados pela teoria da linguagem de Ferdinand de Saussure, aplicaram conceitos da lingüística estrutural ao estudo dos fenômenos sociais e culturais. O estruturalismo se desenvolveu primeiro na antropologia (Claude Lévi-Strauss), e depois nos estudos literários e culturais (Roman Jakobson, Roland Barthes, Gérard Genette), na psicanálise (Jacques Lacan), na história intelectual (Michel Foucault) e na teoria marxista (Louis Althusser). Embora esses pensadores nunca tenham formado uma escola enquanto tal, foi sob o rótulo de “estruturalismo” que seu trabalho foi importado e lido na Inglaterra, nos Estados Unidos e em outros lugares no final das décadas de 60 e 70. Nos estudos literários, o estruturalismo promove uma poética interessada nas convenções que tornam possíveis as obras literárias; busca não produzir novas interpretações das obras mas compreender como elas podem ter os sentidos e efeitos que têm. (CULLER, 1999, p. 120-121). Para outras duas autoras, “o Estruturalismo surgiu como mais uma forma de reação contra o estudo genético da Literatura e contra as posições (abordagens ou perspectivas) extrínsecas à Literatura. Apareceu, portanto, como uma afirmação do imanentismoem crítica literária.” (GONÇALVES e BELLODI, 2005, p. 129-130). Caro aluno, você percebe que há um ponto em comum entre os estruturalistas e os formalistas? A saber: ambas as teses rechaçam a análise a partir de elementos externos ao texto (biografia, contexto social etc.) e reforçam a ideia de análise imanente, ou seja, a partir de aspectos internos da obra. 126 O formalismo russo e o estruturalismo Segundo Gonçalves e Bellodi (2005, p. 136), os procedimentos estruturalistas geraram importantes modelos de análise narrativa, principalmente com Vladimir Propp, Tzvetan Todorov, Roland Barthes, Jean Pouillon, Claude Bremond e A. J. Greimas. No Brasil, o professor Affonso Romano de Sant’Anna seguiu a mesma linha num projeto de pesquisa que resultou na análise de vários romances brasileiros (A moreninha, O guarani, O cortiço etc.) sob esta perspectiva. Abaixo, confira a indicação de três obras que utilizaram o método estruturalista como modelo de análise. Para Terry Eagleton (2003, p. 129-130), “o estruturalismo propriamente dito encerra uma doutrina característica [...]: a convicção de que as unidades individuais de qualquer sistema só têm significado em virtude de suas relações mútuas”. Em outras palavras, o Estruturalismo é um método de análise que leva em consideração os elementos internos do texto em confronto ou em relação entre si. 3.6 O Estruturalismo: proposta e crítica Para entendermos melhor a proposta de análise estruturalista, vejamos uma ilustração do crítico Terry Eagleton que, ao mesmo tempo em que exemplifica a tese, faz também uma ironia ao método. Apesar de ser uma longa citação, vale a pena conferir: Vamos supor que estejamos analisando uma história na qual um menino sai de casa depois de uma briga com o pai, começa a andar pela floresta ao calor do dia e cai em um poço profundo. O pai vai à procura do filho, olha para dentro do poço, mas não consegue vê-lo devido à escuridão. Naquele momento, o sol está a pino, ilumina o fundo do poço Figuras 5 - 6 - 7 127 AULA 08 com seus raios e permite que o pai salve o menino. Depois de uma alegre reconciliação, eles voltam juntos para casa. Esta narrativa pode não ser particularmente atraente, mas tem as vantagens da simplicidade. É claro que ela pode ser interpretada de diversas maneiras. Um crítico psicanalítico poderia identificar claras sugestões do complexo de Édipo, e mostrar como a queda da criança no poço representa um castigo por ela inconscientemente desejado devido à briga com o pai; uma forma de castração simbólica, talvez, ou volta simbólica ao ventre materno. Um crítico humanista poderia lê-la como uma dramatização comovente das dificuldades implícitas nas relações humanas. Outro crítico poderia vê-la como um extenso e absurdo jogo com as palavras “son” e “sun” (“filho” e “sol”). O crítico estruturalista esquematizaria a história de forma dogmática. A primeira unidade de significação, “menino briga com o pai”, poderia ser reescrita como “o inferior rebela-se contra o superior”. A caminhada do menino pela floresta é um movimento ao longo de um eixo horizontal, em contraste com o eixo vertical “inferior/superior”, e poderia ser classificada como “intermediária”. A queda no poço, um lugar abaixo do solo, significa novamente “inferior”, e o zênite do sol, “superior”. Iluminado o poço, o sol, em certo sentido, “desceu ao inferior”, com isso invertendo a primeira unidade significativa da narrativa, onde o “inferior” voltou-se contra o “superior”. A reconciliação entre pai e filho restabelece um equilíbrio entre “inferior” e “superior”, e a caminhada de volta para casa, significando o “intermédio”, marca a obtenção de um estado intermediário adequado. Exultando em triunfo, o estruturalista redispõe suas regras e se prepara para a nova história. (EAGLETON, 2003, p. 130-131). Você percebeu, caro aluno, de que forma o Estruturalismo estuda o objeto literário? Importa a estrutura do texto e a relação que os elementos do texto têm entre si. Eagleton continua sua ironia afirmando que poderíamos substituir o pai e o filho da história por uma mãe e sua filha ou por um pássaro e uma toupeira e ainda assim teríamos a mesma história: “Enquanto a estrutura de relações entre as unidades for preservada, não importa quais os itens selecionados” (EAGLETON, 2003, p. 133). Entre outras críticas que Terry Eagleton apresenta, está a proposição de que o Estruturalismo é uma afronta ao bom senso, pois chega a rejeitar o significado “óbvio” das histórias, em busca de estruturas ditas profundas. Vamos fechar nossa teoria, agora, exercitando? 128 O formalismo russo e o estruturalismo Exercitando 1) O que há em comum entre os formalistas russos e os estruturalistas? 2) O que essas duas correntes acabam deixando de fora das análises literárias? 3) Que contribuições podemos citar do Formalismo e do Estruturalismo? 4 Aprofundando seu conhecimento Para aprofundar seu conhecimento sobre o assunto tratado nesta aula, seguem duas dicas de leitura: Livro: Linguística e Comunicação Autor: Roman Jakobson Editora: Cultrix Esta obra já é considerada um clássico do curso de Letras. É nela que está o artigo “Linguística e Poética”, em que o autor discorre sobre as funções da linguagem, com destaque para a função poética. Vale a pena conferir! Livro: Teoria da Literatura: formalistas russos Autores: B. Eikhenbaum et al. Editora: Globo Este livro é um dos mais importantes a respeito dos formalistas russos, se não for, de fato, o mais importante. Nele, encontram-se artigos fundamentais dos formalistas: “A arte como procedimento”, de Viktor Chklovsky; “A teoria do método formal”, de Boris Eikhenbaum; “Os problemas dos estudos literários e lingüísticos”, de J. Tynianov e R. Jakobson, entre outros. Figura 8 Figura 9 129 AULA 08 5 Trocando em miúdos Vamos utilizar as palavras do crítico inglês Terry Eagleton para resumir as ideias da corrente chamada de Formalismo russo: Em sua essência, o formalismo foi a aplicação da linguística ao estudo da literatura; e como a linguística em questão era do tipo formal, preocupada com as estruturas da linguagem e não com o que ela de fato poderia dizer, os formalistas passaram ao largo da análise do “conteúdo” literário (instância em que sempre existe a tendência de se recorrer à psicologia ou à sociologia) e dedicaram-se ao estudo da forma literária. Longe de considerarem a forma como expressão do conteúdo, eles inverteram essa relação: o conteúdo era simplesmente a “motivação” da forma, uma ocasião ou pretexto para um tipo específico de exercício formal. (EAGLETON, 2003, p. 4). O Estruturalismo, por sua vez, apresenta semelhanças com o Formalismo, na medida em que se preocupa com as estruturas internas da obra, mas focaliza seu método na questão das relações. As palavras de um texto devem ser analisadas a partir das relações que estabelecem entre si. O Formalismo e o Estruturalismo priorizaram o produto em si mesmo, não o processo ou a gênese desses produtos. Para eles, o material da poesia é a linguagem. Aproveitando o que já foi discutido em aulas anteriores, lembre-se, por exemplo, de que o Romantismo promoveu a ideia da linguagem metafórica como um traço distintivo da poesia e de todas as belles lettres. No Romantismo, o processo criativo era caracterizado como pensamento por imagem. Esse conceito era inaceitável para os formalistas, na medida em que envolvia a personalidade criativa e a psicologia da percepção. Apesar de serem passíveis de fortes críticas, as duas correntes – Formalismo e Estruturalismo – contribuíram para uma abordagem mais criteriosa da literatura como objeto estético e para se pensar o texto como uma totalidade indissolúvel. 130 O formalismo russo e o estruturalismo 6 Autoavaliando Chegado o fim de nossa aula, reflita sobre os seguintes questionamentos: você sabe dizer quais as teses principais dos formalistas russos e dos estruturalistas? Sabe também dizer o porquêda existência dessas correntes face o contexto em que foram criadas? E, por fim, você é capaz de indicar os pontos positivos e as lacunas de cada uma das propostas? Se suas respostas foram todas afirmativas e comprovadas, então é sinal de que você entendeu a nossa aula. 131 AULA 08 Referências BARTHES, Roland et al. Análise estrutural da narrativa. 6. ed. Petrópolis: Vozes, 2009. CULLER, Jonathan. Teoria literária: uma introdução. São Paulo: Beca, 1999. EAGLETON, Terry. Teoria da Literatura: uma introdução. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. EIKHENBAUM et al. Teoria da Literatura: formalistas russos. Porto Alegre: Globo, 1971. GONÇALVES, Magaly Trindade e BELLODI, Zina C. Teoria da literatura “revisitada”. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2005. JAKOBSON, Roman. Linguística e Comunicação. 22. ed. São Paulo: Cultrix, 2010. PASSOS, Leonardo. Formalismo russo: e suas contribuições para a moderna crítica literária. In: Revista Conhecimento Prático Literatura. 23. ed. São Paulo: Escala Educacional. Ano 2009, p. 12-16. PROPP, V. I. Morfologia do conto maravilhoso. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. SANT’ANNA, Affonso Romano de. Análise estrutural de romances brasileiros. 7. ed. São Paulo: Ática, 1990. SCHNAIDERMAN, Boris. Prefácio. In: EIKHENBAUM et al. Teoria da Literatura: formalistas russos. Porto Alegre: Globo, 1971, p. IX-XXII. _GoBack O formalismo russo e o estruturalismo 2 Começando a história 3 Tecendo conhecimento 3.1 Os formalistas russos: quem foram eles e o que defenderam? 3.2 A literariedade 3.3 A desautomatização da linguagem 3.4 A função poética da linguagem 3.5 O Estruturalismo: o que é e como surgiu 3.6 O Estruturalismo: proposta e crítica 4 Aprofundando seu conhecimento 5 Trocando em miúdos 6 Autoavaliando
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